Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
776/21.1T8LOU-B.P2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 10/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
A arguição de nulidades do acórdão recorrido, ao abrigo do artigo 615.º do Código de Processo Civil é um meio processual absolutamente impróprio para que o reclamante exprima a sua discordância em relação àquilo que foi decidido.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Reclamantes: AA e BB

Reclamada: Ares Lusitani Stc, SA.

I. — RELATÓRIO

1. Em 17 de Março de 2021, Ares Lusitani Stc, SA., propôs acção executiva para pagamento de quantia certa contra CC, DD, AA e BB.

2. AA e BB opuseram-se à execução, através de embargos do executado.

3. A Exequente Ares Lusitani Stc, SA., contestou, pugnando pela improcedência dos embargos deduzidos.

3. O Tribunal de 1.ª instância julgou totalmente procedentes os embargos.

4. Inconformada, a Exequente Ares Lusitani Stc, SA., interpôs recurso de apelação.

5. O Tribunal da Revogação julgou parcialmente procedente o recurso,

“[decidindo] que a quantia exequenda tem o valor, a título de capital, de 139 530,49 EUR, acrescida de juros moratórios, à taxa de 4% e remuneratórios, à taxa de 3,5%, vencidos desde 23/04/2015 até 23/04/2018”.

6. Inconformadas, as Executadas / Embargantes AA e BB interpuseram recurso de revista.

7. A Exequente Ares Lusitani Stc, SA. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

8. Em 18 de Junho de 2024. o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão negando provimento ao recurso interposto pelas Executadas / Embargantes.

9. Inconformadas, as Executadas / Embargantes AA e BB vêm agora reclamar do acórdão proferido em 18 de Junho de 2024.

10. Finalizou a sua reclamação com as seguintes conclusões:

I. — Em 31/03/2023, é proferida Sentença pelo Tribunal a quo […]

II-Inconformada com a Douta Sentença proferida, interpôs a Embargada/Exequente o competente recurso de Apelação.

III- — É então prolatado o Douto Acordão, de que se recorre. […]

V — Resulta da fundamentação supra transcrita, que a Relação alterou oficiosa mente a matéria de facto vertida na alínea B), considerando que esta não podia manter-se como não provada, pelo facto de as partes estarem de acordo em que ocorreu o recebimento da quantia mutuada tal como alegado pela exequente (artigo 9.º do requerimento executivo) e como consta no contrato, verificando- se indevida aplicação de direito probatório material pelo tribunal recorrido ao dar como assente facto que não o podia dar pelas regras da prova.

VI. — Mas estão as partes de acordo, tal como entendeu o Tribunal da Relação, em que ocorreu o recebimento da quantia mutuada, como consta do contrato ?

A posição tomada pelas Embargantes, revela que não, como se constata do artigo 53º dos Embargos de Executado e do teor de todos os articulados que se lhe seguiram:

“Na verdade, sendo a exequibilidade do título uma característica inerente ao próprio título, é forçoso que ele contenha todos os elementos que permitam definir e demonstrar, com rigor, os termos e montante da obrigação exequenda; pelo que, teria o contrato de mutuo de ser complementado por extractos de conta corrente, demonstrativos da concretização das operações subsequentes de disponibilização do capital à mutuária e pagamentos parcelares efetuados, datas de vencimento, valores de capital em dívida, valores de juros remuneratórios vencidos, valores de juros de mora e compensatórios e respetivo imposto de selo. É através do documento complementar, para este tipo de contrato, que se liquida a dívida e fixa a sua exegibilidade.”,

não podendo ter o incumprimento da impugnação deste facto como consequência, a sua confissão ou aceitação, mesmo que genérica, não existindo qualquer acordo expresso das partes.

VII -Também a Escritura Pública denominada de Mútuo com Hipoteca e Fiança, junta aos autos, não demonstra a creditação da quantia que o mutuante se obrigou a emprestar. Note-se que uma coisa é o documento fazer prova plena da declaração, outra coisa é a prova da realidade do facto declarado, sendo certo que as executadas/embargantes não foram parte interveniente na aludida escritura, e daí não poderem retirar-se efeitos confessórios, em relação à última, mesmo no que concerne à entrega/recebimento pelo mutuante à mutuária (cfr. artº. 358º, nº. 2 - a contrario - do C. Civil).

VIII -Além de que, tal como se extraí desta mesma escritura,“(…). A primeira outorgante, aceita o empréstimo e confessa-se, desde já, devedora de todas as quantias que do Banco recebeu e ainda venha a receber a título deste empréstimo e até ao montante do mesmo…”, pelo que, estamos perante a constituição de obrigações futuras.

IX- Assim sendo, esta escritura de mutuo desacompanhada como está de outros documentos que a complementem, não permite ter certezas quanto ao montante real do empréstimo, bem como à quantia que do mesmo efetivamente estará em dívida.

X- Não tendo o exequente, nem no requerimento executivo, nem posteriormente, procedido à junção aos autos de documentação demonstrativa de que a obrigação foi constituída na sequência da previsão contemplada na escritura e que a devedora, não cumpriu, em determinado momento, com o acordado.

XI- Pelo que, jamais poderiam as Embargantes estar de acordo, com o facto de ter ocorrido o recebimento da quantia mutuada.

XII- Constatando-se pois, a existência de um erro de procedimento consistente na violação do disposto no citado art. 662º, do CPC., cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto no artigo 674º, nº 3 do Código de Processo Civil, sindicar a decisão do Tribunal da Relação no tocante a factos que foram da dos como provados por este tribunal.

XIII- Isto porque, o Tribunal da Relação não podia alterar, oficiosamente, a decisão da matéria de facto da decisão do Tribunal de 1ª Instância relativamente a este ponto de facto não impugnado, tendo havido um uso indevido pela Relação dos poderes relativos à alteração da matéria de facto.

XIV- Exerceu assim o Tribunal da Relação os poderes de modificabilidade da decisão de facto, fora do domínio de aplicação dos arts. 640º e 662º do CPC, e, desse modo, violado a lei processual que estabelece os pressupostos e os fundamentos em que se deve mover a reapreciação da prova. Fez-se, claramente, no acórdão recorrido um mau uso dos poderes conferidos pelo citado art. 662º, na medida em que não podia a Relação proceder, oficiosamente, à alteração da resposta negativa dada pelo Tribunal de 1.ª instância à factualidade vertida na alínea B) dos factos dados como não provados e responder afirmativamente e esta mesma factualidade.

XV- Nesta conformidade e porque estamos perante uma violação da lei de processo sujeita à censura deste Supremo Tribunal, impõe-se, na revogação do decidido, eliminar a resposta afirmativa dada no acórdão recorrido à sobredita factualidade, mantendo-se a resposta negativa dada pelo Tribunal de 1ª instância.

XVI- Diz também o Acordão recorrido que,

B). Dos requisitos do título executivo.

(…)”Mais referiu que no título se convencionavam prestações futuras ou a constituição de obrigações futuras, o que, na nossa opinião, não é o caso.”

XVII- Só que é o caso. Ao contrário do que menciona o Acordão recorrido e conforme se referiu anteriormente, resulta do teor da escritura de Mutuo que,

“(…). A primeira outorgante, aceita o empréstimo e confessa-se, desde já, deve dora de todas as quantias que do Banco recebeu e ainda venha a receber a título deste empréstimo e até ao montante do mesmo…”,

Pelo que, no título se convencionam prestações futuras ou a constituição de obrigações futuras, e deveria ter sido acompanhado de documento complementar, para que fosse este suficiente.

XVIII- A Sentença proferida em primeira instância não é assim susceptivel de qualquer critica ou reparo.

