Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
25112/16.5T8LSB.E1 -B.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA DEUS CORREIA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
DOCUMENTO
ACÓRDÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Dispõe o art.º 696.º alínea c) do Código de Processo Civil que a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

II - Um acórdão não pode servir de fundamento a um recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificado como um documento, para os efeitos do disposto no artigo 696º, alínea c), do C.P.C.

III - A interpretação de tal norma no sentido de que uma sentença ou acórdão não deve ser integrada na categoria de “documento”, para os referidos efeitos, não enferma de inconstitucionalidade.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO

AA, Autor nos autos de acção ordinária sob o n.° 25112/16.5T8LSB, veio ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 696º do Código de Processo Civil (CPC), interpor RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora em 13/01/2022 e já transitada em julgado, o que faz com o benefício de Apoio Judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono.

Formulou as seguintes conclusões:

1. O ora recorrente interpôs ação declarativa de condenação, sob a forma comum com o n.º 25112/16.5T8LSB que correu termos no Juízo de Competência Genérica de ... -Juiz 2, em que é Réu o Ministério Público em Representação do Estado Português.

2. Alegou que foi queixoso no inquérito criminal n.º .65/95 (posteriormente renumerado para 17/99.6...), que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Faro, no âmbito do qual foi proferido despacho de arquivamento.

3. Requereu a abertura de instrução, mas os autos não puderam seguir os seus termos porque lhe foi indeferido o benefício de apoio judiciário.

4. As custas judiciais foram liquidadas no valor de 860,93 €, o que motivou a instauração de um processo de execução por custas - Processo n.º 17/99.6..., tendo sido penhorada a quantia de 1.500,00 €.

5. O Recorrente defendeu que o indeferimento do pedido de apoio judiciário foi infundado e ilegítimo, uma vez que lhe foi deferido o pedido de apoio judiciário para outros processos judiciais, e com base na mesma situação financeira.

6. E pediu a condenação do Réu numa indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

7. Foi proferida sentença que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição do direito indemnizatório invocado pelo A. e ora Recorrente e absolveu do pedido o Réu Estado Português.

8. O fundamento que esteve na base da decisão proferida foi que o prazo prescricional de três anos que terminou em 23/05/2009, “pelo que já se encontrava o direito indemnizatório do Autor prescrito quando em 03/07/2012 o Réu foi citado nesta acção.”

9. O ora Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, alegando que não pode ser esta a contagem do prazo em questão.

10. O Recorrente apenas teve conhecimento dos danos em 2005 quando verificou que tinha a pensão penhorada, mas houve interrupção do prazo de prescrição e só em 5 de setembro de 2011 teve patrono nomeado para intentar a ação.

11. O Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão que constitui a decisão a rever, julgou improcedente o recurso interposto e confirmou a decisão recorrida, considerando que “desde 1999 que teve conhecimento do indeferimento do seu pedido e, consequentemente, da obrigação de pagar as custas”.

12. Adecisão a rever não se pronunciou sobre os argumentos invocados pelo Recorrente.

13. O Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido, tendo por isso apresentado reclamação, a qual foi indeferida por decisão singular.

14. O ora Recorrente reclamou para a conferência, defendendo que no caso sub judice há um facto continuado produtor de danos, em que o lesado tomou conhecimento da produção efetiva aquando da penhora da pensão e citou o Acórdão do STJ proferido no Processo nº 54/14.2TBCMN-B.G1.S1 (in https://www.direitoemdia.pt).

15.Adecisão a rever já transitou em julgado.

16. O Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 14 de Julho de 2022, foi o novo documento que determinou a interposição do presente recurso.

17. Esta decisão que indeferiu a reclamação apresentada demonstra que não foi possível verificar o interlocutório com o poder judicial por forma a apreciar e aclarar a decisão a rever quanto à questão alegada pelo Recorrente.

18. Essa questão primordial é a de saber desde quando se conta o prazo relativo à verificação do dano.

19. Para melhor aclaração desta matéria, já foi requerida, em 23/11/2021, certidão completa do Processo nº17/99.6..., o que foi indeferido, pelo que foi interposto recurso em 06/01/2022.

