Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
97P1203
Nº Convencional: JSTJ00032503
Relator: JOAQUIM DIAS
Descritores: SENTENÇA
NULIDADE
MATÉRIA DE FACTO
DISCRIMINAÇÃO
ESPECIFICAÇÃO
INDICAÇÃO DE PROVA
REQUISITOS
DOLO EVENTUAL
CRIME PÚBLICO
CRIME SEMI-PÚBLICO
ACUSAÇÃO
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES
CRIME CONTINUADO
CO-AUTORIA
PROVA POR RECONHECIMENTO
MEIOS DE PROVA
VÍCIOS DA SENTENÇA
CONHECIMENTO OFICIOSO
DEFENSOR OFICIOSO
HONORÁRIOS
DESPESAS
REEMBOLSO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
DISCRIMINAÇÃO RACIAL
MEIOS DE PROVA
PARTICIPAÇÃO EM RIXA
APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
Nº do Documento: SJ199711120012033
Data do Acordão: 11/12/1997
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N471 ANO1997 PAG47
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO. ALTERADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: MARIA JOÃO ANTUNES IN REV PORTUGUESA DE CIÊNCIA CRIMINAL JANEIRO MARÇO 1944 PÁG121. TAIPA DE CARVALHO SUCESSÃO DE LEIS PENAIS PÁG226.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: CONST89 ARTIGO 32 N1 ARTIGO 37 ARTIGO 41.
CPP87 ARTIGO 66 N5 ARTIGO 119 ARTIGO 120 N3 ARTIGO 127 ARTIGO 147 ARTIGO 343 ARTIGO 355 ARTIGO 356 N3 ARTIGO 357 ARTIGO 368 N2 ARTIGO 374 ARTIGO 379 B ARTIGO 410 N2 ARTIGO 420 ARTIGO 433 ARTIGO 436.
CP82 ARTIGO 142 ARTIGO 144 ARTIGO 155 N1.
CP95 ARTIGO 14 ARTIGO 26 ARTIGO 30 N1 N2.
DL 387-B/87 DE 1987/12/29 ARTIGO 48 ARTIGO 49.
DL 391/88 DE 1988/10/26.
DL 102/92 DE 1992/05/30.
CCJ62 ARTIGO 74 N1 ARTIGO 88 N1 B.
CPC67 ARTIGO 669 N1 B.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC46223 DE 1994/04/14.
ACÓRDÃO STJ DE 1995/06/29 IN CJSTJ ANOIII TII PAG254.
ACÓRDÃO STJ DE 1992/05/06 IN DR IS-A DE 1992/08/06.
ACÓRDÃO STJ DE 1996/10/16 IN CJSTJ ANOIV T3 PAG166.
ACÓRDÃO STJ PROC48025 DE 1996/02/07.
ACÓRDÃO STJ PROC48688 DE 1996/02/07.
ACÓRDÃO STJ PROC59/97 DE 1997/05/14.
ACÓRDÃO STJ PROC78/97 DE 1997/06/04.
Sumário : I - A omissão de alguma das formalidades descritas no Capítulo
IV do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe "Da prova por reconhecimento", não constitui nulidade insanável.
II - Em presença do disposto no n. 2 do artigo 368 do CPP, a enumeração dos factos provados e não provados abarca tanto os factos alegados pela acusação e pela defesa como os que resultaram da discussão da causa, relevantes para a decisão.
III - Para cada facto provado, o tribunal deve indicar os meios de prova que serviram para formar a sua convicção e, tratando-se de prova testemunhal, das razões de ciência de cada testemunha.
IV - Não sendo insanável a nulidade da alínea a) do artigo 379 do CPP - Acórdão do STJ com força obrigatória de 6 de Maio de 1992, in DR 1-A n. 180, de 6 de Agosto de 1992 -, por identidade de razão, tal doutrina vale para as restantes menções referidas no artigo 374 n. 2 do citado Código.
V - A indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal é um complemento essencial da fundamentação da sentença, pois só assim fica patente a todos a marcha do raciocínio lógico-dedutivo da decisão recorrida.
Para cada facto provado, o tribunal deve indicar os meios de prova que serviram para formar a sua convicção e, tratando-se de prova testemunhal, as razões de ciência de cada testemunha.
VI - Os vícios da sentença têm como características comuns, além de serem de conhecimento oficioso, o fundamentarem o reenvio do processo para outro julgamento quando insanáveis no tribunal de recurso e o resultarem do texto da decisão, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser regras da experiência comum. São vícios da decisão não do julgamento. Enquanto subsistirem, a causa não pode ser decidida.
VII - Os dois elementos do dolo eventual cognoscitivo e volitivo
- devem verificar-se no momento da execução do facto ilícito.
VIII - A norma do artigo 433 do CPP não enferma de inconstitucionalidade.
IX - A nossa Constituição consagra expressamente, designadamente do seu artigo 13, o princípio da igualdade racial: todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, independentemente da sua raça.
X - Na definição legal de rixa, esta é constituída pelo mínimo de três pessoas formando duas facções que reciprocamente se agridem.
Não há, portanto rixa quando um só grupo ataca e o outro se defende.
O termo "participação" evidencia a acção individual de cada agente. Cada participante é autor paralelo de um crime de participação em rixa, não é co-autor do mesmo crime comum.
XI - Não é punível a participação em rixa de que resultam apenas ofensas corporais simples.
XII - O crime previsto e punido pelo artigo 143 do CP95 é um crime semi-público, visto que o respectivo procedimento criminal depende de queixa.
Com a nova qualificação dos factos, o Ministério Público perdeu a sua legitimidade para acompanhar procedimento criminal instaurado sem queixa dos ofendidos.
XIII - Em regra, a violação de vários interesses jurídicos ou a violação repetida do mesmo interesse jurídico suscita tantos outros juízos de censura, porque cada violação teve na origem uma resolução criminosa e, por conseguinte, desenha a figura do concurso efectivo de crimes, real ou ideal.
Todavia, se as diversas violações dão lugar a um só juízo de censura porque a actividade do arguido se encontra por factores exógenos, relativos à determinação ou formação da vontade, tempo ou modo de actuação, por exemplo, que fazem diminuir consideravelmente a culpa, as diversas infracções unificam-se juridicamente sob a forma do crime continuado.
XIV - A conjugação "ou" que se encontra na redacção do artigo 26 do CP95 - e mesmo no artigo 26 do CP92 - revela que, sendo o facto executado conjuntamente com outrem, não é exigível a existência de acordo prévio para se desenhar a co-autoria material, basta a consciência recíproca de participação em obra comum.
A acção de cada co-autor é causal do crime, ainda que em concreto não se mostrem com nitidez todos os contornos.
Cada autor é responsável pela totalidade do evento, pois sem a acção de cada um o evento não teria sobrevindo.
XV - Segundo o artigo 66 n. 5 do CPP, o exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerada nos termos aí indicados, e, em sintonia, os artigos 48 e 49 do DL 387-B/87, de 29 de Dezembro, reafirmam o mesmo direito de remuneração, bem como os defensores oficiosos serem reembolsados das despesas realizadas, devidamente comprovadas, devendo os honorários ser fixados de harmonia com tabelas aprovadas pelo Ministério da Justiça.
XVI - Se a decisão recorrida é inteiramente omissa quanto ao reembolso das despesas e destinando-se os recursos a revogar ou a alterar a decisão recorrida, não a conhecer questão nova, não havendo decisão recorrida, o recurso carece de objecto.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1- O digno agente do Ministério Público acusou em processo comum os arguidos:

1. A, nascido a 22-3-974;
2. B, nascido a 19-12-69;
3. C. nascido a 19-2-73;
4. D, nascido a 22-1-75;
5. E, nascido a 3-8-76;
6. F, nascido a 19-3-72;
7. G, nascido a 1-1-75;
8. H, nascido a 19-12-76;
9. I, nascido 23-11-74;
10. J, nascido a 14-4-967;
11. L, nascido a 10-5-72;
12. M, nascido a 4-6-74;
13. N, nascido a 12-6-71;
14. O, nascido a 30-4-76;
15. P, nascido a 7-7-73;
16. Q, nascido a 9-11-75;
17. R, nascido a 10-12-74;
18. S, contumaz,
19.T, contumaz.

Imputou-lhes a prática, em co-autoria material e concurso real, na forma consumada de:
- um crime de genocídio p. e p. pelo art. 189 n. 1 alíneas a) e b);
- dez crimes de ofensas corporais p. e p. pelo art. 144 n. 2;
- um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131 e 132 n. 2 alíneas d) e f), todos do CP de 1982.
Constituíram-se assistentes U e V, em representação da vítima X, e Z, cada um dos quais deduziu pedido cível contra todos os arguidos.
2- Efectuado o julgamento pelo tribunal colectivo da 5. Vara Criminal de Lisboa, foi decidido por douto acórdão de fls. 4539 a 4692 (sem data, mas que a acta de fls. 4694 revela ser de 4-6-97, o que se consigna para suprimento da omissão, nos termos dos artigos 374 n. 3 alínea e) e 380 n. 1 alínea a) do CPP):
- Julgar a acusação improcedente em relação aos arguidos P e R, os quais foram absolvidos;
- Julgar a acusação improcedente na parte em que imputava aos restantes arguidos a prática de um crime de genocídio p. e p. pelo art. 189 n. 1 alíneas a) e b) e e do crime de ofensas corporais com dolo de perigo, p. e p. pelo art. 144 n. 2, referente à agressão do casal de namorados no Largo Trindade Coelho, e nessa parte os absolveu; - Julgar a acusação procedente na modalidade de se considerarem os arguidos A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q, co-autores materiais, em concurso real, na forma consumada:
- o arguido A, seis crimes de ofensas corporais com dolo de perigo, cujas penas parcelares se resolveram em cúmulo jurídico na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão;
- o arguido B, oito crimes de ofensas corporais com dolo de perigo e um de homicídio qualificado, resolvendo-se as penas parcelares em cúmulo jurídico na pena única de 17 anos e 6 meses de prisão;
- o arguido C, cinco crimes de ofensas corporais com dolo de perigo e um de homicídio qualificado, resolvendo-se as penas parcelares, em cúmulo jurídico, na pena única de 17 anos e 6 meses de prisão;
- o arguido D, 9 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo e um de homicídio qualificado, cujas penas parcelares se resolveram, em cúmulo jurídico, na pena única de 16 anos e 6 meses de prisão;
- o arguido E, 8 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo, cujas penas parcelares se resolveram, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão;
- o arguido F, 9 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo e um de homicídio qualificado, cujas penas parcelares se resolveram, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 anos de prisão;
- o arguido F, 9 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo e um de homicídio qualificado, cujas penas parcelares se resolveram, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 anos de prisão;
- o arguido H, 9 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo e um de homicídio qualificado, cujas penas parcelares se resolveram, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 anos de prisão;
- o arguido I, 8 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo e um de homicídio qualificado, cujas penas parcelares se resolveram, em cúmulo jurídico, na pena única de 17 anos e 6 meses de prisão;
- o arguido J, sete crimes de ofensas corporais com dolo de perigo e um de homicídio qualificado, cujas penas parcelares se resolveram, em cúmulo jurídico, na pena única de 14 anos de prisão;
- o arguido L, 9 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo e um de homicídio qualificado, cujas penas parcelares se resolveram, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 anos de prisão;
- o arguido M, 9 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo e um de homicídio qualificado, cujas penas parcelares se resolveram, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 anos de prisão;
- o arguido N, 7 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo, cujas penas parcelares se resolveram, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão;
- o arguido O, 9 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo e um de homicídio qualificado, cujas penas parcelares se resolveram, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 anos de prisão;
- o arguido Q, 7 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo, cujas penas parcelares se resolveram, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão.
Os referidos crimes de ofensas corporais e de homicídio qualificado são os previstos e puníveis no art. 144 n. 2 os primeiros e nos arts. 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f), o segundo, todos do CP de 1982.
O pedido cível formulado pelos assistentes U e V foi julgado improcedente quanto aos demandados A, E, N, P, Q e R, os quais foram absolvidos do mesmo pedido, e julgado parcialmente procedente quanto aos demandados B, C, D, F, G, H, I, J, L, M e O, os quais foram condenados a pagarem solidariamente aos AA. A indemnização de 18000000 escudos.
O pedido cível formulado pelo assistente B1 foi julgado improcedente quanto aos demandados A, E, J, N, P, Q e R, os quais foram absolvidos do mesmo pedido, e parcialmente procedente em relação aos demandados B, C, D, F, G, H, I, L, M e O, os quais foram condenados a pagarem solidariamente ao A. a indemnização de 1600000 escudos.
O conhecimento dos pedidos cíveis deduzidos pelos assistentes contra os arguidos contumazes foi relegado para momento oportuno.
3- Daquela decisão interpuseram recurso os arguidos C, D, F, Q, O, B, G, L, M, H, J, I, os assistentes U e V, e os defensores oficiosos Dr. ..., Dr. ..., Dr. ..... e Dr. ....., estes na parte relativa aos honorários.
4- Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência com o devido formalismo.
Cumpre apreciar e decidir.
5- Os recursos a apreciar no presente processo por este Supremo Tribunal formam três grupos:
A - Recurso interposto pelos assistentes U e V
B - Recursos interpostos pelos arguidos
C - Recursos interpostos por quatro defensores oficiosos.
Serão apreciados por esta ordem, por nos parecer a mais lógica.

A

RECURSO DOS ASSISTENTES

Os assistentes pretendem a condenação de todos os arguidos, com excepção de P e R, pela prática do crime de genocídio p. e p. pelo art. 189 CP82 e a condenação dos arguidos intervenientes nas agressões a A1 e B1 pela prática do crime de ofensas corporais graves p. e p., no art. 143 CP82.
Na sua douta resposta, a Excelentíssima Procuradora da República principia por invocar a ilegitimidade dos recorrentes.
Começaremos por apreciar tal questão, visto que a sua eventual procedência impede o conhecimento do objecto do recurso.
O art. 69 do C. P. Penal, depois de estabelecer no n. 1 a regra de que o assistente tem a posição de colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo, admite, na alínea c) do n. 2, que os assistentes interponham recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito.
O preceito refere-se, evidentemente, a decisões em matéria penal, pois o Ministério Público não recorre em matéria cível do exclusivo interesse dos assistentes.
Por sua vez, na alínea b) do n. 1 do art. 401 CPP consigna-se que o assistente tem legitimidade para recorrer de decisões contra ele proferidas.
Em ambos os casos o assistente só pode recorrer de decisões que lhe são desfavoráveis: no 1. caso, decisões resolvendo litígios de terceiros; no segundo, decisões indeferindo requerimento do assistente.
Serve de exemplo dos primeiros a sentença que julgou a acusação pública improcedente, tendo o assistente deduzido pedido de indemnização civil, quando aquela improcedência afecta este pedido. Tal decisão não foi proferida contra o assistente, mas afecta-o no seu direito, ou antes, na sua pretensão.
Ao segundo grupo pertence, por exemplo, o despacho que indeferiu o requerimento do assistente de diligência probatória.
Ultimamente, a jurisprudência deste Supremo Tribunal, depois de algumas divergências e hesitações, vem fortalecendo a doutrina de que ao assistente falece legitimidade, por falta de interesse, para recorrer a pedir o agravamento da pena imposta ao arguido ou a condenação deste por crime diverso do considerado na decisão recorrida.
E fixando jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, em 30/10/97 (Proc. 1151/97) foi proferido assento deste Supremo Tribunal de Justiça decidindo que "o assistente pode, se no concreto caso tiver um concreto e próximo interesse em agir, recorrer, ainda que desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie ou medida da pena efectivamente aplicada".
É, de resto, a aplicação do disposto no n. 2 do art. 401 CPP, segundo o qual não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
E o interesse em agir aprecia-se caso a caso, conforme decidiu este Supremo Tribunal no acórdão de 30-3-95 (Col. Jur. Ano III, pág. 235).
Os interesses dos assistentes não se confundem com os interesses ou bens jurídicos protegidos pelas normas penais. Os segundos, como recorda Eduardo Correia (Direito Criminal, I, pág. 278), são conceitos do plano normativo, objecto da tutela jurídico-penal.
Os interesses ou bens jurídicos dos assistentes situam-se no plano dos direitos subjectivos: só para defesa destes interesses particulares é que os respectivos titulares têm direito de acção. A acção penal para defesa dos bens jurídicos defendidos pela norma penal compete ao Ministério Público.
Ora, os assistentes carecem de interesse na condenação dos arguidos pelos crimes de genocídio e de ofensas corporais graves cometidas contra os ofendidos A1 e B1.
De resto, só a assistente aderiu à acusação deduzida pelo M.P.. O assistente limitou a sua intervenção ao pedido de indemnização civil.
E é, na verdade, este o único objectivo que trouxe os assistentes ao processo: verem satisfeito o seu direito à indemnização civil pelos danos emergentes do homicídio do infeliz X.
Tal direito indemnizatório foi reconhecido pelo tribunal "a quo" em termos que satisfizeram os assistentes, pois não estenderam o objecto do recurso a esse ponto.
Pelo exposto, não se conhece do recurso dos assistentes, por ilegitimidade destes.
Vão estes recorrentes condenados nas custas, com 8 Ucs de taxa de justiça e procuradoria mínima.

