Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO AUGUSTO MANSO | ||
Descritores: | RECURSO PENAL RECURSO PER SALTUM FURTO QUALIFICADO RESTITUIÇÃO REPARAÇÃO EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA CÚMULO JURÍDICO DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA PENAS PARCELARES PENA ÚNICA IMPROCEDÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 11/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I - Com a revisão de 2007, operada pela Lei 8/2012, de 03.03, em vigor desde 01.05.2007, o legislador alterou o art.º 206.º do Código Penal, dando nova redacção ao n.º 1, que prevê, como efeito da restituição da coisa ou animal furtado, ou da reparação dos prejuízos causados, a extinção da responsabilidade criminal, limitada a alguns crimes de furto qualificado. II - Referindo-se a nota distintiva do novo regime à titularidade eminentemente individual do bem jurídico, a que está ainda associada da parte do arguido uma ideia de diminuição da necessidade da pena. II - A mesma limitação se verifica nas situações em que, a restituição da coisa ou animal furtado, ou da reparação dos prejuízos causados, pudesse ter como efeito a atenuação especial da pena, nos termos do n.º 2 do art.º 206º do Código Penal. III - A atenuação especial da pena, resultante da cláusula geral do art.º 72º do Código Penal, tem como matriz a acentuada diminuição da ilicitude do facto, de culpa do agente ou de necessidade da pena, justificando-se só em circunstâncias excepcionais. IV - Só por si, o ressarcimento dos danos não constitui obrigação legal de atenuação especial da pena, se não se verificar aquela diminuição acentuada da ilicitude do facto, de culpa do agente ou de necessidade da pena. V - No caso, faltam aquelas circunstâncias excepcionais, pois, embora o arguido tenha reparado um dos crimes cometidos e acordado a reparação de um segundo, o que é certo é que cometeu 7 (sete) crimes de furto, sendo um na forma tentada, mas que causou danos, ficando 5 (cinco) por reparar. VI - Considerando que o ilícito de conjunto engloba sete crimes de furto qualificado, sendo um na forma tentada e um crime de desobediência, que a moldura abstrata se situa entre 2 anos e 10 meses e 18 anos e 3 meses de prisão, os factos ocorreram num curto período de tempo de cerca de 1 (um) mês e durante o período de liberdade condicional, a pena aplicada de 7 anos e 6 meses de prisão, abaixo do nível médio da moldura abstrata, é justa, equilibrada e proporcional, satisfazendo as necessidades de prevenção geral e especial sem ultrapassar os limites da culpa, em consonância com a jurisprudência do STJ para casos semelhantes. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório 1.1. Nos presentes autos, a correr termos no Juízo Central Criminal de ...-J1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, requerendo o julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Colectivo, foi o arguido AA, devidamente identificado nos autos, acusado pelo Ministério Público, imputando-lhe a prática, a prática, como autor material, em concurso efectivo, de 1 crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº1, alínea b), do Código Penal (doravante, abreviadamente CP), de 6 crimes de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), do mesmo diploma legal, e de 1 crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), do referido diploma. 1.2. Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Coletivo, por acórdão proferido a 26 de junho de 2024, decidiu: a. a) Condenar o arguido AA pela prática: [i] como autor material, na forma consumada, da prática de 1 crime de furto qualificado [Apenso G (NUIPC nº914/23.0...)], p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alínea d), todos do CP, na pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão; [ii] como autor material, na forma consumada, da prática de 1 crime de furto qualificado [Apenso F (NUIPC nº1734/23.7...)], p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alínea d), todos do CP, na pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão; [iii] como autor material, na forma consumada, da prática de 1 crime de furto qualificado [Autos Principais (NUIPC nº810/23.0...)], p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alínea d), todos do CP, na pena parcelar de 2 anos e 10 meses de prisão; [iv] como autor material, na forma consumada, da prática de 1 crime de furto qualificado [Apenso A (NUIPC nº811/23.9...)], p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alínea d), todos do CP, na pena parcelar de 2 anos e 10 meses de prisão; [v] como autor material, na forma consumada, da prática de 1 crime de furto qualificado [Apenso D (NUIPC nº816/23.0...)], p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alínea d), todos do CP, na pena parcelar de 2 anos e 10 meses de prisão; [vi] como autor material, na forma tentada, da prática de 1 crime de furto qualificado [Apenso E (NUIPC nº1912/23.9...)], p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 22º, nº2, alínea c), 26º, 1ª proposição, 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alínea d), todos do CP, na pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão; [vii] como autor material, na forma consumada, da prática de 1 crime de furto qualificado [Apenso C (NUIPC nº817/23.8...)], p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alínea d), todos do CP, na pena parcelar de 2 anos e 10 meses de prisão; e [viii] como autor material, na forma consumada, da prática de 1 crime de desobediência [Apenso B (NUIPC nº818/23.6...)], p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, e 348º, nº1, alínea b), todos do CP, na pena parcelar de 8 meses de prisão. a. b) Condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico, ao abrigo do vertido no artigo 77º, nºs1 e 2, do CP, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão. 1.3. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o arguido AA, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “CONCLUSÕES: A. Do Objeto do Recurso Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães: 1- O presente recurso tem por objeto o douto acórdão proferido no âmbito do processo supra identificado – para a qual remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzido por questões de economia processual -, no que concerne à medida das penas concretamente aplicadas (as parcelares e a única, após o respetivo cúmulo jurídico). II) Das normas jurídicas violadas e do sentido em que, no entender do recorrente, as mesmas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas. - As normas jurídicas violadas: - Entende o ora recorrente que andou mal o tribunal a quo na concreta escolha da medida das penas aplicadas, em violação do disposto nos artigos 206º, nº1 e 72º, nº1 e nº2, alínea c) do Código Penal, bem como dos artigos 40º e 71º do mesmo diploma. -O sentido com que o tribunal a quo aplicou a norma: - O arguido, ainda em fase de inquérito, já havia prestado depoimento no qual confessou, de forma integral e sem quaisquer reservas, a prática dos crimes em questão – postura esta que adotou em sede de julgamento, tal como consta do acórdão ora recorrido. - Com efeito, o arguido, de forma humilde e espontânea, assumiu todos os factos que praticou e procurou explicar os motivos que o levaram a praticá-los. 5- Contextualizou a sua situação pessoal, nomeadamente o histórico de registo criminal que apresenta, explanando que padece de problemas com o consumo de produto estupefaciente (cocaína) e que os atos que cometeu se destinavam a financiar esse consumo. 6- Ficou patente, através do seu depoimento, que o mesmo se arrependeu dos atos que praticou e reconheceu que os mesmos são reprováveis, mas que tiveram origem na necessidade de assegurar o consumo do produto estupefaciente. 7- Na verdade, o vício de anos foi simplesmente mais forte que o arguido, não obstante ele soubesse o que este lhe fazia; não conseguiu controlar esta necessidade, apesar de saber o erro que cometia. 8- Veja-se que todos os crimes foram praticados num curto espaço de tempo, pois esta necessidade foi repentina e fulminante, fazendo com que o arguido gastasse todas as suas poupanças e procurasse colmatar a falta de fundos com os atos que praticou. 9- Realce-se ainda que o arguido era tido como um bom trabalhador na profissão que exercia (...), sempre esteve empregado enquanto se encontrava em liberdade e, apesar dos diversos problemas com o consumo de estupefacientes, sempre teve algum apoio familiar, nomeadamente da mãe e da irmã – tudo conforme resulta também do relatório social junto aos autos. 10- Ademais, o arguido indemnizou na totalidade o Grupo Desportivo Recreativo Cultural ..., conforme comprovativo de transferência do valor de 300,00€ junto na data da leitura do acórdão ora recorrido (e que foi o acordado com este lesado em diligência de dia 03/06/2024, conforme Ref. Citius .......10) – lesado do Apenso G (NUIPC nº914/23.0...) a estes autos. 11- Ainda nesta senda, o arguido chegou a um acordo com o lesado e demandante cível Café ... (representado por BB), conforme requerimento junto aos autos pelo arguido em 17/06/2024 (Ref. Citius ......28) e ata de audiência de julgamento desse mesmo dia (REf. Citius .......68) – lesado do Apenso F (NUIPC nº1734/23.7...) a estes autos. 