Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL AGUIAR PEREIRA | ||
Descritores: | AÇÃO INIBITÓRIA TRANSPORTE AÉREO PREÇO DIREITOS DO CONSUMIDOR DEFESA DO CONSUMIDOR AÇÃO POPULAR LEGITIMIDADE ADJETIVA LEGITIMIDADE ATIVA INTERESSES DIFUSOS NULIDADE DE DESPACHO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO EXTEMPORANEIDADE | ||
Data do Acordão: | 09/17/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Sumário : | I. A uma acção inibitória da prática de condições de venda e de tarifas praticada por uma transportadora aérea em que são formulados, para além do pedido de indemnização ao autor, pedidos fundados no interesse dos consumidores que sejam por elas afectados, é aplicável o regime da acção popular previsto na Lei 83/95 de 31 de agosto em conjugação com o regime da Lei de Defesa do Consumidor (Lei24/96 de 31 de julho. II. Nesse tipo de acção a legitimidade do autor na acção popular está regulada no artigo 31.º do Código de Processo Civil em conjugação com o artigo 13.º da Lei de Defesa do Consumidor e com o artigo 2.º n.º 1 da Lei da Acção Popular; III. O autor na acção popular é parte legítima quando, independentemente do seu interesse directo na demanda, alegar os factos essenciais em que assenta a violação dos interesses difusos tutelados, sendo estes caracterizados por serem de titularidade tendencialmente indeterminada e insusceptíveis de divisão e tutela individual. | ||
Decisão Texto Integral: |
EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: ◊ I - RELATÓRIO Parte I – Introdução 1) AA interpôs, ao abrigo dos artigos 10.º n.º 1, alíneas b) e c) e 12.º, n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor e 10.º n.º 3, alínea b) do Código de Processo Civil, ação inibitória com pedido de reparação de danos, sob a forma de processo comum declarativo, contra Sata Internacional – Azores Airlines, S.A., tendo formulado os seguintes pedidos: “a) Ser declarada a nulidade das cláusulas melhor identificadas no artigo 20.º da presente PI, constantes das Condições de Compra e das Condições de Tarifas da Ré; b) Ser a Ré condenada a abster-se de utilizar as referidas cláusulas ou outras que se lhes equiparem substancialmente (i.e., que tenham como consequência o cancelamento automático de viagens de volta quando os consumidores não compareçam nas respetivas viagens de ida e/ou a cobrança de penalidades pelo não comparecimento nessas viagens de ida) em contratos que, no presente e no futuro, venha a celebrar com os seus clientes, especificando-se na decisão o âmbito de tal abstenção, designadamente através da referência concreta ao seu teor e a indicação do tipo de situações a que se reporta, nos termos do artigo 32.º, n.º 1 do RJCCG (aplicável ex vi art. 11.º, n.º 4 da LDC) e do artigo 11.º, n.º 2 da LDC, sob pena de a Ré ser condenada ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada infração, em termos a fixar por V. Exa., segundo critérios de razoabilidade, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 2 da LDC e no artigo 829.º-A, n.ºs 1 e 2 do CC. c) Ser a Ré condenada a publicitar, a suas expensas, o teor da decisão condenatória transitada em julgado nos termos fixados por V. Exa., nos termos do artigo 11.º, n.º 3 da LDC, sugerindo-se que tal seja efetuado no prazo de 10 (dez) dias após o referido trânsito: - Em anúncio a publicar nos jornais diários de maior tiragem, editados em Lisboa, Porto, Faro e Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (regiões onde existem aeroportos), em formato papel e online, durante 2 (dois) dias consecutivos, e de tamanho não inferior a ¼ de página, devendo a Ré comprová-lo nos presentes autos; e - Em anúncio a publicar na página inicial do website da Ré, de modo a que apareça assim que se entre no referido website, durante 6 (seis) meses consecutivos, e de tamanho não inferior a ¼ da referida página, devendo a Ré comprová-lo nos presentes autos; Com menção de que todos os clientes que tenham sido afetados pela aplicação das cláusulas objeto da referida decisão têm direito a ser indemnizados, nos termos gerais de direito; Sob pena de a Ré ser condenada ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento, em termos a fixar por V. Exa., segundo critérios de razoabilidade, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 2 da LDC e no artigo 829.º-A, n.ºs 1 e 2 do CC. d) Ser remetida, no prazo de 30 (trinta) dias, cópia da decisão condenatória transitada em julgado para a DGPJ, nos termos e para os efeitos do artigo 11.º, n.º 3 da LDC e dos artigos 34.º e 35.º do RJCCG, conjugados com a Portaria n.º 1093/95, de 6 de setembro, podendo fazê-lo através do envio de um e-mail para correio@dgpj.mj.pt; e) Ser remetida cópia da decisão condenatória transitada em julgado para as seguintes associações de consumidores, tendo em vista uma maior efetividade da mesma: - AC... ...); - D... ...); - U... ...); e - As... ...). f) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização no montante total de € 284,49 (duzentos e oitenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos), distribuída do seguinte modo: - € 34,49 (trinta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos), a título de danos patrimoniais; - € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais. g) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor juros de mora sobre o montante total de € 284,49 (duzentos e oitenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos), calculados à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde a data de citação da Ré para a presente ação e até ao pagamento integral e efetivo do referido valor.” 2) Alegou o autor, em síntese, que efectuou uma reserva de viagem de ida e volta entre ... e ... e que, quando posteriormente pretendeu alterar a data da viagem de ida, foi confrontado com uma penalização contratual pela alteração em alternativa à aquisição de uma nova passagem de ida, esta mais cara, sendo ainda esclarecido acerca do cancelamento automático da viagem de regresso caso não efectuasse a programada viagem de ida. Alega o autor que com tal atitude a ré incorreu em prática lesiva da proteção de interesses económicos dos consumidores, traduzida na cobrança de penalidades e no cancelamento automático de viagens de regresso contratadas conjuntamente com as viagens de ida quando os passageiros não compareçam para embarque nestas últimas, tal como se encontra previsto nas Condições de Compra e nas Condições Gerais sobre tarifas dos seus serviços disponibilizadas pela ré. 3) A ré contestou a acção alegando, por excepção, a ilegitimidade do autor para formular qualquer pedido em nome da generalidade dos consumidores e estar o autor a agir o autor em abuso de direito ao pretender tirar em seu proveito efeitos das cláusulas contratuais previstas no contrato que aceitou. A ré impugna igualmente parte dos factos alegados, pedindo a sua absolvição da instância ou do pedido. 4) O autor respondeu à matéria das excepções invocadas pela ré, reafirmando a sua legitimidade e pugnando pela improcedência da contestação da ré. Foi oficiosamente ordenada a notificação do Ministério Público para, no prazo de 15 dias, se pronunciar quanto à (i)legitimidade ativa do autor. 