XIX- Ainda e quanto à liquidez, diz o Acordão recorrido:

“…já referimos que a quantia exequenda é líquida; outra questão é averiguar se os valores liquidados pelo exequente são devidos e, no caso, garantidos pelo património da executada

A correção que o tribunal recorrido ordenou ao exequente terá visado, na nossa perspetiva, um esclarecimento sobre o modo como o exequente calculou o montante que estava em dívida não só para as executadas poderem contraditar devidamente o que é peticionado como para o tribunal poder apreender de modo mais correto e amplo o que efetivamente está em causa e assim poder decidir. Não estava em causa a liquidez da obrigação exequenda mas antes o modo como se atingia o valor liquidado, de forma a que, em julgamento (se necessário) se concluísse se o valor exequendo estava correto ou, pelo contrário, haveria que corrigi-lo, na decisão.”

XX - Acontece que, na verdade, a correção que o tribunal da Relação ordenou ao exequente terá visado, sim, a liquidação da obrigação exequenda, por estar em causa a sua liquidez, contrariando o vertido no presente acórdão recorrido, que refere não encontrar qualquer vício quanto à obrigação exequenda.

XXI - Conforme se pode constatar do teor da Sentença, proferida em 1ª. Instância, a correção que o tribunal recorrido ordenou ao exequente, tem origem no Acordão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto – 2ª Secção, em 04/05/2022, neste mesmo processo executivo, com o mesmo requerimento executivo e título, mas no Apenso A (Embargos deduzidos pelo executado CC)- Proc.nº776/21.1T8LOU-A.P1, já transitado em julgado, e que diz: (…) “2.2.3.No caso que nos ocupa, a Exequente limitou-se, com o requerimento executivo, a juntar a dita escritura de mútuo com hipoteca e fiança, desacompanhada de qualquer documento complementar, tendente a fazer prova, nos termos do cit. art.50.º.

Por seu turno, em sede da presente oposição mediante embargos, o Executado CC invocou a falta de certeza e exigibilidade da obrigação exequenda, em face dos documentos dados à execução.

Por requerimento de 17.06.2021, a Embargada veio juntar aos auto “extrato de conta”, conforme havia protestado fazer em sede de contestação (Ref.ª Citius ......3).

Aquele documento foi objeto de impugnação pelo Embargante, pondo em causa o respetivo conteúdo e alcance probatório do mesmo, tendo ainda solicitado ao Tribunal a notificação da Embargada para esclarecer certos aspetos relacionados com a amortização da dívida, bem assim para juntar documentos complementares, tudo com o intuito “de se aferir, com algum grau de razoabilidade, a que é que se refere a quantia exequenda peticionada pela Exequente, nomeadamente quanto a capital e juros de mora”.

O Tribunal a quo “ignorou” aquela pretensão do Embargante e logo, em sede de audiência prévia, assumiu a decisão agora sob recurso.

Nestas circunstâncias, julgamos que a obrigação exequenda, à luz dos documentos juntos e aceites pelas partes, não se apresenta ainda com grau de certeza e exigibilidade a ponto de justificar, sem mais, o prosseguimento da execução para pagamento dos montantes liquidados pela Exequente em sede de requerimento executivo.

Neste momento, em face da impugnação feita pelo Embargante ao documento complementar apresentado pela Embargada, mantém-se controvertido o montante devido à data da instauração da execução, tanto a nível de capital como de juros.

No que concerne especificamente a juros, a Exequente liquidou o montante global de 28.134,28€, alegadamente vencidos entre 02.05.2014 e 22.02.2021, considerando duas verbas: a) “Juros vencidos, no valor de € 15.917,61”; b) “Juros de mora, no valor de € 12.216,67”.

Ora, se a segunda verba corresponde a juros de mora, a que tipo de juros corresponde a primeira? Juros remuneratórios?

No que concerne especificamente a juros remuneratórios, importará, em todo o caso, que se tenha presente a jurisprudência resultante do AUJ, de 7/200922: “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.

No caso dos autos, por via do vencimento automático de todas as prestações decorrente da declaração de insolvência da mutuária, em 23.04.2015, desde esta data não poderão ser contabilizados quaisquer juros remuneratórios.

Assim, mantendo-se controvertida a matéria da liquidação efetuada pela Exequente no requerimento executivo, no respeitante ao capital remanescente em dívida, juros e demais encargos, terão os presentes embargos de prosseguir para instrução e julgamento, tendo em vista o acerto da liquidação da obrigação exequenda.

IV. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, julgamos parcialmente procedente o recurso e, em consequência, decidimos:

a) Revogar a decisão recorrida;

b) Julgar prescrito o crédito da Exequente/Recorrida, na parte respeitante às prestações vencidas desde 02.05.2014 até 17.03.2016 e, consequentemente, declarar a correspondente extinção da execução;

c) Determinar o prosseguimento da oposição por embargos, tendo em vista a cabal liquidação da obrigação exequenda nos termos supra expostos, convidando-se previamente a Exequente/Embargada a explicitar os fatores e a fórmula de cálculo das verbas de capital e juros vertidas no requerimento executivo, assim como a esclarecer o que for considerado útil em razão do teor do documento complementar apresentado nos autos (extrato de conta), e ainda a juntar aos autos documentos complementares, na medida em que possam revestir utilidade para o dito fim;

e) Condenar as partes no pagamento das custas deste recurso e dos embargos, em conformidade com a responsabilidade que venha a ser apurada a final, na proporção do respetivo decaimento (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, e 1.º do RCProcessuais).”.

XXII— Face ao supra exposto, terá de se manter como não provados os factos constantes em

C) No empréstimo a que se vem fazendo referência, o capital em dívida ascende a €139.530,49.

D) Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias, calculadas à taxa de 4%, desde 02.05.2014 até 22.02.2021:

— Juros vencidos, no valor de € 15.917,61

— Juros de mora, no valor de € 12.216,67

Perfazendo o valor global em dívida a quantia de € 167 664,77, sem prejuízo dos juros vincendos, contados a igual taxa, até integral reembolso e respectivo imposto de selo,por não se ter apurado o valor da quantia exequenda em dívida.

XXIII- Nem os documentos juntos aos autos, nem a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento foram suficientes para lograr clarificar e concretizar a liquidação da quantia exequenda, como bem esclarece e fundamenta a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que não merece reparo.

XXIV- Com efeito, é obrigação ilíquida aquela que tem por objecto uma prestação cujo quantitativo não esteja ainda apurado, o que se verifica no caso em apreço, mantendo-se controvertido o montante devido à data da instauração da execução, tanto a nível de capital como de juros.

XXV- Pelo que, o documento dado à execução não constitui título executivo suficiente impondo-se a extinção da execução, tal como decidido na Sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância.

XXVI - Refere também o Acordão em crise,

“Sabemos que em 23/04/2015 a devedora foi declarada insolvente e também sabemos que, nos termos do artigo 100.º, do C. I. R. E., a sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.

(…). As embargadas, como faz notar o embargado/exequente, não se constituíram fiadoras (…).Conclui-se assim que não ocorreu a prescrição do direito do exequente.”

XXVII- Salvo o devido respeito, discordam as Recorrentes.Com efeito, entende-se que a declaração de insolvência da mutuaria nenhum efeito tem quanto aos de-mais obrigados ou garantes, não interferindo com o prazo de prescrição, em relação a estes, ocorrendo a prescrição.

XXVIII- Se assim não fosse, como se justificaria que uma execução instaurada contra a devedora originária e garantes, como é o caso das Embargantes, prossiga apenas contra estes aquando da declaração de insolvência da primeira.

XXIX- Ainda sem prescindir, diz o Acordão recorrido,

“D). Do valor da quantia exequenda.

Nos termos do contrato de mútuo em análise, em caso de incumprimento, ocorre a exigibilidade de tudo o que constituir o crédito do representado – cláusula 17.ª, n.º 2, do documento complementar ao contrato de mútuo -.

O crédito, como vimos, foi concedido no valor de 150 000 EUR, alegando o exequente que estavam em dívida 139 530,49 EUR.

