Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
580/16.9T9OER.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: ABSOLVIÇÃO EM 1.ª INSTÂNCIA E CONDENAÇÃO NA RELAÇÃO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
SUBTRAÇÃO DE MENOR
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Embora todas as condutas descritas no n.º 1 do art. 249.º do CP integrem o crime de subtração de menor, a modalidade de subtração de menor da al. a) é substancialmente distinta da modalidade da al. c), na nova formulação, que lhe foi dada pela Lei n.º 61/2008, de 31/10.
II - Quando a titularidade e o exercício das responsabilidades conjugais são conjuntos, por tal decorrer da lei, qualquer dos progenitores tem uma relação funcional, de poder-dever, sobre o menor, designadamente de convívio com ele.
III - Enquanto uma autoridade pública não estabelecer um regime diverso desta regra geral de exercício conjunto das responsabilidades conjugais, nomeadamente, por separação de facto dos progenitores, separação de pessoas e bens ou divórcio, não se vê razões para integrar na al. a), n.º 1 do art. 249.º do CP - que se mantém inalterada desde 1995 -, a retirada de um menor da casa de morada de família por parte de um dos progenitores.
IV - Conhecidas que são as frequentes críticas que o crime de subtração de menores sofre pela sua intervenção da área da família, esta interpretação da al. a), n.º 1, do art. 249.º do CP é a que melhor respeita o sentido da subsidiariedade de intervenção do direito penal.
V - A tal não obsta a al. c), na nova formulação, que censura penalmente o incumprimento qualificado, das decisões judiciais que regulam o regime de convivência do menor na regulação das responsabilidades parentais, em que o agente recusa, atrasa ou dificulta significativamente a entrega do menor.
VI - O que o legislador visou com a nova formulação da al. c), foi a imposição de uma punição, a qualquer dos progenitores, como forma de fazer respeitar as decisões judiciais de regulação do exercício das responsabilidades parentais, por incumprimento qualificado, com recusa de entrega do menor, tantas vezes por eles desobedecidas.
Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1


Recurso Penal


*


Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça.


I - Relatório


1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... Oeste - Juízo Local Criminal ... – J., sob pronúncia que recebeu a acusação do Ministério Público, foi submetida a audiência de julgamento a arguida AA, devidamente identificada nos autos e, no final da mesma, por sentença de 21 de abril de 2022, foi absolvida da prática do crime de subtração de menor, p. e p. pelo art.249.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código Penal, que lhe era imputado.


2. Inconformado com a decisão absolutória, dela interpôs recurso o assistente BB para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 29 de junho de 2023, decidiu, além do mais (transcrição):


“A) Nos termos do preceituado no artigo 431º, al. a) e b), do CPP, alteram a matéria de facto nos termos seguintes termos:


Quanto à matéria de facto dada como provada:


O artigo dos factos dados como provados passará a ter a seguinte redação: 4. Em data não concretamente apurada, mas situada no final de Março ou início de Abril, a arguida formulou o propósito de abandonar o território nacional, levando consigo a filha menor CC, sem o conhecimento consentimento de BB.


O artigo 16 dos factos dados como provados passará a ter a seguinte redação: 16. A arguida não mais regressou a Portugal, nem permitiu o regresso da sua filha a este país. Em 22.11.2017, o Tribunal ... de Primeira instância de Mediacão e Substanciação da Proteção de Crianças e Adolescentes do Distrito Judicial da Região Metropolitana de ... (Venezuela) determinou que a menor não pode mudar de residência para o exterior da República Boliviana da Venezuela. De tal decisão recorreu o aqui assistente, tendo o Juzgado Superiri Segundo del Circuito Judicial de Proteção de Ninõs, Ninãs e Adolescentes de la circunscricion Judicial del Área Metropolitana de ... y Nacional de Adopcion Internacional, decidido, em 9.3.2018: no ponto Segunda decretar medida preventiva de proibição de saída do país da menor e, no ponto Terceiro, determinou que as medidas decretadas se manteriam em vigor até que se dirima o conflito da custódia da menina e se estabeleça outro tipo de regime por acordo entre as partes ou por órgão judicial.


O artigo 19 dos factos dados como provados passará a ter a seguinte redação: 19. O pai da arguida que teve um problema de cálculos nas vias biliares, foi-lhe diagnosticado icterícia e foi-lhe recomendada a realização de uma operação médica de emergência e no dia 1 de Abril de 2016, foi alvo de uma complicada cirurgia, com perigo de vida para o mesmo.


O artigo 20 dos factos dados como provados passará a ter a seguinte redação: 20. Ao empreender a viagem para a Venezuela pretendia também ajudar o seu pai, àquela data recentemente internado e a acompanhá-lo nas diversas consultas médicas, bem como a dar apoio emocional aos seus pais, pois nenhum dos seus três filhos residia na Venezuela, face à difícil situação política aí existente.


O artigo 26 dos factos dados como provados passará a ter a seguinte redação: 26. O arguido impediu o acesso da arguida à conta bancária de ambos.


O artigo 27º dos factos dados como provados passará a constar dos factos não provados.


O artigo 33º dos factos dados como provados passará a constar dos factos não provados.


O artigo 39 dos factos dados como provados passará a ter a seguinte redação e o seguinte número 36:


36. Na sequência de pedido interposto pelo assistente, a Autoridade Central Portuguesa designada em matéria de proteção de crianças e jovens e relativamente aos aspetos civis do rapto internacional de crianças, e que, como Autoridade Central, compete à DGRSP, através do Gabinete Jurídico e de Contencioso, com recurso à Convenção Internacional de Haia (assinada pela Venezuela e Portugal), desencadeou procedimento com vista à restituição da menor, tendo dado origem a um julgamento na Venezuela, país a quem foi solicitada a cooperação, tendo a menor sido confiada à guarda da arguida pelo Octavo Tribunal de Primeira Instância de Mediação e Substanciação da Proteção de Crianças e Adolescentes do Distrito Judicial da Região Metropolitana de ... (Venezuela). Mais foi determinado que a menor não pode mudar de residência para o exterior da República Boliviana da Venezuela. Tendo o assistente interposto recurso, a sentença foi confirmada pelo Segundo Tribunal de Primeira Instância de Julgamento de crianças e adolescentes da circunscrição judicial da Região Metropolitana de ... / Venezuela. Mas, esta decisão do Tribunal Superior, embora no ponto Segunda tenha decidido a manutenção das medidas preventivas, designadamente a medida preventiva de proibição de saída do país da menor, no ponto Terceiro determinou que as medidas preventivas decretadas se manteriam em vigor até que se dirima o conflito da custódia da menina e se estabeleça outro tipo de regime por acordo entre as partes ou por órgão judicial..


O artigo 43º dos factos dados como provados passará a constar dos factos não provados.


O artigo 48 dos factos dados como provados passará a ter a seguinte redação e o seguinte número:


44.Presentemente a arguida gostaria de ir residir para a Colômbia, onde os seus pais entretanto passaram a residir e só não o faz porquanto por decisão judicial ( referida no ponto 16 dos factos dados como provados ), a menor não pode mudar de residência pata o exterior da República Boliviana da Venezuela sem se dirima o conflito da custódia da menina e se estabeleça outro tipo de regime por acordo entre as partes ou por órgão judicial.


Quanto à matéria de facto dada como não provada:


O ponto 1 dos factos dados como não provados passará a constar dos factos provados com o número 45, atenta a necessidade de renumeração:


45. Ao viajar para a Venezuela com a sua filha, agiu a arguida com o propósito concretizado de retirar a menor CC da casa de morada de família, para assim impedir que o pai da menor mantivesse um contacto efectivo e prático com a sua filha.


O ponto 2 dos factos dados como não provados passará a constar dos factos provados com o número 46 e com o seguinte teor:


46. Agiu a arguida com o propósito de não entregar a menor ao progenitor, o que recusou, mesmo sabendo que a guarda e cuidados da mesma tinham sido entregues a BB por decisão judicial.


O ponto 3 dos factos dados como não provados passará a constar dos factos provados com o número 47 e com o seguinte teor:


47. Quis a arguida reter a menor consigo, comportando-se como se tivesse a guarda e confiança da menor CC, que sabia não ter.


O ponto 4 dos factos dados como não provados passará a constar dos factos provados com o número 48, com o seguinte teor:


48. Sabia a arguida que não cumpria o regime estabelecido quanto às responsabilidades parentais da menor CC.


O ponto 5 dos factos dados como não provados passará a constar dos factos provados com o número 49, com o seguinte teor:


49. A arguida agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente e conhecia o carácter proibido e punido por lei da sua conduta.


B) Conceder provimento ao recurso interposto pelo assistente, BB, e, consequentemente, condenar, a arguida pela prática e um crime, p. e p. pela alíneas a) e c), do artigo 249º do CP, na pena de 6 (seis) meses de prisão que, nos termos do disposto no artigo 45º, nº1, do CP, se substitui por pena de multa - 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 7 (sete) euros, no montante global de €1.260 (mil duzentos e sessenta).”.


3. A arguida AA, irresignada com o acórdão do Tribunal da Relação, dele vem interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):


“1.Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido em 29/06/2023, o qual julgou “Conceder provimento ao recurso interposto pelo assistente, BB, e, consequentemente, condenar, a arguida pela prática de um crime, p. e p. pela alíneas a) e c), do artigo 249º do CP, na pena de 6 (seis) meses de prisão que, nos termos do disposto no artigo 45º, nº1, do CP, se substitui por pena de multa - 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 7 (sete) euros, no montante global de €1.260 (mil duzentos e sessenta).”.


2. Entendemos que o Acórdão recorrido não fez uma correta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente o artigo 249.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CP, errando ao concluir estarem preenchidos os respetivos pressupostos típicos e, consequentemente, condenando a Arguida pelo crime de subtração de menor, p. e p. naquela disposição.


3. Uma vez que interpreta a norma constante do artigo 249.º, nº1, al. a) do CP no sentido de que o progenitor com quem o menor habitualmente reside e que tem sobre este o direito e dever de exercício dos poderes parentais, ao abrigo da lei civil (por força do disposto no artigo 1901.º, n.º 1 do CC), pode ser autor do crime de subtração de menor, nos termos dessa mesma norma.


4. E ainda quando decide não ser justificação plausível para afastar o preenchimento da alínea c) do n.º1 do artigo 249.º, o facto de a Arguida optar por aguardar decisão do Tribunal Venezuelano, relativo à regulação das responsabilidades parentais, para tomar uma decisão quanto ao regresso da menor a Portugal, ao invés de arriscar regressar para um ambiente instável e inseguro para a sua filha, cujo interesse considerou, no cumprimento do papel de mãe, mais bem salvaguardado ao permanecer na Venezuela.


5. Bem como, ainda, ao concluir que a Arguida, ao viajar com a menor para a Venezuela, sua terra natal, para visitar o seu pai (avô da menor), doente, agiu com o intuito de não mais regressar a Portugal, e que, que, através desse comportamento, pretendeu que a menor não mais tivesse contacto com o pai, sendo que, tal não corresponde à verdade, como se demonstrará.


6. Condenando, assim, a Arguida por um crime que não cometeu, pois que, como se reforçará, não se preenchem os pressupostos típicos do crime pelo qual vem agora condenada.


7. Além disso, o Acórdão recorrido viola, no entender da recorrente, o disposto no n.º 2 do art.º 410º do C.P.P., a saber: manifesta insuficiência da matéria de facto apurada para alcançar uma decisão justa e erro notório na apreciação da prova, pois a decisão recorrida, com base nos factos provados jamais poderia imputar-lhe condutas integradoras do crime de que vem acusada.


8. Quando, por tudo o supra explanado, as provas e os elementos dos autos apontam, necessariamente, para uma decisão diferente.


9. Pois todos os indícios constantes nos autos, e aqui repetidos, são elementos que contrariam estas regras da experiência comum.


10. Sendo que a decisão a que o Tribunal de primeira instância alcançou mostra-se, ao contrário do Acórdão de que se recorre, objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbra qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova


11. Existe ainda uma clara e manifesta violação do Princípio da Presunção de Inocência in dúbio pro reo – como se explanará nas presentes alegações.


12. A recorrente entende que a prova que serviu para formar a convicção do Tribunal conduz inelutavelmente a um non liquet: não se pode afirmar, em consciência, que se logrou obter a certeza dos factos.


13. Pois que, da globalidade da prova não resultou provado que ao viajar para a Venezuela com a sua filha, a arguida tenha agido com o propósito concretizado de retirar a menor CC da casa de morada de família, para assim impedir que o pai da menor mantivesse um contacto com a sua filha, bem como não resulta, no entender da Recorrente, provada a demais factualidade nessa sede consignada.


14. Quando, por tudo o supra explanado, as provas e os elementos dos autos apontam, necessariamente, para uma decisão diferente, pois todos os indícios constantes nos autos, e aqui repetidos, são elementos que contrariam estas regras da experiência comum.


15. Sendo que a decisão a que o Tribunal de primeira instância alcançou mostra-se, ao contrário do Acórdão de que se recorre, objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbra qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.


16. Ainda, a acrescer, no entender da Recorrente, existe uma violação deste princípio da intervenção mínima do Direito Penal nas relações familiares, que se mostra desproporcional face aos factos ocorridos e demonstrados, contrariando assim outros tantos princípios, como o da subsidiariedade.


17. Pois, como se entende, o Direito Penal deve ter uma intervenção mínima nas questões relacionadas com o campo das relações familiares – havendo, no caso em apreço, uma manifesta colisão destes direitos fundamentais em presença.


18. A recorrente alega ainda que a sentença proferida é nula nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal por ter violado o disposto no artigo 374º, nº 2 do mesmo diploma legal, uma vez que não contém fundamentação suficiente de facto no que concerne à sua condenação.


19. Por fim, o Acórdão viola inequivocamente o estatuído no art.29.º, n.º 5, da CRP, ao estabelecer que «Ninguém pode ser julgado mais do que do que uma vez pela prática do mesmo crime» - na perspetiva da violação do princípio non bis in idem, conforme se explanará.


20. O Acórdão recorrido viola, no entender da recorrente, o disposto no n.º 2 do art.º410º do C.P.P., a saber: manifesta insuficiência da matéria de facto apurada para alcançar uma decisão justa e erro notório na apreciação da prova, pois a decisão recorrida, com base nos factos provados jamais poderia imputar-lhe condutas integradoras do crime de que vem acusada.


21. De facto, entende-se que a livre convicção do julgador não significa arbitrariedade, não significa passar ao lado das questões, antes significa julgar com imparcialidade e isenção ficando transparente para os técnicos do direito e para o comum dos cidadãos que a prova testemunhal e real implica a tomada de uma decisão através de um raciocínio lógico.


22. O erro judicial é a divergência entre o que se dispõe no acórdão e a verdade fáctica ou a legalidade. O direito ao recurso abrange não só o remédio jurídico destinado a colmatar matéria de direito como também os erros de julgamento que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros, tais provas devem ser transcritas e devem ser apreciadas detalhadamente pelo Tribunal da Relação por forma a que o mesmo conclua sobre se assiste ou não razão ao recorrente.


23. O erro notório invocado pelo recorrente não se afere da desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a da aqui recorrente, antes e tal como bem se refere no Ac. STJ, de 09/12/1998 é aquele que de tal modo evidente não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta.


24. No recurso sobre a matéria de facto, o assistente invocou que os factos n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 da matéria de facto não provada elencada na sentença, deveriam ser considerados provados, e os factos n.ºs 4, 16, 19, 20, 27, 32, 39 e 43 da matéria de facto provada deveriam ter outra redação, que o recorrente ali descreve.


25. A arguida, bem como o douto Ministério Público, invocaram, de forma fundamentada, nas suas contra-alegações, a insuficiência para a decisão da matéria de facto pretendida pelo recorrente.


26. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida e não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto (Ac. do S.T.J. de 13/2/91, AJ., ano n.º 15/16, proc. 41567) nem com a circunstância de se terem considerado como não provados determinados factos da acusação ou da pronúncia. “Para se verificar esse fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, p. 325). E tal insuficiência tem de existir internamente, no âmbito da decisão. Não sendo permitido, senão em sede da apreciação de recurso da matéria de facto, confrontar a prova produzida com a decisão por ser elemento a esta estanho, a menos que resulte do próprio texto da decisão por si só ou conjugada coma as regras da experiência. Por seu turno, erro notório na apreciação da prova é aquele que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta (Simas Santos e Leal Henriques, C.P.P. Anotado, I, 554) e traduz uma desconformidade do facto apurado com a prova.


27. O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja "vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório" (Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1º vol., fls. 211). Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias (“Direito Processual Penal I, 202) "a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e controlo".


28. Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.


29. A nulidade reconhecida por inobservância do princípio do contraditório acarreta a nulidade da sentença proferida.


30. Para tal se impõe a impugnação dos factos agora dados como provados bem como de todas as discrepâncias e incertezas no alcance, pelo Tribunal da Relação, da sua convicção quanto à prática dos factos.


31. Contrariamente ao decidido, toda a prova produzida logrou contraditar a apreciação feita pelo Tribunal da Relação, tendo ficado demonstrado que a opção do Tribunal é de todo em todo inadmissível face às regras da experiência comum.


32. Encontram-se incorretamente julgados, e a impugnação deverá ser conhecida pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, visto que viola as regras da experiência comum, todos os pontos relativos aos factos assentes quanto à arguida, alterados em sede de matéria de facto, pelo Tribunal da Relação.


33. Como refere, e bem, o tribunal a quo, a fundamentação da sentença garante a possibilidade do seu controlo endoprocessual e extraprocessual. Mas uma sentença bem motivada, na parte que nos interessa aqui – da motivação da matéria de facto -, apenas explica adequada e suficientemente porque o juiz se convenceu. Não garante, por si só, que o juiz se convenceu bem.


34. No entender da Recorrente, o tribunal a quo, inicia aqui a sua análise da prova e fundamentação para alcançar a sua convicção, mas, caindo no erro que o próprio Tribunal “aponta” ao tribunal de primeira instância…


35. Esteve muito bem o tribunal de primeira instância ao decidir como decidiu, ao valorar a prova como valorou e ao decidir não prejudicar/condenar a arguida em caso de incerteza. Já o tribunal de que se recorre, em toda a sua explanação se vislumbra dúvidas e incertezas e, com base nisso, decide contrariando, e violando de forma crassa, o princípio da inocência.


36. Pois o tribunal de que se recorre decide com base em explanações como: “Assim, não encontra este Tribunal ad quem explicação para o procedimento da arguida nesta viagem e para as medidas que tomou senão a de que, desta vez, a arguida pretendia ir para a Venezuela por tempo indeterminado e não, tão só, para ver o pai e regressar”.


37. Então, o tribunal a quo, decide, dizendo que não encontra explicação para o comportamento da arguida, e então que necessariamente terá de preencher tal incerteza como decidiu?


38. É o tribunal de primeira instância sobejamente demonstrou como formou a sua convicção no sentido contrário, e nomeadamente, cumprindo com o princípio da inocência, aceitou e fundamentou, na prova produzida, diversas outras razões para a viagem – ao contrário do invocado pelo tribunal a quo.


39. O tribunal a quo escreveu que “O Tribunal baseou a sua convicção, quanto aos factos provados e não provados, no conjunto das provas produzidas em audiência de julgamento, analisadas de forma crítica e conjugada, e bem assim de harmonia com as regras da lógica e de experiência comum”.


40. Tendo fundamentado da seguinte forma: “Foram elementos essenciais de prova: a) – Prova por declarações: As declarações da arguida, que tomou posição quanto aos factos imputados: - Admitiu os factos considerados provados 1 e 2, referindo ter viajado até à Venezuela, levando consigo a sua filha CC, com o conhecimento prévio do assistente (nesta parte não se acreditou), com quem à data se encontrava casada e pai da sua filha, pese embora em ... 2016 tenham decidido divorciar-se, tendo o assistente assinado uma declaração em como seria a arguida a ficar com a “custódia” da filha. A viagem que realizou à Venezuela tinha por finalidade estar com o seu pai, que se encontrava gravemente doente (existindo prova documental da enfermidade, pelo que se considerou provado) e posteriormente regressaria com a filha a Portugal, onde se encontrava integrada. Viajou com a ajuda do seu irmão, à data residente em ..., que veio a Portugal e alugaram um veículo onde se transportaram até o aeroporto em ... e daí viajou com a filha de avião até ..., por assim a viagem ser menos dispendiosa. Relatou a abordagem de que foi alvo no aeroporto, por parte da Polícia ..., aquando da escala efetuada na cidade de ..., o que muito a assustou, tendo-lhe sido transmitido terem recebido um fax da polícia ... comunicando o sequestro da filha, cuja origem, no entanto, estranharam, visto não ser da Interpol (o que está de acordo com o doc. de fls. 34, do Inquérito 314/16.8..., apenso aos presentes autos, email emitido pela Interpol de ...). Assim, ficou a ter conhecimento da participação feita pelo assistente, o que se considerou provado. No dia 6 chegou à Venezuela e logo no dia 20 recebeu um email do Tribunal de ... com a decisão do Tribunal de ..., atribuindo provisoriamente as responsabilidades parentais ao assistente. No entanto, tendo a Autoridade Central Portuguesa solicitado à sua congénere na Venezuela o regresso imediato da menor a Portugal, na Venezuela foi realizado julgamento, ao qual o assistente compareceu, tendo sido decidido que a menor permaneceria na Venezuela. A arguida é natural da Venezuela, país onde o assistente também residiu (ambos têm dupla nacionalidade), tendo o casal residido durante dois anos na casa dos pais da arguida, na Venezuela, pelo que desde o início que o assistente tinha conhecimento da residência onde permaneceria na Venezuela. Apenas não retornou a Portugal, com a menor, por o assistente ter bloqueado o seu acesso às contas, tendo ficado sem meios de subsistência e não lhe atender as chamadas e todo o seu comportamento fez com que ficasse receosa. Nunca dificultou os contactos entre a filha e o assistente, continuando, mãe e filha, a residir em ..., tendo os pais da arguida, há dois anos, emigrado para a Colômbia, país para onde também atualmente gostaria de ir residir (a arguida também tem nacionalidade colombiana), visto em Portugal ser difícil reiniciar o seu percurso profissional, porém não o pode fazer porquanto o passaporte da sua filha não permite que se ausente da Venezuela. Em Portugal tinha uma cadela que ficou com uma amiga que tomaria conta dela e o seu veículo automóvel ficou na posse de outra amiga, de nome DD, a quem o emprestou durante o período em que permaneceria na Venezuela (comportamento compatível com a intenção de após a viagem regressar a Portugal, tanto é que também era sua intenção divorciar-se do assistente). Esclareceu a factualidade relativa à sua situação pessoal e financeira. As declarações do assistente BB, engenheiro de sistemas de informação: - Admitiu os factos 1 e 2, referindo desconhecer que a arguida pretendia viajar até à Venezuela, apenas tendo conhecimento quando chegou a casa, cerca das 20 horas, após um dia de trabalho e deparou-se com a sua ausência, bem como da sua filha, a casa desarrumada, a falta de alguns bens, mormente malas de viagem. Pese embora no início das suas declarações tenha referido ter tentado entrar em contacto telefónico com a arguida, posteriormente, a instâncias, afirmou não se recordar se efetivamente tentou falar com aquela.


Após ter telefonado ao irmão da arguida habitualmente residente em ..., mas que viera passar uns dias a sua casa, na mesma noite, cerca das 21 horas, apresentou queixa na esquadra ... por desconhecer o paradeiro da filha.


Na mesma noite, mais tarde, a arguida enviou-lhe uma mensagem dizendo que estava com amigos, à qual não respondeu. Após ter ido à polícia través do computador da casa, teve acesso a um email dum irmão da arguida que comprara as passagens de avião, tendo ficado sabedor que tinha ido para .... No dia seguinte a arguida enviou-lhe nova mensagem dizendo que decidira visitar os pais, por 15 dias, pois o pai estava doente Referiu que a arguida lhe tinha transmitido que um dia iria viver para a Venezuela, com os pais, para os ajudar financeiramente, levando consigo a filha do casal(nesta parte, não se acreditou que a arguida dissesse que o objectivo seria ajudar os pais financeiramente, pois pela difícil situação económica da maioria dos habitantes da Venezuela, país de emigrantes em busca de melhor qualidade de vida, para ajudar os pais financeiramente a arguida nunca poderia regressar à Venezuela, sendo-lhe tal desiderato mais fácil se continuasse em Portugal. Aliás a própria arguida referiu a insegurança e dificuldades financeiras e pelas quais passa por viver na Venezuela). Referiu falar uma ou duas vezes com a filha, através de WhatsApp, pese embora nos dois primeiros anos os contactos tenham sido poucos e quando se deslocou à Venezuela, a fim de estar presente no julgamento, esteve com a criança. Aduziu como justificação para não viajar à Venezuela a fim de ver e estar com a sua filha o facto de devido à violência existente naquele país, do que é conhecedor pois nele residiu, sentindo-se inseguro. b) Prova testemunhal: os depoimentos das testemunhas inquiridas: - EE, irmão do assistente (de nacionalidade portuguesa, mas nascido na Venezuela), no dia 4 de Abril de 2016, cerca das 20 horas, recebeu um telefonema do assistente, que se encontrava alterado e a cuja casa se dirigiu, constatando que a arguida e filha ali não se encontravam, bem como o veículo automóvel da arguida, cadela, faltando roupa da arguida e máquinas fotográficas. Nessa noite através do correio electrónico da arguida a que o assistente teve acesso, o assistente constatou que um irmão da arguida comprara passagens de ... para o ... e Venezuela para a arguida e filha. Dirigiram-se à policia, ao aeroporto de ... e policia judiciária dando conta do ocorrido. Posteriormente, numa viagem que esta testemunha efectuou à Venezuela pediu à arguida para ver a menor, o que esta permitiu, estando com ela mais de duas horas, aparentando estar bem e entregou-lhe uma prenda do pai. Por sua vez FF, mãe do assistente, referiu que a ida da arguida foi uma surpresa, o que também foi referido pela testemunha GG, amigo e colega do assistente que também conhecia a arguida. - DD (de nacionalidade espanhola, residente em Portugal), amiga da arguida desde o ano de 2012 ou 2013, referiu ter estado na casa da arguida, que se preparava para viajar para a Venezuela durante um período de 15 dias por motivos de saúde do pai, onde também se encontrava o seu irmão HH para lhe dar apoio e o assistente, o qual sabia que estavam a ser tratados os preparativos para a viagem. Ora, não se acreditou nesta última parte do depoimento pois, além de todo o comportamento do assistente após constatar que arguida e filha não se encontravam em casa, esta testemunha mais referiu que o assistente telefonou-lhe na noite de 4/04/2016 perguntando-lhe se sabia da arguida, ao que lhe respondeu negativamente. Este telefonema só é compreensível perante o desconhecimento, por parte do assistente, da viajem da arguida à Venezuela (aliás, o próprio assistente admitiu ter efectuado este telefonema). Foi com esta testemunha que a arguida deixou o seu veículo automóvel, referindo que lhe pedira o veículo emprestado pois o seu ia para a oficina. Mais referiu, esta testemunha, que a arguida pensava em divorciar-se (o que não seria do agregado do assistente) e permanecer em Portugal, tendo a arguida chegado a pedir ao assistente para“retirar as queixas”, para assim poder regressar a Portugal. -II, ..., conhece a arguida por via de um curso de pós graduação que criou e coordena cientificamente, tendo a arguida sido sua aluna há cerca de seis anos, tinha terminado o primeiro semestre com aproveitamento e nessa época confidenciou-lhe que iria viajar até à Venezuela porque o pai estava doente e quando regressasse iria continuar como aluna do segundo semestre. Tinha convidado a arguida para ser formadora e a arguida tinha estado a dar formação a alunos de mestrado e licenciatura, na área da ..., tendo sido muito bem sucedida e tinham acordado dar continuidade,


o que seria remarcado quando regressasse da viagem. Após, nunca mais viu a arguida tendo-lhe chegado ao conhecimento que estava impedida de regressar a Portugal. Ora, do depoimento desta testemunha, objectivo e desinteressado desta testemunha o Tribunal convenceu-se que a arguida quando viajou até à Venezuela pensava apenas permanecer por algum período e depois regressar, tanto é, como referiu, houve todo um investimento financeiro por parte da arguida e conversas sobre o trabalho do segundo semestre e projectos subsequentes ao regresso da viagem, o que apenas tinha cabimento caso a arguida estivesse convicta que regressaria a Portugal. - JJ, amiga da arguida, conhecendo-a por terem sido colegas num curso na área do ... e acabaram por desenvolver uma amizade, tendo-lhe transmitido que o pai estava doente que iria visitá-lo e posteriormente a arguida contou-lhe que estava envolvida numa confusão, que o seu objectivo era regressar a Portugal e que acabaria por se entender com o assistente de forma a poder regressar a Portugal, o que nunca aconteceu. - KK, conhece a arguida e assistente, no infantário da menor CC e de um filho desta, tendo a arguida transmitido que iria à Venezuela visitar o pai que estava doente, viagem que foi súbita, pois tinham combinado efectuar uma festa em comum das crianças, que não aconteceu devido à viagem, tendo ficado convicta que a arguida pretendia regressar a Portugal. – HH, irmão da arguida, à data vivia em ... e a pedido daquela no dia 3 de Março de 2016 deslocou-se a sua casa, em Portugal, para a ajudar na logística da viagem à Venezuela, que iria fazer a fim de ajudar o pai de ambos, que se encontrava doente, sendo aquela a única filha com disponibilidade para viajar (todos os filhos viviam no estrangeiro). À tarde o assistente e irmão


estavam em casa enquanto faziam as malas e estava inteirado da viagem (nesta parte, por contraponto à globalidade da prova, não se acreditou nesse conhecimento). Mais referiu que a viagem foi decidida em pouco tempo, devido ao agravamento da saúde do pai, o que se acreditou, pois conforme referido tanto pela arguida como pelo assistente, poucos dias antes o assistente regressara de uma viajem em trabalho ao ... onde permanecera uma semana, pelo que temos de concluir que esse seria o melhor período para calmamente efectuar a viagem, caso não tivesse um factor que tivesse precipitado essa decisão. Viajaram até ... num veículo alugado, por os voos a partir daquele destino serem mais económicos, tendo naquela cidade a arguida viaja do de avião até à Venezuela e esta testemunha regressado a .... A menor CC também foi ouvida (via webex) pelo Tribunal, sendo uma criança comunicativa e “normal” para a idade, afirmando costumar falar com o pai. c) – Prova documental: - Auto de Denúncia de fls. 3-4 (Inquérito n.º 314/16.8..., apensado); aditamento de fls. 5 e fls. de Suporte de fls. 9-10 (Inquérito n.º 314/16.8..., apensado); informação da Autoridade Central de fls. 51, 99-100, 190; cópias de fls. 52-81, 84-87; autos de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 997/16.9...; documentos de fls. 201- 238; certidão de fls. 312-321; assentos de nascimento de fls. 335-337; documento relativo ao estado de saúde do pai da arguida (doc. n.º 2, apresentado com a contestação); queixa crime apresentada pela arguida em 15.04.2016, contra o arguido, acusando-o de maus tratos (doc. n.º 1, apresentado com a contestação); carta enviada ao aeroporto de ... (doc. n.º 4, apresentado com a contestação); cópias dos emails que a arguida remeteu ao assistente no período compreendido entre o dia 6 e o dia 22 de Abril de 2016 (fls. 799 a 804); SMS remetidos ao assistente nos dias 4, 5 e 6 de Abril de 2016 (fls. 805); cópia de SMS remetidos pelo mandatário da arguida ao assistente, desde13deabril de 2015, por SMS (doc. n.º 5, apresentado com a contestação); declaração escrita pelo assistente, datada de 27.03.2016, consentindo expressamente, que a guarda da menor seria entregue à arguida (doc. n.º 6, apresentado com a contestação); duas sentenças proferidas pelos Tribunais da Venezuela (doc. n.º 8 e 9, apresentados com a contestação); decisões proferidas nos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 997/16.9..., que correram termos no J1 da 3ª Secção no Juízo de Família e Menores de ... – Instância Central, juntos aos autos com a contestação; despacho de arquivamento do inquérito pelo crime de violência doméstica, de fls. 947 a 950); certificado de registo criminal da arguida (valorado no que tange à ausência de ntecedentes criminais).”.1


41. A Mmª Juíza de Direito fundamentou, de forma clara e extensa, o que motivou a sua convicção, dando-lhe a essas motivações, e a favor da arguida, a sua credibilidade, ao invés de julgar a intenção da arguida, exatamente por não ter provas suficientes para com, um elevado grau de certeza, decidir pelo contrário! E é isto que os tribunais têm o dever de cumprir!


42. Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, referindo-se a relevância que têm para a formação da convicção do julgador “elementos intraduzíveis e subtis”, que vão agitando o espírito de quem julga.


43. Que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto. Tendo o Tribunal formado a sua convicção com provas não proibidas por lei prevalece a convicção que da prova teve.


44. Ao contrário do decidido pelo tribunal de primeira instância, o Tribunal a quo apenas julgou com base em convicção, com base em suposições na medida em que não teve lugar a produção de qualquer prova que indicasse factualmente que a arguida praticou os factos descritos, com a intenção e elemento subjetivo do crime de que vem agora condenada.


45. O tribunal de primeira instância valorou toda a prova e factualidade, no seu conjunto, chegando, por fim a decidir que “Ora, pese embora tenha havido uma regulação provisória das responsabilidades parentais, por decisão de 20/04/2016, proferida nos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 997/16.9..., que correram termos no J1 da 3ª Secção no Juízo de Família e Menores de ... – Instância Central, em face da oposição da arguida ao regime provisório estipulado, sem nele ter tido qualquer intervenção, ao julgamento entretanto iniciado e realizado na Venezuela, seu país de origem e de que é nacional, é justificável que a arguida não regressasse a Portugal com a menor, aguardando na Venezuela pela decisão da sua oposição e pelo desfecho do julgamento realizado naquele país, entendendo-se, assim, que essa sua omissão encontra-se justificada.”


46. Pelo contrário, não se entende onde se baseia o tribunal a quo para decidir como decidiu.


47. Havendo uma clara e manifesta violação do Princípio da Presunção de Inocência in dúbio pro reo – como brevemente se explanará nas presentes alegações.


48. Pois que, o quadro traçado pelo acórdão convoca inelutavelmente, no mínimo, uma dúvida, que impunha o uso do in dubio pro reo e tendo o Tribunal a quo decidido contra a arguida.


49. Efetivamente, com base na matéria assente não se poderia ter imputado à arguida a prática de qualquer do crime designadamente de crime doloso; sendo flagrantes as dúvidas que resultam da decisão recorrida acerca das circunstâncias em que ocorrerem os factos pelos quais a recorrente foi, indevidamente condenada e que tinham, obrigatoriamente, de militar em sentido favorável à arguida, que se presume inocente até prova em contrário.


50. Mais, a recorrente entende que a prova que serviu para formar a convicção do Tribunal conduz inelutavelmente a um non liquet: não se pode afirmar, em consciência, que se logrou obter a certeza dos factos.


51. Perguntar-se-á se com base nas provas pessoais e reais produzidas e examinadas em audiência subsiste ou não uma dúvida razoável sobre ter a recorrente praticado os factos dados por provados?


52. A presunção de inocência (art.º 32º, n.º 2, da Constituição da República), pertence, sem duvida, aos princípios fundamentais do processo penal em qualquer Estado de Direito, e é, antes de mais, uma regra política que releva o valor da pessoa humana na organização da sociedade e que recebeu consagração constitucional como direito subjetivo publico, direito que assume relevância pratica no processo penal num duplo plano: no tratamento do arguido no decurso do processo e como principio de prova (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, editorial Verbo, 1996, p. 282).


53. Este princípio está ligado ao princípio da investigação ou da verdade material, que significa caber ao juiz, em última instância, instruir e esclarecer os factos sujeitos a julgamento. A atividade investigatória do Tribunal não é limitada pelo material de facto aduzido pelos outros sujeitos processuais, antes se estende que devem reputar-se relevantes (Figueiredo Dias, ob. Cit., p. 192.).


