Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17/14.8T8FAR.E1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: ADOPÇÃO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
DIREITO DE AUDIÇÃO
CONFIANÇA JUDICIAL DE MENORES
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MENOR
PERIGO
PRESSUPOSTOS
PERÍCIA SOBRE A PERSONALIDADE
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
PREFERÊNCIA
ASCENDENTE
PROTECÇÃO DA CRIANÇA
PROTEÇÃO DA CRIANÇA
PRINCÍPIO DA ACTUALIDADE
FILIAÇÃO
REVISÃO
INIBIÇÃO DO PODER PATERNAL
PROGENITOR
MEDIDAS TUTELARES
INCONSTITUCIONALIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/05/2018
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: BAIXA DOS AUTOS PARA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DA FAMÍLIA / ADOPÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ATOS PROCESSUAIS – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA.
Doutrina:
-Almiro Rodrigues, Interesse do menor, contributo para uma definição, Revista Infância e Juventude N.º 1, 1985, p. 18 e 19;
-Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família – Uma questão de Direito(s)”, 2.ª Edição, p. 362;
-Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6.ª Edição, p. 42;
-Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Introdução Preâmbulo, Artigos 1.º a 79.º, Edição, 2005, p. 423;
-Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2.º Volume, p. 646;
-Tomé d’Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, 7.ª Edição, p. 34 e 65.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1978.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 195.º E 615.º.
LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO: - ARTIGO 35.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA, SUBSCRITA EM NOVA IORQUE EM 26 DE JANEIRO DE 1990, RATIFICADA PELA RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º 20/90, IN DR. Nº 211/90, SÉRIE I, 1º SUPLEMENTO, DE 12 DE SETEMBRO DE 1990 .
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 16-03-2017, PROCESSO N.º 1203/12.OTMPRT5-B.P1.S1.
Sumário :
I – As questões cujo não conhecimento gera nulidade da sentença são constituídas pelos pedidos formulados, causas de pedir invocadas e exceções deduzidas, com elas não podendo ser confundidos os argumentos aduzidos pelas partes no sentido da solução que propõem como acertada para a decisão do pleito.

II – As nulidades de que tratam os arts. 195º e segs. do CPC são vícios de atos processuais e não de decisões judiciais, para as quais regula, especificamente e em exclusividade, o art. 615º do mesmo diploma.

III – A intervenção para promoção dos direitos da criança ou jovem em perigo só é legítima quando os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto puserem em situação de perigo atual a sua segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento.

IV – A medida de promoção a tomar visa afastar esse perigo, proporcionando à criança ou ao jovem as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral.

V – Para a aferição da subsistência da atualidade do perigo que ditou anterior medida de promoção e proteção “basta (…) a história pessoal passada dos pais (…) e a prognose de que este comportamento disfuncional não se inverteu nem existe a probabilidade de se vir a inverter num futuro próximo…”.

VI – A adoção, uma vez verificados os respetivos pressupostos, é uma forma constitucionalmente adequada de proteção dos interesses das crianças privadas de um ambiente familiar normal.

VII – Por interesse superior da criança deve entender-se “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.

VIII – Na escolha da medida de promoção e proteção a aplicar, incumbe ao julgador optar pela que melhor satisfaça o direito da criança a um desenvolvimento integral, no plano físico, intelectual e moral, devendo a tarefa de assegurar a tutela efetiva dos direitos dos pais em confronto com os direitos da criança ser orientada e determinada pela necessária prevalência dos interesses desta última.

IX – A medida de confiança a instituição com vista à adoção pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva das situações enunciadas no art. 1978º do CC.

X – De entre as previstas no art. 35º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, a medida de confiança a instituição com vista a adoção é a que maior e mais expressivo impacto tem na vida e no futuro da criança, não só porque determina a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte dos pais e a cessação dos laços afetivos eventualmente existentes entre a criança e a sua família biológica, mas também porque, em princípio, perdura, sem lugar a revisão, até ser decretada a adoção, salvo o caso excecional de se vir a revelar manifestamente inviável a sua execução.

XI – Estando decorrido muito tempo desde o início das intervenções que os factos provados atestam e tendo a criança já 11 anos, idade em que é natural possuir já, não só um considerável grau de discernimento, mas ainda uma vontade própria, torna-se necessário, com vista à indispensável aferição de qual será o seu superior interesse, conhecer a sua vontade quanto ao projeto de vida que implicará a medida de confiança com vista à sua futura adoção e, bem assim, as consequências que para uma criança com o seu passado e idade poderão advir da total rotura com os elementos que compõem a sua família biológica.

XII – Para tal deverá proceder-se à audição da criança e à realização de perícia psicológica à sua pessoa.

XIII – Dando a lei preferência a soluções que mantenham a criança dentro do círculo da sua família natural, a decisão a proferir sobre a medida a decretar deve pressupor uma prévia exclusão de outras soluções, nomeadamente através da averiguação e apuramento de factos relativos aos elementos familiares adultos da criança que viabilizem a formulação de conclusão segura sobre se é, ou não, viável a sua participação em medida que, suprindo a incapacidade dos progenitores, obste ao rompimento da criança com a sua família natural.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I – Requerida pelo Magistrado do Ministério Público a instauração de processo judicial de promoção e proteção a favor de AA, nascido em 05.03.2007, foi determinada, pelo despacho de fls. 54 a 60, a medida provisória de acolhimento, em execução da qual o mesmo se encontra acolhido, desde 28.11.2014, no Refúgio BB.

Em 15.12.2014 foi aplicada à criança e a sua irmã, nascida em 03.10.2003, a medida de acolhimento institucional (fls. 133 a 135), por ter havido acordo de promoção e protecção nesse sentido.

Tal medida foi sendo objecto de revisão[1] e, em 23.1.2017, o Ministério Público requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 62º, nºs 2 e 3, al. d)[2] e 35º, nº 1, al. g) da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro (LPCJP), que a mesma fosse substituída pela medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, ficando AA colocado na instituição onde se encontra acolhido.

Fundou-se, essencialmente em que:

- Os progenitores não manifestam capacidade de mudança, não reconhecem fragilidades no que respeita à gestão da vida do filho, cingindo tudo a um único fator: condições de habitação.

- Os progenitores tiveram toda uma vida - anos a fio - para se organizarem e nunca conseguiram mudar.

- Dados os anos que o processo já leva, os pais esgotaram as oportunidades que lhes foram dadas - sempre dadas aos pais contra a criança, porquanto não são as crianças que têm de ser colocadas em espera para os pais se organizarem.

- Os progenitores não se conseguiram estruturar e organizar de modo a criarem as condições para reintegrar este filho, não conseguiram criar um ambiente minimamente parecido com a família onde a criança possa crescer em harmonia e proteção.

- O agregado já foi intervencionado durante anos, tanto quanto podia sê-lo continuando os progenitores a não revelar competências parentais, bem como motivação e disponibilidade pessoal para aceitar as mudanças que assegurem a segurança, educação, saúde, formação, conforto e desenvolvimento do AA e da irmã.

- Inexiste família nuclear ou alargada capaz de garantir um projeto de vida para a criança.

- Os progenitores manifestam reiterada incapacidade para cuidar dos filhos, e deste em particular, e se o mesmo lhes fosse entregue veria em perigo grave a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento.

- Nunca os progenitores foram capazes de criar os laços próprios da parentalidade, reproduzindo em movimento perpétuo um clima tóxico, agressivo, violento e desleixado, exterminador da criação de laços geradores de afetos estruturados e saudáveis.


Após alegações apresentadas por ambos os progenitores, realizou-se o debate judicial a que alude o artigo 114º, nº 3, da LPCJP, onde, além do mais, se procedeu à audição da criança AA e dos seus progenitores e irmãs CC e DD.

Seguidamente proferiu-se decisão cujo dispositivo tem o seguinte teor:

«Pelo exposto, por unanimidade, acordam os juízes que compõem este Tribunal em:

1. Rever a medida provisória de acolhimento residencial e aplicar a favor da criança AA, a medida de promoção de confiança a instituição com vista à sua futura adoção, ficando a mesma colocada sob a guarda do Refúgio BB, em F….

2. O decretamento da medida suprarreferida tem como um dos seus efeitos a inibição do exercício das responsabilidades parentais dos progenitores, pelo que deverá após trânsito ser remetida certidão da sentença à Conservatória do Registo Civil para efeitos de averbamento ao assento de nascimento das crianças - artigo 1978°-A do Código Civil.

3. Nos termos e para os efeitos do artigo 62º-A, nºs 3 e 5 da Lei n.º 147/99 de 1 de setembro, nomeia-se curadora provisória da criança a Sr.ª Dr.ª EE do Refugio BB, em F….

4. Em consequência do decidido e atento o disposto no artigo 62°-A, n° 6 da LPPJCP não há lugar a visitas por parte da família natural, devendo a instituição suspender esses contactos de imediato.

5. Remeta cópia da decisão à técnica gestora informando não ter, ainda, a decisão transitado em julgado. 

6. Oportunamente envie cópia da presente decisão ao Refúgio BB, à segurança social (equipa de adoções), com informação que a decisão, ainda, não transitou em julgado.

7. Registe e notifique entregando cópia da sentença às ilustres causídicas e aos progenitores.

8. Notifique os progenitores e a criança, nas pessoas das suas ilustres advogada/patrona, da possibilidade legal de interporem recurso de apelação com efeito suspensivo da presente decisão, no prazo de dez dias (art° 122º-A da LPPCJP)

9. Fixa-se à presente ação o valor de € 30.000,01 (artigo 303.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).»


Contra esta decisão apelaram os progenitores, vindo o Tribunal da Relação de … a proferir acórdão que julgou o recurso improcedente.


De novo inconformados, os progenitores apresentaram o presente recurso de revista excepcional, admitido por acórdão da Formação a que alude o art. 672º, nº 3 do CPC, tendo apresentado alegações onde, pedindo a revogação do acórdão, formulam as conclusões que passamos a transcrever:

I) Os recorrentes não concordaram com a decisão proferida pelo TR…, a qual é ilegal e de manifesta injustiça, porquanto ao aplicar a favor da criança, a medida de promoção de confiança à Instituição com vista à sua futura adopção, ficando a mesma à guarda do Refugio BB, não respeitou os princípios aplicáveis de proporcionalidade e necessidade e ainda de actualidade e da adequação, nem respeitou, como devia, os interesses do menor.

II) Não obstante o previsto no art.° 988° n.° 2 do C.P.C., in casu é admissível recurso para esta instância recursiva - STJ - porquanto o presente recurso debruçar-se-á na aplicação da lei estrita, uma vez que entendem os Recorrentes que a decisão que ora se recorre violou critérios de legalidade.

III) Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça e, portanto, deste recurso, a apreciação da respectiva verificação, razão pela qual é admissível o presente recurso, o qual é excepcional, encontrando acolhimento na alínea a) e b) do art.° 672° do C.P.C., conforme de seguida se fundamenta.

IV) Ocorrendo a dupla conformidade de decisões, o recurso fica, em regra, vedado, salvo se o requerente da impugnação demonstrar, com êxito, concorrer alguma das três excepções ou pressupostos acolhidos pelas alíneas a), b) e c) do n.° 1 do art. 672°., in casu os progenitores recorrem nos termos do disposto das alíneas a) e b) -relevância jurídica e social, respetivamente.

V) Para efeitos da melhor aplicação do direito e sua clara necessidade, a relevância jurídica será de considerar quando a solução da questão postule análise profunda da doutrina e da jurisprudência, em busca da obtenção de "um resultado que sirva de guia orientadora a quem tenha interesse jurídico ou profissional na sua resolução", havendo a necessidade de apreciação de "ser aferida pela repercussão do problema jurídico em causa e respetiva solução na sociedade em geral, para além daquela que sempre terá, em maior ou menor grau, nos interesses das partes no processo".

VI) A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção é sem sombra de dúvida uma questão que muito tem movimentado a doutrina e jurisprudência, e consequentemente tem gerado divergência de posições.

VII) Trata-se de uma questão com contornos polémicos, difíceis e susceptíveis de interpretações tão divergentes que permitem considerá-la tão relevante que torna necessária uma intervenção deste Supremo Tribunal, para uma melhor aplicação do direito.

VIII) No que concerne à determinação dos interesses de particular relevância social, (alínea b) vem sendo jurisprudência da mesma formação, preencher-se o requisito quando a questão suscitada tenha repercussão fora dos limites da causa por estar "relacionada com valores sócio-económicos importantes e exista o risco, por isso, de fazer perigar a eficácia do direito ou de se duvidar da capacidade das instâncias jurisdicionais para garantir a sua afirmação", em suma, quando estejam em causa interesses que assumam importância na estrutura e relacionamento social, podendo interferir, designadamente, com a tranquilidade e segurança relacionadas com o crédito das instituições e a aplicação do direito, ou ainda quando se trate de questão suscetível de afetar um número de pessoas, quanto à segurança jurídica do seu relacionamento com as instituições, havendo um interesse que ultrapasse significativamente os limites do caso concreto (acs. de 02/9/2014, procs. 391/08.5TBVPA.P1.S1;10731/10.1TBVNG.P2.S1).

IX) In casu, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção além de se considerar uma temática bastante discutida na doutrina e na jurisprudência e com posições antagónicas, trata-se, igualmente, de uma questão que poderá interferir com a tranquilidade, a segurança ou a paz social, em termos de haver a possibilidade de descredebilizar as instituições ou o direito.

X) Trata-se de situações em que, nomeadamente, fique posta em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade por se tratar de casos em que há um invulgar impacto na situação da vida que a norma ou normas jurídicas em apreço visem regular, ou em que exista um interesse comunitário que, pela sua particular importância, pudesse levar, por si só, à admissão da revista por os interesses em jogo ultrapassarem significativamente os limites do caso concreto.

XI) Não obstante o Tribunal da Relação haver confirmado a decisão da 1.a Instância sem voto de vencido, a questão equacionada nestes autos possui enorme relevância jurídica, que justifica, face à ausência de jurisprudência inequívoca sobre a matéria, e para uma melhor aplicação do direito, a necessidade da sua apreciação em sede de revista excepcional, nos termos da alínea a) do n.° 2 do art. 672.°do Código de Processo Civil.