12- Todos estes fatores conjugados entre si, salvo devido respeito – que é muito – pelo entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, significam que as medidas concretas das penas aplicadas ao arguido, já descritas supra, são excessivas, nomeadamente no que concerne aos seis crimes de furto qualificado e, ainda dentro destes, especialmente quanto ao crime de furto em que foi lesado o Grupo Desportivo Recreativo Cultural ... (pois foi integralmente ressarcido) e o Café ... (pois chegou a um acordo). Ora, 13- Em primeiro lugar, no que concerne ao crime de furto qualificado em que foi lesado o Grupo Desportivo Recreativo Cultural ... (apenso G), entende o recorrente que se verifica a circunstância prevista no artigo 206º, nº1 do Código Penal. 14- Com efeito, está em causa um crime de furto qualificado nos termos do artigo 204º, nº2, alínea e) do Código Penal, houve concordância entre o arguido e o ofendido (designadamente quanto ao valor de indemnização), não houve dano ilegítimo de terceiro, foi feita reparação dos danos causados e tal aconteceu até à publicação da sentença em 1ª instância. 15- Pelo que, em rigor, a responsabilidade criminal pela prática deste crime deveria ter-se extinguido, com as legais consequências; 16- Sem prescindir, caso assim não se entenda, tendo em conta a reparação integral dos danos por parte do arguido – que ocorreu antes da prolação do acórdão recorrido -, sempre seria de atenuar especialmente a pena nos termos do disposto no artigo 72º, nº1 e nº2 alínea c) do Código Penal, que o Tribunal a quo não aplicou. 17- Em segundo lugar, no que concerne ao crime de furto qualificado em que foi lesado o Café ... (apenso F), tendo em conta que o arguido chegou a um acordo com o lesado/demandante cível, entende o recorrente que também seria de aplicar uma atenuação especial da pena, nos termos do disposto no artigo 72º, nº1 e nº2 alínea c) do Código Penal, que o Tribunal a quo não aplicou. 18- Em terceiro lugar, e independentemente do já exposto supra, dispõe o artigo 40º, nº2 do Código Penal que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. 19- Em complemento, o artigo 71º, nº1 estabelece que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”, e o seu nº2 vem exemplificar as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, devem ser tomadas em conta pelo Tribunal na determinação da medida da pena. 20- Ora, nos autos (e conforme já se expôs supra), existem diversas circunstâncias que, no entender do ora recorrente, o Tribunal a quo, não valorou devidamente – e que, por esse motivo, determinam uma errónea interpretação de aplicação das normas constantes dos artigos 40º e 71º, do Código Penal. 21- As penas concretamente aplicadas são excessivas, desproporcionais e desajustadas à factualidade concretamente em questão, tendo em conta as circunstâncias de vida do arguido (que não integram os elementos típicos dos crimes em causa) e a sua postura durante todo o processo, mesmo considerando o seu histórico criminal. Da decisão que, no entender do recorrente, deveria ter sido adotada. 22- Assim, por tudo o exposto, entende o recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao aplicar penas tão severas ao ora arguido, na medida determinada, e especialmente ao não considerar o ressarcimento do lesado no âmbito do Apenso G (o Grupo Desportivo Recreativo Cultural ...) para os devidos efeitos – extinção da responsabilidade criminal (206º, nº1 do C.P.) ou, no limite, atenuação especial da pena (72º, nº1 e 2, c) do C.P.), bem como a atenuação especial da pena no âmbito do Apenso F (em que foi lesado Café ...). Em concreto, 23- Nos termos do exposto supra, entende o arguido que deveria ter sido declarada extinta a responsabilidade criminal no âmbito do apenso G, inexistindo qualquer condenação pelos factos constantes desses autos, ao abrigo do artigo 206º, nº1 do C.P.; 24- No limite, caso assim não se entenda, deverá a pena prevista para este concreto crime ser especialmente atenuada, nos termos do artigo 72º, nº2, c) do C.P.. 25- Relativamente ao crime de furto qualificado do apenso F, aquela pena também se demonstra excessiva atendendo ao acordo que foi celebrado nos autos com o lesado, justificando-se também uma atenuação especial da mesma nos termos do artigo 72º, nº2, c) do C.P.. 26- Quanto aos crimes de furto qualificado dos autos principais e apensos A, D e C, aos quais foi aplicada a mesma concreta pena, pelos motivos já expostos entende o arguido que a mesma é excessiva, impondo-se a sua redução por questões de proporcionalidade e adequação. 27- O mesmo se diz ainda relativamente ao crime de furto qualificado na forma tentada e também quanto ao crime de desobediência. 28- E assim, em cúmulo jurídico, a pena de multa a que foi condenado não deveria ultrapassar os 5 (cinco) anos de prisão. 29- Nesse seguimento, entende o recorrente que ainda é possível aplicar a suspensão da execução dessa pena de prisão, nos termos do artigo 50º e ss., sujeita a regime de prova e ao cumprimento de plano de reinserção social, nomeadamente para tratamento do vício de consumo de produto estupefaciente, uma vez que se encontram preenchidos os seus pressupostos e é possível ainda cogitar um juízo de prognose favorável ao arguido, desde que acompanhado por profissionais de saúde para tratamento do seu vício. 30- Destarte, deve a decisão recorrida ser revogada, no que concerne à determinação da medida concreta das penas aplicadas a cada um dos crimes pelos quais o arguido vem acusado e, bem assim, na pena única aplicável em cúmulo jurídico, devendo ser substituída por outra decisão que reduza aquelas penas (parcelares e única), nos termos já supra descritos, aplicando-se ainda a suspensão da execução da pena de prisão, cumpridos que estejam os requisitos gerais. Nestes termos, não só certamente pelo alegado mas principalmente pelo alto critério de Vªs Exªs, deve ser dado pleno provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida e substituindo-a por outra, nos termos expostos supra, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.” 1.4. Ao recurso respondeu o Ministério Público, pela Senhora Procuradora da República, junto do Juízo Central Criminal de ..., concluindo pela improcedência do recurso, devendo “o douto acórdão recorrido ser mantido na íntegra, assim se fazendo JUSTIÇA.” Em síntese refere que, “no caso vertente o arguido foi condenado por 8 ilícitos criminais, sendo que apenas um deles não era contra o património, e o contexto em que os mesmos ocorreram era conexo. E, não obstante, o hiato temporal ser limitado, o certo é que integrado com o respectivo certificado criminal, estaremos perante uma tendência criminosa, e tal foi ponderado na pena única, assim como os demais factores anteriormente considerados nas penas parcelares, como resulta de fls. 505 verso a 509. Ante o exposto, quer as penas parcelares, quer a pena única aplicada ao arguido pelo Tribunal a quo de 7 anos e 6 meses de prisão parecem-nos correctas e ajustadas, ao vertente caso concreto, e por isso merecem a nossa concordância.” 1.5. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, concluindo, que “examinados os fundamentos do recurso, sufragamos integralmente a argumentação da Senhora Procuradora da República na 1ª instância, que aqui damos por reproduzida e, por todo o exposto, somos de parecer que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a decisão recorrida.” Foi cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2 do CPP. Foram os autos aos vistos e à conferência, Decidindo, 2. Fundamentação 2.1. De Facto: A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes do acórdão recorrido é a seguinte (transcrição): 2.1.1 – Factos Provados: … … … “Discutida a causa, com relevo para a decisão a proferir, resultou provada a seguinte matéria de facto: Da acusação pública 1. O arguido AA, no período sob discussão nos presentes autos, decidiu praticar actos contra o património alheio para obter meios para assegurar a sua subsistência, obter proveitos económicos e, bem assim, assegurar o consumo de produto estupefaciente. Na execução desse plano: Apenso G (NUIPC nº914/23.0...) 2. Entre as 21h30 do dia 28.09.2023 e as 03h30 do dia 29.09.2023, o arguido deslocou-se no veículo automóvel da marca “Jeep”, modelo “Grand Cherokee”, com a matrícula ..-..-QE (doravante, abreviadamente, QE), ao estabelecimento “Grupo Desportivo Recreativo Cultural ...”, sito na Rua ..., em ... (...), com o intuito de ali introduzir-se e, uma vez no seu interior, fazer seus bens e/ou valores que encontrasse e lhe suscitassem interesse. 3. Aí chegado, com recurso a uma pedra, partiu um dos vidros da montra, logrando introduzir-se desse modo no interior deste estabelecimento, o que fez contra a vontade e sem consentimento do respectivo proprietário. 4. Uma vez no interior, o arguido apoderou-se e fez seus os seguintes bens, que levou consigo: 6 garrafas de bebidas alcoólicas, designadamente, whisky, amarguinha e licor “Beirão”, avaliadas em €140,00. * Apenso F (NUIPC nº1734/23.7...) 5. Entre as 04h15 e as 04h25 do dia 29.09.2023, o arguido deslocou-se no QE ao estabelecimento denominado “Café ...”, sito na Rua do ... em ... (...), com o intuito de ali introduzir-se e, uma vez no seu interior, fazer seus bens e/ou valores que encontrasse e lhe suscitassem interesse. 6. Aí chegado, com recurso a uma pedra, partiu um dos vidros da montra lateral, logrando introduzir-se desse modo no interior deste estabelecimento comercial, o que fez contra a vontade e sem consentimento do respectivo proprietário. 7. Uma vez no interior, o arguido apoderou-se e fez seus os seguintes bens, que levou consigo: 1 caixa registadora, 2 caixas de isqueiros e várias garrafas de bebidas alcoólicas, cujo valor, em concreto, não foi possível apurar, mas superior a €102,00. * Autos Principais (NUIPC nº810/23.0...) 