5) Foi de seguida proferida decisão que julgou parcialmente procedente a exceção dilatória de ilegitimidade do autor e absolveu a ré da instância quanto aos pedidos formulados sob as alíneas a) a e), inclusive, ordenando a notificação do autor para se pronunciar, querendo, sobre o eventual indeferimento liminar dos pedidos formulados nas alíneas f) e g), por manifesta improcedência. O despacho em causa assenta, em apertada síntese, na circunstância de não estarem preenchidos em relação aos pedidos formulados nas alíneas a) a e) os pressupostos de legitimidade activa para a instauração da presente acção, sendo tais pedidos típicos de uma acção inibitória colectiva para a qual o autor não invoca a titularidade de factos integradores de interesses difusos, mas antes a de interesses exclusivamente particulares, visando a impugnação da aplicação das condições impostas pela ré à alteração do plano de voo que anteriormente acordara, por forma a obter com a procedência da acção a recuperação da quantia despendida. Mais se esclarece na decisão que a causa de pedir da acção não assenta num interesse difuso homogéneo susceptível de gerar a tutela dos direitos em que assentam os pedidos em causa, uma vez que a relação material controvertida – alteração de datas de viagem anteriormente acordadas e suas consequências – está directamente relacionada com a escolha individual de cada passageiro ao contratar a prestação do serviço e ao escolher as respectivas tarifas 1. ◊ ◊ ◊ Parte II – A revista 6) O autor interpôs recurso de revista directa para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do disposto no artigo 678.º do Código de Processo Civil (revista per saltum), tendo concluído as suas alegações pela forma que se passa a reproduzir. “A. Com a presente ação, pretende o Recorrente fazer cessar uma prática levada a cabo pela Recorrida, traduzida no cancelamento automático de viagens aéreas de volta quando os consumidores não compareçam nas respetivas viagens de ida e/ou na cobrança de penalidades pelo não comparecimento nessas viagens de ida (definida como “Prática Lesiva” ou “Prática”), vertida no clausulado das suas condições de compra e de tarifa (cfr. arts. 17.º a 20.º da PI e Documentos n.ºs 5 e 6 a ela juntos), pelo facto de a considerar manifestamente ilegal, por violação de diversas normas de direito do consumo, e inconstitucional, por violação do direito à proteção dos interesses económicos dos consumidores, previsto no artigo 60.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) (cfr. arts. 21.º a 51.º da PI). B. Tendo em vista um melhor enquadramento do Tribunal a quo sobre a circunstância em que o Recorrente se apercebeu desta Prática e a alegação e prova do dano que a mesma lhe causou, o Recorrente explicou, em suma, na sua PI, que: - O Recorrente adquiriu duas passagens aéreas junto da Recorrida: uma de ... para ... (definida como “Viagem de Ida”) e outra de ... para ... (definida como “Viagem de Volta”); - O Recorrente pretendeu antecipar a Viagem de Ida, razão pela qual entrou em contacto com o contact center da Recorrida; - Nesse telefonema, foram-lhe apresentadas duas hipóteses para a alteração da Viagem de Ida; - Como essas hipóteses eram mais caras do que a compra de uma nova passagem de ida, o Recorrente referiu que iria antes comprar uma nova passagem de ida (junto da Recorrida ou de outra companhia aérea concorrente); - Nesse momento (a circunstância), a funcionária da Recorrida alertou o Recorrente para o facto de que, se o Recorrente não comparecesse na Viagem de Ida, a Viagem de Volta seria automaticamente cancelada, por força da Prática Lesiva; - O que fez com que o Recorrente tenha acabado por adquirir uma nova passagem de ida e uma nova passagem de volta junto da R...; - Quando, não fosse a Prática Lesiva, teria apenas adquirido uma nova passagem de ida (a alegação e prova do dano). C. Daqui resulta que a presente ação nada tem que ver com a alteração de viagens e/ou com a política de alteração de viagens da Recorrida (aliás, o Recorrente nunca chegou a alterar qualquer viagem!), como entendeu o Tribunal a quo. D. Tem, sim, que ver com a Prática Lesiva levada a cabo pela Recorrida, vertida no clausulado dos seus contratos de adesão, a qual atinge – diariamente e de forma indistinta – milhares de consumidores, que o Recorrente pretende fazer cessar. E. É, portanto, este o objeto da presente ação, clara e expressamente definido nos artigos 17.º a 20.º da PI e Documentos n.ºs 5 e 6 a ela juntos. F. Considerando, por um lado, este objeto e, por outro lado, o facto de tal ação ter sido proposta pelo Recorrente ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor (definida como “LDC”), estamos, portanto, perante uma ação popular, à qual se aplica a Lei de Ação Popular (definida como “LAP”). G. Por Despacho datado de 12.07.2023, com a ref.ª Citius ...94 (definido como “Despacho Recorrido”), decidiu o Tribunal a quo: - “[J]ulg[ar] parcialmente procedente a exceção dilatória de ilegitimidade [ativa], e em consequência, absolv[er] a Ré da instância dos pedidos formulados pelo Autor sob as alíneas a) a e), inclusive [pedidos relacionados com o caráter inibitório / popular da ação]”, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2 e 577.º, n.º 1, alínea e), todos do CPC; e - Condenar o Recorrente em custas, nos termos do artigo 527.º do CPC; H. Alegando, para o efeito, e em suma, que o Recorrente não tem legitimidade para propor a presente ação, porquanto: - “[N]ão demanda ao abrigo de direito difuso, mas, antes, fruto de um interesse exclusivamente particular, e pela aplicação das condições de alteração de voos por parte da Ré” (cfr. pág. 9 do Despacho Recorrido) (destaque nosso); - “[A] causa de pedir do Autor não é a defesa de um interesse difuso dos passageiros transportados pela Ré, mas, reitere-se, o facto de ter decidido alterar um voo (…), ter optado de entre as possibilidades dadas pela Ré pela compra de um bilhete, movendo-se por interesse próprio” (cfr. pág. 9 do Despacho Recorrido) (destaque nosso). I. Logo, “o único efeito útil da presente ação tal como o Autor a configura, atenta a sua causa de pedir, deriva da relação controvertida entre este e a Ré, cingindo-se à reparação do alegado dano formulado sob o pedido inserto nas alíneas f) e g) da petição inicial [pedido de indemnização do Recorrente]” (cfr. pág. 10 do Despacho Recorrido). J. O Recorrente não pode conformar-se com esta decisão. ◊ K. Em 1.º lugar, porque a mesma revela que o Tribunal a quo não compreendeu o objeto da presente ação, clara e expressamente definido nos artigos 17.º a 20.º da PI e Documentos n.ºs 5 e 6 a ela juntos: a Prática Lesiva (tal como definida no ponto A. das presentes conclusões) levada a cabo pela Recorrida, vertida no clausulado dos seus contratos de adesão, a qual atinge – diariamente e de forma indistinta –, milhares de consumidores, que o Recorrente pretende fazer cessar. L. Tal objeto / Prática nada tem que ver com a alteração de viagens e/ou com a política de alteração de viagens da Recorrida (aliás, o Recorrente nunca chegou a alterar qualquer viagem!). M. A pretensão de antecipação da Viagem de Ida e o telefonema para o contact center da Recorrida foram apenas referidos como a circunstância em que o Recorrente se apercebeu da Prática Lesiva. Nada mais. N. Ou seja, o facto de o Recorrente “ter decidido alterar um voo” (que – repita-se – nunca chegou a alterar!) é completamente irrelevante / indiferente para o objeto da presente ação, no qual se discute o direito dos clientes da Recorrida que tenham adquirido viagens de ida e volta poderem, se assim o entenderem, voltar sem ter ido e/ou não serem alvo de outro tipo de penalidades por não terem ido (como é o caso da taxa de € 100,00, prevista nas condições de compra da Recorrida, aplicável aos casos de “no show” – cfr. art. 20.