XII) Estão também manifestamente em causa interesses de particular relevância social, que igualmente exigem definição através de pronúncia desse Colendo Tribunal, nos termos da alínea b) daquela disposição legal;

XIIII) Ora, o Tribunal da Relação não se pronunciou como devia sobre uma questão levantada na respectiva alegação de recurso (a de que durante 2 anos e meio os serviços sociais pouco ou nada fizeram para dotar os pais de competências parentais para receber o seu filho de volta, através de programa próprio para este tipo de situação - CAFAP) e, aliás, expressamente referida nas conclusões que balizavam o objecto da apelação, assim cometendo a nulidade prevista na alínea d) do n.° 1 do art. 615.° do Código de Processo Civil.

XIV) Se a questão essencial suscitada pelos recorrentes prende-se com o facto de considerar que desde a institucionalização em 2014, os serviços do Estado pouco ou nada fizeram para os preparar para "receber o filho", pois a família teve apenas 4 acompanhamentos, diga-se visitas por parte da Segurança Social, durante dois anos e meio, os quais foram manifestamente insuficientes.

XV) Consideramos que deviam ter sido os pais ora recorrentes durante o período de institucionalização acompanhados com vista a ser dotados de técnicas e estratégias relativas à parentalidade, como sendo através de programas próprios paras estas famílias - CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, programa este que consiste num serviço de apoio especializado às famílias com crianças e jovens, vocacionado para a prevenção e reparação de situações de risco psicossocial mediante o desenvolvimento de competências parentais, pessoais e sociais das famílias. (Portaria n.° 139/2013 de 02 de Abril).

XVI) In casu, e salvo o devido respeito, nenhuma destas entidades procedeu com a devida diligência, actuando de forma superficial, desconsiderando o principal objetivo que seria dotar os pais de competências parentais com vista a receber o seu filho após a institucionalização, prestando-lhe os devidos cuidados, estabilidade e segurança, constituindo violação de direitos sociais protegidos constitucionalmente (art.° 67° alínea c) d) e e) da Constituição da República Portuguesa.

XVII) Por seu turno, o art. 69°, da CRP, estabelece que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão, devendo, o Estado, assegurar especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.

XVIII) Retirar-se as crianças aos pais e colocá-las numa instituição sem que, durante o tempo de "separação" nada ou muito pouco se promova junto da família.

XIX) Questionam os Recorrentes: Se o Estado defende que as crianças devem, em princípio estar junto dos país, e em casos de perigo pode o mesmo Estado afastá-los, não deverá o Estado durante este período de separação preparar a família para receber o filho? Ou simplesmente esquece-se porque o objectivo sempre foi a adopção? Aqui falhou, claramente o Estado, e os progenitores tendo em consideração os enormes laços afectivos que existem estão dispostos a "ir até às últimas consequências", como sendo recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, bem como Tribunal Constitucional.

XX) Nestes termos, a questão de confiança de menor a instituição com vista à adopção é uma pois uma questão que merece tutela adequada e digna de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, pois estão em causa interesses de particular relevância social que justificam a revista excepcional.

XXI) Acresce que, o Tribunal da Relação não se pronunciou como devia sobre sobre uma questão levantada na respectiva alegação de recurso (a de que durante 2 anos e meio os serviços sociais pouco ou nada fizeram para dotar os pais de competências parentais para receber o seu filho de volta, através de programa próprio para este tipo de situação - CAFAP) e, aliás, expressamente referida nas conclusões que balizavam o objecto da apelação, assim cometendo a nulidade prevista na alínea d) do n.° 1 do art. 615.° do Código de Processo Civil

XXII) É ponto assente que a aplicação da medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adopção, prevista no art.0 35, n.° l, al g) da LPCJP, para além da verificação dos pressupostos contidos no art.0 1978° do Cod. Civil, impõe que aos pais do menor sejam dadas todas as garantias e direitos de que dispõem.

XXIII) Tais garantias e direitos traduzem-se num acompanhamento junto dos progenitores aquando do processo de "separação", e quando as citadas garantias e direitos são feridos, a decisão que aplica a medida de proteção de confiança a pessoa selecionada para adoção ou a instituição com vista a futura adopção é nula, nos termos do art.0 195°, n.° 1, do Cod. Proc. Civil.

XXIV) Tal nulidade iustifica-se pela violação de garantia e direitos por parte dos recorrentes influírem no exame e decisão das causas, já que estes não tiveram oportunidade de se restruturar, tendo um acompanhamento digno por parte dos serviços sociais, os quais, mais uma vez apenas fizeram 4 visitas aos progenitores durante dois anos e meio.

XXV) Não se coloca em questão a existência e eventual necessidade da instauração de um processo de promoção e protecção no caso em apreço, discute-se e discorda-se, isso sim, da legitimidade e legalidade da medida adoptada.

XXVI) Acresce que, a situação de risco do menor não é actual ou efectiva ou, ainda que o fosse - o que apenas se concebe por mero dever de raciocínio - é hoje diversa da que ditou a instauração do processo de promoção e protecção, pois todo o Acórdão recorrido olvida esta realidade, centrando-se a decisão no reporte a factos e situações ocorridas há mais de 4 (quatro) anos; não se relevam nem as diferentes necessidades inerentes ao natural crescimento da menor, nem a evolução das competências parentais relativamente a tais diferenças.

XXVII) Considerar que as necessidades actuais do menor e as competências parentais dos progenitores são as mesmas que ditaram a instauração do processo, constitui um manifesto erro de avaliação da situação de facto.

XXVIII) O Acórdão recorrido encerra violação de lei, encontrando-se ferido de ilegalidade já que dele não resulta provado que, actualmente, o menor se encontre numa situação de risco, tal qual ela é definida nos termos da Lei n.° 147/99, de 01 de Setembro, nomeadamente no art.° 3º.

XXIX) A ausência de fundamentação e omissão de determinação da situação de risco, identificando, em concreto, o circunstancialismo em que tal situação se traduz hoje, não legitimam, justificam ou validam a existência de um processo de promoção e protecção, nem a decisão judicial que daí resulte, com efeito, a situação de perigo tem que ser actual ou iminente (art.° 5o, ai. d) do referido diploma), sendo que as medidas se destinam a a) Afastar o perigo em que estes se encontram; b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (art.° 34°).

XXX) Ao decidir como decidiu, é patente, manifesta e inaceitável contradição e oposição com os elementos probatórios constantes dos autos, relevando factualidade truncada, não fundamentada, conclusiva e até falseada nos seus pressupostos, bem como ao omitir e desconsiderar factualidade relevante, o Tribunal a quo incorreu em violação de lei, de forma grave e séria, nomeadamente no dever de imparcialidade, dos princípios orientadores do instituto de promoção e protecção e da própria constituição;

XXXI) A decisão é ainda violadora de lei, porquanto não é actual no que se refere à aferição das capacidades e competências dos progenitores, impunha-se uma avaliação destas em data próxima da decisão, já que as que constam do processo, em manifesto desfavor do sentimento de segurança e de bem estar material e moral que deve ser proporcionado à menor, são têmporas e desactualizadas, datando de há mais de dois anos.

XXXII) Face aos elementos constantes dos autos, não assiste ao Tribunal matéria para que possa aferir se o défice parental se mantém ou se foi, de todo, dirimido e ao decidir como decidiu, sem curar de aferir as competências actuais dos progenitores, e ainda de dotá-los de algumas que considerasse faltar, o Tribunal violou o disposto no art.° 4o, al. e).

XXXIII) Viola ainda o mesmo art.° e alínea (sic), no que respeita à proporcionalidade da medida, já que, face aos elementos colhidos nos autos, esta é excessiva, desadequada desproporcional.

XXXIV) Com efeito, a decisão de institucionalização com vista à adopção, tem que surgir como recurso único e último, depois de esgotadas todas as hipóteses previstas no art.° 35°.

XXXXV) Não demonstra a decisão que o tenham sido - bem pelo contrário! Atalhou-se caminho, atropelaram-se factos e, sobretudo, obviaram-se alternativas válidas e eficazes, ao decidir-se pela institucionalização da menor com vista à adopção; a decisão prolatada não é proporcional ao risco (tanto mais que o mesmo não se encontra efectivado), nem se encontra demonstrado ser último e único recurso.

XXXVI) E é, igualmente, violadora de lei, quando não respeita os princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família, da responsabilidade parental porque, face a tudo quanto coube exposto, não se encontra demonstrado que os mesmos são, actualmente, incapazes ou ineptos para prover aos cuidados básicos do filho, seja de forma autónoma ou com intervenção e ajuda de terceiros e do princípio da prevalência da família, porquanto quer a avô materna, quer a irmã CC demonstraram ter vontade e condições para acolher a menor ou, eventualmente apoiar os progenitores com o menor.

XXXVII) Não pode o Tribunal, com base em considerações vãs e obsoletas, não sustentadas factual ou documentalmente e que mais não representam do que juízos de prognose falseados na sua génese e motivação, concluir, sem mais, pela ineptidão desses familiares para acolherem o menor.

XXXIX) Tal asserção careceria de fundamentação muito mais densa e de prova irrefutável - o que não se verificou, pois mesmo que se tenha considerado que não se tenha estabelecido um vínculo minimamente seguro e estável, carece de todo e qualquer sentido, já que, seguindo-se este caminho, a criança virá a ser adoptada por quem não terá com ela qualquer vínculo.

XL) No caso em apreço, e salvo melhor opinião, os factos enunciados e dados como provados não demonstram que os progenitores da criança foram incapazes de lhes proporcionar as condições mínimas que se querem para qualquer criança, até porque, em 03/04/2009 decorrido que se mostrava o prazo da duração da medida protectiva aplicada em sede judicial o tribunal proferiu despacho de arquivamento do processo (artigo 41 da decisão do tribunal a quo\ determinando-se que "encontra-se assim afastada a situação de perigo que deu origem à presente intervenção judicial pelo que tendo decorrido o prazo de duração da medida, declaro cessada a medida que foi aplicada aos menores a folhas 92 a 95 destes autos, determinando o arquivamento oportuno dos presentes autos, nos termos do disposto no art.° 63° n.° 1 a) da LPCJP

XLI) Significa que, esta família em determinado momento manifestou sucessos e competências ao nível parental e assim aconteceu durante 3 anos e apenas em Dezembro 2012 é efetuada nova sinalização — relativa ao menor AA, sendo instititucionalizado dois anos mais tarde (2014).

XLII) Entendemos que nos presentes autos não foram seguidos os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, designadamente o do superior interesse das crianças, segundo o art. 3o n° 1 da Convenção sobre os direitos da Criança e em nosso entender é do interesse desta criança que a sociedade use de todos os meios ao seu alcance na recuperação desta família, cujas falhas não são inultrapassáveis se houver coerência nos métodos de ajuda.

XLII) Dúvidas não restam que não foram esgotadas todos os recursos que o Estado prevê, designadamente o programa CAFAP, indicado para situações como a presente.

XLIII) Sempre os pais se demonstraram receptivos aos programas propostos pelos serviços, e nunca recusaram qualquer tipo de apoio, podiam não ter conseguido atingir todos os objectivos propostos, mas tentavam e isso devia ter sido valorizado pelo tribunal.

XLIV) Conclui-se, pois não estarem reunidas as condições para a criança poder ser confiada com vista à adopção, uma vez que não estão verificadas as condições previstas no artigo 1978.°, n.° 1. alíneas d) e e) do Código Civil.

XLV) A aplicação de tal medida provoca o afastamento do menor da família e é o último recurso, apenas possível se outra medida suscetível de ser aplicada não for possível.

XLVI) A decisão proferida nos autos não respeita o superior interesse da criança, que a deixa entregue a uma instituição para posterior ou eventual entrega a pessoa/pessoas que ainda não foram determinadas concretamente e com quem o AA não mantém nenhuma relação afetiva, quando tem os pais e as irmãs que desejam ficar com ele e com quem mantém vínculos afetivos próprios da filiação e estão na disposição de receber qualquer e todo o apoio por parte do Estado, com o qual contam para melhorar o seu comportamento e condição de pais, com mais e melhores competências parentais.

XLVII) Acresce que relação mantida entre os irmãos (AA e DD) é de grande afecto e proximidade e que o afastamento irá provocar enorme prejuízo emocional a ambos os menores, pelo que deveria o tribunal ter considerando a mera hipótese da continuação de contactos entre os irmãos, nos termos do n.° 124° / 2 e 64° A n.° 2 da LPCJP.

XLVIII) Além do mais, se a criança se encontra numa situação estável na instituição, não há motivos para promoção de outra medida senão a de melhorar a sua condição presente e potencial e mais concretamente trabalhar com os progenitores com vista a receber a criança desta feita com competências parentais reforçadas.

XLIX) A criança mantendo-se institucionalizada, vê minimizado, senão mesmo afastado, qualquer perigo grave para a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.

L) O menor sente-se bem na instituição sendo que a mudança para uma casa distinta, por via da adopção acarreta mais riscos que garantias de salvaguarda dos seus interesses.

LI) A institucionalização de crianças tem sido alvo de um novo olhar, no sentido de proporcionar às crianças acolhidas um local de vida mais individualizado, afetivo e estimulante, o que passa pela diminuição do número de crianças internadas por unidade de acolhimento, por maior estabilidade e preparação do pessoal interveniente, pela abertura ao contacto com a família ou outras pessoas ligadas à criança e à boa inserção na comunidade (vide, além dos trabalhos, supra referidos, de Luísa Ribeiro Trigo e Isabel Alberto e de Paulo Delgado, o escrito de Maria de Fátima Fernandes Pereira Líbano Serrano, em/'Acolhimento temporário de crianças e jovens, experiência da CrescerSer - "case study", in "Volume comemorativo dos 10 anos do Curso de Pós-Graduação ...", citado, pág. 283 e seguintes; essa é, também, a filosofia consagrada na LPCJP: cfr. artigos 53.° e 58.°).

LII) O AA está bem integrado no Refugio BB em F…; está em idade escolar e integrado em escola pública nesse concelho, sendo pois aconselhável que por ora a criança se mantenha na aludida instituição por determinado prazo, sem prejuízo da revisão semestral imposta pelo art.° 62.° n.° 1 da LPCJP, ou de revisão anterior fundada em factos supervenientes que a justifiquem, nos termos previstos no n.° 2 do art.° 62.° da LPCJP, e nesse período sejam os pais referenciados para o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental.