8. No dia 25.10.2023, pelas 23h15, o aludido AA deslocou-se na viatura QE ao estabelecimento comercial denominado “N... .....”, sito na Avenida de ..., da freguesia de ..., do concelho de ... (...), com o intuito de ali introduzir-se e, uma vez no seu interior, fazer seus bens e/ou valores que encontrasse e lhe suscitassem interesse. 9. Aí chegado, com recurso a uma pedra, partiu o vidro da porta de entrada daquele espaço, logrando introduzir-se desse modo no interior deste estabelecimento, o que fez contra a vontade e sem consentimento do respectivo proprietário. 10. Uma vez no interior, o arguido apoderou-se e fez seus os seguintes bens, que levou consigo: 1 garrafa de brandy, da marca “Constantino”, avaliada em €9,32; 1 garrafa de brandy, da marca “Croft”, avaliada em €9,35; 1garrafa de brandy, da marca “Macieira”, avaliada em €9,69; 3 garrafas de cachaça, da marca “Velho Barreiro 70cl”, avaliadas em €21,96; 1 garrafa de cachaça, da marca “Velho Barreiro LT”, avaliada em €8,89; 1 garrafa de gin, da marca “Bombay”, avaliada em €10,26; 1 garrafa de macieira “Cream 5 Estrelas”, avaliada em €9,05; 3 garrafas de “Martini Bianco”, avaliadas em €20,16; 2 garrafas de vodka, da marca “Eristoff”, avaliadas em €15,24; 7 garrafas de whisky, da marca “Ballantine’s 12 anos”, avaliadas em €85,87; 5 garrafas de whisky, da marca “Jameson”, avaliadas em €104,16; 2 garrafas de whisky, da marca “Buchanan’s”, avaliadas em €72,16; 5 garrafas de whisky, da marca “Bushmills”, avaliadas em €21,90; 5 garrafas de whisky, da marca “Cutty Sark”, avaliadas em €15,83; 5 garrafas de whisky, da marca “Old Parr”, avaliadas em €66,52; e 1 telemóvel da marca “Xiaomi”, tratando-se de bens globalmente avaliados na quantia de €590,92. * Apenso A (NUIPC nº811/23.9...) 11. No dia 27.10.2023, pelas 05h, o arguido deslocou-se no veículo QE novamente ao estabelecimento “N... .....”, referido em 8., com o intuito de ali introduzir-se e, uma vez no seu interior, fazer seus bens e/ou valores que encontrasse e lhe suscitassem interesse. 12. Aí chegado, com recurso a uma pedra, partiu o vidro da porta de entrada, logrando introduzir-se desse modo no interior deste estabelecimento, o que fez contra a vontade e sem consentimento do respectivo proprietário. 13. Uma vez no interior, o arguido apoderou-se e fez seus os seguintes bens, que levou consigo: garrafas de bebidas alcoólicas, em número que, em concreto, não foi possível determinar, globalmente avaliadas em €676,25. * Apenso D (NUIPC nº816/23.0...) 14. Ainda no dia 27.10.2023, pelas 23h30, o arguido deslocou-se novamente no QE ao identificado “N... .....”, com o intuito de ali introduzir-se e, uma vez no seu interior, fazer seus bens e/ou valores que encontrasse e lhe suscitassem interesse. 15. Aí chegado, com recurso a uma pedra, partiu o vidro da porta de entrada, logrando introduzir-se desse modo no interior deste estabelecimento, o que fez contra a vontade e sem consentimento do respectivo proprietário. 16. Uma vez no interior, o arguido apoderou-se e fez seus os seguintes bens, que levou consigo: 34 garrafas de whisky, de diversas marcas, globalmente avaliadas em €583,17. * Apenso E (NUIPC nº1912/23.9...) 17. No dia 29.10.2023, pela 01h55, o arguido deslocou-se no veículo QE ao estabelecimento comercial denominado “Garrafeira ...”, sito na Praça ..., em ..., com o intuito de ali introduzir-se e, uma vez no seu interior, fazer seus bens e/ou valores que encontrasse e lhe suscitassem interesse. 18. Aí chegado, arremessou uma pedra em direcção à montra de vidro deste estabelecimento, partindo-a. 19. O arguido, porém, não logrou aceder ao interior desse estabelecimento por razões alheias à sua vontade, não conseguindo subtrair os bens que ali se encontravam expostos para venda ao público, cujo valor superava largamente o montante de €102,00, frustrando assim os seus intentos. * Apenso C (NUIPC nº817/23.8...) 20. Ainda no dia 29.10.2023, pelas 05h45, o mencionado AA deslocou-se novamente ao volante do QE ao estabelecimento comercial “N... .....”, referido em 8., com o intuito de ali introduzir-se e, uma vez no seu interior, fazer seus bens e/ou valores que encontrasse e lhe suscitassem interesse. 21. Aí chegado, com recurso a uma pedra, partiu o vidro da porta de entrada, logrando introduzir-se por esse local neste estabelecimento, o que fez sem consentimento e contra a vontade do respectivo proprietário. 22. Uma vez no interior, o arguido apoderou-se e fez seus os seguintes bens, que levou consigo: 51 garrafas de whisky, das marcas “J&B”, “J. Walker”, “Old Parr”, “Remington”, “Royal Gales”, “Vat 69” e “William Lawson’s”, globalmente avaliadas em €792,26. * Apenso B (NUIPC nº818/23.6...) 23. Na sequência do ocorrido e descrito em 17., 18. e 19., e após deslocação da Polícia de Segurança Pública (PSP) ao local, por volta das 04h do dia 29.10.2023, o veículo QE, tripulado pelo arguido, foi apreendido por esta autoridade policial, tendo aquele AA sido nomeado fiel depositário dessa viatura. 24. Nesta qualidade, o arguido ficou incumbido das funções e obrigações de fiel depositário, tendo aí sido informado que não poderia utilizar o QE enquanto se encontrasse à sua guarda, tendo sido solenemente advertido de que incorria no crime de desobediência caso infringisse as obrigações que lhe eram impostas. 25. Porém, não obstante tal viatura ainda se encontrar apreendida, o arguido utilizou-a para deslocar-se ao local descrito em 20. * 26. Com as condutas supra descritas, o arguido provocou um empobrecimento no património dos ofendidos, no montante dos bens que fez seus. 27. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de fazer seus os objectos e/ou valores que se encontravam no interior dos estabelecimentos “Grupo Desportivo Recreativo Cultural ...”, “Café ...”, “N... .....” e “Garrafeira ...”, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que o fazia contra a vontade, sem o consentimento e em prejuízo dos seus legítimos proprietários. 28. No caso da identificada “Garrafeira ...”, o arguido só não alcançou esse seu objectivo por circunstâncias e vicissitudes que foram alheias à sua vontade. 29. O aludido AA sabia ainda que ao introduzir-se no interior daqueles estabelecimento, do modo e nas circunstâncias supra enunciadas, actuava contra a vontade dos seus legítimos proprietários. 30. Com o propósito supra descrito, o arguido não se coibiu de arremessar pedras para partir os vidros da porta ou da montra desses estabelecimentos. 31. O arguido, com a conduta descrita em 23., 24. e 25. agiu com o propósito, alcançado, de tripular e utilizar o veículo apreendido QE e de não acatar a ordem que lhe foi transmitida, sabendo que a mesma provinha de autoridade pública policial. 32. Mais sabia que ao agir de tal modo, incorria na prática de um crime de desobediência. 33. O mencionado AA, em todas as situações supra descritas, actuou sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Provou-se, ainda, que: 34. O arguido AA confessou, de forma livre, integral e sem reservas, os factos por que vem acusado, manifestando arrependimento pela sua prática. 35. Estes factos ocorreram devido a uma recaída que o arguido teve no consumo de cocaína. 36. O arguido reconheceu, como motivo subjacente à prática dos factos de que ora se cuida, a influência desse mesmo consumo, sendo que apesar de desenvolver uma actividade profissional, os rendimentos que da mesma retirava não eram suficientes para sustentar a sua adição. 37. O arguido, neste momento, por força da sua prisão preventiva, encontra-se abstinente deste consumo, beneficiando no EP de ... de acompanhamento psiquiátrico, aliado à toma de medicação para esse efeito. 38. O mencionado AA manifesta ser sua pretensão manter-se abstinente. 39. O arguido dirigiu um pedido de desculpas aos ofendidos e afirmou pretender indemnizá-los, sendo que em julgamento: [i] acordou com o legal representante do “Grupo Desportivo Recreativo Cultural ...” entregar-lhe €300,00 pelos prejuízos sofridos; e [ii] acordou com a legal representante do estabelecimento comercial denominado “N... .....” pagar-lhe €1.500,00 pelos prejuízos sofridos. Dos antecedentes criminais do arguido 40. O arguido AA foi já condenado: a) No Processo Comum Colectivo nº66/06.0..., da (extinta) Vara de Competência Mista de ..., do Tribunal Judicial da comarca de Braga, por acórdão proferido no dia 30.05.2008, transitado em julgado no dia 26.01.2009, pela prática, no dia 10.05.2008, de 1 crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, acompanhada de regime de prova; posteriormente foi tal pena declarada extinta; b) No Processo Sumário nº315/11.2..., do (extinto) 1º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da comarca de ..., por sentença proferida no dia 02.09.2011, transitada em julgado no dia 26.09.2011, pela prática, no dia 20.08.2011, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses; posteriormente foram tais penas (principal e acessória) declaradas extintas; c) No Processo Abreviado nº55/12.5..., do (extinto) 1º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da comarca de ..., por sentença proferida no dia 06.12.2012, transitada em julgado no dia 08.01.2013, pela prática, no dia 11.08.2012, de 1 crime de desobediência, na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade; posteriormente foi tal pena declarada extinta; d) No Processo Comum Singular nº648/12.0..., do (extinto) 2º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da comarca de ..., por sentença