54. Vê-se que o Tribunal se ficou por meras fórmulas tabelares, não tendo apreciado esta questão, sendo que saber se o Tribunal a quo ficou em estado de dúvida ou não, também é uma questão de facto a qual abaixo se demonstra.


55. Todas as dúvidas patentes na matéria de facto e demonstradas pela recorrente e pelo douto Ministério Público, bem como pelo próprio tribunal de primeira instância, foram solucionadas em seu desfavor, não tendo o acórdão recorrido efetuado qualquer análise crítica desses fundamentos em concreto uma vez que se limitou a reproduzir o que em teoria é aplicável a todos os casos, não cuidando de com base na matéria para o efeito alegado conhecer ou demonstrar que assistia razão à arguida.


56. Efetivamente, não se encontra demonstrado que a arguida, e ora recorrente, tivesse praticado os factos de que vinha acusada, inexistem quaisquer transcrições comprometedoras e ainda do depoimento das testemunhas de acusação, resulta uma prova meramente circunstancial.


57. Reiterando-se, e dando-se por integralmente reproduzidas toda a factualidade explanada nas alegações do presente recurso


58. Sendo que, dessa factualidade não resultou provado que ao viajar para a Venezuela com a sua filha, a arguida tenha agido com o propósito concretizado de retirar a menor CC da casa de morada de família, para assim impedir que o pai da menor mantivesse um contacto com a sua filha, bem como não resulta, no entender da Recorrente, provada a demais factualidade nessa sede consignada.


59. Tudo ponderado, e mostrando-se a versão e a explicação dos factos apresentada pela arguida, e corroborada por outras testemunhas, perfeitamente plausível e dentro dos trâmites que a experiência nos traz, não se pode considerar provado, como pretende o recorrente, que a arguida tivesse intenção ao realizar a viagem de abandonar Portugal com a filha e se fixar na Venezuela.


60. Toda esta factualidade foi explanada, fundamentada, e baseada na prova, pelo tribunal de primeira instância valorada! E como tal, por si, no seu conjunto, lançam claras e manifestas dúvidas sobre se a arguida praticou os factos como vinha sendo acusada, e como agora foi condenada. Por ter o tribunal a quo decidido, sem fundamento, e em desfavor da arguida!!!


61. Veja-se que só esta errada e violadora da maioria dos princípios do direito penal, decisão deste tribunal a quo, permite, consequentemente, e sem mais, alterar todo o resto da factualidade que foi dada como não provada, para provada!!!


62. E na verdade, como se vê ao longo da pouca explanação do tribunal a quo, é deveras fácil e equivocado a existência desse elemento subjetivo. Aliás o próprio tribunal o refere, como acima se transcreveu!


63. O acórdão chega a invocar que a arguida “fica clara a intenção de incumprir quando… a mesma requer que seja fixado regime provisório no qual lhe sejam atribuídas as responsabilidades parentais”, para efeitos de preenchimento da alínea c) do artigo 249.º do C.P..


64. Pese embora tenha havido uma regulação provisória das responsabilidades parentais, por decisão de 20/04/2016, proferida nos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 997/16.9..., que correram termos no J1 da 3ª Secção no Juízo de Família e Menores de ... – Instância Central, em face da oposição da arguida ao regime provisório estipulado, sem nele ter tido qualquer intervenção, ao julgamento entretanto iniciado e realizado na Venezuela, seu país de origem e de que é nacional, é justificável que a arguida não regressasse a Portugal com a menor, aguardando na Venezuela pela decisão da sua oposição e pelo desfecho do julgamento realizado naquele país, entendendo-se, assim, que essa sua omissão encontra-se justificada.


65. Mas, quanto a isto, o tribunal a quo permanece omisso…


66. E mais… é facto assente que nunca, em momento algum, durante todos estes anos, a arguida foi notificada de qualquer decisão para voltar para Portugal ou entregar a menina… ou de qualquer incumprimento em que tivesse sido condenada.


67. Ora, em momento algum, com a prova produzida e todos os elementos nos autos, se poderia concluir diferente do que fora decidido em primeira instância. “Conclui-se, que ao viajar para a Venezuela com a sua filha, a arguida não agiu com o propósito de retirar a menor CC da casa de morada de família, para assim impedir que o pai da menor mantivesse um contacto efectivo e prático com a sua filha, pelo que não agiu com a intenção de subtrair a menor, não se verificando qualquer ilicitude penal.”


68. Pois que, inexistem provas nos autos que demonstrem o contrário, com uma certeza quase que absoluta, no sentido de a intenção da arguida poder preencher o tipo ilícito em causa.


69. Sendo que, o tribunal a quo decidiu condenar a arguida, aqui recorrente, com base em meras deduções, que não se afiguram suficientes para sustentar essa mesma condenação…


70. E como tal, não sendo suficientes, como acima se explanou, deveria o tribunal a quo ter decidido pela improcedência do recurso, por não se afigurar, com um grau elevado de certeza, a prática dos factos pela arguida, incumprindo e contrariando, como se disse, os princípios gerais do direito, nomeadamente penal.


71. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tbunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.


72. Existirá insuficiência para a decisão da matéria de facto se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa. – Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7/04/2010 (proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) e os Cons. Leal- Henriques e Simas Santos , in “Código de Processo Penal anotado”, vol. 2.º, 2ª ed., pág.s 737 a 739.


73. Se o Tribunal da Relação, na reapreciação da matéria de facto a que se procede nos termos do art.412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., vai proceder a uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto ao ponto de facto que o recorrente considera incorretamente julgado, avaliando se as provas indicadas por este impõem – e não apenas permitem – decisão diversa da recorrida.


74. Se o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou racionalmente a opção tomada, e o Tribunal da Relação entender que da reapreciação da prova resulta o acerto dessa opção sobre a matéria de facto impugnada, nos termos do art.127.º do C.P.P., por não impor decisão diversa, deve manter a decisão recorrida.


75. Todos os indícios constantes nos autos, e aqui repetidos, são elementos que contrariam estas regras da experiência comum.


76. Sendo que a decisão a que o Tribunal de primeira instância alcançou mostra-se, ao contrário do Acórdão de que se recorre, objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbra qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.


77. É notório que o Acórdão não fez a correta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente o artigo 249.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CP, errando ao concluir estarem preenchidos os respetivos pressupostos típicos e, consequentemente, condenando a Arguida pelo crime de subtração de menor, p. e p. naquela disposição, como passaremos a demonstrar.


78. Pois que, a factualidade trazida aos autos, e já exposta na presente contestação, não integra nenhuma das alíneas previstas no artigo de cujo crime vem a arguida acusada – conforme toda a factualidade descrita nas alegações, as quais se dão por integralmente reproduzidas.


79. Ora, “subtrair” significa, no contexto típico da norma, retirar o menor do lugar, do espaço e do círculo da pessoa (ou da instituição) a quem está confiado, seja no âmbito do regime das responsabilidades parentais, da tutela ou da guarda por decisão de uma autoridade competente.


80. Assim, quem detiver a guarda do menor não poderá, por exclusão típica, ser agente do crime, precisamente porque a incriminação se destina a proteger e a garantir os direitos e os poderes que cabem a quem aquele seja confiado.


81. Sendo que não existia qualquer regime que excluísse a Arguida do poder de praticar o facto que praticou: o de viajar com a sua filha, a seu cargo.


82. Tal como, em momento algum a Arguida incumpriu qualquer outro dever inerente, pois que, Até hoje, nunca se viu a arguida confrontada com uma decisão judicial que a obrigasse a retornar a Portugal, ou que obrigasse o retorno da sua filha! Pelo contrário!!!


83. No seguimento de terem sido acionados os meios de cooperação internacionais, a arguida foi submetida a julgamento nos tribunais da Venezuela, como já se explanou.


84. Julgamento esse no qual ficou provado que não houve subtração da menor, por parte da Arguida, e onde foi igualmente comprovado que progenitor concedeu, a esta, a custódia total da menor, em Portugal, em documento privado (conforme acima referido).


85. Processo esse, que foi levado a julgamento, com conhecimento e presença do progenitor, e do qual resultou uma sentença que atribuiu à arguida a custódia da menina e foi concedido ao progenitor, aqui assistente, um regime de visitas para que ele compartilhe e esteja com sua filha, o qual, nunca cumpriu, nem com as restantes obrigações ali dispostas, como a de obrigação de alimentos.


86. Não tendo resultado, pelo contrário, qualquer indício de subtração ou dever/obrigação de a arguida retornar a menor a Portugal.


87. Processo esse, que viu o julgamento realizado na Venezuela, sob as leis da Convenção Internacional de Haia (assinada pela Venezuela e Portugal), e que do qual dispõe a Arguida de uma sentença final definitiva, que comprova a sua inocência da prática dos factos.


88. Sentença da qual o assistente recorreu e, ainda assim, perdeu o seu intento, mantendo a segunda instância integralmente a decisão proferida pela primeira!


89. Ora, como se disse supra, a Convenção da Haia é a norma-quadro de cooperação jurídica internacional que estabelece um mecanismo de obrigações recíprocas entre os Estados Partes destinado a proteger os melhores interesses das crianças, buscando evitar que as dificuldades impostas pelas fronteiras estatais consolidem situações de transferência ou retenção ilícita por um de seus genitores. Elimina, portanto, a garantia de um refúgio além das fronteiras para pais que tenham subtraído seus filhos.


90. E, desta forma, aquelas decisões tomadas ao abrigo daquela suprarreferida convenção, tem aplicação na ordem jurídica portuguesa.


91. Não podendo a Arguida vir agora, ser julgada, pelos mesmos invocados.


92. Além de que, verifica-se assim que a Arguida não está, nem nunca esteve, em incumprimento com qualquer obrigação legal ou judicial, não podendo, por isso, estar integrado o ilícito criminal de que vem agora (uma vez mais…) acusada a Arguida.


93. Pois, se por um lado, no momento da sua saída de Portugal inexistiu subtração, pelas razões acima invocadas – pois a mãe, casada ainda com o progenitor, não teve oposição expressa do pai e esta detinha os poderes resultantes da guarda,


94. Por outro, apesar da guarda provisória obtida pelo pai, à revelia da Arguida, o respetivo processo deu origem a um procedimento de cooperação internacional que resultou numa sentença firme, no tribunal venezuelano, a conceder a guarda à Arguida!


95. Pelo que, desta forma, em momento algum, foi a Arguida verdadeiramente confrontada com uma sentença que ordenasse a efetiva restituição da menor ao pai ou que contrariasse os poderes ao abrigo dos quais a Arguida se encontrava a proceder.


96. Pelo contrário, a sentença no tribunal venezuelano veio a dar razão à Arguida e, em consequência, a conceder-lhe as responsabilidades parentais sobre a menor.


97. Por tudo isto, verifica-se, notoriamente, que o disposto na alínea a) não se encontra preenchido, e que, portanto, inexiste qualquer subtração nos autos.


98. E o mesmo se diga quanto à alínea c) daquele preceito.


99. Ora, já é sabido que nenhum regime estipulado havia em Portugal, aquando da saída da arguida.


100. Veio sim, a existir um processo de responsabilidades parentais, posteriormente, em Portugal intentado pelo assistente e que, ao longo daquele processo sempre omitiu o paradeiro da arguida – quando bem o sabia.


101. Processo que o assistente intentou em 05/04/2016 e que, com inúmeras mentiras, conseguiu as responsabilidades da menor para si, por sentença proferida em 20/04/2016 – 15 dias depois de dar entrada da ação!!!


102. Quando o assistente já sabia, desde o início onde a arguida se encontrava, mas ainda assim arquitetou tal processo e só depois de ser proferido o regime provisório a seu favor é que informou onde se encontrava a arguida.


103. Sendo certo que, ainda assim, nunca nesse processo veio a ser fixado um regime definitivo a favor do progenitor! Mas a verdade é que, no âmbito desse processo, o respetivo tribunal decidiu – e bem – extinguir a ação, e, assim, nunca foi fixada qualquer regulação das responsabilidades parentais.


104. Em despacho de 19/12/2016 o próprio tribunal assume que “Não temos dúvidas de que a situação da menor, designadamente no que se refere ao seu regresso a Portugal, depende da forma como os tribunais Venezuelanos interpretarem e fizerem executar a Convenção de Haia cujo quadro legal é igual para todos os países signatários. Quer isto dizer que caso o tribunal Venezuelano não ordene o regresso da menor este tribunal perde a sua jurisdição relativamente ao exercício das responsabilidades parentais”.


105. Como o próprio despacho decidiu, passamos a repetir: Neste momento, cabe à jurisdição Venezuelana decidir se houve ou não uma deslocação ilícita da criança.”. Decidiu que não havida deslocação ilícita, e atribuiu aguarda e as responsabilidades parentais à mãe, aqui arguida!!!


106. O Ministério Público pronunciou-se quanto à sentença, promovendo que “A decisão do tribunal Venezuelano não só proíbe o regresso da menor a Portugal, ao abrigo do artº13º da Convenção de Haia, como também proíbe a saída da menor da Venezuela e fixa um regime de visitas, provisório, da menor ao pai, no contexto de uma decisão que pretende regular o exercício das responsabilidades parentais.


É, por isso, inequívoco que o tribunal Venezuelano chamou a si a competência para regular o exercício das responsabilidades parentais da menor. Assim, somos de parecer que se deverá proferir agora decisão determinando a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.” (sublinhado nosso).


107. Como se viu, o tribunal venezuelano considerou-se competente para averiguar da existência, ou não, da saída da menor como ilícita.


108. E como só tribunais portugueses, naquele processo, já decidiram – e bem! – tendo a Venezuela decidido considerar a saída lícita, os poderes destes cessam! Tanto para mais que até um regime de responsabilidades parentais aquele tribunal decidiu, a favor da ora arguida.


109. Se um tribunal português já decidiu como decidiu, e em consonância com a decisão venezuelana, não entende a arguida como pode vir acusada do crime de subtração de menor…


110. Estando em causa, desta forma, uma verdadeira contrariedade ao princípio do “non bis in idem”.


111. O princípio serve para garantir que uma pessoa não seja punida ou julgada mais de uma vez pelo mesmo delito, evitando assim a dupla penalização e a perseguição judicial infinita. Este princípio visa garantir a justiça, a segurança jurídica e a dignidade da pessoa humana, protegendo os indivíduos contra abusos de poder estatal.


112. O princípio de Non Bis In Idem é um princípio que resguarda a segurança jurídica, a justiça e a dignidade da pessoa humana, e que está consagrado em diversos sistemas jurídicos ao redor do mundo e em tratados internacionais de direitos humanos.


113. Não estão preenchidos, face a tudo o invocado e demonstrado, os elementos do típico ilícito crime de subtração, plasmado no artigo 249.º do Código Penal, em nenhuma das suas alíneas, invocadas na acusação.


114. Ora, sem dolo, não há (este) crime, e face aos factos demonstrados e aqui provados, no entender da arguida concluem, consequentemente, que esta não praticou os factos de que vem pronunciada, devendo assim, ser a mesma absolvida do crime de subtração que lhe vem imputado.


115. Não podendo o progenitor com quem o menor reside habitualmente incorrer na prática do crime consagrado na al. a) do referido preceito, nunca se verificaria o preenchimento dos elementos típicos do crime de subtração de menor previsto naquela alínea – mesmo com a alteração da factualidade provada levada a cabo pelo tribunal a quo.


116. Um dos elementos típicos do crime previsto na al. c) é, pois, a violação do regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais.


117. No entanto, para estar preenchido o tipo de crime não basta recusar, atrasar ou dificultar significativamente a entrega ou acolhimento da criança, tais condutas terão que ser repetidas e injustificadas. Conduta repetida significa necessariamente que tem que ser mais do que uma. Não é qualquer incumprimento do regime que configura a prática do ilícito, sendo sim a gravidade desse incumprimento e o grau da lesão nas relações entre os progenitores e o seu filho, no caso concreto, que determinará a verificação ou não do ilícito. Por outro lado, a repetição da conduta pode acontecer não apenas com a sua verificação em diversas ocasiões, mas também com a sua continuação no tempo.


118. Conforme já referido, no caso sub judice, quando a arguida se deslocou para a Venezuela, levando consigo a menor, ainda era casada como pai daquela e inexistia uma concreta regulação do exercício das responsabilidades parentais, pertencendo assim a ambos o exercício das responsabilidades parentais. Mais foi determinado que a menor não pode mudar de residência para o exterior da República Boliviana da Venezuela.


119. Ora, pese embora tenha havido uma regulação provisória das responsabilidades parentais, por decisão de 20/04/2016, proferida nos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 997/16.9..., que correram termos no J1 da 3ª Secção no Juízo de Família e Menores de ... – Instância Central, em face da oposição da arguida ao regime provisório estipulado, sem nele ter tido qualquer intervenção, ao julgamento entretanto iniciado e realizado na Venezuela, seu país de origem e de que é nacional, é justificável que a arguida não regressasse a Portugal com a menor, aguardando na Venezuela pela decisão da sua oposição e pelo desfecho do julgamento realizado naquele país, entendendo-se, assim, que essa sua omissão encontra-se justificada.


120. Ora, não nos podemos esquecer que “3. O bem jurídico a proteger na redação atualmente em vigor do artigo 249º, 1, alínea c) do cód. penal continua a ser a garantia da integridade do exercício dos poderes-deveres inerentes às responsabilidades parentais.”


121. Muito mal esteve o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, por interpretar, como se viu, erradamente a aplicação ao caso das alíneas a) e c) do artigo 249.º do Código Penal.


122. O princípio de subsidiariedade de intervenção do direito penal – que supõe a carência de tutela penal de determinado comportamento que afecte bens e valores com relevo axiológico constitucional – não poderá, sem afectar o princípio da proporcionalidade, sustentar a criminalização e o sancionamento penal de um puro e simples incumprimento de um regime sobre direitos civis que tem meios próprios de injunção e coerção ao cumprimento. Por isso, a «subtracção» ou o não cumprimento, com o sentido da alínea c), só deve e pode ter sentido quando se refira a situações de ultima ratio, e os meios normalmente adequados para fazer respeitar o cumprimento das obrigações parentais não se revelam eficazes. É nesta perspectiva que que os elementos da tipicidade do crime do artigo 249º, nº 1, alínea c), do CP, na redacção da lei nº 61/2008, devem ser interpretados e integrados.


123. Como amplamente se explanou já, a arguida não praticou e reiterou qualquer comportamento no sentido de incumprir fosse o que fosse – pois se por um lado nem sequer existia qualquer regime estabelecido, sendo que o estabelecido posteriormente foi provisório e à sua revelia, por outro, em momento existiu qualquer obrigação de cumprir algo, e que não o tenha feito.


124. Logo por este fundamento, o recurso teria de improceder, até porque existem, como se sabe, outros mecanismos para a defesa dos direitos em causa, para a situação em apreço – como os tribunais de família e menores (artigos 180.º e 191.º da O.T.M.).


125. Tal desiderato poderia ser alcançado, nos casos de incumprimento do direito de visita, com recurso aos instrumentos legais contidos na Organização Tutelar de Menores (doravante, OTM)77, nomeadamente no artigo 181º78. De acordo com este artigo, “se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até € 249,90 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos”, mas sempre com respeito pelo “interesse superior do menor”, como impõe o artigo 148º, nº 1, do mesmo diploma legal.


126. Prevê, ainda, a OTM um outro processo tutelar cível especial de entrega judicial de menor (arts. 191º a 193º), para os casos em que o menor é retirado do local onde devia encontrar-se, nos termos do acordo homologado82 ou de decisão judicial. Este processo, sendo julgado procedente, pode terminar com a entrega do menor no local definido pelo juiz (artigo 191º, nº 4 da OTM) ou com o seu “depósito em casa de família idónea” (artigo 192º, nºs 2 e 3 da OTM).


127. Para além das situações analisadas anteriormente, há ainda a possibilidade de ser intentada uma acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais , nos termos do artigo 182º, nº 1 da OTM.


128. Finalmente, e para os casos mais graves, o CC prevê também a inibição do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1915º) e a entrega do menor a terceiro (artigo 1918º).


129. Havendo assim, no entender da Recorrente, uma violação deste princípio da intervenção mínima do Direito Penal nas relações familiares, que se mostra desproporcional face aos factos ocorridos e demonstrados, contrariando assim outros tantos princípios, como o da subsidiariedade.


130. Nestas já longas motivações, fastidioso seria enumerar detalhadamente todas as normas jurídicas que saem violadas da solução encontrada pelo tribunal recorrido e que se foram manifestando com a apreciação factual que antecede e se têm por reproduzidas na íntegra, quer quanto à falta de prova incriminatória, quer quanto às questões marginais e processuais que a acompanham.


131. Pelo que, reservando-se para a imediatamente subsequente sede de conclusões o arguido que, sem abandonar a sua certeza de não ter cometido o ilícito criminal que lhe foi imputado ou qualquer outro, se acolhe ao princípio da dúvida (mais que) razoável, o basilar in dubio pro reo, que tanto basta para a sua total absolvição, sem deixar de consignar aqui a exagerada medida da pena aplicada mesmo que houvesse motivos bastantes para condenação, e não há como se demonstrou.


132. Pelo que, conforme supra exposto, face à vastidão da prova que aponta para a falta do elemento subjetivo para a prática do crime, pela arguida, existe uma manifesta e clara dúvida, a qual sempre teria que privilegiar a arguida, em prol do princípio in dubio pro reo, nos termos do art.32.º n.º2 do CRP.


133. O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.


134. Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art.32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo .


135. Isto, quer a decisão recorrida revele que o tribunal de julgamento se viu subjetivamente confrontado com a situação de dúvida, em que estaremos perante violação do princípio in dubio pro reo à luz de ambos os entendimentos expostos, quer a existência de uma situação de dúvida séria e insanável resulte apenas da análise crítica e objetiva da decisão, caso em que para o entendimento mais restrito sobre o princípio in dubio pro reo estará em causa, se bem vemos a questão, a violação da regra ou parâmetro positivo de decisão “para além de qualquer dúvida razoável” que enforma o princípio da livre apreciação da prova entre nós, por imposição dos princípios da culpa e da presunção de inocência.


136. Enunciado primeiramente, a 10 de Dezembro de 1948, na D.U.D.H.1, tendo sido analogamente acolhido no P. I. D. C. P. em 19762 e na C. E. D. H. de 19503, o principio da presunção de inocência foi igualmente elevado à categoria de principio fundamental na C.R.P. de 1976, vigorando até aos dias de hoje, como um dos mais relevantes institutos de defesa da posição do arguido, em processo penal.


137. Diz o art.32º nº 2 da C.R.P. que “todo o arguido se presume inocente até ao transito em julgado da decisão de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.


138. Resulta, pois, do exposto que só através da produção de prova inequívoca e infalível por parte da entidade acusadora é que se pode produzir sentença acusatória contra a arguida, acompanhada de uma determinada sanção penal (pena de prisão e/ ou pena de multa).


139. Daqui infere-se que, estando o arguido resguardado por uma presunção da sua inocência, este assume – ou pode assumir - uma posição passiva ou quase de abstenção probatória já que e como refere Figueiredo Dias, não pode recair sobre ele um ónus probatório sendo “a não comprovação de qualquer facto relevante para efeito de aplicação de sanção ou a sua demonstração incompleta deve impreterivelmente resolver-se a favor do arguido”.


140. Neste mesmo sentido, parecem ir igualmente Rui Patrício e Germano Marques da Silva: o primeiro diz verdadeiramente que compete quer ao tribunal, quer à entidade acusadora (que no caso do direito penal português, é o M. P.) o dever de provar indubitavelmente a prática do crime de que o arguido é acusado, sustentando portanto as respectivas acusações trazidas a tribunal enquanto que por seu lado, Germano Marques da Silva se refere ao principio do “in dúbio pro reo” como uma consagração efectiva do principio da presunção de inocência, advogando que em qualquer situação de “non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorada em favor do arguido”.


141. Em suma, os direitos fundamentais procedimentais, dos quais faz parte o art.32º nº 2 da C.R.P., não são mais do que “armas” ao dispor do individuo para garantir a imparcialidade, a objectividade e a legalidade de todo e qualquer procedimento público e oficial movido contra ele, de forma que ele possa participar activamente nesse mesmo processo, podendo assim livremente intervir na tramitação do mesmo e, em resultado disso, influenciar positivamente o seu desfecho.


142. Desta forma as incongruências são várias, devendo assim ser a arguida absolvida dos crimes de que vem condenados, por falta de prova concreta em como o Arguido foi o autor, na falta de tal, sempre dever-se-á aplicar o princípio in dúbio pro reo, ou seja, que na dúvida o Arguido deverá ser absolvido.


143. A documentação das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento implica que, este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (artigos 364º, nº 1 e 428° nº 1 do Código de Processo Penal).


144. Mas, a concreta abrangência do recurso é sempre delimitada pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412°, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo da obrigação de conhecimento oficioso de determinadas questões, como sejam os vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal.


145. Assim a decisão recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, conforme já amplamente explanado.


146. Na perspetiva dos recorrentes os factos provados não são suficientes para a imputação objetiva dos crimes por que foi condenado, como se demonstrou.


147. A recorrente alega que a sentença proferida é nula nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal por ter violado o disposto no artigo 374º, nº 2 do mesmo diploma legal, uma vez que não contém fundamentação suficiente de facto no que concerne à sua condenação.


148. No que respeita à medida concreta da pena, o limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente. O limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral. Assim, reduz-se a amplitude da moldura abstratamente associada ao tipo penal em causa.


149. A pena concreta é fixada considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido. É o que resulta dos artigos 40º e 71º do Código Penal. Chamando a colação o que foi dito por LL:


150. O fim do direito penal é o da protecção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial.


151. A prevenção especial não é um valor absoluto, mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa; pela prevenção geral que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efectiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores.


152. Face ao exposto, não se entende no caso em apreço a relevância atribuída à necessidade de prevenção especial – demonstrando-se excessiva. Pois face ao contexto do alegado crime em questão, é evidente a dificuldade na sua reincidência.


153. Assim, tendo em conta a moldura penal aplicável ao caso - pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias – considera-se a pena em que foi a arguida condenada, demasiado excessiva, devendo, em caso da não absolvição da ora recorrente, reduzir-se a pena aplicada, face à inexistência de necessidade de prevenção especial.


154. O art.29.º, n.º 5, da CRP, ao estabelecer que «Ninguém pode ser julgado mais do que do que uma vez pela prática do mesmo crime» dá dignidade constitucional ao clássico princípio non bis in idem. Conforme referem Vital Moreira e Gomes Canotilho, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, pág. 49, este princípio, na dimensão de direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores desse direito (direito de defesa negativo).


155. O reconhecimento da violação do princípio non bis in idem tem merecido, na prática dos tribunais, duas soluções: uma primeira, concedendo a revisão da decisão proferida em último lugar; uma outra, rejeitando o recurso de revisão e entendendo ser de aplicar ao caso a norma do artigo 675.º, n.º 1, do CPC, cumprindo-se tão só a decisão que transitou em julgado em primeiro lugar.


156. Posto isto, analisando todo o caso e principalmente a sentença venezuelana, verifica-se que os factos em causa foram o objeto daquele processo, e assim, julgados.


157. Tanto que, aquele tribunal decidiu a inexistência do crime, e, consequentemente, pela não restituição da menor ao território português.


158. Logo, o presente processo, inequivocamente, trata o mesmo assunto – algo notório, até pelo resultado prático da alegada violação, que se mostra bastante reduzido.


159. Assim, a condenação dos presentes autos viola inequivocamente o estatuído no art. 29.º, n.º 5, da CRP, ao estabelecer que «Ninguém pode ser julgado mais do que do que uma vez pela prática do mesmo crime» - na perspetiva da violação do princípio non bis in idem.


160. Não obstante as nossas reticências às inovações da lei, a verdade é que, na prática, temos assistido a uma aplicação prudente e cautelosa do artigo 249º do Código Penal, mormente da sua alínea c) (talvez excessivamente cautelosa).


161. Sendo certo que o entendimento do legislador plasmado na incriminação parece conferir a necessidade de não se perder de vista que a ideia de injustificação repetida aponta para um incumprimento de forma voluntária, no sentido de propositada e repetida. Daí que o facto de a arguida ter decidido ir viver com o filho na ... por razões de trabalho, levando a que o regime de visitas entre o menor e o seu progenitor seja, na prática, impossível, não configura um incumprimento injustificado”.


162. De acordo com o entendimento do T.., há certas situações em que é possível diminuir ou mesmo excluir a ilicitude da conduta, e o caso em análise configura precisamente uma dessas situações.


163. No entanto, tendo em conta o quadro legal existente, e uma vez que o legislador optou pela utilização de vários conceitos indeterminados, dificultando, assim, a tarefa do julgador, não podemos deixar de concordar com CONCEIÇÃO CUNHA quando afirma que “contra o risco de serem interpretados ao sabor da subjectividade de cada intérprete/aplicador, gerando forte insegurança, apelamos a uma aplicação razoável, criteriosa, atenta às particularidades de cada caso concreto, e sujeita a um cuidados o dever de fundamentação”.


164. Finalmente, importa tecer algumas considerações sobre a alteração da moldura legal do nº 1 do artigo 249º, nos termos da qual o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias. O limite máximo da pena aplicável foi, assim, reduzido para mais de metade, passando a moldura penal de um a cinco anos para de um mês a dois anos ou pena de multa até 240 dias.


165. Note-se que esta moldura se aplica quer relativamente aos casos de subtracção de menor (alínea a) do nº 1) e instigação à fuga por meios violentos (alínea b) do nº 1), quer ainda quanto aos casos de incumprimento do regime de visitas, nos termos da aliena c) do nº 1 do artigo 249º.


166. É precisamente a equiparação destas situações, tão diversas, que tem gerado alguma controvérsia, nomeadamente por se entender que a conduta descrita na aliena c) deveria ser punida com uma moldura mais baixa, atendendo à qualidade do agente e à sua relação de proximidade com a criança.


167. Não se compreende, pois, a intenção do legislador ao alterar as molduras aplicáveis, sobretudo no que diz respeito às situações previstas nas alíneas a) e b) do nº 1 do preceito em análise, claramente mais gravosas.


168. Não obstante o que ficou exposto, a verdade é que a actual redacção do artigo 249º do CP tem, como vimos, suscitado algumas dúvidas, sobretudo no que diz respeito à utilização, por parte do legislador, de vários conceitos indeterminados, e à equiparação das molduras legais.


169. Relativamente à primeira questão, entendemos que é necessário fazer uma aplicação prudente e cautelosa do tipo legal, aliás, como sucedeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.05.2010.


170. Por outro lado, no que diz respeito à alteração das molduras legais, consideramos que faz todo o sentido prever diferentes molduras penais para o crime preenchido através das condutas descritas no nº 1 do artigo 249º, devendo, em nossa opinião, a conduta descrita na alínea c) ser punida com uma moldura necessariamente mais baixa, tendo em conta a qualidade do agente.


171. Não foi, no entanto, essa a opção do legislador, que decidiu punir o agente do crime com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, independentemente de estar em causa uma situação de subtracção de menor (alínea a)), de instigação à fuga por meios violentos (aliena b)) ou até mesmo de incumprimento do regime de visitas, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 249º do CP.


172. O crime de subtração de menores insere-se, assim, num contexto melindroso em que a atuação do estado deve ser moderada e ponderada, devendo todos os intervenientes prosseguir o interesse superior da criança, sem esquecer que isso passa, salvo algumas exceções, pela presença na sua vida de ambos os progenitores.


173. De facto, a lei reconhece que as pessoas que devem velar pelo interesse superior da criança deverão ser os progenitores, salvo situações em que os mesmos a ponham em sério perigo (cfr. arts. 1913º e segs. e 1978º e segs. do Código Civil e 35º e segs. da LPCJP).


174. E foi neste contexto que o legislador exigiu como elemento do tipo objetivo um comportamento repetido e injustificado, isto é, uma conduta que incumpre uma decisão judicial que presumivelmente previu o regime que mais se conciliava com o interesse superior da criança e que, considerada a sua gravidade e reiteração, demonstra que a via civil falhou.


175. Com efeito, sem escamotear que o legislador se decidiu pela utilização de vários conceitos indeterminados, dificultando, assim, a tarefa do julgador, não podemos deixar de citar novamente Conceição Cunha (ob. cit., p. 929 e 930) quando afirma que “contra o risco de serem interpretados ao sabor da subjetividade de cada intérprete/aplicador, gerando forte insegurança, apelamos a uma aplicação razoável, criteriosa, atenta às particularidades de cada caso concreto, e sujeita a um cuidadoso dever de fundamentação”.


176. É que a utilização de tais conceitos genéricos pelo legislador acarreta constantemente dificuldades na determinação das condutas que os integram, sendo a mesma de evitar, nomeadamente quando estão em causa normas penais.


177. Contudo, perante a opção concreta do legislador, cumpre ao intérprete dar conteúdo a tais conceitos e à jurisprudência defini-los.


178. Interpretação essa nos termos explanados neste longo recurso, que não foi o caso do acórdão de que se recorre, o qual contraria todos os princípios e direitos aqui invocados, numa tremenda injustiça para a Mãe dos autos, e para a própria menor!!!


179. Sendo patente nesta decisão, como se explanou, a discriminação das mulheres nos tribunais portugueses – no caso em específico desta Mãe, mas que mantendo-se esta decisão, é patente o precedente jurisprudencial que se afigura!


180. Termos em que julgando-se procedente por provado o presente recurso, deve ser revogado o acórdão recorrido, absolvendo-se a arguida e ora recorrente; sob pena de se estar perante uma flagrante e crassa denegação de justiça!”.


4. O assistente BB respondeu ao recurso interposto pelo arguido, concluindo (transcrição):


I. A Arguida vem interpor recurso do Acórdão proferido nos autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 29 de Junho de 2023.


II. Com o recurso apresentado, a Arguida visa (primordialmente) obter um terceiro julgamento da matéria de facto.


III. Sucede que, no caso, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, só pode visar o reexame da matéria de Direito (art. 434.º do CPP), até porque, mesmo quando o preceito legal


ressalva o disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, importa observar que o Supremo nunca julga em matéria de facto.


IV. Não se verificam quaisquer dos fundamentos que a Arguida invoca, sendo que, da leitura do texto do Acórdão da Relação de Lisboa, por si só ou conjugada com as regras da experiência


comum, não resulta qualquer:


i. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;


ii. Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;


iii. Erro notório na apreciação da prova.


V. Também não se verifica qualquer inobservância de qualquer requisito que possa ser cominado com nulidade ou a violação de princípios jurídicos como “a presunção de inocência, intervenção mínima do Direito Penal, ne bis in idem, ou qualquer outro”.


VI. Note-se que, nunca poderia existir qualquer violação da presunção de inocência ou do princípio da investigação ou da verdade material, uma vez que, da leitura do Acórdão da Relação de Lisboa, é evidente que o Tribunal se convenceu quanto à matéria de facto que deu como provada e como não provada, não se suscitando qualquer dúvida quanto aos fatos, nunca se teria de considerar a necessidade de, na dúvida, o Tribunal valorar a prova a favor da Arguida ou contra a Arguida (não há dúvida).


VII. E também não se poderia verificar qualquer “violação do princípio do non bis in idem”, até porque em nenhum momento a Arguida tinha sido julgada pela prática do crime de que vinha acusada ou sequer sujeita a qualquer outro tipo de processo criminal relativo aos factos descritos nestes autos


VIII. Do recurso apresentado pela Arguida, resulta que o que esta pretende verdadeiramente é, a pretexto da invocação da violação de princípios jurídicos, insuficiências para a decisão da matéria de facto, alegadas contradições insanáveis e erros notórios de apreciação da prova,


IX. Vir contestar a decisão recorrida quanto ao julgamento da matéria de facto e lograr obter por parte deste Tribunal um terceiro julgamento da matéria de facto. Não lhe é permitido.


X. O mesmo sucede relativamente aos vícios referidos no art.410.º do CPP, como já mencionado, dado que não resulta do texto da decisão recorrida qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou qualquer erro notório na apreciação da prova.