LIII) Centro este que permitirá aos progenitores adquirir e fortalecer competências parentais nas diversas dimensões da vida familiar e compreenderá níveis diferenciados de intervenção de cariz pedagógico e psicossocial que, de acordo com as características das famílias, integram as modalidades de preservação familiar e reunificação familiar, que visam o regresso da criança ou do jovem ao seu meio familiar, designadamente nos casos de acolhimento em instituição ou em família de acolhimento, através de uma intervenção focalizada e intensiva que pode decorrer em espaço domiciliário e ou comunitário, (Portaria n.° 139/2013 de 2 de Abril - art.° 8o), regresso do AA e da DD, a qual apesar de institucionalizada na Casa FF em F…, passa todos os fins de semana com os recorrentes e ainda épocas festivas e aniversário.

nestes termos

E nos melhores de Direito julgando, o presente recurso provado e procedente e, consequentemente, ordenando a revogação do Acórdão recorrido, aplicando ao menor medida que melhor salvaguarda o seu superior interesse, seja a integração e acolhimento junto da sua família natural, seja o acolhimento e apoio junto dos progenitores, ou caso, assim não se entenda, substituir-se a medida adoptada de confiança a instituição com vista a futura adopção prevista no artigo 35.° alínea g) da L.P.C.J.P., pela medida anteriormente aplicada nestes autos de acolhimento institucional, sujeita a revisão nos termos legais, subordinada aos progenitores frequentarem durante esse período, Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental - criado pela Portaria n.° 139/2013 de 2 de Abril, que se aplica no caso em apreço.

Assim decidindo, farão V, Exas. acostumada JUSTIÇA


Em contra-alegações que apresentou, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, sustentou a improcedência do recurso.


Colhidos os vistos cumpre decidir.


II – Vêm descritos como provados os seguintes factos:

1. As crianças AA e DD encontram-se registadas como filhos de GG (que teve a criança AA aos 42 anos de idade) e de HH (que foi pai do AA aos 49 anos de idade).

2. À data da abertura do presente processo (17.9.2014), as crianças e os requeridos residiam na vivenda …, Bairro …., O….

3. Compunha, ainda, o agregado, uma irmã uterina, CC, maior de idade.

4. Na habitação contavam-se ainda nove gatos e um cão (declarações …).

5. O AA, a DD e a CC já haviam beneficiado do processo de promoção e proteção n° 17/08.7 TMFAR, 1º juízo deste tribunal (fls. 70 e seguintes deste processo cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

6. O processo iniciou-se em 2007 através de sinalização da PSP de O… (folhas 4) porquanto as duas crianças estavam então acompanhadas pela bisavó II de 83 anos de idade com saúde debilitada e acamada, o que a impedia de prestar os cuidados devidos às crianças (fls. 70 e seguintes deste processo cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais).

7. Os serviços de saúde não conseguiam contactar com a progenitora no sentido de marcar a consulta à criança mais nova - AA - então com menos de 1 ano de idade (fls. 70 e seguintes deste processo cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais).

8. A PSP contactou a progenitora que reconheceu que o ambiente em sua casa não era o mais aconselhável para as crianças dadas as constantes discussões com o companheiro, pai dos filhos. Desde que o companheiro fora presente a tribunal por violência doméstica, há cerca de ano - relativamente àquela data - que não mais batera na progenitora (fls. 70 e seguintes deste processo cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais).

9. Naquela data a progenitora não trabalhava e o progenitor fazia biscates, sendo sentidas carências de toda a natureza (fls. 70 e seguintes deste processo cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais).

10. O AA nasceu no termo da gravidez que sobreveio à progenitora após relações sexuais não consentidas por ela (fls. 7 do processo da comissão).

11. Quando a criança nasceu, o pai não visitou o filho no hospital (fls. 9 do processo da comissão).

12. Logo em abril de 2007 o AA foi encaminhado para a equipa de intervenção precoce (fls. 8 do processo da comissão).

13. Posto que o AA apresentava faltas no contexto de tal intervenção, em 13.11.2007 os serviços de saúde efetuaram visita domiciliária (fls. 8 do processo da comissão).

14. Ao baterem à porta, ouviu-se do interior da casa portas a bater e o choro da DD. A chave estava pelo lado de fora da porta que a DD tentava abrir por dentro. A bisavó II, acamada, chamava pela progenitora dos menores (fls. 8 do processo da comissão).

15. Foi chamada a PSP. Eis quando a progenitora aparece no primeiro andar com alguma desorientação e agitação esclarecendo que não abrira a porta porque se encontrava “muito deprimida” e “só me falta ter coragem para tomar comprimidos e acabar com tudo” (fls. 8 do processo da comissão).

16. A habitação encontrava-se “infraestruturada encontrando-se somente desarrumada” (fls. 8 do processo da comissão).

17. O frigorífico encontrava-se apenas com alguns hambúrgueres, latas de bebida não alcoólica e pouco mais (fls. 8 do processo da comissão).

18. Segundo a mãe, o marido não lhe dava dinheiro para efetuar as compras e era o pai da progenitora que lhe levava alguns alimentos (fls. 8 do processo da comissão).

19. O AA, que tinha por hábito dormir com a bisavó, inalava um cheiro intenso a urina de adulto proveniente da bisavó (fls. 8 do processo da comissão).

20. A cama da idosa não tinha qualquer resguardo estando apenas com um edredão (fls. 8 do processo da comissão).

21. Questionada a requerida sobre a situação de violência doméstica, aquela referia que já não havia agressões físicas entre os progenitores, mas continuavam a agredir-se verbalmente não importando quem estivesse presente, designadamente, os filhos (fls. 8 do processo da comissão).

22. Em 21.11.2007 foi efetuada nova visita domiciliária (fls. 16 do processo da comissão).

23. A casa estava desarrumada - lixo e roupa por todo o lado, objetos de vidro partidos na sala, restos de comida em cima das mesas (fls. 16 do processo da comissão).

24. A DD estava em casa do avô materno “que a vem buscar quando” a mãe não está bem (fls. 16 do processo da comissão).

25. O AA estava na cama com a bisavó materna (fls. 16 do processo da comissão).

26. A progenitora não estava bem psicologicamente. Não tinha vontade para fazer nada. Só lhe apetecia estar deitada e partir tudo e esquecia-se dos cuidados mínimos às crianças (fls. 16 do processo da comissão).

27. Em 28.11.2007 foi efetuada nova visita domiciliária (folhas 16).

28. A progenitora dava à colher papa láctea ao AA que estava deitado de barriga para cima na cama da bisavó, sem nada a elevar-lhe o tronco (fls. 16 do processo da comissão).

29. Chamada a atenção da progenitora para o perigo de engasgamento, esta referiu que o alimentava sempre assim “porque ele não se sente bem ao colo e faz muita porcaria” (fls. 16 do processo da comissão).

30. Foi contactado pessoalmente, o avô materno, Sr. JJ, que se mostrou triste e envergonhado com a situação referindo que a progenitora “sempre foi assim, que a filha não se sabe orientar, que ele é que tem de lhe pagar as dívidas contraídas e que o companheiro da filha não consegue manter um emprego estável” (fls. 16 do processo da comissão e declarações do avô materno).

31. O avô materno mostrou-se recetivo a cuidar da DD (fls. 17 do processo da comissão).

32. No dia 17.12.2007 às 11 horas, a CPCJ realizou uma visita domiciliária (fls. 26 do processo da comissão).

33. O progenitor dormia e não foi possível falar com ele (fls. 26 do processo da comissão).

34. A DD, de quatro anos, continuava a dormir na cama com os pais, pois não tinha cama própria (fls. 27 do processo da comissão).

35. A irmã CC, então com quinze anos, estava deitada, a dormir sozinha num quarto e não foi possível falar com ela (fls. 26 e 27 do processo da comissão).

36. Os progenitores estavam desempregados (fls. 27 do processo da comissão).

37. Existia grande carência alimentar e, àquela hora (11:00 horas), as crianças ainda não tinham comido, tendo a última refeição acontecido no dia anterior antes de as crianças terem ido dormir (fls. 27 do processo da comissão).

38. Como o pai não prestasse consentimento para a intervenção a comissão remeteu o processo para os serviços do MP deste Tribunal que intentou o competente processo de promoção e proteção.

39. Nessa sequência foi, em 1.4.2008 celebrado acordo protetivo com a aplicação da medida de apoio junto dos pais (fls. 89).

40. Em 16.3.2009, a técnica da segurança social elaborou um relatório contante de fls. 94 a 96 cujo teor se dá por integralmente reproduzido onde conclui pela inexistência de perigo e onde consta nomeadamente:

“1. A CC frequenta o estabelecimento de ensino com aproveitamento, É assídua e pontual (...) 2. O menor AA (...) está enquadrado na AMA. Apresenta-se com a higiene cuidada e tem as consultas de vigilância e o Plano Nacional de Vacinação actualizado, (...) 3 - A DD está enquadrada no jardim de infância. É assídua e pontual. 4- O progenitor do menor AA tem mantido o seu posto de trabalho e contribui para as despesas e necessidades da família. 5. A família continua a receber o apoio do avô materno e recebe as visitas diárias deste. 6 - O Departamento de Psiquiatria e saúde Mental de F… não marcou mais nenhuma consulta para a progenitora (relatório de fls. 94 a 96).

41. Em 3.4.2009 decorrido que se mostrava o prazo da duração da medida protetiva aplicada em sede judicial o Tribunal proferiu despacho de arquivamento do processo (fls. 97).

42. Em dezembro de 2012 (ano letivo 2012/2013) o Agrupamento de Escolas, Escola Básica dos 2º e 3º ciclos … voltou a sinalizar o AA à CPCJ (fls. 58 do processo da comissão).

43. Na escola tinha comportamentos agressivos com colegas e praticava pequenos furtos (retirava chapéus ou brinquedos que escondia e levava para casa) (fls. 58 do processo da comissão).

44. Tinha atitude desafiante face ao adulto. Não focava o seu interesse na aprendizagem e comprometia o processo de aprendizagem (fls. 58 do processo da comissão).

45. Apresentava higiene deficitária; vestuário inapropriado para a idade, mal agasalhado e com dificuldades de concentração sempre que lhe era apresentada uma atividade (fls. 58 do processo da comissão e declaração da técnica da CPCJP KK).

46. Vagueava pelo bairro sozinho ou com crianças mais velhas sem supervisão de adulto (fls. 58 do processo da comissão e declarações das técnicas da CPCJP KK e gestora do processo LL).

47. O AA faltava por vezes à escola e à Associação MM onde estava inscrito, sem que a progenitora o conseguisse fazer comparecer (fls. 58 do processo da comissão e declarações das técnicas da CPCJP KK).

48. A progenitora apresentava um discurso articulado, mas sem que isso se traduzisse na forma como agia (fls. 58 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

49. O AA apresentava falhas de cabelo e feridas na cabeça - que a progenitora afirmava terem sido provocadas por doença transmitida pelos nove gatos. A progenitora levou o filho ao veterinário (fls. 58 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

50. Instada a levar o filho ao centro de saúde: não acatou a sugestão e colocou na criança uma pomada que já tinha em casa (fls. 58 e 58 v do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

51. A casa da família ficara sem água por falta de pagamento (fls. 58 v do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

52. O cheiro que vinha de dentro de casa era “nauseabundo” (fls. 58 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

53. Os colegas de escola do AA e da DD diziam-lhes por vezes: “a tua casa não tem móveis; a tua casa está suja; a tua casa está cheia de gatos, pombos e cães” (fls. 58 do processo da comissão).

54. Os progenitores viviam à conta dos abonos dos filhos (fls. 58 do processo da comissão).

55. A DD tinha um percurso escolar marcado pelo sucesso educativo, sendo apoiada pelos avós maternos (avô e “avódrasta”), o que conferia um grau de proteção superior ao do AA - não apoiado pelos avós (fls. 58 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

56. A Associação MM amparava a família com a possibilidade de tomarem banho, realizarem a higiene nas instalações, apoiava na alimentação e vestuário (fls. 58 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

57. Foi sugerida a “artimanha” de a progenitora pedir RSI em nome do pai, uma vez que ela estava impedida de o requerer em seu nome por incumprimento de convocatória, a progenitora, todavia, afirmava estar à procura de emprego - facto que já se arrastava no tempo (fls. 58 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

58. As necessidades do AA iam muito para além do que a Escola e a Associação podiam oferecer. A família não era contentora e não revelava capacidade para suprimir as necessidades básicas e de organização do projeto educativo e de vida do AA (fls. 58 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

59. Neste cenário, em 22.02.2013 em sede de atendimento na CPCJ o progenitor opinava: “a mãe é uma criança que não tem maturidade porque sempre esteve habituada a ter tudo e a que fizessem tudo por ela e agora não consegue impor respeito e regras...” (fls. 129 do processo da comissão).

60. Em maio de 2013 a Associação MM onde a progenitora começou, no início, por comparecer às sessões do “Atelier NN” informou que ela deixara de comparecer durante o mês de março de 2013 (fls. 77 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

61. Primeiro porque arranjou trabalho durante algum tempo na fábrica de folares de O… (fls. 77 e 130 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

62. Após o término do trabalho não comparecia por não se identificar com os conteúdos (fls. 77 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

63. A partir de janeiro de 2013 o agregado começara a receber apoio alimentar diário com refeição confecionada - através de um pedido formulado pela Associação MM. Naquela data (janeiro de 2013) a casa do agregado não possuía água nem gás (fls. 77 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

64. A Associação disponibilizou as suas instalações para a prática de higiene diária; dos membros do agregado, nomeadamente higiene pessoal e banhos diários; assim como disponibilizou vestuário adequado para todos os membros, uma vez que estes se apresentavam com vestuário desadequado e muitas vezes sujo (fls. 77 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

65. A partir da referida data de março de 2013 (que coincidiu com o trabalho temporário da progenitora) a família deixou de ir à Associação buscar água e realizar a higiene. A progenitora deixou de ir à Escola … levar, semanalmente, roupa para lavar, como fazia às quartas-feiras (fls. 77 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

66. A DD deixou de ir ao apoio escolar desde as férias da Páscoa de 2013 e voltou mais tarde (fls. 78 v do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

67. A DD justificou a ausência na associação porque os colegas faziam “comentários depreciativos” o que a deixava triste e desconfortável (fls. 78 v do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

68. O AA, após um período de ausência, voltou à Associação (fls. 78 v do processo da comissão).

69. A Associação realizou visita domiciliária e verificou que o espaço era amplo, ao abandono, desorganizado, com áreas muito sujas, nomeadamente, uma casa de banho com água verde na banheira e um quarto fechado onde já haviam estado pombos e que nunca fora limpo. Estas duas áreas situavam-se junto ao quarto da DD sendo que este era desprovido de quaisquer condições de conforto para a criança (fls. 78 do processo da comissão).