proferida no dia 14.06.2013, transitada em julgado no dia 15.07.2013, pela prática, no dia 12.07.2012, de 1 crime de ameaça agravada, de 1 crime de injúria e de 1 crime de introdução em lugar vedado ao público, na pena (única) de 180 dias de multa, à razão diária de €5,00, perfazendo o valor total de €900,00; posteriormente foi tal pena declarada extinta; e) No Processo Comum Singular nº615/14.0..., do Juízo Local Criminal de ... – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença proferida no dia 16.12.2015, transitada em julgado no dia 28.01.2016, pela prática, no dia 31.10.2014, de 1 crime de furto, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, acompanhada de regime de prova; posteriormente foi revogada tal suspensão; f) No Processo Comum Colectivo nº 600/15.4..., do Juízo Central Criminal de ... – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por acórdão proferido no dia 21.09.2016, transitado em julgado no dia 21.10.2016, pela prática, no dia 08.11.2015, de 1 crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, com a condição de manter apoio psicoterapêutico e de ser reintegrado no “Projecto Homem” ou numa outra comunidade terapêutica; g) No Processo Comum Singular nº618/15.7..., do Juízo Local Criminal de ... – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença proferida no dia 02.11.2016, transitada em julgado no dia 02.12.2016, pela prática, no dia 18.112015, de 1 crime de detenção de arma proibida, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de €5,00, perfazendo o valor total de €750,00; posteriormente foi tal pena substituída por 149 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade; posteriormente foi tal pena declarada extinta; h) No Processo Comum Singular nº695/16.3..., do Juízo Local Criminal de ... – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença proferida no dia 02.11.2017, transitada em julgado no dia 03.04.2018, pela prática, no dia 11.04.2016, de 4 crimes de furto qualificado, na pena (única) de 5 anos de prisão (efectiva); Posteriormente, por sentença proferida no dia 29.11.2018, transitada em julgado no dia 11.01.2019, procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nesses autos e nos referidos em f), condenando-se o arguido na pena (única) de 5 anos e 9 meses de prisão. Posteriormente, no âmbito do Processo de Liberdade Condicional nº 501/18.4...-A, do Juízo de Execução das Penas ... – Juiz 5, do Tribunal de Execução das Penas do Porto, por decisão proferida no dia 09.09.2022, transitada em julgado no dia 10.10.2022, foi o arguido colocado em liberdade condicional durante o período de tempo que faltava cumprir, isto é, até 08.10.2024, mediante imposições. * Dos factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido AA 41. O arguido AA, à data da prática dos factos sob discussão nos presentes autos, contava com 45 anos de idade. 42. A essa data constituía agregado com a progenitora, a irmã e uma sobrinha, cuja morada (Rua de ... – ... – ...) corresponde à casa daquela. 43. Essa habitação foi indicada pelo arguido e autorizada pelo Tribunal de Execução das Penas do Porto depois de aquele ter beneficiado de liberdade condicional aos 2/3 da pena, a 09.09.2022. 44. Inicialmente a dinâmica familiar era equilibrada e coesa mas, no Verão de 2023, o relacionamento intrafamiliar tornou-se tenso e conflituoso, principalmente com a sua irmã, constituindo-se o comportamento associado ao retorno ao consumo de drogas pelo arguido o principal obstáculo ao restabelecimento de uma relação saudável, com repercussões na saúde da progenitora, com 78 anos de idade e reformada. 45. Logo após ter beneficiado de liberdade condicional, o aludido AA retomou actividade laboral como ... na empresa “O.......”, com sede na sua freguesia de residência, que mantinha à data dos factos. 46. Inicialmente, o seu quotidiano era exclusivamente dedicado ao exercício da sua profissão e auferia um salário de €1.000,00, por mês, valor onde constavam as horas de trabalho extraordinário que fazia aos Sábados. 47. O arguido contribuía com €150,00 para as despesas mensais do agregado familiar. 48. Ao nível familiar, o arguido encontrava-se empenhado na promoção de um relacionamento saudável com a progenitora e irmãos, pretensão que era recíproca por parte destes familiares, durante o período de abstinência por si vivenciada logo após a sua restituição à liberdade. 49. A recaída no consumo de estupefacientes reverteu todo este processo quer ao nível familiar, quer ao nível profissional. 50. À data dos factos mantinha acompanhamento no “Centro de Respostas Integradas” (CRI) – ... onde solicitou ajuda, aquando da recaída no consumo de estupefacientes, tendo-lhe sido prescrita medicação, que na actualidade mantém no EP, assim como consultas pontuais de psiquiatria/psicologia, estando no momento a sua problemática aditiva controlada. 51. O arguido apresenta algumas fragilidades relacionadas com a motivação de manter um quadro de abstinência efectiva e prolongada relativamente à sua problemática aditiva, ao convívio e frequência de locais de risco com pares com idênticas problemáticas e ainda as relações familiares, que neste momento estão deterioradas, apesar de a sua progenitora continuar disponível para lhe dar apoio no futuro. 52. O processo de socialização do mencionado AA decorreu num contexto familiar de condição social modesta, numa dinâmica familiar equilibrada. 53. O progenitor viria a falecer tinha o arguido 21 anos de idade. 54. O percurso escolar do arguido decorreu até ao termo do 9º ano de escolaridade. 55. Optou por candidatar-se à frequência de um curso profissional (técnico de ...) em ..., mas durante o período de tempo em que esteve a aguardar pela existência de uma vaga, surgiu a oportunidade de trabalhar como ..., não tendo retomado os estudos. 56. Os seus tempos livres foram dedicados à prática de ..., modalidade que desenvolveu durante cerca de 10 anos na equipa da “G......”. 57. O identificado AA iniciou-se profissionalmente aos 16 anos de idade numa oficina próxima da residência, denominada “Auto B...” em ..., aí tendo permanecido durante 6 anos. 58. Depois de 2 colegas seus se estabelecerem por conta própria, convidaram o arguido para integrar a nova oficina, denominada “Auto R...”, também sita em ..., onde trabalhou durante 3 anos. 59. Desempenhou funções posteriormente na “A”, em ..., durante 6 anos, sempre como .... 60. O seu percurso laboral foi sempre exercido de forma regular, sendo considerado um bom funcionário. 61. Enquanto profissionalmente activo, o arguido participava nas despesas do agregado com parte do seu salário. 62. Ao nível das suas relações sociais, nunca acompanhou grupos de pares conotados com comportamentos anómalos ou rebeldes ou com percurso criminal. 63. Relacionou-se com amigos de escola ou colegas de trabalho que foi conhecendo ao longo dos vários locais onde desempenhou funções e com quem mantinha relações de amizade. 64. Os progenitores conheciam o seu grupo de amigos, não só por frequentarem a casa de família, como também porque eram todos vizinhos. 65. O arguido envolveu-se no consumo de estupefacientes (haxixe) no período da adolescência, hábito que considerava não interferir no seu quotidiano pessoal e sociofamiliar. 66. No entanto, aos 21 anos, o identificado AA passou a experienciar outras substâncias, designadamente cocaína e álcool, cujo consumo regular junto de um grupo de convívio viria a determinar o envolvimento em práticas marginais e a interferir no seu desempenho profissional. 67. Esta situação contribuiu para o desgaste do relacionamento familiar. 68. Em Abril de 2013 integrou o programa terapêutico do “Projecto Homem”, onde permaneceu até Fevereiro de 2015. 69. O arguido regista anteriores contactos com o aparelho de justiça penal e foi acompanhado pelos serviços da DGRSP no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 66/06.0..., referido em 40. – a). 70. Durante o período de suspensão da execução da pena, o arguido cumpriu adequadamente com as acções do Plano de Reinserção Social. 71. Foi ainda acompanhado numa prestação de trabalho na comunidade (210 horas) que substituiu uma condenação em 7 meses de prisão pala prática de 1 crime por desobediência no âmbito do Processo Abreviado nº55/12.5..., referido em 40. – c). 72. No âmbito do Processo Comum Singular nº695/16.3..., referido em 40. – h), a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado foi revogada, tendo cumprido tal pena e beneficiado de liberdade condicional em Setembro de 2022, com termo previsto para 08.10.2024, tendo sido proferido despacho no dia 23.11.2023 a determinar que os autos aguardem informação sobre o estado dos presentes autos. 73. O arguido contextualiza estes autos numa fase de recaída no consumo de estupefacientes. 74. Manifesta angústia e sofrimento face às repercussões na sua relação com os familiares, que considera como principal impacto decorrente do seu comportamento. 75. O aludido AA, perante a problemática criminal em causa, contextualiza-a numa fase activa e intensa de consumo de estupefacientes, expressando um discurso de vitimização e aparentemente limitador a alterações efectivas de comportamento. 76. Demonstra capacidades para formular juízos críticos adequados e de reconhecer a ilicitude dos comportamentos e da existência de vítimas, assumindo, no entanto, um discurso desculpabilizador assente na problemática da toxicodependência. 77. Mostra-se, contudo, receoso, porque consciente das consequências e da existência de antecedentes criminais, como também das possíveis repercussões na medida de flexibilização da pena de liberdade condicional ainda em curso. 