XI. Pelo contrário, o que resulta do mencionado anteriormente, mais concretamente dos artigos 25 e seguintes da Resposta (para onde se remete integralmente, sob pena das conclusões se tornarem uma reprodução ipsis verbis das alegações), é que no dia 4 de Abril de 2016, pela manhã, a Arguida aguardou que o Assistente saísse de casa e, com o propósito de abandonar o País, e não mais regressar, deixou a então casa de morada de família, levando a sua filha menor, CC, tendo viajado para ..., Venezuela, e concretizado o propósito de não mais regressar a Portugal.


XII. Bem como que, notificada das decisões dos Tribunais Portugueses relativas à regulação do exercício das responsabilidades parentais, a Arguida decidiu não as cumprir, recusando-se a regressar a Portugal e a entregar a filha menor (Cfr. Artigos 25 e seguintes da Resposta).


XIII. Acresce que, o Acórdão da Relação de Lisboa faz uma análise criteriosa e fundamentada da prova, percorrendo um caminho lógico e perceptível que só poderia levar às conclusões a que se chegou, isto é, à alteração dos factos dados como provados e como não provados pela Primeira Instância e à condenação da Arguida pela prática do crime de que vinha acusada. (Cfr. o vertido supra, em particular nos artigos 45 e seguintes da Resposta)


XIV. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou bem de facto e julgou correctamente de Direito.


XV. Da matéria de facto dada como provada resulta, designadamente, que:


i. Arguida, estando casada com o Assistente, residindo ambos em Portugal com a Filha Menor de ambos (CC), abandonou o País (rumo à Venezuela), com o propósito concretizado de


retirar a menor CC da casa de morada de família, para assim impedir que o pai da menor mantivesse um contacto efectivo e prático com a sua filha, bem sabendo que, nos termos da Lei, estando casados, e sendo ambos Pais da Menor CC, sempre seriam ambos a exercer as Responsabilidades Parentais e ambos a ter o direito de ter a Menor consigo;


ii. A Arguida, mesmo depois de ter sido notificada do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais fixado pelo Tribunal Português (em Abril de 2023), decidiu não o


cumprir, continuando a não permitir que o Pai visse a Filha ou que a Menor CC voltasse a Portugal;


iii. Apesar de instada para regressar e dos pedidos da Autoridade Central para que a Menor regressasse imediatamente ao País, a Arguida nunca o permitiu;


iv. Ao invés disso, iniciou novas acções judiciais na Venezuela, que, só um ano mais tarde, pela lavra dos Tribunais desse País, e considerando o tempo decorrido (mais de um ano), decidiram (em desrespeito pelo Tribunal Português), fixar a residência da Menor na Venezuela.


XVI. Apesar dos factos dados como provados no processo, a Arguida alega uma incorrecta interpretação do art.249.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CP por parte do Tribunal recorrido, que o levou a concluir estarem preenchidos os respectivos pressupostos típicos, e consequentemente, a condenar a Arguida pelo crime de subtracção de menor p. e p. naquela disposição legal.


XVII. Refere também que o Tribunal recorrido erra ao interpretar a norma constante do art. 249.º, n.º 1, al., a) do CP, no sentido de que o progenitor com quem o menor habitualmente reside e que tem sobre este o direito e dever de exercício dos poderes parentais pode ser autor do crime de subtracção de menor, nos termos dessa mesma norma.


XVIII. Alega ainda que, não poderia ser condenada pela prática de um crime de subtracção de menor p. e p. alínea c) do referido preceito legal, porque nunca esteve obrigada a cumprir qualquer regime...


XIX. E acrescenta que o Tribunal recorrido também erra quando decide não ser justificação plausível para afastar o preenchimento da alínea c) do n.º 1 do artigo 249.º do CP, “o facto de a Arguida optar por aguardar decisão do Tribunal Venezuelano, relativa à regulação das responsabilidades parentais, para tomar uma decisão quanto ao regresso da menor a Portugal, ao invés de arriscar regressar para um ambiente instável e inseguro para a sua filha, cujo interesse considerou, no cumprimento do papel de mãe, mais bem salvaguardado ao permanecer na Venezuela”.


XX. Não lhe assiste qualquer razão.


XXI. Os factos dados como provados no processo são aptos a consubstanciar a prática de um crime de subtracção de menor, sendo que a conduta da Arguida é punida tanto pela alínea a) do


n.º 1, do art. 249.º do CP, como especialmente pela alínea c) do referido preceito legal. (Remete-se integralmente para o vertido na resposta nos arts. 126.º e seguintes)


XXII. Como já defendido pela Relação de Lisboa, em momento anterior, não obstante a titularidade e o exercício conjunto das responsabilidades parentais, nada impede, nem física, nem juridicamente, que um dos progenitores, por acção unilateral e deliberada sua, crie um corte na vinculação e no relacionamento entre o filho e o outro progenitor, privando um e outro de se verem, estarem juntos e conviverem, retirando a criança desse contacto, levando-a para local incerto ou desconhecido, ou por qualquer outro modo, tornando-a inacessível ao outro progenitor.


XXIII. E, consequentemente, qualquer dos progenitores se pode constituir autor material de um crime de subtracção de menor, tanto na modalidade de consumação descrita na al. a), como segundo a previsão contida na al. c) do art. 249º nº 1 do CP.


XXIV. Acresce que, decide correctamente o Tribunal da Relação de Lisboa quando considera que a punição ao abrigo da alínea a) do referido preceito legal, opera em relação a cada um dos


progenitores, ainda que não tenho sido já fixado um regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais.


XXV. Em relação à alínea a), do n.º 1, do art. 249.º do CP, não se retira da letra da Lei que estejam excluídos os comportamentos dos cônjuges que não tenham judicialmente regulado o exercício das responsabilidades parentais, dado que lhes será aplicável o regime legal e constitucional em vigor.


XXVI. Como defendido pelo Ministério Público no âmbito do processo n.º 866/15.0PELSB.L1-5, a ratio legis contida no artigo 249.º do CP é, em primeiro lugar, a proteção dos interesses do menor, os quais integram o convívio com ambos os progenitores e a proteção activa, por ambos, dos interesses deste. Em segundo lugar, o dispositivo protege o exercício do poder-dever de parentalidade. Não protege em particular - nem sequer na letra e muito menos na ratio - o poder-dever de parentalidade dissidente, regulada através do tribunal.


XXVII. Uma interpretação jurídica do disposto no art. 249.º, n.º 1, al. a), que tenha na letra da Lei o mínimo de correspondência verbal, não pode excluir a responsabilidade penal de um dos cônjuges só pelo facto de inexistir, à data dos factos, um regime judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais.


XXVIII. Uma interpretação do preceito legal com base na demais legislação em vigor, pelo contrário, só poderá concluir que qualquer um dos cônjuges pode ser autor do crime nesta modalidade, XXIX. Pois sempre teria de atentar nos preceitos constitucionais e legais que regulam as responsabilidades parentais aplicáveis ainda antes de qualquer regulação judicial (designadamente, o art.36.º da CRP, os arts. 1901.º e 1887.º do Código Civil e as disposições Convenção Sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, aprovada em Haia em 25 de Outubro de 1980).


XXX. Acresce que, ainda que assim não se entendesse, a conduta da Arguida sempre teria de ser punida nos termos do disposto no art. 249.º, n.º 1, alínea c).


XXXI. Assim, não houve qualquer erro de julgamento ou incorrecta interpretação do art.249.º, n.º 1, al. c), do CP por parte da Relação de Lisboa, ou qualquer decisão que mereça reparo pelo facto de a Relação de Lisboa não ter considerado justificada a acção da Arguida e afastado a aplicação do preceito legal.


XXXII. A “justificação” de que fala o artigo 249.º, n.º 1, alínea c), constitui elemento negativo do tipo de crime de subtracção de menor.


XXXIII. A “justificação” de que aí se fala não pode, como é óbvio, ser qualquer “desculpa” que a Arguida encontre para levar a filha do casal para onde bem lhe apeteça, sem intenção de o trazer de volta e afastá-la em definitivo de qualquer contacto com o pai.


XXXIV. E não pode ser qualquer conduta que o Tribunal considere “compreensível” a posteriori, tendo em conta eventos futuros e, à data da prática do facto, incertos, nos quais não existe investimento legítimo de confiança, como seja uma futura decisão num futuro processo a decorrer na Venezuela.


XXXV. O facto é que a Arguida levou a filha menor do casal, aproveitando a ausência do Arguido, levando consigo os seus bens, o seu animal de companhia, de modo absolutamente incoerente com uma eventual intenção de regressar, e, de facto, acabou por não o fazer.


XXXVI. A Arguida foi validamente notificada da decisão do Tribunal de ... que regulou o exercício das responsabilidades parentais, teve oportunidade de reagir, mas não o fez.


XXXVII. E não o fez porque lhe era indiferente o que os tribunais nacionais decidissem: a Arguida faria o que quisesse e quando quisesse.


XXXVIII. O Assistente, que tinha um direito reconhecido pela ordem jurídica nacional e que recorreu aos Tribunais, ficaria sujeito à força normativa do facto consumado, facto esse ilícito e cuja ilicitude foi confirmada em instrução e, como acima se viu, até no Tribunal da Venezuela.


XXXIX. Para que a conduta se considere “justificada” ao abrigo do disposto no artigo 249.º, n.º 1, alínea c), é necessário que não assente em pressupostos contrários do Direito (ilícitos) e/ou censuráveis.


XL. Ao invés, é necessário que se trate de motivo válido, reconhecido pelo Ordenamento Jurídico como sobreponível ao direito do outro progenitor.


XLI. Considerar “justificada” a conduta de quem despreza o regime legal vigente em matéria de responsabilidades parentais e exerce acção directa (ilegítima) para fazer valer a sua pretensão, é negar a utilidade dos Tribunais e negar a própria ideia de Estado de Direito.


XLII. Ora, sendo evidente que a Arguida, notificada da decisão do Tribunal de ... de 20 de Abril de 2016, não a cumpriu, recusando a entrega da menor ao pai nos termos em que estava


obrigada e, dessa forma, XLIII. De um modo repetido e injustificado, não cumpriu o regime estabelecido para a convivência da menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar e dificultar a entrega da CC ao pai, o que, de facto, nunca veio a acontecer,


XLIV. Não poderia o Tribunal a quo, como o fez, ter desenvolvido uma interpretação própria, de que o referido preceito legal permitiria ao Julgador considerar como justificados, quaisquer


comportamentos que considerasse válidos e compreensíveis para a não entrega.


XLV. Pelo contrário, o referido preceito legal, no entendimento do Assistente, teria de ter sido interpretado no sentido de apenas admitir como fundamento de justificação, aquele que possa ser encontrado dentro do Sistema Jurídico / Ordenamento Jurídico (e nunca se podendo considerar justificado um comportamento antijurídico e na sua própria essência ilícito e censurável), sob pena de total arbitrariedade e de completa incerteza jurídica.


XLVI. O Tribunal de Primeira Instância, tinha-se limitado a “tomar as dores da Arguida”, identificar-se pessoalmente com a posição desta e, como tal, na sua perspectiva, sem qualquer tipo de fundamentação jurídica, decidir que o comportamento adoptado por esta era “justificado”.


XLVII. E, em todo o caso, certamente que,


i. O alegado receio da Arguida de se sujeitar à Justiça Portuguesa pela eventualidade de não conseguir obter decisões que lhe fossem favoráveis,


ii. O facto de a Arguida não se ter concordado com a decisão proferida pelo Tribunal de ..., em 20 de Abril de 2016, apesar de não ter interposto qualquer recurso (sendo a decisão vinculativa e tendo transitado em julgado),


iii. O facto de voluntariamente se ter recusado a comparecer em Portugal para se defender e voluntariamente ter faltado a todas as conferências de pais que foram agendadas no Tribunal de ... (Cfr. Actas das Conferências de Pais juntas como Documentos 5 e 6 do Requerimento do Assistente de 14 de Dezembro de 2021),


iv. O facto de, mesmo depois de ter sido notificada da decisão portuguesa, ter interposto novas acções na Venezuela, e querer aguardar pelo resultado destas para verificar se teria melhor sorte nesse País do que em Portugal, v. O facto de decidir se manter na Venezuela, em total desrespeito do decidido pelo Tribunal de ..., na esperança de que o Tribunal Venezuelano responsável pela demanda de restituição da menor a território nacional decidisse que a CC não regressaria a Portugal, o que efectivamente só veio a suceder decorrido mais de 1 ano depois,


vi. Nunca poderia consubstanciar fundamento de justificação da conduta ou qualquer “justificação” para efeito de interpretação do artigo 249.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.


XLVIII. Logo, por tudo o que foi referido, ter-se-á de considerar que o comportamento adoptado pela Arguida, ao desrespeitar a decisão do Tribunal de ..., proferida em 20 de Abril de 2016, por um período de mais de 1 ano, e impedindo que a menor pudesse estar com o pai nos termos estipulados nessa decisão,


XLIX. Sempre consubstancia um comportamento típico, ilícito, culposo e punível nos termos previstos na Lei, devendo a Arguida ser condenada pela prática de um crime de subtracção de menor, de que vinha acusada em Douta Acusação do Ministério Público, previsto e punido pelo artigo 249.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.


L. Por fim, a Arguida insurge-se quanto à medida da pena aplicada pela prática do crime em que foi condenada LI. Relativamente aos critérios que nortearam a Relação de ... na aplicação concreta da pena, bem como na aplicação propriamente dita, o Assistente remete integralmente para os fundamentos vertidos a páginas 98 a 101 do Acórdão recorrido, aos quais se adere.


LII. Em boa verdade, a justificar-se alguma alteração da decisão recorrida quanto à medida da pena, seria no sentido do agravamento e nunca no sentido da diminuição da pena aplicada.


LIII. A gravidade dos factos praticados pela Arguida é tal, que independentemente deste Douto Tribunal considerar que são punidos quer pela alínea a), como pela alínea c) do n.º 1, do art.249.º do CP, ou punidos unicamente pelo disposto na alínea c), em nada irá alterar a gravidade dos factos praticados ou contribuir de alguma forma para uma diminuição da pena concreta que foi aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.


Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá improceder o recurso interposto pela Arguida, mantendo-se a decisão recorrida, proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos seus precisos termos, desta forma fazendo V. Exas. a COSTUMADA JUSTIÇA.


5. O Ministério Público, no Tribunal da Relação de Lisboa, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, concluindo nos termos seguintes:


1. O acórdão recorrido, concedeu provimento ao recurso interposto pelo assistente, alterou a matéria de facto e, aplicando o direito em conformidade com a factualidade definitivamente assente, condenou a recorrente pela prática de um crime de subtração de menor, previsto e punido pelo artigo 249.º, alíneas a) e c), do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de 7, no montante global de €1.260.


2. A arguida considera que o acórdão recorrido não fez uma correta interpretação e aplicação do artigo 249.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código Penal, que o tribunal errou ao concluir que agiu com o intuito de não regressar a Portugal, invoca a violação do disposto no n.º 2 do art.º 410º


do Código de Processo Penal, nas vertentes de manifesta insuficiência da matéria de facto apurada para alcançar uma decisão justa e de erro notório na apreciação da prova, pugnando pela manutenção da decisão absolutória proferida pelo tribunal de primeira instância, defende a violação dos princípios in dúbio pro reo, non bis in idem e da intervenção mínima do Direito Penal nas relações familiares, assim como a nulidade da decisão recorrida, nos termos do artigo 379º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Penal, com referência ao artigo 374.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, porque falta de fundamentação. Mais considera a pena aplicada demasiado excessiva por não se verificarem necessidades de prevenção especial.


3. A recorrente não cumpriu o disposto no artigo 412.º, n.º 1, parte final, do CPP, pelo que deve ser convidada ao seu suprimento, nos termos acima mencionados.


4. A recorrente pretende colocar em crise a decisão quanto à matéria de facto alterada pelo tribunal da relação em sede de recurso e consequente aplicação do direito aos factos definitivamente assentes, sendo certo que, na situação em apreço, o Supremo Tribunal de Justiça não aprecia a matéria de facto, como decorre do art.434.º do Código de Processo Penal.


5. Os vícios a que alude o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, são vícios decisórios, têm que resultar da própria decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos estranhos à mesma, sendo vícios intrínsecos à decisão, pelo que não se pode alicerçar a sua invocação em alegado erro de julgamento. Porém, a recorrente fundamenta a existência dos alegados vícios decisórios (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova) no pressuposto de que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da matéria de facto.


Para tal, baseia-se na matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância olvidando que, na sequência da impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, o Tribunal da Relação alterou a matéria de facto e fixou a prova de forma diferente.


6. O texto do acórdão recorrido, sendo lógico coerente, consonante com as regras da experiência comum e percetível aos olhos do cidadão comum, não evidencia qualquer erro patente, razão pela qual entendemos ser manifesta a improcedência dos alegados vícios.


7. O princípio in dúbio pro reo, relacionado com o princípio da presunção de inocência, implica que, perante uma dúvida séria, objetiva e insanável sobre os factos desfavoráveis ao arguido, o tribunal deve decidir a favor do arguido, absolvendo-o. No caso, do texto da decisão, por si só ou conjugada com a regras da experiência comum, não resulta que o tribunal tivesse ficado num estado de dúvida sobre os factos e que as ultrapassou contra a arguida, pelo que, estando o presente recurso restrito à matéria de direito, deve improceder a alegada violação do princípio in dúbio pro reo.


8. De igual modo, é manifestamente improcedente a alegada falta de fundamentação da sentença e consequente nulidade porquanto o acórdão está devidamente fundamentado, mormente quanto à análise critica que fez da prova, não merecendo censura pois que se compreende o raciocínio lógico que levou à decisão sobre os factos em análise e à interpretação e aplicação do direito subjacente.


9. A recorrente apela ao procedimento ao abrigo da Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, para fundamentar a alegada violação do princípio ne bis in idem, confundindo a ilicitude civil com a ilicitude criminal que são realidades diferentes e que não se


excluem mutuamente. A decisão de natureza cível, não afasta nem justifica o comportamento ilícito do ponto de vista criminal em que a recorrente incorreu desde a saída de Portugal e que perdurou até à decisão venezuelana, agravado com a violação do regime provisório a atribuir a guarda da criança ao pai, entretanto fixado pelo tribunal português, após a deslocalização da criança da sua residência habitual.


10. Quando a recorrente se deslocou para a Venezuela levando consigo a filha, embora ainda fosse casada com o progenitor, uma vez que o fez sem o conhecimento nem consentimento deste, incorreu na prática do crime de subtração de menor, como bem decidiu o venerando tribunal da Relação de Lisboa. Embora o exercício das responsabilidades parentais coubesse a ambos os progenitores pela constância do matrimónio, em questões de particular importância tem que haver acordo entre eles e na sua falta será o tribunal a decidir, sendo certo que a viagem de uma criança de um país para outro constitui questão de particular importância na vida daquela, razão pela qual, mesmo que viaje na companhia de um dos progenitores, a viagem deve ser conhecida e consentida pelo outro.


11. Tratou-se de uma viagem não conhecida nem consentida, cercando-se a arguida de todas as cautelas para que não fosse descoberta nem abortado o seu plano. Tendo o assistente recorrido aos meios legais para fazer face à situação, logrou alcançar uma decisão de regulação provisório do exercício das responsabilidades parentais e assim acionar o mecanismo internacional de regresso da criança, porém, tal procedimento não teve êxito porquanto a arguida recorreu a procedimentos, como apresentação de queixa por violência doméstica e pedido de regulação das responsabilidades parentais no país onde se encontrava com a criança, com o intuído de obter uma decisão negativa, à luz da Convenção de Haia – art. 13.º , por parte das autoridades


venezuelanas, sobre o regresso da menor ao país de origem e de assunção de competência para regulação das responsabilidades parentais, determinando a fixação de residência naquele país e proibição de saída do mesmo.


12. Tais circunstâncias não afastam a verificação do crime que ocorreu, face à alínea a) do art. 249.º do Código Penal, logo que a arguida saiu com a filha de Portugal sem o conhecimento nem consentimento do pai e cuja execução perdurou durante o tempo em que permaneceu na Venezuela, com intensidade de dolo agravada pelo conhecimento do regime provisório fixado pelo tribunal português, do qual teve conhecimento, deduziu oposição mas não recorreu, tendo transitado em julgado.


13. A decisão venezuelana não apaga nem legitima a conduta criminosa que lhe antecede, cuja responsabilidade só se extinguirá com a ocorrência de uma causa legal para o efeito, como a prescrição, ou pela desistência de queixa, o que no caso não se verificou.


14. Face à retirada da criança de Portugal nas circunstâncias em que foi, ao conhecimento da decisão provisória de regulação do exercício das responsabilidades parentais, da qual não recorreu, não se pode considerar o incumprimento daquele regime justificado pelo facto de a arguida aguardar decisão da oposição que deduzira, como foi decido em primeira instância, até porque a arguida deixou transitar a decisão em causa e o regime estava em vigor.


15. Estando pendente procedimento com vista ao regresso da criança a Portugal e tendo a arguida apresentado queixa contra o progenitor da filha, por violência doméstica, situação que tornaria operante uma das causas de recusa do regresso pelas autoridades venezuelanas, à luz do art.13.º da Convenção de Haia, menos justificável se poderá considerar o comportamento da arguida, tanto mais que o procedimento criminal por denuncia de violência doméstica contra o assistente foi arquivado por falta de indícios. Considerar justificado o não regresso voluntário,


contrário ao regime de regulação das responsabilidades parentais em vigor, é premiar o comportamento ilícito deliberado de um progenitor que visa impossibilitar o outro do exercício das suas responsabilidades parentais e afastar a criança do convívio com aquele.


16. Não estando em causa a ponderação de interesses fundamentais conflituantes porquanto todo o comportamento da arguida é violador dos direitos fundamentais da criança e sua família, deve improceder a alegação de violação do princípio da intervenção mínima, porquanto o que se impõe é a tutela daqueles direitos fundamentais, incluindo a tutela penal, sempre do ponto de vista da realização do superior interesse da criança, de forma a cessar a lesão dos seus direitos.


17. O afastamento da criança de um dos seus progenitores pode provocar sequelas graves e irreversíveis no seu desenvolvimento harmonioso e, sendo a presença efetiva e afetiva dos pais na vida da criança um dos seus direitos fundamentais, justifica-se a tomada de medidas pelo Estado para tutelar a violação desse direito, incluindo a tutela penal.


18. Está aqui em causa a proteção da criança dos efeitos negativos que para si decorrem do conflito parental, afetando o seu bem-estar, sendo de acautelar a relação de pai e mãe com a criança de modo regular, em todas as suas vertentes, nomeadamente de convívio, participação na educação, orientação e tomada de decisões sobre assuntos de particular relevância, permitindo a criação e o desenvolvimento de laços importantes que perdurarão por toda a vida e que são pilares de qualquer ser.


19. O acórdão recorrido mostra-se justo e adequado às necessidades de prevenção geral e especial que o caso exige, o tribunal ponderou de forma correta todas as circunstâncias que militam a favor e contra a recorrente, a pena situa-se abaixo do limite máximo da moldura abstrata, tendo julgado, acertadamente, aplicar a pena de prisão que, fundamentadamente, substituiu por multa, não existindo razão válida para alterar tal pena.


6. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da total improcedência do recurso e da confirmação do acórdão recorrido.


7. Notificada deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, a recorrente nada disse.


8. Colhidos os vistos, cumpre decidir.


Fundamentação


9. A matéria de facto apurada constante do acórdão recorrido é a seguinte2:


A) - Factos provados


1. A arguida casou com BB em .../.../2003, na Venezuela, e, em data não concretamente apurada, mas anterior a Maio de 2010, o casal passou a residir em Portugal, na Rua ....


2. Desse casamento nasceu uma filha, CC, em .../.../2010.


3. Em finais de 2015 e início de 2016, o relacionamento entre o casal começou a deteriorar-se.


4. Em data não concretamente apurada, mas situada no final de Março ou início de Abril, a arguida formulou o propósito de abandonar o território nacional, levando consigo a filha menor CC, sem o conhecimento e consentimento de BB.


5. Na execução desse propósito, em 4/04/2016, pela manhã, a arguida aguardou que BB saísse de casa e, após, colocou os seus pertences e os da filha CC num veículo automóvel que alugou, e, nesse veículo, dirigiu-se para o Aeroporto ..., levando consigo a filha CC.


6. Aí chegada, a arguida e a filha CC embarcaram num avião com destino a ..., e posteriormente a ..., na Venezuela.


7. Nesse mesmo dia 4/04/2016, pelas 23h00, a arguida informou BB, através de uma mensagem que remeteu para o seu telemóvel, que se encontrava em casa de uns amigos.


8. No dia 5/04/2016, a arguida informou BB, através de uma nova mensagem, que se encontrava em ..., na Venezuela, em casa dos seus pais, onde iria permanecer por 15 dias.


9. A arguida não mais regressou a Portugal e passou a residir, juntamente com a menor CC, na Av. ..., em ..., na Venezuela.


10. Por decisão de 20/04/2016, proferida nos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 997/16.9..., que correram termos no J. da ... Secção no Juízo de Família e Menores de ... – Instância Central, na sequência de requerimento apresentado pelo requerente BB em 5/04/2016, sem prévia audição da progenitora, dado que o progenitor comunicou ao tribunal ter ocorrido uma situação de subtracção ilícita da criança, foi fixado o seguinte regime provisório de regulação das responsabilidades parentais da menor CC:


I- A menor fica confiada e entregue à guarda e cuidados do pai, com quem residirá;


II- As responsabilidades parentais serão exercidas pelo progenitor;


III- A progenitora poderá estar com a menor sempre que quiser, desde que previamente obtenha o consentimento do pai e respeite os horários de estudo e descanso da menor.


11. A arguida citada da decisão de 20/04/2016, proferida nos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 997/16.9... por correio electrónico em 2/05/2016, deduziu oposição ao regime provisório fixado e de que fora citada, pedindo nova regulação.


12. Nos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 997/16.9..., em 9/04/2017 foi proferido o seguinte despacho:


«Por despacho de fls. 385, em 10/10/2016 - na sequência de Requerimento apresentado pelo


Requerente a fls. 332/338 e renovado a fls. 367/9 -, o Tribunal, fundamentando, já indeferiu a passagem de mandados, os quais eram requeridos para execução com recurso a autoridade policial, no âmbito das respectivas atribuições e em articulação com a INTERPOL, tendo subjacente o regime provisório determinado nos presentes autos. Disse, também, o Tribunal, que já se encontra pendente o procedimento através da Autoridade Central, em relação á criança CC, por ter sido accionado o mecanismo de cooperação Judiciária Internacional em matéria de deslocações e retenção ilícitas de crianças. Bem como entendeu que face aos instrumentos internacionais subjacentes ao tipo de procedimento que está em curso - no caso concreto com particular relevância a CH sobre os Aspectos Civis do rapto Internacional de Crianças, de 25/10/1980 -, cabe à autoridade central tomar as medidas necessárias para a protecção da criança, mas também na remoção dos obstáculos ao exercício dos direitos de visitas, coordenando ou pedindo a intervenção das autoridades policiais que considere adequadas, caso se verifique situação de entrega coerciva. Assim, entendi e disse no referido despacho, que qualquer mandado para entrega judicial da criança, no âmbito do procedimento que está em curso, não é da iniciativa deste Tribunal, nem executado no âmbito do processo de RRP. É executado no âmbito do procedimento accionado pela autoridade central. Foi assim decidido pelo Tribunal e pelos fundamentos expostos, a questão suscitada sucessivamente pelo progenitor e não foi determinada, por falta de fundamento legal, neste processo, a emissão de mandados para o retorno da criança. É certo que o presente Tribunal não perde a sua competência para conhecer das questões relativas ao incumprimento do regime da regulação das responsabilidades parentais -embora no caso concreto apenas provisório, mas do qual a mãe não recorreu, tendo no entanto deduzido oposição, tendo arrolado testemunhas e requerido diligências de prova -, enquanto não estiver fixada a residência da criança noutro Estado. Tal resulta do entendimento que tem sido tido pelos Tribunais superiores - cfr. Ac. Do TRL, de 2/12/2014, Pº nº 1045/12.3TBCLD-A.C1.-, dado que por força do artº 15º, da Convenção de Haia, quando tal seja necessário ou pedido pelo Estado Contratante a quem é pedido o retorno da criança, pode ser que as autoridades do Estado Contratante, da residência habitual da criança e de onde a mesma foi retirada, emitam determinadas decisões ou documentos. Foi o que aconteceu, no caso concreto, com a decisão provisória que foi emitida por este Tribunal, quanto à regulação das responsabilidades parentais, uma vez que inexistia qualquer decisão a determinar a guarda da criança ao pai, a fixar a residência da criança com o pai. Pelo que este Tribunal podia proferir as decisões que considerasse adequadas, quanto à regulação das responsabilidades parentais ou incumprimento que estivesse em curso. Mas, apontamos, no caso concreto – situação diferente da tratada no citado acórdão -, a decisão que era necessário o tribunal proferir, para accionar os mecanismos da Convenção, não era a decisão a declarar o incumprimento. Era a decisão a regular as responsabilidades parentais, porque inexistia, tendo sido proferida numa altura em que a criança já tinha saído do território nacional. Mas, independentemente do que antecede, o processo tem uma tramitação e ao longo do processo vão sendo proferidos despachos e tomadas medidas que, podendo ser alteradas de forma fundamentada, em regra têm uma coerência intrínseca, pois o procedimento da tomada de decisões não é arbitrário. Assim vejamos. 2.1. A fls. 53, por despacho de 20/04/2016, na sequência de requerimento apresentado pelo Requerente em 5/04/2016, sem prévia audição da progenitora, dado que o progenitor comunicou ao tribunal ter ocorrido uma situação de subtracção ilícita da criança, é proferida decisão provisória quanto ao exercício das responsabilidades parentais. A menor é confiada à guarda e cuidado do pai. Responsabilidades parentais exercidas pelo pai. Progenitora poderá estar com a criança sempre que o quiser. Referimos que ambos os pais têm dupla nacionalidade Venezuelana/Portuguesa, à data casados entre si. 2.2. A progenitora é citada para correio electrónico em 2/05/2016 ( fls. 68 e 70). (i) A fls. 76, em 3/05/2016, a progenitora junta procuração a favor de Advogado. (ii) A fls. 82 a 164 a progenitora deduz oposição ao regime provisório fixado e de que fora citada, pede nova regulação. Alega, entre o mais, o conhecimento do pai para a sua deslocação á Venezuela com a criança, vivência de violência doméstica do progenitor contra si, maior capacidade e competência da sua parte para ficar com a guarda da filha, progenitor com ausência de dedicação à família. (iii) Junta, entre o mais, cópia de queixa apresentada por si junto do MºPº contra o Requerente, pela prática de factos integradores de crime de violência doméstica, e cópia dos e-mails trocados com o progenitor após a sua ida para a Venezuela, para contactos telefónicos do pai com a criança. (iv) Arrola testemunhas. (v) Requer diligências de prova. Por despacho de fls. 165, o Tribunal determina a realização de diligências de prova requeridas, dizendo que se pronunciará posteriormente quanto às demais questões. A fls. 229 é junto relatório do OPC, relativo a ocorrência relacionada com deslocação a casa do Requerente e da Requerida. 2.3. A fls. 177 e ses, Requerente pronuncia-se quanto á oposição da Requerida. (i) Alega, entre o mais, falsidade da argumentação da Requerida, nega acusações e versão da requerida. (ii) Pede, entre o mais, que o Tribunal notifique a DGRSP/Autoridade Central para tomar procedimentos para regresso. (iii) Que o tribunal insista com OPC dando conta da subtracção da menor, sendo notificada a INTERPOL, isto com vista ao regresso coercivo da criança. (iv) Pede que a Requerida seja instada a colaborar no regresso da menor. (v) Arrola testemunhas 2.4. O tribunal determina na conferência de pais, a fls, 224, em 16/05/2015, é realizada conferência de pais. (i) progenitora não está presente. (ii) pai comunica que fala com a filha ao telefone. Por Despacho fls. 225, Tribunal pede informação sobre se foi desencadeado procedimento para regresso da criança pela autoridade central e designa nova data para conferência de pais, por ter sido comunicado que mãe iria estar presente. 2.5. A fls. 234 e segs., Requerida pronuncia-se quanto a requerimento apresentado pelo progenitor. 2.6. A fls. 241 e segs., o Requerente pronuncia-se quanto a documento apresentado e alegações da Requerida. (i) junta documento da DGRSP, em que comunica inicio do procedimento em 18/05/2016 ( fls. 249). (ii) Requer que Tribunal decida quanto ao por si requerido em 16/05/2016. 2.7. Fls. 259 e segs., Requerente comunica não poder comparecer conferência de 16/05/2016. (i) junta documentos, entre o mais, junta declaração assinada pelo progenitor em 27/03/2016, constando que “…iremos iniciar um processo de divórcio. Nesse sentido, por comum resolução, após consenso das duas partes, deixo a custódia da minha filha CC, à minha actual esposa, AA…” (fls. 290). 2.8. Fls. 295, conferência de pais em 20/06/2016. Progenitora não está presente. Mandatário requer que seja ouvida via skype (i) A fls. 297, promoção do Dº Magistrado do Ministério Público, dado accionamento da Convenção Haia, promove suspensão dos autos. (ii) Por Despacho fls. 297/8, Tribunal: - Indefere audição da progenitora por Skype. - Diz que não se menosprezando o facto de aos autos estar subjacente problemática de violência doméstica, acrescida da problemática de criança deslocalizada, atenta a complexidade da situação, solicita informação à autoridade central; -Diz que após decidirá sobre necessidade diligências e adequação suspensão. 2.9. A fls. 304 e segs, progenitor pronuncia-se quanto a requerimento da progenitora e documento junto por esta a fls. 290 – a declaração subscrita por si, referindo processo de divórcio, ficando a mãe com a guarda da criança -, alegando, entre o mais, ter assinado o documento, mas obtida a assinatura por esta com coacção e violência contra o Requerente. 2.10. Por despacho de fls. 311, em 27/06/2016, Tribunal decide que “…aguardem os autos as diligências em curso...”, não determinando assim posteriores diligências, das requeridas, mas também não se pronunciando expressamente quanto à suspensão promovida pelo Dº magistrado do Ministério Público. (i) No entanto e previamente ao despacho, a fls. 306 a autoridade central, em 6/07/2016, junta oficio, informando que “…após análise técnica de todo o processo, procedemos ao envio do referido pedido, acompanhado de todos os documentos á congénere Venezuelana…”. Bem como informa que “…o progenitor disponibilizou-nos novas informações sobre esta situação, as quais partilhámos de imediato com a Autoridade Central da Venezuela, solicitando novamente com carácter de urgência, a colaboração das autoridades Venezuelanas…” informações que teriam a ver com a pretensão da progenitora de obter a nacionalidade venezuelana para a filha e deslocar-se para a Colômbia. E informa o Tribunal, entre o mais, “…que nesta fase, como é do conhecimento de V.Exª, compete á autoridade Judicial da Venezuela determinar ou não o regresso da criança a Portugal, ao abrigo do previsto na referida Convenção.”. (ii) A fls. 319, o Ministério Público promove que os autos aguardem posterior informação e que se oficie ao inquérito a que se refere a queixa da progenitora, de fls. 83 e 107, para dizerem do estado dos autos. O que é deferido por despacho de fls. 320 (estando ofício quanto a fls. 83 e 107, a fls. 327 e 328, de 20/07/2016, com resposta a fls. 330, em investigação; e oficio para a Autoridade Central a fls. 329, da mesma data). 2.11. A fls. 322 e segs., por requerimento apresentado pela progenitora em 15/07/2016, a mesma alega, entre o mais: - a omissão de fundamentação do despacho que determinou o regime provisório quanto ao regime das responsabilidades parentais; -diz que apresentou a sua oposição após citação, o que ocorreu com a decisão já tomada, em que alegou o conhecimento prévio que o progenitor tinha da deslocação da criança com a mãe á Venezuela, tendo dado consentimento, os progenitores estão casados entre si, o progenitor assinou declaração em que atribuía as responsabilidades parentais à progenitora; - pede ao tribunal que aprecie e se pronuncie quanto à sua oposição, invocando o artº 14º, nº 4, do RGPTC. 2.12. O progenitor responde por requerimento de fls. 332 e segs. de 25/07/2016, onde pede ao Tribunal, entre o mais: - que seja indeferido o pedido de alteração do regime provisório da RRP; - que seja oficiada progenitora para não impedir contactos entre filha e pai; - que seja oficiado aos OPC, que os mesmos notifiquem a INTERPOL para toma medidas necessárias à detenção da Requerida e da menor, com finalidade de ser dado cumprimento à decisão do Tribunal e ser a criança efectivamente entregue à guarda do pai; 2.13. Por despacho fls. 343, em 26/07/2016, determinado que autos vão ao Ministério Público. (i) Ministério Público pronuncia-se a fls. 349 e promove pedido de informação à Autoridade Central. (ii) Despacho fls. 350, em 3/08/2016, determinado pedido informação á Autoridade Central; (iii) A fls. 367, em 21/09/2016, Progenitor apresenta novo requerimento, pedindo, de novo, por não ter obtido resposta por parte do tribunal, que seja oficiado aos OPC, que os mesmos notifiquem a INTERPOL para toma medidas necessárias à detenção da Requerida e da menor, com finalidade de ser dado cumprimento à decisão do Tribunal e ser a criança efectivamente entregue à guarda do pai;


3. É, na sequência de todo o encadeamento que antecede, que o Tribunal, após a promoção do Dº Magistrado do Ministério Público de fls. 377, profere o despacho de fls. 385, em 10/10/2016 - e que começámos por referir. A fls. 399 e seg.s, o progenitor vem pedir ao tribunal – dado ter sido notificado para procedimento de regulação das responsabilidades parentais pelo Tribunal de ...-, que o Tribunal ordene à requerida que a mesma regresse a Portugal, sob pena da prática de um crime de desobediência, ficando a viagem a cargo do pai e sendo condenada como litigante de má-fé. 3.1. O Dº Magistrado do Ministério Público, a fls. 411, diz, de forma que é igualmente o entendimento deste Tribunal, quanto à interpretação jurídica e aplicação da lei no caso concreto, que “…a situação da menor, designadamente ao seu regresso a Portugal, depende da forma como os tribunais Venezuelanos interpretarem e fizerem executar a Convenção de Haia cujo quadro legal é igual para todos os países signatários. Quer isto dizer que caso o tribunal Venezuelano não ordene o regresso da menor este Tribunal perde a sua jurisdição relativamente ao exercício das responsabilidades parentais…”. Ora, atento os documentos de fls. 416 e esgs,, juntos pelo Requerente, a sua notificação para o processo que está pendente nos tribunais da Venezuela, para decidir quanto à residência e guarda da criança, ocorreu no âmbito da convenção de Haia sobre a citação e notificação no estrangeiro, é expressamente referida a situação da saída da criança com a mãe do território português, Tribunal Venezuelano que, neste momento, tal como acabado de referir e face ao procedimento aberto pelo Autoridade Central para o regresso da criança, no âmbito da convenção de Haia, é o competente para decidir quanto ao regresso da criança. Este entendimento foi confirmado pela Autoridade Central a fls. 306, em 6/07/2016, quando juntou o ofício em que informou que após análise técnica de todo o processo, procederam ao envio do pedido de regresso da criança à congénere Venezuelana.