70. Em fevereiro de 2013 a Associação propôs aos progenitores que fizessem uma seleção de móveis e outros objetos que não estivessem em condições para posterior recolha pela OO, não lhes sendo pedida uma limpeza mais profunda por a residência não ter água (fls. 78 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

71. Cerca de dois meses depois, o agregado nada fizera apresentando como desculpa o facto de o progenitor não poder ajudar porque tinha um pé partido (fls. 78 do processo da comissão).

72. Com a ajuda do protocolo das Verdades Escondidas + GAAF da Escola … a progenitora tratou do pedido de RSI que lhe foi concedido por doze meses (fls. 78 do processo da comissão).

73. A Associação fez ainda uma exposição à Ação Social da Camara Municipal de O… conseguindo que a água fosse ligada mediante aprovação de um plano de pagamento das prestações em atraso, a cumprir de acordo com o RSI dado ao agregado (fls. 58 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

74. Em 26.9.2013 foi aplicada, junto da comissão, a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais ficando os progenitores encarregados de tarefas básicas como cuidar da higiene, alimentação, saúde, conforto vestuário e garantir a frequência no equipamento educativo (fls. 88 a 93 do processo da comissão e declarações da técnica da CPCJP KK).

75. Em outubro de 2013 as crianças faltavam às atividades da Associação MM (fls. 94 do processo da comissão).

76. Membros da Associação deslocaram-se à residência e a postura da progenitora foi: os filhos não querem frequentar a associação preferindo ficar em casa e se os filhos não querem ir não vão (fls. 94 do processo da comissão).

77. Ganhavam perto de 300 € de RSI e o marido estava a fazer uns trabalhinhos com um senhor e dava para ir andando (fls. 94 do processo da comissão).

78. A DD apresentava-se minimamente asseada, apesar de a Associação lhe ter de aplicar Nixe (loção para piolhos) quando foram à piscina e limparam-lhe a cabeça para poder ir de tarde com o restante grupo (fls. 94 do processo da comissão).

79. A situação do AA agravava-se drasticamente: muito magro e pálido e a roupa suja, (fls. 94 do processo da comissão).

80. Em outubro de 2013 a escola informava que a DD era assídua e pontual. Apresentava dificuldades, mas executava as tarefas com algum empenho. Muita agressiva no modo de falar, quer com adultos, quer com colegas, mas relacionava-se com toda a turma, à exceção de dois alunos repetentes. A progenitora acompanhava o percurso escolar da educanda e solicitara apoio alimentar devido a dificuldades económicas, já tinha registo de participações e quando confrontada com as situações respondia mal ou chorava (fls. 100 do processo da comissão).

81. Relativamente ao AA, a escola informava em janeiro de 2014 que era um elemento muito perturbador, quer em contexto de sala de aula, quer no recreio - nem conseguia estar sossegado nem calmo. Não revelava nenhum interesse pelas aprendizagens e a sua primeira frase era “não sei fazer isto, não faço” (fls. 104 do processo da comissão).

82. Implicava com os colegas, atirava objetos, riscava as mesas cortava as cadeiras com a tesoura, retirava material aos colegas, cortava cadernos, esburacava-os (fls. 104 do processo da comissão).

83. Na sala era-lhe retirado o material suscetível de ser perigoso (fls. 104 do processo da comissão).

84. Em contexto de recreio mostrava a língua várias vezes aos funcionários; quando ia à casa de banho conseguia perturbar a aula - batia nos vidros das janelas, etc... (fls. 105 do processo da comissão)

85. No primeiro período de aulas, apesar de ser assíduo, chegava sempre cinco a dez minutos atrasado (fls. 104 do processo da comissão).

86. Não queria saber de nada. Não tinha regras quer para estar, quer para se relacionar com o outro (fls. 104 do processo da comissão).

87. Como estratégia para minorar o comportamento do aluno, a progenitora chegou a estar na sala de aula e a participar nas atividades do educando. No princípio a estratégia funcionou e o ambiente na sala de aula conseguiu melhorar (fls. 104 do processo da comissão).

88. Logo em janeiro de 2014, todavia, o AA já se escudava na mãe para não fazer nada. Entre a mãe e o filho gerava-se um burburinho na sala de aula que perturbava o decurso da lição. A mãe chegava depois do filho e mal ela chegava, o AA deixava de fazer as tarefas escolares em curso. A mãe passou apenas a levar o filho à escola (fls. 104 do processo da comissão).

89. Em 18 de fevereiro de 2014 a DD não tinha realizado pela sétima vez os trabalhos para casa e apresentava um comportamento perturbador, sendo necessário chamá-la à atenção (fls. 108 do processo da comissão).

90. Em março de 2014 as duas crianças AA e DD tinham assiduidade inconstante na Associação (folhas 114).

91. Confrontada a progenitora com as atitudes do filho, aquela revelava-se impotente para fazer face a tais comportamentos - embora a criança tivesse completado apenas sete anos de idade (fls. 104 do processo da comissão).

92. A professora titular referia que o AA era um elemento perturbador de todo o ambiente da sala de aula e alvo de constantes atenções, pois o seu instinto era chamar a atenção pela negativa e concluía a docente carecer a criança de uma intervenção técnica mais profunda (fls. 104 do processo da comissão).

93. Chamada a atenção da progenitora para as atitudes do AA na via pública (atira objetos às janelas, companhias inadequadas, etc.) e para a necessidade da progenitora acompanhar o filho, aquela nada fez para travar o comportamento do mesmo (fls. 114 do processo da comissão).

94. Em março de 2014 a escola reforçou a informação que já prestara do AA (folhas 116 e seguintes).

95. Em sede de atendimento com a progenitora, realizado após 20.3.2014, após ser confrontada, de forma concreta, com o reiterado incumprimento e colocada perante a questão de o AA permanecer fora de casa por longo períodos e a desoras, exaltou-se, gritou até se fartar e classificou o trabalho da comissão num português vernáculo, que a CPCJ se absteve de reproduzir (fls. 123 do processo da comissão).

96. Desde janeiro de 2014 que o registo escolar e comportamental da DD se agravava: menor motivação; maior agressividade; dificuldade de autocontrolo e na gestão interrelacional, sendo mencionadas a existência de ameaças, ofensas e insultos em relação a outros colegas.

97. Dado o reiterado incumprimento e a manutenção de claros traços de disfuncionalidade familiar e a resistência da mãe à mudança e à ação dos técnicos, e a presença nula do pai no projeto de vida dos filhos, a comissão procedeu à remessa do processo para os serviços do MP deste Tribunal (fls. 119 a 124 do processo da comissão).

98. Já em sede jurisdicional, em 7.11.2014, o agregado encontrava-se no seguinte estado (folhas 27 e seguintes):

- A irmã CC já tinha vinte e dois anos;

- A progenitora era a principal cuidadora dos filhos e considerava nada lhes faltar, tendo as crianças vidas estruturadas e organizadas;

 - A progenitora apenas reconhecia que por vezes os filhos faltavam à escola e não tinha comida para dar aos filhos, mas desvalorizava este último aspeto, pois as crianças comiam na escola; 

- A mãe centralizava o seu discurso no facto de viverem perto de um bairro social e os filhos davam-se com pessoas que lá viviam, fator que desorganizava o AA e a DD. Exemplificava: numa noite em período de férias escolares o AA não regressava a casa e a mãe não sabia dele, e teve de andar pela rua à procura do filho que encontrou em casa de um amigo residente nesse tal bairro; ilustrou, ainda, um outro episódio em que o AA e um grupo de amigos foram encontrados a praticar danos num edifício.

99. Na escola, a situação mantinha-se: as crianças eram negligenciadas ao nível de cuidados básicos; apresentavam um elevado número de faltas; mostravam desmotivação escolar; exibiam comportamentos disruptivos e falta de supervisão parental (relatório de fls. 30 e 31).

100. A Associação MM supria a negligência dos pais: dava ao AA comida, banho, tratamento dos ferimentos corporais (levando a criança ao Centro de Saúde) e apoio ao estudo. A progenitora não colaborava com essa entidade. Ainda assim, o AA era visto a recolher comida e objetos do caixote do lixo (relatório de fls. 31).

101. A segurança social em colaboração com a Associação MM efetuou uma visita domiciliária (relatório de fls. 31).

102. Não foi, todavia, possível abordar as circunstâncias de vida do AA e da DD, porque os progenitores começaram uma discussão entre eles devido ao processo de promoção e proteção ter transitado para tribunal (relatório de fls. 31).

103. A progenitora não reconhecia a necessidade da intervenção e o progenitor esclareceu não prestar qualquer colaboração no processo, mandando essa responsabilidade para cima da progenitora (relatório de fls. 31).

104. A progenitora considerava que os diferentes serviços os andavam a perseguir e queria a intervenção terminada, pois estava a prejudicar as crianças (relatório de fls. 31).

105. A progenitora abandonou alguns apoios, nomeadamente alimentar, porque “era muito cansativo”, pois tinha de ir diariamente buscar e levar a comida para casa. Todavia, arranjara uma alternativa: ia diariamente buscar as sobras da cantina à Escola do AA, mas utilizava essa comida para alimentar os animais (cães e gatos) que tinha em casa (relatório de fls. 31).

106. Não havia gás em casa por falta de possibilidades económicas de comprar uma botija (relatório de fls. 31). 

107. A residência era insalubre: restos de comida espalhada pelo chão, móveis partidos e cheiro nauseabundo, aparentemente por falta de higiene (relatório de fls. 32).

108. As entidades que acompanham o AA e a DD consideravam ter-se a situação vindo a degradar (relatório de fls. 32 e 33).

109. Em 27.11.2014, mediante despacho judicial, foi aplicada a medida cautelar de acolhimento residencial, porquanto os progenitores não se manifestavam capazes de exercer as suas funções parentais de forma responsável, e o AA e a DD não podiam manter-se integrados numa dinâmica familiar disfuncional quando os progenitores não se encontravam recetivos à mudança e à intervenção protetiva (relatório de fls. 31 e decisão de fls. 54 a 60).

110. Em 28.11.2014 o AA foi acolhido no Refúgio BB (fls. 109) e a DD foi acolhida na Casa FF, em F…, onde ainda se mantêm (fls. 100 e 105).

111. Aquando do acolhimento o AA, com sete anos de idade, apresentava falta de higiene no corpo e vestuário: cabelo com lêndeas, unhas das mãos e pés muito grandes (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

112. Tinha um comportamento permanente de intensa angústia, hipervigilância, muito desconfiado, grande tensão interior, muito ansioso, semblante facial com olhar agressivo, “carregado de raiva e ódio”, muito zangado com tudo e todos e extremamente reativo, ao nível verbal e físico. Uso de linguagem quase só de palavrões, obscena (ex: caralho; filha da puta, etc) (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

113. O AA era extremamente opositivo, provocador desafiador, e em constante desobediência e recusa em cumprir e obedecer a regras normas e limites (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

114. Não reconhecia nem identificava os adultos como cuidadores/protetores nem como figuras de autoridade, nem aceitava a autoridade dos mesmos, chegando mesmo a tentar e a agredir, efetivamente, os adultos, verbal e fisicamente (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

115. Face à imposição da figura de autoridade e no confronto/competição com os pares, e perante o mais pequeno toque físico por parte dos pares, perdia o controlo, passava de imediato ao ato, de forma cega, reagindo com extrema agressividade desferindo socos pontapés, empurrões, chegando mesmo a ter de ser contido para não espancar, magoar ou ferir os pares. Por vezes auto agredia-se, exibindo marcado comportamento de descontrolo emocional (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

116. Apresentava um funcionamento comportamental automático de sobrevivência, muito primário (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

117. Reagia mal à proteção, segurança, afeto, carinho, conforto, banho, alimentação e às coisas novas que a instituição lhe proporcionava (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

118. Apresentava grave dificuldade de autorregulação e grave desorganização comportamental, afetiva com grande dificuldade na interação pessoal e social e no processamento de estímulos sensoriais como por exemplo toque afetivo (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

119. Exteriorizava comportamento de grande sofrimento, ansiedade e de grave tensão/conflito interno/psíquico (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

120. Reagia mal às mudanças e variações de contexto e de rotinas - o que constitui um comportamento caraterístico de crianças que vivenciam ambientes marcados pela imprevisibilidade do comportamento e da ação dos adultos (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

121. Revelou ser uma criança que esteve habituada a fazer o que queria, sem horários, sem regras, sem limites, sem qualquer intervenção protetiva ou orientação ou autoridade e contenção - física e emocional - por parte da figura do adulto (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

122. Apresentava grande labilidade comportamental e de humor com alterações emocionais e de comportamento intensas, significativas, prolongadas e muito desorganizadas. Vulnerabilidade emocional e psíquica (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

123. Apresentava alterações significativas no seu desenvolvimento, mais significativo nas áreas afetiva-emocional, pessoal, social e relacional pelo facto de ter vivenciado grave privação e negligência ao nível dos cuidados básicos de saúde, higiene, alimentação e de estimulação a todos os níveis - cognitivo, linguagem, motor e afetiva (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

124. Revelava significativa baixa autoestima, transmitindo sentimento de medo ansiedade, com olhar perdido e bastante assustado (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

125. Apresentava fracos recursos intelectuais, linguagem, e fracos recursos ao nível da aprendizagem escolar em todas as áreas curriculares (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

126. Concluía a equipa técnica da instituição ter a criança sido sujeita a grave privação de estimulação e negligência a todos os níveis nos anos que antecederam o acolhimento (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

127. O seu desenvolvimento psicológico, relacional e afetivo-emocional foi penalizado pelo severo abandono, rejeição e de ausência de socorro por parte dos adultos que o deveriam cuidar e proteger, sobretudo pela total ausência de sentimento de pertença e em sentir-se protegido e amado por alguém no período antecedente ao acolhimento (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

128. Vivenciou ambiente familiar marcado por grande imprevisibilidade de comportamento dos adultos, sobretudo da mãe e do pai, com repercussões negativas até ao presente (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

129. A intervenção terapêutica na instituição constatou que os fracos recursos ao nível do funcionamento intelectual, linguagem, social, pessoal e emocional do AA se deviam à grave negligência, abandono e à privação de estimulação a que foi sujeito, tendo após a institucionalização a criança registado grandes e favoráveis evoluções (fls. 321 e segs; declarações da técnica EE).