78. A progenitora e irmãos mostram-se emocionalmente agastados com a situação do arguido e actualmente estão indisponíveis para prestar-lhe um apoio consistente. 79. O restabelecimento de laços familiares e apoio de retaguarda está condicionado à capacidade de o arguido efectuar tratamento que recentemente iniciou e à normalização de condutas. 80. Profissionalmente, no futuro, poderá ter alguma facilidade na obtenção de colocação pelo facto de apresentar um percurso laboral regular e ser considerado um bom profissional na área da pintura de automóveis. 81. Em meio prisional tem apresentado um percurso adaptado ao normativo institucional – que bem conhece –, sem incidentes ao nível disciplinar. 82. Esteve a trabalhar na brigada dos sapatos, mas a empresa deixou de fornecer trabalho, pelo que neste momento está desocupado. 83. Não beneficia de visitas dos seus familiares. 84. Encontra-se a ser acompanhado pelos serviços clínicos com toma de medicação prescrita. * 2.1.2. II.2. Factos não provados Não se provaram quaisquer outros factos alegados nos autos ou em audiência de julgamento com interesse para a justa decisão da causa. * 2.1.3. II.3. Motivação A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação de todos os meios de prova produzidos e/ou analisados em audiência de julgamento (cfr. artigo 355º, do CPP), sempre no confronto com as regras gerais da experiência e da norma do artigo 127º, do mesmo diploma legal, que estabelece o princípio da livre apreciação da prova. Importa realçar, desde já, que nesta apreciação não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador. Com efeito, a convicção do tribunal não se funda apenas nos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, linguagem não verbal, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados e coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência dessas mesmas declarações e depoimentos. Como, aliás, se explicita no Acórdão da Relação de Évora, de 24.05.2018, (…) segundo recentes pesquisas neurolinguísticas, numa situação de comunicação presencial, apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra, sendo que o tom de voz e a fisiologia, ou seja, a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder – vide Lair Ribeiro, “Comunicação Global”, Lisboa, 1998, pág. 14 (acessível em www.dgsi.pt/jtre, Processo nº266/14.9GAVNO.E1, relator MARTINHO CARDOSO). A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, funda-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros, mas que não poderá deixar de ser enformada por uma convicção pessoal, que não se confunde, naturalmente, com arbitrariedade. Na verdade, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório (vide CAVALEIRO FERREIRA, Curso de Processo Penal, 1º Volume, 1986, p.211). O mesmo autor afirma que a livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores (vide Curso de Processo Penal, reimpressão, Volume II, 1981, p.298). Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom-senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou, nas palavras de CASTANHEIRA NEVES da liberdade para a objectividade (vide Revista do Ministério Público, 19º-40). Como nota GERMANO MARQUES DA SILVA, a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão (vide Curso de Processo Penal, Volume II, Editorial Verbo, 2008, p.151). Ainda a este propósito, afirma FIGUEIREDO DIAS que (…) [u]ma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há de se, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo – sublinhado nosso (vide Direito Processual Penal, Volume I, Coimbra Editora, 1981, p.202). A motivação de uma convicção deve sempre assentar num processo lógico, que impõe a conjugação de todos os indícios factuais constitutivos do tipo de crime, no sentido da sua conformidade com as regras da lógica, os conhecimentos científicos e as máximas da experiência crítica. Como se escreve no Acórdão do STJ, de 09.02.2012: (…) IX – A necessidade de controle dos instrumentos através dos quais o juiz adquire a sua convicção sobre a prova visa assegurar que os mesmos se fundamentam em meios racionalmente aptos para proporcionar o conhecimento dos factos e não em meras suspeitas ou intuições ou em formas de averiguação de escassa ou nula fiabilidade. Igualmente se pretende que os elementos que o julgador teve em conta na formação do seu convencimento demonstrem a fidelidade às formalidades legais e às garantias constitucionais. X – As regras da experiência, ou regras de vida, como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtêm mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efectuar a generalização. Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária. XI – O princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno. Só este convencimento alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária – quando é este tipo de prova que está em causa – pode alicerçar a convicção do julgador. XII – Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com génese em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova – sublinhado nosso (acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº233/08.1PBGDM.P3.S1, relator SANTOS CABRAL). * Cumpre, também, referir que, como se esclarece no Acórdão da Relação do Porto, de 09.12.2015: (…) [a] lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível (acessível em www.dgsi.pt/jtrp, Processo nº9/14. 7T3ILH.P1, relatora EDUARDA LOBO). E no Acórdão da Relação de Lisboa, de 24.06.2020, salienta-se que (...) [o] exame crítico da prova não exige a exposição descritiva de todas as provas produzidas, nem é necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido, havendo vários. O que se tem de deixar claro é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto, de modo a permitir aos destinatários da decisão e ao tribunal superior uma valoração do processo lógico-mental que serviu de base ao respectivo conteúdo (acessível em www.dgsi.pt/jtrl, Processo nº3902/13.0JFLSB-3, relator JOÃO LEE FERREIRA). * Tendo em consideração tudo quanto vem de expressar-se, passaremos a apreciar, de forma conjugada e crítica, o acervo probatório produzido em audiência de julgamento, em ordem a averiguar se os factos que se discutem resultaram provados ou, ao invés, não lograram merecer adesão de prova. * No caso vertente assumiram relevância as declarações confessórias do arguido AA, que, de forma espontânea, coesa e credível, reconheceu e afirmou ter praticado os factos descritos na acusação pública nas circunstâncias de tempo, lugar e modo aí referidas. O arguido explicou, também, qual era a sua situação de vida à data da factualidade que ora se aprecia, tendo esclarecido que aos comportamentos que empreendeu está subjacente a sua toxicodependência (após um período prolongado de abstinência, seguiu-se uma recidiva por motivos de ordem pessoal, com o que passou a consumir diariamente cocaína, sendo que apesar de exercer uma actividade profissional e de dela retirar mensalmente cerca de €1.000,00, tal montante não era suficiente para sustentar esta sua adição, tendo subtraído bens dos estabelecimentos em causa para trocá-los por droga). A força e a plenitude atribuída a essa confissão, referida no artigo 344º, do CPP, resultou, ainda, reforçada pelo que se alcança da prova pré-constituída, identificada no libelo acusatório, a saber: - o exame pericial de fls.328-330, dos autos principais (serão desses mesmos autos os próximos elementos probatórios); - o auto de notícia do NUIPC nº914/23.0... – Apenso G, a fls.254; - o aditamento a fls.256; - o aditamento a fls. 257; - o cliché fotográfico do arguido a fls.258; - o relatório de inspecção judiciária de fls.314-315; - a reportagem fotográfica de fls.316-318; - o auto de notícia do NUIPC nº810/23.0... – Autos Principais, de fls.3-4; - o relatório fotográfico a fls.5; - a relação de bens fls.7; - a factura a fls.8; - o orçamento a fls.9; - os autos de apreensão de imagens a fls.10 e fls.12; - os autos de visionamento e extracção de fotogramas de fls.16-18 e fls.19-23;- a cópia do auto de notícia do NUIPC nº811/23.9... – Apenso A, de fls.32-33; - a cópia dos autos de visionamento e extracção de fotogramas de fls.34-37 e fls.38-47; - a cópia do relatório táctico de inspecção ocular de fls.48-49; - a cópia do auto de notícia do NUIPC nº816/23.0... – Apenso D, de fls.50-52; - a cópia do relatório de inspecção ocular de fls.54-55;- as cópias dos autos de visionamento e extracção de fotogramas de fls.56-73 e fls.74-90;- a cópia do auto de notícia do NUIPC nº1912/23.9... – Apenso E, de fls.164-166;- o auto de notícia do NUIPC nº1734/23.7... – Apenso F, de fls.292-293; - os aditamentos de fls.295-296; - os fotogramas a fls.307;- a cópia do auto de notícia do NUIPC nº817/23.8... – Apenso C, de fls.91-94; - a cópia do relatório de inspecção ocular de fls.95-96; - as cópias dos autos de visionamento e extracção de fotogramas de fls.99-146; - a cópia do auto de notícia do NUIPC nº818/23.6... – Apenso B, de fls.147-149; - o auto de detenção de fls.151-151/A; - o auto de apreensão de peças de vestuário a fls.163; - o auto de apreensão do veículo QE a fls.12, estas do Apenso E, de onde consta, entre o mais, que o arguido AA foi nomeado fiel depositário, tendo sido (...) intimado de que a sua utilização o fará incorrer em crime de desobediência...; e - a transacção efectuada com a ofendida/demandante CC e a sua homologação judicial (cfr. referências nºs......28 