B

RECURSOS DOS ARGUIDOS

1- O recorrente remata a sua motivação com as seguintes conclusões (fls.4752-v e 4753):
1. O recorrente não agrediu qualquer dos ofendidos dos autos;
2. Limitou-se a fazer o percurso conjuntamente com alguns dos co-arguidos, não tendo presenciado sequer alguma delas;
3. O recorrente não foi reconhecido por quem quer que seja no decorrer da audiência de julgamento;
4. Os autos de reconhecimento de fls. não obedecem aos imperativos do art. 147 do CPP.
5. Não estabeleceu qualquer acordo ou se conformou com as atitudes e comportamentos que observou.
6. Pelo contrário, seguiu um rumo de circulação que não visava perseguir ou agredir alguém.
7. Trata-se de um jovem que, sendo pobre, está presentemente desempregado, teve antes e depois dos factos bom comportamento.
8. Das circunstâncias em que viveu naquele dia nunca agiu com a intenção de provocar qualquer desacato.
9. O douto acórdão recorrido violou ou não fez a melhor aplicação do disposto nos arts. 26, 131, 132 ns. 1 e 2 e 144 n. 2, todos do Código, art. 4 do DL 401/82 e ainda do art. 410 do CPP.
10. A absolvição do Recorrente é um acto de serena justiça.
2- O recorrente L suscita, nas conclusões da sua motivação (fls. 4766 e seguintes), as seguintes questões:
- A sentença recorrida enferma de nulidade nos termos dos arts. 374 n. 2 e 379 alínea a) CPP por ausência de motivação probatória das conclusões de facto;
- Não se provou quem agiu com intenção de matar e até se houve intenção de matar por parte de alguém, pelo que se estará perante a hipótese de um crime preter-intencional;
- A pena aplicável não pode ser agravada nos termos do art. 18 CP, devendo compreender entre o mínimo de um ano e quatro meses e o máximo de 2 anos de prisão;
- Deve haver lugar à repetição da prova, perante a 2. instância, por inconstitucionalidade do artigo 410 CPP, na interpretação que tende a ilidir o erro notório perante uma motivação de facto do estilo da que foi usada na sentença recorrida;
- Se assim não for, fica prejudicado o direito fundamental ao duplo grau de recurso em matéria de facto;
- O recorrente só pode ser condenado por crime de participação em rixa p. e p. pelo artigo 151 do CPP (sic);
- Cada uma das penas parcelares deve ser graduada segundo as regras de atenuação extraordinária e, correspondentemente, o cúmulo, dada a juventude do arguido e a circunstância de ter agido sob constrição de um fenómeno de psicologia grupal, sendo ele primário;
- Os factos descritos na sentença devem ter a qualificação de crime continuado;
- A sentença recorrida violou as disposições contidas no art. 374 n. 2 CPP e nos artigos 144 n. 2, 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f) do CP, que devia ter interpretado no sentido de ter sido praticado um crime continuado p. e p. no art. 151 do CPP (sic) ou, quando menos, dum crime continuado punido, nos termos da infracção mais grave apurada, com uso do remédio do art. 72 do C. Penal.
3- O recorrente M formulou conclusões iguais às do recorrente anterior (fls. 4783 e seguintes).
4- O recorrente B (fls. 4796) suscita, nas conclusões da sua motivação, as seguintes questões:
- A matéria de facto provada enquadra-se no art. 151 do CP82;
- O arguido não pode ser condenado pelo crime de participação em rixa;
- A decisão recorrida enferma do vício previsto no art. 410 n. 2 alínea b) CPP.
- A morte do X não foi um evento querido pelos arguidos, os quais só quiseram agredir a vítima, confiando que a morte não sobreviria, pelo que a factualidade é susceptível de se enquadrar nos arts. 144 e 145 CP 82;
- Não é um caso de co-autoria mas sim de autoria paralela.
- Na determinação da medida da pena foi violado o art. 71 ns. 1 e 2 alíneas a) e d) do Código Penal;
- A redacção restritiva do art. 433 CPP infringe por inconstitucionalidade material a regra do art. 32 n. 1 da Constituição, ao não estipular o reexame da matéria de facto.
5- O recorrente H suscita nas suas conclusões as seguintes questões (fls. 4807):
- A decisão recorrida enferma do vício do erro notório e de nulidade nos termos dos arts. 374 n. 2 e 379 alínea a) CPP;
- Deve haver lugar à repetição da prova perante a 2. instância por inconstitucionalidade do art. 410 CPP.
- O arguido só pode ser condenado por crime continuado de participação em rixa p. e p. pelo art. 151 CP;
- É de aplicar ao recorrente o sistema punitivo dos jovens delinquentes;
- Os factos descritos na sentença devem ser qualificados como prática de um crime continuado;
A sentença recorrida violou as disposições contidas nos artigos 374 n. 2 do Código de Processo Penal e nos arts. 144 n. 2, 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f) do Código Penal.
6- O recorrente J aduz (fls. 4815 e segs.) que a sua pena deve ser especialmente atenuada e o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 72 e 73 CP82.
7- O recorrente O enuncia, nas suas conclusões (fls. 4839), as seguintes questões:
- O Meritíssimo Juiz fez errada aplicação das normas do art. 356 n. 3 a) e b) do CPP.
- Tais leituras são nulas, não valendo como meio de prova em julgamento e acarretam a nulidade deste, com o consequente reenvio para novo julgamento, nos termos do disposto nos arts. 426 e 410 ns. 2 alínea c) e 3.
- O acórdão recorrido enferma dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do n. 2 do art. 410.
- Não ficou provada a intenção de matar;
- Os factos definem um crime continuado de ofensas corporais agravado pelo resultado morte, nos termos dos arts. 30, 79, 144 n. 2 e 145 n. 1 CP82.
- Não houve co-autoria.
- A decisão recorrida viola os arts. 37 e 41 da CRP e o art. 9 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
8- O recorrente I (fls. 4853) levanta as mesmas questões que o anterior.
9- O recorrente Q (fls. 4888) nega a prática dos crimes, sustenta que a decisão recorrida viola os princípios da verdade material e in dubio pro reo e da aplicação da lei no tempo, reivindica a aplicação do DL 401/82, de 23 de Setembro, e insurge-se contra a medida da pena aplicada.
10- Os recorrentes C, D e F, em motivação conjunta (fls. 4903 e seguintes), suscitam nas suas conclusões as seguintes questões:
- A decisão recorrida viola o disposto no art. 374 n. 2 CPP, enferma dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do n. 2 do art. 410 CPP.
- A decisão recorrida viola o disposto nos arts. 18 n. 1 e 32 n. 1 da CRP.
- A decisão recorrida procedeu a uma determinação incorrecta da medida concreta da pena violando o disposto nos arts. 71 ns. 1 e 2 alíneas a) a e) e 72 n. 1 e n. 2 alínea b), 30 n. 2, 79 e 29, todos do Código Penal, e fez incorrecta aplicação do art. 4 do DL 401/82, de 23 de Setembro.
- A pena devia ter sido especialmente atenuada;
- Os factos definem a prática de um crime continuado de participação em rixa ou de ofensas corporais.
11- Os assistentes U e V, respondendo às motivações dos recorrentes J, G, C, D, L, F, Q, M, G e B, entendem que os respectivos recursos devem ser rejeitados liminarmente (fls. 5003, 5101, 5111, 5120, 5148, 5168 e 5219).
Respondendo aos recursos dos arguidos I e O, aqueles assistentes opinam pelo indeferimento das pretensões dos recorrentes (fls. 5138 e 5158).
12- O assistente B1 apresentou resposta aos recursos dos arguidos (fls. 5185 e seguintes).
13- Na sua douta contra motivação (fls. 5019 e seguintes), a Excelentíssima Procuradora da República sustenta que não merecem provimento os recursos interpostos pelos arguidos, com excepção do interposto pelo arguido J, que em seu entendimento merece provimento parcial relativo à medida concreta da pena.
14- Como se viu, os arguidos recorrentes equacionam questões de direito processual penal, direito constitucional e direito material penal.
Analisá-las-emos por essa ordem lógica.
Primeiramente, porém, narremos a matéria de facto descrita no acórdão recorrido.

15- O tribunal colectivo julgou em matéria de facto:

Os arguidos estão ligados ao movimento de "Skinheads" em Portugal.
Este grupo de pessoas tem em comum o culto por determinadas ideias - nacionalismo e racismo - com as quais, de uma forma mais ou menos interiorizada, simpatizam.
Exaltam o nacionalismo, o fascismo e o nazismo. Salazar e o seu regime são apontados como um modelo a seguir. A vertente racista está sempre presente. Apelam a superioridade da raça branca considerando a raça negra como raça inferior.
Em termos gerais, de acordo com uma política a que chamam "racialismo" não admitem a mistura de raças; são contra a imigração para Portugal de indivíduos de raça negra, nomeadamente os originários das ex-colónias. Defendem a expulsão do território nacional de todos os indivíduos de raça negra e para atingirem esse fim e em nome da "Nação" e da "superioridade da raça branca" acham legítimas todas as agressões contra esse grupo de indivíduos.
Nesse sentido, os arguidos I, L, M, N e P detinham em seu poder diversa literatura, manuscritos, autocolantes e outros apontamentos alusivos aos ideais que todos os arguidos perfilham e destinados à difusão das suas ideias xenófobas e incitamento a actuações de violência colectiva, constantes de, respectivamente:
- I: fls. 807 e 988 - 998;
- L: fls. 826 - 827 e 960 - 979;
- M: fls. 834 - 835 e 1027 - 1041; e
- P: fls. 986 - 987.
(vidé "A nossa religião é a nossa raça - Orgulho Branco -"; "Poder Branco"; "Imigração não Obrigado"; "Poder Branco" e "Portugal Livre de Pretos").
A indumentária aparece como componente fundamental da sua aparência exterior. Recorrem, para isso, aos "modelos" militares como forma de identificação, uniformizando-se com blusões do tipo "bomber-jacket's", "T-shirts" camufladas, calças de ganga e camufladas, e calçam botas de tipo militar, designadamente "Doc Martens".
Rapam o cabelo, motivo pelo qual são também conhecidos como "Cabeças Rapadas".
Reúnem-se e promovem encontros, por vezes em cafés ou bares, nos quais debatem as suas ideias, formando pequenos grupos ou núcleos de acordo com a área geográfica onde vivem.
Em data e local não determinado, reuniram-se diversos indivíduos integrantes de diversos núcleos de "Skins".
Nessa ocasião, surge a ideia de se reunirem num jantar no dia 10 de Junho de 1995, cujos preparativos foram encabeçados pelo arguido A.
Os contactos para o mencionado jantar com indivíduos ligados ao "Movimentos" e aos diversos núcleos do mesmo, foram efectuados de maneira informal, através do telefone ou através do contacto pessoal, nos locais onde habitualmente se encontram.
Era intenção dos organizadores que o jantar proporcionasse um aprofundamento e desenvolvimento das amizades e convívio entre os elementos dos diversos núcleos e grupos e uma manifestação pública dos ideais por todos propagados, estendendo-se se possível a potenciais simpatizantes.
Esse jantar visava comemorar o "Dia da Raça/"Dia de Portugal" e entre todos os arguidos foi acordada a realização desse jantar na zona de Lisboa/Almada.
Assim e com esse fim, no dia 10 de Junho de 1995, cerca das 2O horas, todos os arguidos, excepto o J, reuniram-se num jantar que se realizou em Cacilhas-Almada, no restaurante "O Ribeiro". Estiveram presentes no jantar cerca de sessenta pessoas, entre as quais S, T e todos os arguidos, excepto o arguido J, encontrando-se representados os mais importantes núcleos ligados ao movimento "Skin" do País, nomeadamente, de Lisboa, Porto/Matosinhos, Almada, Carcavelos, Sintra, Olivais, Loures e Corroios.
No decurso do jantar, os seus intervenientes levantaram-se, cantaram o hino nacional e fizeram a saudação "nazi".
Além disso, trocaram ideias e experiências relacionadas com o conhecimento individual das correntes de pensamento nacionalista e fascista.
No final do jantar, que terminou cerca das 23 horas, todos os arguidos (excepto o J) e a maior parte dos elementos ali presentes decidiram dirigir-se para o Bairro Alto com a intenção de prolongarem a comemoração e o convívio.
O local de encontro escolhido foi o bar "O Minhoto" sito na Travessa da Boa-Hora, n. 23, local habitualmente frequentado pelos mesmos, e onde o arguido J ficara de aparecer.
Todos tinham conhecimento de que o Bairro Alto é um local muito frequentado por indivíduos de raça negra.
Por isso, ficou estabelecido que, caso ocorressem confrontos, o grupo encontrar-se-ia depois na "Merendeira", um bar sito na Avenida 24 de Julho.
De seguida, dirigiram-se para o Bairro Alto, em Lisboa, onde, a partir das 00 horas, foram chegando ao bar "O Minhoto", no qual se encontrava já o arguido J.
A medida que iam chegando os participantes do jantar, entre os quais o tal S e o tal T e todos os arguidos, iam-se concentrando à entrada e no interior do bar "O Minhoto".
O grupo de "Skins" ali presente, entre os quais todos os arguidos, vivia um clima de euforia.
Os arguidos B, D, E, F, M e Q calçavam botas "Doc Nartens" e o arguido I botas "Sendra", modelos cujas biqueiras são todas em aço, e todos os restantes arguidos calçavam botas de tipo militar.
Alguns eram portadores de soqueiras metálicas, como o arguido G, e outros de paus, como o arguido E, que trazia um pau semelhante a um taco de baseball.
Imbuídos do espírito de comemoração do Dia da Raça, os arguidos, dirigindo-se a indivíduos de raça negra que por ali passavam, proferiram expressões como "preto vai-te embora", "preto cheiras mal" e "não tomas banho", atirando a alguns garrafas de cerveja.
Perante tal comportamento, indivíduos de raça negra que por ali passaram dirigiram-se ao bar "A Tasquinha", sito na Rua do Diário de Notícias, local frequentado maioritariamente por indivíduos de raça negra e "Punks", os quais resolveram tirar "satisfações" das ofensas de que estavam a ser alvo por parte do grupo de "Skins".
Reuniram-se assim cerca de 10 a 15 indivíduos de raça negra, junto à esquina da Travessa da Boa-Hora com a Rua Diário de Notícias, a cerca de dez metros do local onde se encontrava o grupo de "Skins", frente ao bar "O Minhoto".
Então, houve troca de palavras insultuosas entre os dois grupos e as tensões avolumaram-se no seio do grupo dos "Skins", que se foram juntando no intuito de atacar o grupo de indivíduos de raça negra que tinham à sua frente.
Estes, perante a aglomeração dos indivíduos do grupo de "Skins", cada vez em maior número, largamente superior ao seu, começaram a fugir a fim de evitar o confronto iminente.
Os arguidos A, B, C, E, F, G,H , I, J, L, M, N, O e Q e outros elementos do seu grupo, composto por cerca de trinta/quarenta indivíduos, entre os quais os referidos S e T, estimulados pelo espírito de comemoração do "Dia da Raça" e dos ideais racistas por si perfilhados e inferiorizados, nomeadamente da superioridade da raça branca e do ódio ao "Negro", como raça a expulsar de Portugal, resolve atacar este grupo, já em fuga.
Na Rua do Diário de Notícias alcançaram alguns dos elementos deste grupo, que agrediram indiscriminadamente, atingindo-os em diversas partes do corpo.
Utilizando para tanto os objectos de que eram portadores para esse efeito, nomeadamente, "soqueiras" metálicas, paus, copos e garrafas de cerveja partidas e as botas que usavam.
Nestas agressões participaram os arguidos A, B, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q.
O arguido G utilizou a soqueira metálica, apreendida e examinada a fls. 16 e 602-605 dos autos, com o comprimento de 8,7 centímetros e a largura de 6,3 centímetros.
O arguido E utilizou um pau, semelhante a um taco de baseball, enquanto o arguido B utilizou garrafas de cerveja.
Entre os ofendidos desta agressão indiscriminada, conta-se Manuel Domingos da Silva, que na sequência da conduta dos arguidos A, B, D, E, F, G, H , I, J, L, M, N, O e Q, sofreu as lesões descritas nas fichas clínicas e relatório de exame medico de fls. 114 e 1889 - "...ferida facial profunda (perfurante)..."-, e que determinaram como consequência directa e necessária 8 dias de doença, com igual período de incapacidade para o trabalho.
Após a dispersão deste grupo de indivíduos de raça negra, os arguidos A, B, C, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q subiram a Rua do Diário de Notícias a fim de se juntarem aos demais elementos do grupo de "Skins" que se encontravam nas imediações do bar "O Minhoto".
Simultaneamente, surgem no cruzamento da Rua do Diário de Notícias com a Travessa da Boa-Hora, vindos da Travessa da Cara, três indivíduos de raça negra, C1, D1 e E1, oficiais do Exercito Angolano que casualmente ali passavam e que não se tinham apercebido dos confrontos descritos.
Verificaram no entanto que, junto a uns bares sitos na Travessa da Boa-Hora, se encontrava um grupo de indivíduos bastante numeroso, a maioria deles com o cabelo rapado e que usavam blusões de cor preta.
Entretanto, porque se ouviam bastantes gritos, aperceberam-se que o tal grupo estaria envolvido numa confusão, pelo que continuaram a andar sem se deterem, a fim de saírem do local.
Assim, depois de passarem o cruzamento das duas ruas referidas, ainda na Rua do Diário de Notícias, ouviram alguém gritar "Vão aí mais três!".
De imediato o C1, o D1 e E1 começaram a correr, pois verificaram que alguns dos indivíduos do grupo de "Skins" que se encontrava na Travessa da Boa-Hora vinham na sua direcção, atirando-lhes com copos, garrafas e pedras.
Entretanto, os arguidos A, B, C, E, F, G, H , I, J, L, M, N, O e Q, que subiam a Rua do Diário de Notícias, juntaram-se a estes elementos não identificados do grupo de "Skins" e, em colaboração com os restantes, agrediram os mencionados C1, D1 e E1.
Batendo-lhes por todo o corpo, nomeadamente na cabeça, a soco e pontapé, utilizando os objectos de que se encontravam munidos, ou seja, as soqueiras metálicas, paus, pedras, garrafas de cerveja, correntes e as botas que calcavam.
A certa altura, os ofendidos lograram libertar-se e fugir pela Rua do Diário de Notícias, até deixarem de ser perseguidos.
Com a sua conduta, causaram os arguidos A, B, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q ao ofendido C1 lesões que não careceram de tratamento médico-hospitalar, e aos ofendidos D1 e E1, respectivamente, as seguintes lesões descritas nas fichas clínicas e nos relatórios de exames médicos de fls. 321, 347, 484, 1433, 1872, 1873 e de fls. 485 e 1889:
Ofendido D1 traumatismo craniano-facial e concretamente equimose peri-orbitária e ferida supra ciliar esquerda, lesões essas que lhe determinaram como consequência directa e necessária pelo menos 10 dias de doença, sendo cinco com incapacidade para o trabalho; e ainda, com carácter permanente, cicatriz de ferida contusa supraciliar esquerda.
Ofendido E1 - feridas contusas do couro cabeludo, que lhe determinaram como consequência directa e necessária, 8 dias de doença, sendo os 3 primeiros com incapacidade para o trabalho.
Estas agressões terminaram cerca da 1 hora já do dia 11.06.95.
Nesta altura, os arguidos A, B, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q, grupo a que se juntou então o arguido C, no seguimento destes confrontos e estimulados pelos seus "ideais", segundo os quais "o negro" é uma raça a expulsar de Portugal, assumem uma postura colectiva de exaltação, violência, perseguição e ataque a qualquer indivíduo de raça negra e, na prossecução de tal desígnio, a que de uma forma colectiva todos aderiram, resolvem percorrer as ruas que a seguir se indicarão, agredindo, de uma forma criteriosa e selectiva, todos os indivíduos de raça negra que encontrassem pelo caminho.
Para tal, vão munidos de paus, soqueiras, garrafas de cerveja, correntes, pedras e, sobretudo, das botas que calçavam.
Fazem-no em correria, gritando e agredindo, de entre os transeuntes, os indivíduos de raça negra com que iam deparando.
Entraram em alguns estabelecimentos de bar em perseguição de indivíduos de raça negra, pontapeando as portas de alguns destes estabelecimentos, que se encontravam fechadas, por verificarem, através das respectivas montras, que no interior dos mesmos se encontravam indivíduos de raça negra.
Durante o percurso, para além dos ofendidos expressamente mencionados, foi agredido um número indeterminado de indivíduos de raça negra, cuja identidade não foi possível apurar em concreto.
Assim, após os primeiros confrontos acima descritos, os arguidos A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q, movimentaram-se em direcção à Rua da Rosa.
Aqui, cerca da 1 hora e 15 minutos, o ofendido, de raça negra, F1, porteiro do "Bar Nova", sito naquela rua, no n. 261, abriu a porta do bar a fim de deixar entrar duas raparigas.
Em virtude de se ter apercebido de que algo de anormal se passava no exterior, colocou a cabeça de fora para espreitar e, de imediato, foi agredido por um destes arguidos com um murro na face.
O ofendido só teve tempo de fechar a porta, conseguindo assim evitar mais agressões.
Com esta conduta sofreu o ofendido lesões que contudo não foi possível determinar.
Ainda na Rua da Rosa, os arguidos A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q deparam com o ofendido V1, indivíduo de raça negra, que descia aquela rua acompanhado pelos seus amigos H1, I1, J1 e L1, estes de raça branca.
Em sentido contrário, subia o mencionado grupo de quinze arguidos, aos gritos e atirando caixotes de lixo pelo ar.
O E, munido do pau a que já se tem aludido, procura atingir o V1, enquanto os restantes arguidos, A, B, C, D, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q, afastam do local os amigos daquele, que são de raça branca.
O V1 esquiva-se ao arguido E, mas é de imediato rodeado pelos restantes arguidos, A, B,C, D, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q, que começaram a agredi-lo a soco, atingindo-o nas costas e região abdominal.
O ofendido faz menção de reagir e um dos arguidos A, B, C, D, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q, desfere-lhe um soco no peito.
Ao mesmo tempo, o arguido E desfere com o "taco de baseball" uma pancada na cabeça do ofendido.
As agressões sucedem-se, atingindo o ofendido por todo o corpo, a soco e pontapé.
Enquanto agrediam o ofendido, estes quinze arguidos iam gritando "Este é preto, mata-o!", "Filho da Puta", "Preto", "Vai para a tua terra que isto aqui não é lugar para ti".
O ofendido para se proteger, encosta-se à parede de uma habitação junto ao Bar sito no n. 261 da Rua da Rosa - "Bar Nova" -, onde pretendia obter auxílio.
Os arguidos desferem-lhe então pontapés que o atingem essencialmente na cabeça, que o ofendido tentava proteger com as mãos.
Um dos arguidos muniu-se de um ferro de andaime, com cerca de um metro de comprimento, de secção redonda, com um centímetro de espessura e a forma de uma bengala, uma vez que uma das extremidades era curva, e desferiu com o mesmo uma pancada na cabeça do ofendido.
Ao mesmo tempo que continuavam a pontapear o ofendido e este a procurar libertar-se deles e fugir.
Na sequência de tais agressões, o ofendido perdeu os sentidos, altura em que os arguidos A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q o abandonaram, o que ocorreu próximo do restaurante "O Forcado".
Com a sua conduta, causaram estes quinze mencionados arguidos ao ofendido V1, beneficiário da segurança social n. 133473379, as seguintes lesões descritas nas fichas clínicas e nos relatórios de exames médicos de fls. 115, 116, 1626 a 1628, 1662 a 1665;
Traumatismo craniano com perda de conhecimento e designadamente traumatismo do ouvido direito. No dia 26.01.96 apresentava ao exame objectivo (fls. 1628) crepitação do ombro direito; crepitação do joelho esquerdo; dor à percussão da região retro-auricular; discreta assimetria da mobilidade dos côndilos mandibulares, lesões essas que determinaram como consequência directa e necessária, conforme relatório intercalar de fls. 1626 a 1628, pelo menos 10 dias de doença, com igual período de incapacidade para o trabalho.
Após terem percorrido a Rua da Rosa, estes quinze arguidos dividiram-se em dois grupos, tendo um deles seguido pela Rua Luísa Tody, e o outro pela Travessa São Pedro de Alcântara, vindo ambos a desembocar na Rua São Pedro de Alcântara, altura em que o arguido A os abandonou.
Nesta rua, os arguidos C, D, E, F, G, H, L, M e O viraram no sentido descendente em direcção ao Cais do Sodré, efectuando o percurso em corrida deixando para trás os arguidos B, I, J, N e Q.
Logo na Rua São Pedro de Alcântara, cerca da 1 hora e 2O minutos, o ofendido A1, indivíduo de raça negra, e a sua namorada, M1, de raça branca, subiam aquela rua pelo passeio do lado esquerdo, vindos da Rua do Grémio Lusitano, a fim de se dirigirem para o elevador da Gloria.
Quando chegam frente ao n. 17 daquela rua, vêem avançar na sua direcção este grupo de nove arguidos, constituído pelo C, D, E, F, G, H, L, M e O.
Subitamente, ouvem um destes nove arguidos dizer "preto vai para a tua terra".
Acto contínuo o ofendido é atirado ao chão pelo arguido E, que vinha munido do pau acima descrito, juntando-se sucessivamente a este na agressão os arguidos C, D, F, G, H, L, M e O.
Já no chão, o ofendido é pontapeado por um destes nove arguidos, conseguindo ainda assim levantar-se, tentando fugir.
Foi no entanto impedido pelos mencionados nove arguidos que o pontapearam de novo, levando-o ao chão.
Estes nove arguidos continuaram a agredir o ofendido, a pontapé, atingindo-o pelo corpo, sendo o alvo principal a zona da cabeça.
A par dos pontapés, o arguido E agredia o ofendido desferindo-lhe ainda pancadas com o pau de que estava munido.
Ainda assim, o ofendido tenta fugir novamente, para o outro lado da rua.
Os nove arguidos, C, D, E, F, G, H, L, M e O, continuam a persegui-lo e a agredi-lo, levando-o a cair no meio da estrada, forçando os veículos que ali transitavam a parar.
E nesta altura que se verifica a maior concentração de esforços por parte destes nove arguidos nas agressões de que foi alvo o ofendido A1.
Com efeito, estes nove arguidos rodeiam o ofendido, formando um círculo à sua volta, e batem-lhe, de forma indiscriminada, com pontapés pelo corpo e zona abdominal, sendo o alvo primordial a cabeça do ofendido.
A par dos pontapés, o arguido G agride ainda o ofendido com uma soqueira metálica de que vinha munido.
Durante esta agressão, o arguido H, enquanto batia, incentivava ainda os outros a sovar o ofendido gritando "Mata o gajo, negro da merda!"
Entretanto, o ofendido acabou por ficar inanimado.
Então, é abandonado por estes nove arguidos que o deixam prostrado no solo, sem se mover.
Através da sua actuação, os arguidos C, D, E, F, G, H, L, M e O criaram o pânico nas pessoas que se encontravam dentro das viaturas imobilizadas bem como as que passavam na rua.
Estas, receosas destes nove arguidos, algumas em "estado de choque", sentiram-se incapazes de prestar ajuda ao ofendido no momento em que estava a ser agredido por aqueles nove arguidos.
Tal sentimento de pânico, levou igualmente alguns proprietários e empregados dos estabelecimentos de bar/café/ou restaurantes existentes naquela rua a fechar as portas impedindo a saída ou entrada de clientes enquanto as agressões decorriam.
Com a sua conduta, causaram os arguidos C, D, E, F, G, H, L, M e O ao ofendido A1, beneficiário da segurança social n. ...., as seguintes lesões descritas nos boletins clínicos e relatórios de exame médico de fls. 110, 111, 296 a 300, 455, 456, 462 a 488, 2274 a 2276: Traumatismos craniano, facial, do tronco e nos quatro membros;
Como consequência das ofensas sofridas, apresentava ao exame objectivo realizado em 22-06-95:
1- Cicatriz de ferida linear com vestígios de pontos de sutura e parcialmente coberta por crosta, situada na região parietal esquerda, ligeiramente oblíqua para baixo e para a esquerda, com cerca de 2 centímetros;
2- Cicatriz de ferida linear com a forma grosseira de um "L" parcialmente coberta por crosta, na região frontal, à direita da linha média e logo após a zona de implantação capilar, medindo 1,5 centímetros em cada um dos seus ramos;
3- Cicatriz de ferida contusa na região frontal, à esquerda da linha média da zona de implantação capilar, ligeiramente hipopigmentada, grosseiramente oval com eixo maior oblíquo para a direita e ligeiramente para baixo, com 1,6 centímetros por 0,5 centímetros;
4- Área heterogeneamente hipopigmentada na glabela e extremidade proximal da sobrancelha direita, arredondada, com cerca de 1 centímetro de diâmetro médio;
5- Duas cicatrizes de escoriação situadas na região perizigomática esquerda, paralelas e distando entre si cerca de O,4 centímetros, oblíqua para baixo e para trás com O,4 centímetros cada;
6- Área hipopigmentada na região labial superior, à esquerda da linha media, oval com eixo maior oblíquo para baixo e para a esquerda, com 2 centímetros por 1,1 centímetros;
7- Cicatriz de ferida operatória com vestígios de pontos de sutura na região malar direita, discretamente arciforme com concavidade superior, com 1,5 centímetros (rectificada);
8- Cicatriz de ferida contusa na região naso-geniana direita, 1/3 inferior, arciforme com concavidade para a esquerda, com cerca de 0,7 centímetros (rectificada);
9- Duas equimoses castanhas escuras na transisão cutâneo-mucosa do lábio inferior, uma na linha média e outra à esquerda desta, arredondadas, com cerca de 0,4 centímetros de diâmetro médio cada;
10- Equimose avermelhada-escura na mucosa da face interna do libo inferior, ocupando os 2/3 médios, com eixo maior horizontal com cerca de 4 centímetros no seio da qual, e à direita da linha média, se identifica cicatriz de ferida contusa, esbranquiçada, arciforme de concavidade para fora com cerca de 0,6 centímetros (rectificada);
11- Duas feridas na mucosa da face interna do lábio superior, cerca da linha média, verticais, com cerca de 0,3 centímetros cada;
12- Gengivas com área periodontal hiperemiada a nível das peças dentárias 1.1 e 1.2, 4.2 e 4.3;
13- Fractura em bisel pela base da coroa da peça dentária 1.2;
14- Mobilidade ao toque da peça dentária 1.1;
15- Equimose castanha-amarelada que se estende desde o 1/3 inferior da região estemocleidomastoideu direito até à região da fúrcula esternal, grosseiramente oval com eixo maior oblíquo para baixo e para a frente com 11 centímetros por 4 centímetros;
16- Equimose castanha-amarelada no braço direito, 1/3 superior da face anterior, oval com eixo maior oblíquo para baixo e para fora medindo 4 centímetros por 1,5 centímetros;
17- Cicatriz de escoriação com crosta no cotovelo direito, face posterior, oblíqua para baixo e para a direita, com cerca de 2 centímetros;
18- Complexo cicatricial de escoriações, algumas cobertas por crostas no antebraço direito, 1/3 médio da face ântero-externa, lineares, oblíquas para baixo e para dentro, com comprimentos variando entre 3,5 centímetros e 1 centímetro, ocupando no seu conjunto uma área com eixo maior mais ou menos vertical com 4 centímetros por 2,5 centímetros;
19- Cicatriz de escoriação, rosada, com crostas, no antebraço direito, terço distal da face posterior, em forma de "V", medindo o ramo mais interno 0,5 centímetros e o mais externo 2 centímetros;
20- 2 centímetros para fora de vértice da cicatriz referida em 19, existem múltiplas crostas punctiformes definindo um trajecto grosseiramente arciforme com concavidade inferior, com 2 centímetros (rectificada), cuja extremidade mais interna se continua por uma zona hipopigmentada com cerca de 1,5 centímetros de comprimento, a qual está por sua vez em continuidade com uma cicatriz de ferida contusa, com crosta, de forma sinuosa com trajecto oblíquo para baixo e para fora, medindo cerca de 2,4 centímetros;
21- A 1,5 centímetros da ferida descrita em 20, existe uma cicatriz linear com crosta, vertical, com 0,7 centímetros;
22- Cicatriz de escoriação com crosta e com extremidades rosadas, no cotovelo esquerdo, face posterior, oblíqua para baixo e para fora, com 4 centímetros de comprimento e 1 centímetro de largura máxima;
23- 2,5 centímetros abaixo da extremidade inferior da cicatriz descrita em 22, existem 2 crostas arredondadas com 0,4 centímetros de diâmetro médio cada;
24- Na face postero-interna dos 2/3 superiores do antebraço esquerdo existem 2 equimoses castanhas-escuras, com eixos maiores num mesmo plano vertical, a superior com 4 centímetros por 2 centímetros e a mais inferior com 3 centímetros por 0,6 centímetros;
25- Escoriação com crosta no joelho direito, logo acima do bordo superior da rótula, arredondada, com cerca de 1,3 centímetros de diâmetro médio;
26- Ferida contusa com crosta castanha-escura no tornozelo direito face anterior, oval, com eixo maior mais ou menos horizontal, com 1 centímetro por 0,7 centímetros;
27- Escoriação com crosta na perna esquerda, 1/3 superior da face anterior, arredondada, com cerca de 1,6 centímetros de diâmetro médio.
Destas lesões resultaram para o A1 dez dias de doença, quatro dos quais com incapacidade para o trabalho. Destas ofensas resultaram como sequelas permanentes: fractura de uma peça dentária e luxação de outra peça dentária passíveis de tratamento estomatológico; cicatrizes evidentes mas não deformantes.
Destas sequelas não resultou, em concreto, perigo para a vida do ofendido.
A seguir à agressão efectuada ao ofendido A1, o grupo dos nove dos que a tinham levado a cabo e alcançado é reintegrado pelos arguidos que momentaneamente tinham ficado para trás, B, I, J, N e Q.
Cerca da 1 hora e 25 minutos, ocorre nesta rua, Rua de São Pedro de Alcântara, uma outra agressão à porta do café "Cantinho dos Amigos", sito no n. 13, no interior do qual se encontrava o ofendido O1, indivíduo de raça negra.
Este, ao ouvir grande gritaria na rua, proveniente dos distúrbios causados pelos arguidos e na sequência da agressão efectuada ao ofendido A1, foi espreitar a porta daquele café.
Acto contínuo, o arguido F agride-o, atingindo-o na face com um copo partido, provocando-lhe um corte na orelha e no maxilar, do lado direito, ficando este de imediato a sangrar.
O ofendido é de imediato socorrido pelo proprietário do café, N1, que o recolhe e fecha a porta, impedindo assim que as agressões se prolongassem.
Com a sua conduta, causaram os arguidos B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q ao ofendido O1, beneficiário da segurança social n. ..., as seguintes lesões descritas nos boletins clínicos e relatórios de exame medico de fls. 113, 326 a 328, 350 e 1419 a 1425, 2261 a 2262:
- Traumatismo facial direito e ferida incisa do pavilhão auricular externo direito e ferida contusa da face.
Como consequência destas lesões, apresentava ao exame objectivo realizado em 29/06/95:
- Cicatriz de ferida contusa com vestígios de pontos de sutura no lóbulo da orelha direita, faces anterior e posterior, oblíqua para trás e para baixo, com 1,2 centímetros de comprimento;
- Cicatriz de ferida operatória com vestígios de pontos de sutura com crosta parcial, situada 1 centímetro abaixo do plano horizontal que passa na inserção inferior da orelha direita, vertical com 0,9 centímetros de comprimento.
Destas lesões resultaram dez dias de doença, cinco dos quais com incapacidade para o trabalho.
Não resultou qualquer consequência permanente nem perigo para a vida do O1.
Após esta agressão, o arguido Q abandona o grupo, que fica assim reduzido a onze arguidos, B, C, D, F, G, H, I, J, L, M e O, que prosseguem pela Rua de São Pedro de Alcântara em direcção ao Largo Trindade Coelho, correndo e batendo, verificando-se a sua passagem, neste local, novas agressões a indivíduos de raça negra.
Não foi porém possível individualizar estas agressões em virtude de serem desconhecidas as identidades das vítimas.
No largo Trindade Coelho, cerca da 1 hora e 30 minutos, os arguidos B, C, D, F, G, H, I, J, L, M e O perseguem dois indivíduos de raça negra que fogem para o interior da hamburgueria "River Boat", sita naquele Largo.
Já no interior daquele estabelecimento, tais indivíduos refugiam-se na zona da copa.
Os arguidos Alexandre Cordeiro, G, I, L e M entram na hamburgueria à procura dos mencionados indivíduos, enquanto gritavam "Morte aos Pretos" e "Portugal é nosso".
Atiraram algumas cadeiras pelo ar, acabando no entanto, porque interceptados pelos funcionários daquele estabelecimento, por abandonar aquela hamburgueria e reagruparem-se cá fora com os arguidos B, C, F, H, J e o O.
Enquanto isto, os dois indivíduos de raça negra saíam pelas traseiras do "River Boat", sem serem vistos pelo grupo.
Estes onze arguidos, B, C, D, F, G, H, I, J, L, M e O, desceram então a Calçada do Sacramento, desembocando na Rua Garrett.
Nesta rua estes onze arguidos iniciam a descida e avistam a vítima X, indivíduo de raça negra, que caminhava, sozinho, pelo passeio do lado direito, no sentido descendente.
Acto contínuo, os onze arguidos, B, C, D, F, G, H, I, J, L, M e O, perseguem-no, tendo este tentado fugir no sentido ascendente da Rua Garrett.
É o arguido M aquele que primeiro o alcança e agarra, rasteirando-o.
De imediato, a vítima X é rodeada pelos onze arguidos, B, C, D, F, G, H, I, J, L, M e O, que o envolvem e começam a sová-lo, agredindo-o por todo o corpo com socos e pontapés.
Simultaneamente arrastam a vítima no sentido descendente da rua.
Junto à montra da loja "Gianni Versace", o X é de novo rasteirado, ficando prostrado no solo.
Sucedem-se os socos e pontapés dos onze arguidos que o envolvem, B, C, D, F, G, H, I, J, L, M e O.
A dada altura um destes arguidos, cuja identidade não se conseguiu apurar, lançou mão de um objecto com uma base circular em cimento com cerca de 21,5 centímetros de diâmetro e cerca de 2 centímetros de espessura de cujo centro emerge uma haste tubular que tem de altura máxima cerca de 18,5 centímetros e de diâmetro cerca de 4,3 centímetros (conferir exame de fls. 452 a 454) e desferiu com o mesmo duas pancadas na cabeça da vítima, X, enquanto este continuava a ser agredido pelos demais a soco e pontapé.
X foi assim atingido com diversos pontapés na cabeça, tendo vestígios capilares do mesmo ficado entranhados numa das botas utilizadas na altura pelo arguido B.
Já no final é com a vítima prostrada no solo em decúbito ventral, inanimada, o arguido I colocou um pé sobre a cabeça da vítima, levantando os braços em atitude de triunfo.
Nesta altura, estes onze arguidos abandonam o local e dirigem-se para a Rua Nova do Almada.
No entanto, três arguidos cuja identidade não foi possível apurar voltam atrás e dirigem-se de novo à vítima X, cujo corpo jazia inanimado no solo e recomeçam a dar pontapés indiscriminadamente por todo o corpo da vítima, que saltava animicamente face à força dos golpes imprimidos por esses três arguidos ao pontapeá-la.
Subitamente estes três arguidos abandonam o local novamente em direcção a Rua Nova do Almada, juntando-se aos restantes oito elementos do grupo, do qual nesta altura desertou o arguido J por ter ficado impressionado e arrependido por tudo quanto fizera anteriormente.
Com a sua conduta os arguidos B, C, D, F, G, H, I, J, L, M e O, causaram a vítima X, as lesões descritas no Relatório de Autópsia de fls. 1298 a 1301 dos autos - "graves lesões traumáticas crânio-vasculo-encefálicas, com infiltração sanguínea do pericranio na região têmporo-parieto-occipital direita, com uma área de cerca de 16x9 centímetros; fractura da calote craniana (múltiplos traços de fractura interessando os ossos temporal, parietal e occipital, à direita, apresentando-se um afundamento, no terço posterior do osso temporal direito, com uma área de cerca de 2x2 centímetros; hematoma sub-dural, em camadas grossas (cerca de 2,5 centímetros), cobrindo parte do lobo parietal esquerdo e todo o lobo temporal do mesmo lado; infiltração sanguínea das leptomeninges de todo o encéfalo; edema cerebral muito marcado; múltiplos focos de contusão dispersos por todo o encéfalo, incluindo o tronco cerebral; hemorragias sub-pleurais e sub-endocirdicas; edema pulmonar; peteguias sub-epicardicas; sete erosões hemorrágicas na mucosa gástrica"-, as quais foram causa directa e necessária da sua morte.
Os arguidos B, C, D, F, G, H, I, L, M e O desceram então pela Rua Nova do Almada até à Praça do Município e entraram na Rua do Arsenal, em direcção ao Cais do Sodré.
Nesta rua, deparam com outro indivíduo de raça negra, o ofendido B1, que se deslocava em direcção à Praça do Município.
De imediato, estes dez arguidos dirigem-se ao ofendido B1 e cercam-no.
Acto contínuo, os arguidos B, C, D, F, G, H, I, L, M e O agridem-no a soco e pontapé, levando o mesmo a cair ao chão.
Aí os dez arguidos continuam a agredi-lo da forma descrita, tendo um deles, munido de um pau semelhante a um taco de baseball, desferido com o mesmo uma pancada no rosto do ofendido, após o que o abandonaram.
Com a sua conduta, causaram os arguidos B, C, D, F, G, H, I, L, M e O ao ofendido B1, beneficiário da Segurança Social n..., as seguintes lesões descritas nas fichas clínicas e relatórios de exame médico de fls. 112, 330 a 332, 348 e 1880 a 1881:
- traumatismo do crânio e da pirâmide nasal com fractura dos ossos próprios do nariz;
- ferida pequena contusa na face lateral direita da pirâmide; feridas contusas e abrasivas do nariz, lábio, hemitorax e membros direitos.
Estas lesões determinaram como consequência directa e necessária pelo menos 20 dias de doença com igual tempo de incapacidade para o trabalho.
Não foi possível determinar em definitivo as sequelas destas lesões, tendo sido considerado no relatório médico de fls. 1880 a 1881, que sob o ponto de vista médico-legal poderão subsistir algumas queixas rinológicas, para além de discreto desvio da pirâmide nasal para a esquerda e algumas cicatrizes nos membros direitos".
Após esta agressão - a última de que houve conhecimento estes dez arguidos abandonaram o local em direcção à Av. 24 de Julho, indo-se encontrar com elementos do grupo de "Skins", no local de encontro previamente combinado entre todos, "A Merendeira".
Nesse local, o arguido E entregou o pau acima descrito ao arguido Q, o qual se desfez do mesmo.
Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente determinados.
Os arguidos perfilham ideias que fazem apelo ao "nacionalismo" e "racialismo", onde a vertente racista está sempre presente, e exaltam a superioridade da raça branca, considerando a raça negra como uma raça inferior e a expulsar de Portugal.
E é na prossecução de tal desígnio, a que de forma colectiva aderiram todos os arguidos intervenientes em cada uma das agressões a ofendidos acima descritas, que estes actuaram, agredindo todos os indivíduos de raça negra que se cruzavam no seu caminho.
Querendo com essa actuação, integrada nos objectivos do grupo de "Skins", contribuir para a expulsão de Portugal daquele grupo racial.
Todos os arguidos intervenientes em cada uma das agressões a ofendidos acima descritas actuaram em comunhão de esforços, querendo atingir a integridade física e a vida dos ofendidos, por serem indivíduos de raça negra, o que conseguiram.
Bem sabiam os arguidos intervenientes em cada uma das agressões a ofendidos acima descritas que os objectos que utilizaram (soqueiras, paus, botas militares e outras com biqueiras em aço, garrafas partidas, ferros), revestem características que, quando usados da forma referida, são aptos a causar lesões susceptíveis de provocar a morte aos atingidos ou colocá-los em risco de vida ou de causar uma grave ofensa à sua integridade física.
E que todos iriam fazer uso desses objectos, o que queriam, conformando-se com o resultado das agressões praticadas com os mesmos.
Os arguidos B, C, D, F, G, H, I, J, L, M e O, ao actuarem em relação ao X pela forma como o fizeram e acima está descrita, quiseram tirar a vida a X, o que conseguiram.
Sabiam os arguidos A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q que as suas acima descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido A é delinquente primário. Escriturário no Aeroporto de Lisboa, auferia por mês cerca de 96000 escudos e vivia com os pais. Prestou em julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido B é delinquente primário. Técnico de ar condicionado, auferia por mês cerca de 80000 escudos e vivia com a mãe. Prestou em julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido C é delinquente primário. Empregado de mesa, auferia por mês cerca de 70000 escudos e vivia com os pais. Prestou em julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido D é delinquente primário. Estudante do 11. ano, vivia com a mãe. Prestou em julgamento declarações relevantes para a descoberta da verdade e denota ausência de arrependimento.
O arguido E é delinquente primário. Era 2. Cabo da Policia Aérea à data dos factos acima descritos, auferia cerca de 55000 escudos por mês e vivia com os pais. Prestou em julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido F é delinquente primário. Segurança na "Prestibel", auferia por mês cerca de 83000 escudos e vivia com os pais e uma irmã. Prestou em julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido G é delinquente primário. Era soldado de transmissões com o curso de cabo à data dos factos acima descritos, auferia por mês cerca de 52000 escudos e vivia com a mãe. Prestou em julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido H é delinquente primário. Trabalhava com os pais numa loja de electrodomésticos e vivia com os pais. Prestou em julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido I é delinquente primário. Empregado de mesa no café dos pais e estudante do 12. ano, vivia com os pais. Prestou em julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido J é delinquente primário. Trabalhava com os pais no supermercado destes como empregado de balcão, auferia cerca de 65000 escudos por mês e vivia com os pais. Prestou em julgamento declarações muito relevantes para a descoberta da verdade material e denota estar arrependido.
O arguido L é delinquente primário. Desenhador gráfico, auferia por mês cerca de 75000 escudos e vivia com os pais e uma avó. Prestou em Julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido M é delinquente primário. Segurança na "Prossegur", auferia por mês cerca de 75000 escudos e vivia com a mãe e o padrasto. Prestou em julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido N já respondeu e foi condenado em pena de multa por injúrias. Estudante do 3. ano do curso de energia e sistemas de potência, do I.S.E.L., vivia com os pais. Prestou em julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido O é delinquente primário. Estudante de um curso técnico-profissional de desporto, vive com a mãe, o padrasto e dois irmãos. Prestou em julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido P é delinquente primário. Desempregado, vive com os pais. Prestou em julgamento declarações relevantes para a descoberta da verdade.
O arguido Q é delinquente primário. Electricista com o pai e estudante do 12. ano, vive com os pais. Prestou em julgamento declarações parcialmente relevantes para a descoberta da verdade e denota completa ausência de arrependimento.
O arguido R é delinquente primário. Montador de peças automóveis na "Opel Portugal", aufere por mês cerca de 122000 escudos e vive com a esposa e uma filha menor. Prestou em julgamento declarações relevantes para a descoberta da verdade.