Disse que as informações entretanto disponibilizadas directamente pelo progenitor à Autoridade Central foram remetidas para a congénere Autoridade Central da Venezuela, foi solicitado novamente com carácter de urgência, a colaboração das autoridades Venezuelanas, mas dizendo expressamente “…que nesta fase, como é do conhecimento de V.Exª, compete á autoridade Judicial da Venezuela determinar ou não o regresso da criança a Portugal, ao abrigo do previsto na referida Convenção.”. O que é igual para todos os Estados membros de aderiram à convenção, não está a haver procedimento que derrogue os interesses de qualquer um dos Estados envolvidos. Com efeito, tal resulta do artº 13º, da Convenção sobre os Aspectos Civis do rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25/10/1980, dizendo a al. b) que o Estado requerido não é obrigado a ordenar o regresso da criança se considerar que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou de qualquer outro modo a ficar numa situação intolerável. Neste momento, cabe à jurisdição Venezuelana decidir se houve ou não uma deslocação ilícita da criança. E há que lembrar que os pais da criança têm os dois dupla nacionalidade, portuguesa/venezuelana, pelo que são tratados em igualdade, porque estão a lidar com os regimes jurídicas das suas nacionalidades, com o regime jurídico que desde sempre sabiam que lhes podia ser aplicável. 3.2. É certo, como dissemos, que não obstante a decisão, neste momento, quanto ao retorno ou não da criança a Portugal, depender da decisão e tão só da decisão das autoridades Venezuelanas, por força da Convenção, o presente Tribunal, dado que regulou provisoriamente a guarda e destino da criança - depois de a mesma ter saído do território nacional, mas antes de ter sido aberto o procedimento ao abrigo da convenção de Haia, pela Autoridade Central -, não perde a competência para, em relação ao que decidiu, para apreciação do incumprimento.


Mas, face às especificidades e complexidade do caso concreto, que ressaltam da descrição do encadeado de actos e tramitação processual, que fiz no ponto anterior, passo a dizer. 3.3. Do ponto de vista formal, atento o disposto no artº 16º e 41º, do R.G.P.T.C., havendo incumprimento, o mesmo é conhecido em incidente autónomo e aí serão tomadas as providências necessárias a que se refere o artº 28º, para assegurar a execução efectiva de uma decisão que não foi cumprida. Não tendo ainda sido requerido o incidente, de forma expressa, como tal, nada obsta no entanto que o tribunal ou o Ministério Público, face ao conteúdo concreto do que é requerido pelo progenitor, proceda à respectiva adequação processual e, se o considerar processualmente adequado, determinar a extracção de certidão das peças processuais relevantes e autuação do incidente. Não é por questão formal que os interesses de uma criança deixam de ser protegidos. 3.4. Mas, no caso concreto, estamos perante uma decisão provisória quanto ao exercício das responsabilidades parentais, tomada ao abrigo do disposto no artº 28º, do RGPTC, Diz o nº 3, do referido artigo que, “…para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes…”, dizendo o nº 4, que “…o tribunal ouve as partes, excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência…”. Foi este o enquadramento processual, ao abrigo do qual foi tomada a decisão de fls. 53 ( por despacho de 20/04/2016, na sequência de requerimento apresentado pelo Requerente em 5/04/2016, sem prévia audição da progenitora, dado que o progenitor comunicou ao tribunal ter ocorrido uma situação de subtracção ilícita da criança, é proferida decisão provisória quanto ao exercício das responsabilidades parentais. A menor é confiada à guarda e cuidado do pai. Responsabilidades parentais exercidas pelo pai. A progenitora poderá estar com a criança sempre que o quiser). Mas diz o nº 5, do artº 28º, do RGPTC, que “…quando as partes não tiverem sido ouvidas antes do decretamento da providência, é-lhes lícito, em alternativa, na sequência da notificação da decisão que a decretou:


a) Recorrer(…); b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.”. Não obstante, a fls. 322 e segs., por requerimento apresentado pela progenitora em 15/07/2016, a mesma tenha alegado, entre o mais, a omissão de fundamentação do despacho que determinou o regime provisório quanto ao regime das responsabilidades parentais, o certo é que não recorreu da decisão, não interpôs recurso da decisão por falta de fundamentação. A opção processual escolhida pela requerida após a sua citação, foi a de deduzir oposição. Como referi, a fls. 82 a 164 a progenitora deduz oposição ao regime provisório fixado e de que fora citada, pede nova regulação. Alega os factos que entende que deverão levar o tribunal a alterar a sua decisão – o conhecimento do pai para a sua deslocação á Venezuela com a criança, vivência de violência doméstica do progenitor contra si, maior capacidade e competência da sua parte para ficar com a guarda da filha, progenitor com ausência de dedicação à família -, junta documentos - entre o mais, cópia de queixa apresentada por si junto do MºPº contra o Requerente, pela prática de factos integradores de crime de violência doméstica, e cópia dos e-mails trocados com o progenitor após a sua ida para a Venezuela, para contactos telefónicos do pai com a criança - , arrola testemunhas e requer diligências de prova Por despacho de fls. 165, o Tribunal determina a realização de diligências de prova requeridas (dizendo que se pronunciará posteriormente quanto às demais questões). Qual a tramitação subsequente? Conforme resulta do encadeado processual descrito e se se entender que o tribunal continua com competência internacional para prosseguir com o processo de regulação das responsabilidades parentais, temos que foram realizadas duas conferências de pais - nas quais a progenitora não esteve presente, mas fez-se representar por Mandatário com poderes especiais -, que o progenitor, a fls. 177 e ses, pronuncia-se quanto á oposição da Requerida – alega, entre o mais, falsidade da argumentação da Requerida, nega acusações e versão da requerida, pede que o Tribunal notifique a DGRSP/Autoridade Central para tomar procedimentos para regresso, pede que a Requerida seja instada a colaborar no regresso da menor – e arrola testemunhas também. Assim, atento o artº 28º, 29º, 35º e 40º, do RGPTC, entendo que o Tribunal, necessariamente e se considerar que o processo deve continuar a ser tramitado, tem que conhecer da oposição apresentada pela progenitora e, consequentemente, decidir se mantém, ou não, o regime provisório fixado sem a audição da Requerida.. 3.5. Mas convocando o formalismo processual seguido nos autos – e o ritualismo legalmente prescrito está inspirado, em regra, pela ideia de garantir e possibilitar que cada um dos actos que a lei prevê que devam ter lugar, prossigam a sua finalidade; de acordo com as exigências técnicas do processo, garantindo e salvaguardando a posição de cada uma das partes, pois os actos processuais têm natureza instrumental em relação à unidade do processo; de modo a que cada acto, sendo condicionado pelo precedente, interfere no subsequente e , seguindo prof. Germano Marques da Silva, mas falando em relação a diferente jurisdição, “… a inobservância dos requisitos formais repercute-se mais ou menos acentuadamente no acto terminal do processo, pondo em perigo a justiça da decisão.(...)” -, após a impugnação e dedução de oposição pela progenitora e resposta do progenitor, temos que:


- a fls. 297, o Dº Magistrado do Ministério Público, dado accionamento da Convenção Haia, promove suspensão dos autos; - por Despacho fls. 297/8, Tribunal disse que não se menosprezando o facto de aos autos estar subjacente problemática de violência doméstica, acrescida da problemática de criança deslocalizada, atenta a complexidade da situação, solicita informação à autoridade central e diz que após decidirá sobre necessidade diligências e adequação suspensão; - após o requerimento de fls. 309 do progenitor – e que se refere ao documento junto a fls. 290 pela progenitora, a declaração subscrita pelo progenitor, referindo processo de divórcio, ficando a mãe com a guarda da criança, mas dizendo, entre o mais, ter assinado o documento e sido obtida a assinatura por coacção e violência da progenitora contra si -, por despacho de fls. 311, em 27/06/2016, o Tribunal decide que “…aguardem os autos as diligências em curso...”, não determinando assim posteriores diligências, das requeridas quer pelo progenitor, quer pela progenitora.


Assim, embora não se pronunciando expressamente quanto à suspensão promovida pelo Dº Magistrado do Ministério Público, determinou que os autos aguardassem, enquanto estão pendentes os procedimentos iniciados com o accionamento da Convenção de Haia, e enquanto não é decidido, pelo Estado Venezuelano, se a criança regressa ou não a Portugal. 4. Pode, contudo, neste momento ter ocorrido qualquer alteração de circunstâncias que leve o tribunal a, de forma fundamentada, alterar o decidido quanto ao prosseguimento dos autos e à realização de diligências. Assim: a) Solicite à Autoridade Central informação sobre o estado do procedimento em curso, quanto à decisão de retorno ou não da criança;. b) Solicite aos processos identificados a fls. 83 e 108, informação sobre o estado dos autos; a) Abra vista ao Dº Magistrado do Ministério Público, a fim de se pronunciar sobre se mantém a sua promoção quanto à suspensão do processo, enquanto se encontrarem pendentes os procedimentos desencadeados pela autoridade central e não for proferida decisão pelo Tribunal Venezuelano».


11. A Autoridade Central Portuguesa solicitou à sua congénere na Venezuela o regresso imediato da menor ao seu país, o que nunca veio a ocorrer.


12. Em 22/04/2016, junto dos Serviços do Ministério Público do DIAP ..., a arguida apresentou queixa-crime contra BB, imputando-lhe a prática de factos que poderiam ser susceptíveis de integrar a prática de um crime de violência doméstica, tendo dado origem aos autos de inquérito n.º 960/19.8..., vindo o inquérito a ser arquivado por não ter sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação do crime.


13. Entretanto a arguida fixou a sua residência e a da filha em ..., na Venezuela, e diligenciou pela obtenção da nacionalidade venezuelana da menor CC.


14. A menor CC passou a frequentar a escola em ..., na Venezuela.


15. Em 15/06/2016, arguida requereu, junto dos competentes tribunais venezuelanos, a regulação das responsabilidades parentais da menor.


16. A arguida não mais regressou a Portugal, nem permitiu o regresso da sua filha a este país. Em 22.11.2017, o Tribunal ... de Primeira instância de Mediação e Substanciação da Proteção de Crianças e Adolescentes do Distrito Judicial da Região Metropolitana de ... (Venezuela) determinou que a menor não pode mudar de residência para o exterior da República Boliviana da Venezuela. De tal decisão recorreu o aqui assistente, tendo o Juzgado Superiri Segundo del Circuito Judicial de Proteção de Ninõs, Ninãs e Adolescentes de la circunscricion Judicial del Área Metropolitana de ... y Nacional de Adopcion Internacional, decidido, em 9.3.2018: no ponto Segunda decretar medida preventiva de proibição de saída do país da menor e, no ponto Terceiro, determinou que as medidas decretadas se manteriam em vigor até que se dirima o conflito da custódia da menina e se estabeleça outro tipo de regime por acordo entre as partes ou por órgão judicial.


17. Por decisão de 16/04/2018, proferida nos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 997/16.9..., que correram termos no J1 da 3ª Secção no Juízo de Família e Menores de ... – Instância Central, por considerar que a decisão do tribunal Venezuelano não só proíbe o regresso da menor a Portugal, ao abrigo do artigo 13º da Convenção de Haia, como também proíbe a saída da menor da Venezuela e fixa um regime de visitas, provisório, da menor ao pai, no contexto de uma decisão que pretende regular o exercício das responsabilidades parentais, sendo por isso, inequívoco que o tribunal Venezuelano chamou a si a competência para regular o exercício das responsabilidades parentais da menor, declarou a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide.


18. A arguida apresentou queixa por considerar que o assistente tinha um comportamento agressivo contra a sua pessoa.


19. O pai da arguida que teve um problema de cálculos nas vias biliares, foi-lhe diagnosticado icterícia e foi-lhe recomendada a realização de uma operação médica de emergência e no dia 1 de Abril de 2016, foi alvo de uma complicada cirurgia, com perigo de vida para o mesmo.


20. Ao empreender a viagem para a Venezuela pretendia também ajudar o seu pai, àquela data recentemente internado e a acompanhá-lo nas diversas consultas médicas, bem como a dar apoio emocional aos seus pais, pois nenhum dos seus três filhos residia na Venezuela, face à difícil situação política aí existente.


21. A arguida já anteriormente viajara até à Venezuela e Colômbia, acompanhada da sua filha, o que fez por períodos de várias semanas.


22. No próprio dia da viagem empreendida em 4 de Abril de 2016, o assistente participou à PSP ... que a arguida tinha fugido e que tinha “raptado” a filha de ambos.


23. Quando chegou à Venezuela a arguida informou o progenitor do seu paradeiro e da sua filha e que pensava ficar um período de 15 dias naquele país, para visitar o pai, que se encontrava doente.


24. À data da viagem à Venezuela, o assistente e a arguida encontravam-se casados entre si e inexistia qualquer regime de responsabilidades parentais fixado, por acordo ou sentença judicial, que afastasse os poderes/deveres que a arguida detinha, sobre a menor.


25. A arguida comunicou o seu paradeiro ao Ministério Público e a todos os órgãos de Polícia e de Investigação Criminal.


26. O arguido impediu o acesso da arguida à conta bancária de ambos.


27. (…).


28. Nos dias seguintes a ter chegado à Venezuela, a arguida ligou e/ou remeteu emails ao assistente e pediu-lhe para falar com a filha; bem como foi-lhe dando conhecimento da sua estimativa de regresso, dependente da situação clínica de seu pai, que igualmente lhe dava conhecimento.


29. Também o mandatário da arguida estabeleceu contacto com o assistente, pelo menos desde 13 de abril de 2015, por SMS, para além de conversa telefónica com o mesmo.


30. Algumas semanas antes da saída da arguida do país, esta e o assistente tinham tomado a decisão, conjunta, de se divorciarem.


31. O assistente nunca visitou a sua filha, apesar do regime estipulado na Venezuela e quando se deslocou àquele país para estar presente no julgamento só viu a CC uma vez.


32. Desde que a menor se encontra na Venezuela o assistente não ajuda no sustento da sua filha e bloqueou o acesso às contas conjuntas por parte da arguida, o que dificultou extremamente o sustento da menor pela arguida.


33. (…).


34. Ainda em Portugal, em 27.03.2016, o arguido assinou uma declaração consentindo, expressamente, que a guarda da menor seria entregue à mãe, aqui arguida.


35. O assistente viajou para o estrangeiro entre o dia 28 de Março e o dia 1 de Abril de 2016, tendo a arguida ficado sozinha em ..., com a menor.


36. No Aeroporto ..., com destino a ..., a arguida foi abordada e interrogada pela polícia do ..., porquanto o assistente dirigiu-se à esquadra ... invocando o “sequestro” da filha, e daí foi remetido um fax ao aeroporto de ....


36. Logo de seguida a arguida foi libertada, porquanto as autoridades verificaram que a mesma era a mãe da menor, que não existia nada na Interpol contra si, que a arguida e o progenitor estavam ainda casados – o que não fazia obstar à viagem da menor apenas acompanhada pela mãe e informaram a arguida que esse procedimento de enviar um fax à polícia do aeroporto de ... seria ilegal.


37. Em Portugal a arguida encontrava-se completamente integrada na sociedade portuguesa e a universidade de ... tinha acabado de convidar a arguida a ser parte de um grupo de estudo de imigrantes muito qualificados, sendo a arguida a “media trainer” de jornalistas.


38. O facto de a arguia ter passado a residir na Venezuela, com a sua filha e ali estabelecer-se, de novo, tanto pessoal como profissionalmente, economicamente foi prejudicial para a vida da arguida e filha.


39. Na sequência de pedido interposto pelo assistente, a Autoridade Central Portuguesa designada em matéria de proteção de crianças e jovens e relativamente aos aspetos civis do rapto internacional de crianças, e que, como Autoridade Central, compete à DGRSP, através do Gabinete Jurídico e de Contencioso, com recurso à Convenção Internacional de Haia (assinada pela Venezuela e Portugal), desencadeou procedimento com vista à restituição da menor, tendo dado origem a um julgamento na Venezuela, país a quem foi solicitada a cooperação, tendo a menor sido confiada à guarda da arguida pelo Octavo Tribunal de Primeira Instância de Mediação e Substanciação da Proteção de Crianças e Adolescentes do Distrito Judicial da Região Metropolitana de ... (Venezuela). Mais foi determinado que a menor não pode mudar de residência para o exterior da República Boliviana da Venezuela. Tendo o assistente interposto recurso, a sentença foi confirmada pelo Segundo Tribunal de Primeira Instância de Julgamento de crianças e adolescentes da circunscrição judicial da Região Metropolitana de ... / Venezuela. Mas, esta decisão do Tribunal Superior, embora no ponto Segunda tenha decidido a manutenção das medidas preventivas, designadamente a medida preventiva de proibição de saída do país da menor, no ponto Terceiro determinou que as medidas preventivas decretadas se manteriam em vigor até que se dirima o conflito da custódia da menina e se estabeleça outro tipo de regime por acordo entre as partes ou por órgão judicial.


40. O assistente esteve presente no julgamento que decorreu na Venezuela, tendo a sentença


atribuído a guarda e o exercício unilateral dos direitos/responsabilidades parentais à arguida, sendo concedido ao assistente, um regime de visitas para que ele compartilhe e esteja com sua filha, o que aquele nunca aproveitou, assim como não tem entregue a estipulada obrigação de alimentos, apesar de a arguida já lhe ter efectuado pedidos de ajuda.


41. Esta sentença transitada, no julgamento da Restituição Internacional relativamente à menor CC, foi enviada ao Governo Português, no ano de 2019, através do Ministério das Relações Exteriores da Venezuela, que a remeteu à Autoridade Central Portuguesa.


42. O arguido nunca visitou a filha na Venezuela por, devido à violência, não se sentir seguro naquele país que conhece bem por nele ter vivido durante muitos anos.


43. (…).


44. Presentemente a arguida gostaria de ir residir para a Colômbia, onde os seus pais, entretanto passaram a residir e só não o faz porquanto por decisão judicial (referida no ponto 16 dos factos dados como provados ), a menor não pode mudar de residência pata o exterior da República Boliviana da Venezuela sem se dirima o conflito da custódia da menina e se estabeleça outro tipo de regime por acordo entre as partes ou por órgão judicial.


45. Ao viajar para a Venezuela com a sua filha, agiu a arguida com o propósito concretizado de retirar a menor CC da casa de morada de família, para assim impedir que o pai da menor mantivesse um contacto efectivo e prático com a sua filha.


46. Agiu a arguida com o propósito de não entregar a menor ao progenitor, o que recusou, mesmo sabendo que a guarda e cuidados da mesma tinham sido entregues a BB por decisão judicial.


47. Quis a arguida reter a menor consigo, comportando-se como se tivesse a guarda e confiança da menor CC, que sabia não ter.


48. Sabia a arguida que não cumpria o regime estabelecido quanto às responsabilidades parentais da menor CC, indiferente às consequências da sua conduta sobre o desenvolvimento da menor.


49. A arguida agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente e conhecia o carácter proibido e punido por lei da sua conduta.


44. Não são conhecidos quaisquer antecedentes criminais à arguida.


45. Tem formação em ... e é ..., auferindo mensalmente cerca de 500 dólares (cerca de € 462,248).


46. Reside com a menor em casa própria, comprada com montante monetário que recebeu aquando das partilhas dos bens efectuadas na decorrência de se ter divorciado do assistente.


47. Paga mensalmente cerca de 350 dólares (cerca de € 322,51), pelo colégio e actividades que a menor frequenta.


B) – Factos não provados


Não resultaram provados, dentre os alegados, quaisquer outros factos que tenham interesse para a decisão:


- Só com ajuda dos seus familiares é que a arguida conseguiu, de início, sobreviver na Venezuela, e sustentar a sua filha, condignamente.


- A arguida solicitou por diversas vezes ao arguido que desistisse dos processos que intentou em Portugal, de forma a permitir que a arguida e a filha retornassem a Portugal, o que lhe foi sempre negado pelo assistente.


- Em 12 de Setembro de 2017 a arguida e a menor foram vítimas de um sequestro em casa dos pais da arguida, durante quatro horas, o que levou a que a arguida vivesse com medo, temendo pela sua vida e pela vida da sua filha e tendo comunicado estas situações ao assistente e pedido que as deixasse voltar para Portugal, pois o passaporte da menor foi objecto de medida cautelar que a impede de viajar, colocando um fim nos processos judiciais, o que o assistente não aceitou.


6. O assistente bem sabia previamente da viagem da arguida e filha a ... e do seu intuito e concordou com a viagem.


7. No decurso do casamento o assistente passou a mudar o seu comportamento e passou a tornar-se uma pessoa agressiva e violenta para com a arguida, com maior frequência, após o nascimento da filha de ambos, tendo a arguida sido vítima de várias ameaças físicas e verbais, bem como de ofensas corporais e psíquicas perpetradas por aquele.


8. Quando em finais de 2015 e início de 2016, o relacionamento entre o casal começou a deteriorar-se e a arguida disse ao seu marido que pretendia regressar à Venezuela.


9. Foi no veículo automóvel com matrícula ..-QE-.. que a arguida se dirigiu para o Aeroporto..., levando consigo a filha CC.


10. Desde que a arguida apresentou queixa pelo crime de violência doméstica que a arguida passou a dificultar os contactos telefónicos entre a menor e o seu progenitor e, por diversas vezes, impediu os contactos pelos meios de comunicação, via skype, entre pai e filha, controlando e cortando as conversas, quando existiam.


C) A modificação da matéria de facto, pelo Tribunal da Relação, nos termos do disposto no art.431.º, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, resultou particularmente dos seguintes segmentos do acórdão ora recorrido (transcrição parcial):


“Optou o recorrente por uma impugnação ampla, invocando erro de julgamento no que toca aos pontos 1, 2, 3, 4 e 5 que, assim defende, deviam ter sido dados como provados, bem como no que toca aos factos vertidos nos pontos 4, 16, 19., 20, 26. 27, 32, 33, 39 e 43 dos factos dados como provados que entende que apenas o deviam ter sido em determinados segmentos, que identifica, ou que carecem de rectificações.


(…)


Pretendendo, como supra referido, impugnar de forma ampla a matéria de facto dada como provada, veio o recorrente dar cumprimento ao disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP, indicando os concretos pontos de facto que impugna e as provas que, assim entende, impõem decisão diversa ( testemunhal - concretizando e transcrevendo as passagens que entende relevantes – e documental).


Procedeu-se à audição, na integra, das declarações e dos depoimentos indicados pelo recorrente e à análise dos documentos referidos.


Vejamos o que, com relevo, se apura das mencionadas audições:


A Arguida, AA, prestou declarações, tendo, com relevo, dito.


-Tinham decidido divorciar-se porque havia violência.


- Em 27.3.2016, escreveu uma carta que o marido assinou em que este lhe cedia a custódia da filha porque o BB nunca estava em casa e não tomava conta da filha. Mandou o documento para a advogada.


- Nesse mesmo dia falaram que a respondente iria à Venezuela porque o pai estava doente. Decidiram que a CC também iria. Como o BB ia fazer uma viagem aos ... por uma semana decidiram viajar quando ele regressasse. Ele voltou no dia 1 de Abril e viajaram no dia 5 para a Venezuela.


- Quando estava a fazer as malas ele estava em casa, ele sabia perfeitamente. Se eu quisesse teria ido uma semana antes, quando ele esteve fora esperar


-Já tinha viajado para a Venezuela e para a Colômbia com a filha, com autorização do BB. Um dos irmãos da respondente vive na Colômbia e foi com a CC ao casamento dele e esteve lá um mês, o BB não foi. Foi para a Venezuela através do ..., esteve sempre em contacto com o BB.


- No ... foi abordada pela polícia, disseram que tinha chegado um fax da polícia ....


- Quando chegou ao ... enviou uma mensagem ao BB. Quando chegou à Venezuela tentou contactar o BB.


- Catorze dias depois de ter chegado à Venezuela chegou um papel do Tribunal de ... a dizer que o BB tinha a custódia provisória.


- Depois o BB fez um pedido de restituição da criança.


- O Juiz daqui decidiu que não houve subtração.


- Queria regressar a Portugal mas não conseguiu.


- Trabalha como ... e ganha cerca de 500 dólares.


- Estava a pensar ficar 15 dias, não voltou por causa da situação no aeroporto ....


- O marido bloqueou as contas, ficou em pânico.


- Na véspera da partida, o BB dormiu no quarto da filha e o irmão da respondente dormiu no quarto de visitas. Tomaram o pequeno almoço e saíram, o BB já tinha saído.


- Em ..., por volta das 7 horas, quando ia apanhar o voo para ..., enviou uma mensagem ao BB a dizer que ia ficar em casa de uns amigos e depois para ....


- Quando chegou a ... ligou.


- Vive em ... num apartamento que comprou com o dinheiro das partilhas e a CC estuda num colégio ....


- Os pais da respondente foram viver para a Colômbia.


- A CC tem falado com o pai via whatsapp


- Apresentou queixa por violência doméstica porque tinha que se defender de alguma maneira: nem tinha chegado aqui e já tinha tido a situação aeroporto e depois a custódia provisória. Ele sempre foi violento mas nunca quis fazer queixa.


- Na Venezuela deu entrada a uma acção, quando percebeu que não podia voltar imediatamente para Portugal, depois de receber o ataque completo o pai. Na acção pediu para que a CC não pudesse sair da Venezuela sem a sua autorização e o Tribunal concordou.


- Já tinha inscrito a CC numa escola em Portugal.


- A decisão de ir até ... de carro foi tomada naquela manhã e os bilhetes foram comprados nessa manhã. Foram de carro até ... porque era mais rápido e mais barato. O BB sabia que estavam a procurar voos.


- Deixou a cadela com a DD.


- Deixou o carro à porta da casa da DD porque esta já lho tinha pedido emprestado.


Últimas declarações da arguida - 18.3.2022:


- Não voltou a Portugal por causa da acções que tinha contra si.


- Tinha a sua vida em ..., neste momento já nada tem em Portugal.


- Quer ir para a Colômbia. Tem nacionalidade colombiana.


- A CC não tem passaporte.


- O pai nada paga à CC.


O Assistente, BB, prestou declarações em 9.12.2021, tendo dito:


- Apresentou queixa por a filha ter sido levada para fora do país sem o seu consentimento


- As discussões do casal começaram a ser mais acesas quando o depoente descobriu que a mulher mandava dinheiro para os pais.


- A mulher dizia que se alguma coisa acontecesse ira viver com os pais a Venezuela e levaria a filha.


- Nos dias anteriores ela nada disse sobre ir para a Venezuela.


- No dia 2 a mulher teve uma atitude em casa do irmão e, por isso, saiu mais cedo da festa em casa deste. Foi levar a mulher e a filha a casa mas não dormiu em casa.


- Nesse dia 3 mandou uma mensagem à sogra a informar que a AA tinha sido agressiva com a mãe do depoente.


- No dia seguinte de manhã quando chegou a casa ali não se encontravam nem a mulher nem a filha. Telefonou à mulher e esta disse-lhe que que o irmão tinha vindo de ... para passar o fim de semana.


- Após ter-se encontrado com o cunhado, foi ter com o irmão. Quando regressou a casa com o irmão ali se encontravam a mulher, a filha, o cunhado e uma amiga da AA de nome DD. Elas estavam a carregar coisas para o carro.


- No dia 4 saiu de casa e foi trabalhar. Quando regressou a casa, talvez às 20 horas, ali não se encontravam nem a CC nem a AA. Ligou para a AA e para o irmão mas ninguém atendeu.


- Pensou que a mulher tinha saído de casa mas nunca para o exterior.


- Ligou para a DD e esta disse nada saber.


- Já tinham falado em separação, o depoente propôs guarda partilhada e a AA não aceitou. Propôs à AA que ficassem todos em Portugal, porque não queria perder o contacto com a filha.


- A AA umas vezes dizia que queria ficar em Portugal porque aqui tinha tudo, tinha segurança e trabalho, e outras vezes dizia que a filha tinha que ser criada junto dos avós e da sua cultura.


- Há 6 anos que a filha deixou de ver o pai e de ter contacto com a família paterna.


- Agora fala com a filha com frequência mas no início as chamadas não eram atendidas ou desligava-se ao fim de 2 minutos e a menina falava com o pai ao colo da mãe.


- Quando foi à polícia ainda não sabia onde de estava a filha.


- No dia 4, a AA mandou SMS a dizer que estava com uns amigos, não disse com quem estava nem onde. Quando recebeu este SMS já sabia que a filha ia a caminho da Venezuela porque no seu computador encontrou uma troca de emails entre os irmãos da AA e a DD.


- O SMS dizia: decidimos ir visitar o meu pai.


- A AA tinha-lhe dito que o pai estava doente mas não que era grave. Já noutra ocasião ela foi ver o pai que estava doente e não levou a filha.


A AA já tinha ido ao casamento do irmão dela, na Colômbia, e levou a filha com a autorização do depoente


- Numa das mensagens, a AA disse que tinha ido por 15 dias mas não acreditou porque ela não avisou, levou os computadores, levou a cadela e comprou passagens só de ida. Perguntou qual era a data do regresso e ela nunca respondeu.


- Deu entrada a uma acção no Tribunal de Menores de ....


- Acha que tudo foi planeado, o depoente andava com o carro da AA e esta andava com o carro da empresa e uns dias antes ela fez uma birra e trocaram de carros. Mais tarde soube que o carro estava no estacionamento da DD.


- Esteve com a filha em 2017, na altura em que foi ao julgamento. Só pode estar com ela num centro comercial. Não voltou à Venezuela porque tem medo que lhe montem uma cilada.


- A AA levou o ouro dela e da filha, cerca de €2.000, os computadores e as máquinas fotográficas com as quais trabalhava.


- Naquela noite ligou ao MM.


- Também lá estiveram em casa o irmão e o pai.


- Foi com o irmão à PJ e ao SEF.


- Sempre disse à arguida que ela podia voltar para Portugal.


- Não tem a certeza se ligou para a AA nessa noite.


- Não enviou o email de fls 849. Ligou para o aeroporto de ...


- A declaração de fls 893 verso foi manuscrita pela AA e assinada pelo depoente, a pedido desta e no meio de uma discussão. Sabia que o papel não valia nada.


- Antes de se ir embora, no dia 28, a AA deixou uma procuração ao advogado.


- Só conseguiu falar com a filha talvez uma semana depois.


- Cancelou os cartões de crédito da conta que usavam. Descobriu que a AA tinha outra conta.


- Não sabe quanto ficou obrigado a pagar de pensão de alimentos.


A testemunha de nome HH prestou depoimento em 16.12.2021 e, com relevo, afirmou:


- Ser irmão da arguida.


- Viver; à data dos factos, em ....


- Ter chegado a Portugal na manhã do dia 3.4.2016 e ter vinda com vista a ajudar a irmã a programar uma viagem à Venezuela porque o pai de ambos estava doente.


- Ter sido a irmã que o foi buscar ao aeroporto, após o que permaneceram todo o dia em casa desta.


- Que o marido da irmã e o irmão deste também ali estiveram o dia todo, só à noite este foi para casa dele.


- O ambiente em casa da irmã estava tenso.


- Durante a tarde foram feitas as malas.


- Crê que o BB sabia da viagem porque estava em casa.


- A viagem foi decidida em cima da hora.


- A AA viajou no dia seguinte, dia 4.


- Decidiram que a AA viajaria a partir de ... por ser mais barato. Acompanhou a irmã e a sobrinha num carro alugado desde ... até ....


- Antes da viagem, foram deixar o carro da AA em casa da DD. A DD queria comprar o carro da AA.


- A AA levava duas malas.


- A irmã viajou de ... até ao ... e no aeroporto teve problemas com a polícia por denúncia do BB, ficou surpreso com a denúncia.


- No dia 3 dormiu em casa da irmã.


- No dia 4 a primeira pessoa a sair de casa foi o BB, foi trabalhar. O depoente estava deitado e o BB despediu-se com naturalidade: disse-lhe até logo e ele respondeu até logo.


- Na viagem para Portugal não levou o seu computador e admite ter usado o computador lá de casa.


- A irmã fez outras viagens à Venezuela e era ela quem tratava das viagens. Veio para entregar dinheiro para a irmã levar.


- Desconhece porque razão a irmã levou a menina mas esta é muito agarrada à mãe.


- A AA e a CC não mais regressaram a Portugal por causa das denúncias do BB.


- Mais tarde ligou ao BB para tentar mediar a situação.


A testemunha de nome EE, inquirida em 16.12.2021, disse:


- Ser irmão do assistente.


- Na noite do dia 2.4.2016 fez uma festa de aniversário, sendo que e o irmão e a AA saíram antes de a festa terminar porque esta tinha tido um comportamento fora do normal com a mãe do depoente e do assistente.