O tribunal recorrido deu como não provado que fosse este o valor [(alínea C)], bem como os juros em dívida [(alínea D)], mas pensamos que essa inserção é irrelevante; na verdade, o exequente alegou que o montante em dívida tinha aquele valor pelo que competia às embargantes demonstrar que o valor em dívida era inferior (ou inexistente).

Temos assim que está em dívida, pela devedora, aquele valor de 139 530,49 EUR a título de capital.

O exequente pede ainda juros, calculados à taxa de 4%, desde 02/05/2014 até 22/02/2021, dividindo-os em duas parcelas (juros vencidos, no valor de 15 917,61 EUR e juros de mora, no valorde € 12 216,67 EUR). (…). Pensamos que estão englobados juros remuneratórios e juros de mora (ambos vencidos até àquela data). O print de extratos junto na audiência de julgamento, por si só e mesmo que o ponderássemos, não nos auxilia a discriminar os valores em causa (não estando em causa a audição de prova atenta a falta de impugnação da matéria de facto). De qualquer modo, até porque está pendente apreciação da sua admissibilidade, não se torna necessário apreciar o seu teor (e por isso não o ponderaremos) pois pensamos que resulta do título e do alegado que tipo de juros estão em causa.

Assim, pensamos que o exequente pede aqueles dois tipos de juros (remuneratórios e moratórios), a vencerem-se desde a data que alega como entrada em mora da devedora.

Em relação a esta data (02/05/2014), além de não estar provado que tenha sido nessa altura que a devedora incorreu em mora [(alínea A)], do que não houve impugnação, no caso dos autos, estando a ser peticionado o pagamento de toda a dívida (e não das parcelas da dívidas que se iam entretanto vencendo), a mora existirá quando toda a dívida se venceu que, como já vimos, foi com a declaração de insolvência, a saber, 23/04/2015 (e com a falta de prova de que ocorrerem pagamentos a partir dessa data).

É a partir do momento em que o exequente pode pedir a totalidade da divida que se inicia a mora do devedor, pelo que, no caso, é irrelevante a menção a uma data anterior à declaração de insolvência, tendo-se assim como referência temporal de vencimento (e eventual contabilização de juros de mora), a data de 23/04/2015).”.

XXX - Para além da total violação do que foi decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2009, de 25/03, baseia este Acordão recorrido a sua decisão em factos considerados não provados.

XXXI - E depois pensa…

O tribunal recorrido deu como não provado que fosse este o valor [(alínea C)], bem como os juros em dívida [(alínea D)], mas pensamos que essa inserção é irrelevante;

Pensamos que estão englobados juros remuneratórios e juros de mora (ambos vencidos até àquela data).

pensamos que resulta do título e do alegado que tipo de juros estão em causa.

Assim, pensamos que o exequente pede aqueles dois tipos de juros (remuneratórios e moratórios), a vencerem-se desde a data que alega como entrada em mora da devedora.

XXXII- Mas atentemos ao que foi escrito neste Acordão.

“Em relação a esta data (02/05/2014), além de não estar provado que tenha sido nessa altura que a devedora incorreu em mora [(alínea A)], do que não houve impugnação, no caso dos autos, (…)”.

XXXIII- Ora, se se considera no Acordão em crise proferido, que não está provado que tenha sido em 2 de Maio de 2014 que a devedora incorreu em mora, mas que tal imprecisão não é importante, como é que considera, em total contradição com o mencionado, que o valor do capital é €139 530,49 EUR? Como é que se contabilizaram as prestações pagas e as que estariam em dívida? E como é que, sem se saber qual o valor do capital em divida se contabilizam os juros?

XXXIV - Esta contradição verificada conduz à nulidade deste Acordão, o que se requer.

XXXV -Sendo também de concluir pela existência de nulidade da sentença por excesso de pronuncia,

tanto por acobertar a preterição do principio do contraditório (decisão surpresa), alegando-se violação do princípio do contraditório, princípio este com consagração nos artigos 3.º e 4.º do CPC e artigo 20.º, n.º 1 da CRP.

como por ter o Tribunal da Relação apreciado e decidido as questões, atrás mencionadas quanto a juros, que não foram suscitadas pelas partes e não são de conhecimento oficioso.

XXXVI- Deste modo e conforme fluí do supra exposto, porque se encontra Acordão prolatado e ora em crise, eivado de nulidades que o afetam, e que conduzem à sua anulação, erros de julgamento de facto e de direito, deve ser este revogado.

XXXVII- Não sendo de esquecer que em face da modificação operada no julgado de facto, especialmente no que se refere ao ponto B) dos factos não provados, que passou a facto provado, também no âmbito do julgado de direito terá de operar-se modificação quanto ao sentido da decisão, por se ter de concluir pela insuficiência do título com vista à exigibilidade da quantia peticionada, atendendo a que a escritura de mutuo, desacompanhada como está de outros documentos que a complementem, não permite ter certezas quanto ao montante real do empréstimo, bem como à quantia que do mesmo efetivamente estará em dívida e consequentemente, dos juros peticionados.

XXXVIII -Tendo a exequente procedido à mera indicação de juros sem destrinça quanto àqueles dois períodos temporais e sem explicitação das operações de cálculo que permitam confirmá-la, não correspondeu aquela ao seu ónus de liquidação da obrigação quanto a juros, faltando a especificação dos valores compreendidos na prestação devida (art.º 716.º, n.º 1, do NCPCiv., que se mantém ilíquida.

XXXIX - Padece pois o Acordão que julgou improcedente a Revista, da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, não especificando o aresto reclamado, de forma cabal, os fundamentos de facto e de direito que justificam a Decisão, tendo aderido complacentemente à decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, mantendo assim os erros judicias cometidos e nulidades verificadas.

XL -Ignorado foi pois o facto de ser o titulo executivo insuficiente, porque dessacompanhado de documentos que o complementem, para se escudar no facto de ao embargante incumbir o ónus da prova do facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda invocado. Só que não é disso que se trata. Em causa está, isso sim, se o título executivo dado à execução é ou não suficiente; se a matéria dada como não provada poderia ter sido alterada, face a esta situação, sendo estas questões relevantes que o Tribunal não podia ter deixado de conhecer, mas sobre as quais não se pronuncia, não tendo emitido um juízo assente em factos e no direito, o que constituí manifesta nulidade, que se invoca.

XLI - Com efeito, é entendimento pacífico entre os Tribunais que as nulidades da sentença constituem vícios intrínsecos à formação da decisão, correspondendo a vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão. A omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito, entendendo-se por questões com relevância aquelas que se reportam às pretensões deduzidas pelas partes ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir. São estas concretas controvérsias fundamentais para a resolução do pleito que reclamam do tribunal um pronunciamento, o que, não acontecendo, determina a nulidade da decisão, como se verifica no caso em apreço e se requer.

Nestes Termos, nos melhores de Direito e com o Douto Suprimento de V.Exªs., deve ser concedido provimento à presente Reclamação para a Conferência, requerendo-se a declaração de nulidade deste Acordão, pela demonstração das nulidades existentes, Assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA.

11. A Exequente Ares Lusitani Stc, SA., não respondeu à reclamação.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

12. As alegações e as conclusões apresentadas pelas agora Reclamantes reproduzem parcialmente as alegações e as conclusões do recurso de revista — em termos tais que fazem duvidar de que a presente peça processual seja uma autêntica reclamação do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 18 de Junho de 2024.

13. Em todo o caso, o teor das conclusões XXXIII e XXXIV, XXXV, XXXIX, XL e XLI sugere que as arguir Reclamantes pretendem arguir uma nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, uma nulidade por excesso de pronúncia, uma nulidade por omissão de pronúncia e uma nulidade por falta de fundamentação.