Mais se provou o seguinte:
- Do pedido cível formulado pelos assistentes U e V:
Os assistentes U e V são pais do falecido X.
O X faleceu solteiro e sem filhos.
A morte do filho dos assistentes causou nestes um profundo abalo, comoção e desgosto.
X era um jovem de 27 anos, transbordante de alegria, de vida e saúde e foi morto unicamente pelo facto de ser negro.
X morreu no meio de um sofrimento atroz.
A assistente U é constantemente assaltada por pânico, pois teme que qualquer um dos seus outros filhos ou netos seja confrontado com a mesma situação que vitimou o seu filho X.
A assistente, que é cidadã nacional, passou desde a morte do filho X a sentir-se insegura.
A assistente acorda constantemente com pesadelos, não consegue libertar-se das imagens do seu filho mutilado e deixou de ser capaz de manter um relacionamento social mínimo, achando-se para sempre psicológica e psiquicamente afectada.
O assistente V não consegue também libertar-se das imagens do seu filho mutilado.
O assistente V ficou afectado no plano psicológico pela morte do seu filho X.
As próprias relações familiares e sociais do assistente V foram afectadas, deixando este de ter capacidade para se relacionar normalmente com as pessoas como o fazia ate à morte do filho.
Do pedido cível formulado pelo assistente B1:
O assistente B1 sofreu dores devido às contusões e lesões sofridas e já acima descritas.
O assistente B1 ainda hoje sofre sequelas dessas lesões, nomeadamente sente falta de ar e quando corre e/ou faz muito frio sente muitas dores na perna.
O assistente ficou também afectado psicologicamente, sentindo muito medo de aglomerados de pessoas.
Sente-se perseguido, receando que a qualquer momento algum o ofenda verbal ou fisicamente pelo único facto de ser negro.
- Da contestação-crime do arguido A:
Mesmo no estabelecimento prisional o arguido A continuou a estudar.
À data dos factos acima referidos o pai do arguido A encontrava-se bastante enfermo, padecendo da doença de Alzheimer em fase adiantada.
Nos momentos de lucidez era com este filho que convivia, por ser o mais novo e o que lhe dava mais atenção.
O pai careceu de internamento hospitalar logo que o filho ficou detido, vindo a falecer durante a realização do julgamento.
- Da contestação-crime do arguido H:
O arguido H tem residência em Matosinhos onde sempre viveu na companhia de seus pais e irmão.
O arguido H não dispunha de qualquer literatura, autocolantes, manuscritos ou qualquer outro tipo de propaganda de ideias racistas.
Mesmo em reclusão, o arguido H submeteu-se a exame de Português Científico, Ciências Naturais, Geografia e Matemática, tendo sido aprovado nas três primeiras.
- Da contestação-crime do arguido I:
O arguido I tem bom envolvimento social e familiar.
Os livros que lhe foram apreendidos são de venda livre, tendo o arguido adquirido os mesmos em diversas livrarias e alfarrabistas e não em qualquer mercado negro ou circuito paralelo.
- Da contestação-crime do arguido L:
O arguido L participou em encontros onde ideais racistas eram difundidos.
Era amigo de alguns dos seus ora co-arguidos e por eles soube da ideia do jantar acima referido.
Não era portador de qualquer arma de fogo.
O arguido é filho único e sempre foi amigo dedicado à família, vivendo com os pais na casa destes.
Trabalhava para a firma "Lusogravura", onde levava acabo trabalhos da sua especialidade e era estimado por superiores hierárquicos e colegas.
Depois de preso, o arguido trabalhou na zona prisional da polícia judiciária onde inicialmente exerceu funções de faxina e ultimamente, devido ao seu comportamento, passou a exercer funções de ajudante na enfermaria.
Depois de preso, não escondendo a sua situação prisional, o arguido candidatou-se e foi admitido no curso de Design e Artes Gráficas do Instituto Superior de Educação e Ciências.
- Da contestação-crime do arguido M:
O arguido M tinha emprego e tem promessa de poder mantê-lo.
Sempre foi querido pelos familiares, vizinhos e conhecidos.
- Da contestação do arguido N:
O arguido é conhecido em Almada como sendo do Sporting, sendo sócio do clube por tradição familiar.
No dia do jantar acima referido, o arguido foi assistir ao final da Taça de Portugal, entre o Sporting e o Marítimo, juntamente com o seu pai.
O arguido, porque vai de vez em quando ao Bairro Alto para beber um copo e porque os seus amigos P1, Q1 e R1 também estavam a pensar ir naquela noite, resolve ir com eles.
O arguido desloca-se para tanto no carro do seu amigo P1.
Quando os membros do grupo em que o arguido estava, a porta do restaurante "O Minhoto", resolvem perseguir o grupo de pessoas negras, já estas estavam em fuga.
O arguido não calçava botas "Doc Martens", com ou sem biqueiras metálicas.
Perto do Largo Trindade Coelho, à 1 hora 30 minutos da manhã, o arguido N vê passar um carro perto de si, tendo o arguido E, que se encontrava no interior desta viatura, perguntado ao N se queria entrar no carro. O arguido, na medida em que não tinha meio de transporte pessoal e não tendo encontrado o seu amigo P1 com vista a ir no carro deste para Almada, entrou para o banco de trás da referida viatura, de marca Renault Super cinco GTL e com a matrícula GP-..., viatura que pertencia a S1. No carro, para além do arguido N e do já referido arguido E, os outros ocupantes da viatura eram o arguido Q, S1 e outro indivíduo de nome T1.
A viatura, conduzida pelo S1, dirigiu-se então com todos os seus ocupantes para a "Merendeira", sita na Av. 24 de Julho.
Na "Merendeira", depois do S1 ter estacionado o carro, o arguido N entra neste local juntamente com os restantes ocupantes da viatura, bebe uma cerveja e apanha depois uma boleia para Almada juntamente com o arguido P, regressando a casa.
O arguido nunca desceu a Calçada do Sacramento, desembocando na Rua Garrett, nem esteve na Rua do Arsenal, nem agrediu o X e o B1.
Quer no E.P. de Lisboa quer no E.P. de Caxias, o arguido conseguiu realizar exames, com aprovação, de várias cadeiras do seu curso, através da deslocação, para realização das provas respectivas, de vários docentes do I.S.E.L. aos referidos estabelecimentos.
- Da contestação-crime do arguido O:
O arguido O tem familiares oriundos de outras raças.
O arguido é atleta de alta competição na modalidade de lançamento de martelo.
- Da contestação-crime do arguido R:
Na noite de 10 para 11 de Junho de 1995, o arguido R nunca agrediu ninguém nem contribuiu para que isso acontecesse.
O arguido R esteve nessa noite no Bairro Alto, concretamente no bar "O Minhoto", onde ficou retido em virtude dos empregados do referido bar terem fechado as portas do mesmo assim que surgiram os primeiros confrontos com os "skinheads", encontrando-se sempre acompanhado da sua namorada, presentemente sua mulher, T1, e abandonou o Bairro Alto juntamente com a sua namorada logo que foram abertas as portas do bar "O Minhoto".
- Da contestação-cível do arguido A ao pedido formulado pelos assistentes U e V:
Aquando da ocorrência dos factos que culminaram com a morte do X estava o arguido A na "Merendeira".
- Da contestação-cível do arguido A ao pedido formulado pelo assistente B1:
Aquando da ocorrência dos factos que culminaram com a agressão ao B1 estava o arguido A na "Merendeira".