130. Em 15.12.2014 foi celebrado acordo de promoção e proteção com aplicação da medida a ambas a crianças de acolhimento residencial (folhas 133 e seguintes).

131. Após o acolhimento das crianças foi efetuada visita domiciliária aos progenitores, sem aviso. Tinham pintado o quarto das crianças e deitaram fora mobílias e objetos que se encontravam degradados (relatório de fls. 150).

132. A habitação, principalmente a cozinha, mantinha um cheiro nauseabundo e muito deteriorada com as paredes e o chão muito sujos. O agregado deixara de falar com o avô materno das crianças por este ter dito que tinha sido melhor elas terem ido para uma instituição visto que a mãe não sabia cuidar dos filhos (relatório de fls. 150).

133. Em 14.12.2015 a técnica gestora do processo não conseguia realizar visitas domiciliárias visto nenhum elemento se encontrar em casa. Existia, contudo, um elevado número de animais, inclusive fechados dentro de casa e comida espalhada para alimentar os mesmos. A casa estava à venda (relatório de fls. 183).

134. Em 16.06.2016 o agregado continuava a não abordar com a gestora do processo o contexto familiar e as condições propiciadas, e afirmavam que eram salvaguardadas as necessidades para o bem-estar geral, havendo orientação e supervisão parental. O agregado centrava os fatores que levaram ao acolhimento, a situações externas, tal como a proximidade do bairro social e os amigos ali residentes serem más influências (relatório de fls. 242 e declarações da técnica LL).

135. O progenitor visitou o filho com alguma regularidade até outubro de 2015. Posteriormente a essa data visitou o filho em média uma vez por mês (fls. 300 e segs; declarações da técnica EE).

136. O avô materno e a sua esposa visitaram o AA em 13.12.2014, sendo que a esposa do avô materno efetuou dois telefonemas - em 10.12.2014 e em 11.02.2015 (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

137. O Avô materno visitou novamente o neto em 25.2.2017 (declarações da técnica EE).

138. A irmã uterina CC (atualmente com vinte e quatro anos de idade) realizou a primeira visita ao irmão passados mais de dois meses de acolhimento. Posteriormente visitou-o em média uma a duas vezes até 01.11.2015. Em 2016 efetuou três visitas em: 24.1; 3.4 e 11.9 (fls. 301 e declarações da técnica EE).

139. A irmã DD, acolhida na Casa FF visita o irmão com regularidade na companhia da mãe e por vezes na companhia do pai (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

140. A progenitora apresenta limitações/dificuldades/incapacidade ao nível das suas capacidades e competências sociais, pessoais, afetivas e maternais (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

141. Tem comportamento depressivo, labilidade de humor e por vezes apresenta apatia, desapego, desligamento da realidade envolvente e confusão mental, indiciador de comportamento de cariz psicopatológico (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

142. Revela grande dificuldade de organização e de planeamento das rotinas, prioridades e dinâmica da sua função maternal/parental, doméstica/familiar, parecendo remeter estas responsabilidades para as filhas CC e DD (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

143. Estabelece com o filho AA e com a filha DD uma relação de “igual para igual”, assumindo a DD o papel do adulto, sendo esta habitualmente a interlocutora da família. É a DD quem intervém junto do AA para o repreender, aconselhar ou orientar, após o diálogo e a intervenção dos técnicos. A mãe adota um comportamento passivo e ouvinte face à intervenção da DD junto do irmão. A DD parece assumir o papel de cuidadora da mãe e da família. A progenitora manifesta dependência e necessidade de orientação e de supervisão de terceiros (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

144. O pai apresenta uma postura e comportamento de apatia, inércia, de desligamento e de desinteresse na relação, interação, jogo e comunicação. Habitualmente é a filha DD quem assume o comando da relação, diálogo e atividade lúdica com o AA. O pai parece não querer comprometer-se na relação com os filhos (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

145. Pai e mãe negam os motivos que levaram à institucionalização dos filhos afirmando “ser tudo mentira”, responsabilizando e culpando sempre os outros, vizinhos, “problemas de bairro”, escola, serviços. Afirmam ter condições. Revelam incapacidade para percecionar a existência de problemas familiares (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

146. Revelam dificuldades de “insight”. Não têm consciência de que devem e têm de mudar (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

147. Têm dificuldade e incapacidade de pôr em prática as orientações dos técnicos (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

148. Transmitem ausência de apoio e de retaguarda familiar (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

149. Têm grande dificuldade na imposição de regras e limites, em saber dizer “não” e na manutenção da ordem e exercício da autoridade. As crianças impõem a sua vontade, desejos e caprichos sem qualquer oposição ou contrariedade dos pais (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

150. Não mostram dispor de recursos e capacidades para assumirem, por si só, os cuidados dos filhos (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

151. O agregado enquanto viveu em conjunto protagonizava cenas de pancada entre o pai e a mãe, gritos, palavrões, arremesso de objetos e pancada no AA, que apanhava tanto do pai como da mãe e era fechado no quarto escuro. A noite trazia para a criança todos os medos e por isso ficava na rua do dia para a noite, altura em que ia procurar comida no balde do lixo (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE baseada nos relatos e comportamentos da criança).

152. À data do debate a requerida continuava desempregada (declarações da filha CC).

153. Da informação constante de fls. 302 a 305 cujo teor se dá por integralmente reproduzido consta:

(…) Relativamente à perceção da dinâmica familiar existente, aquando da vivência da criança com os pais/família:

O AA quando lhe ê solicitado falar sobre o que se passava em casa transmite, de imediato, profunda angustia, sofrimento emocional, resistência em (re)vivenciar as memórias/recordações dolorosas e traumáticas, parecendo ficar assustado, como se tivesse medo de ter consequências pelo facto de estar a expor a sua família, assim como sentimento de estar a trair os pais (...)

O AA chora com intensa angústia (as lágrimas correm-lhe pelo rosto) transmite medo, insegurança e grande fragilidade/vulnerabilidade emocional e psicológica, verbalizando ter assistido a grave violência (física e verbal) entre o Pai e a mãe, assim como sofrimento pelo mau-trato exercido pelo Pai e Mãe sobre si, relatando:

- O Pai chegava a casa maluco ... porque bebia ... chegava bêbado a casa... gritava... chamava palavrões ...batia na minha mãe...na DD (irmã) em mim... a Mãe também batia no pai, empurravam-se... às vezes caiam...atiravam coisas...partiam coisas...gritavam muito (...)

O pai batia-me... chamava-me palavrões ...porque eu portava-me mal...eu queria ir brincar para a rua... o pai batia-me com os ramos das árvores...eu fugia para a rua...depois não ia para casa...escondia-me...tinha medo...e a mãe também me batia... batia-me com a mão... no corpo ...gritava muito... chamava-me palavrões ...fechava-me no quarto às escuras...eu tinha medo...eu fugia para a rua...eu depois tinha medo de voltar para casa...eu queria brincava na rua...faltava à escola...dormia na rua...eu tinha medo que à noite me fizessem mal... quando tinha fome eu ia ao balde do lixo apanhar comida para comer... às vezes ficava dias na rua... tinha medo de voltar para casa (...)

O seu discurso descreve um ambiente familiar/dinâmica familiar disfuncional/desestruturado, marcado pela violência doméstica, física e verbal, desorganização e ausência de higiene, regras, rotinas, autoridade, imprevisibilidade da ação dos adultos (Pais), ausência de protecção e de socorro, onde viveu com medo, assustado e às vezes com fome, imperando a sobrevivência física emocional e psicológica (...)

Após o seu acolhimento foi desencadeado um processo de estimulação e suporte psicoterapêutico visando a (re)equilibração desta Criança.

O AA beneficiou de forte intervenção terapêutica e pedagógica e de estimulação em todas as áreas do seu desenvolvimento, sobretudo a nível sensorial, relacional e afectiva, tendo-se verificado que ao longo do acolhimento tem apresentado grandes evoluções, muito favoráveis, ao nível das suas capacidades e competências globais revelando actualmente um comportamento global mais eficiente e adequado em todas as áreas, inclusive cognitivo/intelectual.

Ao longo da intervenção psicoterapêutica esta Equipa Técnica tem constatado que os fracos recurso ao nível do funcionamento intelectual, linguagem, social, pessoal e emocional desta criança se devem à grave negligência, abandono e a privação de estimulação a que o AA foi sujeito.

Ao longo do acolhimento e de todo o processo de intervenção terapêutica e pedagógica de recuperação a que foi sujeito, o AA tem adquirido estratégias mais adequadas e eficientes para lidar com a frustração e conflitos internos apresentando melhor organização do seu comportamento emocional, pessoal, social e cognitivo revelando agora índices psicológicos e de desenvolvimento favoráveis e mais ajustados ao que é esperado atendendo ao seu grupo etário (...)".

154. Aquando da entrada na instituição a criança frequentava o 2º ano de escolaridade, mas não sabia ler apresentando competência de uma criança do 1º ano, e por esse motivo ficou retido, frequentado atualmente o 3º ano de escolaridade (declarações da técnica EE).

155. A criança oscila entre a angústia de reviver o passado e de trair a aliança com os pais, embora tenha sido orientado para em Tribunal dizer só a verdade (declarações da técnica EE).

156. A criança refere gostar mais de estar no espaço Refugio em comparação com a casa onde habitava com os pais, embora refira pretender regressar para a família (declarações da técnica EE).

157. Desde que se encontra na instituição a criança não mais teve piolhos nem faltou à escola (declarações da técnica EE).

158. A criança era agredida pelo pai com socos e pontapés (declarações da técnica EE conjugada com as declarações da criança e o desenho por si elaborado sobre o Dia Mundial dos Maus Tratos).

159. O AA refere inúmeras vezes “Eu sou mau”, “eu não presto”, “eu não sou bom” (declarações da técnica EE).

160. A requerida progenitora vendeu a casa onde habitava e disse ao filho AA que na nova casa tinha um quarto só para ele (declarações da técnica EE).

161. A progenitora celebrou um contrato de compra e venda da casa onde habita pelo valor de 135.000 €, tendo recebido 21.000 € a título de sinal em setembro de 2016 (declarações da progenitora e da técnica PP).

162. Desses 21.000 € deu de sinal, a quantia de 11.000 € para um terreno onde pretende construir a nova casa que pensa estar pronta para habitar daqui a quatro/cinco meses (declarações progenitora e técnica PP).

163. A requerida já gastou os restantes 10.000 €, nomeadamente na compra de roupa, calçado e numa máquina fotográfica para a filha DD, coisas para a casa e para liquidar as dívidas às finanças (800 €).

164. A DD, de treze anos de idade, quando comparece às visitas ao irmão aparenta ser uma mulher, com comportamento sensualizado, envergando salto alto, vestidos de mulher, pintando os olhos, de forma carregada, os lábios de vermelho e as unhas (declarações da técnica EE).

165. Na perspetiva da instituição as visitas da família à criança são negativas, face ao projeto de vida delineado para a criança (adoção) (declarações da técnica EE).

166. A mãe orgulha-se de dizer que não trabalha, mas que a filha CC sempre contribuiu financeiramente (declarações da técnica EE)

167. A criança mantém vínculo afetivo é com a irmã DD (declarações da técnica EE).

168. Em declarações efetuadas pelo avô materno das crianças junto da técnica da instituição este referiu que a requerida, sua filha, já havia estado internada no centro de saúde mental e que “quando não está boa leva tudo à frente” (declarações da técnica EE).

169. A requerida oscila entre a apatia/desligamento/passividade chegando a adormecer nas visitas e a ansiedade/tensão/labilidade muito grande no humor (declarações da técnica EE).

170. O requerido por seu turno é impávido parecendo às vezes até ser “surdo” (declarações da técnica EE).

171. A DD apresenta uma aliança muito forte com a mãe, comparecendo nas visitas carregada de sacos de compras da Zara, Berska e Stradivarius, etc. que adquiriram com o dinheiro adveniente do sinal recebido pela venda da casa onde os requeridos ainda habitam e de onde terão de sair brevemente (declarações da técnica EE).

172. Para o AA é difícil imaginar uma família normal onde não haja frio, fome, piolhos e violência entre os pais (declarações da técnica EE conjugada com o desenho elaborado pela criança para a feitura de um cartaz realizado a propósito do Dia dos Maus-Tratos)

173. A irmã uterina do AA encontra-se a residir na casa da mãe e padrasto, trabalha na Loja Cortefiel no Fórum … e refere contribuir para o pagamento das despesas da casa (declarações da técnica PP e da testemunha CC).

174. Após o acolhimento dos filhos a progenitora inscreveu-se no IEFP onde iniciou cursos de formação nas áreas de logística e armazenagem, apoio à infância e geriatria (does. fls. 401,402 a 406).

175. Em outubro de 2015 a DD completou doze anos de idade, pelo que a partir desse momento passou a contar como maior e as visitas apenas a serem permitidas a dois elementos do agregado família, sendo a mãe e a DD que visitam usualmente o AA (declarações jovem DD).

176. Em 9.2.2017 a progenitora inscreveu-se como candidata a emprego do IEFP (doc. fls. 408).

177. Em 31.12.2006 a requerida auferiu cerca de 240 € como funcionária da empresa QQ, SA (doc. fls. 409).

178. A DD remeteu ao processo as cartas constantes de fls. 235 e 506, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.