14. A nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão é referida nas conclusões XXXIII e XXXIV:

XXXIII - Ora, se se considera no Acordão em crise proferido, que não está provado que tenha sido em 2 de Maio de 2014 que a devedora incorreu em mora, mas que tal imprecisão não é importante, como é que considera, em total contradição com o mencionado, que o valor do capital é €139 530,49 EUR? Como é que se contabilizaram as prestações pagas e as que estariam em dívida? E como é que, sem se saber qual o valor do capital em divida se contabilizam os juros?

XXXIV -Esta contradição verificada conduz à nulidade deste Acordão, o que se requer.

15. A leitura atenta das conclusões XXXIII e XXXIV conduz-nos á conclusão de que as agora Reclamantes pretendem arguir uma nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.

16. Ora a nulidade em causa foi apreciada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2024 nos seguintes termos:

43. Esclarecido que não há nulidade por violação do princípio do contraditório, deve averiguar-se se há nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão 1.

44. A alegada contradição entre os fundamentos e a decisão estaria em que, ainda que desse como não provada a data em que a devedora principal incorreu em mora, o acórdão recorrido deu como devidos juros de mora 2.

45. As Embargantes, agora Recorrentes, alegam que há uma contradição entre dar-se como não provada a data em que a devedora principal incorreu em mora e a condenar-se em juros de mora.

46. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que “[a] contradição entre os fundamentos e a decisão corresponde a um vício lógico do acórdão”.

47. O vício lógico do acórdão dá-se “se, na fundamentação […], o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” 3.

48. Ora, na fundamentação do acórdão, dá-se como devidos juros de mora a partir da declaração de insolvência da devedora principal:

“O exequente pede ainda juros, calculados à taxa de 4%, desde 02/05/2014 até 22/02/2021, dividindo-os em duas parcelas (juros vencidos, no valor de 15 917,61 EUR e juros de mora, no valor de € 12 216,67 EUR). (…).

Pensamos que estão englobados juros remuneratórios e juros de mora (ambos vencidos até àquela data). O print de extratos junto na audiência de julgamento, por si só e mesmo que o ponderássemos, não nos auxilia a discriminar os valores em causa (não estando em causa a audição de prova atenta a falta de impugnação da matéria de facto). De qualquer modo, até porque está pendente apreciação da sua admissibilidade, não se torna necessário apreciar o seu teor (e por isso não o ponderaremos) pois pensamos que resulta do título e do alegado que tipo de juros estão em causa.

Assim, pensamos que o exequente pede aqueles dois tipos de juros (remuneratórios e moratórios), a vencerem-se desde a data que alega como entrada em mora da devedora.

Em relação a esta data (02/05/2014), além de não estar provado que tenha sido nessa altura que a devedora incorreu em mora [(alínea A)], do que não houve impugnação, no caso dos autos, estando a ser peticionado o pagamento de toda a dívida (e não das parcelas da dívidas que se iam entretanto vencendo), a mora existirá quando toda a dívida se venceu que, como já vimos, foi com a declaração de insolvência, a saber, 23/04/2015 (e com a falta de prova de que ocorrerem pagamentos a partir dessa data).

É a partir do momento em que o exequente pode pedir a totalidade da divida que se inicia a mora do devedor, pelo que, no caso, é irrelevante a menção a uma data anterior à declaração de insolvência, tendo-se assim como referência temporal de vencimento (e eventual contabilização de juros de mora), a data de 23/04/2015).”

49. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão recorrido, dir-se-á que

“Esta questão não acarretaria a nulidade da decisão pois tal nulidade ocorre quando há contradição entre os fundamentos e a decisão, o que não é o que se alega, mas antes que o raciocínio jurídico, que, ainda, pensamos que é o correto, estará inquinado por atentar em factos não provados (artigo 615.º, n.º 1, c), 1.ª parte, do C. P. C.)”.

17. A nulidade por excesso de pronúncia é referida na conclusão XXXV:

“XXXV-Sendo também de concluir pela existência de nulidade da sentença por excesso de pronuncia,

— tanto por acobertar a preterição do principio do contraditório (decisão surpresa), alegando-se violação do princípio do contraditório, princípio este com consagração nos artigos 3.º e 4.º do CPC e artigo 20.º, n.º 1 da CRP.

— como por ter o Tribunal da Relação apreciado e decidido as questões, atrás mencionadas quanto a juros, que não foram suscitadas pelas partes e não são de conhecimento oficioso”.

18. Em termos em tudo semelhantes aos das conclusões XXXIII e XXXIV, a leitura atenta da conclusão XXXV conduz-nos á conclusão de que as agora Reclamantes pretendem arguir uma nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.

19. Ora a nulidade em causa foi apreciada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2024 nos seguintes termos:

15. A alegada violação do princípio do contraditório resultaria de o Tribunal da Relação ter modificado oficiosamente a decisão sobre a matéria de facto e de, ao modificar oficiosamente a decisão sobre a matéria de facto, ter proferido uma decisão-surpresa.

16. O artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

3. — O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

17. Ora, as Embargantes, agora Recorrentes, tiveram a possibilidade de se pronunciar sobre a questão.

I. — A sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância deu como não provado que a quantia tivesse sido efectivamente disponibilizada à mutuária EE, mediante crédito processado na sua Conta de Depósitos à Ordem, considerando que os documentos dados à execução eram insuficientes:

“… o documento dado à execução ainda que complementado pelo extrato de saldo bancário junto pela embargante, não constitui titulo executivo suficiente, por não importarem tais documentos, em conjunto, por si só, a constituição ou o reconhecimento da obrigação exequenda”

II. — A Embargada, agora Recorrida, alegou que os documentos dados à execução, a escritura e o extracto, eram suficientes para a prova da dívida 4 e, em consequência, as Embargantes, agora Recorrentes, tiveram a possibilidade de se pronunciarem sobre a alegação da Embargada, agora Recorrente, em contra-alegações.

18. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão proferido em conferência pelo tribunal recorrido, dir-se-á que “… não existe … a prolação de uma decisão surpresa pois todas as questões se circunscrevem ao que já constava dos autos – apuramento da quantia exequenda, sua exigibilidade, liquidez, prescrição e montante dos juros devidos. O tribunal ora recorrido teve de apreciar estas questões ao abrigo do disposto no artigo 665.º, do C. P. C. […]”.

19. Esclarecido que não há nulidade por violação do princípio do contraditório, deverá averiguar-se se haverá nulidade, por violação do princípio do pedido.

20. A alegada violação do princípio do pedido resultaria:

I. — de o Tribunal da Relação ter modificado a decisão sobre a matéria de facto, ainda que a decisão sobre a matéria de facto não tivesse sido impugnada no recurso de apelação,

II. — de o Tribunal da Relação se ter pronunciado sobre os juros devidos, ainda que a decisão sobre os juros não tivesse sido impugnada e não fosse de conhecimento oficioso.

22. As Executadas / Embargantes, agora Recorrentes, consideram que o acórdão recorrido é nulo, por ter apreciado questão sobre a qual não podia ter-se pronunciado 5.

23. Quanto ao primeiro fundamento alegado para a nulidade por excesso de pronúncia, concretizado em o Tribunal da Relação ter modificado a decisão sobre a matéria de facto, ainda que a decisão sobre a matéria de facto não tivesse sido impugnada no recurso de apelação, dir-se-á o seguinte:

24. O artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil determina que “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

25. Entre os pontos consensuais está o de que

Os poderes atribuídos à Relação pelo artigo 662.º só podem ser exercidos a propósito das questões de facto impugnadas, ou seja, dentro do âmbito do recurso, definido pelo recorrente” 6.

26. Ora, ainda que não houvesse questões de facto impugnadas, as questões suscitadas pela Embargada, agora Recorrente, só poderiam ser apreciadas e decididas no sentido pretendido desde que se eliminasse o facto dado como não provado sob a alínea B).