FACTOS NÃO PROVADOS:
Da acusação do M.P.:
Os arguidos consideram a raça negra como uma raça a eliminar.
Os arguidos P e R participaram nas agressões referidas na matéria de facto assente como provada.
O grupo agressor (composto por cerca de 30/40 indivíduos, entre os quais S e T e os arguidos) vai-se manter coeso até meio do percurso efectuado.
Na Rua da Atalaia, foram agredidos diversos indivíduos de raça negra.
Intervieram nestas agressões da Rua da Atalaia, pelo menos S e os arguidos N, E, que utilizou um pau, N, D, B, H, A, Q, R, que utilizou um pau, e F.
S e T encontravam-se na Rua da Rosa quando o ofendido V1 por ela desceu.
Do grupo de arguidos que subia a Rua da Rosa aos gritos e atirando caixotes do lixo pelo ar pela forma descrita na matéria de facto assente como provada destacaram-se S e T e os arguidos A, P, Alexandre Cordeiro, Q e o E.
Na Rua da Rosa o S e o T afastaram do local os amigos de que o ofendido V1 vinha acompanhado.
Na Rua da Rosa, o S e o T agrediram o ofendido V1 e também gritaram "Este é preto, mata-o", "Filho da Puta", "Preto", "Vai para a tua terra que isto aqui não é lugar para ti".
Após terem percorrido a Rua da Rosa, o número de indivíduos pertencente ao grupo de "Skins" era ainda constituído por cerca de 30/40 indivíduos, entre os quais se incluíam o S e o T.
Na Rua de São Pedro de Alcântara alguns elementos do grupo seguiram para cima em direcção do Príncipe Real.
No Largo Trindade Coelho os arguidos avistam um casal cujas identidades não foi possível apurar, sendo o rapaz de raça branca e a rapariga de raça negra. Dirigiam-se ambos para a Rua de São Pedro de Alcântara.
O arguido I provocou o referido rapaz dizendo "Não gosto de misturas".
Este tentou reagir a tal provocação, e o arguido I agarrou-o pelo pescoço.
De imediato, os outros arguidos nomeadamente o J, o M, o H, o B e o D, cercaram o referido indivíduo e agrediram-no, atingindo-o no corpo a soco e pontapé, provocando-lhe lesões cujas consequências se desconhecem.
O grupo de "Skins" que desceu a Calçada do Sacramento, desembocando na Rua Garrett, era constituído por quinze indivíduos.
Foi o M o arguido que lançou mão do objecto circular em cimento e com ele deu as pancadas na cabeça do X referidas na matéria de facto assente como provada.
O grupo de arguidos que esteve na Rua Garrett pela forma referida na matéria de facto assente como provada foi o mesmo que desceu de seguida pela Rua Nova do Almada.
Os arguidos intervenientes em cada uma das agressões referidas na matéria de facto assente como provada queriam, com essa sua actuação, contribuir para a eliminação do grupo racial dos negros.
- Do pedido cível do assistente B1:
O B1 é pessoa pobre e actualmente desempregado e tem dificuldade em arranjar trabalho por causa dos problemas psicológicos resultantes da agressão de que foi vítima, referida na matéria de facto assente como provada.
- Da contestação-crime do arguido A:
Na organização do jantar referido na matéria de facto assente como provada coube ao arguido A apenas a tarefa de arranjar o restaurante.
O arguido A era um grande suporte económico para a família, contribuindo para as despesas com a maior parte do seu vencimento.
- Da contestação-crime do arguido H:
Em 10 de Junho de 1995 o arguido H veio com alguns companheiros do seu bairro a Lisboa com o propósito de irem assistir a um desafio de futebol.
Porém, por se terem esgotado os bilhetes para aquele espectáculo, acabaram por não terem oportunidade de a ele assistirem, deambulando pela cidade, a qual era desconhecida para o arguido H que nunca havia saído de Matosinhos sem ser na companhia de seus pais.
Foi por se terem esgotado os bilhetes do desafio de futebol que o arguido H foi ao jantar referido na matéria de facto assente como provada.
O arguido H jamais pertenceu a qualquer associação ou movimento de qualquer índole, muito menos a ideologias racistas ou xenófobas, máxime ligado ao movimento "skinheads" em Portugal, pois não perfilha tais ideias.
O arguido e os companheiros que o trouxeram de carro de Matosinhos, já estavam algo bebidos depois do jantar referido na matéria de facto assente como provada.
O arguido e os indivíduos que consigo se encontravam junto a um bar, no Bairro Alto, foram provocados por outros que por ali circulavam.
Alguns dos elementos provocadores vinham munidos de facas e outros objectos contundentes.
O arguido H só bateu em dois indivíduos no Bairro Alto.
O arguido jamais usou, nas agressões referidas na matéria de facto assente como provada, paus, pedras, garrafas, ferros ou quaisquer outros elementos que pudessem actuar como armas.
O arguido H tem bom comportamento anterior e desde a influência que convive harmoniosamente com indivíduos de raça negra e na cadeia fez amizade com indivíduos da mesma raça.
É bom amigo e fraterno para os companheiros, independentemente da raça, credo, religião e sexo.
Pelo seu comportamento o arguido H revela uma personalidade disposta a acatar as directivas da Constituição material.
- Da contestação-crime do arguido I:
O arguido jamais pertenceu a alguma organização "Skinhead".
Nem sequer utiliza a indumentária habitualmente utilizada pelos "Skinheads".
O arguido é pessoa pacífica.
No que respeita à sua selecção de amigos jamais estabeleceu distinção entre brancos, negros ou qualquer outra raça ou grupo étnico.
Tem gosto pelo estudo da filosofia política, pelo que é possuidor de extensa literatura acerca de tal matéria.
É proprietário de muitos livros respeitantes a ideologias de esquerda e marxistas-leninistas.
O arguido tem mantido comportamento exemplar quer social, quer profissional.
No estabelecimento prisional tem manifestado óptimo comportamento e tem trabalhado com afinco e aplicação.
Encontra-se profundamente arrependido, sentindo-se imensamente envergonhado com a sua sujeição a julgamento pelos factos por que vem acusado.
- Da contestação-crime do arguido L:
Na mesma estante em que foram apreendidos os livros referidos na matéria de facto assente como provada existiam livros de Karl Marx e outros socialistas.
Quer na sua vida pessoal, quer profissional, o arguido L sempre respeitou todas as pessoas independentemente da sua raça ou da cor da pele.
Entre os amigos com quem privava incluíam algumas pessoas de raça negra.
O arguido sempre tratou a todas as pessoas de raça negra com respeito, a algumas com estima e a outras até com grande amizade.
O arguido nunca promoveu reuniões ou encontros com vista à promoção ou difusão de ideias racistas.
No decurso do jantar referido na matéria de facto assente como provada, o arguido ingeriu pelo menos cinco cervejas.
No restaurante "O Minhoto", o arguido ingeriu pelo menos mais três cervejas.
O grupo em que o arguido se encontrava em frente ao restaurante "O Minhoto" fugiu do grupo de negros que se formou nas imediações desse restaurante e o arguido acompanhou esse grupo nessa fuga.
O arguido estava profundamente embriagado quando participou, pela forma descrita na matéria de facto assente como provada, nas agressões ao X.
Os actos que praticou e estão referidos na matéria de facto assente como provada foram levados a cabo pelo arguido debaixo de grande influência de álcool e o arguido está profundamente arrependido dessa sua conduta.
- Da contestação-crime do arguido M:
O arguido M tem bom comportamento anterior, tendo demonstrado solidariedade e amizade e respeito por concidadãos de raça negra.
- Da contestação-crime do arguido N:
O arguido N jamais defendeu que a raça negra precisava de ser eliminada.
O arguido nunca pertenceu ao movimento de "Skinheads" em Portugal, nunca teve o culto por ideais racistas, traduzidos na "superioridade da raça branca", nunca defendeu a ideia de que a raça negra é uma raça inferior, nunca se mostrou avesso à mistura de raças e à imigração para Portugal de indivíduos de raça negra, nomeadamente os originários das ex-colónias, nem defende a expulsão destes indivíduos do território nacional e nunca considerou legítima qualquer agressão contra os indivíduos de raça negra "em nome da nação" e da "superioridade da raça branca" e nunca se mostrou defensor de uma política denominada "racialismo".
O arguido nunca deteve em seu poder, em sua casa ou noutro local, literatura, manuscritos, autocolantes ou outros apontamentos alusivos a ideais fascistas, nazistas e racialistas, destinados à difusão da xenofobia e incitamento a actuações de violência colectiva.
Nunca se reuniu ou promoveu encontros em cafés ou bares com vista ao debate de ideias racialistas e nunca se reuniu com "Skins" de outros núcleos com vista a preparação do jantar referido na matéria de facto assente como provada.
No fim do jogo da final da Taça de Portugal, referido na matéria de facto assente como provada, o arguido foi jantar com o pai a um restaurante de Cascais, o restaurante "Enseada".

Só por volta das 22 horas e 30 minutos o arguido se deslocou ao restaurante "O Ribeiro".
O arguido deslocou-se ao jantar referido na matéria de facto assente como provada só para estar com os seus amigos e porque lhe apetecia comemorar a vitória do Sporting na Taça de Portugal e falar com os amigos sobre como o Sporting tinha jogado, levando vestida uma camisola do Sporting.
O arguido sentiu-se bastante nervoso nesse jantar.
Quando o arguido chegou ao "Ribeiro", a grande maioria das pessoas presentes já tinha acabado de jantar, limitando-se o arguido a beber duas imperiais na cerca de meia hora que esteve neste restaurante.
O arguido nunca estabeleceu com alguém do grupo que, caso ocorressem confrontos, o grupo se encontraria depois na "Merendeira".
O arguido estava inserido num grupo com muitas pessoas já embriagadas.
No "Minhoto", o arguido pediu uma cerveja e manteve-se dentro da cervejaria.
Momentos depois, ouvindo muito barulho lá fora, o arguido saí do "Minhoto" para ver o que se passava.
O arguido perguntou o que se passava, tendo sido pouco depois empurrado e tendo caído no chão, o que o deixou enervado, após o que tentou entrar no "Minhoto" com vista a proteger-se de qualquer confronto e ir ter com o seu amigo P1 que se encontrava no interior da cervejaria, o que lhe foi impossível de fazer por já nessa altura a porta se encontrar fechada.
As pessoas de raça negra que se juntaram próximo do restaurante "O Minhoto" eram portadoras de pedras e cintos enrolados às mãos, pelo que o arguido não quis ficar desprotegido no local e foi só por causa disso que acompanhou o grupo com que o arguido estava na perseguição que nessa altura iniciaram aos negros.
Ao acompanhar este grupo na perseguição aos negros, o arguido caminhava na retaguarda deste grupo e nunca transportou consigo soqueiras metálicas, paus, copos ou garrafas de cerveja partidas.
O arguido calçava uns ténis.
O arguido só voltou a subir a Rua do Diário de Notícias na medida em que o grupo onde se inseria resolveu voltar a subir a mesma rua.
O arguido só voltou ao cruzamento da Travessa da Boa-Hora com a Rua do Diário de Notícias porque o grupo em que se inseria assim o fez.
Neste local, o arguido tenta mais uma vez ver se a porta do "Minhoto" já se encontrava aberta para ver se encontrava o seu amigo P1 e lhe dizia se se iam embora para Almada.
No cruzamento da Travessa da Boa-Hora com a Rua do Diário de Notícias o arguido nunca pronunciou nem ouviu pronunciar qualquer expressão de "vão aí mais três".
Na noite de 10 para 11 de Junho de 1995 e no Bairro Alto o arguido envergava uma camisola do Sporting.
O arguido tinha a intenção de abandonar o coração do Bairro Alto fazendo-o numa altura em que lhe parecesse que, ficando isolado, não correria riscos.
O arguido saiu sozinho do "coração" do Bairro Alto" e desembocou sozinho em frente ao jardim de São Pedro de Alcântara.
Na Rua de São Pedro de Alcântara, o arguido caminhou sozinho pelo lado esquerdo da rua.
O arguido só foi para a "Merendeira" para ver se aí encontrava o seu amigo P1 e porque era para aí que os ocupantes iniciais da viatura pensavam dirigir-se.
- Da contestação-crime do arguido O:
O O nunca esteve ligado a qualquer movimento "Skinhead" ou a outro que perfilhe ideais xenófobos.
O arguido sempre pautou a sua vida familiar e social pelo respeito para com todos os indivíduos sem distinção de raça.
O arguido colaborou com a justiça desde que foi chamado aos autos a prestar declarações.
O arguido deslocou-se ao restaurante "O Ribeiro" em Cacilhas com o único intuito de assistir à transmissão pela TV da final da Taça de Portugal.
O arguido calçava ténis brancos "ReeboK" na noite de 10 para 11 de Junho de 1995.
Após os primeiros confrontos o arguido tentou voltar para o restaurante "O Minhoto" e, perante a confusão que se havia gerado e a probabilidade da P.S.P. ser chamada ao local, tentou afastar-se rapidamente dali dirigindo-se para o sítio onde havia ficado estacionada a viatura em que se deslocara para Lisboa.
O arguido consumiu bebidas alcoólicas muito para além do que está habituado.
Foi por não ter sentido de orientação e se encontrar numa zona pouco conhecida e ter ficado em pânico com o receio de que novos confrontos viessem a ocorrer que o arguido se integrou num grupo de não mais de cinco ou seis indivíduos que aparentemente seguia no mesmo sentido que ele próprio, tendo os confrontos e distúrbios referidos na matéria de facto assente como provada sido provocados por indivíduos de outros grupos.
O O é por natureza pacato e nada agressivo.
- Da contestação-crime do arguido Q:
O arguido nunca perfilhou ideias racistas e jamais teve qualquer conotação com ideologia "Skinhead".
O grupo que se juntou para o jantar de 10 de Junho de 1995, no restaurante "O Ribeiro", fê-lo apenas para confraternizar entre amigos e sem qualquer objectivo, rácico.
O Q tem muitos amigos de raça negra, com os quais convive, trabalha e se relaciona diariamente.
- Da contestação-crime do arguido R:
O arguido R nunca se ligou a qualquer movimento "Skinhead".
- Da contestação-cível do arguido R ao pedido cível formulado pelo assistente B1:
O arguido sempre conviveu com indivíduos de diferentes grupos étnicos ou raciais e no seu local de trabalho convive diariamente com pessoas de raça negra, com os quais desenvolveu uma relação de amizade.

I

QUESTÕES DE DIREITO PROCESSUAL PENAL.