e .......68).Cumpre, ainda, referir que a validade da confissão do arguido, mais concretamente a sua integralidade e incondicionalidade, não foi posta em causa por nenhum sujeito e/ou interveniente processual. * No que concerne aos factos que respeitam ao foro volitivo do arguido AA, insusceptíveis de percepção sensorial, importa salientar que, conforme ensina GERMANO MARQUES DA SILVA, na valoração da prova intervêm deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, sendo certo que se as inferências não dependem substancialmente da imediação, terão de basear-se na correcção do raciocínio, o qual se alicerçará nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (vide Curso de Processo Penal, Volume II, p. 127). A prova do elemento subjectivo, por pertencer ao mundo interior do agente, é, pois, indirecta, devendo ser extraída dos demais elementos existentes nos autos e das regras da normalidade e da experiência comum. Como se escreve no acórdão da Relação de Coimbra, de 23.05.2012: (…) tratando-se de factos de ordem subjectiva (do mundo dos pensamentos e das representações mentais do agente: os seus conhecimentos e intenções) são insusceptíveis de prova directa, havendo que retirar a convicção da sua verificação da análise dos factos objectivos praticados à luz das regras da experiência comum (acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº630/09.5TACNT.C1, relatora MARIA PILAR OLIVEIRA).Deste modo, em relação ao elemento subjectivo do tipo legal de crime em apreço nos autos, o mesmo ou é revelado pelo próprio arguido, através da confissão (vide o acórdão da Relação de Évora, de 14.07.2015 (acessível em www.dgsi.pt/jtre, Processo nº27/14.5PTEVR.E1, relator ALBERTO BORGES), ou então tem de ser inferido de factos objectivos que sejam suficientemente idóneos para a sua demonstração. No caso decidendo, a convicção do tribunal formou-se em virtude da conjugação da atitude desenvolvida pelo arguido AA com as consequências que, segundo é adequado e esperado – atentas as regras da experiência –, dela decorrem, podendo concluir-se, com segurança – até porque assim o confessou –, que, não obstante saber que os comportamentos que adoptou eram proibidos e punidos por lei como crime, agiu sempre de modo deliberado, livre e consciente, nos moldes que, neste âmbito, se tiveram como provados e que, aqui, temos por integralmente reproduzidos, por brevidade de exposição, sendo certo que a intenção que presidiu à sua actuação também resulta da materialidade objectiva dos demais factos que se tiveram por demonstrados. * A convicção do tribunal quanto aos antecedentes criminais do arguido resultou do que se extrai do respectivo Certificado do Registo Criminal (cfr. referência nº....53). * No que respeita às condições pessoais, familiares, profissionais, económicas e sociais do mencionado AA, atendeu-se ao que avulta do respectivo relatório social (cfr. referência nº...32), que se mostra cabalmente fundamentado e com indicação expressa das respectivas fontes, sendo certo que o seu teor não foi impugnado pelo arguido. * A não demonstração dos factos não provados resultou, sempre sem prejuízo do exposto em sede de motivação dos factos provados, de, sobre os mesmos, não se ter logrado fazer prova (documental e/ou testemunhal), tendente a permitir concluir pela sua verificação, de acordo com o supra referido princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º, do CPP. 2.2. Direito 2.2.1. É pelas conclusões que se afere o objecto do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP). O recurso tem por objeto um acórdão proferido pelo tribunal colectivo, no Juízo Central Cível e Criminal de ...-J, que condenou o arguido recorrente na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 6 crimes de furto qualificado, 1 crime de furto qualificado na forma tentada e 1 crime de desobediência. 2.2.2. Levando em conta as conclusões dos arguidos recorrentes, são questões a decidir, as seguintes: -extinção da responsabilidade criminal e/ou atenuação especial da pena (e a violação dos art.º 206º, n.º 1, e art.º 72º, n.º 1 e 2, al. c), do Código Penal); -medida das penas, parcelares e única, (a valorização da confissão, arrependimento, toxicodependência, reparação e acordo de reparação de dois crimes, e violação dos art.º 40º e 71º, ambos do Código Penal). 2.2.2.1. Extinção da responsabilidade criminal. Entende o recorrente que em virtude de ter reparado os danos causados em relação a um dos crimes – Apenso G -, em que é lesado o Grupo Desportivo Recreativo e Cultural ..., deveria “ter sido declarada extinta a responsabilidade criminal no âmbito deste Apenso G”, nos termos do disposto no art.º 206º, n.º 1, do Código Penal. Com a revisão do Código Penal de 2007, operada pela Lei 8/2012, de 03.03, em vigor desde 01.05.2007, o legislador alterou o art.º 206.º, dando nova redacção ao n.º 1, que prevê, como efeito da restituição da coisa ou animal furtado, ou da reparação dos prejuízos causados, a extinção da responsabilidade criminal para alguns crimes de furto qualificado. O legislador de 2007, como referem Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa1, “limitou a possibilidade de exclusão da responsabilidade criminal aos casos em que o interesse tutelado tinha uma expressão vincadamente individualizada deixando de fora da “negociação” as situações de qualificação que tomam como objecto de protecção interesses complexos ou poliédricos” … A nota distintiva do novo regime refere-se antes à titularidade eminentemente individual do bem jurídico. … a que está ainda associada da parte do arguido uma ideia de diminuição da necessidade da pena.” Tal consequência jurídica só terá lugar, no entanto, se se verificar a concordância do ofendido e do arguido, sem dano ilegítimo de terceiro e até à publicação da sentença de 1ª instância. Dispõe, então, o n.º 1 do art.º 206º, do Código Penal, sob epigrafe restituição ou reparação, que, nos casos previstos nas alíneas a), b) e e), do n.º 1, da alínea a), do n.º 2 do artigo 204º e no n.º 4 do artigo 205º, extingue-se a responsabilidade criminal mediante a concordância do ofendido e do arguido, sem dano ilegítimo de terceiro, até à publicação da sentença da 1ª instância, desde que tenha havido restituição da coisa ou do animal furtados ou ilegitimamente apropriados ou reparação integral dos prejuízos causados – n.º 1. São, assim, pressupostos da aplicação do regime estabelecido pelo n.º 1 do art.º 206º, e no que aqui releva, (i)a limitação a alguns tipos de furto de natureza pública, a que se referem as alíneas a), b) e e), do n.º 1 e alínea a), do n.º 2, do art.º 204º, do CP, (ii)o acordo entre o ofendido e o arguido, (iii)a reparação ou restituição sem dano ilegítimo de terceiro, (iv)a reparação ou restituição deverão estar feitas até à publicação da sentença da 1ª instância, (v)a restituição da coisa ou animal ou a reparação integral dos prejuízos causados2. Concretizando, necessário é, para aplicação do disposto neste preceito legal, que o crime de furto tenha sido qualificado em consequência da verificação das circunstâncias de (i)a coisa móvel ou animal furtado, ser de valor elevado – al. a) -, (ii)estar colocada ou ser transportada em veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtração tenha lugar na estação, gare ou cais – al. b) -, ou (iii)estar fechada em gaveta, cofre ou outro recetáculo equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança – al. e), todas do n.º 1, do art.º 204º -, e (iv)de valor consideravelmente elevado – al. a) do n.º 2 do mesmo artigo. Ora neste caso no Apenso G, NUIPC nº 914/23.0..., o recorrente foi condenado, como autor material, na forma consumada, da prática de 1 crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alínea d), todos do CP, (na pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão). Ou seja, pela verificação da circunstância de penetração em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas – alínea e) do n.º 2 do art.º 204º, por referência ao artigo 202º, alínea d), ambos do CP, e não pelas circunstâncias agravantes referidas nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e alínea e) do n.º 2, do art.º 204º do CP. Assim, não seria possível declarar extinta a responsabilidade criminal por não se verificar, desde logo, o primeiro dos pressupostos de aplicação deste regime legal previsto pelo n.º 1 do art.º 206º do CP, mesmo que se verificassem os demais. Não sendo violado o disposto neste preceito legal. 2.2.2.2. Atenuação especial da pena. Mais conclui e pede o arguido recorrente que, por ter chegado a acordo com a legal representante do lesado “Café ...” – Apenso F -, deveria ter sido especialmente atenuada a pena no âmbito deste Apenso F. Para além da cláusula geral, nos termos do disposto nos art.ºs 72º e 73º do Código Penal, prevê a Lei, expressamente, outros casos de atenuação especial da pena, como nos n.ºs 2 e 3 deste art.º 206º do Código Penal. Do ponto de vista politico-criminal quer a restituição da coisa ou do animal quer a reparação do dano integrais devem constituir casos exemplares de atenuação especial, sobretudo pela “via da prevenção, nomeadamente, quando ligada à categoria de necessidade de pena”3. Como efectivamente o são também em termos gerais como previsto na al. c) do n.º 2 do art.º 72º, do Código Penal. Dispõe o n.º 2 do art.