º da PI e Documento n.º 6 a ela junto); O. Ou, por dito de uma forma mais simples, o direito dos clientes da Recorrida poderem usufruir de serviços que contrataram e pelos quais pagaram o respetivo preço. P. Em face do exposto, é possível concluir que o Tribunal a quo não compreendeu o objeto da presente ação. ◊ Q. Em 2.º lugar, porque é manifesta a existência de um interesse difuso, mais concretamente, um interesse coletivo (e respetivos interesses individuais homogéneos): o interesse de todos e de cada um dos consumidores que celebram, tenham celebrado e/ou venham a celebrar contratos de prestação de serviços de transporte aéreo com a Recorrida e vejam, tenham visto e/ou venham a ver nos mesmos inserido este tipo de cláusulas (definido como o “Interesse do Grupo”); R. Seguindo os pontos II. a VII. do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.11.2020 2 (definido como “Acórdão do TRL de 24.11.2020”), transcrito na pág. 7 do Despacho Recorrido, trata-se de um Interesse: (i) com uma dimensão individual (a de cada um dos membros do Grupo) e supra-individual (a do Grupo, como um todo); (ii) disperso e disseminado por vários titulares (os membros do Grupo); e (iii) que cabe a todos e a cada um dos membros do Grupo, de forma indiferenciada e independentemente de qualquer relação voluntária estabelecida entre eles. S. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.09.2016 3 (definido como “Acórdão do STJ de 08.09.2016”) aponta como exemplos típicos deste tipo de interesses “a prevenção de uma agressão ambiental ou uma reação contra o uso de uma cláusula ilegal”. No presente caso, estamos perante o segundo exemplo. T. Neste contexto, cumpre ainda chamar a atenção para o ponto IX. do sumário Acórdão do TRL de 24.11.2020, transcrito na pág. 8 do Despacho Recorrido, no qual se pode ler que “[a] ação popular não é admissível quando o demandado possa invocar contra algum ou alguns dos representados uma defesa pessoal, isto é, quando possa utilizar fundamentos de defesa específicos contra alguns desses representados”. U. Como bem nota o Acórdão do STJ de 08.09.2016, “a possibilidade de o demandado numa ação popular invocar diferentes defesas contra vários representados pode ser utilizada como um critério prático para verificar se eles são titulares de um mesmo interesse individual homogéneo”. V. Ora, tendo em conta que a Recorrida, na sua Contestação, limitou-se a: - A deduzir exceções, como a de ilegitimidade ativa, alegando que o Recorrente carece de legitimidade para, “por si só” (cfr. arts. 2.º, 8.º, 9.º, 16.º, 19.º, 26.º, ponto d. da Contestação), propor a presente ação em representação do Grupo, e de abuso de direito (cfr. arts. 24.º a 31.º da Contestação), pelo facto de o Recorrente estar a vir pôr em causa a legalidade de um clausulado ao qual previamente se vinculou; - Exceções estas que tanto poderiam ser deduzidas contra o Recorrente, como contra qualquer outro membro do Grupo; - Bem como a tentar justificar a sua Prática com argumentos relacionados com o tipo de bilhete / tarifa em causa e questões de competitividade; - Justificação esta que também poderia ser apresentada contra o Recorrente ou qualquer outro membro do Grupo; W. É possível concluir que a Recorrida não “pôde invocar” contra o Recorrente qualquer “defesa pessoal”, na aceção do critério mencionado (aliás, se o fizesse, cairia certamente fora do objeto da presente ação), o que reforça a existência de um interesse difuso e a admissibilidade da presente ação. X. E não se diga que, num ponto ou noutro, a Recorrida invoca, na sua Contestação, alguns elementos particulares (por exemplo, quando faz referência ao telefonema do Recorrente para o contact center da Recorrida, durante o qual o Recorrente se apercebeu da Prática Lesiva, ou quando impugna os danos não patrimoniais alegados pelo Recorrente), como forma de tentar ultrapassar este argumento. Y. Isto porque: - Os interesses difusos possuem sempre uma dimensão individual, a par da supra-individual; - É a própria lei a prever a possibilidade de cumulação, neste tipo de ação, de pedidos indemnizatórios, individuais ou coletivos (cfr. arts. 12.º, n.º 1 da LDC e 22.º, n.ºs 1 a 3 da LAP); - Como bem decorre do Acórdão do STJ de 08.09.2016, “se qualquer elemento particular invocado por um demandante fosse suficiente para descaraterizar imediatamente o interesse como coletivo, praticamente seria impossível a existência de qualquer ação popular, ficando esta, na realidade, na disponibilidade daquele”. Z. Ou seja, a verificação de um interesse difuso e a admissibilidade da ação popular são compatíveis / não ficam prejudicados com a existência deste tipo de elementos, os quais não se podem considerar uma verdadeira “defesa pessoal”, para efeitos do mencionado critério. AA. Importante é sim que a questão jurídica / de direito a decidir seja comum aos interesses do grupo, permitindo, assim, a sua apreciação unitária / conjunta. E, neste caso, é: a legalidade / ilegalidade de clausulas constantes nos contratos de adesão da Recorrida. BB. Em suma, é manifesta a existência de um interesse difuso, mais concretamente, um interesse coletivo (e respetivos interesses individuais homogéneos): o Interesse do Grupo (tal como definido no ponto Q. das presentes conclusões). CC. Ao não o reconhecer e absolver a Recorrida da instância, o Tribunal a quo violou os artigos 10.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 13.º da LDC, o artigo 31.º do CPC, o artigo 52.º, nº 3, alínea a) da Constituição da República Portuguesa e os artigos 2.º, n.º 1 e 14.º da LAP, nos quais se baseia a legitimidade do Recorrente. ◊ DD. Em 3.º lugar, ainda que relacionado com os pontos anteriores, porque o Tribunal transpôs para o Despacho Recorrido um argumento utilizado no Acórdão do TRL de 24.11.2020 que não é aplicável ao presente caso, na medida em que a factualidade subjacente não o permite. EE. Na base do Acórdão do TRL de 24.11.2020, está uma providência cautelar inibitória popular, instaurada por dois particulares contra uma operadora de telecomunicações, na qual aqueles pediram que esta última fosse inibida de cobrar aos consumidores valores que estes não tenham expressamente contratado, no âmbito de determinados serviços, por via do mecanismo WAP BILLING – um mecanismo de subscrição de serviços através de um simples toque / clique no ecrã do telemóvel. FF. Dentro do grupo de consumidores pretensamente representados pelos requerentes – os subscritores de serviços por via do mecanismo WAP BILLING – havia quem tivesse: - Subscrito tais serviços por engano (i.e., por terem tocado / clicado na opção de subscrição “sem querer”), como os requerentes; - Subscrito tais serviços porque queria (i.e., por terem tocado / clicado na opção de subscrição por quererem, de facto, adquirir