III – Abordemos então as questões suscitadas.


Das nulidades atribuídas ao acórdão:

A primeira das nulidades que os recorrentes imputam ao acórdão recorrido é a omissão de pronúncia, vício previsto no art. 615º, nº 1, alínea d) do CPC, e cuja existência radicam na alegada circunstância de o aresto, indevidamente, ter deixado de apreciar a questão que haviam suscitado de, durante dois anos e meio após a institucionalização da criança em 2014, os Serviços Sociais pouco ou nada terem feito com vista a dotar os pais de competências parentais para receber o seu filho de volta, através de programa próprio para este tipo de situação – CAFAP – Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental – conclusões 13ª, 14ª e 21ª.

Sem razão, como veremos.

O dito art. 615º, nº 1, alínea d), em perfeita sintonia com a imposição estabelecida no nº 2 do art. 608º do mesmo diploma adjetivo – nos termos da qual, e além do mais, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras -, fere de nulidade a sentença em que o juiz tenha deixado de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Estas “questões”, como é entendimento pacífico - tanto da doutrina como da jurisprudência -, são constituídas pelos pedidos formulados, causas de pedir invocadas e, bem assim, pelas exceções deduzidas, com elas não podendo ser confundidos os argumentos aduzidos pelas partes no sentido da solução que propõem como acertada para a decisão do pleito.[3]

Ora, no caso dos autos, a leitura das 46 conclusões elaboradas no recurso de apelação e da pretensão final que remata as respetivas alegações permite constatar, sem margem para dúvida razoável, que a questão submetida pelos recorrentes ao Tribunal da Relação consistia em saber se era, ou não, de substituir a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção aplicada na 1ª instância à criança AA, pela medida de acolhimento institucional antes aplicada e que até aí tinha vigorado, subordinada à condição de os progenitores frequentarem, durante esse período, Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental.

Isto mesmo se considerou no acórdão impugnado, onde, em enunciação do objeto do recurso, se escreveu: “Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir consubstancia-se em saber se a medida de promoção e proteção aplicada em benefício do menor, de entrega a instituição com vista à adoção, é a que melhor se ajusta aos seus interesses, em detrimento da sugerida medida de acolhimento institucional, subordinada à condição dos progenitores frequentarem durante esse período, Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental.”

Ao sustentarem a sua tese os recorrentes invocaram, naturalmente, argumentação vária - substancialmente idêntica, aliás, à que trouxeram a esta revista -, tendente a demonstrar que a medida de promoção e proteção que propunham e continuam a propor para a criança é a que melhor satisfaz o seu superior interesse.

E, nesse trilho, sustentaram, além do mais, que, depois da institucionalização da criança em 2014 e até ao presente, os Técnicos da Segurança Social apenas visitaram a família da criança “cerca” (sic) de 4 vezes, em contactos desprovidos de qualquer intenção de reabilitação e sem que, em momento algum, tenham remetido os progenitores para um programa próprio como é do CAFAP; que nenhuma das entidades referidas na conclusão XXV procedeu com a diligência devida, atuando de modo superficial, desta feita desconsiderando o objetivo principal que seria o de dotar os pais de competências parentais que lhes permitissem vir a receber o filho após a institucionalização.

Trata-se, pois, não de qualquer “questão” de que o tribunal devesse conhecer, mas sim de argumento usado, entre os demais, para fundamentar e dar corpo à pretensão de ver substituída a medida de promoção e proteção aplicada à criança, constituindo esta substituição ou manutenção da medida determinada a verdadeira questão a decidir.

E esta foi decidida, pelo que nunca poderia ser assacado ao acórdão impugnado o vício em causa.


É de salientar, ainda assim, que a dita argumentação, no tocante à afirmada falta de apoio aos progenitores, foi abordada e sopesada na decisão proferida.

Com efeito, depois da seguinte afirmação[4]:

“Na conclusão XXVI dizem os recorrentes que nenhuma das entidades referidas na conclusão XXV, ou seja, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, o Tribunal, as Entidades Públicas ou Privadas do âmbito da Segurança Social e da Saúde e da Educação) «procedeu com a devida diligência, actuando de forma superficial, desconsiderando o principal objetivo que seria dotar os pais de competências parentais com vista a receber o seu filho após a institucionalização, prestando-lhe os devidos cuidados, estabilidade e segurança.»

Acrescentando que «se a criança se encontra numa situação estável na instituição, não há motivos para promoção de outra medida senão a de melhorar a sua condição presente e potencial e mais concretamente trabalhar com os progenitores com vista a receber a criança desta feita com competências parentais reforçadas (conclusão XXXV).”, o acórdão prossegue, desmentindo, com base nos factos provados, a invocada falta de apoio aos progenitores e salientando,   também com recurso ao demonstrado nos autos, a falta de colaboração da progenitora, concluindo depois: “Estes e muitos outros exemplos que se podem colher da panóplia de factos provados, demonstram inequivocamente que desde o ano de 2007 o agregado familiar tem vindo a ser intervencionado, porém sem que tenham sido alcançados os resultados desejáveis.”

Assim, e como acima adiantámos já, nulidade por omissão de pronúncia não existe.


Mas uma outra nulidade, agora com apelo ao que dispõe o art. 195º, nº 1 do CPC, é imputada pelos recorrentes ao acórdão impugnado, ao longo das conclusões XXII a XXIV.

Se bem entendemos a sua ideia, o acórdão será nulo nos termos daquele preceito adjetivo, por ter confirmado a aplicação de medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, sem que tenha havido adequado acompanhamento dos pais da criança após a sua institucionalização.

Desde logo, esquecem que as nulidades de que tratam os arts. 195º e segs. do CPC são vícios de atos processuais e não de decisões judiciais, para as quais regula, especificamente e em exclusividade, o sobredito art. 615º.

Fora das circunstâncias aí caraterizadas como integrando nulidades, nenhumas outras são suscetíveis de determinar a invalidade formal das decisões judiciais.

Ademais, se em causa estivesse uma irregularidade processual passível de integrar a previsão do art. 195º, nº 1, a mesma sempre haveria de ter sido atacada pela via enunciada nos preceitos subsequentes, designadamente no art. 199º do mesmo diploma adjetivo.

Conclui-se, pois, que, mesmo a ter-se verificado, o invocado circunstancialismo não afetaria a regularidade formal do aresto.


Do mérito da decisão:

Passamos a abordar, pela ordem por que são expostas nas prolixas e repetitivas conclusões dos recorrentes, as críticas que tecem ao acórdão recorrido no campo da subsunção dos factos ao direito aplicável.


Sobre a invocada inexistência de situação de risco atual do menor:

Ao longo das conclusões XXVI a XXXII os recorrente sustentam, em resumo, e se bem entendemos a sua posição, que o menor não se encontra em situação de risco atual e efetivo, o que obstará a que lhe seja aplicada qualquer medida de promoção ou proteção, daí partindo para a asserção de que o acórdão impugnado, ao confirmar, com reporte a factos e situações ocorridas há mais de quatro anos, a decisão de 1ª instância que aplicou a AA a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, está ferido de ilegalidade, por violar o art. 3º, conjugado com o art. 5º, c)[5] e o art 34º todos da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de setembro.[6]  

Exposta imediatamente após terem dito que não põem em causa a necessidade de medida de promoção e proteção e que apenas discutem a legitimidade e legalidade da que foi adotada – conclusão XXV -, a esta tese falta, desde logo, coerência, tanto mais que prosseguem sustentando e pedindo, a final, que a medida decretada seja substituída por outra “que melhor salvaguarda o seu superior interesse” ou pela que até aí vigorava.

A isto acresce a sua absoluta falta de fundamento.

É certo que a intervenção para promoção dos direitos da criança ou jovem em perigo só é legítima, como se vê do art. 3º, quando os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto puserem em perigo a sua segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento.

Também é verdade que a situação de perigo tem de ser atual, constituindo, aliás, essa atualidade um dos princípios norteadores da intervenção, como resulta do que dispõe a alínea e) do art. 4º.

Finalmente, como preceitua o art. 34º, é objetivo das medidas de promoção, enunciadas no art. 35º, afastar esse perigo, proporcionando à criança ou ao jovem as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, “ou seja, a sua finalidade é consequência lógica dos fundamentos substantivos da intervenção.”[7]

Ora, a situação de risco que, em Novembro de 2014, punha em perigo a segurança, saúde, educação, bem-estar e desenvolvimento de AA e para cujo afastamento se decretou e deu execução à medida de acolhimento residencial, primeiro como medida cautelar e, mais tarde, na sequência de acordo de promoção e proteção – factos nºs 109 a 130 –, mantém-se.

Ou seja, sem as condições de vida que essa medida - ou outra que a substitua - vem proporcionando à criança, o dito perigo, induzido pelos pais, persiste.

A propósito de inexistência de perigo atual legitimador da intervenção do Estado no âmbito da promoção de direitos e proteção de criança, invocada naquela revista em termos muito semelhantes aos aqui invocados pelos recorrentes, escreveu-se no acórdão deste STJ de 16 de março de 2017[8]:

Naturalmente que essa situação de perigo – que a própria recorrente aceita que legitimou a instauração deste processo (…) – tem que ser entendida tendo em conta a situação anterior à sua instauração e que a justificou, actualizada à data da decisão em 1ª Instância (salvos os casos em que, em recurso, se puder trazer ao processo factos supervenientes), e a prognose que os factos provados permitem construir se a medida de confiança para adopção não for decretada, que é o que a recorrente pretende (…)”.

Ou, no dizer linear e claro de Helena Bolieiro e Paulo Guerra[9], para a aferição da subsistência da atualidade do perigo que ditou anterior medida de promoção e proteção “basta (…) a história pessoal passada dos pais (…) e a prognose de que este comportamento disfuncional não se inverteu nem existe a probabilidade de se vir a inverter num futuro próximo, para que esta alínea (a alínea d) do nº 1 do art. 1978º do Código Civil) possa funcionar (…)”

Que a situação de perigo em que AA foi colocado por seus pais persiste é - como acima adiantámos já - asserção a que necessariamente se chega se atentarmos nos inúmeros e detalhados factos que vêm julgados como provados, dos quais exemplificativamente se destacam os descritos sob os nºs 109 a 130 e os enunciados sob os nºs 132 a 170, o primeiro grupo por ser revelador do estado psicológico e físico da criança e das condições em que vinha sendo criado, quando, no final de 2014, lhe foi aplicada a medida de acolhimento residencial, e o segundo grupo por evidenciar que, após essa institucionalização, os progenitores não adquiriram, nem recursos económicos, nem capacidades que os habilitem a um adequado exercício da sua responsabilidade parental.

Com efeito, relembrem-se, entre os mais, os seguintes factos:

151. O agregado enquanto viveu em conjunto protagonizava cenas de pancada entre o pai e a mãe, gritos, palavrões, arremesso de objetos e pancada no AA, que apanhava tanto do pai como da mãe e era fechado no quarto escuro. A noite trazia para a criança todos os medos e por isso ficava na rua do dia para a noite, altura em que ia procurar comida no balde do lixo (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE baseada nos relatos e comportamentos da criança).

153. Da informação constante de fls. 302 a 305 cujo teor se dá por integralmente reproduzido consta:

(…) Relativamente à perceção da dinâmica familiar existente, aquando da vivência da criança com os pais/família:

O AA quando lhe ê solicitado falar sobre o que se passava em casa transmite, de imediato, profunda angustia, sofrimento emocional, resistência em (re)vivenciar as memórias/recordações dolorosas e traumáticas, parecendo ficar assustado, como se tivesse medo de ter consequências pelo facto de estar a expor a sua família, assim como sentimento de estar a trair os pais (...)

O AA chora com intensa angústia (as lágrimas correm-lhe pelo rosto) transmite medo, insegurança e grande fragilidade/vulnerabilidade emocional e psicológica, verbalizando ter assistido a grave violência (física e verbal) entre o Pai e a mãe, assim como sofrimento pelo mau-trato exercido pelo Pai e Mãe sobre si, relatando:

- O Pai chegava a casa maluco ... porque bebia ... chegava bêbado a casa... gritava... chamava palavrões ...batia na minha mãe...na DD (irmã) em mim... a Mãe também batia no pai, empurravam-se... às vezes caiam...atiravam coisas...partiam coisas...gritavam muito (...)

O pai batia-me... chamava-me palavrões ...porque eu portava-me mal...eu queria ir brincar para a rua... o pai batia-me com os ramos das árvores...eu fugia para a rua...depois não ia para casa...escondia-me...tinha medo...e a mãe também me batia... batia-me com a mão... no corpo ...gritava muito... chamava-me palavrões ...fechava-me no quarto às escuras...eu tinha medo...eu fugia para a rua...eu depois tinha medo de voltar para casa...eu queria brincava na rua...faltava à escola...dormia na rua...eu tinha medo que à noite me fizessem mal... quando tinha fome eu ia ao balde do lixo apanhar comida para comer... às vezes ficava dias na rua... tinha medo de voltar para casa (...)

O seu discurso descreve um ambiente familiar/dinâmica familiar disfuncional/desestruturado, marcado pela violência doméstica, física e verbal, desorganização e ausência de higiene, regras, rotinas, autoridade, imprevisibilidade da ação dos adultos (Pais), ausência de protecção e de socorro, onde viveu com medo, assustado e às vezes com fome, imperando a sobrevivência física emocional e psicológica (...)

Após o seu acolhimento foi desencadeado um processo de estimulação e suporte psicoterapêutico visando a (re)equilibração desta Criança.

O AA beneficiou de forte intervenção terapêutica e pedagógica e de estimulação em todas as áreas do seu desenvolvimento, sobretudo a nível sensorial, relacional e afectiva, tendo-se verificado que ao longo do acolhimento tem apresentado grandes evoluções, muito favoráveis, ao nível das suas capacidades e competências globais revelando actualmente um comportamento global mais eficiente e adequado em todas as áreas, inclusive cognitivo/intelectual.

Ao longo da intervenção psicoterapêutica esta Equipa Técnica tem constatado que os fracos recurso ao nível do funcionamento intelectual, linguagem, social, pessoal e emocional desta criança se devem à grave negligência, abandono e a privação de estimulação a que o AA foi sujeito.