1- O recorrente F diz ter sido violado o disposto no artigo 147 CPP, que a decisão recorrida enferma do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Os recorrentes I e O sustentam que se fez errada aplicação do artigo 356 n. 3 alíneas a) e b) do CPP.
Os recorrentes L, M, G, C, D e F invocam a nulidade prevista no artigo 379 alínea a) por violação do disposto no artigo 374 n. 2 do CPP.
O recorrente G também invoca a existência de erro notório na apreciação da prova.
O recorrente B pensa que a decisão recorrida enferma do vício previsto na alínea b) do n. 2 do artigo 410 CPP; e, segundo os recorrentes C, D e F, a decisão recorrida enferma de todos os vícios previstos naquele n. 2.
Os recorrentes G, B e Q negam a prática dos crimes.
O terceiro invoca, além disso, a violação dos princípios da verdade material e in dubio pro reo.
2- Vamos apreciar aquelas questões pela ordem agora indicada, por nos parecer a mais lógica.
a) O recorrente F conclui sob o n. 4 das suas conclusões (fls. 4752-v):
"Os autos de reconhecimento de fls. não obedecem aos imperativos do artigo 147 do CPP".
A omissão da indicação da folha respectiva bastaria para inutilizar tal conclusão, pois o tribunal não possui poderes divinatórios.
Suponhamos, porém, que a conclusão 4. se refere aos pontos 17 e 18 da motivação, em que o recorrente alega que "os autos de reconhecimento de fls. 3 e 4 não foram confirmados pelos ofendidos em audiência de julgamento" e "não obedeceram aos requisitos imperativos contidos no artigo 147 do CPP".
Compulsando os autos, verifica-se que a folha 3 se refere a um boxe, "soqueira", na posse de G e a folha 4 a um auto de reconhecimento" a P.S.P., daquele, de B e E.
Aquele preceito, inserido no capítulo IV, subordinado à epígrafe "Da prova por Reconhecimento", descreve as formalidades a cumprir no reconhecimento de pessoas como prova em processo penal.
A omissão de alguma dessas formalidades não constitui nulidade insanável, pois não se encontra incluída na enumeração taxativa do artigo 119 CPP.
Assim, uma tal nulidade só pode ser conhecida pelo tribunal precedendo arguição do interessado, nos termos do artigo 120 do mesmo código, cujo n. 3 estabelece na alínea a) que, "tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, deve ser arguida antes que o acto esteja terminado".
Portanto, verificando-se a nulidade em audiência, devia ter sido arguida nesse acto pelo arguido.
Não o tendo sido, a nulidade ficou sanada.
Em igual sentido tem decidido este Supremo Tribunal (v.g. ac. de 14 de Abril de 1994, proc. 46.223, citado em nota ao artigo 147 do Código de Processo Penal Anotado por Manuel Simas Santos, Manuel Leal Henriques e David Borges de Pinho).
b) O artigo 356 CPP indica, de um forma taxativa, os casos em que é permitida a leitura, em audiência, de autos de declarações exaradas anteriormente no processo.
Entre tais excepções à regra geral da proibição da valoração de provas não produzidas ou examinadas em audiência, figuram os dois casos previstos no n. 3:
"É também permitida a leitura de declarações anteriormente prestadas perante o juiz:
a)- Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar em audiência que já não recorda certos factos; ou
b)- Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou divergências sensíveis que não possam ser esclarecidas de outro modo".
Contemplam, obviamente, as declarações do assistente, das partes civis e das testemunhas.
O recorrente O alega que o tribunal "a quo", baseando-se no artigo 356 n. 3 citado, procedeu à leitura, em audiência de julgamento, de depoimentos prestados por diversos arguidos em inquérito, quando a norma aplicável era a do artigo 357 CPP, e não fundamentou o motivo por que procedeu a tal leitura.
O recorrente I expressa semelhante argumentação.
Concluem eles que as leituras das declarações dos arguidos, do modo como foram feitas, constituem a utilização em julgamento de provas proibidas, arrastando como consequência a nulidade do julgamento, por violação do disposto no artigo 355 CPP.
Conforme é revelado na respectiva acta, as leituras dependeram de requerimento de um arguido.
É evidente que a leitura de declarações do arguido se rege pelo artigo 357 CPP.
Simplesmente, o que se verifica, "in casu", é um mero lapso na citação da norma aplicável, uma vez que o regime da alínea b) do n. 1 do artigo 357 é idêntico ao da alínea b) do n. 3 do artigo 356: trate-se de arguido, assistente, parte civil ou testemunha, sempre é permitida a leitura, em audiência, de declarações anteriormente prestadas perante o juiz, desde que haja contradições ou divergências sensíveis entre elas e as feitas em audiência que não possam ser esclarecidas de outro modo.
O acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Outubro de 1994, em que o recorrente I se apoia, não pode ser trazido é colação porque versa sobre questão diferente: omissão da formalidade consignada no n. 8 do artigo 356.
Não se verifica, pois, a apontada nulidade.
c)- Na alínea a) do artigo 379 CPP comina-se de nula a sentença que não contiver as menções referidas no artigo 374 ns. 2 e 3 alínea b).
Nos termos do citado n. 2, na estrutura formal da sentença contém-se, a seguir ao relatório, a narração ou fundamentação, dividida em três partes:
- enumeração dos factos provados e não provados;
- exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão;
- indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Em presença do disposto no n. 2 do artigo 368 CPP, a enumeração dos factos provados e não provados abarca tanto os factos alegados pela acusação e pela defesa como os que resultaram da discussão da causa, relevantes para a decisão.
Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Junho de 1995 (Col. Jur. Ano III, tomo 2, página 254), citando acórdão anterior:
"A exigência da enumeração destina-se a substituir a necessidade de formulação de quesitos sobre matéria de facto consignada no código anterior e a permitir que a decisão, em processo penal, demonstre que o tribunal considerou especificadamente toda a matéria de prova que foi trazida à sua apreciação e que tem relevo para a decisão por ter sido incluída numa das apontadas peças processuais. Embora na enumeração dos factos não provados a exigência de minúcia não seja tão acentuada quanto a da enunciação dos factos provados, dela há que se poder alcançar a certeza de que todos os factos alegados quer pela acusação quer pela defesa foram considerados pelo Colectivo".
Quanto à exposição dos motivos, a jurisprudência italiana, interpretando a expressão correspondente da alínea e) do n. 1 do artigo 564 do Código Penal Italiano, fonte inspiradora do nosso, tem entendido que a exposição dos motivos deve ser correcta, completa e lógica, de modo a que não sobeje espaço para alternativa válida.
E no artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem a motivação é considerada uma garantia fundamental da defesa, ao consignar-se que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativamente por um tribunal independente e imparcial, o qual decidirá sobre o fundamento de qualquer acusação.
Também a nossa Constituição acolhe tal garantia ao indicar, no n. 1 do artigo 320, a seguinte cláusula geral: "o processo criminal assegurará todas as garantias da defesa, incluindo os recursos" (revisão de 1997).
Com a fundamentação conforme aos ditames do artigo 374 n. 2, o julgador demonstra que a sua decisão constitui a solução legal e justa, satisfaz o direito e a necessidade que o vencido tem de saber a razão por que a decisão lhe foi desfavorável e habilita o tribunal superior a ajuizar da correcção do processo lógico-jurídico da decisão recorrida.
A indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal é um complemento essencial daquela fundamentação, pois só assim fica patente a todos a marcha do raciocínio lógico-dedutivo que presidiu à conclusão.
O que só pode dignificar o tribunal e a justiça e servir os interesses da defesa.
O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista alargada, carece de poderes para sindicar a forma como o tribunal "a quo" exerceu a sua função de livre apreciação das provas, de harmonia com o disposto no artigo 127 do Código de Processo Penal.
Portanto, quando se trata de prova livre, como a prestada oralmente, o Supremo Tribunal de Justiça não pode perscrutar cabalmente os fundamentos de facto da decisão recorrida se, de cada facto, não for informado da respectiva prova.
Com tal omissão são postergados os princípios de justiça democrática e os direitos constitucionais da defesa. O recurso não passaria de uma série de formalidades ocas de sentido se a decisão recorrida não fizesse a discriminação de todos os factos, provados e não provados, e se o tribunal superior não pudesse acompanhar o exercício lógico demonstrativo das razões que levaram o tribunal "a quo" a decidir num sentido e não noutro.
Isto significa que, para cada facto provado, o tribunal deve indicar os meios de prova que serviram para formar a sua convicção e, tratando-se de prova testemunhal, as razões de ciência de cada testemunha.
Enunciados os princípios, vejamos se o acórdão recorrido omitiu alguma das menções referidas nos ns. 2 e 3 alínea b) do artigo 374 citado.
Para tanto, este Supremo Tribunal só pode tomar em consideração o alegado nas conclusões das motivações dos recorrentes, por não se tratar de questões de conhecimento oficioso.
Com efeito, pelo ac. de 6 de Maio de 1992 (Diário da República I-A n. 180, de 6 de Agosto de 1992), este Supremo Tribunal fixou jurisprudência obrigatória:
"Não é insanável a nulidade da alínea a) do artigo 379 do Código de Processo Penal de 1987, consistente na falta de indicação na sentença penal das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, ordenada pelo artigo 374 n. 2, parte final, do mesmo código, por isso não lhe sendo aplicável a disciplina do corpo do artigo 119 daquele diploma legal".
Por identidade de razão, tal doutrina vale para as restantes menções referidas no artigo 374 n. 2.
Vejamos, por conseguinte, o que alegaram os recorrentes em tal matéria.
Segundo L e M, a sentença é nula por ausência de motivação probatória das conclusões de facto (conclusão d).
Contudo, como se verifica das conclusões e) e f), os recorrentes confundem motivação probatória com qualificação jurídica dos factos.
O recorrente G, na conclusão 5., afirma que a sentença recorrida é nula por ausência de motivação das conclusões de facto. Aduz que o raciocínio sobre o convencimento da prova é meramente enunciativo.
Todavia, o acórdão recorrido não se limitou, na exposição dos motivos de facto, a indicar a fonte da prova, visto que indicou a razão de ciência de cada testemunha, como se vê de folhas 4653 e seguintes.
Carece, pois, o recorrente de razão.
Os recorrentes C, D e F aludem à nulidade do artigo 379 alínea a) CPP mas em incompreensível simbiose com o artigo 410 n. 2.
d)- Em quarto lugar, os vícios previstos no artigo 410 n. 2 CPP.
A regra consagrada no artigo 433 CPP de que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito conhece as excepções indicadas no artigo 410 ns. 2 e 3.
Segundo o n. 2, "mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação;
c) Erro notório na apreciação da prova".
Características comuns a todos aqueles vícios, além de serem de conhecimento oficioso, são os de fundamentarem o reenvio do processo para outro julgamento quando insanáveis no tribunal de recurso (artigos 426 e 436 CPP) e resultarem do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum.
São vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei.
Vícios da decisão, não do julgamento, como frisa Maria João Antunes (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, página 121).
Enquanto subsistirem, a causa não pode ser decidida.
A insuficiência prevista na alínea a) determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa.
Insuficiência em termos quantitativos, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto. Na tarefa da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais além. Não o fazendo, a decisão formou-se incorrectamente por deficiência da premissa menor.
Este vício não abrange, portanto, toda e qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Se o tribunal ficou impossibilitado de prosseguir na descoberta da verdade material, então apreciou toda a matéria de facto e, por conseguinte, aquela insuficiência, a existir em tal hipótese, traduz um erro na qualificação jurídica dos factos provados, que constitui, não um erro de facto, mas sim um erro de direito, um erro de julgamento, que dá lugar à revogação da decisão recorrida, não ao reenvio do processo para novo julgamento.
A contradição insanável prevista na alínea b) é um vício na construção das premissas, determinando a formação defeituosa da conclusão.
Se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível, não passa de mera falácia.
O conteúdo da fundamentação da sentença vem definido no n. 2 do artigo 374 CPP: narração dos factos provados e não provados, exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Assim, este vício pode ocorrer entre vários sectores, no mesmo plano - contradição entre factos provados, contradição entre factos provados e não provados, contradição entre factos provados e motivos de facto, contradição entre a indicação das provas e os factos provados, contradição entre a indicação das provas e os factos não provados.
Não conseguindo o tribunal de recurso, pela análise do texto da decisão recorrida, eventualmente com o auxílio das regras da experiência comum, descobrir qual a proposição falsa e eliminá-la, o processo terá de ser reenviado para novo julgamento.
O erro notório, previsto na alínea c), é um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão. Erro tão crasso que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou excluindo dela algum facto essencial.
Vejamos, agora, se o acórdão recorrido enferma de algum daqueles vícios.
Uma leitura do texto do acórdão, por maior atenção de que se revista, não detecta qualquer caso de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova.
O recorrente G, sob o pretexto da insuficiência da matéria de facto, vem discutir as provas, tarefa inadmissível, em presença do disposto no artigo 433 CPP.
O recorrente B entende que o acórdão recorrido enferma do vício de contradição insanável da fundamentação porque, pela agressão ao ofendido A1, o tribunal "a quo" condenou nove dos arguidos, excluindo da condenação o recorrente porque "este não participou na agressão".
Segundo o recorrente, a contradição insanável da fundamentação existe porque, verificando-se a co-autoria em uma agressão, deveriam todos os arguidos ser condenados como co-autores de todas as agressões referidas no acórdão.
Ora, se o recorrente não foi condenado como agente de tais agressões, carece de legitimidade para expor tal questão no tribunal de recurso, por manifesta falta de interesse.
Assinale-se, todavia, que a questão equacionada pelo recorrente não configura um vício de contradição insanável da fundamentação, previsto na alínea b) do n. 2 do artigo 410 citado.
Como se disse, tal vício ocorre entre fundamentos do mesmo plano. Ora, "in casu", a existir a apontada contradição, seria entre alguns fundamentos da decisão e a própria decisão, o que envolveria erro de julgamento, o qual conduz à revogação ou alteração da decisão recorrida, não ao reenvio do processo para novo julgamento.
O recorrente H invoca o vício do erro notório na apreciação da prova mas absteve-se de exemplificar.
Os recorrentes C, D e F atribuem à decisão recorrida todos os vícios previstos no n. 2 do citado artigo 410.
Em sua opinião, o acórdão recorrido enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada porque não descreve a acção concreta (autor, modo e efeitos) de cada agente em cada uma das agressões.
Contudo, os agressores agiram concertadamente, agredindo fisicamente cada um dos ofendidos, pelo que todos e cada um concorreram para a realização do evento, pelo qual todos e cada um respondem. Por definição, o circunstancial não é essencial. Logo, não é necessária a descrição da cada conduta até ao ínfimo pormenor. Aliás, estaria encontrada a fórmula diabolicamente mágica de se alcançar a absolvição de qualquer acusado por insuficiência de matéria de facto, pois a realidade é sempre mais rica do que a narrada nos julgamentos.
De resto, basta uma simples leitura do acórdão recorrido para se concluir que o mesmo descreve todos os factos definidores da comparticipação dos arguidos nos crimes por que foram condenados.
Segundo os mesmos recorrentes, o acórdãos recorrido enferma do vício de contradição insanável da fundamentação.
Alegam eles que é contraditório, como fez o acórdão, referir que os arguidos, deslocando-se ao Bairro Alto, tinham a intenção de prolongarem a comemoração e o convívio e, mais adiante, que assumiram uma postura colectiva de exaltação, violência, perseguição e ataque a qualquer indivíduo de raça negra, agredindo todos os indivíduos de raça negra que encontrassem pelo caminho.
É evidente que não se verifica ali contradição alguma, uma vez os diversos sentimentos nasceram e desenvolveram-se em momentos diferentes e não se contradizem entre si.
Inicialmente, os arguidos encontravam-se imbuídos do espírito de comemoração do dia da raça. São sentimentos de exaltação que poderão ter mais carga positiva do que negativa, embora terreno propício a outros mais perigosos.
Os sentimentos de ódio e força bruta, enraivecida, fermentaram explodiram mais tarde.
A estados de espírito diferentes corresponderam sentimentos diferentes em momentos diferentes.
Não há contradição.
Os mesmos recorrentes pensam descobrir outra contradição insanável quando o acórdão refere que os arguidos queriam contribuir para a expulsão de Portugal dos negros e agiram com o propósito de atingir a integridade física e a vida dos ofendidos.
Segundo os recorrentes, não é possível uma vontade com aquele duplo objectivo: é contraditório querer a expulsão de um grupo e simultaneamente proceder à sua eliminação física.
Todavia, se é verdade que os arguidos desejavam a expulsão de todos os negros, não o é que tenham tentado levar a morte a todos eles. Nem o acórdão o afirma.
Espancar alguns, matar um deles, são acções perfeitamente coerentes com a vontade de expulsar os restantes. É próprio de organizações violentas praticar actos daquela natureza a fim de conseguirem os seus intentos pela intimidação.
Não há, pois, qualquer contradição.
Os mesmos recorrentes pensam descobrir uma contradição quando, em seu entender, o acórdão afirma que os co-arguidos agiram com dolo eventual e dolo directo.
Todavia, o acórdão recorrido jamais alude ao dolo eventual.
É esclarecedor o seguinte ponto:
"Nesta altura, os arguidos A, B, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q, grupo a que se juntou então o arguido C, no seguimento destes confrontos e estimulados pelos seus "ideais", segundo os quais "o negro" é uma raça a expulsar de Portugal, assumem uma postura colectiva de exaltação, violência, perseguição e ataque a qualquer indivíduo de raça negra e, na prossecução de tal desígnio, a que de uma forma colectiva todos aderiram, resolvem percorrer as ruas que a seguir se indicarão, agredindo, de uma forma criteriosa e selectiva, todos os indivíduos de raça negra que encontrassem pelo caminho.
Para tal, vão munidos de paus, soqueiras, garrafas de cerveja, correntes, pedras e, sobretudo, das botas que calçavam."
Ali se descreve o dolo directo e intenso.
Os recorrentes esgrimem com a seguinte frase, que constitui um parágrafo de fls. 4632:
"E que todos iriam fazer uso desses objectos, o que queriam, conformando-se com o resultado das agressões praticadas com os mesmos".
Não se pode extrair daqui qualquer alusão ao dolo eventual.
O artigo 14 CP distingue entre dolo directo, dolo necessário e dolo eventual.
Nos termos do n. 3, o agente actua com dolo eventual quando, prevendo um facto como consequência possível da sua conduta, actua conformando-se com a sua realização.
Evidentemente que os dois elementos do dolo eventual - cognoscitivo e volitivo - se verificam no momento da execução do facto ilícito.
Ora, aquela frase do acórdão recorrido, citada pelos recorrentes, refere-se a um momento anterior à prática dos factos, pois encontra-se subordinada ao condicional "iriam fazer uso", que deve ligar-se aos parágrafos de fls. 4608, maxime o terceiro: os arguidos haviam previsto a ocorrência de confrontos com indivíduos de raça negra; iam preparados para o que desse e viesse.
Ao contrário do que os recorrentes pretendem, a citada frase serve para acentuar a grande intensidade do dolo directo, não para afirmar que os arguidos tivessem agido com dolo eventual no momento das agressões. A sua resolução criminosa começou a formar-se antes dos acontecimentos.
Por último, estes três recorrentes alegam que o acórdão recorrido enferma do vício de erro notório na apreciação da prova porque a matéria de facto integra o crime de participação em rixa ou um crime continuado de ofensas corporais voluntárias e não os de ofensas corporais com dolo de perigo e homicídio qualificado.
Manifestamente que os recorrentes confundem a figura do erro notório na apreciação da prova, que é um erro de facto, com a qualificação jurídica dos factos, que é uma questão de direito.
Não se verifica qualquer erro, e muito menos notório, na apreciação da prova.
Segundo os recorrentes O e I, a decisão recorrida enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Contudo, o que eles vêm discutir é uma pretensa insuficiência de prova para a decisão da matéria de facto, coisa bem diversa, e fora da competência deste Supremo Tribunal, dado o disposto nos artigos 127 e 433 CPP.
Por outro lado, não se consegue lobrigar na decisão recorrida os casos de contradição insanável e de erro notório que os recorrentes pensam haver descoberto.
Designadamente, não é impossível que os mesmos arguidos tenham praticado duas agressões no mesmo dia, uma cerca das 1 hora e 15 minutos, na Rua da Rosa, e a outra cerca da 1 hora e 20 minutos, na Rua S. Pedro de Alcântara, dada a proximidade dos locais, a rapidez das agressões (segundo as regras da experiência comum) e a pouca certeza do momento exacto indicada na pouco rigorosa expressão "cerca de". Quem diz "cerca de 1 hora" diz "cerca de hora e meia" por exemplo.
Também não existe qualquer contradição, nem erro notório, para efeitos das alíneas b) e c) do n. 2 do artigo 410 CPP, quando na acta de fls. 3707, de 7 de Fevereiro de 1997, se consignou que o arguido H disse não pretender prestar declarações e no acórdão recorrido ficou exarado que aquele arguido contribuiu parcialmente para a descoberta da verdade.
Manifestamente que não se trata de vício resultante do texto da decisão recorrida. E jamais saberemos se a referida acta contém ou não um lapso, o qual, aliás, nunca poderia inquinar o acórdão.
e) Negando a prática dos crimes, os recorrentes G e B mais não fazem do que tentar introduzir um reexame da matéria de facto fora dos parâmetros do artigo 410, à revelia do disposto no artigo 433, ambos do CPP.
f) O recorrente Q carece de razão quando alega o desrespeito dos princípios da verdade material e "in dubio pro reo".
O elenco da matéria de facto provada, constante do acórdão recorrido, é um conjunto de factos e conclusões de facto, sem o recurso a presunções.
E a violação do princípio "in dubio pro reo" só poderia verificar-se se resultasse do acórdão recorrido que o tribunal colectivo, tendo ficado em estado de dúvida irremovível em relação a determinado facto, decidiu nesse estado contra o arguido.
O que não se conclui da leitura do acórdão recorrido.