esses serviços); GG. Ou seja, havia dois “sub-grupos” distintos, cuja separação dependia, necessariamente, de uma análise casuística, sendo que o objeto da providência apenas poderia ser aplicável ao primeiro. HH. Daí que aquele Acórdão tenha concluído – e bem, na perspetiva do Recorrente – que “[a] pretensão formulada pelos requerentes extravasa o âmbito do direito de ação popular, pois sempre seria necessário determinar: - quais os consumidores aos quais a requerida está a cobrar valores não expressamente contratados, no âmbito daqueles serviços; - quais os consumidores que deram e quais os que não deram o seu consentimento expresso para contratar”. II. O Tribunal a quo transpôs este argumento para o Despacho Recorrido, do seguinte modo: “a relação material controvertida extravasa o âmbito do direito de ação popular, pois sempre seria necessário determinar: - quais os passageiros/consumidores aos quais a requerida está alegadamente a cobrar valores não expressamente contratados, ou contratados em termos que são lesivos no âmbito dos serviços que presta” (cfr. pág. 10 do Despacho Recorrido). JJ. No entanto, este argumento não é aplicável ao presente caso, na medida em que a factualidade subjacente não o permite: KK. Enquanto no caso do Acórdão do TRL de 24.11.2020 não era possível identificar um grupo de consumidores representados pelos requerentes sem se proceder a uma análise casuística prévia; LL. No presente caso, já é: todos e cada um dos membros do Grupo (tal como definido no ponto Q. das presentes conclusões), na medida em que todos e cada um deles partilham o Interesse / direito de não verem nos seus contratos inseridas cláusulas que consubstanciem a Prática Lesiva (tal como definida no ponto A. das presentes conclusões). MM. E não se diga que, dentro deste Grupo, existem dois “sub-grupos” distintos: os que têm conhecimento da Prática no momento da celebração do contrato (ou que não se opõem à mesma) e os que não têm esse conhecimento, como forma de tentar ultrapassar este argumento. NN. Desde logo, porque o conhecimento da Prática não afasta a ilegalidade da mesma. OO. E também porque, os consumidores que, por qualquer razão, não concordem com a presente ação ou não se revejam nela, têm sempre a possibilidade de exercer o seu direito de exclusão, previsto no artigo 15.º da LAP. PP. Em face do exposto, é possível concluir que o Tribunal a quo transpôs para o Despacho Recorrido um argumento utilizado no Acórdão do TRL de 24.11.2020 que não é aplicável ao presente caso, na medida em que a factualidade subjacente não o permite. ◊ QQ. Em 4.º lugar, porque, ainda que assim não fosse – o que não se concede e por mera cautela se pondera –, tal decisão, por se traduzir num despacho de indeferimento liminar da PI do Recorrente, nos termos do artigo 13.º da LAP, é legalmente inadmissível, porquanto extemporânea. RR. Conforme se pode ler na pág. 1 do Despacho Recorrido, foi o mesmo proferido “nos termos do art. 590.º, n.º 1 do Código do Processo Civil”, correspondendo, assim, a um despacho de indeferimento liminar da PI. SS. Tratando-se de uma ação popular, é aplicável o regime especial de indeferimento liminar da petição inicial previsto no artigo 13.º da LAP, nos termos do qual: “[a] petição deve ser indeferida quando o julgador entenda que é manifestamente improvável a procedência do pedido, ouvido o Ministério Público e feitas preliminarmente as averiguações que o julgador tenha por justificadas ou que o autor ou o Ministério Público requeiram”. TT. Como bem decorre do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.05.2023 4: “[o] indeferimento liminar da petição [no âmbito de uma ação popular] já não é possível depois de citado o réu e da apresentação por este da contestação”. UU. Ora, tendo em conta que: - O Despacho Recorrido se traduz num despacho de indeferimento liminar da PI, nos termos do artigo 13.º da LAP; - Este Despacho foi proferido em 12.07.2023, ou seja, mais de meio ano depois de citada a Recorrida (em 11.01.2023 – cfr. aviso de receção com a ref.ª Citius ...27) e cerca de 5 meses após esta ter apresentado a sua Contestação (em 14.02.2023 – cfr. Contestação com a ref.ª Citius ...23); VV. É possível concluir que tal Despacho é legalmente inadmissível, porquanto extemporâneo. WW. Em suma, o Tribunal violou o artigo 13.º da LAP. XX. Em 5.º lugar, porque, ainda que assim não fosse – o que não se concede e por mera cautela se pondera –, o Tribunal não aplicou o regime especial de custas, previsto nos artigos 11.º, n.º 1 da LDC e 20.º, n.º 3 da LAP. YY. Articulando estes dois artigos, é possível concluir que, mesmo em caso de decaimento total – o que não se concede e apenas por cautela se pondera – o Tribunal a quo sempre teria de fixar o montante das custas concretamente aplicável entre um décimo e metade das custas que normalmente seriam devidas, tendo em conta a situação económica do Recorrente e a razão formal ou substantiva da improcedência, o que não logrou fazer. ZZ. Em suma, o Tribunal violou os artigos 11.º, n.º 1 da LDC e 20.º, n.º 3 da LAP. ◊ AAA. Adicionalmente, o Despacho Recorrido é nulo, por violação do princípio do contraditório. BBB. A Recorrida invocou a exceção de ilegitimidade ativa (cfr. arts. 1.º a 23.º da Contestação), alegando que o Recorrente carece de legitimidade para, “por si só” (cfr. arts. 2.º, 8.º, 9.º, 16.º, 19.º, 26.º, ponto d. da Contestação), propor a presente ação em representação de um grupo de consumidores; CCC. Nunca tendo – em momento algum – posto em causa a existência de um interesse difuso. DDD. Muito pelo contrário: a Recorrida dava este interesse como adquirido, ao referir que o problema estava na propositura da ação pelo Recorrente “por si só”, e que tal problema já não existiria se fosse uma associação de consumidores ou o Ministério Público a propor a ação; EEE. Sendo certo que, também quanto a estes, se exige a verificação de um interesse difuso (e daí o Recorrente afirmar que a Recorrida dava este interesse como adquirido). FFF. Ao absolver a Recorrida da instância com fundamento na inexistência de tal interesse sem que esta questão tivesse sido anteriormente suscitada no processo e sem ter dado previamente às Partes, em particular, ao Recorrente, a oportunidade de se pronunciar sobre ela, o Tribunal a quo violou o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC. GGG. Quanto à consequência jurídica desta violação, a mesma constitui uma nulidade processual, prevista no artigo 195.º, n.º 1 do CPC, que, no caso concreto, abrange a própria decisão surpresa (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02.12.2019 5). HHH. Por fim, o Tribunal a quo, ao considerar que um cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos – o Recorrente – não tem legitimidade para, em representação de um grupo de consumidores – o Grupo (tal como definido no ponto Q. das presentes conclusões) –, propor uma ação popular, tendo em vista a inibição de utilização, por parte de um prestador de serviços em massa – a Recorrida –, de cláusulas contratuais constantes nos seus contratos de adesão – as que consubstanciam a Prática Lesiva (tal como definida no ponto A. das presentes conclusões) –, que aquele considera manifestamente ilegais e inconstitucionais; III. Sendo este um exemplo típico / clássico de interesse difuso e deste tipo de ação (basta consultar o registo de cláusulas contratuais abusivas julgadas pelos tribunais portugueses, disponível em www.dgsi.pt, para se concluir que na base do mesmo estão, na grande maioria dos casos, ações inibitórias que têm como objeto cláusulas contratuais gerais ilegais); JJJ. Para além de violar as normas referidas ao longo das presentes conclusões, está também a suprimir o exercício, pelo Recorrente, do direito de ação popular, previsto no artigo 52.