20. Assim, considera o Recorrente que a decisão que se junta como Doc. 4 deve ser revista.

21. Manter a decisão recorrida que baseia a contagem do prazo em danos alegadamente conhecidos em 1999, quando o espírito da lei é o de considerar o último dano com todas as causas interruptivas que possam ocorrer, significa alterar o sentido do texto do legislador.

22. Nesse caso, deve o Tribunal fundamentar essa alteração, pois, de outra forma, haverá inconstitucionalidade (Artigos 2º, 147º, 161º, c), 202º, nº 1 e 2, e 20º, nºs. 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa).

Termos em que a decisão a rever deve ser substituída por outra, na qual sejam sanados os vícios legais supra invocados.

Por decisão singular do Exmo Relator foi indeferido liminarmente o recurso de revisão interposto.

O Recorrente reclamou da decisão para a Conferência, tendo sido proferido acórdão, datado de 25-05-2023, que manteve a decisão de indeferir liminarmente o recurso de revisão interposto.

Inconformado, o Recorrente vem interpor recurso de revista deste acórdão, formulando as seguintes conclusões:

1. Considerou o Acórdão recorrido que o novo documento apresentado pelo Recorrente não pode servir de fundamento a um recurso extraordinário de revisão.

2. Contudo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/07/2022 demonstrou que não foi possível verificar o interlocutório com o poder judicial por forma a apreciar e aclarar a decisão a rever quanto à questão supra alegada, a qual assume especial relevância jurídica, que é a de saber desde quando se conta o prazo relativo à verificação do dano.

3. Aquela foi a derradeira decisão nos autos e, após a mesma e o respetivo trânsito em julgado, resulta inviável verificar a questão primordial in casu, que é a verificação da prescrição.

4. Conforme alegado no requerimento inicial, o Recorrente apenas teve conhecimento dos danos em 2005, quando verificou que tinha a pensão penhorada.

5. E foi apenas em Julho de 2005 que o Recorrente tomou conhecimento de que lhe foi negado o apoio judiciário no Proc. nº 17/99.6...

6. E veja-se ainda que o início de contagem do prazo prescricional pode sofrer dilações, consoante exista uma sequência de factos. Nesse sentido aponta o Acórdão do STJ proferido no Processo nº 54/14.2TBCMN- B.G1.S1 (in https://www.direitoemdia.pt)

7. Após diversas diligências levadas a cabo pelo Recorrente, apenas lhe foi nomeado um patrono em 5 de Setembro de 2011, condição essencial para fazer valer o seu direito de ressarcimento de danos.

8. Este raciocínio, já anteriormente exposto pelo Recorrente, nunca foi apreciado.

9. Essa não apreciação com fundamento na não aceitação do documento apresentado terá como consequência que se torne definitiva uma decisão que não aplica o texto legal a propósito da matéria da prescrição, nomeadamente o artigo 498º, nº 1, do Código Civil.

10. O Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão que constitui a decisão a rever considerou que “desde 1999 que teve conhecimento do indeferimento do seu pedido e, consequentemente, da obrigação de pagar as custas”, não se pronunciando contudo sobre a imposição legal de contar o prazo desde o último dano sofrido.

11. O dano sofrido em 2005 está numa relação de dependência com o primeiro dano, ao não ser notificado do indeferimento do apoio judiciário.

12. A não consideração desta sequência de danos viola a regra da confiança, decorrente do artigo 2º da Constituição, que garante a certeza e segurança dos cidadãos quanto aos seus legítimos direitos e expectativas.

13. Uma vez que o poder jurisdicional não procede à aplicação dos artigos 309.º e 498.º, n.º 1 do C.C., verifica-se que por certo os mesmos sofrem de inconstitucionalidade. A não aplicação deste texto legal leva a concluir que o mesmo texto é inconstitucional.