- No dia seguinte foi com o irmão a casa deste e ali se encontravam a AA, o irmão desta, HH, e a CC. Saiu com o irmão e, quando regressaram a casa deste, ali estava também a DD.


- Conversou com o HH que conhece há muito tempo.


- Ninguém falou de qualquer viagem.


- Ao fim da tarde regressou a casa.


- No dia 4, por volta das 7.30 horas recebeu uma chamada do irmão, que estava muito alterado. Foi a casa do irmão e constatou que a CC e a AA ali não se encontravam.


- O irmão nunca autorizaria que a filha passasse a residir na Venezuela.


- O irmão quer que a filha regresse a Portugal e nunca se quis vingar.


- O irmão só foi uma vez à Venezuela porque não se sente seguro e tem razões para isso.


- Não consegue precisar a que horas recebeu a chamada do irmão, foi por volta das 20 horas.


- O quarto estava virado do avesso e levaram as malas. Não estava o carro nem a cadela.


- O irmão viu no email a informação da compra dos bilhetes de avião.


- Foram à PSP, PJ e ao aeroporto de ....


- A AA permanece na Venezuela. Em 2019, o depoente, que é casado com uma venezuelana, esteve 3 semanas na Venezuela. Esteve com a CC, com a AA e com a mãe desta e tudo decorreu de forma pacífica. Deu à CC um presente do pai.


- A AA disse ao depoente que estavam muito bem na Venezuela. O depoente perguntou-lhe se pretendia voltar e ela disse que estavam bem.


- Sabia que havia problemas no casal.


A testemunha de nome GG, inquirida em 16.12.2021, disse:


- Ser amigo do casal, costumando privar com os mesmos.


- Foi apanhado de surpresa quando o BB lhe ligou a dizer que tinha chegado a casa e que a AA ali não se encontrava e que faltavam coisas.


- O BB estava muito emocionado, ficou muito abalado.


- A AA já tinha feito outras viagens.


- Nunca mais viu a AA nem a CC.


A testemunha de nome DD, inquirida no dia 3.2.2022, disse:


- Ser amiga da AA talvez desde 2013.


- Num domingo, no início de Abril de 2015 ou 2016 foi a casa da arguida e levou a filha, porque esta era amiga da CC.


- Foi dar apoio à AA. Esta estava muito em baixo porque a AA e o BB tinham decidido divorciar-se e o pai da AA estava doente.


- O HH estava a procurar voos e a depoente esteve a ajudar a AA a fazer as malas.


- A AA pretendia ficar na Venezuela no máximo15 dias e levou a filha para se despedir do avô se fosse caso disso.


- A AA queria voltar, tinha a vida aqui, mas não podia.


- Quando a depoente saiu lá de casa ainda não tinham conseguido viagem.


- O BB ligou a depoente na segunda à noite e perguntou-lhe se sabia da AA, respondeu que não porque nesse dia não tinha falado com ela.


- A AA deixou o carro estacionado à porta da depoente e as chaves dentro da caixa do correio. Precisava de carro porque o seu carro ia para a oficina, e já lhe tinha pedido.


- O carro ficou com a depoente. Há dois anos comprou o carro à AA para ajudá-la a pagar ao advogado.


- Eles tinham decidido divorciar-se ele deu os poderes à AA.


- A AA deixou uma procuração aos seus advogados.


- Após as partilhas a AA queria voltar mas o passaporte da CC está apreendido.


- Ela deixou a cadela com uns amigos porque o BB não gostava do animal.


- A AA tinha conseguido inscrever a filha num colégio no ....


- A AA levou roupa e computador


-Sabe que há pouco contacto entre a CC e o pai. A AA pediu-lhe e que ligasse ao BB para lhe dizer para telefonar à filha


.- O BB sabia da viagem, era impossível não saber, tudo isto foi uma vingança, a AA queria divorciar-se e ele não queria.


Analisando:


Há que apurar se a convicção formada pelo Tribunal a quo tem suporte na prova produzida ou se, pelo contrário, a prova produzida impõe diferente decisão.


Na verdade, a decisão do Tribunal a quo, beneficiando de imediação e oralidade e sustentada na livre apreciação, como determina o artigo 127º do CPP, só poderá derrogada caso se conclua que é ilógica ou que viola as regras gerais da experiência comum.


Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objetividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjetividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objetividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objetiva”.


Vale isto por dizer que a livre apreciação da prova se realiza de acordo com critérios lógicos e objetivos.


A questão fulcral é a seguinte:


Tendo sido dado como provado que a arguida viajou para a Venezuela acompanhada da filha sem o conhecimento e consentimento do pai, assistente nestes autos, importa agora apurar se o fez com o intuito de prestar assistência ao pai e regressar ( como decidido na decisão recorrida) ou se pretendia permanecer naquele país.


Assim, cumpre começar por apurar se, ao dar como não provada a factualidade vertida no ponto nº 1 dos factos dados como não provados, como alega o recorrente, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.


Ou seja, analisa-se primeiro o ponto nº 1 dos factos dados como não provados, dado que a decisão sobre tal matéria poderá ter repercussões na matéria dada como provada, de seguida, analisa-se a impugnação da matéria dada como provada ( pontos 4, 16,19,20,26,27,32,33 e 39) e, por fim, a impugnação dos factos 2 a 5 dos factos dados como não provados.


Quanto ao ponto 1 dos factos dados como não provados:


O assistente afirmou desconhecer que a mulher iria viajar levando consigo a filha e que, na véspera, não houve qualquer conversa sobre a viagem.


E, EE, irmão do assistente, afirmou ter estado em casa deste na véspera, ter conversado com HH, e que nada foi dito sobre a viagem.


Já a arguida afirmou ter acordado com o assistente que viajaria, acompanhada pela filha, depois de este regressar da viagem aos ....


A testemunha de nome DD afirmou que o assistente tinha que saber da viagem porque esteve em casa e viu que estavam a fazer as malas.


Também a testemunha de nome HH afirma que o cunhado sabia da viagem.


Mas, na verdade, nenhuma destas testemunhas afirmou que, na véspera, estando presentes o assistente e o irmão deste, como por todos é afirmado, se falou da viagem. Afirmam que o assistente sabia mas nunca que se falou na viagem. E, não é o clima de tensão existente entre a arguida e o assistente que explica que o irmão da arguida, que afirma ali ter-se deslocado para ajudar a irmã na viagem, nada tenha referido sobre tal viagem quer ao cunhado quer ao irmão deste.


Também revelador do carácter evasivo e não frontal do depoimento do irmão da arguida, é a afirmação de que, na manhã do dia da viagem, quando o cunhado, assistente, saiu de casa despediram-se “normalmente”: a testemunha disse-lhe “até logo” e o assistente responde-lhe “até logo”. Tal despedida não é consentânea com o conhecimento por parte do assistente de que iriam viajar naquele dia ou, sequer, caso ainda estivessem a tentar marcar voos, de que haveria essa possibilidade.


E, na mesma senda, dir-se-á que também se mostra evasiva a resposta da mencionada testemunha no que toca à utilização do computador o assistente, seria expectável que referisse em julgamento que usou o computador do assistente e que tivesse dito a este que estava a usar o seu computador do mesmo e com que finalidade, sendo que nada afirmou a este respeito.


É certo que tais considerandos se referem ao conhecimento e consentimento por parte do assistente da viagem e, nesta parte, não foi dada credibilidade às declarações da arguida e das aludidas testemunhas de nomes HH e DD.


Na verdade, foi dado como provado que a arguida empreendeu a viagem sem o conhecimento e consentimento do assistente.


Assim, repete-se, em causa está a intenção que presidiu à viagem: se para permanecer na Venezuela por 15 dias ou um mês ou para ali permanecer, como efectivamente permaneceu.


Afirma a arguida que apenas pretendia permanecer na Venezuela por um curto período de tempo e o mesmo dizem as mencionadas testemunhas de nomes DD e HH.


E, aqui, o Tribunal a quo deu credibilidade aos mesmos.


Ora, não se coloca em causa que um depoimento pode merecer credibilidade num ponto e não noutro.


Em qualquer caso, cada declaração ou depoimento deve ser avaliado de forma global e conjugado com os demais meios de prova.


Ressalta da audição das declarações da arguida e dos depoimentos das testemunhas de nomes DD e HH que os mesmos se mostraram evasivos, não frontais, nalguns pontos, não consentâneos entre si nem com as regras gerais da experiência comum.


Tendo o assistente suscitado a questão de que, caso pretendesse permanecer na Venezuela por um curto período de tempo, faria sentido manter as chaves do carro em casa e o mesmo estacionado no local habitual, o que não aconteceu, afirmou a arguida que a amiga DD lho tinha pedido emprestado porque o veículo da mesma tinha que ir para a oficina e, como não iria precisar dele, emprestou-o. A Testemunha de nome DD corroborou tal depoimento.


Mas, HH, perguntado porque razão, antes de rumarem a ..., foram deixar o carro à porta da casa da testemunha de nome DD, sincera e desprevenidamente ( assim se analisa) respondeu: porque a DD queria comprar o carro da AA.


Tendo o assistente suscitado a questão de que, caso pretendesse viajasse por curto período de tempo não faria sentido retirar de casa a cadela, respondeu a arguida que o BB não gostava da cadela e por isso a tinha deixado com uns amigos. Perguntada qual o nome da pessoa com quem concretamente deixara a cadela, respondeu DD.


Já a testemunha de nome DD corroborou a versão de que a cadela tinha sido retirada de casa porque o BB não gostava do animal e não tratava dele mas disse que a cadela não ficou consigo mas com uns amigos.


Mais alegou o assistente que mal se compreende que o irmão da arguida tenha vindo a Portugal para a ajudar a planear uma viagem à Venezuela.


Respondeu a testemunha de nome HH que veio para entregar dinheiro à irmã, o que causa alguma perplexidade.


Alegou a arguida que já tinha sido acordado que viajaria com a filha para ver o pai após o regresso do assistente da viagem aos ... e que se pretendesse fugir com a filha poderia tê-lo feito nessa semana.


Ora, o assistente nega tal acordo. E, também mal se compreende que a arguida não tenha começado a tratar da viagem aquando desse acordo e sozinha, como afirmou que sempre fazia.


Por outro lado, a arguida saiu de Portugal deixando procuração, datada de 28.3.2016, atribuindo “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, incluindo os de substabelecer e ainda os poderes especiais para confessar, desistir ou transigir.- v- fls 8


Em conclusão:


- A arguida já tinha viajado para a Venezuela e para a Colômbia com a filha com o conhecimento e consentimento do assistente.


- A relação entre o casal entrou em ruptura e a arguida pretendia divorciar-se.


- Contrariamente ao que antes tinha feito, a arguida viajou para a Venezuela com a filha sem o conhecimento e o consentimento do assistente, tendo planeado a viagem à revelia do mesmo.


- A arguida deixou uma procuração com poderes especiais, levou o seu material de trabalho, entregou o carro a uma amiga que, segundo HH, o queria comprar (que o manteve na sua posse e que veio a comprá-lo) e deixou o animal de estimação com alguém que, dadas as contradições existentes, não se apurou quem era.


- Não colhe o argumento da arguida de que não voltou para Portugal com medo de ser presa. Na verdade, se tivesse voltado e persistido na vontade de se divorciar, apenas teria de enfrentar processos de natureza cível.


Assim, não encontra este Tribunal ad quem explicação para o diferente procedimento da arguida nesta viagem e para as medidas que tomou senão a de que, desta vez, a arguida pretendia ir para a Venezuela por tempo indeterminado e não, tão só, para ver o pai e regressar.


A primeira asserção que se retira da motivação do Tribunal recorrido é a de que o mesmo não fornece qualquer explicação [lógica ou menos lógica] para dar como não provado o propósito da arguida abandonar o território nacional com a menor, para passar a viver na Venezuela, depois de ter afirmado e dado relevância probatória a vários elementos objectivos em que assentou a convicção de que a mesma saiu do País sem o conhecimento do progenitor da menor. Não só não forneceu tal explicação, que no caso concreto se impunha para fundamentar consistentemente a afirmação que produziu a propósito dos factos não provados, como não retirou nos elementos probatórios a que deu relevância para dar como provado que a arguida saiu sem consentimento e conhecimento do assistente, como não extraiu desses elementos as conclusões que as regras de experiência comum lhe impunham.


Ouvida a prova, face à qual é indiscutivelmente seguro que a arguida saiu com a menor à revelia e desconhecimento do assistente (como o foi também para o Tribunal recorrido), impunha-se, com recurso à conjugação dos elementos probatórios disponíveis, supra referidos, a necessária conclusão de que a arguida, perante a ruptura conjugal decidiu regressar ao seu país de origem com a menor para aí passar a viver, sem o consentimento e conhecimento do progenitor.


O acabado de referir determina, desde logo, se considere contrária às regras de experiência comum a valoração efectuada pelo Tribunal recorrido relativamente à prova produzida, na parte que dá como não provado que a arguida saiu com a menor do território nacional, com o propósito passar a viver na Venezuela. A escolha do momento de executar tal propósito apenas parece ter sido precipitada pela doença do pai, que não se questiona nem sindica.


Os elementos objectivos evidenciados pela prova, que conferem total plausibilidade à versão do assistente (cujo depoimento é coerente, pormenorizado e evidência as vivencias que descreveu, contrastando com as declarações da arguida e testemunhas que vieram corroborar a versão desta), analisados à luz das regras de experiência comum, impõem decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo e a alteração da matéria de facto.


Assim, salvo melhor entendimento, que sempre e muito se respeita, ao dar como não provada a factualidade que verteu no ponto 1 dos factos dados como não provados, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, tendo violado as regras gerais da experiência, consagradas no artigo 127º do CPP.


Pelo que, o ponto nº 1 dos factos dados como não provados será eliminado dessa rubrica passando a constar dos factos provado, com o número 45 (dada a necessidade de renumeração, como infra se explanará) e terá a seguinte redação:


45. Ao viajar para a Venezuela com a sua filha, agiu a arguida com o propósito concretizado de retirar a menor CC da casa de morada de família, para assim impedir que o pai da menor mantivesse um contacto efectivo e prático com a sua filha.


Tal decisão acarreta, desde logo, a necessidade de alterar a factualidade dada como provada e não consentânea com a mesma.


Analisando os demais pontos impugnados:


Insurge-se o recorrente quanto à redacção dada ao ponto 4 dos factos dados como provados.


Em conformidade com o exposto e sem necessidade de mais considerandos, dá-se ao ponto 4 dos factos dados como provados a seguinte redacção:


4. Em data não concretamente apurada, mas situada no final de Março ou início de Abril, a arguida formulou o propósito de abandonar o território nacional, levando consigo a filha menor CC, sem o conhecimento consentimento de BB.


Mais se insurge o recorrente quanto à redação do ponto 16 dos factos provados dados como provados, no segmento em que se afirma ter sido decidido que a menor não podia mudar de residência para o exterior.


A este respeito importa analisar o documento de fls 909 verso a 927. Após tal análise, impõe-se dar a tal ponto a seguinte redacção:


16. A arguida não mais regressou a Portugal, nem permitiu o regresso da sua filha a este país. Em 22.11.2017, o Tribunal ... de Primeira instância de Mediacão e Substanciação da Proteção de Crianças e Adolescentes do Distrito Judicial da Região Metropolitana de ... (Venezuela) determinou que a menor não pode mudar de residência para o exterior da República Boliviana da Venezuela .De tal decisão recorreu o aqui assistente, tendo o Juzgado Superiri Segundo del Circuito Judicial de Proteção de Ninõs, Ninãs e Adolescentes de la circunscricion Judicial del Área Metropolitana de ... y Nacional de Adopcion Internacional, decidido, em 9.3.2018: no ponto Segunda decretar medida preventiva de proibição de saída do país da menor e, no ponto Terceiro, determinou que as medidas decretadas se manteriam em vigor até que se dirima o conflito da custódia da menina e se estabeleça outro tipo de regime por acordo entre as partes ou por órgão judicial.


Insurge-se, ainda, o recorrente quanto à redação dada aos pontos 19 e 20 dos factos dados como provados, nos segmentos em que se refere que a motivação da arguida para empreender a viagem à Venezuela.


Como decorre do supra exposto, apura-se que a arguida não viajou para a Venezuela apenas e tão só para dar apoio ao pai de depois regressar. Não se põe em causa a doença do pai da arguida, a preocupação desta e a intenção de prestar apoio ao pai o que se apura é, desde logo, a intenção de permanecer na Venezuela por tempo indeterminado, mesmo após a recuperação do progenitor.


Assim, os pontos 19 e 20 dos factos dados como provados passarão a ter a seguinte redação:


19. O pai da arguida que teve um problema de cálculos nas vias biliares, foi-lhe diagnosticado icterícia e foi-lhe recomendada a realização de uma operação médica de emergência e no dia 1 de Abril de 2016, foi alvo de uma complicada cirurgia, com perigo de vida para o mesmo.


20. Ao empreender a viagem para a Venezuela pretendia também ajudar o seu pai, àquela data recentemente internado e a acompanhá-lo nas diversas consultas médicas, bem como a dar apoio emocional aos seus pais, pois nenhum dos seus três filhos residia na Venezuela, face à difícil situação política aí existente.


Mais se insurge o recorrente quanto ao ponto 26 dos factos dados como provados no segmento que refere que o assistente impediu o acesso da arguida à conta gmail e à caixa postal:


Na verdade, não facto não encontra suporte em nenhum meio de prova. Assim, tal ponto passará a ter a seguinte redação:


26. O arguido impediu o acesso da arguida à conta bancária de ambos.


Insurge-se, ainda quanto ao teor do ponto 27º dos factos dados como provados.


Ora, não foram concretizadas quaisquer ajudas, desconhecendo-se, aliás, se a arguida sentiu dificuldade em sustentar a menor, como alega, de início, dado que se desconhece se a mesma levou ou não dinheiro, sendo certo que o assistente alegou que a mesma levou perto de €6.200.


Por falta de prova, tal facto será dado como não provado e passará a constar da rubrica respectiva.


No que toca ao ponto 32 dos factos dados como provados:


Tendo presente que o arguido, como alegou, cancelou os cartões electrónicos que permitiam à arguida aceder à conta comum e nunca contribuiu para o sustento da menor, decorre das regras gerais da experiência que, com o decurso do tempo e sem nada receber do assistente, tal tenha acarretado dificuldades no sustento, pelo que se mantém se mantém o teor do artigo 32.


Quanto aos pontos 33 e 43 da matéria de facto dada como provada:


No que toca a estes pontos, com o devido respeito, tal matéria não resulta da prova produzida, designadamente de uma análise critica das declarações prestadas pela arguida e pelo assistente, ouvidas na íntegra, nem dos documentos referidos na fundamentação.


É certo que a arguida referiu em declarações que, inicialmente, pretendia voltar a Portugal mas tais declarações não mereceram crédito como supra referido.


Também da prova documental referida não resulta qualquer conversa que o referido teor.


Assim, serão tais factos dados como não provados.


Mais impugna o assistente o ponto 39 dos factos provados.


Aqui, reiterando e reproduzindo antes analisado e decidido no ponto16, considerando que as datas das decisões em causa já ali foram referidas, dá-se a este ponto a seguinte redação:


39. Na sequência de pedido interposto pelo assistente, a Autoridade Central Portuguesa designada em matéria de proteção de crianças e jovens e relativamente aos aspetos civis do rapto internacional de crianças, e que, como Autoridade Central, compete à DGRSP, através do Gabinete Jurídico e de Contencioso, com recurso à Convenção Internacional de Haia (assinada pela Venezuela e Portugal), desencadeou procedimento com vista à restituição da menor, tendo dado origem a um julgamento na Venezuela, país a quem foi solicitada a cooperação, tendo a menor sido confiada à guarda da arguida pelo Octavo Tribunal de Primeira Instância de Mediação e Substanciação da Proteção de Crianças e Adolescentes do Distrito Judicial da Região Metropolitana de ... (Venezuela). Mais foi determinado que a menor não pode mudar de residência para o exterior da República Boliviana da Venezuela. Tendo o assistente interposto recurso, a sentença foi confirmada pelo Segundo Tribunal de Primeira Instância de Julgamento de crianças e adolescentes da circunscrição judicial da Região Metropolitana de ... / Venezuela. Mas, esta decisão do Tribunal Superior, embora no ponto Segunda tenha decidido a manutenção das medidas preventivas, designadamente a medida preventiva de proibição de saída do país da menor, no ponto Terceiro determinou que as medidas preventivas decretadas se manteriam em vigor até que se dirima o conflito da custódia da menina e se estabeleça outro tipo de regime por acordo entre as partes ou por órgão judicial..


Embora não tendo sido impugnado, por uma questão de coerência com a matéria de facto dada como provada, impõe-se proceder a um aditamento ao ponto 48 dos factos dados como provados, passando o mesmo a ter a seguinte redacção:


48. Presentemente a arguida gostaria de ir residir para a Colômbia, onde os seus pais entretanto passaram a residir e só não o faz porquanto por decisão judicial ( referida no ponto 16 dos factos dados como provados ), a menor não pode mudar de residência pata o exterior da República Boliviana da Venezuela sem se dirima o conflito da custódia da menina e se estabeleça outro tipo de regime por acordo entre as partes ou por órgão judicial.


Por fim, impugna o recorrente a decisão tomada quanto aos pontos 2 a 5 dos factos dados como não provados.


Quanto aos pontos 2 a 4:


A arguida foi notificada do teor do regime provisório estabelecido e, exercendo um direito, deduziu oposição ao mesmo.


Mas, fica clara a intenção de não cumprir quando, na acção nº AP51-V-2016, por si apresentada no Tribunal 9º de Primeira instância de Mediação e Substanciação de Crianças e adolescentes, ..., em 7.6.2016, a mesma requer que seja fixado regime provisório no qual, designadamente, que lhe sejam atribuídas em exclusivo as responsabilidades parentais, que seja fixada a residência da CC com a requerente, que seja fixado um regime de visitas da criança ao pai com supervisão de equipa multidisciplinar e que a CC não possa sair da Venezuela – vide fls 200 a 230.


Assim, e tendo também em conta todo o supra exposto, tais factos terão que ser dados como provados


Já o ponto 5, referente aos elementos subjectivos, decorre de todo o exposto.


Atenta a decisão que antecede, serão também eliminados da rubrica dos factos dados como não provados os factos ali vertidos sob os números 2 a 5.


Tais factos passarão a constar dos factos dados como provados, impondo-se a renumeração, serão aditados nos seguintes termos:


47. Agiu a arguida com o propósito de não entregar a menor ao progenitor, o que recusou, mesmo sabendo que a residência da menor e o exercício das responsabilidades parentais da mesma tinham sido entregues a BB por decisão judicial.


48. Quis a arguida reter a menor consigo, comportando-se como se tivesse a guarda e confiança da menor CC, que sabia não ter.


49. Sabia a arguida que não cumpria o regime estabelecido quanto às responsabilidades parentais da menor CC.


50. A arguida agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente e conhecia o carácter proibido e punido por lei da sua conduta.”


*


10. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 3 e de 24-3-1999 4 e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, pág. 103).


São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar 5, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.


Como refere Germano Marques da Silva, “As conclusões resumem a motivação, e por isso, que todas as conclusões devem ser antes objeto de motivação. É frequente, na prática, o desfasamento entre a motivação e as correspondentes conclusões ou porque as conclusões vão além da motivação ou ficam aquém. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões; se vão além também não devem ser consideradas porque as conclusões são o resumo da motivação e esta está em falta”.6


Resulta medianamente claro, da leitura das extensas e repetitivas conclusões da motivação do recurso, que a arguida AA não deu cumprimento cabal ao disposto no art.412.º, n.º1 do Código de Processo Penal, ou seja, não resumiu nas conclusões as razões do pedido.


Na verdade, as conclusões da motivação limitam-se a reproduzir o que a recorrente alegou na motivação, sem qualquer esforço de síntese. Esta deficiência na formulação das conclusões, em bom rigor, deveria conduzir a convite para apresentação de novas conclusões e, in extremis se desatendido o convite, poderia determinar a rejeição do recurso (art.417.º, n.º3 do C.P.P.).


Não obstante, e na medida em que, apesar do vício de que padecem as conclusões, as questões a conhecer estão suficientemente identificadas, afigura-se-nos desnecessário usar daquele meio processual, desde logo por razões de economia processual, e dar-se seguimento ao recurso.


No caso dos autos, face às conclusões da motivação da recorrente AA as questões a decidir, pela sua ordem lógica, são as seguintes :


1.ª - Violação do princípio ne bis in idem;


2.ª - Nulidade do acórdão recorrido;


3.ª - Existência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto e do erro notório na apreciação da prova;


4.ª - Violação dos princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo;


5.ª – Violação dos princípios da subsidiariedade, da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade;


6.ª – Não preenchimento do crime de subtração de menor;


7.ª - Medida da pena.


11. Da violação do princípio ne bis in idem.


11.1. A recorrente AA defende que a sua condenação nos presentes autos viola inequivocamente o princípio non bis in idem, presente no art.29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, alegando para o efeito, e em breve síntese: (i) a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), como Autoridade Central Portuguesa designada em matéria de proteção de crianças e jovens relativamente aos aspetos civis do rapto internacional de crianças, desencadeou, no âmbito da Convenção Internacional de Haia, de 25 de outubro de 1980, todo um procedimento, junto da Venezuela, com vista à restituição da menor CC; (ii) esse procedimento deu origem a um julgamento sobre a matéria penal em causa, tendo o Octavo Tribunal de Primeira Instância de Mediação e Substanciação da Proteção de Crianças e Adolescentes do Distrito Judicial da Região Metropolitana de ... (Venezuela) proferido sentença (ratificada pelo Segundo Tribunal de Primeira Instância de Julgamento de crianças e adolescentes da circunscrição judicial da Região Metropolitana de .../ Venezuela), em que decidiu pela inexistência do crime e, consequentemente, pela não restituição da menor ao território nacional; (iii) a arguida está a ser novamente acusada por esses mesmos atos, pelos factos já julgados, e com sentença favorável à arguida, no âmbito de uma convenção (a de Haia) que vincula os países ratificantes, incluindo Venezuela e Portugal (conclusões 19, 83 a 91, 107 a 113 e 154 a 159).


11.2. Perante esta argumentação da recorrente impõe-se clarificar, embora de modo breve, em que consiste o princípio non bis in idem e os fins da Convenção Internacional de Haia, de 25 de outubro de 1980.


O art.29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, ao estabelecer que «ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime», dá dignidade constitucional ao clássico princípio non bis in idem.


Na lição de Gomes Canotilho e Vital Moreira, este princípio comporta duas dimensões:“(a) como direito subjetivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra atos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objetivo (dimensão objetiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto.”.7


No mesmo sentido, diz Damião da Cunha que este princípio deve ser entendido como “garantia subjetiva para o arguido não ser submetido duas vezes a um julgamento pelos mesmos «factos» e, consequentemente, e de acordo com um processo regido pelo princípio de acusação, não ser «acusado» duas vezes pelos mesmos factos.”8.


Proferida e transitada em julgada uma decisão judicial, não pode o arguido ser novamente julgado e penalizado pelo “mesmo crime”.9


É medianamente claro que a doutrina equipara, de algum modo, o conceito do «mesmo crime», a que alude o art.29.º, n.º1 da Constituição, ao «mesmo facto».


Sobre o conceito «mesmo crime», esclarece, assertivamente, Germano Marques da Silva, que “o crime deve considerar-se o mesmo quando exista uma parte comum entre o facto histórico julgado e o facto histórico a julgar e que ambos os factos tenham como objeto o mesmo bem jurídico ou formem, como ação que se integra na outra, um todo do ponto de vista jurídico.”. 10


A afirmação de que estão em curso dois processos pelo mesmo facto contra o mesmo sujeito ou que está em curso um processo que tem por objeto um crime já julgado pressupõe, evidentemente, a comparação entre os crimes em causa e também, porque esse é o seu substrato essencial, os factos que imputados ao arguido permitiram concluir pela prática de tal crime.


Assim, é decisivo clarificar quando é que estamos perante o «mesmo crime» e quando é que um facto se pode considerar “o mesmo”, para dessa forma se poder dizer que está a ser objeto dum novo julgamento.


A respeito dos critérios de identidade do facto, para efeitos do “ne bis in idem”, ensinam Teresa Beleza e Frederico Costa Pinto:


«2. De acordo com a doutrina dominante, o conceito de identidade do facto é de natureza material e não puramente processual e, por outro lado, é um conceito normativo e não um conceito naturalístico. Significa isto que não é o processo que determina se o facto é ou não o mesmo, mas sim as características materiais do facto que podem infirmar ou confirmar a identidade do mesmo. A identidade do facto é, por seu turno, um conceito normativamente modelado para o qual concorrem não só aspetos naturalísticos do acontecimento em causa, como também as conexões normativas que lhe conferem as qualidades que justificarão a sua integração no objeto dum processo. Nesse sentido, a doutrina aponta três vetores da identidade do facto que devem ser tipos em conta, a saber: a identidade do agente, a identidade do facto legalmente descrito e a identidade de bem jurídico agredido. Agente, facto e bem jurídico são os três crivos de identificação da identidade do acontecimento que se pretende submeter a um processo. Só perante a identidade destes três conjuntos de elementos (agente, facto legalmente descrito e bem jurídico) é que se pode afirmar que o facto que se pretende submeter a um certo processo é o mesmo ou é distinto de outro facto submetido, anteriormente ou concomitantemente, a outro processo. Os três crivos de identidade do facto atrás avançados (agente, facto e bem jurídico) correspondem ao núcleo mais consensual que sobre a matéria se encontra na doutrina. A sua explicitação analítica pode trazer mais alguns elementos que contribuem para tornar mais precisa a comparação entre os factos cuja identidade ou dissemelhança se pretende afirmar.


3. As normas penais não preveem factos autónomos, puros acontecimentos naturalísticos do mundo ou da vida. Pelo contrário, pela sua função de normas de comportamento e pela finalidade de valorarem a responsabilidade de alguém no âmbito dum processo, as normas penais preveem em regra factos imputáveis a alguém que por esses factos poderá ser objeto das sanções legalmente prescritas. Nesse sentido, a identidade do agente é uma parcela essencial da identidade do facto processualmente considerado. Onde se quebra a identidade subjetiva quebra-se a identidade do facto. Assim, não haverá qualquer duplicação da valoração e julgamento pelo mesmo facto se esse facto for imputado ora a uma pessoa ora a outra. Pode é ser necessário ponderar a congruência entre os dois processos de imputação, mas não por causa da identidade do facto.


4. O segundo crivo referido é o próprio facto, em si mesmo, tal como surge legalmente configurado. A função básica da tipicidade consiste em delimitar com precisão o acontecimento que se pretende proibir e valorar como desvalioso. Esse acontecimento é em regra uma manifestação exterior do agente que no seu núcleo essencial comporta a conduta proibida e, consoante os casos, outras circunstâncias relevantes para aferir o desvalor do acontecimento global. Nesse sentido, a identidade do facto pode aferir-se em função das suas componentes básicas ou acessórias, como sejam a identidade de conduta, a identidade de objeto visado por essa conduta, a identidade de consequências (isto é, de resultados tipificados pelo legislador) e a identidade do título de imputação subjetiva. A identidade do facto assim aferida pode ser total ou parcial, consoante se verifique uma correspondência exata entre todos os elementos da comparação ou apenas entre alguns. O que permite, por seu turno, ponderar as relações de concurso determinadas pela regra lógica da identidade: quando a previsão de um facto abarcar integralmente a previsão doutro facto e a operação não for reversível, teremos uma relação de consunção, em que o primeiro facto consome o segundo.


5. Finalmente, a superação duma pura conceção naturalística da identidade do facto permite incluir nos termos da comparação um elemento estritamente normativo que é o bem jurídico. A identidade plena do facto supõe também identidade de bens jurídicos tutelados. A partir deste elemento é possível articular ainda de forma mais nítida as relações de concurso que se estruturam numa relação de subordinação lógica e axiológica, nomeadamente as regras de subsidariedade entre normas. Se a proibição de agressão a um bem jurídico for instrumental em relação à proibição doutra agressão a outro bem jurídico, em regra a primeira norma perde autonomia em relação à segunda.”.11


A «Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças», de 25 de outubro de 198012, a que a recorrente alude como Convenção Internacional de Haia, tem como principal objetivo “proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícitas e estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, bem como assegurar a proteção do direito de visita” (preâmbulo da Convenção)


Neste sentido estabelece no seu art.1.º que a Convenção tem por objeto:


«a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;


b) Fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.».


O art.3.º desta Convenção estabelece que « A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:


a) Tenha sido efetivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e


b) Este direito estiver a ser exercido de maneira efetiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.


O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.».


Para efeitos deste art.3.º, considera-se que uma criança foi ilicitamente deslocada ou retida quando tal implicou a violação do direito de custódia atribuído pela lei do Estado da sua residência habitual, estando tal direito de custódia a ser efetivamente exercido ou o devesse estar se a deslocação ou a retenção não tivessem ocorrido. O direito de custódia tanto pode resultar da lei, como de uma decisão judicial ou administrativa, ou mesmo de um acordo vigente de acordo com a lei do Estado da residência habitual do menor.


Em suma, a «Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças» aplica-se no domínio civil, havendo deslocação do menor para o estrangeiro, sem o consentimento de quem no momento da deslocação ou retenção exercia a sua guarda de modo efetivo ou a devesse exercer se a deslocação não tivesse ocorrido.


Ainda que a criança tenha sido ilicitamente transferência ou retida nos termos do art.3.º desta Convenção, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido, não é obrigada, face ao disposto no art.13.º da Convenção, a ordenar o regresso da criança, se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:


«a) Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou


b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.».


Os processos destinados a exigir o regresso da criança, com fundamento em deslocação ou retenção ilícita, ou a regular o exercício das responsabilidades parentais, são expressamente incluídos pela lei portuguesa no âmbito da jurisdição voluntária (art.12.º, da Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, que aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível).


Como lembra Maria dos Prazeres Beleza - na vigência da Organização Tutelar de Menores, Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, revogada pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro - “… na jurisdição voluntária não se espera do tribunal que resolva imparcialmente e segundo o direito pré-existente conflitos de interesses, colocados em pé de igualdade; pretende-se, diferentemente, que controle o modo concreto de prossecução do interesse colocado a seu cargo – neste sentido, parcialmente –, subordinando os demais interesses envolvidos à defesa daquele que lhe cabe tutelar. No caso dos processos relativos ao exercício das responsabilidades parentais, como se sabe, é o superior interesse da criança que norteia e fundamenta a intervenção do tribunal, como entre nós expressamente se afirma nos artigos 180.º e 147.º-A da OTM, enquanto remete para os princípios constantes do artigo 4.º da Lei de Promoção e Protecção das Crianças e Jovens em Perigo. Esta prevalência não implica de forma alguma a desconsideração dos interesses dos progenitores; mas significa a respectiva subordinação ao interesse da criança e a indisponibilidade dos direitos e deveres de que são titulares, que o tribunal deve ter em conta quando regula directamente ou homologa regimes de exercício das responsabilidades parentais, ou quando decide questões relacionadas com esse exercício — como é o caso das que ao rapto se referem.”.13


O que se pretende com os processos destinados a exigir o regresso da criança, com fundamento em deslocação ou retenção ilícita, seja no plano nacional, seja no âmbito internacional é, pois, impedir uma situação de facto contrária ao regime do exercício das responsabilidades parentais vigente, em defesa do superior interesse da criança.


11.3. Retomando o caso concreto.


Está dado como provado, nos pontos n.ºs 11 e 39 da factualidade do acórdão recorrido, que na sequência de pedido do assistente, a DGRSP - Autoridade Central Portuguesa designada em matéria de proteção de crianças e jovens e relativamente aos aspetos civis do rapto internacional de crianças -, através do Gabinete Jurídico e de Contencioso, desencadeou, junto da Venezuela, com recurso à Convenção Internacional de Haia (assinada pela Venezuela), procedimento com vista à restituição da menor CC.