Ao longo do acolhimento e de todo o processo de intervenção terapêutica e pedagógica de recuperação a que foi sujeito, o AA tem adquirido estratégias mais adequadas e eficientes para lidar com a frustração e conflitos internos apresentando melhor organização do seu comportamento emocional, pessoal, social e cognitivo revelando agora índices psicológicos e de desenvolvimento favoráveis e mais ajustados ao que é esperado atendendo ao seu grupo etário (...)".

E ainda que:

“140. A progenitora apresenta limitações/dificuldades/incapacidade ao nível das suas capacidades e competências sociais, pessoais, afetivas e maternais (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

141. Tem comportamento depressivo, labilidade de humor e por vezes apresenta apatia, desapego, desligamento da realidade envolvente e confusão mental, indiciador de comportamento de cariz psicopatológico (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

142. Revela grande dificuldade de organização e de planeamento das rotinas, prioridades e dinâmica da sua função maternal/parental, doméstica/familiar, parecendo remeter estas responsabilidades para as filhas CC e DD (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

143. Estabelece com o filho AA e com a filha DD uma relação de “igual para igual”, assumindo a DD o papel do adulto, sendo esta habitualmente a interlocutora da família. É a DD quem intervém junto do AA para o repreender, aconselhar ou orientar, após o diálogo e a intervenção dos técnicos. A mãe adota um comportamento passivo e ouvinte face à intervenção da DD junto do irmão. A DD parece assumir o papel de cuidadora da mãe e da família. A progenitora manifesta dependência e necessidade de orientação e de supervisão de terceiros (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

144. O pai apresenta uma postura e comportamento de apatia, inércia, de desligamento e de desinteresse na relação, interação, jogo e comunicação. Habitualmente é a filha DD quem assume o comando da relação, diálogo e atividade lúdica com o AA. O pai parece não querer comprometer-se na relação com os filhos (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

145. Pai e mãe negam os motivos que levaram à institucionalização dos filhos afirmando “ser tudo mentira”, responsabilizando e culpando sempre os outros, vizinhos, “problemas de bairro”, escola, serviços. Afirmam ter condições. Revelam incapacidade para percecionar a existência de problemas familiares (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

146. Revelam dificuldades de “insight”. Não têm consciência de que devem e têm de mudar (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

147. Têm dificuldade e incapacidade de pôr em prática as orientações dos técnicos (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

148. Transmitem ausência de apoio e de retaguarda familiar (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

149. Têm grande dificuldade na imposição de regras e limites, em saber dizer “não” e na manutenção da ordem e exercício da autoridade. As crianças impõem a sua vontade, desejos e caprichos sem qualquer oposição ou contrariedade dos pais (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

150. Não mostram dispor de recursos e capacidades para assumirem, por si só, os cuidados dos filhos (fls. 301 e segs; declarações da técnica EE).

161. A progenitora celebrou um contrato de compra e venda da casa onde habita pelo valor de 135.000 €, tendo recebido 21.000 € a título de sinal em setembro de 2016 (declarações da progenitora e da técnica PP).

162. Desses 21.000 € deu de sinal, a quantia de 11.000 € para um terreno onde pretende construir a nova casa que pensa estar pronta para habitar daqui a quatro/cinco meses (declarações progenitora e técnica PP).

163. A requerida já gastou os restantes 10.000 €, nomeadamente na compra de roupa, calçado e numa máquina fotográfica para a filha DD, coisas para a casa e para liquidar as dívidas às finanças (800 €).

166. A mãe orgulha-se de dizer que não trabalha, mas que a filha CC sempre contribuiu financeiramente (declarações da técnica EE)

168. Em declarações efetuadas pelo avô materno das crianças junto da técnica da instituição este referiu que a requerida, sua filha, já havia estado internada no centro de saúde mental e que “quando não está boa leva tudo à frente” (declarações da técnica EE).

169. A requerida oscila entre a apatia/desligamento/passividade chegando a adormecer nas visitas e a ansiedade/tensão/labilidade muito grande no humor (declarações da técnica EE).

170. O requerido por seu turno é impávido parecendo às vezes até ser “surdo” (declarações da técnica EE).

172. Para o AA é difícil imaginar uma família normal onde não haja frio, fome, piolhos e violência entre os pais (declarações da técnica EE conjugada com o desenho elaborado pela criança para a feitura de um cartaz realizado a propósito do Dia dos Maus-Tratos)

Assim, e como acima adiantámos, o perigo legitimador da intervenção mantém-se, carecendo também de fundamento sustentar – conclusões XXXI e XXXII - que a decisão impugnada foi proferida sem que tenha havido uma aferição atual das capacidades e competências dos progenitores para o exercício da parentalidade.

É que todos os factos descritos sob os nºs 142 a 172, que acabámos de transcrever, respeitam ao período posterior à institucionalização de AA e a maioria deles foram colhidos de elemento junto aos autos em Dezembro de 2016 – comunicação de fls. 301 e segs. -, sendo o seu conteúdo indubitavelmente revelador de uma incapacidade atual dos progenitores para cuidarem do filho, assegurando, de forma adequada, a sua guarda, saúde, educação e desenvolvimento integral.[10]


Em conclusão, o acórdão recorrido, ao confirmar a decisão de 1ª instância não violou as normas invocadas pelos recorrentes.


Sobre a verificação dos pressupostos legalmente fixados para a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção

Ao longo das conclusões XXXIII a LIII, os recorrentes sustentam, em síntese, a inverificação desses pressupostos o que determinará a ilegalidade da determinada confiança de AA a instituição, com vista à sua futura adoção, medida que dizem ser inadequada, por excessiva, sendo bastante, no seu entender, o acolhimento em instituição que até aí vigorava.


Importa destacar, antes de mais, o que nas instâncias se escreveu a este respeito.

Na 1ª instância:

“Decorridos vários anos desde a primeira intervenção protetiva (em 2007), tentada já por duas vezes a medida de apoio junto dos pais (na comissão em 26 de setembro de 2013 - fls 91 do processo da comissão e no tribunal no processo 17/08.7TMFAR em 1.4.2008), tendo decorrido dois anos e seis meses desde a institucionalização da criança, sem que ocorressem quaisquer modificações estruturais e credíveis são duas as opções que se colocam: a criança manter-se na instituição até aos dezoito anos ou tentar-se a sua integração numa família adotiva.

Quanto à solução o legislador é claro: o encaminhamento adotivo é a solução que melhor salvaguarda os interesses da criança, pois esta tem direito a uma família estruturada e o seu futuro não tem de ficar hipotecado junto de uma instituição.

Os progenitores manifestaram, ao longo de vários anos consecutivos, uma incapacidade inata e estrutural de garantirem a segurança, a saúde, a formação, a educação e o desenvolvimento dos filhos (art° 1978° al. d) do CC).

Da consulta dos processos protetivos anteriores (processo 17/08.7TMFAR e processo protetivo da comissão) e dos relatos e do visionado pelos técnicos resulta, que a realidade detetada era sempre a mesma em 2007 2008, 2012 e 2014 (falta de condições de habitabilidade; falta de higiene; maus tratos físicos e psíquicos aos filhos; ausência de alimentação cuidada; inexistência de rotinas e de cumprimento de horários (no trabalho e nos estudos); fuga à escolaridade; violência doméstica.

No dia do debate os requeridos pretenderam fazer prova de deterem todas as condições económicas, e habitacionais para cuidarem dos filhos e negaram qualquer situação de violência doméstica bem como de falta de higiene.

A verdade, contudo, é que a situação foi-se sempre degradando: A requerida continua a ser alvo de violência doméstica; o requerido continua sem apresentar descontos para a segurança social; a mãe continua sem trabalhar; A progenitora apresenta mau odor corporal resultante de uma higiene deficitária; Os progenitores não sabem impor regras e limites aos filhos e agora até vão deixar de ter a casa onde habitam, pois venderam-na e já começaram a desbaratar o sinal recebido.

A inabilidade destes progenitores é estrutural não sendo por isso suscetível de mudança mesmo com apoio de terceiras pessoas (já por várias vezes foi tentado o apoio acabando-se por verificar que a adesão dos pais não passava de uma ilusão).

O afastamento da criança do perigo suprarreferido e consequente proteção da mesma só pode ser assegurada através da aplicação de medida visando a futura adoção, pois esta criança tem direito a ser integrada numa família estável, estruturada e consistente e em tempo útil. Espera-se que essa solução não seja tardia, face à circunstância de a criança já ter completado dez anos de idade.

Não sendo a instituição o local adequado para as crianças crescerem, pois por força da lei há que dar prevalência às medidas que integrem a criança junto de uma família estável quer ela seja biológica ou adotiva (cfr. nomeadamente o disposto no art° 4o, ai. h) da LPPCJP), estão preenchidos os requisitos legais da confiança judicial das criança para a adoção e, correspondentemente da aplicação da medida de promoção de confiança a instituição com vista a futura adoção (art° 1978°, n° 1, al. d) do CC).


No acórdão recorrido:

A medida de acolhimento residencial do AA defendida pelos recorrentes, constituiria, no entender deste Tribunal, sujeitar a criança a um protelamento de uma situação suscetível de comprometer de forma irremediável o seu futuro.

Embora os recorrentes, pelo que resulta das suas alegações, não queiram perder os laços que os ligam ao menor (o que até se compreende), o superior interesse da concreta criança em questão impunha – e impõe - o decretamento da medida que foi aplicada na 1ª instância, por prevalência sobre o interesse dos progenitores.

Ora, tendo em atenção a idade do AA nesta data - 10 anos e 6 meses -, que o tempo das crianças não é o mesmo dos adultos e não oferecendo os pais uma alternativa válida à institucionalização, há que concluir que a futura adoção do menor é a medida que melhor salvaguarda os seus interesses.

Protelar tal medida comprometeria de forma irremediável a integração do menor numa família de adoção, pois, entretanto, passaria o tempo considerado útil para a sua melhor concretização.”


Comecemos por atentar nas normas e princípios que regem a matéria em discussão.

Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos – nº 5 do at. 36º da CRP[11] –, não podendo estes ser separados daqueles, a não ser que os pais não cumpram para com eles os seus deveres fundamentais e sempre mediante decisão judicial – nº 6 da mesma norma.

E, por força da proteção da maternidade e paternidade, consagrada no art. 68º do mesmo diploma, os pais têm direito à “protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (…)

Mas as crianças, também elas sujeitos de direitos fundamentais, têm, por seu lado, direito “à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições” – nº 1 do art. 69º da CRP -, sendo incumbência do Estado assegurar especial proteção às crianças órfãs, em estado de abandono ou que se encontrem, por qualquer forma, privadas de um ambiente familiar normal - nº 2 da mesma norma.

É na criação de medidas tendentes a assegurar essa proteção a crianças privadas de um ambiente familiar normal que surge, entre outros diplomas legais, a já citada Lei de Proteção de Crianças e Jovens e Perigo, onde se erige como primeiro princípio por que se deve orientar e a que deve obedecer a intervenção do Estado, o interesse superior da criança, prescrevendo o seu art. 4º, alínea a) que “a intervenção deve atentar prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”.

Na mesma linha, a Convenção sobre os Direitos da Criança, subscrita em Nova Iorque em 26 de janeiro de 1990, e ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90[12], manda no seu art. 3º, nº 1 que “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”

Também o art. 9º da mesma Convenção, à semelhança do que consta do nº 6 do já citado art. 36º da nossa Constituição, impõe que a criança não seja separada dos pais, salvo se as entidades competentes decidirem que essa separação é necessária no interesse superior da criança, decisão que pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança.

E a adoção, uma vez verificados os respetivos pressupostos, é “uma forma constitucionalmente adequada de protecção dos interesses das crianças «privadas de um ambiente familiar normal» (nº 2 do art. 69º da Constituição)[13], sendo um instituto que a nossa Lei fundamental protege – nº 7 do seu art. 36º -, tanto na sua existência como na sua estrutura fundamental.[14]


Por interesse superior da criança deve entender-se, nas palavras de Almiro Rodrigues[15], “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade

Insuscetível de definição em abstrato, este conceito “só adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças[16]

O núcleo do conceito em causa servirá, pois, de fator primordial na escolha da medida de promoção e proteção a aplicar, incumbindo ao julgador optar pela que melhor satisfaça o direito da criança a um desenvolvimento integral, no plano físico, intelectual e moral, devendo a difícil tarefa de assegurar a tutela efetiva dos direitos dos pais em confronto com os direitos da criança ser orientada e, em última análise, determinada pela necessária prevalência dos interesses desta última.


A medida de confiança a instituição com vista à adoção – art. 35º, alínea g) da LPCJP e art. 1978º, nº 1, alínea d) do Código Civil -, aplicada pelas instâncias e cuja legalidade vem posta em causa pelos recorrentes, pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva das situações que enuncia, entre as quais se destaca a da sua alínea d), ou seja, “se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança”, mandando o nº 2 da mesma norma que, na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal atenda prioritariamente aos direitos e interesses da criança.


Na esteira do que entenderam as instâncias, consideramos, também nós – como aliás se extrai do acima exposto -, que os factos provados revelam que os progenitores puseram em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação e o desenvolvimento de AA, mantendo-se a estrutural incapacidade, que paulatina e reiteradamente revelaram, para cuidarem do filho.

Importa, porém, saber se os factos apurados permitem, em consciência e desde já, concluir que a medida em causa, dada a sua particular natureza e caraterísticas, é a que melhor tutela os direitos e interesses de AA.

De entre as previstas no dito art. 35º é a que maior e mais expressivo impacto tem na vida e no futuro da criança, desde logo, porque determina a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte dos pais – art. 1978º-A do C. Civil – e a cessação dos laços afetivos eventualmente existentes entre a criança e a sua família biológica, pois põe fim às visitas dos elementos que a compõem à criança, salvo quanto a irmãos, cujos contactos podem ser autorizados, em casos devidamente fundamentados e desde que tal seja reclamado pelo superior interesse do adotando – art. 62º-A, nºs 6 e 7.

E, ainda, porque se trata de medida que, em princípio, perdura, sem lugar a revisão, até ser decretada a adoção, salvo o caso excecional de se vir a revelar manifestamente inviável a sua execução, designadamente por a criança atingir a idade limite para a adoção sem que o projeto adotivo se tenha concretizado – nºs 1 e 2 do art. 62º - A.