º 206º do Código Penal, que, quando a coisa ou animal furtados ou ilegitimamente apropriados forem restituídos, ou tiver lugar a reparação integral do prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1ª instância, a pena é especialmente atenuada. São pressupostos de aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 206º do CP, (i)a limitação a alguns tipos de furto de natureza pública, a que se referem as alíneas a), b) e e), do n.º 1 e alínea a), do n.º 2, do art.º 204º, do CP, (ii)a reparação ou restituição sem dano ilegítimo de terceiro, (iii)a reparação ou restituição deverão estar feitas até ao inicio da audiência de julgamento em 1ª instância, (iv)verificar-se a restituição da coisa ou animal ou a reparação integral dos prejuízos causados. Ora o arguido recorrente, neste Apenso F, (NUIPC nº1734/23.7...), foi condenado como autor material, na forma consumada, da prática de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e), por referência ao artigo 202º, alínea d), todos do CP, (na pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão). Ou seja, do mesmo modo, pela verificação da circunstância de penetração em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas – alínea e) do n.º 2 do art.º 204º, por referência ao artigo 202º, alínea d), ambos do CP, e não pelas circunstâncias agravantes referidas nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e alínea e) do n.º 2, do art.º 204º do Código Penal. Assim, não seria possível atenuar especialmente a pena, por não se verificar, do mesmo modo, o primeiro dos pressupostos de aplicação deste regime legal previsto pelo n.º 2 do art.º 206º do Código Penal, mesmo que se verificassem os demais. Não sendo, também, violado o disposto neste preceito legal. E o mesmo aconteceria, ainda, se a restituição ou reparação forem parciais – n.º 3 do art.º 206º do Código Penal. 2.2.2.3. Atenuação especial da pena nos termos do art.º 72º do CP. Mais alega, ainda, o recorrente que, não sendo possível a extinção da responsabilidade criminal, como efeito da reparação dos danos, deveria, “no limite ser especialmente atenuada a pena”, atento o disposto no art.º 72º, n.º 2, al. c) do Código Penal. Efectivamente, para além dos casos expressamente previstos na lei (como no art.º 206º, n.º 2), encontra-se, ainda, dedicada na parte geral do Código Penal, uma cláusula geral de atenuação especial da pena, nos artigos 72º e 73º do mesmo diploma legal. Dispõe o art.º 72º do Código Penal, sob a epígrafe atenuação especial da pena que: 1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou comtemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. 2. Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: … c) ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe for possível, dos danos causados; … Não sendo possível a atenuação especial prevista no art.º 206º, n.º 2 do Código Penal, poderia ainda ser tomada em conta nos termos deste artigo 72º do mesmo diploma legal. O que aliás, podia ainda acontecer mesmo que o juiz concluísse pela atenuação especial da pena com base no disposto no n.º 2 do art.º 206º do Código Penal, conquanto que não fosse violada a “proibição da dupla valoração” – art.º 72º, 3 do mesmo diploma legal4. Só podendo ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo – n.º 3. A matriz da atenuação especial da pena encontra justificação na acentuada diminuição da ilicitude do facto, de culpa do agente ou de necessidade da pena. Só em casos extraordinários ou excepcionais a atenuação especial da pena deverá ter lugar, ou seja, em situações em que seja de concluir que a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro da moldura penal abstrata prevista para o tipo legal em causa5. Para casos ditos “normais” lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios6. Por isso a jurisprudência tem sido sóbria ou mesmo rigorosa na aplicação do disposto no art.º 72º do Código Penal. Fora dessa referida diminuição acentuada, essas circunstâncias podem sempre relevar como atenuantes gerais, mas não alteram já a pena abstracta prevista para o crime. “Só por si, o ressarcimento dos danos não constitui obrigação legal de atenuação especial da pena, se não se verificar aquela diminuição acentuada da ilicitude do facto, de culpa do agente ou de necessidade da pena”7. Neste caso, faltam as circunstâncias excepcionais, pois que embora o arguido recorrente tenha reparado um dos crimes cometidos e acordado a reparação de um segundo, o que é certo é que cometeu 7 (sete) crimes de furto, sendo um na forma tentada, mas que causou danos, estando, por isso, 5 (cinco) por reparar. Além disso cometeu estes crimes para poder satisfazer a dependência que tem de consumo de estupefacientes. O que é dizer que enquanto se não libertar desta dependência e abandonar definitivamente estes seus comportamentos aditivos, a causa próxima da acção criminosa está sempre presente e pode motivá-lo a delinquir de novo. Além disso o dolo foi directo e a necessidade de prevenção geral é elevada, sendo a pena necessária para revalidar a ordem jurídica violada. Os factos, pelo arguido, alegados não se ajustam, portanto, aos requisitos que a lei prevê para a atenuação especial da pena pretendida pelo recorrente, improcedendo o recurso nesta parte. A reparação pode sempre relevar como atenuante geral, como aqui se verifica, pois, como faz notar o Ministério Publico na resposta ao recurso tal circunstância foi levada em conta na pena aplicada, sendo condenado pela prática destes dois crimes nas penas de 2 anos e 6 meses e sendo nos demais condenado na pena de 2 anos e 10 meses. Na verdade, o acórdão recorrido aplicou, no caso, o disposto no art.º 71º, 2, e) do Código Penal na determinação da pena (v. fls. 91 do acórdão recorrido). E, embora não fazendo referência à atenuação especial, o que não se entende ter sido devido a omissão, já que a decisão recorrida ao valorizar essa circunstância como idónea a diminuir o quantitativo da pena nestes casos, quando comparado com os demais, leva a entender que a não considerou apta a atenuar especialmente a pena, face ao demais circunstancialismo. Não foi violada qualquer norma legal, nomeadamente o art.º 72º, n.º 1 e 2 al. c) do Código Penal, como alega o recorrente. 2.2.2.4. Determinação e medida das penas parcelares e pena única. a).Alega o recorrente que a medida das penas se mostra excessiva, “quer as penas parcelares quer a(s) pena(s) única se apresentam exageradas, excessivas, desproporcionadas e desadequadas face aos fins que dogmaticamente as fundamentam e face aos factos, à idade, personalidade e percurso de vida do arguido”. Conclui pelo exagero das penas, (conclusões 12, 18, 19, 20, 21, 26 e 27), não considerando o acórdão recorrido, como refere, a confissão, (conclusões 3 e 4), o arrependimento (conclusão 6), que só delinquiu para poder financiar o consumo de estupefacientes de que depende (conclusões 5, 6, 7, 8 e 9), a situação laboral anterior, como ... (cls. 8 e 9), que tem apoio familiar. Assim acha excessivas as penas de prisão parcelares em que foi condenado nos Apensos A, D, C, E e B (conclusões 26 e 27), e a pena única em que foi condenado em cúmulo (conclusão 28). Entendia que devia ser condenado em pena de prisão de 5 anos e suspensa na sua execução (cls. 28, 29 e 30). b).Em relação aos Apensos G (cls. 10, 12, 13, 14, 15, 16, 22, 23 e 24) e F (cls. 11, 12, 17, 22 e 25), foi já analisada a factualidade, concluindo-se pela bondade das penas aplicadas. c).Em relação às demais, diga-se que, como se lê no sumário do acórdão do STJ de 19.05.20218, “a sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Mantendo sempre o recurso o seu arquétipo de “remédio jurídico”, constatando-se que o acórdão recorrido cumpre, correctamente, as exigências de fundamentação de facto e de direito em matéria de pena, fazendo-o relativamente a cada pena parcelar aplicada, justificando-a(s) individualmente, e fazendo-o depois relativamente à pena única, procedendo à apreciação autónoma da pena aglutinadora, é de concluir que inexistem razões que devam conduzir à correcção da medida da pena única no sentido pretendido pelo arguido.” O que se verifica neste caso, pois o acórdão recorrido “cumpre, correctamente, as exigências de fundamentação de facto e de direito em matéria de pena, fazendo-o relativamente a cada pena parcelar aplicada, justificando-a(s) individualmente, e fazendo-o depois relativamente à pena única, procedendo à apreciação autónoma da pena aglutinadora”. d).Na verdade, em relação às demais, contrariamente ao que alega o recorrente, considerou o acórdão recorrido a confissão, o arrependimento refletido na vontade de reparar os prejuízos, a dependência do consumo de estupefacientes as condições de vida do arguido anteriores e posteriores à prática dos crimes cometidos. Assim aconteceu para encontrar as penas de fls. 78 a 92 do acórdão recorrido, donde se destaca que, depois de identificar anteriores condenações, considerou o acórdão recorrido que “as condenações supra identificadas” (anteriores condenações) – “algumas pela prática de crimes da mesma natureza daqueles sob censura nos presentes autos – não lhe serviram, porém, de suficiente advertência para obstar ao cometimento de novos actos delinquentes, designadamente, de novos crimes de furto e de desobediência, o que acentua as exigências de prevenção especial a fazer impender sobre o aludido AA. Acresce que praticou os factos dos presentes autos durante o período em que se encontrava em liberdade condicional (cfr. decisão do Juízo de Execução das Penas do Porto – Juiz 5, do Tribunal de Execução das Penas do Porto datada de 09.09.2022 e transitada no dia 10.10.2022), que perduraria até 08.10.2024. … É esta toxicodependência que está na base