º, n.º 3, alínea a) da CRP. KKK. Por este motivo, o Despacho Recorrido é materialmente inconstitucional. ◊ LLL. Por último, o Recorrente requer, muito respeitosamente, que o presente recurso suba diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 678.º, n.º 1 do CPC.” ◊ 7) A ré apresentou articulado de resposta às alegações de recurso na qual, em relação ao mérito da revista pugna pela manutenção da decisão recorrida. ◊ 8) O recurso interposto pelo autor viria a ser admitido em primeira instância como de apelação, sendo ordenada a subida dos autos ao Tribunal da Relação. Porém, o Juiz Desembargador Relator a quem o processo foi distribuído, considerando que estavam reunidos os pressupostos de aplicação do artigo 678.º n.º 1 do Código de Processo Civil ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça. Nesta instância o Juiz Conselheiro relator admitiu tabelarmente o recurso de revista por ter por verificados todos os pressupostos do artigo 678.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Colhidos que foram os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos importa apreciar e decidir. Tendo em conta o teor da decisão impugnada e das conclusões das alegações do recurso interposto a questão central a decidir é a da legitimidade do autor para formular os pedidos das alíneas a) a e) da petição inicial, merecendo especial atenção a sua ligação com os factos alegados enquanto causa de pedir da acção. Importa, no entanto, conhecer previamente a questão da nulidade da decisão por violação do princípio do contraditório, sendo que só se conhecerá das demais questões colocadas se não ficarem prejudicadas pelo conhecimento de questões delas dependentes. ◊ ◊ ◊ II - FUNDAMENTAÇÃO Parte I – Os Factos 1) Para além dos factos que resultam expostos no antecedente relatório, importa mencionar terem sido os seguintes os factos alegados pelo autor na petição inicial como causa de pedir: “I. I. DOS FACTOS 1.º - No dia 16.11.2022, o Autor adquiriu duas passagens aéreas junto da Ré: - uma de ... para ... (voo ...25), com partida no dia 05.01.2023, às 14h10m, e chegada às 15h35m (a “Viagem de Ida”); e - outra de ... para ... (voo ...26), com partida no dia 08.01.2023, às 18h00m, e chegada às 21h15m (a “Viagem de Volta”); 2.º - pelo montante total de € 105,57 (cento e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos) (…). 3.º - Entretanto, o Autor decidiu ir passar o Ano Novo a ..., razão pela qual, no dia 22.12.2022, entrou em contacto (via chamada telefónica) com o contact center da Ré, tendo em vista a antecipação da Viagem de Ida para o dia 31.12.2022. 4.º - Nesse telefonema, foi explicado ao Autor que a antecipação pretendida, por se traduzir numa alteração da reserva, teria uma penalidade associada de € 75,00 (setenta e cinco euros), acrescida de adicionais de tarifa e outras taxas aplicáveis. 5.º - Foi, ainda, dado como exemplo que se o Autor pretendesse antecipar a Viagem de Ida para o dia 31.12.2022, havia um voo disponível (o voo ...25), com partida às 14h10m e chegada às 15h35m, e que tal teria um custo total de € 152,00 (cento e cinquenta e dois euros). 6.º - Em face do exposto, o Autor referiu que, assim sendo, lhe compensaria mais comprar uma nova passagem de ida, ao invés de alterar a reserva inicial. 7. º - Na sequência desta afirmação, foi explicado ao Autor que: - se não comparecesse na Viagem de Ida, a Viagem de Volta seria automaticamente cancelada (mesmo que o Autor avisasse – previamente e por escrito – a Ré de que, não obstante não comparecer na Viagem de Ida, pretendia usufruir da Viagem de Volta); - a única forma de não comparecer na Viagem de Ida e assegurar a Viagem de Volta, seria através de um “upgrade de tarifa”, o que teria um custo de € 73,00 (setenta e três euros). Note-se que, num cenário destes, o Autor teria sempre de adquirir uma nova passagem de ida, na medida em que aquele custo, na prática, serviria apenas para o Autor “não perder” a Viagem de Volta. 8.º - Ou seja, e resumindo, perante a necessidade de antecipação da Viagem de Ida para o dia 31.12.2022, a Ré apresentou duas possibilidades ao Autor: 1. Alteração da reserva, no sentido de substituir a Viagem de Ida pelo voo ...25, mediante o pagamento de € 152,00; ou 2. “Upgrade de tarifa”, no sentido de o Autor poder não comparecer na Viagem de Ida sem perder a Viagem de Volta, mediante o pagamento de € 73,00. Tal como acima adiantado, num cenário destes, o Autor teria sempre de adquirir uma nova passagem de ida. 9.º - Ora, tendo em conta que qualquer uma destas possibilidades acabaria por sair mais cara do que a reserva inicial (que incluía duas passagens) ou de uma nova reserva equivalente a esta, o Autor acabou por adquirir, no dia do telefonema (i.e., no dia 22.12.2022), duas novas passagens (em condições análogas às anteriores, nomeadamente, em termos de bagagem) junto da companhia aérea R...: - uma de ... para ... (voo ...82), com partida no dia 31.12.2022, às 06h20m, e chegada às 07h45m (a “Nova Viagem de Ida”); e - outra de ... para ... (voo ...36), com partida no dia 08.01.2023, às 09h15m, e chegada às 12h30m (a “Nova Viagem de Volta”); 10.º - Pelo montante total de € 95,98 (noventa e cinco euros e noventa e oito cêntimos) (…). 11.º - Para além deste gasto adicional, esta situação gerou – e continua a gerar – no Autor sentimentos de grande frustração e angústia, enquanto cidadão e consumidor.” ◊ 2) O autor alegou ainda o seguinte: “17.º - Ora, descendo ao caso dos presentes autos, com a presente ação pretende o Autor fazer cessar a prática lesiva do direito à proteção dos interesses económicos dos consumidores, levada a cabo pela Ré, traduzida no cancelamento automático de viagens de volta quando os consumidores não compareçam nas respetivas viagens de ida e/ou na cobrança de penalidades pelo não comparecimento nessas viagens de ida (a “Prática Lesiva” ou, abreviadamente, “Prática”); 18.º - Prática esta comumente designada por “Política de no show”. 19.º - É, portanto, este o objeto da presente ação. 20.º - Esta Prática Lesiva encontra-se prevista quer nas Condições de Compra, quer nas condições gerais sobre tarifas disponibilizadas no website da Ré (as “Condições de Tarifas”)”. ◊ ◊ ◊ Parte II – O Direito 1) Cuidemos então agora de analisar o mérito do recurso de revista interposto pelo autor. A questão central que o autor coloca é a da sua própria legitimidade para formular os pedidos das alíneas a) a e) da petição inicial, legitimidade essa que não lhe foi reconhecida na decisão recorrida. A decisão ora impugnada foi proferida findos os articulados e no âmbito da gestão inicial do processo prevista no artigo 590.º n.