II

QUESTÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAL

Segundo o recorrente B, "a redacção restritiva do artigo 433 do CPP infringe por inconstitucionalidade material a regra do artigo 32 n. 1 da Constituição, ao não estipular o reexame da matéria de facto".
No artigo 433 CPP estabelece-se a regra de que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, mas admite-se algumas excepções a tal regra, consignadas nos ns. 2 e 3 do artigo 410.
Por sua vez, o n. 1 do artigo 32 da Constituição preceitua que "o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa". "Incluindo o recurso", acrescenta-se na revisão de 1997.
Como notam Gomes Canotilho e Vital Moreira, "a fórmula do n. 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa".
Ora, em nenhum ponto a Constituição impõe o duplo grau de jurisdição em matéria de facto.
Isso mesmo tem vindo a ser reiterado tanto pelo Tribunal Constitucional como pelo Supremo Tribunal de Justiça.
E a questão é tão líquida, que no projecto de revisão do CPP o artigo 433 permanece intocado.
A questão não merece, por conseguinte, mais ampla explanação.
A norma do artigo 433 CPP não enferma de inconstitucionalidade.
O recorrente H invoca a inconstitucionalidade da norma do artigo 410 CPP "por violação do princípio do duplo grau de recurso quanto à matéria de facto".
Já afirmámos acima a inexistência, a nível de direito constitucional, da consagração do duplo grau de jurisdição em matéria de facto.
O absurdo da questão posta é que naquele artigo 410 se encontram previstas as hipóteses de admissibilidade de reexame da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça.
O mesmo recorrente também argumenta que o tribunal "a quo", interpretando o artigo 355 CPP em conjugação com os artigos 311 n. 2 alínea a), 314 n. 3 e 200 a 202 do CPP, fê-lo em violação do princípio do contraditório e, portanto, ofendendo o disposto no artigo 32 ns. 1 e 5 da Constituição.
Na verdade, entre as garantias de defesa consagradas no artigo 32 da Constituição figura a subordinação da audiência de julgamento e os actos instrutórios ao princípio do contraditório.
O princípio do contraditório respeita a todos os sujeitos processuais. No concernente ao arguido, é uma das garantias de defesa condensadas no n. 1. Como notam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Obra Citada, nota VIII ao artigo 32), o arguido tem o direito "de se pronunciar e contraditar todas as testemunhas, depoimentos e outros elementos de prova trazidos ao processo".
Em consonância com a norma constitucional, o artigo 355 CPP proíbe que o tribunal, na formação da sua convicção, tome em consideração "quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência".
Só que, para demonstrar a violação de tais normas, é essencial a identificação das provas que o tribunal considerou em violação do princípio do contraditório.
E o recorrente não as apontou.
Os recorrentes O e I sustentam que a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 37 e 41 da Constituição e o artigo 9 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Integrados no capítulo intitulado "Direitos, liberdades e garantias e pessoais", os dois primeiros consagram, respectivamente, o direito de expressão e informação e a liberdade de consciência, de religião e de culto.
O citado artigo 9 versa sobre o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião.
Imputam estes recorrentes ao Meritíssimo Juiz "a quo" a formulação de "vários juízos de censura a propósito das ideias dos arguidos, suas preferências literárias e políticas, bem como, inclusive, relativamente à forma de vestir ou de calçar".
Neste ponto os recorrentes faltam descaradamente à verdade.
O acórdão recorrido limitou-se a narrar os factos provados com relevo para a definição dos factos ilícitos típicos e suas circunstâncias atenuantes e agravantes, aliás em cumprimento do dever imposto no artigo 374 n. 2 CPP.
Com a descrição correcta dos factos provados, ficaram claros os motivos do crime e a função do vestuário e calçado fortalecido de biqueiras de aço: a sua disponibilidade permanente para o combate em defesa da sua causa.
Mas em nenhum passo o acórdão recorrido alude à religião e ao culto dos arguidos, nem à sua liberdade de consciência.
Por outro lado, é dever dos tribunais condenar os ideais racistas, pois eles administram a justiça em nome do povo e a nossa sociedade é multirracial.
A nossa Constituição - não é necessário recorrer a textos de direito internacional supra-nacional - consagra expressamente, designadamente no artigo 13, o princípio da igualdade racial: todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, independentemente da sua raça.
Se a Lei Fundamental condena o racismo, todos devemos condenar o racismo, porque, em democracia, a Constituição é a expressão da vontade popular.
Os recorrentes C, D e F alegam que o acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 18 n. 1 e 32 n. 1 da CRP porque o indeferimento da acareação de dois arguidos requerida por um deles em audiência atenta contra o disposto no n. 1 do artigo 343 CPP e o indeferimento do pedido de anulação de reconhecimento efectuado sem as garantias consignadas no artigo 147 CPP e sem que tenha havido mudanças de posição relativas entre arguidos constitui acto inconstitucional.
Em primeiro lugar, os actos concretos não são inconstitucionais, só as normas jurídicas podem enfermar do vício da inconstitucionalidade.
Acresce que se trata, a existirem, de nulidades incluídas no regime do artigo 120 CPP: não tendo sido arguidas oportunamente, ficam sanadas.
Os indeferimentos alegados foram proferidos em audiência, pelo que a sua nulidade devia ter sido arguida nos termos da alínea a) do n. 3 do artigo 120 citado.
Não o tendo sido, produzem integralmente os seus efeitos jurídicos.

III

QUESTÕES DE DIREITO MATERIAL PENAL

As questões de direito material penal a apreciar por este Supremo Tribunal, oficiosamente ou suscitadas nas conclusões dos recorrentes, são do interesse de todos ou de alguns dos arguidos umas, particulares de cada arguido outras.
Principiemos pelas primeiras.

a) Qualificação jurídica dos factos provados

Surge, em primeiro lugar, a questão da qualificação jurídica da matéria fáctica provada.
Segundo alguns recorrentes, os factos provados integram um crime de participação em rixa, p. e p. pelo artigo 151 n. 1 do Código Penal 1982, na forma continuada.
Estabelece-se ali:
"Quem intervier ou tomar parte em rixa de duas ou mais pessoas, donde resulte a morte ou uma ofensa corporal grave, será punido com prisão até 2 anos e multa até 100 dias".
Na revisão do CP operada em 1995, a expressão "uma ofensa corporal grave" foi substituída pela equivalente "ofensa à integridade física grave"; e a pena de multa, elevada até ao máximo de 240 dias, deixou de ser aplicável cumulativamente com a pena de prisão para se tornar em sua alternativa.
Rixa, segundo a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, à "disputa acalorada, acompanhada de ameaças e pancadas; desordem; briga; contenda".
Na definição legal, é constituída pelo mínimo de três pessoas formando duas facções que reciprocamente se agridem fisicamente.
Não há, portanto, rixa quando só um grupo ataca e o outro se defende.
O termo "participação" evidencia a acção individual de cada agente. Cada participante é autor paralelo de um crime de participação em rixa, não é co-autor do mesmo crime comum.
Por isso o acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Novembro de 1994 (Col. Jur. Ano II, tomo 3, pág. 230) decidiu que a rixa pressupõe a inexistência de acordo ou pacto prévio, próprios da comparticipação.
E o acórdão de 4 de Fevereiro de 1993 (C.J. ano I, tomo 1, pág. 186):
"Os intervenientes numa rixa são punidos pelo simples facto de nela intervirem".
A expressão quem intervier ou tomar parte em rixa" significa que é punido tanto aquele que voluntária e conscientemente deu início à briga, como aquele que interveio nela depois de iniciada e ainda não terminada.
Mas, se o interveniente posterior actua com o propósito de apartar os contendores e pôr termo à rixa, então não será punido, não será considerado participante em rixa por falta do elemento subjectivo.
Apesar de inserido no capítulo dedicado aos crimes contra a integridade física, o artigo 151 protege não só a integridade física como também a vida da pessoa humana.
Isto mesmo é revelado pela expressão "donde resulte a morte ou uma ofensa corporal grave" (ou ofensa à integridade física grave).
O contrário constituiria insuportável absurdo.
Como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Outubro de 1996 (C.J. ano IV, tomo 3, pág. 166), a morte e a ofensa corporal grave são meras condições objectivas de punibilidade.
O crime consuma-se independentemente da ocorrência de algum daqueles eventos mas, não se verificando algum deles, o crime não é punível.
Por isso não é punível a participação em rixa de que resultam ofensas corporais simples.
A protecção dos bens jurídicos é reportada a momento anterior à ocorrência da morte ou da ofensa corporal grave, pois a lei não quer que se ponha em perigo algum daqueles bens jurídicos tão preciosos.
Daí a sua natureza de crime de perigo.
O autor da morte ou das ofensas corporais graves não é punido como participante em rixa, dada a regra da consumpção.
Ora, que sucedeu no caso dos autos?
Os arguidos, segundo a matéria de facto provada, agindo em comunhão de esforços, em locais e momentos diferentes, agrediram vários indivíduos e estes não responderam às agressões.
Assim, não houve contenda, não houve rixa, mas apenas agressores de um lado e agredidos do outro.
Tanto basta para se afastar a aplicação do artigo 151 CP.
Acrescente-se, todavia, que ficaram bem identificados os autores das agressões e do homicídio, pelo que sempre, em qualquer caso, estes crimes consumiriam os de participação em rixa.
A matéria de facto narrada no acórdão recorrido descreve dez agressões cometidas por grupos de arguidos, uma das quais causou a morte de X.
O acórdão recorrido qualificou nove daquelas agressões como integrando outros tantos crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 do CP82 ou pelos artigos 143 n. 1 e 146 do CP95. Considerando concretamente mais favorável aos arguidos o regime do primeiro, foi este o aplicado.
Contudo, o artigo 146 CP95 não sucedeu ao artigo 144 do CP82, que se extinguiu com a entrada em vigor da lei nova. O artigo 146 Código Penal de 1995 é um preceito novo e limita-se a introduzir uma circunstância qualificativa - especial censurabilidade ou perversidade do agente - em crimes contra a integridade física cometidos com dolo de dano, ao passo que o artigo 144 n. 2 CP82 punia crimes praticados com dolo de perigo abstracto.
No CP82 a agravante da especial censurabilidade ou perversidade do agente não qualificava o crime de ofensas corporais, era privativa do crime de homicídio (artigo 132).
A regra da irrectroatividade da lei penal mais desfavorável ao arguido impede a referida qualificação "in casu", pelo que se torna desnecessário averiguar se as circunstâncias revelam ou não tal agravante, relativamente aos crimes de ofensas corporais.
Ao artigo 144 CP82 corresponde, no CP95, o artigo 143.
No mesmo sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 7 de Fevereiro de 1996 (Proc. 48025 e 48688), 14 de Maio de 1997 (Proc. 59/97) e de 4 de Junho de 1997 (Proc. 78/97).
Nos termos do n. 4 do artigo 2 CP, há que aplicar o regime concretamente mais favorável aos arguidos.
Pelo artigo 144 CP82, é aplicável a pena abstracta de 6 meses a 3 anos de prisão.
Pelo artigo 143 CP95, o crime é punível com a pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Considerando as circunstâncias que não fazem parte do tipo de crime, é de desprezar a alternativa da pena de multa e o limite mínimo é indiferente, pois a medida concreta da pena tende a afastar-se desse mínimo.
Contudo, num aspecto o regime de 1995 é concretamente mais favorável aos arguidos.
É que o crime p. e p. no artigo 143 CP95 é um crime semi-público, visto que o respectivo procedimento criminal depende de queixa (n. 2, do respectivo preceito).
Ora, três ofendidos houve que não apresentaram queixa, directa ou indirectamente: C1, E1 e F1.
Com a nova qualificação jurídica dos factos, o M.P. perdeu a sua legitimidade para acompanhar o procedimento criminal promovido sem queixa daqueles ofendidos.
Não se diga que, sendo a acusação um acto de natureza exclusivamente processual, se encontra abrangido pela regra geral consagrada no n. 1 do artigo 5 do Código de Processo Penal, segundo o qual a lei processual penal é de aplicação imediata mas não se aplica aos actos processuais validamente praticados à sombra da lei antiga.
Como observa A. Taipa de Carvalho (Sucessão de Leis Penais, pág. 226), aquele artigo 5 só se refere às normas processuais penais formais.
Por isso, em caso de conflito da norma daquele artigo 5 com a do artigo 2 do Código Penal, esta sempre prevalecerá, por constituir um instrumento de garantia de direitos fundamentais consagrados no artigo 29 da Constituição.
Reconhecer que a suavização do crime público em semi-público introduz um regime mais favorável ao arguido mas fazendo permanecer a acusação do M.P. sem se encontrar legitimada pelo exercício do direito de queixa do ofendido equivale a dar com uma das mãos e tirar com a outra.
Em suma: os crimes cometidos contra aqueles três ofendidos regulam-se pelo artigo 143 do Código Penal de 1995, enquanto aos restantes crimes de ofensas corporais se aplica o disposto no artigo 144 n. 2 do Código Penal de 1982.
Assim, nos presentes autos são de considerar seis e não nove crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 do Código Penal de 1982.
Relativamente às agressões praticadas contra os ofendidos C1, E1 e João Gabriel, os arguidos devem ser absolvidos da instância.
A agressão ao infeliz X foi qualificada pelo acórdão recorrido como crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131 e 132 n. 2 alíneas d) e f) do CP82.
Com toda a correcção.
As circunstâncias revelam especial censurabilidade e perversidade, como o tribunal "a quo" proficientemente demonstrou:
"Para os costumes e tradição do nosso povo e da nossa história, matar um homem só porque ele é negro é na verdade particularmente censurável e chocante".
"Onze homens, cinco dos quais calçando botas com biqueira de aço, todos ao pontapé e ao murro a um único homem e ainda por cima um dos onze pegar na base de cimento de um sinal de trânsito e dar com ele duas vezes na cabeça da vítima e ainda por cima três deles voltarem depois atrás para darem ainda mais pontapés na vítima já agonizante, tudo numa rua que da matéria de facto assente como provada parece deserta e àquela hora da noite - isto é na verdade um meio insidioso de dar a morte, o qual revela efectivamente uma especial censurabilidade e perversidade dos agentes, das quais é emblemática a pose do arguido Martins com a sua bota "Sendra" em cima da cabeça da presa moribunda e braços erguidos em atitude de caçador triunfante.
Nem se diga que não agiram com intenção de matar, pois ficou provado que "os arguidos B, C, D, F, G, H, I, J, L, M e O, ao actuarem em relação ao X pela forma como o fizeram e acima está descrita, quiseram tirar a vida a X, o que conseguiram".

b) O concurso de crimes

Alguns recorrentes repudiam a figura do concurso real e sustentam que os factos desenham a figura do crime continuado.
Conforme se dispõe no artigo 30 n. 1 do Código Penal, "o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente".
Contudo, o n. 2 acrescenta:
"Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente".
O concurso real, a que é assimilado o concurso ideal, constitui a regra; o crime continuado, a excepção.
Em regra, a violação de vários interesses jurídicos ou a violação repetida do mesmo interesse jurídico suscita outros tantos juízos de censura, porque cada violação teve na sua origem uma resolução criminosa e, por conseguinte, desenha a figura do concurso efectivo de crimes, real ou ideal.
Todavia, se as diversas violações dão lugar a um só juízo de censura, porque a actividade do arguido se encontra unificada por factores exógenos, relativos à determinação ou formação da vontade, tempo ou modo de actuação, por exemplo, que fazem diminuir consideravelmente a sua culpa, as diversas infracções unificam-se juridicamente sob a forma do crime continuado.
No caso "sub judice", não se verificam quaisquer factores exógenos determinantes da diminuição acentuada da culpa dos arguidos.
De resto, foram violados bens jurídicos inerentes às pessoas, como o direito à vida e o direito à integridade física.
Ora, recordemos a anotação de Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado, nota 1 ao artigo 30):
"O artigo 33 do Projecto foi discutido na 13. sessão da Comissão Revisora, em 8 de Fevereiro de 1964. Aí foi aprovado um último período para o n. 2, que seria o seguinte: A continuação não se verifica, porém, quando são violados bens jurídicos inerentes à pessoa, salvo tratando-se da mesma vítima. A supressão deste período não significa que outra solução deva ser adoptada, mas tão só que o legislador considerou a afirmação desnecessária, por resultar da doutrina, e até inconveniente, por a lei não dever entrar demasiadamente no domínio que à doutrina deve ser reservado".
O recorrente H evoca a imagem da psicologia dos fenómenos psicológicos de grupo como factores exógenos que "minoram a normal capacidade de entender e querer".
Contudo, quando ele se iniciou como membro do grupo, fê-lo livre e conscientemente, abraçando "ideais" que o seduziram.
Assim, ele não conduziu a formação da sua personalidade de forma a não cair em situações censuradas pela lei penal.
Quando cometeu os crimes, ele encontrava-se integrado no grupo, era sujeito activo e passivo de reacções recíprocas: cada membro do grupo condicionava a força anímica deste e o grupo condicionava a força anímica de cada membro seu. Quanto maior a força do grupo, maior a força de cada membro e vice-versa.
Evidentemente que se trata de factores endógenos, alheios à figura do crime continuado, pois são fenómenos psíquicos.
Os arguidos cometeram tantos crimes quantas as agressões praticadas, nos termos do n. 1 do artigo 30 citado.

c) A co-autoria material

Os recorrentes G, B, O e I negam a existência de co-autoria material.
Alegam que não se verificou o acordo prévio exigido na definição do artigo 26 do Código Penal, nos termos do qual "é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou conjuntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução".
Segundo tal definição, é co-autor material o agente que toma parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros.
A conjunção "ou" revela que, sendo o facto executado juntamente com outrem, não é exigível a existência de acordo prévio para se desenhar a co-autoria material, basta a consciência recíproca de participação em obra comum.
Por isso, a delimitação da co-autoria material harmoniza-se com a delimitação da comparticipação, como ensina Cavaleiro de Ferreira (Lições, I, pág. 479), à qual se refere o artigo 29.
Segundo o mesmo Professor, (obra citada, pág. 446), na comparticipação há a considerar o "crime" como objecto da comparticipação, a realidade em que todos os agentes participam, e o "crime" como objecto da participação, o facto individual, o modo como cada agente participa na obra comum.
É de assinalar, porém, que na comparticipação se verifica um fenómeno associativo: quer ao nível da idealização e preparação do crime quer ao nível da sua execução material, as vontades dos comparticipantes unem-se na prossecução do fim comum, da operação conjunta. A acção de cada comparticipante perde a sua individualidade própria e pertence não só ao seu autor mas a todos os co-autores.
A acção de cada co-autor é causal do crime, ainda que em concreto não se mostrem com nitidez todos os seus contornos. Cada co-autor é responsável pela totalidade do evento, pois sem a acção de cada um o evento não teria sobrevindo.
Muitas vezes a simples presença de um agente no local do crime é suficiente para convencer outrem a praticá-lo.
Evidentemente que o serem todos co-autores do crime não obsta a que a culpa de cada um seja apreciada individualmente, nos termos do artigo 29 CP, considerando a respectiva participação.
A este respeito, são pertinentes as seguintes considerações do acórdão recorrido, extraídas da matéria de facto provada:
"No caso dos autos todos os arguidos (à excepção do P e do R) acordaram em bater em todos os negros por quem passassem nas ruas que fossem percorrendo.
O resultado combinado entre os arguidos (à excepção do que aconteceu com o X porque aí a intenção foi outra) é o de que os negros por quem passem fiquem agredidos e espancados, pouco interessando aos arguidos que seja o arguido A ou o B ou o C quem concretamente agride. O arguido que concretamente tenha dado o soco na cara de F1 e o arguido que concretamente tenha cortado a cara a O1 fê-lo na sequência das agressões já anteriormente efectuadas e no encadeamento das agressões que se lhe iam seguir e fê-lo no cumprimento do desígnio a esse respeito formulado anteriormente por tantos arguidos quantos os que no momento dessa agressão passavam em bando pelos ofendidos. Estes dois ofendidos foi cada um deles agredido apenas por um dos arguidos porque assim calhou na aleatória e turbulenta sucessão de acontecimentos; podiam tê-lo sido por outros mais arguidos ou até por todos os arguidos que nesse momento passavam em bando pelo local da agressão - calhou acontecer assim naquele momento e assim aconteceu.
Daí que sejam co-autores de cada uma destas duas agressões todos os arguidos que em bando predisposto a bater passavam no local no momento em que cada uma dessas agressões é efectuada.