No caso dos autos, e não perdendo de vista a necessidade de dar prevalência ao superior interesse da criança - que, à partida, apontaria para a necessidade de percorrer o caminho tendente a obter a inclusão de AA no seio de família de adoção, onde não tenha lugar a violência que sempre conheceu e onde possa completar a sua infância e crescer em ambiente familiar gerador de afetos que estruturem de modo saudável, harmonioso e equilibrado a sua personalidade, e onde a sua saúde, bem-estar, conforto, proteção, educação e desenvolvimento integral sejam cabalmente assegurados -, há circunstâncias que se não podem olvidar e de cujo esclarecimento depende a aferição do que melhor satisfaz a proteção dos direitos e interesse de AA.

Muito tempo é passado desde o início das intervenções que os factos provados atestam e hoje a criança tem 11 anos, idade em que é natural possuir já, não só um considerável grau de discernimento, mas ainda uma vontade própria que necessariamente terão de ser considerados e sopesados, a par dos demais fatores, na aferição do que será o “seu superior interesse”.

A consideração e tutela deste discernimento e vontade dita que para a adoção se exija o consentimento do adotando, quando este tenha mais de 12 anos de idade – art. 1981º, nº 1, alínea a) do C. Civil.

É certo que AA foi oficiosamente ouvido em sede de debate judicial, mas a este respeito nada se consignou na matéria de facto apurada, apenas constando na fundamentação da decisão proferida sobre os factos, lavrada no acórdão de 1ª instância, o seguinte:

(…) de um forma espontânea e sincera respondeu às questões do Tribunal colocadas pelo Juiz social (psicólogo) corroborando o teor dos relatos trazidos ao processo pela técnica da associação das verdades escondidas, da comissão, da segurança social e da instituição refúgio BB.

Fica-se, assim, sem saber o que será o “seu querer”, “o seu sentir” em relação à vida no futuro, ao corte de relações com a única família que conheceu e à sua disponibilidade interior para aceitar e se deixar acolher no seio de uma nova família que, não obstante poder vir a dar-lhe as condições de vida, segurança e proteção que naquela outra, por incapacidade dos progenitores, lhe foram negadas, para ele representa o desconhecido, com a insegurança e carga negativa que este encerra, bem mais acentuada quando se tem 11 anos de idade.

E a dúvida avoluma-se perante o que consta no facto nº 156, segundo o qual, “a criança refere gostar mais de estar no espaço Refugio em comparação com a casa onde habitava com os pais, embora refira pretender regressar para a família (declarações da técnica EE).” – (sublinhado nosso).

Ou, ainda, em face do descrito sob o nº 155, onde se diz que “a criança oscila entre a angústia de reviver o passado e de trair a aliança com os pais, embora tenha sido orientado para em Tribunal dizer só a verdade (declarações da técnica EE)”, a revelar uma ambivalência que necessariamente lhe traz grande sofrimento e que gera inquietude quanto às repercussões que poderá ter, na sua idade, o corte com a família biológica, na qual se integra a irmã DD, com quem, sabidamente, mantém vínculo afetivo – facto nº 167 -, tanto mais que, como a experiência dita, essa mesma idade funciona já como fator de acrescida dificuldade no projeto da sua adoção; impõe-se então ponderar também a pior das hipóteses em que a criança verá cortados os únicos laços familiares que conhece, sem que, atingida a idade máxima para a adoção, esse projeto se tenha concretizado.

De tudo isto resulta que, com vista à indispensável aferição de qual será o “superior interesse” de AA, necessário se torna conhecer a sua vontade quanto ao projeto de vida que implicará a medida de confiança com vista à sua futura adoção e, bem assim, as consequências que para uma criança com o seu passado e já com 11 anos de idade poderão advir da total rotura com os elementos que compõem a sua família biológica.

Factualidade que poderá ser colhida, em termos práticos, através da audição da criança e com a realização de perícia psicológica à sua pessoa.


Tendo em vista o mesmo desiderato, um outro ponto necessita de melhor esclarecimento.

Estamos a referir-nos ao que os recorrentes, sem qualquer complementação na parte arrazoada das alegações, afirmam na conclusão XXXVI – que a avó materna e a irmã CC demonstram ter vontade e condições para acolher a criança ou, eventualmente, apoiar os progenitores com o menor.

É certo que a eventual confiança de AA a estes familiares é medida que nunca foi perspetivada nos autos, nem é questão de que o acórdão recorrido tenha tratado, pois não foi suscitada no recurso de apelação. A única referência que nas alegações do recurso de apelação é feita à irmã (uterina) CC consta da conclusão XLI e vai apenas no sentido de esta jovem ter manifestado, em sede de debate, vontade de apoiar a mãe e o padrasto na educação do seu irmão.

Da avó materna não se vê rasto nos autos e da irmã CC, jovem com idade à volta dos 24/25 anos, apenas se sabe que vive com os recorrentes (mãe e padrasto), que trabalha na loja Cortefiel, no Fórum …, e que diz contribuir para as despesas da casa – facto nº 173 -; sabe-se, finalmente, que poucas visitas fez ao irmão, desde que este se encontra institucionalizado - facto nº 138.

São elementos que de modo algum permitem concluir pela sua idoneidade e disponibilidade para acolher a criança no âmbito de uma medida de promoção e proteção.

Porém, a lei dá preferência, como se sabe, a soluções que mantenham a criança dentro do círculo da sua família natural, como se vê, designadamente, da primeira parte da alínea h) do art. 4º da LPCJP e do art. 21º, alínea c) da Convenção sobre os Direitos da Criança.

Daí que, a decisão a proferir sobre a legalidade da medida que vem aplicada deva pressupor uma prévia exclusão de outras soluções, nomeadamente através da averiguação e do apuramento de factos relativos aos elementos familiares adultos[17] de AA que viabilizem a formulação de conclusão segura sobre se é, ou não, viável a sua participação em medida – nomeadamente a da alíneas b) do nº 1 do art. 35º - que, suprindo a incapacidade dos progenitores, obste ao rompimento da criança com a sua família natural.


Impõe-se, pois, a averiguação e apuramento da dita factualidade, para o que se lança mão da faculdade estabelecida no nº 3 do art. 682º do CPC.


IV – Pelo exposto, ao abrigo do citado dispositivo legal, ordena-se a descida dos autos ao tribunal recorrido, a fim de providenciar pela ampliação da matéria de facto nos termos sobreditos e novo julgamento em conformidade.

Sem custas.

Lisboa, 5.04.2018


Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

João Bernardo

Oliveira Vasconcelos (com declaração de voto)

__________

Declaração de voto

Os recorrentes entendem que reúnem condições para acolher o AA de novo, sem pôr em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento, a sua vida e felicidade.

Infelizmente, os elementos trazidos aos autos não conduzem a esse entendimento, conforme a seguir se vai explicar.

O que aqui está em causa não é só o interesse dos pais, mas fundamentalmente o interesse do menor.

Ou seja, quando houver conflito entre o interesse dum menor e o interesse dos pais, deve decidir-se a favor do primeiro.

A questão fundamental é, pois, saber se no interesse do AA, este deve ser entregue para adoção, como decidiram as instâncias, ou deve ser entregue à sua família biológica ou continuar com o acolhimento institucional em que se encontra, como pretendem os recorrentes.

Não podemos deixar de salientar que, salvo os casos excecionas previstos no nº3 do artigo 674º do Código de Processo Civil, o Juiz opera no puro domínio do facto quando reconstitui a situação particular e concreta sobre a qual é chamado a decidir.

Essa reconstituição escapa, assim, à censura do Supremo Tribunal de Justiça.

Assim, fixados os factos, há que submetê-los ao tratamento jurídico adequado.

O tribunal entra então no domínio da matéria de direito.

De qualquer forma, sempre se dirá que não há motivos para não ter como credíveis as informações e declarações das técnicas da Segurança Social constantes do processo, tendo em conta não haver quaisquer elementos que nos façam concluir terem agido com falta de isenção.

Antes, não podemos deixar de concluir que procuraram sempre averiguar os factos relacionados com o comportamento dos pais do menor com a independência que lhes permitiu relatar não só os favoráveis mas também os desfavoráveis.

O menor AA nasceu em 5 de Março de 2017.

Desde 2014.11.28, em execução de uma medida provisória de acolhimento, que se encontra acolhido no Refúgio BB.

Em 2014.12.15, foi aplicada ao menor a medida de acolhimento institucional por ter havido acordo de promoção e proteção nesse sentido.

Tal medida foi sendo objecto de revisão e, em 2017.01.23, o Ministério Público requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 62º, nºs 2 e 3, al. d) e 35º, nº 1, al. g) da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro (LPCJP), que a mesma fosse substituída pela medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, ficando AA colocado na instituição onde se encontra acolhido.

As informações fornecidas pela Segurança Social acima referidas são no sentido de que os pais do AA não conseguem criar as condições necessárias para ele viver com eles.

O menor tem atualmente onze anos de idade.

Há mais de três anos que não vive com os pais, mas num Centro de Acolhimento.

E isto porque aqueles não criaram as condições para viver com ele.

Três anos são tempo mais que suficiente para se aferir se a situação que existia aquando do início acolhimento do menor, em Novembro de 2014, se modificou em termos de o menor poder voltar a viver com os pais.

Entendemos que prolongar a decisão sobre esta questão de forma alguma é aconselhável sob o ponto de vista do interesse do menor, tendo em conta que o seu crescimento equilibrado, principalmente em termos afetivos, não se compadece com mais demoras.

Sendo certo que o internamento no Centro de Acolhimento não pode ser uma solução definitiva.

Não se pode esperar indefinidamente que as famílias biológicas se reestruturem.

Tem que ser em tempo útil para a criança.

Sendo que a personalidade da criança se constrói nos primeiros tempos de vida.

Na verdade, o prolongar da ausência de uma relação familiar cria uma situação de risco grave para o menor.

As instituições não substituem uma família.

Uma instituição não é uma família.

Por outro lado, o tempo de um menor não é o tempo de um adulto.

Mais que três anos para o AA são muito mais que três anos para os seus pais.

O AA precisa imediatamente de alguém que exerça convenientemente as funções parentais e lhe preste os adequados cuidados e afeto.

Já tem onze anos!

O AA precisa já de uma família estruturada.

Por isso, não se pode adiar a decisão sobre se deve retornar ao ambiente familiar dos pais ou de outrem ou deve ser entregue para adopção em ordem à sua integração numa família a ela candidata, com a precocidade e segurança possíveis, para que o investimento afetivo educacional se faça nas melhores condições.

Ora infelizmente – e infelizmente tendo em conta todos os interesses em jogo – não é possível concluirmos que a situação se alterou desde que o AA deixou de conviver com a sua família biológica.

Antes, tudo aponta para que a melhor solução para o AA é o corte definitivo das suas relações com essa família e o começar uma vida nova, com a oportunidade de ser criada no seio de uma outra família.

Os factos acima enunciados indicam que o retorno do AA a “casa” faria com que ele voltasse à situação de carência passada que se pretende não seja obrigada novamente a sofrer.

Não se trata aqui de avaliar a afetividade dos seus pais ou de outros parentes.

Nem de questionar a primazia da filiação biológica, uma vez que é inquestionável que a solução ideal para o menor seria viver com os pais biológicos.

Trata-se de averiguar se estes conseguiram, durante o tempo em que o seu filho esteve na instituição de acolhimento, reestruturar, modificar, a sua vida em termos de em tempo útil para o menor, o puderem acolher sem pôr em perigo a sua segurança, a sua saúde, a sua formação, a sua educação ou a sua formação.

Infelizmente, como acima já se disse, os pais do AA não conseguiram organizar a sua vida em termos de a centrarem no acolhimento do menor, fazendo um esforço acrescido para criarem condições para tal.

E, com todo o respeito pelo entendimento que fez vencimento neste recurso, o conjunto dos factos dados como provados não consente qualquer juízo de viabilidade de outras medidas que não a proposta confiança para adoção, nomeadamente a que envolva a participação de qualquer familiar, dado que, infelizmente, as que podiam ser protagonistas desta participação – os avós maternos e a irmã CC - manifestamente não têm condições para assumir esse papel.

Quanto à audição do menor, é manifesto que ele já foi ouvido no debate instrutório que se iniciou em 2017.05.30.

Em conclusão e repetindo, entendo que o prolongar da ausência de uma relação familiar cria uma situação de risco grave para o menor.

Pelo que, face às circunstâncias acima referidas, não ordenaria a ampliação da matéria de facto e confirmaria o acórdão recorrido.

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[1] Fls. 160 e 186
[2] Na redação então vigente
[3] Cfr., neste exato sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, pág. 646 e arestos aí citados.
[4] A fls. 773
[5] Referem a alínea d) por manifesto lapso
[6] Diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência, com as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2003, de 22 de Agosto.
[7] Tomé d’Almeida Ramião, “Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”, Anotada e Comentada, 7ª edição, pág. 65
[8] Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, proc. nº 1203/12.OTMPRT5-B.P1.S1
[9] “A Criança e a Família – Uma questão de Direito(s)”, 2ª edição, pág. 362
[10] A isto acresce, designadamente, o recente relatório social, junto aos autos a fls. 861 e segs..
[11] Segundo o art. 1878º do C. Civil, que define o conteúdo das responsabilidades parentais, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens – nº 1 da norma.
E cabe-lhes ainda, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos – art. 1885º, nº 1 do C. Civil.
[12] Publicada no D. R. nº 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12 de setembro de 1990
[13] Acórdão deste STJ de 16 de março de 2017, sobredito.  
[14] Jorge Miranda – Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Introdução Preâmbulo Artigos 1º a 79º”, edição de 2005, pág. 423
[15] Em “Interesse do menor, contributo para uma definição”, Revista Infância e Juventude, nº 1, 1985, 18 e 19, conforme citação feita por Tomé d`Almeida Ramião, obra já citada, pág. 34.
[16] Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, 6ª edição, pág. 42
[17] Nomeadamente do seu avô materno, identificado nos autos como “Sr. JJ” e que, como também deles consta, prestou assinalável assistência à família e, de entre os membros que a compõem, à jovem DD.