14. E, assim sendo, estará a ser violado o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente.

Não foram apresentadas contra - alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - QUESTÃO PRÉVIA

Admissibilidade do recurso:

O presente recurso de revista incide sobre acórdão da Relação que aprecia decisão interlocutória que recai unicamente sobre a relação processual (indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão).

Nos termos do disposto no art.º 697.º n.º 6 do Código de Processo Civil1, “As decisões proferidas no processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originariamente sujeitas no decurso da acção em que foi proferida a sentença a rever.”

Assim, conforme estatuído no art.º 671.º n.º 2 do CPC, o recurso de revista apenas será admissível nos casos ali previstos, a saber:

(i) Nos casos em que o recurso é sempre admissível – alínea a)

(ii) Quando o acórdão esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Por sua vez, nos termos do disposto no art.º 629.º n.º 3 “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação: (…) c) Das decisões de indeferimento liminar da petição de acção ou do requerimento inicial de procedimento cautelar.

Se é certo que é discutida a natureza jurídica do recurso extraordinário de revisão, sucede que tanto a doutrina como a jurisprudência, maioritárias, apontam para a sua equiparação às acções2 . Assim, o indeferimento liminar do recurso de revisão tem natureza equivalente ao indeferimento liminar da petição inicial, pelo que daquele caberá igualmente sempre recurso “para a Relação ou para o Supremo, consoante a decisão proceda da 1.ª ou da 2.ª instância3. E assim sucede pois “quando o recurso de revisão é interposto no Tribunal da Relação, este tribunal superior funciona (ou funciona também) como tribunal de 1.ª instância e não enquanto tribunal de recurso propriamente dito, o que permite a equiparação do despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso, ao despacho de indeferimento liminar da petição.4

É, pois, admissível, o presente recurso de revista.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A - No Tribunal da Relação foi considerado assente o seguinte:

1 – O recorrente propôs uma ação declarativa, a que foi atribuído o n.º 25112/16.5T8LSB, contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público;

2 – Nessa ação, foi pedida a condenação do réu no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais no montante de € 1.500 e de uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 29.000, ambas acrescidas de juros de mora;

3 – O Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António, proferiu sentença mediante a qual julgou procedente a exceção perentória de prescrição do direito de indemnização invocado pelo recorrente e, em consequência, absolveu o réu do pedido;

4 – O recorrente interpôs recurso de apelação dessa sentença;

5 – Através de acórdão proferido em 13.01.2022, o Tribunal da Relação de Évora concluiu, à semelhança do tribunal de 1.ª instância, que o direito de indemnização invocado pelo recorrente se encontra prescrito e, em consequência, julgou improcedente o recurso de apelação;

6 – Desse acórdão, o recorrente interpôs recurso de revista, que não foi admitido pelo Tribunal da Relação de Évora;

7 – O recorrente reclamou do despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso de revista;

8 – Através de decisão singular, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação;

9 – O recorrente reclamou para a conferência;

10 – Através de acórdão proferido em 14.07.2022, o Supremo Tribunal de Justiça manteve a decisão de indeferimento da reclamação do despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso de revista.

B - No referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 14-07-2022, consta o seguinte que se transcreve, para melhor esclarecimento:

1. Factualismo processual relevante

1.1. Para decisão do objeto da presente reclamação, releva o factualismo antes referido no precedente Relatório, para o qual se remete.

1.2. O despacho de não admissão do recurso de revista proferido pela Senhora Juíza Desembargadora Relatora é do seguinte teor:

O autor/apelante interpôs recurso de revista do acórdão desta Relação proferido no passado dia 23 de Setembro, que confirmou, por unanimidade, os despachos interlocutórios da 1.ª instância.

Sucede que tal acórdão integra a previsão do n.º2 do artigo 671.º do Cód. Proc. Civ., sem que se verifique alguma das situações a que aludem as alíneas de tal preceito.

Termos em que, ao abrigo do disposto nos artigos 641.º n.º2-a) do Cód. Proc. Civ., não admito tal recurso (inadmissibilidade que, naturalmente, não desvirtua o estatuído no artigo 20.º da CRP).