º 1 do Código de Processo Civil, sendo julgada procedente a excepção dilatória da ilegitimidade activa invocada pela ré. Antes, porém, de entrar na apreciação dessa questão – objecto central do recurso – impõe-se abordar as questões que possam inviabilizar o seu conhecimento. ◊ 2) Da nulidade do despacho recorrido por violação do princípio do contraditório Nas conclusões AAA) a GGG) o autor recorrente invoca a violação do princípio do contraditório. Em seu entender o fundamento da decisão recorrida – a inexistência de um interesse difuso de que o autor fosse também titular – não foi suscitada nesses exactos termos pela ré, que se limitou a questionar a legitimidade do autor para representar o grupo de consumidores potencialmente afectados. Não teria assim sido observado o princípio do contraditório em relação ao real fundamento da decisão recorrida. Vejamos. A questão da legitimidade do autor para propor a presente acção foi suscitada pela ré na sua contestação e assentou, no essencial, na circunstância de o autor pretender exercer nela direitos cuja titularidade não lhe pertence em exclusivo, mas, e em conjunto, aos consumidores suscetíveis de virem a ser atingidos pela prática lesiva assente nas condições de comercialização dos serviços de transporte aéreo adoptadas pela ré. O autor apresentou oportunamente articulado de resposta à matéria da excepção invocando, além do mais, estar a sua legitimidade assegurada pelo artigo 31.º do Código de Processo Civil, preceito que, como logo resulta da sua epígrafe, se reporta à legitimidade activa nas acções para tutela de interesses difusos. Os termos em que a questão da legitimidade do autor foi colocada pelas partes e tratada na decisão recorrida não deixam dúvida acerca do que estava em causa: tendo em conta os factos alegados como causa de pedir, a ré questionou a legitimidade do autor para requerer a sua condenação em nome do interesse geral de um conjunto dos cidadãos potencialmente afectados com a identificada prática lesiva dos seus direitos enquanto consumidores. A legitimidade do autor para formular os pedidos das alíneas a) a e) só poderia assentar na alegação de um interesse difuso partilhado pelo conjunto de cidadãos afectados pela aplicação das descritas condições em que a ré comercializa os seus serviços. “Os interesses difusos correspondem a um interesse jurídico reconhecido e tutelado, cuja titularidade pertence a todos e a cada um dos membros de uma comunidade ou grupo, mas não são susceptíveis de apropriação individual por qualquer um desses membros”, como, entre outros, esclarece o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de julho de 1998 na apelação 0027892, sumariado em www.dgsi.pt. 6 É exactamente na impugnação da co-titularidade de interesses difusos por parte do autor, face à matéria de facto por si alegada, que assenta a arguição da excepção dilatória de ilegitimidade activa que foi acolhida na decisão recorrida. Tendo o autor exercido o contraditório sobre essa matéria e sobre os fundamentos da respectiva decisão não pode senão concluir-se ser improcedente a invocada nulidade da decisão recorrida por pretensa violação do princípio do contraditório (artigo 3.º n.º 3 do Código de Processo Civil e 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil). ◊ 3) A extemporaneidade do despacho recorrido O autor invoca nas conclusões QQ) a VV) das suas alegações de recurso a extemporaneidade do despacho recorrido ao indeferir liminar e parcialmente a petição inicial no final da fase dos articulados. A decisão seria nula por estar ultrapassado o momento processualmente adequado à apreciação liminar da petição, estabelecido, além do mais, no artigo 13.º da Lei 83/95 de 31 de agosto. Cremos não assistir razão ao autor. a) Como resulta dos autos, e dos seus próprios termos, o despacho que não reconheceu a legitimidade do autor para formular os pedidos das alíneas a) a e) da petição inicial foi proferido ao abrigo do disposto no artigo 590.º n.º 1 do Código de Processo Civil que impõe ao juiz, no contexto da gestão inicial do processo, que tome conhecimento dos pressupostos processuais e da regularidade da instância. Cumprido que foi o contraditório em relação à invocação pela ré da excepção de ilegitimidade foi então proferida a decisão impugnada. b) Ora o artigo 590.º n.º 1 do Código de Processo Civil determina que a petição seja indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou quando ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis. De forma semelhante dispõe, aliás, o artigo 13.º da Lei 83/95 de 31 de agosto, que regula o direito de participação procedimental e ação popular ao prever o indeferimento da petição “quando o julgador entenda que é manifestamente improvável a procedência do pedido”, ouvido o Ministério Público e feitas as averiguações que se tenham por necessárias. Ainda que ambas as normas pressuponham que o desenvolvimento da instância se encontra numa fase inicial, em nenhuma se surpreende a expressão “indeferimento liminar”, o que parece revelar a preocupação do legislador em alargar a possibilidade de obstar ao prosseguimento de acções manifestamente inviáveis (neste sentido o Juiz Conselheiro António Martins – Código de Processo Civil – Comentários e Anotações práticas – 2.ª edição Almedina em anotação ao artigo 590.º do Código de Processo Civil). Mas nenhuma das normas em causa proíbe o indeferimento da petição inicial no momento destinado ao saneamento do processo e após o cumprimento do contraditório e da realização das diligências tidas por necessárias. c) A decisão recorrida, tomada depois de cumprido o indispensável contraditório não violou o artigo 13.º da citada Lei 83/95, de 31 de agosto, improcedendo a alegação em contrário do recorrente. ◊ 4) A ilegitimidade do autor para formular os pedidos das alíneas a) a e) da petição inicial Vejamos então a questão da legitimidade do autor para formular os pedidos das alíneas a) a e) da petição inicial. a) Introduzindo a questão da legitimidade em geral, diga-se que a resolução do conflito de interesses que a acção pressupõe – qualquer que ela seja – parte da explanação dos factos essenciais em que se baseia o pedido (artigo 5.º do Código de Processo Civil). É perante a descrição dos factos feita pelo autor que o Tribunal avalia quem são os sujeitos titulares da relação material controvertida, “tal como é configurada pelo autor” (artigo 30.º n.º 3 in fine do Código de Processo Civil) e analisa a pertinência do pedido deduzido. A causa de pedir e o pedido, tal como expostos na petição inicial, são, como é pacífico, os elementos a atender para a decisão sobre a legitimidade/ilegitimidade das partes. b) O conceito de legitimidade activa fornecido pelo artigo 30.º do Código de Processo Civil, exige, em conformidade, a verificação de uma relação entre o autor e a pretensão por ele formulada: “O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, sendo este aferido em função da utilidade derivada da procedência da acção.” No caso presente a utilidade directa para o autor derivada da procedência da acção assenta na condenação da ré nos pedidos formulados nas alíneas f) e g), isto é, no recebimento da indemnização correspondente ao montante dos danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos e respectivos juros de mora. Tais pedidos – que agora não estão em causa - têm suficiente suporte factual na matéria de facto articulada na petição inicial. c) E quanto aos pedidos formulados nas alíneas a) a e) da petição inicial? O autor, ainda que peça a aplicação retroativa da declaração de nulidade das cláusulas que entende serem proibidas – condições de compra e condições de tarifas divulgadas no website da ré – configura a presente acção como uma acção inibitória interposta ao abrigo do disposto no artigo 10.