27. O argumento só poderá ser reforçado pela circunstância de a regra de que “[o]s poderes atribuídos à Relação pelo artigo 662.º só podem ser exercidos a propósito das questões de facto impugnadas” ter uma excepção:

“ressalva-se… a eventual necessidade de “mexer” em outros pontos, com o objectivo de evitar contradições com as alterações que eventualmente a Relação venha a introduzir – vejam-se os casos paralelos da repetição de julgamento previstos nas als. b) e c) do n.º 3 do artigo 662.º” 7.

28. Ora o acórdão recorrido considera a alteração do facto dado como provado sob o n.º 3 e a eliminação do facto dado como não provado sob a alínea b), como algo de necessário para evitar uma contradição:

“resultando não provado que a quantia mutuada tenha sido entregue pela entidade bancária mutuante (C. E. M. G.) e sabendo-se que o contrato de mútuo exige que que ocorra essa entrega (por ser um contrato quoad constitutionem) conforme artigo 1142.º do C.C. […], então o atual exequente não poderia ver a execução prosseguir pois não se apurava que tivesse ocorrido a celebração de um contrato de mútuo”.

29. O facto dado como provado sob o n.º 3 estaria em contradição com o facto dado como não provado sob a alínea b):

I. — no facto dado como provado sob o n.º 3 diz-se que

3. A CEMG, anterior Finibanco, S.A., por Escritura Pública denominada de Mútuo com Hipoteca e Fiança, celebrada em 01 de Julho de 2005, emprestou a EE a importância de Euros 150.000,00, pelo prazo de 30 (trinta) anos a liquidar em 360 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, e nas demais condições constantes do referido título, junto como doc. 4, que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

II. — no facto dado como não provado sob a alínea b) dir-se-ia que a CEMG, anterior Finibanco, S.A., não emprestou a EE a importância indicada na Escritura Pública.

30. Enquanto que o facto dado como provado sob o n.º 3 significa que há um contrato de mútuo, que está provada a conclusão de um contrato de mútuo, o facto dado como provado sob a alínea b) significaria que não há nenhum contrato de mútuo, que não está provada a conclusão de nenhum contrato de mútuo.

31. O acórdão recorrido, ao considerar a alteração do facto dado como provado sob o n.º 3 como necessária para evitar uma contradição, actuou ou a exerceu o poder de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, de acordo com o artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

32. Quanto ao segundo fundamento alegado para a nulidade por excesso de pronúncia, concretizado em o Tribunal da Relação se ter pronunciado sobre os juros devidos, ainda que a decisão sobre os juros não tivesse sido impugnada e não fosse de conhecimento oficioso, dir-se-á o seguinte:

33. O requerimento executivo referia-se expressamente a juros vencidos, no valor de 15 917,61 euros, e a juros de mora, no valor de 12.216,67 euros.

34. O Tribunal de 1.ª instância, ao julgar totalmente procedentes os embargos, indeferiu o requerimento executivo na parte relativa aos juros.

35. A Exequente / Embargada finalizou o seu recurso de apelação pedindo a revogação da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e a sua substituição por uma decisão que ordenasse o prosseguimento da execução.

36. A fórmula com que se finaliza o recurso de apelação só podia ser interpretada no sentido de que se pretendia a revogação de toda a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância — seja da decisão relativa à dívida de capital seja da decisão relativa à dívida de juros.

37. O prosseguimento da execução pedido pela Exequente / Embargada só podia ser interpretado como prosseguimento da execução nos termos do requerimento executivo.

38. Ora, prosseguimento da execução nos termos do requerimento executivo só podia ser o prosseguimento da execução para pagamento da dívida de capital e para pagamento da dívida de juros.

39. Em todo o caso, ainda que a fórmula com que se finaliza o recurso de apelação pudessem ser interpretados num sentido diferente, sempre teria de atender-se ao disposto no artigo 635.º, n.ºs 2 a 4, do Código de Processo Civil:

2. — Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre.

3. — Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente.

4. — Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso.

40. A parte dispositiva da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância contém uma única decisão — cujas consequências afectam a dívida de capital e a dívida de juros —e, ainda que a parte dispositiva da sentença contivesse duas decisões distintas — sobre a dívida de capital e sobre a dívida de juros —, sempre o Tribunal da Relação teria de as apreciar a todas.

41. Em consequência, não pode de forma nenhuma dizer-se que a decisão sobre os juros não tivesse sido impugnada.

42. A impugnação da decisão sobre os juros implica necessariamente que seja suscitada a questão dos juros — em especial, a questão da interpretação das fórmulas juros vencidos e juros de mora.

20. A nulidade por omissão de pronúncia é referida nas conclusões XL e XLI:

XL-Ignorado foi pois o facto de ser o titulo executivo insuficiente, porque dessacompanhado de documentos que o complementem, para se escudar no facto de ao embargante incumbir o ónus da prova do facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda invocado. Só que não é disso que se trata. Em causa está, isso sim, se o título executivo dado à execução é ou não suficiente; se a matéria dada como não provada poderia ter sido alterada, face a esta situação, sendo estas questões relevantes que o Tribunal não podia ter deixado de conhecer, mas sobre as quais não se pronuncia, não tendo emitido um juízo assente em factos e no direito, o que constituí manifesta nulidade, que se invoca.

XLI-Com efeito, é entendimento pacífico entre os Tribunais que as nulidades da sentença constituem vícios intrínsecos à formação da decisão, correspondendo a vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão. A omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito, entendendo-se por questões com relevância aquelas que se reportam às pretensões deduzidas pelas partes ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir. São estas concretas controvérsias fundamentais para a resolução do pleito que reclamam do tribunal um pronunciamento, o que, não acontecendo, determina a nulidade da decisão, como se verifica no caso em apreço e se requer.

21. As questões sobre as quais o Supremo Tribunal Tribunal de Justiça não se teria pronunciado consistiriam em determinar:

I. — se o Tribunal da Relação podia ter alterado a matéria de facto;

II. — se o título dado à execução era ou não suficiente.

22. Ora, as duas questões foram apreciadas e decididas no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2024.

23. Quando a saber se o Tribunal da Relação podia ter alterado a matéria de facto, disse-se então:

50. Esclarecido que não há nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, deve averiguar-se se o Tribunal da Relação devia ter modificado a decisão sobre a matéria de facto, alterando a redacção facto dado como provado sob o n.º 3 e eliminando o facto dado como provado sob a alínea B). […]

53. O caso sub judice não pode coordenar-se a um erro de procedimento, no sentido do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

54. O Tribunal da Relação alterou a decisão proferida sobre a matéria de facto por considerar que os factos assentes impunham uma decisão diversa.

55. O erro imputado à sentença proferida pelo Tribunal de 1.º instância consistiu em dar como não provado um facto que estava assente, por ter sido admitido por acordo, e que, ainda que não tivesse sido admitido por acordo, sempre teria sido provado por documento autêntico.

56. Ora, não se encontra no procedimento do Tribunal da Relação nenhum erro relevante para efeitos do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

57. Excluído o erro de procedimento, a alegação das Embargantes, agora Recorrentes, deveria coordenar-se a um erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa.

58. O artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

“O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

59. Em todo o caso, ainda que o artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil devesse interpretar-se no sentido de dar ao Supremo Tribunal de Justiça competência para averiguar se os factos assentes foram fixados de acordo com as disposições de direito probatório aplicáveis, sempre se diria que as Embargantes, agora Recorrentes, admitiram que a quantia mutuada tivesse sido colocada à disposição da devedora principal.

60. Os excertos transcritos são claros no sentido de que as Embargantes, agora Recorrentes, impugnaram a existência ou, em todo o caso, a suficiência do título executivo— alegaram, nos embargos, que a escritura pública era um título insuficiente.

61. Embora tivesse impugnado a existência ou, em todo o caso, a suficiência do título executivo, não impugnaram a existência da obrigação exequenda.