São, pois, co-autores materiais:

1 - Da agressão a :X1

A, B, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q.

2- Da agressão a D1:

A, B, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q.

3- Da agressão a V1:

E, A, B, C, D, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q.

4- Da agressão a O1:

B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q.

5- Da agressão a A1:

E, C, D, F, G, H, L, M e O.

6- Da agressão a B1:

B, C, D, F, G, H, I, L, M e O.

7- Da agressão a X:

B, C, D, F, G, H, I, J, L, M e O.

d) O regime penal do jovem delinquente

Os recorrentes G, H e Q, C, D e F reclamam a aplicação do regime do DL 401/82, de 23 de Setembro.
Este diploma veio regular o direito penal especializado para os jovens delinquentes, previsto no artigo 9 do Código Penal.
Na definição do seu artigo 1, jovens delinquentes são os indivíduos penalmente imputáveis que tenham cometido um facto qualificado como crime quando contavam mais de 16 e menos de 21 anos de idade.
Não basta, porém, preencher tais pressupostos para justificar a aplicação daquele regime especial. Esta aplicação não é automática.
A especialidade do regime consiste, como se refere no respectivo preâmbulo, em ser "um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguido, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, dessa forma, se facilitará aquela inserção".
Por conseguinte, a aplicação do regime penal do jovem delinquente é balizado por duas coordenadas: vantagem da sua aplicação para a reinserção social do jovem condenado, respeito dos interesses fundamentais da comunidade.
Trata-se de exigências de prevenção especial e prevenção geral.
Por isso no artigo 4 daquele diploma impõe-se ao juiz o dever de atenuar especialmente a pena de prisão, nos termos dos artigos 73 e 74 do Código Penal (1982), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do condenado.
A referência aos artigos 73 e 74 do Código Penal significa que a atenuação especial da pena de prisão prevista no artigo 4 depende da verificação dos pressupostos consignados naquele artigo 73 - existência de circunstâncias anteriores, posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente (ou necessidade da pena, acrescenta-se na revisão de 1995) - e a medida da atenuação é feita nos termos do artigo 74.
A expressão "quando tiver sérias razões para crer" significa que o juízo de prognose do juiz deve assentar em factos provados.
Como decidiu este Supremo Tribunal em seu acórdão de 15 de Abril de 1993 (BMJ n. 426, pág. 203), "as vantagens que para a reinserção social do condenado haveriam de advir não podem ser presumidas, antes tendo de demonstrar-se positivamente".
As diferenças entre o regime penal geral e o regime penal especial dos jovens delinquentes acentua-se mais na natureza, espécie e fins das sanções aplicáveis do que nos pressupostos da aplicação do regime.
Os crimes praticados, pela forma de execução e pelos motivos que os determinaram, causaram enorme alarme social. A sociedade portuguesa não tolera manifestações racistas, e muito menos de tamanha brutalidade.
São, pois, elevadas as exigências de prevenção geral.
Todos aqueles arguidos, excepto J, revelaram completa ausência de arrependimento.
Filiando-se consciente e livremente num grupo que perfilha o mito da superioridade da raça branca, todos omitiram voluntariamente o cumprimento do dever de orientar a formação da sua personalidade de modo a torná-la apta a respeitar os valores jurídico-criminais (na fórmula de Eduardo Correia, in Direito Criminal, I, pág. 325).
Além disso, não existem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa dos agentes ou a necessidade das penas.
Em suma: não há razões para crer que da atenuação das penas resultem vantagens para a reinserção social dos arguidos recorrentes, nem sequer concorrem os pressupostos da atenuação especial da pena.
Aos arguidos não aproveita, por conseguinte, o regime do DL 401/82, de 23 de Setembro.

e) Medida das penas:

As penas visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e não podem ultrapassar a medida da culpa (artigo 40 CP revisto em 1995).
Por isso, no n. 1 do artigo 71 CP (anterior 72) preceitua-se que "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção".
Na execução de tão importante como difícil tarefa, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, exemplificativamente indicados no n. 2.
São muito elevados os graus de ilicitude dos factos e da culpa dos arguidos, grandes são as exigências de prevenção geral e especial.
O tribunal "a quo" valorou correctamente as circunstâncias para efeitos do disposto no artigo 71 CP (artigo 72 na versão de 1982).
O cúmulo jurídico das penas obedeceu às regras do artigo 77 CP (78 antigo).
Uma referência especial para o recorrente J, que pretende a atenuação especial da pena, de modo a que a medida concreta não ultrapasse 8 anos de prisão.
Para tanto, alega que demonstrou estar arrependido e as suas declarações foram muito relevantes para a descoberta da verdade material.
A Excelentíssima Procuradora da República, na sua douta contra motivação, opina pelo provimento parcial deste recurso, fixando-se a pena em medida não inferior a 12 anos de prisão.
Na verdade, o acórdão recorrido refere, sob o ponto 128 da matéria de facto, que o arguido J desertou do grupo por ter ficado impressionado e arrependido por tudo quanto fizera anteriormente. O que fizera anteriormente fora comparticipar nas agressões a V1, O1, D1 e Manuel Domingos da Silva, e no homicídio de X.
Na sua contestação, este arguido afirmou que "está arrependido".
Olvidou o "sinceramente".
Na alínea c) do n. 2 do artigo 73 CP82 (artigo 72 actual) prevêem-se actos demonstrativos do arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação dos danos causados, na medida das suas possibilidades.
O arrependimento sincero do agente revela uma reinserção social, consumada ou prestes a consumar-se, pelo que as exigências de prevenção, na determinação da medida judicial da pena, são de diminuta relevância.
Contudo, o arrependimento é um fenómeno da vida psíquica e, como tal, só pode ser conhecido directamente pelo sujeito; através das suas manifestações exteriores à que se torna possível a sua detecção por outrem. Isto é, o arrependimento sincero do agente há-de ser revelado por actos que o demonstrem.
Como decidiu este Supremo Tribunal em seu acórdão de 5 de Março de 1992 (BMJ n. 415, pág. 434):
"A alínea c) do n. 2 do artigo 73 do Código Penal exige actos externos reveladores do arrependimento sincero, por se traduzirem numa efectiva actuação de sinal contrário ao do crime e que se mostrem capazes de visivelmente rebaterem os contornos e os efeitos do mesmo".
Ora, este arguido não denotou qualquer acto demonstrativo do seu arrependimento sincero, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados aos ofendidos e à família da vítima.
Nem sequer consta que tenha pedido perdão aos ofendidos ou tenha estado no funeral de X.
Por isso não pode beneficiar do disposto no artigo 72 n. 2 alínea c) do CP (versão actual).
Quanto às suas declarações, ignora-se qual a importância que tiveram para a descoberta da verdade material, até porque agressões houve que ficaram impunes por falta de prova.

f) Resta operar o reajustamento da medida concreta das penas, resultante da redução do elenco de crimes de ofensas corporais.
Nesta parte, o recurso aproveita aos arguidos condenados não recorrentes, nos termos da alínea a) do n. 2 do artigo 402 e n. 3 do artigo 403. Ambos do Código de Processo Penal.
Em consequência, profere-se a seguinte

IV

DECISÃO.

Pelo exposto, nega-se provimento aos recursos dos arguidos, mas altera-se o douto acórdão recorrido, condenando os arguidos nos termos a seguir descritos.
1- O arguido A, como co-autor material, em concurso real, de três crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. p. pelo artigo 144 n. 2 CP82, sendo ofendidos X1, D1 e V1, nas penas parcelares de 1 ano e 4 meses de prisão por cada crime.
Efectuando o cúmulo jurídico destas penas, vai o arguido condenado na pena única de 2 anos de prisão.
2- O arguido B cometeu, em co-autoria material e concurso real, cinco crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. no artigo 144 n. 2 e um crime de homicídio p. e p. pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f), todos do CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, em 1 ano e 4 meses de prisão;
Pela ofensa a D1, 1 ano e 4 meses de prisão;
Pela ofensa a V1, 1 ano e 4 meses de prisão;
Pela ofensa a O1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a B1, 2 anos de prisão,
Pelo homicídio de X, 16 anos de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico destas penas, vai o arguido condenado na pena única de 17 anos de prisão.
3- O arguido C cometeu, em co-autoria material e concurso real, quatro crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 e um de homicídio p. e p. pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f), todos do CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a V1, em 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a A1, 2 anos de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a B1, 2 anos de prisão,
Pelo homicídio de X, 16 anos de prisão
Efectuado o cúmulo jurídico das penas, vai condenado na pena única de 17 anos de prisão.
4- O arguido D cometeu, em co-autoria material e concurso real, seis crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 e um crime de homicídio p. e p. pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f), todos do CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, em 1 ano e 2 meses de prisão,
Pela ofensa a D1, 1 ano e 2 meses de prisão,
Pela ofensa a V1, 1 ano e 2 meses de prisão,
Pela ofensa a A1, 1 ano e 10 meses de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano e 2 meses de prisão,
Pela ofensa a B1, 1 ano e 10 meses de prisão,
Pelo homicídio de X, 14 anos de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico, vai o arguido condenado na pena única de 16 anos de prisão.
5- O arguido E cometeu, em co-autoria material e concurso real, cinco crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, em 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a D1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a V1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a A1, 2 anos de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano e 4 meses de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico, vai condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão.
6- O arguido F cometeu, em co-autoria material e concurso real, seis crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 e um crime de homicídio p. e p. pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f), todos do CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a D1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a V1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a A1, 2 anos de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a B1, 2 anos de prisão,
Pelo homicídio de X, 16 anos de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico destas penas, vai condenado na pena única de 17 anos de prisão.
7- O arguido G cometeu, em concurso real e co-autoria material, seis crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 e um crime de homicídio, p. e p. pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f), todos do CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a D1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a V1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a A1, 2 anos de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a B1, 2 anos de prisão,
Pelo homicídio de X, 16 anos de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico destas penas, vai condenado na pena única de 17 anos e 2 meses de prisão.
8- O arguido H cometeu, em co-autoria material e concurso real, seis crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 e um crime de homicídio p. e p. pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f), todos do CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, em 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a D1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a V1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a A1, 2 anos de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a B1, 2 anos de prisão,
Pelo homicídio de X, 16 anos de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico das penas, vai condenado na pena única de 17 anos e dois meses de prisão.
9- O arguido I cometeu, em co-autoria material e concurso real, cinco crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 e um crime de homicídio p. e p. pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f), todos do CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, em 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a D1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a V1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a B1, 2 anos de prisão,
Pelo homicídio de X, 16 anos de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico destas penas, vai condenado na pena única de 17 anos de prisão.
10- O arguido J cometeu, em co-autoria material e concurso real, quatro crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 e um crime de homicídio p. e p. pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f), todos do CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, 1 ano de prisão,
Pela ofensa a D1, 1 ano de prisão,
Pela ofensa a V1, 1 ano de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano de prisão,
Pelo homicídio de X, 12 anos de prisão. Efectuando o cúmulo jurídico destas penas, vai condenado na pena única de 13 anos de prisão.
11 - O arguido L cometeu, em co-autoria material e concurso real, 6 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 e um crime de homicídio p. e p. pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f), todos do CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, em 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a D1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a V1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a A1, 2 anos de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a B1, 2 anos de prisão;
Pelo homicídio de X, 16 anos de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico destas penas, vai condenado na pena única de 17 anos e seis meses de prisão.
12- O arguido M cometeu, em co-autoria material e concurso real, 6 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. p. pelo artigo 144 n. 2 e um crime de homicídio p. e p. pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f), todos do CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, em 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a V1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a A1, 2 anos de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a B1, 2 anos de prisão,
Pelo homicídio de X, 16 anos de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico destas penas, vai condenado na pena única de 17 anos e seis meses de prisão.
13- O arguido N cometeu, em co-autoria material e concurso real, quatro crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, em 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a D1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a V1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano e 4 meses de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico destas penas, vai condenado na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão.
14- O arguido O cometeu, em co-autoria material e concurso real, 6 crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 e um crime de homicídio p. e p. pelos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas d) e f), todos do CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, em 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a D1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a V1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a A1, 2 anos de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a B1, 2 anos de prisão,
Pelo homicídio de X, 16 anos de prisão.
Efectuado o cúmulo jurídico destas penas, vai condenado na pena única de 17 anos e seis meses de prisão.
15- O arguido Q cometeu, em co-autoria material e concurso real, quatro crimes de ofensas corporais com dolo de perigo p. e p. pelo artigo 144 n. 2 CP82.
Assim, vai condenado:
Pela ofensa a X1, em 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a D1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a V1, 1 ano e 4 meses de prisão,
Pela ofensa a O1, 1 ano e 4 meses de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico destas penas, vai condenado na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão.
Relativamente aos crimes cometidos contra C1, E1 e F1, os arguidos são absolvidos da instância.
No mais vai confirmado o douto acórdão recorrido.
Condena-se cada um dos arguidos recorrentes nas custas, com 8 Ucs de taxa de justiça e mínimo de procuradoria.
Ficam prejudicados os recursos interpostos a fls. 2311, 2319, 2338, 2368, 2389 e 3163.

C

RECURSOS DOS DEFENSORES OFICIOSOS

1- O douto acórdão recorrido decidiu em matéria de custas:

"Mais vão os arguidos A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O e Q condenados, solidariamente, nas custas do processo e, individualmente, em seis ucs de taxa de justiça e em três ucs de procuradoria, fixando-se os honorários de quem tenha sido nomeado defensor oficioso ou patrono oficioso pela Ordem dos Advogados em 10000 escudos por cada sessão de julgamento e fixando-se os honorários de quem tenha sido ocasionalmente nomeado defensor oficioso em 4000 escudos por cada sessão ou fracção de sessão de julgamento e por cada arguido, a solver pelos Cofres e de imediato quanto à Excelentíssima Patrona do assistente B1 e a solver pelos Cofres nos demais casos se o/s arguido/s os não satisfizerem no prazo de pagamento voluntário das custas".
2- Desta decisão interpuseram recurso os advogados Carlos Guimarães, Pedro Fonseca Borges, Manuel da Costa e Gustavo Amaral, defensores oficiosos dos arguidos P os dois primeiros, B o terceiro, e R o quarto.
Os dois primeiros e o quarto recorrentes pretendem mais honorários e o reembolso de despesas; o terceiro, mais honorários somente.
Vejamos.
3- Primeira questão: montante dos honorários.
Nos termos do n. 5 do artigo 66 do Código Penal, "o exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado, nos termos e no quantitativo a fixar pelo tribunal, dentro de limites constantes de tabelas aprovadas pelo Ministério da Justiça, ou, na sua falta, tendo em atenção os honorários correntemente pagos por serviços do género e do relevo dos que foram prestados".
Em sintonia, os artigos 48 e 49 do DL 387-B/87, de 29 de Dezembro, reafirmam o direito dos advogados, advogados estagiários e solicitadores a receberem honorários pelos serviços prestados e a serem reembolsados das despesas realizadas, devidamente comprovadas, devendo os honorários ser fixados de harmonia com tabelas aprovadas pelo Ministro da Justiça.
Aquele decreto-lei foi regulamentado pelo DL 391/88, de 26 de Outubro, que aprovou uma tabela de honorários aplicável em qualquer processo judicial, cível e criminal.
Aquela tabela encontra-se actualizada pelo DL 102/92, de 30 de Maio, aplicável a todos os defensores oficiosos, tanto os nomeados dentro como fora do âmbito do apoio judiciário.
Segundo o n. 10 da mesma tabela, a intervenção ocasional em acto ou diligência isolados de processo penal é remunerada com honorários de montante não inferior a 2500 escudos nem superior a 30000 escudos.
Conforme a Excelentíssima Procuradora da República demonstra nas suas doutas contra motivações (fls. 5096), os recorrentes encontram-se abrangidos por aquele n. 10 porque não praticaram serviço ininterrupto.
Assim, os honorários atribuídos encontram-se fixados legalmente, dentro dos limites tabelados e em quantitativo adequado.
Segunda questão: reembolso das despesas.
A decisão recorrida é inteiramente omissa em tal matéria.
Os recursos destinam-se a revogar ou a alterar a decisão recorrida, não a conhecer de questão nova.
Não havendo decisão recorrida, o recurso carece de objecto.
Como a compensação por despesas atribuída aos defensores oficiosos é uma espécie de encargos e estes fazem parte das custas (artigos 89 n. 1 alínea b) e 74 n. 1 do C.C. Judiciais), os interessados tinham ao seu dispor o incidente de reforma da sentença quanto a custas, previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 669 do Código de Processo Civil. Não o tendo feito, sibi imputet.
Este tribunal é que não pode substituir-se ao tribunal "a quo" para julgar uma questão da competência da primeira instância.
Pelo exposto, acorda-se em não tomar conhecimento dos recursos dos Senhores Defensores Oficiosos.
Custas por cada um dos recorrentes, com 2 ucs de taxa de justiça.

Porque já cumpriu a pena em que foi condenado, restitua-se imediatamente à liberdade o arguido A.

Fixa-se em 40000 escudos os honorários a favor dos defensores oficiosos do B, a suportar por este, em tributação de metade para a Doutora Fernanda Lopes Correia e a outra metade para o Dr. Manuel da Costa.
Fixa-se em 20000 escudos os honorários a favor de cada um dos defensores oficiosos do Pedro Borges e Gustavo Amaral, a suportar pelos cofres.

Lisboa, 12 de Novembro de 1997.

Joaquim Dias
Pires Salpico
Andrade Saraiva
Martins Ramires

Decisão impugnada:
5. Vara Criminal - 1. Secção - Processo n. 71/95 OPALS