º n.º 1 alíneas b) e c) da Lei de Defesa do Consumidor (Lei 24/96 de 31 de julho), preceito que assegura o direito de acção destinada a fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor consignados nesse mesmo diploma que, nomeadamente, se traduzam no uso de cláusulas gerais proibidas ou consistam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei. d) O autor apresenta-se, pois, a exercer o direito de acção popular em representação de um conjunto indeterminado de cidadãos que contratem com a ré a aquisição de bilhetes para viagens aéreas de ida e volta que não realizem a viagem de ida e a quem se apliquem as condições de venda praticadas pela ré, formulando pedidos que extravasam a simples tutela do seu interesse individual. Na perspectiva do autor, estão em causa cláusulas gerais alegadamente proibidas, nomeadamente por violação dos artigos 15.º (cláusulas contrárias à boa-fé) e 22.º n.º 1 (cláusulas que prevejam a resolução do contrato pelo predisponente sem motivo justificado) do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais e que o autor reputa de ilegais como se vê dos artigos 22.º a 51.º da petição. Nos termos consignados no artigo 25.º do Decreto-Lei 446/85 de 23 de outubro (Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais) a acção inibitória destinada a proibir a utilização futura de cláusulas contratuais gerais independentemente da sua efectiva inclusão em contratos singulares, é admissível quando elas contrariem o disposto nos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º e 22.º do citado diploma. d) A acção intentada pelo autor, contendo pedidos formulados em nome de um interesse colectivo, é tipicamente uma acção popular abrangida pela Lei 83/95 de 31 de agosto. O que é que isso representa na equação para a solução da questão da legitimidade activa questionada? e) A tramitação da acção inibitória a que alude o artigo 10.º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei 24/96 de 31 de julho) bem como a da acção popular a que alude a Lei 83/95, de 31 de agosto, não se rege por normas específicas, podendo assumir qualquer das formas previstas no Código de Processo Civil. Porém, no que se refere à legitimidade activa, o legislador teve a preocupação de introduzir normas específicas alterando de forma radical a conceito de legitimidade em geral previsto no Código de Processo Civil. Fê-lo alargando a legitimidade para intentar as acções previstas na Lei de Defesa do Consumidor a entidades diferentes do consumidor directamente lesado (artigo 13º), tal como havia anteriormente feito, no âmbito do direito de acção popular, sublinhando aqui que a titularidade do direito de acção popular conferida a qualquer cidadão para instaurar a correspondente não estava dependente do seu interesse directo na demanda (artigo 2.º n.º 1). f) Justifica-se abrir aqui um breve parêntesis para analisar o que resulta da regulamentação constitucional da acção popular com relevo para a decisão a proferir nesta sede. O artigo 52.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa confere a todos os cidadãos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular “nos casos e termos previstos na lei”, incluindo o direito à correspondente indemnização. A remissão para a regulamentação a efectuar em sede infraconstitucional, ainda que imponha uma interpretação conforme à regra constitucional e a aplicação das normas de direito material e adjectivo específicas da acção popular dela derivadas, em especial das constantes da Lei 83/95 de 31 de agosto, não afasta a aplicação do regime processual geral e a observância dos princípios gerais estruturantes do processo civil, quanto a todos os aspectos não especificamente regulados na Constituição da República Portuguesa e na regulamentação da acção popular. O reconhecimento da titularidade do direito à acção popular não isenta o cidadão que pretenda exercê-lo, da necessidade de exposição na petição inicial dos factos que constituem a causa de pedir, nem de formular os pedidos com eles conexos. A legitimidade material abstractamente reconhecida a um autor da acção para tutela de interesses difusos não elimina a necessidade de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir típica da acção e de que resulte a violação de direitos colectivos, no caso sub judice de direitos dos consumidores. Se se discute na doutrina e na jurisprudência a necessidade de o autor da acção colectiva provar sempre o seu interesse pessoal na demanda 7, não parecem existir dúvidas em considerar que a acção popular não pode ter por único objecto, por natureza e definição, direitos ou interesses exclusivamente pessoais do autor. Sem que tal envolva a supressão do exercício da acção popular que nessa situação não encontra qualquer justificação legal. h) Vem isto a propósito de a decisão recorrida partir da afirmação de que os factos alegados como causa de pedir na acção (factos 1.º a 11.º e 17.º e 18.º descritos na petição) se reportam a um interesse exclusivamente particular do autor, visando ele a declaração de nulidade das condições de comercialização das viagens e obter a indemnização pelos danos causados. Tais factos não permitiriam afirmar a co-titularidade do interesse colectivo que justifica a instauração da ação popular. Vejamos se assim é. i) Em harmonia com o direito de acção popular nos termos em que ficaram definidos no artigo 2.º n.º 1 da Lei 83/95, de 31 de agosto, o artigo 31.º do Código de Processo Civil em vigor, mais não faz do que assumir que, nas ações para a tutela de interesses difusos, qualquer cidadão no uso dos seus direitos civis e políticos, tinha legitimidade para instaurar a competente acção, a par das associações e fundações defensoras dos interesses em causa. A norma em causa está em linha com o direito de acção popular para cessação de infrações contra os direitos dos consumidores previsto no artigo 52.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e com a participação procedimental regulada pela Lei 83/95 de 31 de agosto, que assume ser a protecção do consumo de bens ou serviços um dos interesses por ela protegidos, esclarecendo no seu artigo 2.º n.º 1 serem titulares do direito procedimental de participação popular, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda. j) O que sucede no caso sub judice? O autor descreve na petição inicial um episódio em que foi directamente interveniente e que traduz a prática da ré divulgada no seu website e que identifica como lesiva de direitos dos consumidores que se tenham encontrado ou venham a encontrar na mesma situação: a impossibilidade de utilização de um serviço (viagem de volta) adquirido em conjunto com outro ou a imposição de um encargo suplementar para que tal serviço lhe seja prestado. A ilegalidade da aplicação desse encargo suplementar ou do cancelamento da viagem de volta encontra-se suficientemente explicada nos artigos 22.