24. Quanto a saber se o título dado à execução era ou não suficiente, disse-se então:

62. […] deve averiguar-se se se a escritura pública outorgada em 1 de Julho de 2005, ainda que conjugada com o extracto de conta corrente, é título executivo suficiente.

63. O artigo 50.º do Código de Processo Civil de 1961, na redacção aplicável ao caso sub judice, era do seguinte teor:

Os documentos exarados ou autenticados por notário em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestidos de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes” 8.

64. Em anotação ao artigo 707.º do Código de Processo Civil de 2013, correspondente ao citado artigo 50.º do Código de Processo Civil de 1961, associa-se a fórmula prestação… realizada para conclusão do negócio com a categoria dos contratos reais quoad constitutionem:

“Exigindo-se a traditio rei para a constituição do mútuo prometido […], a obrigação de restituição a cargo do mutuário apenas surge com a entrega da quantia mutuada, feita em cumprimento da obrigação resultante de anterior contrato-promessa” 9.

65. Ora, desde que a obrigação exequenda não resultasse do documento autêntico, “exig[ir]-se[-ia] que mutuante / exequente faça prova complementar da respectiva constituição” 10.

66. Em concreto, a obrigação exequen[da] resulta do documento autêntico — a escritura pública diz expressamente que, “nesta data [na data da outorga da escritura pública], a quantia referida (150.000,00€) é entregue pelo Banco por crédito na conta com o número (…), em nome da mutuária, junto do Finibanco SA.” e, em todo o caso, que a devedora principal se confessa devedora de todas as quantias que do Finibanco, SA, recebeu.

67. Está-se perante uma daquelas situações em que a escritura, depois de certificar que as partes emitiram as declarações de vontade negocial necessárias para a conclusão do contrato de mútuo, diz que o mutuário recebeu do mutuante determinada quantia 11.

68. Esclarecido que a escritura pública outorgada em 1 de Julho de 2005, ainda que conjugada com o extracto de conta corrente, é título executivo suficiente, deve averiguar-se se a obrigação exequenda é certa e líquida.

69. O artigo 713.º do Código Civil de 2013, sob a epígrafe Requisitos da obrigação exequenda, determina que “[a] execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo” e o artigo 716.º, sob a epígrafe Liquidação, determina que

1. — Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.

2. — Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis. […]

4 - Quando a execução se funde em título extrajudicial e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, o executado é citado para a contestar, em oposição à execução, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 568.º; havendo contestação ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se os n.ºs 3 e 4 do artigo 360.º.


70. Em 4 de Maio de 2022, em decisão proferida no apenso A do presente processo, o Tribunal da Relação considerou que

“a obrigação exequenda, à luz dos documentos juntos e aceites pelas partes, não se apresenta ainda com grau de certeza e exigibilidade a ponto de justificar, sem mais, o prosseguimento da execução para pagamento dos montantes liquidados pela Exequente em sede de requerimento executivo”.

71. Em consequência, determinou o “prosseguimento da oposição por embargos, tendo em vista a cabal liquidação da obrigação exequenda […]”.

72. O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho com o seguinte teor:

“Na esteira do decid[ido] no recurso interposto no apenso A) e porque o requerimento executivo e título que fundamenta os presentes embargos é o mesmo, convido a Exequente/Embargada a explicitar os fatores e a fórmula de cálculo das verbas de capital e juros vertidas no requerimento executivo, assim como a esclarecer o que for considerado útil em razão do teor do documento complementar apresentado nos autos (extrato de conta), e ainda a juntar aos autos documentos complementares, na medida em que possam revestir utilidade para o dito fim.

Observado que seja o convite de aperfeiçoamento, observe-se o contraditório”.

73. A Exequente / Embargada explicou “que efectuou o cálculo dos juros conforme contrato celebrado e de acordo com o respetivo valor para efeitos de registo, a saber:

“A hipoteca registada sobre o imóvel dos autos por via da AP. 21 de 2005/05/19 (certidão predial junta como Doc. 4 no Requerimento Executivo) estabelece como juro anual 5,9040% acrescido de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal.

A responsabilidade peticionada no requerimento executivo tem o montante de capital em dívida € 139.530,49, com referência à data do incumprimento e conforme extrato bancário já junto aos autos.

O plano prestacional do contrato em causa, a fim de se aferir o valor das prestações julgadas prescritas, no período compreendido entre 02/05/2014 e 17/03/2016 consta do extrato bancário já junto aos autos (número da prestação na segunda coluna do extrato)”.

74. Em audiência de julgamento, a Exequente / Embargada apresentou extracto bancário.

75. O teor e o alcance do extracto bancário apresentado pela Exequente / Embargada em audiência de foram impugnados pelas Executadas / Embargantes.

76. O Tribunal de 1.ª instância considerou que os dois documentos, a escritura pública e o extracto de conta-corrente, não eram suficientes para que a obrigação exequenda se tornasse líquida.

I. — A escritura pública não era suficiente, por não provar que prestações tinham sido realizadas pela Embargada, agora Recorrida, e pela Embargante, agora Recorrente.

II. — O extracto de conta-corrente não era suficiente, por não conter uma descrição dos créditos concedidos, das suas datas e dos seus montantes — “[d]o conjunto de movimentos justificativos de um saldo final de conta corrente, sem o qual falta a segurança necessária inerente à suficiência do título executivo”.

77. O Tribunal da Relação considerou que a obrigação era líquida, declarando que “[a] averiguação sobre se os valores liquidados pelo exequente são devidos e, no caso, garantidos pelo património da executada, não afasta a liquidez da obrigação exequenda”.

78. Quanto à dívida de capital, considerou que era certa e líquida a obrigação de restituição da quantia mutuada — 150 000 euros.

79. Entendeu que o facto de a Exequente, agora Embargada, alegar que estavam em dívida 139 530,49 euros, sem explicar adequadamente como chegara ao valor reclamado, era irrelevante.

80. O ónus da prova de que o valor era inferior ao reclamado recairia sobre as Embargantes, agora Recorrentes:

“O exequente tinha de demonstrar a realização do empréstimo […] e os [executados /] embargantes, ao deduzirem embargos (que se assemelham a uma acção declarativa), teriam de alegar e depois provar que não era esse o valor por qualquer motivo – pagamento, compensação, … -, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil”.

81. Ora, como “[o]s [Executados /] Embargantes não alegaram qualquer facto que pudesse levar a concluir que o valor da quantia exequenda em dívida fosse diferente (e, consequentemente, não o provaram)”, não haveria nenhuma razão para que a execução não prosseguisse com o valor alegado pela Exequente / Embargada.

82. Quanto aos juros, o Tribunal da Relação considerou que era certa e líquida a obrigação de pagamento dos juros, seja dos juros remuneratórios, seja dos juros moratórios.

83. Entendeu que a reclamação de 15 917,61, a título de juros vencidos, e de 12 216,67, a título de juros de mora, devia interpretar-se como reclamação dos juros remuneratórios e dos juros moratórios devidos desde a data em que a Exequente / Embargada alega que a devedora principal se constituiu em mora:

I. — Em primeiro lugar, a Exequente / Embargada poderia pedir juros remuneratórios, “a uma taxa que resulte da taxa Euribor semestral, arredondada para o oitavo de ponto percentual superior, acrescida de 1,5%, sujeita a revisão semestral, nunca sendo inferior a 3,5% nem superior a 4%”;

II. — Em segundo lugar, a Exequente / Embargada poderia pedir juros moratórios à taxa legal de 4%.

84. O problema está sobretudo em que a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância deu como não provados os factos descritos sob as alíneas C) e D):

“C) No empréstimo a que se vem fazendo referência, o capital em dívida ascende a €139.530,49.