As custas do incidente seriam devidas pelo apelante, caso não beneficiasse de apoio judiciário.

Notifique.”

2. Apreciação

Na decisão do Relator, com o que se concorda, afirmou-se que:

Prescreve o n.º2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil que os acórdãos da relação, que apreciem decisões interlocutórias, que recaiam única

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Os casos em que é sempre admissível recurso são os previstos no n.º2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.

No caso presente, estamos em presença de decisões interlocutórias proferidas pelo Tribunal de 1.ª instância e confirmadas pelo Tribunal da Relação, como o próprio reclamante refere, aceitando essa qualificação feita, e bem, pela Senhora Juíza Desembargadora Relatora.

Assim, só seria admissível recurso de revista nos casos previstos no n.º2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil e no n.º2 do artigo 629.º do mesmo diploma legal, sendo que nestes autos, nenhuma dessas situações foi invocada pelo Reclamante aquando da interposição do recurso de revista.

Atendendo ao requerimento apresentado pelo Reclamante, este fundamenta a sua reclamação na não verificação da denominada dupla conforme, quando refere que “embora confirmando a improcedência dos recursos interpostos dos referidos despachos interlocutórios, não vem o douto Acórdão recorrido confirmar na íntegra as decisões recorridas e a sua fundamentação”.

Ora, a questão do Tribunal da Relação não confirmar na íntegra as decisões proferidas pelo Tribunal de 1.ª instância ou ter fundamentado a decisão em fundamentação essencialmente diversa, não releva quando estamos em presença de decisões interlocutórias, mas somente quando se verifica qualquer das situações previstas no n.º1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.

Deste modo, nenhuma outra posição poderia a Senhora Juíza Desembargadora Relatora tomar que não fosse a não admissão do recurso de revista.

O Reclamante refere, também, que a não admissão do recurso de revista viola o disposto no artigo 20.º da CRP.

Esta já não é questão nova, tendo o Tribunal Constitucional proferido diversas decisões e desde há muito tempo, afirmando que, em matéria civil, não existe qualquer norma que imponha a existência de um duplo grau de jurisdição.

Como se referiu no Acórdão desta secção, no âmbito do processo nº1849/16.8YLPRT.L1.S1,”…o princípio da admissibilidade ilimitada dos recursos ou o da não delimitação do seu objecto … não encontra sustento no texto da Constituição e a jurisprudência do Tribunal Constitucional vem assumindo que, no nosso ordenamento jurídico, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, particularmente em matéria cível, não é infindo, apenas estando vedado ao legislador ordinário o estabelecimento do conteúdo do genérico direito ao recurso de actos jurisdicionais com uma redução intolerável ou arbitrária”.

Por isso a jurisprudência constitucional vem unanimemente afirmando que, em matéria cível, o direito de acesso aos tribunais não integra forçosamente o direito ao recurso não integra forçosamente um triplo ou, sequer, duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário o estabelecimento do conteúdo do genérico direito ao recurso de actos jurisdicionais com uma redução intolerável ou arbitrária. Porém, uma tal arbitrariedade não afeta, manifestamente, as normas citadas com a dita interpretação, que são, compreensivelmente, justificadas pela necessidade da racionalização dos (escassos) meios disponibilizados para administrar a Justiça, com a qual o proclamado princípio da tutela jurisdicional efetiva se deve compatibilizar.

Também tal direito não é necessariamente decorrente do que se dispõe na Declaração Universal dos Direitos do Homem ou na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cfr. Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, págs. 99 e 100).

Ora, a limitação de recurso não é arbitrário e é, compreensivelmente, justificada pela necessidade de racionalizar os (escassos) meios disponibilizados para administrar a Justiça, não permitindo que o debate de determinadas questões, entre as mesmas partes, se espraie indefinidamente, em prejuízo da paz jurídica, que ao Estado, como defensor do interesse público, compete assegurar.

A jurisprudência do tribunal Constitucional tem sido sempre unânime e precisa no sentido que, do nº1 do artigo 20º da Constituição, não decorre um direito geral ao recurso.

Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional (nº589/2005), de 2 de novembro de 2005, consultável www.tribunalconstitucional.pt, “o direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legítimos “é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das regras da imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento do contraditório”. Mas esse acesso aos tribunais não tem que ser assegurado sempre em mais de um grau de jurisdição: mesmo no domínio do processo penal, “[a] Constituição não impõe […] que o legislador consagre a faculdade de recorrer de todo e qualquer acto do juiz.”

Por outro lado, disse este Tribunal, no acórdão nº673/95 (Diário da República, 2ª Série, nº68, de 20 de Março de 1996, p. 3786 ss):

“[…] Que não há aí violação do artigo 20º e mais rigorosamente do seu nº1, da Constituição – […] – é um dado que ressalta de posições ditas e reafirmadas por este Tribunal Constitucional, apoiando-se na doutrina e na sua já vasta jurisprudência a propósito tirada, no sentido de que o direito de acesso aos tribunais postulado pelo artigo 20º, nº1, da Lei Fundamental não garante, necessariamente, em todos os casos e por si só, o direito a um duplo ou a um triplo grau de jurisdição, sendo que a garantia de um duplo grau de jurisdição referentemente a réus condenados em processo criminal não é imposta por aquele normativo constitucional, antes decorrendo do que se preceitua no nº1 do artigo 32º da Constituição.

E, igualmente, tem defendido que aquela Lei não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais (afora aquelas de natureza criminal condenatória, recurso esse, porém, que deflui da necessidade de previsão de um segundo grau de jurisdição, necessidade essa, repete-se, imposta pelo nº1 do artigo 32º). Acrescenta, todavia, com suporte na própria doutrina, que, uma vez que a Constituição prevê «a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais judiciais» - o mesmo acontecendo na ordem dos tribunais administrativos e fiscais – e que lei infra-constitucional, designadamente os diplomas adjectivos fundamentais e os que regem a organização judiciária […], também prevêem esses órgãos de administração de justiça funcionando como tribunais também vocacionados para decidir em sede de impugnação das decisões emanadas de tribunais de hierarquia inferior, então não será lícito ao legislador ordinário suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos ou ir até ao ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer, que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos.(…)

É, portanto, entendimento pacífico na jurisprudência constitucional que o direito de acesso à justiça não comporta o sistemático exercício do direito ao recurso, visando assegurar o duplo grau de jurisdição perante todas as decisões que afectem determinado interveniente processual”.

Por outro lado, nem a Declaração Universal dos Direitos do Homem ou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem impõem que o direito de acesso ao tribunal contém em si o direito ao recurso.

Como afirma Lopes do Rego, in o Direito fundamental de acesso aos tribunais e a reforma do processo civil, inserido nos Estudos em Homenagem a Cunha rodrigues, pág. 764, as “limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais”.

Assim, podendo o legislador impor restrições no âmbito dos recursos, não se vislumbra que, no caso concreto, essa limitação viole o princípio da proporcionalidade.

O Reclamante parte, assim, do princípio que a CRP impõe a existência do direito ao recurso.

Como se afirma no Acórdão nº415/01, de 3 de outubro de 2001, do Tribunal Constitucional, “não se tratando de um recurso interposto num processo de natureza penal, caso em que haveria que tomar em conta o disposto no nº1 do seu artigo 32º, cabe começar por determinar se a Constituição garante o direito ao recurso no âmbito do processo civil em geral ou, em particular, no domínio das providências cautelares, como é o caso.

Ora a verdade é que, como o Tribunal Constitucional tem afirmado uniforme e repetidamente, não resulta da Constituição, em geral, nenhuma garantia do duplo grau de jurisdição, ou seja, nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente consagrado no citado artigo 20º da Constituição.

Como, por exemplo, se entendeu expressamente no acórdão nº638/98 (Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1999), e ainda recentemente se reafirmou no acórdão nº202/99 (Diário da República, II Série, de 6 de Fevereiro de 2001), aprovado em plenário, “7. O artigo 20º, nº1, da Constituição assegura a todos “o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos.

Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição?

A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional nº1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32º.

Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente no Acórdão nº65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág.653, e no Acórdão nº202/90, id., vol.16, pág.505).

Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.

Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III – Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p.126), que impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional – artigo 210º) terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr., a este propósito, Acórdãos nº31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.9, pág.463, e nº340/90, id., vol.17, pág.349)

Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cfr. os citados Acórdãos nº31/87, 65/88, e ainda 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12, pág.569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos nº359/86, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8, pág.605), nº24/88, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.11, pág.525), e nº450/89, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.13, pág.1037).

(…) Não existe, desta forma, um ilimitado direito de recorrer de todas as decisões jurisdicionais, nem se pode, consequentemente, afirmar que a garantia da via judiciária, ou seja, o direito de acesso aos tribunais, envolva sempre, necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição (com excepção do processo penal) ”.

- procedeu-se a esta longa transcrição do Acórdão do Tribunal Constitucional por nele estar contida toda a fundamentação utilizada pelo Tribunal Constitucional sobre esta questão e que é uniformemente reiterada pelo mesmo Tribunal –

Assim,não se verificando qualquer imposição constitucional no que concerne à existência de um duplo grau de jurisdição em matéria civil, não se verifica a invocada inconstitucionalidade.

Assim, não merece qualquer censura a decisão proferida pela Senhora Juíza Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação de Évora a não admitir a interposição do recurso de revista.

No requerimento em que solicita que sobre o despacho do Relator recaia acórdão, o Reclamante veio alegar sobre as questões que pretende ver discutidas no âmbito do recurso de revista, não trazendo argumentos novos para demonstrar que o recurso de revista era admissível, sendo esta a questão que está em causa nesta reclamação do despacho da Senhora Juíza Desembargadora Relatora que não admitiu o recurso.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em indeferir a presente reclamação, mantendo-se o despacho reclamado. (…)”

IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, tendo sido indeferido liminarmente o recurso extraordinário de revisão que o ora Recorrente requereu, invocando o disposto no art.º 696.º c) do CPC, a única questão a apreciar consiste em aferir da verificação de tal fundamento.

Nos termos do preceituado no art.º 696.º c) do CPC:

A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:

(…)

c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.”

Ora, o Requerente apresenta como “documento” que pretende integrar na previsão do supra citado preceito, precisamente um acórdão, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que apreciou uma reclamação relativamente à não admissão do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação, proferido em 13.01.2022, em que à semelhança do tribunal de 1.ª instância, decidiu que o direito de indemnização invocado pelo Recorrente se encontra prescrito e, em consequência, julgou improcedente o recurso de apelação.

Neste contexto, a primeira questão que se coloca é a de saber se uma sentença ou acórdão poderão considerar-se um “documento” nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 696.º c) do CPC.

Ora, quanto a esta questão já existe Jurisprudência abundante no sentido de que uma sentença-ou acórdão-, não pode ser qualificada como documento para os efeitos do referido art.º 696.º c).

Como se pode ler no Ac. STJ de 19-10-2022, Procº 6940/19.6T8PRT-A.P1.S1:

“I- Sobre os fundamentos do recurso de revisão, dispõe o art.º 696.º, al. c), do Código de Processo Civil, no que ao caso dos autos concerne, que a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;

II - Um acórdão não pode servir de fundamento a um recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificado como um documento, para efeitos do disposto no artigo 696º, alínea c), do C.P.C;

III - A interpretação de tal norma no sentido de que uma sentença ou acórdão não é um documento, para os referidos efeitos, não enferma de inconstitucionalidade.”

Com efeito, o recurso extraordinário de revisão só é permitido, no âmbito do disposto no mencionado art.º 696.º alínea c), nos casos em que não foi possível à parte apresentar o documento a tempo de interferir a seu favor no resultado da decisão revidenda.