Este procedimento deu origem a um julgamento no Octavo Tribunal de Primeira Instância de Mediação e Substanciação da Proteção de Crianças e Adolescentes, do Distrito Judicial da Região Metropolitana de ... na Venezuela, que decidiu que a menor ficava confiada à guarda da arguida e não pode mudar de residência para o exterior da República Boliviana da Venezuela.


Tendo o assistente interposto recurso, a sentença foi confirmada pelo Tribunal Superior, que além de decretar no ponto Segundo a medida preventiva de proibição de saída do país da menor, determinou no ponto Terceiro que as medidas preventivas decretadas se manteriam em vigor até que se dirima o conflito da custódia da menina e se estabeleça outro tipo de regime por acordo entre as partes ou por órgão judicial.


Do teor das decisões de 1.ª instância e de recurso dos Tribunais venezuelanos constantes dos pontos n.ºs 16 e 17 da factualidade dada como provada, resulta que estes proibiram o regresso da menor CC a Portugal ao abrigo do art.13 da Convenção de Haia, que proibiram a saída da menor da Venezuela e que fixaram um regime de visitas provisório da menor ao pai, no contexto de uma decisão que pretende regular o exercício das responsabilidades parentais.


As decisões das autoridades judiciais da Venezuela, datadas de 22-11-2017 e 9-3-2018, tomadas ao abrigo da Convenção de Haia supra referida, comunicadas ao Governo português no ano de 2019, que as remeteu à Autoridade Central Portuguesa (ponto n.º 41 dos factos provados), incidiram, sobretudo, na proibição de regresso da menor CC a Portugal ao abrigo do disposto no art.13.º da Convenção, na proibição de saída da menor da Venezuela e no estabelecimento do regime das responsabilidades parentais da menor CC.


Nos termos que constam da factualidade dada como provada, em lado algum das decisões dos Tribunais venezuelanos se toma posição expressa sobre a ilicitude, ou não, da transferência da menor CC da sua residência em Portugal para a Venezuela, designadamente sobre o conhecimento e consentimento do progenitor a essa transferência e sua relevância num momento em que as responsabilidades parentais estavam a cargo dos dois progenitores, nem sobre o incumprimento, ou não, por parte da ora arguida, do regime provisório de responsabilidades parentais fixadas por um Tribunal Português alguns dias após a transferência da menor, por parte da arguida, para a Venezuela.


Ora, estas situações, de transferência da menor CC de Portugal para a Venezuela sem o conhecimento e consentimento do progenitor e o incumprimento do regime das responsabilidades parentais fixado por um Tribunal português posteriormente à saída da menor de Portugal, levada pela sua progenitora, correspondem ao núcleo da factualidade descrita na pronúncia, nos presentes autos, como integradoras dos casos de subtração de menor, p. e p., respetivamente, nas alíneas a) e c), n.º1 do art.249.º do Código Penal.


Não tendo a arguida AA sido sujeita a julgamento nos Tribunais da Venezuela pela prática de um crime relativo à retirada da menor da sua casa de morada de família em Portugal e transferência da mesma para a Venezuela, nem pelo incumprimento do regime provisório das responsabilidades parentais fixado por um Tribunal português alguns dias depois de a menor ter sido retirada e levada da casa de morada de família em Portugal, mas apenas por aspetos cíveis, no âmbito de um processo de direito internacional privado e de jurisdição cível, em que até foi invocado o art.13.º da Convenção, é evidente que a arguida ao ser julgada em Portugal pelos factos constantes da pronúncia, que recebeu a acusação deduzida pelo Ministério Público, por integrarem a prática de um crime de subtração de menor, nas modalidades de ação descritas nas alíneas a) e c), n.º1 do art.249.º do Código Penal, não está a ser julgada pela prática do «mesmo crime».


Em suma: não se podendo dizer que com o presente processo a arguida foi julgada duas vezes pelo «mesmo crime», mais não resta que julgar improcedente a invocada violação pelo Tribunal a quo do princípio ne bis in idem.


12. Da nulidade do acórdão recorrido.


12.1. A recorrente AA alega que a sentença proferida é nula, nos termos do art.379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, por ter violado o disposto no art.374.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, uma vez que não contém fundamentação suficiente de facto no que concerne à sua condenação (conclusões 18 e 147 da motivação).


Será ainda nula, por um segundo motivo: inobservância do princípio do contraditório.


Se bem entendemos as extensas conclusões da motivação, a recorrente AA insurge-se, em primeiro lugar, contra o acórdão recorrido por não conter “fundamentação suficiente de facto” no que respeita a ter dado como provado que, perante a rutura conjugal, a arguida, à revelia do progenitor, saiu de Portugal com a menor, com intenção de regressar ao seu país de origem e aí passar a viver, sem o consentimento ou conhecimento do progenitor.


Apreciando.


12.2. A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no art.205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e insere-se nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o art.32.º, n.º 1 do mesmo diploma fundamental.


A nível geral, dispõe o art.97.º, n.º 4 do Código de Processo Penal que os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.


A fundamentação da sentença e a sua falta tem tratamento específico na lei processual penal, estatuindo o art.379.º, alínea a), do Código de Processo Penal, que é nula a sentença que «não contiver as menções referidas no n.º2 e na alínea b) do n.º 3 do art.374.º» do mesmo Código.14


O art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal estabelece, por sua vez, que, na elaboração da sentença, ao relatório segue-se a fundamentação, «…que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito , que fundamentam a decisão , com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.».


Para decisão da presente questão, importa considerar a fundamentação de facto da sentença, que começa pela enumeração dos factos provados e não provados, continua com uma exposição de motivos que fundamentam a decisão, e finda com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.


A exigência do exame crítico das provas é um aditamento levado a cabo pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto, na sequência de jurisprudência que se vinha formando sobre essa necessidade, nomeadamente pelo STJ, que interpretou aquele dever de fundamentação no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova – há de conter também os elementos que , em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos , constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, um exame critico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do Tribunal num determinado sentido.15


Neste sentido, se pronunciava ainda o Tribunal Constitucional, declarando inconstitucional a norma do n.º 2 do art.374.º do C.P.P. na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões da matéria de facto se bastava com a simples enumeração dos meios de prova utilizados na 1ª instância , não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por entender ser violado o dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º1 do art.205.º da Constituição da República Portuguesa bem como quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º2 do art.410.º do mesmo Código , por violação do direito ao recurso consagrado no n.º1 do art.32.º da Constituição da República Portuguesa.16


Para Germano Marques da Silva o objetivo do dever de fundamentação é imposto pelos sistemas democráticos, permitindo “a sindicância da legalidade do ato, por uma parte , e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte , mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autodisciplina.”17


Como diz o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 27/2007, «Com o dever de fundamentação das decisões judiciais, a Constituição não impõe, na verdade, um modelo único de fundamentação, com descrição ou, ainda mais, transcrição, de todos os depoimentos apresentados no julgamento, ou a menção do conteúdo de cada um deles. Estes depoimentos, mesmo quando são depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa, podem, com efeito, não ter sido decisivos para a formação da convicção do tribunal, podendo então bastar que o tribunal indique aqueles que o foram.».18


É razoavelmente pacífico, na jurisprudência, que a fundamentação das decisões varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias em que ele é praticado.


Cabe ao tribunal, perante cada caso, ajuizar se um destinatário normal, perante o teor do ato e das suas circunstâncias, está em condições de perceber, com critérios de razoabilidade, o motivo pelo qual se decidiu num sentido e não noutro, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.


Procedendo à leitura da motivação da matéria de facto do acórdão recorrido, verificamos que o assistente BB, não se tendo conformado com a sentença, interpôs recurso para o Tribunal da Relação, impugnando, além do mais, por alegado erro de julgamento, a factualidade constante dos pontos n.ºs 1, 2, 3 , 4 e 5 dos factos dados como não provados, defendendo que tal matéria deveria constar dos factos provados e, ainda, que a redação dada aos pontos n.ºs 4, 19, 20, 26, 27, 32, 33, 43 e 39 dos factos provados careceria de alterações em determinados segmentos, que identifica.


O Tribunal da Relação, após considerar que o recorrente deu cumprimento ao disposto no art.412.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal, porquanto indicou os concretos pontos de facto que impugna e as provas que no seu entender impunham decisão diversa, designadamente as passagens que o recorrente transcreveu, passou à reapreciação da prova produzida oralmente, consignando no acórdão que procedeu à audição, na integra, das declarações da arguida AA e do assistente BB, bem como dos depoimentos das testemunhas HH, EE, GG e DD.


Após plasmar, na fundamentação de facto, o que de essencial e com relevo disse cada uma deles e de clarificar a «questão fulcral» – “Tendo sido dado como provado que a arguida viajou para a Venezuela acompanhada da filha sem o conhecimento e consentimento do pai, assistente nestes autos, importa agora apurar se o fez com o intuito de prestar assistência ao pai e regressar (como decidido na decisão recorrida) ou se pretendia permanecer naquele país” –, passou a ponderar, perante cada um dos factos impugnados, se o Tribunal de 1.ª instância incorreu em erro de julgamento.


O Tribunal da Relação examinou criticamente as respostas dadas oralmente em audiência de julgamento pelos diversos intervenientes e após conjugar as mesmas entre si e sujeitá-las às regras da experiência comum, consignou, com apreciável minucia, as razões pelas quais decidiu alterar a factualidade constante da sentença, no sentido que consta do dispositivo.


Fê-lo, particularmente, quanto à relevante factualidade que constava dos pontos n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 dos factos dados como não provados e que passou para a factualidade dada como provada nos pontos n.ºs 45, 46, 47, 48 e 49.


Um destinatário normal, perante a leitura do segmento respeitante à questão do “Recurso da matéria de facto” do acórdão recorrido, está em condições de perceber, designadamente, os motivos pelo qual o Tribunal da Relação concluiu que a arguida, perante a rutura conjugal que tinha lugar, decidiu sair de Portugal e, sem o consentimento ou conhecimento do progenitor, levar a sua filha menor para a Venezuela, com intenção de regressar ao seu país de origem e aí passar a viver com ela e assim impedir que o pai da menor mantivesse um contacto efetivo e prático com a sua filha.


Independentemente da recorrente AA concordar ou não com a fundamentação, por entender que quem decidiu bem a matéria de facto foi o Tribunal de 1.ª instância, o certo é que a decisão recorrida contem os elementos que, em razão das regras de experiência, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal da Relação se formasse no sentido de considerar provada esta matéria fulcral, bem como quanto à restante matéria de facto que modificou.


Consequentemente, não se reconhece a nulidade do acórdão recorrido, arguida pela recorrente, por alegada insuficiência de fundamentação da matéria de facto.


Uma vez que a recorrente invoca ainda a nulidade de sentença, por inobservância do princípio do contraditório, vejamos, em termos muito sucintos em que se traduz este princípio.


O art.32.º, n.º5 da Constituição da República Portuguesa, estabelece, no âmbito das garantias de processo criminal, que «O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.».


Esta norma constitucional estende o princípio do contraditório, pois, à audiência de julgamento, bem como aos atos instrutórios que a lei determinar.


O conteúdo essencial do princípio do contraditório consiste em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência ou na instrução, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada efetiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar.19


A violação do princípio do contraditório é causa de nulidade da sentença na situação prevista na alínea b), n.º1 do art.379.º do Código de Processo Penal, ou seja, quando o tribunal «… condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º.».


É pela acusação que se define o objeto do processo (thema decidendum), pelo que a acusação deve conter, designadamente, a narração dos factos imputados ao arguido e as disposições legais aplicáveis aos mesmos factos (artigos 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) e 285.º, n.º3, do Código de Processo Penal).


De acordo com o princípio da identidade do objeto do processo, este um corolário do princípio da acusação, o objeto da acusação deve manter-se idêntico, o mesmo, desde aquela até à sentença final.20


Pese embora este princípio, por razões de economia processual e no próprio interesse do arguido, a lei permite expressamente ao Juiz que este possa comunicar aos sujeitos processuais, mesmo no decurso da audiência de julgamento, quer uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia ( art.358.º do C.P.P.), quer uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia ( art.359.º do C.P.P.).


No caso, embora a recorrente não indique qualquer destas normas, ou outra, que fundamente a alegada violação do princípio do contraditório, anotamos que o Tribunal da Relação não condenou por factos diversos dos descritos na pronúncia, que recebeu a acusação, nem por crime diverso daquele pelo qual estava acusada, pelo que teve possibilidade de defender a manutenção da sua absolvição do crime de subtração de menor decretado pelo Tribunal de 1.ª instância, ainda que a recorrente não tenha feito menção a uma das alíneas da norma penal que consta da acusação.


Deste modo, não se reconhecendo a nulidade da sentença pelos fundamentos supra referidos, improcede também esta questão.


13. Dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto e do erro notório na apreciação da prova.


13.1. É essencialmente nas conclusões 7 a 10, 20 a 26, 30 a 32, 71 a 76 e 143 a 146, da extensa motivação do recurso, que a recorrente invoca a existência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto e do erro notório na apreciação da prova, alegando, em síntese, o seguinte: (i) ao contrário da decisão da 1.ª instância, que se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, o acórdão recorrido contrariou toda a prova produzida em julgamento e as regras da experiência, pelo que todos os pontos relativos aos factos alterados em sede de matéria de facto pelo Tribunal da Relação devem ser conhecidos pelo S.T.J, visto que se encontram incorretamente julgados; (ii) a documentação das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento implica que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito; (iii) os factos provados não são suficientes para a imputação objetiva dos crimes por que foi condenado.


13.2. Vejamos, em primeiro lugar, em que termos se poderá conhecer desta questão.


Como regra, cabe à Relação valorar a suficiência da prova produzida em audiência de julgamento da 1.ª instância e alterar os pontos da matéria de facto especificados, se as concretas provas, reapreciadas no âmbito da livre apreciação da prova, assim o impuser (artigos 428.º e 431.º do Código de Processo Penal).


Diversa é a função do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria de recursos, pois, em princípio, funciona tão somente como tribunal de revista, já que apenas conhece da matéria de direito.


Como bem anota Pereira Madeira, “Nos recursos para o Supremo, a matéria de facto é como regra, um dado adquirido, cujo julgamento ficou esgotado pelas instâncias.”21.


É o que se retira, além do mais, do art.434º do Código de Processo Penal, quando dispõe que «o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º”.


A alínea b) do art.432.º do Código de Processo Penal, para que remete o art.434.º, do mesmo Código, prevê precisamente a hipótese de recurso como o presente, é dizer aquele interposto para o Supremo Tribunal de Justiça «de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º».


Nesta hipótese, ao contrário do que sucede nas alíneas a) e c), n.º1 do art.432.º, do C.P.P. relativas, respetivamente, aos recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça «de decisões das relações proferidas em 1ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º» e «de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º», não se contempla como fundamento do recurso os vícios e nulidades referidas neste artigo 410.º, n.ºs 2 e 3.


Enquanto nas situações a que aludem as alíneas a) e c), n.º1 do art.432.º, do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça passa a desempenhar a denominada função de revista alargada, na situação a que alude a alínea b), deste preceito legal, o Supremo Tribunal continua a desempenhar exclusivamente a função de tribunal de revista.


Após a entrada em vigor da atual redação dos artigos 432º, n.º1 , alíneas a) e c) e 434º do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei n.º 94/21, de 21.12, com início de vigência no dia 20 de janeiro de 2022, é orientação uniforme e constante da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que os vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P., na situação a que alude a alínea b), apenas são de conhecimento oficioso, quando o mesmo Tribunal constatar que a decisão recorrida, devido aos vícios que denota ao nível da matéria de facto, inviabiliza a correta aplicação do direito ao caso sub judice.22


Com esta orientação salvaguarda-se a verdade material , tal como estabelecido no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/199523, pois a decisão recorrida não pode estar sustentada em matéria de facto manifestamente insuficiente, assente em premissas contraditórias ou fundada em manifesto erro de apreciação da prova.


Os vícios a que aludem as alíneas do n.º2 do art.410.º do C.P.P. - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou erro notório na apreciação da prova - têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente a segmentos de declarações ou depoimentos prestados oralmente em audiência de julgamento e que se não mostram consignados no texto da decisão recorrida.


Todos eles são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que violam de algum modo o princípio da livre apreciação da prova, tornando impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei.


Em termos sucintos, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a alínea a), existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.


Dito de outro modo, existirá insuficiência para a decisão da matéria de facto provada se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa.24


Quanto ao erro notório na apreciação da prova, a que alude a alínea c), verifica-se o mesmo quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.


No dizer de Leal-Henriques e Simas Santos, existirá este vício, designadamente, “... quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”. 25


O erro notório na apreciação da prova tem de ser ostensivo, que não escapa ao homem com uma cultura média, e nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta face à prova produzida em audiência de julgamento.


No caso em apreciação, o recurso é interposto do acórdão da Relação, para este Supremo Tribunal, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 434.º e 432.º, alínea b), do Código de Processo Penal, pelo que, como se deixou já expresso, não contempla, como seu fundamento, os vícios a que aludem o n.º2 do art.410.º, do mesmo Código.


Consequentemente, como objeto de recurso da arguida, não pode o Supremo Tribunal de Justiça conhecer desta questão.


13.2. Por outro lado, a correta decisão de direito não se mostra impossibilitada pela presença de vício decisório que este Supremo Tribunal possa e deva conhecer oficiosamente.


Senão vejamos, de modo muito sucinto.


Relativamente ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o mesmo não é invocado pela arguida AA na perspetiva de que os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa, mas sim na da insuficiência de prova produzida para o Tribunal da Relação ter modificado a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, o que é bem diferente do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto.


Ainda assim, do texto da decisão recorrida, não se vislumbram outros factos relevantes para a boa decisão da causa que ficaram por apurar, relativamente ao crime de subtração de menor, que resultem do texto do acórdão recorrido, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, e os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido são suficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das soluções que se perfilam ao julgador.


Analisando ainda o texto da decisão recorrida, nomeadamente a fundamentação da matéria de facto, verificamos que o Tribunal da Relação explica, com racionalidade, como depois de proceder à audição das declarações da arguida e das testemunhas DD e HH, chegou à conclusão que, nalguns pontos, esta prova produzida oralmente foi evasiva, não frontal, não consentânea entre si, nem com as regras da experiência comum e, como a versão apresentada pelo assistente BB, de algum modo corroborada pela testemunha EE, lhe mereceu credibilidade, desde logo no que toca à intenção com que a arguida fez a viagem para a Venezuela em 4-4-2016.


O Supremo Tribunal de Justiça não vislumbra, do mesmo texto, que o Tribunal recorrido ao interpretar a prova de modo diverso daquele que foi a interpretação do Tribunal de 1.ª instância, tenha seguido um raciocínio ilógico, arbitrário ou contraditório, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, de onde se possa concluir pela existência de um erro notório na apreciação da prova para modificar a matéria de facto, seja a dada como provada, seja a dada como não provada.


Não pode, deste modo, proceder a presente questão.


14. Da violação dos princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo.


14.1. A Recorrente defende, particularmente nas conclusões 11, 12 , 13, 35 a 38, 41, 47 a 70 e 130 a 142 da motivação do recurso, que o acórdão recorrido violou, manifestamente, os princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo , que identifica como uma questão de facto.


Alega para o efeito, em apertada síntese, que a prova que serviu para formar a convicção do Tribunal da Relação conduz inelutavelmente a um non liquet, pois da globalidade da prova produzida não resultou provado que ao viajar para a Venezuela com a sua filha, a arguida tenha agido com o propósito concretizado de retirar a menor CC da casa de morada de família, para assim impedir que o pai da menor mantivesse um contacto com a sua filha, bem como não resulta provada a demais factualidade nessa sede consignada. Todas as dúvidas patentes na matéria de facto e demonstradas pela recorrente, pelo Ministério Público e pelo Tribunal de primeira instância, foram solucionadas pelo Tribunal da Relação em seu desfavor, não tendo o acórdão recorrido efetuado qualquer análise crítica desses fundamentos em concreto uma vez que se limitou a reproduzir o que em teoria é aplicável a todos os casos, não cuidando de, com base na matéria para o efeito alegada, conhecer ou demonstrar que assistia razão à arguida.


14.2. Vejamos se assim é.


Parte da jurisprudência, de que são exemplo os acórdãos do S.T.J. de 16-5-2007, de 27-5-2004 e de 21-10-2004, entende que a apreciação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo, constitui uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do Supremo Tribunal enquanto tribunal de revista.26


Era esta a posição seguida maioritariamente, há algum tempo atrás, como resulta do sumário do acórdão do S.T.J. de 35-1-2006 (proc. n.º 4006/05-3.ª Secção):


“I- O princípio in dubio pro reo, maioritariamente, é entendido como pertinente à matéria de facto, pertencendo à fixação definitiva daquela à Relação, nos termos do art.428.º do CPP, a quem compete declará-lo sempre que resulte que o tribunal recorrido chegou a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos e a não decretou, em desfavor do arguido.”.27


Atualmente, a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça é de entendimento que o conhecimento daqueles princípios é uma questão de direito, porquanto, como se consigna, designadamente, no acórdão de 7-04-2022, “Constituindo o princípio in dubio pro reo um princípio em matéria de prova, a análise da sua violação (ou não) constitui matéria de direito, ou questão de direito enquanto juízo de valor ou ato de avaliação da violação (ou não) daquele princípio, portanto no âmbito de competência deste tribunal.”.28


Neste último sentido se pronunciaram, ainda, entre outros os recentes acórdãos deste Supremo Tribunal, de 07-04-2021 (proc. n.º 5635/19.5JAPRT.S1) e de 21/10/2020 (proc. n.º 1551/19.9 T9PRT.P1.S1)29.


Como questão de apreciação necessária a uma correta decisão de direito, entendemos que o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da sua competência de revista (art.434.º do CPP), pode sindicar os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo quando num contexto de dúvida assumida no texto do acórdão recorrido esta não é declarada, em desfavor do arguido, ou essa dúvida ressalte evidente do mesmo texto da decisão.


Decidido que este Supremo Tribunal pode conhecer da violação destes princípios, importa tecer algumas breves considerações sobre os mesmos.


A presunção de inocência, consagrada no art.32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa - «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação» -, bem como no art.6.º, parágrafo 2.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, entre outros instrumentos de direito internacional, é um princípio de inspiração jusnaturalista iluminista, que assenta na dignidade do ser humano e na defesa da sua posição individual perante a omnipotência do Estado.


É mais abrangente do que o princípio do “in dubio pro reo”, já que este é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos, ao passo que o princípio da presunção de inocência se impõe aos juízes ao longo de todo o processo e diz respeito ao próprio tratamento processual do arguido.30


O princípio in dubio pro reo, que estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.


A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados. Como refere o Prof. Roxin, “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida”.31


Conforme se acentua no acórdão do STJ, de 25/10/2023, e “a violação do in dubio pro reo, como princípio atinente à apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art.410.º n.º 2.”.32


Se na fundamentação da sentença/acórdão oferecida pelo Tribunal, este não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.


No caso em apreciação, não é nesta perspetiva que a recorrente AA coloca a questão, mas antes no entendimento, seu, de que a prova produzida em julgamento impunha uma diversa decisão da que foi tomada no acórdão recorrido, uma vez que o Tribunal da Relação teve dúvidas ou devia tê-las tido, sobre os factos que modificou, particularmente sobre os factos não provados que passou para os provados, em desfavor da arguida, o que traduz diferente questão, apreciada no âmbito do erro de julgamento no acórdão recorrido.


É o que se verifica quando alega, designadamente: “ A recorrente entende que a prova que serviu para formar a convicção do Tribunal conduz inelutavelmente a um non liquet: não se pode afirmar, em consciência, que se logrou obter a certeza dos factos.” (conclusão 12 da motivação); “Pois que, da globalidade da prova não resultou provado que ao viajar para a Venezuela com a sua filha, a arguida tenha agido com o propósito concretizado de retirar a menor CC da casa de morada de família, para assim impedir que o pai da menor mantivesse um contacto com a sua filha, bem como não resulta, no entender da Recorrente, provada a demais factualidade nessa sede consignada.” (conclusão 13 da motivação).


Este sentido, perpassa pelas restantes conclusões da motivação do recurso, ao alegar, repetidamente, numa interpretação própria da decisão recorrida, que o Tribunal da Relação decidiu em seu desfavor a matéria da acusação respeitante à sua conduta descrita na acusação, designadamente quanto ao elemento subjetivo e à intenção com que agiu, quando perante as dúvidas que resultam da prova produzida deveria ter decidido a factualidade a seu favor, tal como o fez o Tribunal de 1.ª instância.


O Supremo Tribunal não encontra, por sua vez, no texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, nada que nos leve a concluir que o Tribunal da Relação de Lisboa se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos ora impugnados pela arguida/recorrente e que, apesar dessa dúvida, decidiu em desfavor do ora recorrente.


Pelo contrário, o acórdão ora recorrido deixou claro que o Tribunal de 1.ª instância incorreu em erro de julgamento da matéria de facto na parte que o Tribunal da Relação modificou e que, por isso, não a poderia manter nos termos que constava da sentença.


Acresce que, face à motivação de facto que dele consta, também não detetamos qualquer situação determinativa de que nesse estado de dúvida devessem ter ficado.


Consequentemente, mais não resta que afirmar a inexistência de violação daqueles sobreditos princípios constitucionais.


15. Da violação dos princípios da subsidiariedade, da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade.


15.1. No entender da recorrente, expresso essencialmente nas conclusões 16, 17 e 122 a 129 da motivação do recurso, o Direito Penal deve ter uma intervenção mínima nas questões relacionadas com o campo das relações familiares e, por isso, a subtração ou o não cumprimento, a que aludem as alínea a) e c), n.º1 do art.249.º do Código Penal, só deve e pode ter sentido quando se refiram a situações de ultima ratio e os meios normalmente adequados para fazer respeitar o cumprimento das obrigações parentais não se revelam eficazes.


O princípio de subsidiariedade de intervenção do direito penal – que supõe a carência de tutela penal de determinado comportamento que afete bens e valores com relevo axiológico constitucional – não poderá, sem afetar o princípio da proporcionalidade, sustentar a criminalização e o sancionamento penal de um puro e simples incumprimento de um regime sobre direitos civis que tem meios próprios de injunção e coerção ao cumprimento.


Existem outros mecanismos para a defesa dos direitos em causa, através dos tribunais de família e menores (artigos 180.º e 191.º da O.T.M.).


Nos casos de incumprimento do direito de visita, prevê o art.181.º, da O.T.M, que «se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até € 249,90 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos», mas sempre com respeito pelo «interesse superior do menor», como impõe o ar. 148º, nº 1, do mesmo diploma legal. Prevê, ainda, a O.T.M. , nos artigos 191.º a 193.º, um processo tutelar cível especial de entrega judicial de menor para os casos em que este é retirado do local onde devia encontrar-se, nos termos do acordo homologado ou de decisão judicial. Este processo, sendo julgado procedente, pode terminar com a entrega do menor no local definido pelo juiz (artigo 191º, nº 4 da O.T.M.) ou com o seu «depósito em casa de família idónea» (art.192.º, n.ºs 2 e 3 da O.T.M.). Para além destas situações, há ainda a possibilidade de ser intentada uma ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, nos termos do art.182.º, n.º 1 da O.T.M. e, finalmente, e para os casos mais graves, o Código Civil prevê a inibição do exercício das responsabilidades parentais (art.1915.º) e a entrega do menor a terceiro (art.1918.º).


Existindo outros mecanismos para a defesa dos direitos em causa, sempre o presente recurso teria de improceder, por violação daqueles princípios.


15.2. A resposta a esta questão passa, antes do mais, por uma definição, ainda que sucinta, dos princípios da subsidiariedade, da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade.


O princípio da proporcionalidade encontra-se consagrado na última parte do n.º 2 do art.18.º, da nossa Lei Fundamental, ao dispor que a restrição de direitos, liberdades e garantias deve «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».


Este princípio, que é um afloramento do Estado de Direito Democrático, consagrado no art.2.º da C.R.P., vem sendo desdobrado, doutrinariamente, em três subprincípios:


- princípio da necessidade ou da exigibilidade ( as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);


- princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); e


- proporcionalidade em sentido estrito ou da racionalidade (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).33


No que respeita à tutela penal, resulta deste princípio que deve haver uma proporcionalidade entre o bem tutelado penalmente e o direito restringido, para que a intervenção penal seja legítima.


O princípio da intervenção mínima do direito penal, como decorre da sua própria nomenclatura, estabelece que o direito penal deve intervir o mínimo possível no controlo social, dadas as medidas gravosas que estabelece.


O princípio da subsidiariedade do direito penal surge, naturalmente, como que um subprincípio da intervenção mínima, revelando-se na ideia fundamental de que a tutela penal é a ultima ratio do sistema. O Estado só deve intervir por intermédio da tutela penal quando todos os outros meios de controle se mostraram ineficazes para impedir a conduta lesiva de bens jurídicos e uma necessidade social exige a intervenção do direito penal.


A respeito da necessidade de tutela penal e do princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade em sentido amplo, afirma Figueiredo Dias que, numa perspetiva racional, não pode haver criminalização onde se não divise o propósito de tutela de um bem jurídico-penal. Mas não basta este critério; a criminalização só será legitima se ela for absolutamente indispensável à livre realização da personalidade de cada um na comunidade, pois “o direito penal constitui, na verdade, a ultima ratio da politica social e a sua intervenção é de natureza definitivamente subsidiária.”. Mais acrescenta: “A limitação da intervenção penal acabada de referir (mesmo independentemente do mandamento expresso contido no artigo 18°-2 da CRP), derivaria sempre, aliás, do princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade em sentido amplo que, como é sabido, faz parte dos princípios inerentes ao Estado de Direito.


Uma vez que o direito penal utiliza, com o arsenal das suas funções específicas, os meios mais onerosos para os direitos e as liberdades das pessoas, ele só pode intervir nos casos em que todos os outros meios da política social, em particular da política jurídica, se revelem insuficientes e inadequados.


Quando assim não aconteça aquela intervenção pode e deve ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade, sob a precisa forma de violação do princípio da proibição de excesso”.34.


Dito de outro modo, importante para a inclusão de um ilícito no domínio do direito penal é não perder de vista que, “num Estado de Direito material, de raiz social e democrática, o direito penal só pode e deve intervir onde se verifiquem lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre desenvolvimento e realização da personalidade de cada homem”.35


Consequentemente, não devem constituir crimes as condutas que, «…violando embora um bem jurídico, possam ser suficientemente contrariadas ou controladas por meios não criminais de política social; com o que a necessidade social se torna em critério decisivo de intervenção do direito penal: este, para além de se limitar à tutela de bens jurídicos, só deve intervir como ultima ratio da política social».36


Esta posição, no sentido de que o direito penal só deve intervir quando a proteção dos bens jurídicos não possa alcançar-se por meios menos gravosos para a liberdade, como expressão dos princípios da proporcionalidade, da intervenção mínima do direito penal e da subsidiariedade, é consensual na doutrina.37


Uma nota se impõe, ainda, a este propósito.


Como assinala Jorge Miranda, não compete ao tribunal “apreciar a oportunidade política desta ou daquela lei ou a sua maior ou menor bondade para o interesse público”, mas tão-só averiguar “a correspondência (ou não descorrespondência) de fins, a harmonização (ou não desarmonização) de valores, a inserção (ou não desinserção) nos critérios constitucionais”.38


Ou seja, o legislador não beneficia de uma margem de liberdade irrestrita e absoluta, devendo manter-se dentro das balizas que lhe são traçadas pela C.R.P., mas o tribunal deve respeitar a margem de liberdade de conformação legislativa que pertence à política e, com fundamento em violação dos princípios da proporcionalidade, da subsidariedade e da intervenção mínima do direito penal, só deve proceder à censura das opções legislativas manifestamente arbitrárias ou excessivas em face dos fins visados.


Neste sentido, decidiu o acórdão n.º 634/1993, do Tribunal Constitucional, que “… o juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há-de reconhecer, também nesta matéria, um largo âmbi­to de discricionariedade. A limitação da liberdade de conformação legislativa, nestes casos, só pode, pois, ocorrer quando a puni­ção criminal se apresente como manifestamente excessiva.” E, ainda, o acórdão n.º 99/2022, do mesmo Tribunal, ao sublinhar que “…os princípios da proporcionalidade e da necessidade da pena postulam que a norma penal, sobretudo quando recorre a penas privativas da liberdade, deve constituir uma última instância dos meios de tutela estadual dos valores ético-sociais constitucionalmente protegidos. 6. Contudo, não se deve simultaneamente perder de vista que o juízo de constitucionalidade se não pode confundir com um juízo sobre o mérito da lei, pelo que não cabe ao Tribunal Constitucional substituir-se ao legislador na determinação das opções políticas sobre a necessidade ou a conveniência na criminalização de certos comportamentos.“39


15.3. A demonstração inequívoca do respeito, ou não, destes princípios, pelo art.249.º do Código Penal, exige uma análise, ainda que perfuntória, dos meios de tutela civil e da política criminal seguida pelo legislador.


É menor quem não tiver ainda completado 18 anos de idade (art.122.º do Código Civil).


Nos termos do art.124.º do Código Civil, a incapacidade dos menores é suprida pelas responsabilidades parentais e, subsidiariamente - quando se verifique algumas das situações previstas no art.1921.º do Código Civil -, pela tutela.


Acerca do conteúdo das responsabilidades parentais – instituto denominado «poder paternal» antes das alterações levadas a cabo Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro – estabelece o art.1878, n.º1, do Código Civil, que «Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens.»


Na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais que, em regra, as exercem de comum acordo (art.1901.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil).


Em caso de rotura da família impõe-se regular as responsabilidades parentais através de ação própria de regulação das responsabilidades parentais a instaurar no tribunal. Sendo os progenitores casados, podem essas responsabilidades serem reguladas no âmbito de uma ação de divórcio instaurada no Tribunal ou na Conservatória do Registo Civil.


Se os progenitores não optarem pelo regime de residência alternada, deve ser definido qual dos progenitores fica a viver com o filho menor; o regime de convívio do filho menor com o progenitor com quem não reside; e o regime das prestações de alimentos.


Como regra, estabelece a lei que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em conjunto por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio e as relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente (art.1906.º do Código Civil).


Como bem refere a recorrente AA, existem, através dos tribunais de família, mecanismos para a defesa dos direitos do menor quando as relações familiares deste colapsam, que não passam, pelo direito penal.


A O.T.M. - revogada pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, que aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGTC) -, previa, como refere ainda a recorrente, vários mecanismos de defesa das responsabilidades parentais, que podiam ser exercidos através das normas que cita.


E, o novo Regime Geral do Processo Tutelar Cível, ao prever a existência de processos tutelares cíveis, a decidir pelos Tribunais de Família, continua a permitir a defesa daqueles direitos/deveres familiares que interessam ao filho e aos progenitores.


Por meio destes processos, em caso de incumprimento do direito de visita e entrega do menor, permite-se aos Tribunais de Família a aplicação de multas (art.41.º), a alteração do regime de responsabilidades parentais (art.42.º), a inibição do exercício das responsabilidades parentais (art.1915.º do Código Civil) e, até, a entrega do menor a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação e assistência (art.1918.º do Código Civil).


A existência destes mecanismos processuais e normas cíveis para proteção dos direitos dos lesados no incumprimento do acordo/sentença de regulação das responsabilidades parentais não é, porém, argumento para, sem mais, se excluir a intervenção do direito penal em todas as situações reguladas naquelas normas.


Como assinala o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal, também “…. no que no que toca ao direito de propriedade, o art.1311.º do Código Civil estabelece que o proprietário pode, em ação de reivindicação, exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito e a consequente restituição do que lhe pertence e não passa pela cabeça de ninguém que isso obste ao exercício da ação penal, nomeadamente, pelos eventuais crimes de furto, de abuso de confiança, de usurpação de coisa imóvel ou outros, que, eventualmente, tenham sido cometidos a montante e constituam a causa de pedir da ação.”.


Por outro lado, a necessidade de intervenção do direito penal na subtração de menor não é, historicamente, uma novidade recente.