D) Para além do capital em dívida, são devidas as seguintes quantias, calculadas à taxa de 4%, desde 02.05.2014 até 22.02.2021:

Juros vencidos, no valor de € 15.917,61

- Juros de mora, no valor de € 12.216,67

Perfazendo o valor global em dívida a quantia de € 167 664,77, sem prejuízo dos juros vincendos, contados a igual taxa, até integral reembolso e respectivo imposto de selo”

85. O Tribunal da Relação desvalorizou a circunstância de os dois factos terem sido dados como não provados, dizendo-a irrelevante:

“O tribunal recorrido deu como não provado que fosse este o valor [(alínea C)], bem como os juros em dívida [(alínea D)], mas pensamos que essa inserção é irrelevante; na verdade, o exequente alegou que o montante em dívida tinha aquele valor pelo que competia às embargantes demonstrar que o valor em dívida era inferior (ou inexistente)”.

86. Entrando na apreciação dos argumentos deduzidos pelo Tribunal da Relação, deverá distinguir-se a dívida de capital e a dívida de juros.

87. Em relação à dívida de capital, dir-se-á três coisas:

I. — que o ónus da prova de quaisquer factos modificativos ou extintivos da obrigação exequenda recaía sobre as Executadas / Embargantes;

II. — que a circunstância de terem sido dados como não provados os factos descritos sob as alíneas C) e D) significa que o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação ficaram em dúvida sobre se a quantia indicada pela Exequente / Embargada no requerimento executivo era a quantia devida pelas Executadas / Embargantes;

III. — que a circunstância de o Tribunal de 1.ª instância e de o Tribunal da Relação terem ficado em dúvida sobre se a quantia indicada pela Exequente / Embargada no requerimento executivo era a quantia devida pelas Executadas / Embargantes determina a aplicação do princípios e das regras sobre o ónus da prova.

88. O acórdão recorrido tem razão em sustentar que o ónus da prova de quaisquer factos modificativos ou extintivos da obrigação exequenda e, em especial, o ónus da prova dos pagamentos, totais ou parciais, recaía sobre as Executadas / Embargantes.

89. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado constantemente que os embargos de executado ou, em todo o caso, a fase declarativa dos embargos de executado, “estruturalmente extrínseca à acção executiva” 12, constitui “uma verdadeira acção declarativa com causa de pedir (os factos-fundamento dos embargos) e pedido (de extinção da execução na justa medida da procedência dos embargos)” 13, desempenhando a função de uma contra-execução 14 “destinada à […] extinção [da execução] sob o fundamento de inexistência da obrigação exequenda e/ou de [inexistência ou de ineficácia do] título executivo” 15.

90. O embargante “[pode]invocar qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação [exequenda], como se estivesse a contestar acção declarativa de condenação em que o mesmo pedido lhe fosse feito” 16 — desde que invoque algum facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda, ficará com o ónus da prova do facto invocado 17.

91. Em termos em tudo semelhantes aos dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 06B152 — e de 31 de Janeiro de 2007 — processo n.º 4487/06 —, dir-se-á que,

“[n]ão obstante a natureza específica da fase declarativa dos embargos de executado, a distribuição do ónus da prova que lhes concerne é a geral que resulta dos referidos normativos [scl., no artigo 342º, n.ºs 1 e 2,] do Código Civil, ou seja, ao embargado cabe provar os factos constitutivos do seu direito de crédito e ao embargante os concernentes factos impeditivos ou extintivos” 18.

92. A circunstância de terem sido dados como não provados os factos descritos sob as alíneas C) e D) significa que o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação ficaram em dúvida sobre se a quantia indicada pela Exequente / Embargada no requerimento executivo — 139.530,49 euros — era a quantia devida pelas Executadas / Embargantes.

93. A Exequente / Embargada não conseguiu fazer a prova de que fosse devida a quantia de 139.530,49 euros.

94. As Executadas / Embargantes não conseguiram fazer a prova de que não fosse devida nenhuma quantia ou de que fosse devida uma quantia inferior.

95. Ora, a circunstância de o Tribunal de 1.ª instância e de o Tribunal da Relação terem ficado em dúvida sobre se a quantia indicada pela Exequente / Embargada no requerimento executivo — 139.530,49 euros — era a quantia devida pelas Executadas / Embargantes determina a aplicação do princípios e das regras sobre o ónus da prova.

96. O problema do ónus da prova consiste “na atribuição dos resultados da incerteza da prova; noutros termos, trata-se de decidir qual é a parte que perderá o processo se o juiz – que deve pronunciar uma decisão – não pôde formar a sua convicção por não dispor de provas suficientes” 19.

97. O sentido de uma teoria da atribuição/da distribuição do ónus da prova é, por isso, o sentido de uma “teoria das consequências jurídicas da falta de prova” – os critérios de atribuição/distribuição do ónus da prova dizem-nos qual a parte que corre o risco de perder o processo quando o juiz não possa formar a sua convicção 20.

98. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2021 — processo n.º 2998/11.4TVLSB.L1.L1.S1 —, dir-se-á que

“no nosso direito processual, ter o ónus da prova significa sobretudo determinar qual a parte que suporta a falta de prova de determinado facto, mais do que saber qual a parte que tem de efectuar a prova de determinado facto”.

99. Estando em causa factos modificativos ou extintivos da obrigação exequenda, o ónus da prova de que foram realizados pagamentos e, caso afirmativo, do quantitativo dos pagamentos realizados recaía sobre as Executadas / Embargantes 21.

100. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2024 — processo n.º 16804/19.8T8LSB-A.L1.S1 —, dir-se-á que

“[s]endo exequível o título dado à execução, mas controvertido o valor em dívida, o processo deve seguir para julgamento, competindo aos executados a prova dos factos modificativos ou extintivos da obrigação exequenda, conforme a regra do art. 342º do Código Civil”.

101. A circunstância de as Executadas / Embargantes não terem conseguido fazer a prova de que não fosse devida nenhuma quantia ou de que fosse devida uma quantia inferior significa que suportam as consequências jurídicas da falta de prova 22.

102. Esclarecidas as razões por que deve concordar-se com o acórdão recorrido relativamente à dívida de capital, entrar-se-á na dívida de juros.

103. As Executadas / Embargantes, agora Recorrentes, alegam que o acórdão recorrido conflitua com o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2009, de 25 de Março de 2009:

“No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.

104. Em todo o caso, como decorre da fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2009,

“As partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar […] regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no artigo 781.º do Código Civil”.

105. O acórdão recorrido considerou que as cláusulas 8.º e 17.ª do contrato de mútuo constituíam convenção de “regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no artigo 781.º do Código Civil”.

106. A cláusula 17.º determina que, em caso de incumprimento, ocorre a exigibilidade de tudo o que constituir o crédito do representado e a cláusula 8.º que, em caso de o Banco exigir o pagamento integral nos termos da cláusula 17.ª, o agravamento da taxa de juro em razão da mora incidirá sobre todo o montante da dívida do empréstimo, a partir da data em que tal exigência seja comunicada á mutuária, por carta registada e a contar da data da respetiva expedição.

107. Entendendo que “[o] credor bancário, no âmbito do contrato de mútuo, só está impedido de peticionar juros remuneratórios em caso de vencimento total da obrigação se não estiver prevista contratualmente tal possibilidade”, o acórdão recorrido considerou prevista nas cláusulas 8.º e 17.º a possibilidade de o banco exigir o pagamento dos juros remuneratórios.

108. Ora, as Exequentes / Embargantes, agora Recorrentes, nunca colocaram em causa a interpretação das cláusulas 8.º e 17.ª desenvolvida no acórdão recorrido.

109. Esclarecida a questão da contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão uniformizador, as Exequentes / Embargantes alegam duas coisas:

I. — que, numa acção executiva em que tenha sido dado como não provado que “o capital em dívida ascende a €139.530,49”, não pode fazer-se prosseguir a execução para o pagamento da dívida de capital de 139.530,49 euros;

II. — que, numa execução em que não tenha sido dada como provada a data da constituição da devedora principal em mora 23, não pode fazer-se prosseguir a execução para o pagamento de juros de mora.