da sua desorganização pessoal e familiar, instabilidade profissional e contacto frequente com o sistema de justiça penal. Em face do exposto, é essencial que o arguido se empenhe em debelar essa sua adição, sendo certo que, como se mencionou supra, encontra-se actualmente abstinente do consumo de substâncias estupefacientes, a que não é alheio, todavia, o facto de estar preso preventivamente, beneficiando de acompanhamento psiquiátrico, com toma de medicação prescrita. No EP o arguido apresenta um percurso adaptado ao normativo institucional, sem incidentes ao nível disciplinar. O identificado AA demonstra capacidades para formular juízos críticos adequados e de reconhecer a ilicitude dos seus comportamentos e da existência de vítimas. A capacidade do arguido para reconhecer o desvalor da sua conduta nos crimes que se discutem mostra-se, também, reflectida na confissão que fez dos mesmos em sede de audiência de julgamento e no arrependimento manifestado, com o que revelou juízo crítico na assunção da respectiva responsabilidade (cfr. artigo 71º, nº2, alínea e), do CP). … A favor do arguido depõe, ainda, o pedido de desculpas que dirigiu aos ofendidos e a vontade que expressou em indemnizá-los, sendo que em julgamento: [i] acordou com o legal representante do “Grupo Desportivo Recreativo Cultural ...” entregar-lhe €300,00 pelos prejuízos sofridos; e [ii] acordou com a legal representante do estabelecimento comercial denominado “N... .....” pagar-lhe €1.500,00 pelos prejuízos sofridos (cfr. artigo 71º, nº2, alínea e), do CP). À data dos factos em apreço nos autos, o arguido contava com 45 anos de idade. * Face ao exposto, não obstante a conduta do arguido AA merecer um juízo ético-jurídico de censura, considera-se que retomará uma atitude fiel ao Direito, pelo que se julga justo, adequado e equitativo concluir que merece uma censura penal concreta que, não ultrapassando a medida da culpa e observando as finalidades e limites da prevenção geral e as necessidades de prevenção especial”. Donde se vê que a confissão, o arrependimento refletido na vontade de reparar os prejuízos, a dependência do consumo de estupefacientes as condições de vida do arguido anteriores e posteriores à prática dos crimes cometidos foram consideradas na determinação das penas encontradas, aliás, próximas do mínimo legal, que se mostram justas, equilibradas e proporcionais, não merecendo reparo. e).O mesmo acontecendo na determinação da medida da pena única. Para tal devem considerar-se os “critérios gerais” a que se referem os art.º 40º e 71º do Código Penal, bem como aplicar-se os “critérios especiais” fixados no art.º 77º do mesmo diploma legal. “Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes, adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou”8. Assim, em termos gerais, obtida a moldura penal, há a considerar no processo de determinação da medida concreta da pena as finalidades da punição, constantes do art.º 40.ºdo Código Penal, e os comandos para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, a que se refere o art.º 71º do CPP. “Como critério especial, rege o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sobre as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), dispondo que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção atrás mencionados (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, e como critério especial, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração. Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas, familiares e sociais, como a sua inserção na sociedade na comunidade em que reside e a situação laboral, reveladoras das necessidades de socialização, a receptividade das penas, a capacidade de mudança em consequência, a suscetibilidade de por elas ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta licita”9. Vem sendo jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, em termos gerais, mas também, especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento. Aliás, “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só, uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”, como ensina o Prof. Figueiredo Dias10. O que serve para dizer que também no caso de concurso superveniente de crimes, depois de calculada e indicada a moldura penal abstrata do concurso, é dentro desta, que se determina a espécie (sendo caso disso) e medida concreta da pena única a aplicar. Quanto à personalidade do arguido como já dito, importa sobretudo verificar se o conjunto dos factos pode reconduzir-se a apetência para a prática de crimes ou apenas uma pluriocasionalidade, que não assenta, não é reflexo da personalidade. Em tudo deve ainda considerar-se “o princípio da proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta. O modelo do Código Penal é de prevenção. A pena deve servir finalidades exclusivamente de prevenção geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, não podendo ultrapassá-la”11. A decisão recorrida fez adequada avaliação da situação valorizando devidamente tudo o que era favorável ao arguido. E, lendo a fundamentação da medida concreta da pena única verifica-se, ainda, que se mostra justificada esta pena que lhe foi imposta. O que faz de fls. 92 a 99, de onde se destaca que “relativamente à personalidade unitária do arguido, o mesmo demonstra capacidades para formular juízos críticos adequados e de reconhecer a ilicitude dos seus comportamentos e da existência de vítimas. Tanto assim é que, de forma livre, integral e sem reservas, confessou os factos por que vinha acusado, manifestou arrependimento pela sua prática, dirigiu um pedido de desculpas aos ofendidos e afirmou pretender ressarci-los dos prejuízos que sofreram. No contraponto, porém, é imprescindível que aquele AA abandone um discurso desculpabilizador e de vitimização, assente na problemática da toxicodependência, pois que só assim logrará implementar as alterações que se impõe que realize no seu percurso de vida.” Também aqui foram consideradas, a confissão o arrependimento e a toxicodependência, além do mais. O recorrente discorda da avaliação que foi feita, nomeadamente do quantitativo das penas únicas em que foi condenado e da respectiva justificação. Tem diferente opinião, o que não significa falta ou insuficiente fundamentação, ou exagero nos montantes encontrados, apenas diferente valoração. A moldura abstrata situa-se entre entre 2 anos e 10 meses e 18 anos e 3 meses de prisão. O ilícito de conjunto, abarca sete crimes de furto qualificado, sendo um na forma tentada e um crime de desobediência. São crimes que atentam contra a propriedade e o património de terceiros e contra a autoridade do Estado, a ordem e paz públicas. Os factos ocorreram num curto período de tempo, mais concretamente cerca de 1 (um) mês (entre os dias 28-29.09.2023 e 29.10.2023) e durante o período em que se encontrava em liberdade condicional, como, aliás, pode ler-se no acórdão recorrido. Com os crimes de furto o arguido auferiu a vantagem económica global de 2.986,60 euros. Considerando a moldura do concurso de 2 anos e 10 meses a 18 anos e 3 meses, de prisão a pena aplicada de 7 anos e 6 meses de prisão está dentro daqueles parâmetros que vimos referindo e em consonância com a jurisprudência deste Tribunal para casos semelhantes12. É, por isso, equilibrada, proporcional e ajusta-se aos critérios emergentes dos art.ºs. 40º, 71.º e 77.º, n.º 1, parte final, todos do Código Penal, não se justificando a intervenção corretiva deste Tribunal. Improcede, pois, o recurso do arguido, também, nesta parte, não sendo violadas quaisquer normas legais, nomeadamente, as referidas, dos artigos 40.º e 71.º, 72º, n.ºs 1 e 2 al. c), 77º e 206º, n.º 1, todos do Código Penal. 3. Decisão. Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, acorda em: - negar provimento ao recurso do arguido AA, confirmando, antes, a decisão cumulatória recorrida. - condenar em custas o arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs - art.º 513º n.º 1 e 3 do CPP, art.º 8º, n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. * Lisboa, 20 de Novembro de 2024 António Augusto Manso (relator) Horácio Correia Pinto (Adjunto) José A. Vaz Carreto (Adjunto) * _______ 1-Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo II, vol. I, 2ª edição, p. 148, Gestlegal, Coimbra. 2-Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, ob. cit. p. 141. 3-AA. e ob. cit. p. 140. 4-Idem, p. 148. 5-Ac. do STJ de 21.02.2024, proferido no processo n.º 453/22.6JAVRL.S1, in www.dgsi.pt. 6-Ac. do STJ de 24.02.2022, proferido no processo n.º 134/21.8JELSB.L1.S1, in www.dgsi.pt. 7-Ac. do STJ de 21.02.2024, proc. n.º 453/22.6JAVRL.S1, in www.dgsi.pt. 8-Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. n.º 36/20.5GCTND.C1.S1, www.dgsi.pt 9-Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248 e segs, e o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S, e de 16.2.2022, Proc.160/20.4GAMGL.S1, www.dgsi.pt, citados no ac. do STJ de 21.02.2024, proc. 1553/22.8PBPDL.L1.S1. 10-Citado no Ac. do STJ de 25.09.2024, proferido no proc. 3109/24.1T8PRT, 3ª secção, e v. ainda, o acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada 11-ac. do STJ de 06.01.2021, proferido no proc. n.º 634/15.9PAOLH.S2, in www.dgsi.pt 12-v. para alem do citado ac. do STJ de 06.01.2021, proferido no proc. n.º 634/15.9PAOLH.S2, in www.dgsi.pt, os acs. de 11.03.2020, proc. 15/15.4JACBR.2.S1, de 24.03.2021, proc. 536/16.1GAFAF.S1, de 15.09.2021, proc. 3656/20.4T8VIS.C1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt. |