Não basta que o documento tenha a virtualidade de abalar a matéria de facto fixada na decisão recorrida, deve, outrossim, ser de tal modo antagónico com aquela que justifique, sem qualquer relação com a prova produzida no processo, a decisão em sentido contrário.5

Mas se afirmamos que uma sentença ou acórdão não podem ser qualificados como documentos, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 696.º alínea c) importa analisar o que deve entender-se por “documento”:

O artigo 362.º do Código Civil fornece-nos a noção de documento como sendo “qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.”

Por sua vez, o artigo 152.º n.º 2 do CPC define “sentença” como “o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa”. Nos termos do n.º 3 “as decisões dos tribunais colegiais têm a denominação de acórdãos.”

Pires de Lima e Antunes Varela,6 escrevem, a propósito:

“A noção de documento do artigo 2420.º do Código de 1867 é consideravelmente ampliada. Além dos escritos a que esse preceito se refere, são ainda documentos uma fotografia, um disco gramofónico, uma fita cinematográfica, um desenho, uma planta, um simples sinal convencional, um marco divisório, etc. (cfr. art. 368.º).

Essencial à noção de documento é a função representativa ou reconstitutiva do objecto. Uma pedra, um ramo de árvore ou quaisquer outras coisas naturais, não trabalhadas pelo homem, não são documentos na acepção legal. Podem ter interesse para a instrução do processo, mas constituirão objecto de um outro tipo de prova (a prova por apresentação de coisas móveis ou imóveis, por inspecção judicial, etc.).”.

Bem se vê, por conseguinte, que as diferenças conceptuais que decorrem quer das definições legais quer da elaboração doutrinária, não permitem que se considere que uma sentença ou acórdão possam ser consideradas “documentos” para os efeitos do disposto no art.º 696.º alínea c). Por isso, seguimos o entendimento que constitui Jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça7 de que “um acórdão não pode servir de fundamento a um recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificado como um documento, para efeitos do disposto no artigo 696º, alínea c) do C.P.C.”8

Mas ainda que, por mero exercício de raciocínio, pudéssemos admitir que um acórdão pudesse ser considerado um documento para os efeitos do art.º 696.º alínea c), ele teria de ser decisivo, dotado em si mesmo, de uma força tal que pudesse conduzir o Juiz à persuasão de que, através dele, a causa poderia ter solução diversa da que teve, como refere o preceito legal, “por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.

Ora, claramente, o acórdão proferido por este Supremo, datado de 14-07-2022, apresentado como “documento”, não se encontra em tais condições, pelo que nunca poderia valer para o pretendido fim. Trata-se de um acórdão que se pronuncia sobre a inadmissibilidade do recurso de revista interposto do acórdão do Tribunal da Relação, desfavorável ao Recorrente. Por conseguinte, é por demais óbvio que nunca poderia, do mesmo, resultar qualquer influência no sentido de modificar a decisão proferida, em qualquer sentido.

Dado que o Recorrente conclui, no presente recurso, pela violação do disposto no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, importa referir que não vemos que minimamente se encontre posto em causa aquele relevante comando constitucional.

Com efeito, ali se proclama que “1.A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. No n.º 4, especifica-se “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”

A este propósito, são pertinentes as considerações expostas no Acórdão do Tribunal Constitucional de 10 de dezembro de 20159:

“No quadro do Estado de Direito, a função jurisdicional caracteriza-se pela estabilidade e definitividade das suas decisões – neste ponto se distinguindo da função legislativa, que se caracteriza pela autorevisibilidade pelo legislador ordinário, a qualquer tempo, ainda que sujeita à observância da Constituição e dos princípios constitucionais aplicáveis nela consagrados.

Se é certo que a função jurisdicional implica, em Estado de Direito, que as decisões jurisdicionais não possam, em princípio, ser postas em causa – visando a certeza e a segurança, ínsitos naquele, na regulação definitiva das relações jurídicas intersubjectivas –, é igualmente certo que a expressão da função jurisdicional do Estado não se encontra imune ao erro, assim justificando institutos jurídicos dirigidos à reparação dos efeitos do mesmo (como é o caso do instituto da responsabilidade civil do Estado por erro imputável ao Estado-Juiz) ou, excepcionalmente, à modificação da própria sentença – como é o caso do instituto de revisão de sentença(…).