110. O argumento deduzido em primeiro lugar — i.e, o argumento de que, numa acção executiva em que tenha sido dado como não provado que “o capital em dívida ascende a €139.530,49”, não pode fazer-se prosseguir a execução para o pagamento da dívida de capital de 139.530,49 euros — não procede.

111. As consequências jurídicas da falta de prova sobre se o capital em dívida ascende ou não a 139.530,49 euros devem ser suportadas pela parte que tinha o ónus de alegar e de provar factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda — ou seja, sobre as Executadas / Embargantes.

112. O argumento deduzido em segundo lugar — i.e., o argumento que, numa execução em que não tenha sido dada como provada a data da constituição da devedora principal em mora, não pode fazer-se prosseguir a execução para o pagamento de juros de mora — também não procede.

113. As Executadas / Embargadas alegam que,

“LV- […] se se considera no Acordão em crise proferido, que não está provado que tenha sido em 2 de Maio de 2014 que a devedora incorreu em mora, mas que tal imprecisão não é importante, como é que considera, em total contradição com o mencionado, que o valor do capital é €139 530,49 EUR? Como é que se contabilizaram as prestações pagas e as que estariam em dívida? […]”

114. O acórdão recorrido dá uma resposta clara às dúvidas das Executadas / Embargantes.

115. O facto dado como provado sob o n.º 7 24, em ligação com o artigo 91.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas 25, significa que a data da constituição da devedora principal em mora não é posterior à data da declaração de insolvência.

116. Como a data da declaração de insolvência é 23 de Abril de 2015, o facto dado como provado sob o n.º 7, em ligação com o artigo 91.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, significa que a data da constituição da devedora principal em mora não é posterior a 23 de Abril de 2015.

117. O facto dado como não provado sob a alínea A), esse, só significa que não está provado que lhe seja anterior.

118. O acórdão recorrido dá uma resposta clara à dúvida das Executadas / Embargantes sobre “[c]omo […] se contabilizaram as prestações pagas e as que estariam em dívida” — “a mora existirá quando toda a dívida se venceu […] [i.e.,] com a declaração de insolvência, a saber, 23/04/2015 (e com a falta de prova de que ocorrerem pagamentos a partir dessa data)”:

“É a partir do momento em que o exequente pode pedir a totalidade da divida que se inicia a mora do devedor, pelo que, no caso, é irrelevante a menção a uma data anterior à declaração de insolvência, tendo-se assim como referência temporal de vencimento (e eventual contabilização de juros de mora), a data de 23/04/2015)”.

119. O facto de as Executadas / Embargantes, agora Recorrentes, alegarem que “os juros de mais de três anos não podem ser objeto da execução ou sendo-o, estão excluídos da garantia hipotecária”, em nada conflitua com o acórdão recorrido, em que se decidiu que “a quantia exequenda tem o valor, a título de capital, de 139 530,49 EUR, acrescida de juros moratórios, à taxa de 4% e remuneratórios, à taxa de 3,5%, vencidos desde 23/04/2015 até 23/04/2018” — ou seja, em que se decidiu que eram objecto de execução os juros de três anos.

25. Finalmente, a nulidade por falta de fundamentação é referida na conclusão XXXIX:

XXXIX- Padece pois o Acordão que julgou improcedente a Revista, da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, não especificando o aresto reclamado, de forma cabal, os fundamentos de facto e de direito que justificam a Decisão, tendo aderido complacentemente à decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, mantendo assim os erros judicias cometidos e nulidades verificadas.

26. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que a falta de fundamentação só releva desde que seja absoluta: “o respectivo vício, como é jurisprudência uniforme, apenas ocorre na falta absoluta de fundamentação” — “uma fundamentação insuficiente, errada ou medíocre não constitui causa da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC”. 26.

27. Ora, não se consegue compreender qual é a falta de fundamentação que as agora Reclamantes imputam ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2024 — e, em todo o caso, nunca a falta de fundamentação que lhe imputassem seria absoluta.

29. Em suma — como se constata, aquilo que as agora Reclamantes pretendem é, em substância, exprimir a sua discordância em relação àquilo que foi decidido.

29. O problema está em que a arguição de nulidades, ao abrigo do artigo 615.º do Código de Processo Civil, é um meio processual absolutamente impróprio para o efeito.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação.

Custas pelas Reclamantes AA e BB, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Lisboa, 3 de Outubro de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

António Barateiro Martins

José Maria Ferreira Lopes

___________


1. Cf. artigo 615.º, n.º 1, alínea c), primeira alternativa, do Código de Processo Civil.

2. Cf. conclusões LII a LVI do recurso de revista.

3. Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2020 — processo n.º 361/14.4T8VLG.P1.S1 — e de 17 de Novembro de 2020 — processo n.º 6471/17.9T8BRG.G1.S1.

4. Cf. conclusões 20-22 do recurso de apelação.

5. Cf. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), segunda alternativa, do Código de Processo Civil.

6. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2022 — processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1.

7. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2022 — processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1.

8. Sobre a interpretação do artigo 707.º do Código de Processo Civil, vide, p. ex., José Lebre de Freitas / Armindo Ribeiro Mendes / Isabel Alexandre, anotação ao artigo 707.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. III — Artigos 627.º a 877.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2022, págs. 357-362; ou António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao artigo 707.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Processo de execução, processos especiais e processo de inventário judicial (artigos 703.º a 1139.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2020, págs. 35-37.

9. José Lebre de Freitas / Armindo Ribeiro Mendes / Isabel Alexandre, anotação ao artigo 707.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. III — Artigos 627.º a 877.º, cit., pág. 360.

10. José Lebre de Freitas / Armindo Ribeiro Mendes / Isabel Alexandre, anotação ao artigo 707.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. III — Artigos 627.º a 877.º, cit., pág. 360.

11. Cf. José Alberto dos Reis, Processo de execução, vol. I, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985 (reimpressão), pág. 163.

12. Expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 06B152.

13. Cf. designadamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2007 — processo n.º 4487/06.

14. Expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 06B152.

15. Cf. designadamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 06B152.

16. Cf. designadamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2007 — processo n.º 4487/06.

17. Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 06B152 —, de 31 de Janeiro de 2007 — processo n.º 4487/06 —, de 24 de Outubro de 2023 — processo n.º 2347/13.7TBFAR-A.E1.S2 — ou de 8 de Fevereiro de 2024 — processo n.º 16804/19.8T8LSB-A.L1.S1

18. Expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2006 — processo n.º 06B152.

19. Walther J. Habscheid, Droit judiciaire privé suisse, 2.ª ed., Georg — Librairie de l'Université, Genève, 1981, pág. 425.↩︎

20. Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2020 — processo n.º 96/17.6T8MAI.P1.S1 —, de 22 de Junho de 2021 — processo n.º 2998/11.4TVLSB.L1.L1.S1 — ou de 25 de Janeiro de 2024 — processo n.º 22041/18.1T8LSB.L2.S1.

21. Cf. artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil: “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.

22. Embora o Tribunal da Relação tenha desvalorizado a circunstância de os dois factos terem sido dados como não provados, dizendo-a irrelevante, a verdade é que a circunstância de os dois factos terem sido dados como não provados é relevantíssima — determina a aplicação dos princípios e das regras sobre o ónus da prova de factos modificativos ou extintivos.

23. Cf. facto dado como não provado sob a alínea A): “A mutuária EE interrompeu o pagamento das prestações do empréstimo referido em 3) a 02.05.2014”.

24. Cujo teor é o seguinte: “7. A mutuária EE foi declarada insolvente, por douta sentença proferida em 23.04.2015, no processo 467/15.0..., a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, juízo de Comércio de ... – Juiz 3”.

25. Cujo teor é o seguinte: “A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva”.

26. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2019 — processo n.º 132/13.5TBPTL.G1.S1.