º e seguintes e não se reporta exclusivamente à situação particular do autor como resulta, por exemplo, dos artigos 24.º e 25.º, 34.º ou 44.º da petição inicial. k) Como se pondera no acórdão de 29 de novembro de 2016 desta mesma 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça (revista 135/14.2T8MDL.G1.S1) o artigo 52.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa “confere a todos o direito de acção popular (…), pelo que qualquer pessoa tem legitimidade para deduzir a correspondente pretensão, em processos destinados à defesa desses ou de outros valores e bens constitucionalmente protegidos, independentemente de ter um interesse um pessoal directo em tais demandas.” Mais adiante, acentua o citado aresto que a Lei 83/95 de 31 de agosto, “ao atribuir o direito de acção popular a “todos”, a lei permite que qualquer pessoa defenda interesses ou bens protegidos que não são apenas seus, mas de todos os neles interessados, por integrarem a comunidade a que os mesmos bens respeitam.” Daí que, o específico interesse processual/legitimidade do autor na acção popular não esteja condicionado à existência de uma conexão substantiva entre o mesmo, individualmente considerado, e o bem tutelado, antes “deve ser averiguado a partir da integração do demandante em determinadas categorias de indivíduos que se encontrem em relação com o objecto do processo, que, necessariamente, deverá transcender o interesse pessoal de qualquer deles. Assim, só a integração na comunidade de “interesses” visados pela acção permite assegurar a legitimidade popular e o interesse em agir, ainda que, em determinadas situações, tal interesse radique em qualquer cidadão”. l) Já atrás ficou dito que na petição inicial o autor expôs de modo suficiente a razão pela qual as circunstâncias em que se verificou o episódio em que teve intervenção directa são extensíveis à generalidade dos consumidores que se encontrem na mesma situação de aquisição de passagens aéreas de ida e volta e de não utilização da viagem de ida, não cabendo aqui e agora analisar do mérito da causa nem se as condições de compra e de tarifas praticadas pela ré têm alguma justificação. Certo é que nem é manifestamente improvável a procedência dos pedidos formulados agora em apreciação (artigo 13.º da Lei 83/95 de 31 de agosto e 590.º n.º 1 do Código de Processo Civil) nem é evidente a existência de excepção dilatória insuprível (artigo 590.º n.º 1 do Código de Processo Civil), a Lei 83/95 de 31 de agosto prevê nos seus artigos 14.º e 15.º “um regime especial de representação processual, mediante o qual o autor representa, por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão”, como se escreve no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de novembro de 2016. m) Em conclusão, na procedência da revista, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento da acção e a realização das diligências que forem tidas por necessários ao conhecimento dos pedidos formulados. Fica prejudicada a apreciação das questões de inconstitucionalidade da decisão recorrida (conclusões HHH) a KKK) e da omissão da fixação do concreto valor das custas a suportar pelo autor (conclusões XX a ZZ). A ré, porque vencida, é responsável, nos termos gerais, pelo pagamento das custas da revista. ◊ ◊ ◊ III - DECISÃO Termos em que, julgando a revista procedente, acordam em revogar a decisão impugnada que julgou parcialmente procedente a excepção dilatória de ilegitimidade do autor e absolveu a ré da instância quanto aos pedidos formulados pelo autor nas alíneas a) a e), inclusive, ordenando o prosseguimento da acção para apreciação do mérito de todos os pedidos formulados pelo autor. As custas da revista ficam a cargo da ré recorrida. Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 17 de setembro de 2024
Manuel José Aguiar Pereira (Relator) Jorge Manuel Arcanjo Rodrigues Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro _____________________________________________ 1. Consta do despacho impugnado a seguinte fundamentação: “No caso concreto, fácil é de ver que o Autor não demanda ao abrigo de direito difuso, mas, antes, fruto de um interesse exclusivamente particular, e pela aplicação das condições de alteração de voos por parte da Ré, aliás, condições essas que, conforme alega, tem acesso (e, portanto, conhecimento ao adquiri-las) por meio da gestão de reservas disponibilizada pela Ré, enquanto transportadora aérea de passageiros. Na verdade, a causa de pedir do Autor não é a defesa de um interesse difuso dos passageiros transportados pela Ré, mas, reitere-se, o facto de ter decidido alterar um voo (diga-se para um dia, que é sabido integrar época alta – passagem de ano), ter optado de entre as possibilidades dadas pela Ré pela compra de um bilhete, movendo-se por interesse próprio. Dito de outro modo, a vantagem que o Autor retira da procedência da ação é reaver um montante que despendeu por alteração da sua exclusiva responsabilidade (no quadro da liberdade contratual a que obedecem os negócios jurídicos), alegando prática lesiva.” 2. Nota de rodapé 8 no original: 8 Proferido no âmbito do processo n.º 7692/20.2T8LSB-A.L1-7, relatado por José Capacete, e disponível em www.dgsi.pt.↩︎ 3. Nota de rodapé 9 no original: 9 Proferido no âmbito do processo n.º 7617/15.7T8PRT.S1, relatado por Oliveira Vasconcelos, e disponível em www.dgsi.pt.↩︎ 4. Nota de rodapé 10 no original: 10 Proferido no âmbito do processo n.º 20228/21.9T8LSB.L1.S1, relatado por Ferreira Lopes, e disponível em www.dgsi.pt.↩︎ 5. Nota de rodapé 11 no original: 11 Proferido no âmbito do processo n.º 14227/19.8T8PRT.P1, relatado por Eugénia Cunha, e disponível em www.dgsi.pt↩︎ 6. Com interesse ver, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de setembro de 2016 na revista n.º 7617/15.T8PRT.S1), que sintetiza os ensinamentos do Professor Miguel Teixeira de Sousa (A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, Lex, Lisboa, 2003, págs. 46 e seguintes) da forma seguinte: “Os interesses difusos são interesses que possuem uma dimensão individual e supra- individual, ao contrário dos interesses individuais, que só possuem uma dimensão individual, pertencem exclusivamente a um ou a alguns titulares. Os interesses particulares homogéneos são aqueles em que não existem situações individuais particularizadas, mas tão só situações jurídicas genericamente consideradas. Os interesses difusos encontram-se dispersos ou disseminados por vários titulares, mas são interesses sem sujeito ou sem titulares, cabem a cada a todos a cada um dos membros de uma classe ou de um grupo, mas são insusceptíveis de apropriação individual por qualquer desses sujeitos, sendo, pois, a dupla dimensão individual e supra -individual uma característica essencial desses interesses. Os interesses difusos são indiferenciados, não só porque podem pertencer a qualquer sujeito que se inclua numa certa classe ou categoria, mas também porque eles existem independentemente de qualquer relação voluntária estabelecida entre os seus titulares.”↩︎ 7. Sobre o assunto ver Raquel de Jesus Caetano na sua Dissertação de Mestrado – A ação popular (civil) como instrumento de tutela coletiva uma análise à luz da lei n. 83/95, de 31 de agosto, a páginas 91 e seguintes.↩︎ |