O Tribunal Constitucional por diversas vezes reconheceu a proteção constitucional do caso julgado, alicerçando-a, quer no disposto no n.º 3 do artigo 282.º da Constituição, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídicas, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da Constituição). (…)

Decorrendo o princípio da intangibilidade do caso julgado do princípio da segurança e certeza jurídica inerente ao Estado de Direito, o mesmo não afasta, excepcionalmente, a revisibilidade de decisões judiciais transitadas em julgado. (…)

Ora, o recurso extraordinário de revisão de sentença constitui uma limitação ao caso julgado, ao permitir, em certos termos, a revisibilidade de decisões judiciais transitadas em julgado. Assim se compreende que o legislador, na conformação normativa deste tipo de recurso (aqui apenas relevando o recurso de revisão em matéria cível), estabeleça fundamentos precisos e taxativos para a respetiva interposição (…), de modo a respeitar, na essência, o princípio da imodificabilidade das decisões dos tribunais insuscetíveis de recurso ordinário.

Com efeito, reconhecendo-se ao caso julgado um valor constitucionalmente relevante – assim a jurisprudência constitucional exarada no Acórdão n.º 310/2005 e a nele citada – não lhe pode ser negado «(…) algum grau de protecção (de intangibilidade), em termos da sua ultrapassagem só ser aceitável dentro de uma lógica de balanceamento ou ponderação com outros interesses dotados, também eles, de tutela constitucional» (Acórdão n.º 310/2005), dispondo o legislador de uma considerável margem de liberdade na configuração dos pressupostos e limites do recurso extraordinário de revisão (em matéria cível).”

Assim, na linha de pensamento que vem sendo defendida pelo Tribunal Constitucional, não pode ser entendido como inconstitucional o cumprimento das normas processuais relativas aos pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário de revisão e designadamente a interpretação da norma constante do art.º 696.º n.º2 c) no sentido de considerar que um acórdão não pode ser qualificado como documento. A decisão recorrida espelha esse adequado cumprimento pelo que não enferma de qualquer inconstitucionalidade.

Improcedem, na totalidade as conclusões de recurso formuladas pelos Recorrentes.

V - DECISÃO

Nos termos expostos, acordamos nesta 7.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi atribuído.

Lisboa, 18 de junho de 2024

Maria de Deus Correia (relatora)

Ferreira Lopes

Fátima Gomes

(Assinaturas digitais)

_______




1. Serão deste diploma legal todos os artigos doravante referidos, sem menção da respectiva origem.

2. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Tomo I, 2.ª edição, p.233.

3. Amâncio Ferreira. Manual dos Recursos em Processo Civil.

4. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 292/2012, Processo 889/11.

5. Vide neste sentido Acórdãos deste STJ de 19-12-2018, Procº 179/14 e de 14-01-1921, Procº 84/07, disponíveis em www.dgsi.pt.

6. in Código Civil Anotado, Volume I, pág. 319, em anotação ao artigo 362.º do CC.

7. Vide Acórdãos do STJ de 19-10-2022, Recurso n.º6940/19.6T8PRT-A.P1.S1, de 17/11/2021, Recurso n.º 1078/18.6T8STB-A.E1.S1-A; 17/10/2019, Recurso n.º 2657/15.9T8LSB-Q.L1.S1; de 21/02/2019, Revista n.º 2020/12.3TVLSB-A.L1.S1;de 11/12/2018, Revista n.º 301/14.0TJLSB-E.L1-B.S1; de 20-12-2017, Revista n.º 392/2002.P1.S1-B, e de 16/10/2018, Revista n.º 16620/08.2YYLSB-D.L1.S1; todos disponíveis em www.dgsi.pt

8. Vide sumário do Ac. do STJ de 14/01/2021, proc. 1012/15.5T8VRL-AU.G1-A.S1,disponível em www.dgsi.pt

9. Disponível em www.tribunalconstitucional.pt