O art.342.º do Código Penal de 1886, previa já o crime de subtração de menor, estabelecendo que «Aquele que por violência ou por fraude tirar ou levar, ou fizer tirar e levar um menor de sete anos da casa ou lugar em que, com autorização das pessoas encarregadas da sua guarda ou direção, ele se achar, será condenado a prisão de dois a oito anos.».


O novo Código Penal de 1982, no art.196.º, sob a epigrafe subtração de menores», agora com uma previsão muito mais ampla, passou a estabelecer:


«1. Quem subtrair um menor ou, por fraude, violência ou ameaça de grave mal, o determinar a fugir a quem tem o exercício do poder paternal ou da tutela, ou se recusar a entregá-lo a quem legitimamente o reclame, será punido com prisão até 3 anos e multa até 100.».


Com a revisão levada a cabo pelo DL n.º 48/95 de 15 de março, este art.196.º, deu lugar ao art.249.º do Código Penal, passando a ter a seguinte redação:


«1 - Quem:


a) Subtrair menor;


b) Por meio de violência ou de ameaça com mal importante determinar menor a fugir; ou


c) Se recusar a entregar menor à pessoa que sobre ele exercer poder paternal ou tutela, ou a quem ele esteja legitimamente confiado;


é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.


2 - (…)».


Aquando desta revisão do Código Penal, que deu lugar ao art.249.º, Figueiredo Dias pugnou pela eliminação do crime de subtração de menores com o argumento de que o essencial da proteção penal já se encontrava estabelecida noutros preceitos, mas a Comissão pronunciou-se pela manutenção do artigo.40


E efetivamente, as condutas no crime de subtração podem integrar, designadamente elementos típicos dos crimes de rapto e de sequestro, mas não necessariamente. Nesses casos, como defende Maia Gonçalves, deve aplicar-se “a norma que estabelecer mais adequada proteção dos valores lesados, que substancialmente coincidem na parte mais vasta, ou seja a que estabelecer tratamento mais severo.”.41


A Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, alterou o n.º1 do art.249.º do Código Penal apenas quanto à medida da pena, estabelecendo que o crime de subtração de menor passa a ser «… punido com pena de prisão de um a cinco anos.».


Alteração mais relevante no texto do n.º1 do art.249.º do Código Penal, foi a levada a efeito pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro.


Este diploma, mantendo o texto das alíneas a) e b) do n.º1 do art.249.º do Código Penal e voltando a reduzir a punição para «pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias», veio dar uma nova dimensão, ao ilícito típico, com a introdução de uma nova formulação da alínea c).


Nos termos desta nova formulação, pratica o crime de subtração de menor, quem:


«c) De um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento;».


Uma simples comparação entre a anterior e a nova redação da alínea c), n.º1 do art.249.º do Código Penal, deixa imediatamente claro que a nova redação do tipo tornou mais abrangente o campo de aplicação do direito penal, na medida em que integra na tutela penal condutas que anteriormente encontravam proteção no âmbito civil e, por outro lado, torna agente do crime qualquer dos progenitor que não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor, e não apenas, como acontecia na redação anterior, o progenitor não guardião do menor.


É também medianamente claro que o legislador, nesta nova formulação da alínea c), não quis tutelar penalmente um qualquer incumprimento do regime estabelecido para a convivência do menor, uma vez que impõe para a sua tipificação esse incumprimento, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a entrega ou acolhimento do menor, seja «repetido e injustificado».


A alteração desta alínea c), surge enquadrada na Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, que tinha como principal tema a alteração do regime jurídico do divórcio e, em menor medida, o instituto do exercício das agora chamadas “responsabilidades parentais”, particularmente em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento (art.1906.º do Código Civil).


O processo legislativo tendente à alteração do art.249.º do Código Penal, que levou à publicação da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, é parco em explicitar o reforço da tutela penal a que procedeu.


Na exposição de motivos do projeto de lei n.º 509/X, previa-se a introdução de um novo artigo prevendo a punição, como crime de desobediência, do incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, por se considerar necessário “assegurar a defesa dos direitos das crianças, parte habitualmente silenciosa neste tipo de diferendos entre adultos, sempre que estes não cumpram o que ficou estipulado.”. Aquando da discussão do decreto n.º 245/X, que advém do projeto de lei n.º 509/X, referia-se pretender com o tipo penal “diminuir a ligeireza com que se desprezam as decisões dos tribunais e se alteram os hábitos e as expetativas dos filhos , nesta matéria”.


O certo é que em sede de discussão na especialidade não foi introduzido um novo artigo prevendo a punição como crime de desobediência do incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, tendo-se procedido, sim, a uma ampliação da redação da alínea c), n.º1, do art.249.º do Código Penal.42


No dizer de Ana Teresa Leal, as alterações significativas e inovadoras introduzidas no Código Civil e no art.249.º do Código Penal, pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, no que tange aos direitos inerentes ao exercício das responsabilidades parentais, resultam da necessidade de maior proteção desses direitos, “…sentida e reclamada por vários setores da sociedade”, em resultado da “verificação de algum desamparo sentido pelos destinatários daqueles direitos, em especial pelo progenitor com quem a criança não reside.”.


Nesta esteira, revelou-se determinante a censura do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ao Estado Português, pela violação do art.8.º da Convenção, no “Caso Reigado Ramos”43, na medida em que “…as autoridades portuguesas omitiram o desenvolvimento de esforços adequados e suficientes para fazer respeitar os direitos de visita do requerente (...)”.


Pronunciando-se sobre a questão de não ser possível proceder-se criminalmente pelos factos em apreço, consignou ainda, a referida decisão do TEDH que “... compete a cada Estado contratante dotar-se de um arsenal jurídico adequado e suficiente para garantir o respeito pelas obrigações positivas que lhe incumbem ao abrigo do art.8.º da CEDH. O Estado deve designadamente possuir uma panóplia de sanções adequadas, eficazes e capazes de assegurar os direitos legítimos dos interessados bem como o respeito pelas decisões judiciárias”.44


Como expendeu André Teixeira dos Santos, a propósito do crime de subtração de menores , perante as novas realidades sociais, “A subtração de menores tem vindo a ganhar especial destaque na sociedade, não sendo raro o alarme social que gera, ganhando o interesse dos meios de comunicação social que veiculam opiniões do cidadão comum que flutuam ao sabor dos factos (…).”.45


Cabia, pois, ao Estado encontrar o equilíbrio entre a intervenção de natureza civil e a intervenção do direito penal, aquando das alterações introduzidas pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, no crime de subtração de menor, p. e p. pelo art.249.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, tendo em vista a proteção eficaz da família e dos filhos, consagrada nos artigos 36.º, 67.º e 69.º, da Constituição da República Portuguesa.


As alterações legislativas suprarreferidas, para além de resultarem de uma reclamação da comunidade por maior proteção dos direitos inerentes ao exercício das responsabilidades parentais, não se mostram desequilibradas, na medida em que o legislador, na nova redação da alínea c), reservou a tutela penal para o incumprimento qualificado do regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar , atrasar ou dificultar significativamente a entrega ou acolhimento, que deve ser «repetido» e «injustificado».


Assim, a tutela penal do incumprimento qualificado do regime estabelecido por autoridade pública não só não banaliza a criminalização das relações familiares do menor, como respeita os princípios da proporcionalidade, da intervenção mínima do direito penal e da subsidiariedade, pelo que não se tem como manifestamente arbitrária ou excessiva a criminalização da subtração de menores, nas três modalidades de preenchimento enunciadas no n.º1 do art.249.º do Código Penal.


Se em concreto, esses princípios foram violados, ou não, é outra questão, que se conhecerá de seguida e que depende da subsunção da factualidade provada ao tipo penal em causa.


16. Do não preenchimento do crime de subtração de menor


16.1. A recorrente sustenta que mesmo com a alteração da factualidade levada a cabo pelo Tribunal da Relação, sem dolo e face aos factos demonstrados e aqui provados, deve ser absolvida do crime de subtração de menor, p. e p. pelo art.249.º, n.º1, alíneas a) e c) do Código Penal, pela qual foi pronunciada e condenada no acórdão recorrido, uma vez que não resultaram preenchidos os seus elementos típicos (conclusões 2 a 6, 77 a 121, 160 a 163 e 172 a 180).


16.2. No que respeita ao não preenchimento da alínea a), n.º1, do art.249.º do Código Penal, alega a recorrente, no essencial o seguinte:


i) “subtrair” significa, no contexto típico da norma, retirar o menor do lugar, do espaço e do círculo da pessoa (ou da instituição) a quem está confiado, seja no âmbito do regime das responsabilidades parentais, da tutela ou da guarda por decisão de uma autoridade competente; (ii), assim, quem detiver a guarda do menor não poderá, por exclusão típica, ser agente do crime, precisamente porque a incriminação se destina a proteger e a garantir os direitos e os poderes que cabem a quem aquele seja confiado;


(iii) no caso sub judice, quando a arguida se deslocou para a Venezuela, levando consigo a menor, ainda era casada com o pai desta, não teve oposição expressa do pai da menor, e inexistia uma concreta regulação do exercício das responsabilidades parentais, pertencendo assim a ambos o exercício das responsabilidades parentais;


(iv) mais foi determinado que a menor não pode mudar de residência para o exterior da República Boliviana da Venezuela;


(v) deste modo, andou mal o acórdão recorrido quando interpretou o art.249.º, nº1, al. a) do C.P. no sentido de que o progenitor com quem o menor habitualmente reside e que tem sobre este o direito e dever de exercício dos poderes parentais, ao abrigo da lei civil (por força do disposto no artigo 1901.º, n.º 1 do CC), pode ser autor do crime de subtração de menor.


Apreciando.


O art.249.º do Código Penal distingue, no seu n.º1, três modalidades de ação no preenchimento do crime:


a) a subtração de menor, propriamente dita;


b) a imposição à fuga de menor por meio de violência ou ameaça de mal importante; e


c) o incumprimento de modo repetido e injustificado das obrigações decorrentes do regime fixado ou acordado de regulação das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar-se significativamente a entrega ou acolhimento do menor.


A fixação do sentido da norma penal impõe a determinação, antes do mais, dos valores constitucionais expressa ou implicitamente nele concretizados, ou seja, qual é o bem jurídico por ele tutelado.


A primeira nota a realçar é a inexistência de unanimidade sobre o bem jurídico.


Assim, na doutrina:


- Damião da Cunha defende que o art.249.º do Código Penal visa a “proteção dos poderes que cabem a quem esteja encarregado de menor”, embora a razão dessa proteção “esteja pensada para o bem-estar do menor (que, de resto, é a justificação para a existência desses poderes-deveres) e não para a proteção dos titulares dos poderes. Parece, pois, claro que as condutas de subtração de menor, para serem puníveis, têm de consistir numa ofensa (ou num perigo de ofensa) àqueles poderes, estando este elemento implícito mesmo naquelas modalidades de conduta que o não referem”.46


- André Lamas Leite entende, também, que o bem jurídico protegido com a incriminação “…é, fundamentalmente, o direito ao exercício sem entraves ilícitos dos conteúdos ínsitos às responsabilidades parentais e, de modo reflexo, o interesse do próprio menor no adimplemento de uma decisão que, nos termos da lei , surge – ou deve surgir – como aquela que melhor acautela esses interesses (…)”.47


- Paulo Pinto de Albuquerque segue o mesmo caminho ao defender que o bem jurídico protegido por esta norma incriminadora é o “poder paternal ou de tutela sobre o menor.”.48


- Ainda neste sentido, e exemplificativamente, refere Ana Teresa Leal que “o interesse da criança está sob o alcance de defesa da norma penal mas em primeira linha é o interesse daqueles a quem cabe legalmente o exercício sobre ela dos poderes-deveres inerentes à parentalidade ou à tutela que o preceito penal visa proteger.”.49


Em sentido diverso, pronunciam-se, entre outros:


- André Teixeira dos Santos, para quem “as condutas tipificadas visam salvaguardar o binómio composto pela defesa dos interesses da criança, que se vê privada dos cuidados e afeto do progenitor que se considerou encontrar-se em melhor posição de lhos prestar, e dos interesses do progenitor deixado para trás, embora a proteção destes últimos seja a título incidental, como bem jurídico-meio se se preferir, pois a tónica reside nos interesses da criança, encontrando-se os direitos deste progenitor necessariamente direcionados para o bem estar da criança.”.50


- Joana Cardoso Lopes, ao afirmar que “com a criminalização do crime de subtração de menores, visa tutelar-se em primeiro plano o superior interesse da criança, mais concretamente o seu direito a manter uma relação de proximidade com ambos os progenitores, a permanecer numa família que dela cuide e que assegure o seu desenvolvimento físico e emocional”.51


- Conceição Cunha52, Maria Clara Sottomayor53 e Barbosa e Silva54, entendem também que o interesse da criança é o bem jurídico tutelado no crime de subtração de menor, sendo os interesses do progenitor protegidos a título incidental.


No primeiro sentido suprarreferido, pronunciou-se o acórdão do TRL, de 7-2-2017, ao referir expressamente seguir a formulação sobre o bem jurídico defendida por André Lamas Leite55 e o acórdão, da mesma Relação, de 13-07-2016 , ao afirmar que o “bem jurídico a proteger na redação atualmente em vigor do artigo 249.º , n.º1, alínea a) do Código Penal continua a ser a garantia da integridade do exercício dos poderes-deveres inerentes às responsabilidades parentais.”.


No segundo sentido, pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14-09-2020 (proc. n.º 278/17.0PBGMR.G1) ao defender que “O bem jurídico protegido é o interesse do menor a uma relação de proximidade com os seus progenitores, ou seja, a proteção da família, considerando esta em sentido amplo e olhando para o menor, a proteção da família do menor e o seu direito a ser próximo de ambos os progenitores56


Uma destas posições põe mais enfase no interesse da criança em manter uma vinculação afetiva normal para com os progenitores; a outra posição, na garantia do exercício das responsabilidades parentais para prossecução dos interesses da criança.


Sabido que as responsabilidades parentais não são exercidas para vantagem dos pais, mas no interesse e proteção dos filhos menores, cremos que os menores estão sempre no cerne da tutela do crime de subtração de menor.


Também na interpretação da alínea a), do n.º1, do art.249.º, do Código Penal, não existe unanimidade.


Assim, a sentença da 1.ª instância decidiu que a conduta da arguida, de levar a filha menor CC para a Venezuela, não integra a previsão da alínea a) do n.º1, do art.249.º do Código Penal, com a seguinte argumentação:


A subtração de menor consiste em retirar ou tirar sem autorização pessoa que ainda não completou 18 anos de idade ou que ainda não se emancipou por efeito do casamento (arts. 122º, 132º e 133º do Código Civil, a quem legalmente a tenha a cargo, de modo a que esta fique impedida, de facto, de exercer os poderes-deveres inerentes àquela guarda, significando uma separação espacial ou física, que perdure durante algum tempo entre o menor e o titular dos poderes.(…)


Nas situações em que o exercício das responsabilidades parentais cabe em exclusivo a apenas um dos progenitores, caso o menor seja retirado da esfera de poder do progenitor que tem a guarda, pelo outro progenitor ou por terceiro, a conduta pode integrar a prática da previsto na alínea a) do artigo 249º do Código penal. O agente do tipo legal consagrado na alínea a) tem necessariamente que ser alguém que não exerce legalmente a guarda sobre o menor. O progenitor com quem o menor reside habitualmente não pode incorrer na prática do crime consagrado na al a) do preceito.”


O acórdão recorrido - que transcreve esta parte da sentença -, refere que o Tribunal de 1.ª instância subscreveu o entendimento de Ana Teresa Leal, no artigo “A tutela Penal nas Responsabilidades Parentais O crime de Subtração de menor”.


Os segmentos deste entendimento doutrinal transcritos na sentença, são os seguintes:


«Nas situações em que o exercício das responsabilidades não se encontra fixado por qualquer decisão e apenas decorre nas normas legais consagradas na lei civil, porque a regra é o seu exercício por ambos os pais, nenhum deles pode incorrer na prática do ilícito em causa uma vez que a guarda, como uma das vertentes das responsabilidades parentais, não se encontra atribuída, por lei, a um deles em especial e não existe qualquer decisão legal definidora da situação.


Este nosso entendimento, que está muito longe de ser pacífico, assenta sobretudo na interpretação da vontade do legislador em face das alterações profundas que introduziu na lei civil e penal com a reforma da Lei 61/2008, mas também encontra apoio no caráter subsidiário e excecional da intervenção penal nas matérias da família e suas relações. Doutro modo, a própria natureza do direito penal impõe uma aplicação sempre parcimoniosa e restritiva dos conceitos contidos na norma. Não podemos continuar a dar às normas reguladoras das responsabilidades parentais o mesmo sentido que elas tinham na sua anterior versão quando, manifestamente, não foi essa a vontade subjacente à sua alteração. Qualquer supremacia de direitos sobre os filhos por parte de um dos progenitores foi completamente arredada pela nova lei e a profunda alteração do artigo 1911º do Código Civil é disso exemplo inequívoco e não deixa, a nosso ver, qualquer dúvida de interpretação sobre qual a vontade do legislador. A atribuição do exercício do poder paternal ao progenitor que exercia a guarda e a presunção de guarda que anteriormente a lei conferia à mãe foram eliminadas da nova redação do artigo 1911º. A regra é agora a de que ambos os progenitores têm iguais direitos sobre a criança. Se os mesmos não vivem em conjugalidade a situação tem, necessariamente, que ser definida por decisão a proferir em processo próprio, até lá aplicam-se as regras gerais e estas determinam que as responsabilidades parentais são exercidas em comum.


Como consequência lógica desta alteração não incorre na prática do ilícito de subtração de menor previsto na al. a) do artigo 249º se, não estando o regime de exercício das responsabilidades parentais definido por decisão legal proferida em processo próprio, um progenitor que leva o filho para viver consigo depois de o mesmo ter residido durante algum tempo com o outro progenitor. Um caso com estes contornos poderá encontrar tutela penal noutros tipos legais de crime, como seja no crime de sequestro ou rapto mas não integrará o crime de subtração de menor, sendo que é no âmbito da lei civil que a resolução da questão pode encontrar uma resposta mais célere e eficaz. Se em causa estiver uma deslocação da criança para o estrangeiro, o direito internacional convencional a que Portugal está vinculado oferece também mecanismos de resolução de uma situação como a descrita. Se a deslocação ocorrer para um país que não integre a U.E., aplicar-se-ão as regras da Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25 de outubro de 1980. Caso a deslocação ocorra para um país da U.E., regerá em primeira linha o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro que, por seu turno, no seu Considerando 17, manda aplicar aquela Convenção. Nesta matéria, a Autoridade Central de Portugal é a Direção – Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a quem devem ser dirigidas as comunicações e pedidos que visem o regresso da criança ou a fixação de um regime de visitas, sempre que ocorra uma deslocação ou retenção ilícitas».


Mais refere o acórdão recorrido, que Joana Sachse Cardoso Lopes, na sua dissertação de Mestrado, datada de 27.12.2011, “Do crime de Subtração de Menor Evolução Legal e Reflexões Críticas”, entende que, no caso da alínea a): “Agente do crime pode ser, neste caso, um terceiro, ou o progenitor que não detém a guarda, ou ainda os progenitores relativamente a quem detém legitimamente a guarda”, e que, no acórdão do TRL de 7.2.2017, no processo n.º 866/15.0PELSB.L1-5, se decidiu:


IV- Já para a modalidade tipificada na sua alínea a), subtrair, consiste e, “retirar o menor do lugar, do espaço e do círculo da pessoa ( ou da instituição) a quem está confiado. Donde, a consunção do delito pressupõe que o menor fique submetido ou à disposição da pessoa que o retirou ou reteve, ou seja, que permaneça fora do controlo da pessoa a cuja guarda ou direcção se encontrava legitimamente.


V - O progenitor com quem o menor reside habitualmente não pode incorrer na prática do crime consagrado em tal preceito.(…)”.


Diverso deste, é o entendimento do acórdão recorrido, que começa por declarar que subscreve a posição expressa no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.7.2022, proferido no proc. 41/19.4..., que transcreve nos seguintes termos :


«Sumário: Para efeitos da subsunção da conduta do arguido ao art.249º nº 1 al. a) do CP impõe-se saber se, à luz do novo regime de responsabilidades parentais, em que já não pode, (a não ser em casos excepcionais), falar-se de «progenitor guardião» ou «detentor da guarda» do filho, qualquer dos progenitores pode ou não ser autor material dessa modalidade de consumação do crime, ou se a sua condição de contitulares das responsabilidades parentais implica necessariamente a sua exclusão típica do universo dos autores do tipo de ilícito, previsto na al. a) do art.249º nº 1.


A incriminação contida no art.249º do CP tem de ser lida e interpretada em estreita articulação com os arts. 1906º a 1908º do CC, cujo respeito a norma penal visa garantir e também com os princípios constitucionais vigentes em direito da família, de que se destacam os enunciados nos arts. 36º e 67º a 69º da Constituição da República Portuguesa.


Assim, não obstante a titularidade e o exercício conjunto das responsabilidades parentais, nada impede, nem física, nem juridicamente, que um dos progenitores, por acção unilateral e deliberada sua, crie um corte na vinculação e no relacionamento entre o filho e o outro progenitor, privando um e outro de se verem, estarem juntos e conviverem, retirando a criança desse contacto, levando-a para local incerto ou desconhecido, ou por qualquer outro modo, tornando-a inacessível ao outro progenitor.


A actual c) do art.249º nº 1 do CP veio aumentar e intensificar a proteção dos direitos inerentes à parentalidade (sobretudo do progenitor com quem o menor não reside), criminalizando os entraves na entrega ou acolhimento do menor e alargando o leque aos casos em que haja incumprimento, com determinadas características de reiteração e gravidade, do regime estabelecido para a convivência do menor, na regulação do exercício das responsabilidades parentais.


Consequentemente, qualquer dos progenitores se pode constituir autor material de um crime de subtracção de menor, tanto na modalidade de consumação descrita na al. a), como segundo a previsão contida na al. c) do art. 249º nº 1 do CP.”.


(…)


Por conseguinte, a questão que se impunha dilucidar, para efeitos da subsunção da conduta do arguido ao art.249º nº 1 al. a) do CP era a de saber se, à luz do novo regime de responsabilidades parentais, em que já não pode, (a não ser em casos excepcionais), falar-se de «progenitor guardião» ou «detentor da guarda» do filho, qualquer dos progenitores pode ou não ser autor material dessa modalidade de consumação do crime, ou se a sua condição de contitulares das responsabilidades parentais implica necessariamente a sua exclusão típica do universo dos autores do tipo de ilícito, previsto na al. a) do art.249º nº 1.


Ora, a incriminação contida no art.249º do CP tem de ser lida e interpretada em estreita articulação com os arts. 1906º a 1908º do CC, cujo respeito a norma penal visa garantir e também com os princípios constitucionais vigentes em direito da família, de que se destacam os enunciados nos arts. 36º e 67º a 69º da Constituição da República Portuguesa.


Assim, não obstante a titularidade e o exercício conjunto das responsabilidades parentais, nada impede, nem física, nem juridicamente, que um dos progenitores, por acção unilateral e deliberada sua, crie um corte na vinculação e no relacionamento entre o filho e o outro progenitor, privando um e outro de se verem, estarem juntos e conviverem, retirando a criança desse contacto, levando-a para local incerto ou desconhecido, ou por qualquer outro modo, tornando-a inacessível ao outro progenitor.


Do mesmo modo, se é verdade que na anterior versão da alínea c) - «c) Se recusar a entregar menor à pessoa que sobre ele exercer poder paternal ou tutela, ou a quem ele esteja legitimamente confiado» - nenhuma dúvida se colocava quanto à exclusão típica do universo de potenciais autores deste crime, das pessoas a quem estivesse judicialmente atribuída a titularidade do poder paternal, ou da tutela ou a outro título da guarda da criança, não é menos certo que a actual alínea c) do art.249º nº 1 do CP veio aumentar e intensificar a proteção dos direitos inerentes à parentalidade (sobretudo do progenitor com quem o menor não reside), criminalizando os entraves na entrega ou acolhimento do menor e alargando o leque aos casos em que haja incumprimento, com determinadas características de reiteração e gravidade, do regime estabelecido para a convivência do menor, na regulação do exercício das responsabilidades parentais.


E sendo assim, a alínea c) do n.º 1 do artigo 249º na sua actual formulação já «não traduz nem expõe manifestamente uma “subtração”, mas apenas uma rejeição do cumprimento, ou no rigor, o incumprimento das obrigações decorrentes do regime fixado ou acordado de regulação das responsabilidades parentais de menores: a formulação típica não representa nem prevê uma retirada ou ocultação do menor, ou recusa de entrega à pessoa que exerça o poder paternal, constituindo apenas, em determinadas circunstâncias, o estabelecimento de uma forma instrumental e funcional de injunção ao cumprimento das obrigações decorrentes do regime de responsabilidade parental» (Ac. do STJ de 23.05.2012, processo 687/10.6TAABF.S1. No mesmo sentido, Acs. da Relação de ... 07.02.2017, proc. 866/15.0PELSB.L1-5, do STJ de 19.06.2019, proc. 98/17.2GAPTL.S1, da Relação do Porto de 26.06.2019, proc. 1520/17.3T9PNF.P1 e da Relação de Guimarães de 14.09.2020, proc. 278/17.0PBGMR.G1, todos in http://www.dgsi.pt).


Consequentemente, qualquer dos progenitores, mesmo titulares conjuntos das responsabilidades parentais e estando a residência do filho comum estabelecida judicialmente com ambos, de forma alternada ou rotativa, se pode constituir autor material de um crime de subtracção de menor, tanto na modalidade de consumação descrita na al. a), como segundo a previsão contida na al. c) do art. 249º nº 1 do CP. (…)”.


Após a transcrição desta decisão da Relação, acrescenta o acórdão recorrido (transcrição parcial):


“Por fim, cumpre apreciar se ficam fora da protecção desta incriminação as situações em que não existe decisão de regulação das responsabilidades parentais.


O preenchimento do crime na alínea c) pressupõe, como resulta da letra da lei, uma decisão prévia que estabeleça o regime de convivência com o menor.


O mesmo não acontece com a alínea a). Não se retira da letra da lei que estejam excluídos os comportamentos dos cônjuges que não tenham judicialmente regulado o exercício das responsabilidades parentais, dado lhes será aplicável o regime legal e constitucional.


Dispõe o artigo 1901º do CC, sob a epígrafe Responsabilidades parentais na constância do matrimónio, que:


“1- Na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais.


2- Os pais exercem as responsabilidades parentais de comum acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal que tentará a conciliação.


Assim, no caso, as responsabilidades parentais referentes à CC eram exercidas por ambos os pais e menina residia com ambos.


E, sem dúvida, a alteração da residência da menina para diferente país constituía questão de particular importância e careceria do acordo dos pais ou, na falta deste, de decisão judicial.


Subscrevem-se as alegações do Ministério Público no âmbito do já referido processo (866/15.0PELSB.L1-5), que se transcrevem, por pertinentes:


1.ª-A ratio legis contida no artigo 249.º do CP é, em primeiro lugar, a proteção dos interesses do menor, os quais integram o convívio com ambos os progenitores e a proteção ativa, por ambos, dos interesses deste. Em segundo lugar, o dispositivo protege o exercício do poder-dever de parentalidade.


2.ª-Não protege em particular - nem sequer na letra e muito menos na ratio - o poder-dever de parentalidade dissidente, regulada através do tribunal.


3.ª-O artigo 36.º, n.º 3, da CRP prevê que os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos e o n.º 5 do citado preceito reforça a ideia de que a paternidade é um poder-dever, esclarecendo que os pais têm o direito e o dever de educar e manter os seus filhos.


4.ª-E sublinha o artigo 36.º, n.º 6, da CRP que “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”


5.ª-O exercício das responsabilidades parentais, a constância do matrimónio, cabe a ambos os progenitores, conforme dispõe o artigo 1901.º do Código Civil, que nomeadamente regulamenta o constante da lei fundamental, a esse propósito.


6.ª-No âmbito da regulação legal geral do exercício das responsabilidades parentais, os menores não podem ser retirados da casa de morada de família apenas por decisão de um dos progenitores, nos termos do 1887.º, n.° 1, do CC.


7.ª-E o Regulamento CE 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, art. 2.º, n.°s 9 e 11, classifica a deslocação e retenção unilateral do menor, para local diverso do que lhe fora destinado pelos seus progenitores, como ilícita.


8.ª-O facto do menor ser retirado do local onde reside, por um dos progenitores e sem autorização do outro, afastando-o, assim, do contacto e controlo de educação, saúde e afetos, do outro progenitor, de forma radical e tendencialmente definitiva, ocultando os contactos, terá que ser necessariamente protegida ao menos pelo elemento teleológico do preceito penal em causa e a sua ratio.


9.ª-Além disso, também da literalidade do mesmo preceito não se retira que são excluídos da previsão legal os comportamentos de um progenitor que retire o menor da esfera de exercício do poder paternal do outro progenitor, de forma prolongada e injustificada, com intenção, pelo menos presumida - o que releva para a presente fase processual - de provocar o afastamento definitivo do menor do outro progenitor, mantendo-o incontactável.


10.ª-Nem se retira que são excluídos da previsão legal os comportamentos dos cônjuges que não tenham o poder paternal judicialmente regulado, posto que o têm constitucional e legalmente regulado, bem como regulado em convenções internacionais,


11.ª-Nomeadamente na Convenção Sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, aprovada em Haia em 25 de Outubro de 1980, ratificada por Portugal e que prevê que o “direito de custódia” abrange o direito de decidir sobre o lugar da residência do menor, nos seus artigos 4.º e 5.º alínea a).


(…).


Ora, como bem se refere nas alegações de recurso transcritas, a ratio legis contida no artigo 249.º do CP é, em primeiro lugar, a proteção dos interesses do menor, os quais integram o convívio com ambos os progenitores e a proteção ativa, por ambos, dos interesses deste. Em segundo lugar, o dispositivo protege o exercício do poder-dever de parentalidade. Também no sentido de que o bem jurídico protegido por esta norma é o interesse da criança, vide Clara Sottomayor.57


Pode ler-se na decisão sobre que recaiu o recurso cujas conclusões supra constam que “(…) Tendo em consideração aquele que é entendido como o bem jurídico protegido pela referida disposição legal, tudo parece apontar no sentido de assistir razão ao assistente. Na verdade, não se nos afigura sensato que dois progenitores já desavindos, com desavenças que justificaram a intervenção do Tribunal, vejam, no caso de incumprimento por parte de um deles, esse incumprimento merecer tutela penal e que, de forma completamente distinta, dois progenitores, casados entre si, sem notícia de desavença relativamente ao exercício do poder paternal, não vejam um deles responsabilizado o outro, quando este retire ao primeiro, de forma súbita e injustificada, o exercício desse poder, desaparecendo sem deixar qualquer hipótese de contacto entre o menor e um dos seus progenitores. Entendemos que, ao não ser susceptível de responsabilização criminal esta segunda conduta, não está a ser devidamente acautelado o bem jurídico visado por aquele preceito, entendendo-se ser este bem jurídico a protecção dos poderes que cabem a quem esteja encarregado de menor, protecção esta pensada para o bem-estar do menor e não para a protecção dos titulares dos poderes.


No entanto, e apesar disso, entendemos que essa interpretação não cabe na letra da lei. (…)”.


Com todo o respeito, subscrevendo-se os considerandos, não estamos de acordo com a conclusão e com a interpretação que lhe está subjacente, trata-se de interpretação fora da literalidade e do elemento teleológico e discriminatório.


Ao retirar a menina da casa de morada de família sem o conhecimento e consentimento do progenitor, passando a viver com a mesma num outro país e assim inviabilizando o convívio entre pai e filha e que este pai possa acompanhar e orientar o crescimento da filha, a progenitora incorreu na prática do crime p. e p. pela alínea a) do nº 1, do artigo 249º do CP.”.


Resulta do ora exposto, serem duas as posições identificadas no acórdão recorrido, que conduziram a soluções divergentes.


Em apertada síntese, os seus argumentos são os seguintes:


A posição seguida na sentença, parte da ideia fundamental de que o conceito “subtrair” significa, no contexto da norma, retirar o menor a quem está legalmente confiado. A regra é o exercício das responsabilidades parentais por ambos os pais. Não se encontrando atribuída a guarda a nenhum deles não pode o progenitor, que retirar o menor da convivência do outro, preencher a previsão da alínea a). O progenitor com quem o menor reside habitualmente não pode incorrer na prática do crime de subtração.


Este entendimento encontra apoio no caráter subsidiário e excecional da intervenção penal nas matérias da família e suas relações, remetendo a solução da retirada do menor por um progenitor em relação a outro, para os meios processuais de natureza não penal.


A outra posição, seguida no acórdão recorrido, interpreta expressamente todas as modalidades da ação típica do art.249.º do Código Penal, incluindo a da alínea a), à luz do novo regime de responsabilidades parentais (artigos 1096.º a 1098.º do Código Civil) e da nova redação da alínea c), n.º1, introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, que veio aumentar a proteção dos direitos à parentalidade, sobretudo do progenitor que não reside com o menor, criminalizando os entraves à convivência dos progenitores com o menor. Não podendo já falar-se, salvo em casos excecionais, em «progenitor guardião» ou «detentor da guarda» do filho, não obstante a titularidade e o exercício conjunto das responsabilidades parentais, nada impede, nem física, nem juridicamente, que um dos progenitores, por ação unilateral e deliberada sua, crie um corte na vinculação e na convivência do outro com o menor, privando-o de se verem estarem juntos e conviverem, levando-o para local inacessível ao outro progenitor e, assim, preencher a modalidade de ação prevista na alínea a), n.º1 deste tipo penal.


A opção por uma, ou outra, destas posições, depende da interpretação dos elementos do tipo objetivo e subjetivo de ilícito descritos da modalidade de ação prevista na alínea a), n.º1 do art.249.º do Código Penal.


O tipo objetivo de ilícito, na modalidade prevista alínea a) , n.º1 do art.249.º do Código Penal, traduz-se na “subtração do menor”.


O tipo subjetivo de ilícito, nesta modalidade do crime de subtração de menor, exige o dolo.


É pacífico, face ao disposto no art.122.º do Código Penal, que “menor” é a pessoa que ainda não completou 18 anos de idade.


Já quanto ao elemento objetivo “subtração” o laconismo da lei é total, deixando o seu tratamento para a doutrina e a jurisprudência.


Vejamos, em primeiro lugar, como a doutrina vem definindo o conceito de “subtração”.


Damião da Cunha entende que “A subtração consiste em retirar um menor do domínio de quem legitimamente o tenha a cargo. Isto significa que deve, pela subtração, ser eliminado, ou pelo menos gravemente afetado, o exercício da relação de poder entre o titular do mesmo e o menor. Por princípio, significará isto uma separação espacial entre o menor e o titular dos poderes (embora não seja suficiente a verificação dessa separação, pois tem de acrescer, além disso, a impossibilidade de o exercício dos poderes. Esta separação deve ainda durar algum tempo, dependendo, naturalmente, das circunstâncias concretas, pois deverá ter-se em consideração que aqueles poderes não são exercidos de forma contínua e permanente.”.58


Reforçando a ideia de que a subtração só ocorre face à pessoa que tem legitimamente o menor a seu cargo, acrescenta o mesmo comentador do Código Penal, embora a propósito da alínea c), na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro:


Este crime na modalidade descrita na al.c), refere ainda como elemento típico que a recusa se tem de verificar face à pessoa que exerça o poder paternal ou de tutela ou a quem o menor tiver sido confiado. Embora este elemento típico esteja só implícito nas outras modalidades de conduta, também quanto a elas ele deve verificar-se. Ele significa que só será punível a conduta face a pessoas que formalmente (e, portanto, legitimamente) sejam titulares daqueles poderes. Isto significa que qualquer conduta entre pais, numa situação de desavença não leva, em princípio, à responsabilização, por via desta modalidade de conduta (al.c)), do agente, pois o poder paternal cabe a ambos.”.59


André Teixeira dos Santos, refere, também, que a subtração prevista na alínea a), “no fundo, reconduz-se a retirar a criança da esfera de influência do progenitor que tem a guarda da criança ou a quem foi confiada de modo a que não possa exercer os poderes subjacentes àquela”, podendo o crime “ser praticado por qualquer pessoa que não detenha a guarda”.60


Paulo Pinto de Albuquerque, afirma que a subtração consiste no “afastamento do menor da esfera de controlo fáctico do seu encarregado, impedindo desse modo o encarregado do menor de exercer os seus poderes sobre o menor. Este afastamento supõe não apenas um afastamento físico, mas também uma duração temporal mínima que se repercuta na inexequibilidade dos poderes do encarregado do menor.”.61


António Miguel Veiga, recordando que o legislador de 2008 deixou intocada a expressão literal da alínea a), n.º1 do art.249.º do Código Penal, continuando a dar o nomen ao tipo penal, interpreta a subtração de menor como a “retirada de um menor da esfera de atuação ou do domínio do titular legítimo do direito de guarda em relação a esse menor”.62


Por fim, decorre do segmento do estudo doutrinal de Ana Teresa Leal referido no acórdão recorrido, que como consequência das alterações levadas a cabo pela Lei n.º 61/2008, “…não incorre na prática do ilícito de subtração de menor previsto na al. a) do artigo 249º se, não estando o regime de exercício das responsabilidades parentais definido por decisão legal proferida em processo próprio, um progenitor que leva o filho para viver consigo depois de o mesmo ter residido durante algum tempo com o outro progenitor.”.


Não encontrámos doutrina que apoie, pelo menos abertamente, a interpretação levada a cabo no acórdão recorrido sobre o elemento “subtração”.


Na jurisprudência, apoia a interpretação seguida no acórdão recorrido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13-7-2022, proferido no proc. n.º 41/19.4..., ali transcrito.


No sentido de que a modalidade de subtração tipificada na alínea a), n.º1 do art.349.º do Código Penal, pressupõe necessariamente um agente que não detenha responsabilidades parentais, decidiram além do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7-2-2017, referido no acórdão recorrido, ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-5-2010.63


Por qual destas interpretações optar?


O S.T.J., entende que a “subtração” na perspetiva dos elementos objetivos da alínea a), n.º1, do art.349.º do Código Penal, consiste na retirada de menor do domínio de quem legitimamente o tenha a cargo, assumindo o agente, em sua substituição, os poderes inerentes ao exercício da sua guarda.


Sem pretender-se aqui repetir o que a este respeito argumenta a doutrina ora citada e a jurisprudência que a corrobora, a interpretação da alínea a), n.º1 do art.349.º do Código Penal, não colide com o regime das responsabilidades parentais, nem com a interpretação da alínea c) na nova formulação, que resultaram da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro.


Embora todas as condutas descritas no n.º1 do art.349.º do Código Penal integrem o crime de subtração de menor, substancialmente, a modalidade de subtração de menor da alínea a), é distinta da modalidade da alínea c), na nova formulação, que lhe foi dada pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro.


Quando a titularidade e o exercício das responsabilidades conjugais são conjuntos, por tal decorrer da lei, qualquer dos progenitores tem uma relação funcional, de poder-dever, sobre o menor, designadamente de convívio com ele.


Enquanto uma autoridade pública não estabelecer um regime diverso desta regra geral, nomeadamente, por separação de facto dos progenitores, separação de pessoas e bens ou divórcio, não se vê razões para integrar na alínea a), n.º1 do art.349.º do Código Penal - que se mantém inalterada desde 1995 -, a retirada de um menor da casa de morada de família por parte de um dos progenitores.


Conhecidas que são as frequentes críticas que o crime de subtração de menores sofre pela sua intervenção da área da família, esta interpretação da alínea a), n.º1, do art.349.º do Código Penal é a que melhor respeita o sentido da subsidiariedade de intervenção do direito penal.


A tal não obsta a alínea c), na nova formulação, que censura penalmente o incumprimento qualificado, das decisões judiciais que regulam o regime de convivência do menor na regulação das responsabilidades parentais, em que o agente recusa, atrasa ou dificulta significativamente a entrega do menor.


O que o legislador visou com a nova formulação da alínea c), foi a imposição de uma punição, a qualquer dos progenitores, como forma de fazer respeitar as decisões judiciais de regulação do exercício das responsabilidades parentais, por incumprimento qualificado, com recusa de entrega do menor, tantas vezes por eles desobedecidas.


Esta nova formulação da alínea c), não alterou a modalidade de subtração de menor, como tal designada, de modo a também censurar penalmente os contitulares das responsabilidades parentais, casados e em rutura conjugal, que vivendo na mesma casa de morada de família, não regularam ainda o exercício das responsabilidades parentais.


Posto isto e retomando o caso concreto.


Da factualidade dada como provada resulta, designadamente, que a arguida e o assistente, casados, residiam desde data não concretamente apurada, mas anterior a maio de 2010, em ..., Portugal, tendo desse casamento nascido uma filha, CC, em ... de ... de 2010 (pontos n.ºs 1 e 2).


Em finais de 2015, princípios de 2016, o relacionamento do casal começou a deteriorar-se e umas semanas antes de 4 de abril de 2016, a arguida e o assistente tomaram a decisão, conjunta, de se divorciarem, tendo o assistente, em 27 de março de 2026, assinado uma declaração consentindo que a guarda da menor ficaria entregue à mãe (pontos n.ºs 3, 30 e 33).


Em data não concretamente apurada, mas situada no final de março ou início de abril, a arguida formulou o propósito de abandonar o território nacional, levando consigo a filha menor CC, sem o conhecimento e consentimento de BB, o que concretizou no dia 4 de abril de 2016, viajando com a filha para o aeroporto de ..., onde embarcou com destino a ..., no ... e, daí, para ..., na Venezuela, onde passou a viver com a sua filha menor, não mais regressando a Portugal (pontos n.ºs 4, 5, 6, 9, 13 e 14).


Estando a arguida casada com o assistente e não estando estabelecido, à data destes factos, o regime de regulação das responsabilidades parentais, o exercício destas responsabilidades pelos progenitores era conjunto.


Embora a arguida AA tenha retirado a menor da casa de morada de família em Portugal e a levado para outro país, com o objetivo de assim impedir que o pai da menor mantivesse um contacto efetivo e prático com a menor, pelas razões expostas , não se mostra preenchido o elemento do tipo objetivo de ilícito, na modalidade prevista na al. a), n.º1 do art.249.º do Código Penal.


16.3. A recorrente sustenta que sua conduta não preenche, ainda, a alínea c), n.º1, do art.249.º do Código Penal, argumentando, em síntese: (i) um dos elementos típicos desta situação é a violação do regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais e, para o seu preenchimento, não basta recusar, atrasar ou dificultar significativamente a entrega ou acolhimento da criança, pois tais condutas terão que ser repetidas e injustificadas; (ii) conduta repetida significa necessariamente que tem que ser mais do que uma; (iii) não é qualquer incumprimento do regime que configura a prática do ilícito, sendo sim a gravidade desse incumprimento e o grau da lesão nas relações entre os progenitores e o seu filho, no caso concreto, que determinará a verificação ou não do ilícito; (iv) por outro lado, a repetição da conduta pode acontecer não apenas com a sua verificação em diversas ocasiões, mas também com a sua continuação no tempo; (v) no caso, a arguida nunca esteve em incumprimento com qualquer obrigação legal ou judicial, pois apesar da guarda provisória obtida pelo pai, à revelia da arguida, o respetivo processo deu origem a um procedimento de cooperação internacional que resultou numa sentença firme, no tribunal venezuelano, a conceder-lhe a guarda e as responsabilidades parentais sobre a menor; (vi) desta forma, em momento algum, foi a arguida verdadeiramente confrontada com uma sentença que ordenasse a efetiva restituição da menor ao pai ou que contrariasse os poderes ao abrigo dos quais a arguida se encontrava a proceder; (vii) o acórdão recorrido fez uma incorreta interpretação quando decide não ser justificação plausível para afastar o preenchimento da alínea c) do n.º1 do artigo 249.º, do Código Penal, o facto de a arguida optar por aguardar decisão do Tribunal Venezuelano, relativo à regulação das responsabilidades parentais, para tomar uma decisão quanto ao regresso da menor a Portugal, ao invés de arriscar regressar para um ambiente instável e inseguro para a sua filha, cujo interesse considerou, no cumprimento do papel de mãe, mais bem salvaguardado ao permanecer na Venezuela. Bem como, ainda, ao concluir que a Arguida, ao viajar com a menor para a Venezuela, sua terra natal, para visitar o seu pai (avô da menor), doente, agiu com o intuito de não mais regressar a Portugal, e que, que, através desse comportamento, pretendeu que a menor não mais tivesse contacto com o pai.


Apreciando.


Os elementos do tipo objetivo de ilícito, nesta modalidade, são:


- O incumprimento do regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais;


- de um modo repetido e injustificado;


- recusando, atrasando ou dificultando significativamente a sua entrega ou acolhimento.


Face à atual redação da alínea c), n.º1 do art.249.º do Código Penal, o agente do crime pode ser qualquer progenitor que não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor, ao contrário do que sucedia na redação anterior em que, como vimos, o autor do crime só podia ser o progenitor não guardião, ou seja o progenitor que se recusava a entregar o menor «à pessoa que sobre ele exercer poder paternal».


Pressuposto da verificação desta modalidade do crime é a existência de um «regime estabelecido» para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais. O regime deve ser estabelecido por decisão judicial ou acordo homologado, em ação própria de regulação das responsabilidades parentais ou no âmbito de uma ação de divórcio ou de separação de pessoas e bens.


O incumprimento de um simples acordo de autorregulação, oral ou escrito, do exercício das responsabilidades parentais, sem intervenção de autoridade pública não basta para o preenchimento desta modalidade do crime de subtração de menor.


Também André Lamas Leite defende que “Havendo, v.g., separação de facto entre os pais da criança, e um dos progenitores levando consigo o filho de ambos, recusando-se a que o outro o veja, a inexistência de uma solução do conflito por uma autoridade pública afasta o crime do art.249.º, n.º1, al. c), (…)”.64


Como assertivamente refere Paulo Pinto de Albuquerque, “O crime tem lugar independentemente de qualquer interpelação judicial ou policial para o cumprimento, bastando que o regime para a convivência do menor (isto é, o regime de guarda e visitas) se encontre definitiva ou provisoriamente «estabelecido» pelo tribunal e seja do conhecimento do progenitor.”.65


Para o preenchimento desta modalidade do tipo penal, o incumprimento do «regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais», recusando, atrasando ou dificultando significativamente a entrega do menor, não se basta com uma dimensão quantitativa, traduzida num comportamento «repetido», mas, ainda, uma dimensão qualitativa, consubstanciada num comportamento «injustificado».


Quanto ao incumprimento de «modo repetido» do regime estabelecido, embora a recorrente comece por afirmar que a conduta repetida significa que tem que ser mais do que uma, aceita, logo de seguida que a repetição da conduta pode acontecer, não apenas com a sua verificação em diversas ocasiões, mas também com a sua continuação no tempo (conclusão 118 da motivação).


É esta também a posição de Ana Teresa Leal, para quem “…a repetição da conduta pode acontecer não apenas com a sua verificação em diversas ocasiões mas também com a sua continuação no tempo66


Também André Teixeira dos Santos defende que “a recusa tanto pode consistir em protelar no tempo a entrega da criança como a ocorrência de várias situações de não entrega. Na previsão da norma cabe a conduta do progenitor que impede a concretização do regime de convívio do filho com o outro progenitor, quer o faça de forma continuada, através de uma ação que se prolonga no tempo, quer de modo entrecortado, através de várias ações que se vão sucedendo.”.67


Importante é que o incumprimento de «modo repetido» do regime estabelecido, recusando, atrasando ou dificultando significativamente a entrega do menor ao outro progenitor, assuma gravidade na vida familiar do menor.


A ocorrência de várias situações de recusa de entrega de menor, tal como uma só recusa de entrega de menor prolongada no tempo, de forma continuada, preenchem a tipicidade descrita na alínea c), n.º1 do art.249.º do Código Penal, com o sentido de comportamento «repetido», quando e sempre que elas causem dificuldades sensíveis e graves de convivência entre o menor e o outro progenitor, em violação do regime estabelecido por autoridade pública sobre o exercício as responsabilidades parentais.


Cabe ao tribunal, perante o caso concreto, decidir se uma qualquer daquelas situações, preenche ou não a dimensão quantitativa descrita na alínea c), n.º1 do art.249.º do Código Penal, em face do grau de violação do conteúdo da decisão reguladora do exercício das responsabilidades parentais.


O incumprimento do regime estabelecido, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente, será «injustificado», nos termos tipificados na mesma norma penal, de um modo desligado dos tipos justificadores em sentido técnico-jurídico. Como bem refere o acórdão o S.T.J. de 23-05-2012, o incumprimento é «injustificado», “ não apenas no sentido da inexistência de alguma causa de justificação, mas abrangendo outras hipóteses que, não preenchendo expressamente os requisitos das causas justificadoras, excluam materialmente os índices de constância, reiteração, intensidade e gravidade («de modo repetido e injustificado») , que são pressupostos na dimensão e descrição penal.”.68


O tipo subjetivo de ilícito, na modalidade de ação da alínea c), n.º1 do art.249.º do Código Penal, exige, como nas duas outras modalidades do crime, também o dolo.


Retomando o caso concreto.


O acórdão recorrido considerou que a conduta da arguida sempre preencheria a previsão da alínea c) do nº1 do artigo 249º do Código Penal, apresentando seguinte a fundamentação (transcrição):


“É pacifico que não existindo a fixação do modo de exercício das responsabilidades parentais não há preenchimento do tipo.


In casu, foi fixado regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais referentes à CC por decisão proferida em 20.4.2016 pelo Tribunal de Família e Menores de ..., decisão que foi notificada, à qual deduziu oposição mas da qual não recorreu, tendo esta transitado em julgado, conforme certidão com nota de trânsito em julgado junta aos autos, em Maio de 2016.


A arguida não entregou a CC ao pai.


Para que se preencha o tipo de crime não basta recusar, atrasar ou dificultar significativamente a entrega ou acolhimento da criança, exige-se que tais condutas sejam repetidas e injustificadas.


Ora, a repetição da conduta pode acontecer não apenas com a sua verificação em diversas ocasiões, mas também com uma continuação no tempo, ou seja, a recusa tanto pode consistir em protelar no tempo a entrega da criança como a ocorrência de várias situações de não entrega.69


Vejamos se a conduta é injustificada.


Entende-se que não se justifica o não cumprimento pelo facto de a arguida estar a aguardar a prolação de decisão noutros processos em curso, decisões essas que, como previa, porque expectável dado o decurso do tempo, fixaram a residência da mesma com a mãe na Venezuela.


Com o não cumprimento da decisão provisória, a arguida inviabilizou o convívio da criança com o pai.


Tratou-se, pois, de conduta grave, com graves repercussões no desenvolvimento da CC.”.


Este Supremo Tribunal concorda, genericamente, com esta fundamentação.


Em primeiro lugar, mostram-se verificados os elementos do tipo objetivo de ilícito, nesta modalidade de ação, como se passa a demonstrar.


Não existem dúvidas que foi estabelecido, por um Tribunal português, um regime para a convivência da menor CC na regulação do exercício das responsabilidades parentais.


O abandono inopinado da casa de morada de família, sita em Portugal, por parte da arguida, levando a filha comum do casal, CC, para a Venezuela, sem o conhecimento e consentimento do assistente, numa altura em que os pais da menor tinham tomado a decisão conjunta de se divorciarem, levou o assistente a apresentar um requerimento, em 5 de abril de 2016, no Juízo de Família e Menores de ..., a pedir a regulação das responsabilidades parentais da menor (pontos n.ºs 1 a 5). E, o Juízo de Família e Menores de ... – Instância Central, por decisão de 20 de abril de 2016, proferida nos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 997/16.9..., sem prévia audição da progenitora, fixou um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais da menor CC, determinando que esta fica confiada e entregue à guarda e cuidados do pai, com quem residirá, que as responsabilidades parentais serão exercidas pelo progenitor e que a progenitora poderá estar com a menor sempre que quiser, desde que previamente obtenha o consentimento do pai e respeite os horários de estudo e descanso da menor (ponto n.º 10).


Citada desta decisão, por correio eletrónico em 2 de maio de 2016, a ora arguida deduziu oposição ao regime provisório fixado, pedindo nova regulação, mas não interpôs da decisão (pontos n.ºs 11 e 12).


Assente está, pois, que a arguida tomou conhecimento de que por decisão judicial a menor foi confiada, ao pai, com quem deveria residir.


Como também se mostra provado o incumprimento, pela arguida, do regime estabelecido para a convivência da menor ao recusar a entrega da menor ao pai.


Efetivamente, a arguida, que em mensagem dirigida ao assistente lhe comunicara só ir ficar 15 dias em ..., em casa dos pais (ponto n.º 8), fixou a sua residência e da menor em ..., diligenciou pela obtenção da nacionalidade venezuelana para a filha, colocou a filha a frequentar a escola naquela cidade e requereu, em 15 de junho de 2016, junto dos tribunais venezuelanos a regulação das responsabilidades parentais da menor CC (pontos n.ºs 13, 14 e 15), não mais regressou a Portugal, nem permitiu o regresso da sua filha a este país (ponto n.º16).


O Tribunal de ..., a requerimento da arguida , por decisão de 22 de novembro de 2017, determinou que a menor não podia mudar de residência para o exterior da Venezuela. Tal decisão foi confirmada em 9 de março de 2018 pelo Tribunal superior para o ora assistente recorrera, acrescentando que a proibição de saída da menor do país se manteria até que se dirima o conflito da custódia da menor e se estabeleça outro tipo de regime por acordo entre as partes ou por órgão judicial (pontos n.ºs 15 e 16).


Durante um período, que vai de 2 de maio de 2016, data em que tomou conhecimento da decisão da regulação das responsabilidades parentais pelo Juízo de Família e Menores de ..., até 22 de novembro de 2017, data em que por decisão do Tribunal de ... foi proibida a mudança de residência da menor para o exterior da Venezuela, a arguida incumpriu o regime estabelecido para a convivência da menor ao recusar a sua entrega ao pai, no país em que este residia e de onde a arguida a levou.


O incumprimento permanente, pela arguida, do regime estabelecido para a convivência da menor com o seu pai, durante cerca de um ano e meio, indiferente às consequências da sua conduta sobre o desenvolvimento da menor (ponto n.º 48), deve, deste modo, qualificar-se como incumprimento de «modo repetido».


Como tantas vezes acontece, quando os menores são levados por um progenitor da sua residência habitual para uma residência, noutro pais, o regresso imediato das crianças ao abrigo da Convenção sobre os aspetos civis do Rapto Internacional de Crianças”, pode não ser um mecanismo eficaz para assegurar o regresso dos menores à sua origem.


Refere André Lamas Leite, a este propósito, que o TEDH tem chamado a atenção para a rapidez com que devem ser implementados mecanismos legais para garantir o cumprimento do direito de qualquer dos progenitores manter contactos regulares com os filhos, como, por exemplo, o direito de visitas e do retorno do menor ilicitamente saído do País onde tem o domicílio, “…sob pena de a sua excessiva delonga transformar aqueles direitos em meras proclamações formais, levando, tantas vezes, a que uma hipótese indisputada de ilegalidade de deslocamento de um menor para outro Estado , p.. ex. – visto que o progenitor que conduz o menor não deter o exercício das responsabilidades parentais –, por via do enraizamento que entretanto a criança tem com o outro país, redunde na aplicação do art.13.º da Convenção sobre os aspetos civis do Rapto Internacional de Crianças, em conformidade com o qual, dado existir perigo considerável de o retorno do menor ao país inicial acarretar graves danos físicos e/ou psicológicos, se traduza, na prática, num certo «prémio» ao progenitor inadimplemento. Ora, a actual redação do art.249.º, n.º1, al. c), visa acorrer a essas situações em que a recusa, atraso ou criação de dificuldades sensíveis na entrega ou acolhimento do menor se faz através de fuga para o estrangeiro de um dos vinculados pelo regime de regulação das responsabilidades parentais.”.70


Foi o que de algum modo aconteceu no presente caso, em que a Autoridade Central Portuguesa, após a regulação provisória das responsabilidades parentais, solicitou à sua congénere na Venezuela o regresso imediato da menor ao seu país (ponto n.º 11 repetido dos factos provados) e, cerca de 2 anos depois, o tribunal Venezuelano “não só proíbe o regresso da menor a Portugal, ao abrigo do artigo 13º da Convenção de Haia, como também proíbe a saída da menor da Venezuela e fixa um regime de visitas, provisório, da menor ao pai, no contexto de uma decisão que pretende regular o exercício das responsabilidades parentais”, o que levou o Tribunal português a declarar, em 16-4-2018, a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide (ponto n.º 17 da factualidade provada).


Não havendo questões de particular relevo para a vida da CC, designadamente, de saúde, educação e bem-estar, que de algum modo pudessem justificar o incumprimento do regime estabelecido para a convivência da criança com o assistente, e estando dado como provado, por outro lado, que o incumprimento do regime estabelecido em 20 de abril de 2016, de regulação das responsabilidades parentais, prejudicou a vida da filha (ponto n.º38) e de modo necessariamente grave a sua relação com o assistente, concordamos com o acórdão recorrido quando considera que o argumento da arguida, de que não cumpriu aquele regime por ter ficado a aguardar uma decisão do Tribunal venezuelano, não constitui justificação que, pela sua relevância, afaste o ilícito previsto na alínea c), n.º1 do art.429.º do Código Penal.


Também o tipo subjetivo de ilícito do crime de subtração de menor, na modalidade em apreciação, não pode deixar de ser ter como verificado quando se deu como provado que a arguida recusou entregar a menor ao progenitor, mesmo sabendo que a guarda e confiança da menor tinha sido entregue ao assistente BB, por decisão judicial, do Juízo de Família e Menores de ...; que sabia que não cumpria o regime estabelecido quanto às responsabilidades parentais da menor CC, indiferente às consequências da sua conduta sobre o desenvolvimento da menor; e que agiu deliberada, livre e conscientemente, conhecendo o caráter proibido e punido por lei. (pontos n.ºs 46 a 49).


Mostrando-se preenchidos todos os elementos do tipo objetivo e subjetivo de ilícito, do crime de subtração de menor, na modalidade acolhida na alínea c), n.º1 do art.439.º do Código Penal, improcede, nesta parte, a presente questão.


17. Da medida da pena


17.1. Por fim, vem a arguida alegar, nas conclusões 131, parte final, e 148 a 153 da motivação do recurso, que a medida da pena que lhe foi aplicada é exagerada, nos termos dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, face à inexistência de necessidade de prevenção especial e à dificuldade de reincidência, considerando o contexto do crime.


17.2. Vejamos.


O crime de subtração de menor é punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.


Prevendo o crime a aplicação em alternativa de uma pena de prisão ou de multa, optou o Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no art.70.º do Código Penal, pela escolha da pena de prisão, em detrimento da pena de multa.


A recorrente não questiona a escolha da pena de prisão, nem a sua subsequente substituição por pena de multa nos termos do preceituado no art.45.º do Código Penal, mas apenas a medida concreta da pena de prisão, fixada em 6 meses, que considera exagerada.


Nos termos do art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.


Culpa e prevenção são os dois vetores através dos quais é determinada a medida da pena.


De acordo com o art.40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.


Como observa Figueiredo Dias, o facto punível não se esgota com a ação ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “…isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sociocomunitário.”71


A culpa é, pois, o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso.72


O juízo de censura, ou desaprovação, é suscetível de se revelar maior ou menor, dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta.


A proteção dos bens jurídico-penais implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).


O restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime é a finalidade primária da pena.


As necessidades da prevenção geral ou de integração, radicam no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.


É ela que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.


A reintegração do agente na sociedade é o ponto de chegada da pena. Está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.


A medida da “necessidade de socialização do agente” é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial, mas se o agente não se “revelar carente de socialização”, tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em “conferir à pena uma função de suficiente advertência”, o que permitirá que a medida da pena desça até perto do limite mínimo da “moldura de prevenção” ou mesmo que com ele coincida (“defesa do ordenamento jurídico”).73


As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.”.74


Podem ser agrupados nas alíneas a), b) c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º do C.P., os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), do mesmo preceito, os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), ainda, os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior aos factos.75


Antes de decidir se é exagerada a medida da pena aplicada à arguida, importa realçar o que se consignou no acórdão recorrido a propósito dos fatores a que alude o art.71.º do Código Penal:


Assim, na fixação da medida da pena, haverá que ponderar:


- A ausência de antecedentes criminais.


- Que a arguida está inserida profissional e familiarmente.


- Que a arguida actuou com dolo directo.


- O elevado grau de ilicitude.


- A gravidade das consequências do crime: este pai ficou privado de acompanhar o crescimento da filha.


- As elevadas necessidades de prevenção geral.


E, com esses parâmetros, este Tribunal considera adequada, atenta a moldura legal, a pena de 6 meses de prisão.”


Concordamos, genericamente, com esta fundamentação na determinação da medida da pena.


Assim, no que respeita «fatores da medida da pena relativos à execução do facto», considerando-se a “execução do facto” num sentido global e complexo, o Supremo Tribunal de Justiça entende, tal como a decisão recorrida, que a ilicitude dos factos é elevada, considerando o grau de incumprimento por parte da arguida da decisão judicial proferida pelo Juízo de Família de .... No modo de execução do crime é de realçar a forma como a arguida retirou a menor da casa de morada de família em Portugal e a levou para um país distante, dificultando assim a possibilidade de se fazer cumprir atempadamente a decisão judicial proferida pelo Juízo de Família de .... A gravidade das consequências dos seus atos não é também despicienda pois, como realça o acórdão recorrido, a arguida privou o pai da menor de acompanhar o crescimento da filha, tanto mais que o arguido não se desloca à Venezuela por, devido à violência, não se sentir aí seguro. Os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que determinaram a arguida, centram-se nesta querer impedir o pai da menor de manter um contacto efetivo e prático com a sua filha, na sequência da tomada de decisão da arguida e do assistente de se divorciarem.


O dolo com que agiu é direto e intenso.


No respeitante aos «fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior aos factos», é de realçar a ausência de antecedentes criminais da arguida.


Nos fatores relativos à personalidade do agente” anota-se a boa inserção social e profissional da arguida.


A arguida encontrava-se completamente integrada na sociedade portuguesa e a Universidade de ... tinha acabado de a convidar a ser parte de um grupo de estudos de imigrantes muito qualificados. A mudança de residência para a Venezuela foi prejudicial, tanto pessoal, como profissional e economicamente, para a vida da arguida e da filha.


Posto isto, entende o Supremo Tribunal de Justiça, que são elevadas as necessidades de prevenção geral positiva, uma vez que está em causa a subtração de menor através de fuga, para um longínquo país estrangeiro, com vista a impedir que o pai da menor mantivesse contacto efetivo e prático com a sua filha. Já as razões de prevenção especial são medianas.


Perante estes elementos objetivos, temos como elevada a culpa da arguida.


Pese embora não se tenha dado como preenchida a modalidade de subtração de menor prevista na alínea a), n.º1 do art.249.º do Código Penal, considerando as exigências de prevenção e a culpa da arguida supra descritas, o Supremo Tribunal de Justiça entende que a fixação da medida da pena em 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa - a uma taxa diária de €7,00, portanto próxima do limite mínimo de €5,00 a que alude o n.º2 do art.47.º do Código Penal -, mostra-se ainda adequada e proporcional ao fim das penas, não havendo assim razões para a reduzir.


Improcede, nestes termos, a última questão objeto de recurso.


Embora se tenha decidido que a arguida com a sua conduta não preencheu a modalidade do crime de subtração de menor prevista na alínea a), n.º 1 do art.349.º do Código Penal, para efeitos de custas, não deixa de haver decaimento total do recurso da arguida, pois desse não preenchimento não resultou modificação da pena aplicada pelo cometimento do ilícito penal.


III - Decisão


Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA e manter o acórdão recorrido, exceto na parte em que deu como verificada a modalidade prevista na alínea a), n.º1, do art.249.º do Código Penal.


Custas pela recorrente , fixando em 5 UCs a taxa de justiça (art.513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).


*


(Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.).


*


Lisboa, 9 de maio de 2024


Orlando Gonçalves (Relator)


João Rato (1.º Adjunto)


Vasques Osório ( 2.º Adjunto)


___________________________________

1. Por dificultar a compreensão desta conclusão eliminou-se a expressão “Processo: 580/16.9... Referência: .......05 Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Juízo Local Criminal ... - Juiz ... Processo Comum (Tribunal Singular)”, 5 vezes repetida, no meio e início de frases, que corresponderá à digitalização do cabeçalho da sentença.↩︎

2. Os pontos n.ºs 4.º, 16, 19, 20, 26, 39 (por lapso manifesto, que se retira, designadamente, da motivação da matéria de facto, refere-se no dispositivo do acórdão recorrido, que o “artigo 39” dos factos dados como provados passará a ter o “número 36”, quando se queria dizer o “número 39”) e 44, dos factos dados como provados, são transcritos pelo S.T.J. com a redação resultante da modificação da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação, nos termos do art.431.º, alíneas a) e b) do C.P.P..

Os pontos n.ºs 27, 33 e 43 dos factos dados como provados encontram-se vazios de redação porquanto da modificação da matéria de facto, levada a cabo pelo Tribunal da Relação, nos termos do art.431.º, alíneas a) e b) do C.P.P., resulta que essa factualidade passou para os factos não provados.

O Tribunal da Relação, depois de nos termos do art.431.º, alíneas a) e b) do C.P.P. haver modificado a matéria de facto dada como provada no ponto n.º 48 e consignar no dispositivo do acórdão que esta matéria passará a constar do ponto n.º 44 (transcrita como tal na presente matéria de facto dada como provada), e de determinar que a factualidade constante dos pontos n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 dos factos dados como não provados passa a integrar a factualidade dada como provada, passando à sua renumeração como pontos n.ºs 45, 46, 47, 48 e 49 dos factos dados como provados, não renumerou os anteriores pontos n.ºs 44 a 48 da sentença recorrida, respeitantes aos antecedentes criminais do arguido e sua situação socioeconómica.

Uma vez que na «Matéria de Direito» do acórdão recorrido se faz menção aos “pontos 45 a 47 - numeração anterior à renumeração decorrente da alteração da matéria de facto”, para fixação da taxa diária de multa, optou-se por, em seguida à citada renumeração, repetir os pontos n.ºs 44 a 47 com a numeração primitiva, que vem da sentença de 1.ª instância, a que acrescentámos um sublinhado por baixo do número.↩︎

3. Cf. BMJ n.º 458º , pág. 98.↩︎

4. Cf. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.↩︎

5. Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.↩︎

6. “Direito Processual Penal Português – Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Universidade Católica Portuguesa, vol. 3, 2018, págs. 335/336.↩︎

7. Cf. “Constituição da República Portuguesa. Anotada e Revista”, edição de 2007, Coimbra Editora, pág. 497.↩︎

8. Cf. “O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e questão da sanção num processo de estrutura acusatória”, Porto 2002, Publicações Universidade Católica, pág. 484.↩︎

9. Nos termos do art.628.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do disposto no art.4.º do Código de Processo Penal, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.↩︎

10. Cf. “Direito Processual Penal Português; Do procedimento (Marcha do processo)”, UCE, Vol. 3, 2018, pág. 41.↩︎

11. Cf. “Direito Processual Penal I Objecto do processo, liberdade de qualificação jurídica e caso julgado”, Lisboa, 2011, págs. 24 a 27.↩︎

12. Aprovada pelo Decreto do Governo n.º 33/83, de 11/05, e publicada no Diário da República , Série I, de 11/05/1983, que iniciou a sua vigência em Portugal a 1/12/1983.↩︎

13. Cf. “Julgar”, n.º 24 , Jurisprudência sobre Rapto Internacional de Crianças, pág.3.↩︎

14. O n.º4 do art.425.º do Código de Processo Penal, estabelece que é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto no art.379.º.↩︎

15. Cf. entre outros, o acórdão do STJ , de 13 de fevereiro de 1992 (CJ, ano XVII , 1º , pág. 36).↩︎

16. Cf. entre outros, o acórdão n.º 680/98, in www.tribunalconstitucional.pt↩︎

17. Cf. “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª ed. , pág. 294.↩︎

18. Cf. www.tribunalconstitucional.pt↩︎

19. Cf. entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 434/87 e 172/92, in www.tribunalconstitucional.pt↩︎

20. Cf. António Quirino Duarte Soares, “Convolações”, in C.J. acórdãos do STJ, ano II, pág. 14.↩︎

21. Cf. “Código de Processo Penal Comentado”, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, 2014, Almedina, pág.1547.↩︎

22. Cf. entre outros, os acórdãos, de 1de março de 2023, 9 de março de 2023, 11 de agosto de 2023 e de 23 de novembro de 2023, proferidos, respetivamente, nos processos n.ºs 589/15.0JABRG.G2.S1, 1368/20.8JA BRG. G1.S1, 31/21.7JGLSB.L1.S1 e 754/11-9TAALQ.L2.S1, publicitados in www.dgsi.pt.↩︎

23. «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.» - DR, I-A Série, de 28-12-1995.↩︎

24. Neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 7/04/2010 ( proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) e Leal- Henriques e Simas Santos , in “Código de Processo Penal anotado”, vol. 2.º, 2ª ed., páginas 737 a 739.↩︎

25. , 2.º Vol., pág. 740 e, no mesmo sentido, entre outros , os acórdãos do STJ de 4-10-2001 (CJ, ASTJ, ano IX, 3º , pág.182 ) e Ac. da Rel. Porto de 27-9-95 ( C.J. , ano XX , 4º, pág. 231).↩︎

26. Publicados na C.J (STJ), respetivamente, XV, II, pág.182; XII, II, pág. 209; e XII, III, pág. 198.↩︎

27. In “Código de Processo Penal Comentado”, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, 2014, Almedina, pág. 1550.↩︎

28. Cf. proc. n.º 22/18.5PFALM.L1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎

29. In www.dgsi.pt↩︎

30. Cf. Germano Marques da Silva, in “Princípios gerais do Processo Penal”, in Direito e Justiça, Volume III, Lisboa: UCE, (1978/1988), p. 164; e Jorge Miranda/Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Ed., Coimbra Editora, pág.355.;↩︎

31. “Derecho Processal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111.↩︎

32. Proferido no proc. n.º 96/16.3T9ALD.C1.S1, publicado em www.dgsi.pt↩︎

33. Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, inConstituição da República Portuguesa anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 392, e Profs. Jorge Miranda - Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I , Coimbra Editora, 2005, pág. 162.↩︎

34. Cf. “Temas Básicos da Doutrina Penal”, Coimbra Editora, 2001, págs. 57/58.↩︎

35. Cf. Figueiredo Dias, «O sistema sancionatório do Direito Penal Português no contexto dos modelos da política criminal», em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, págs. 806/807).↩︎

36. Cf. “O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, C.E.J., 1983, pág. 323.↩︎

37. Cf. Costa Andrade, “A Dignidade e a Carência de Tutela Penal”, in RPCC, ano I, 2.º, pág.186, Faria da Costa, in “Noções Fundamentais de Direito Penal”, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 183 e André Lamas Leite, “O crime de subtração de menor – uma leitura do reformado art.249.º do Código Penal”, Julgar n.º7, pág.100.↩︎

38. Cf. “Manual de Direito Constitucional”, Tomo VI, Coimbra Editora, 2001, págs. 43 e 44).↩︎

39. In www.tribunalconstitucional.pt . Ainda, neste mesmo sentido, Costa Andrade “O novo Código Penal e a moderna criminologia, Jornadas de Direito Criminal”, Centro de Estudos Judiciários, fase I, Lisboa, 1983, nota 34, pág. 228).↩︎

40. Cf. “Código Penal, Actas e Projecto da Comissão De Revisão”, Ministério da Justiça, 1993, pág. 291.↩︎

41. Cf. “Código Penal Português anotado”, 8.ª ed., 1995, Almedina, pág.809.↩︎

42. Cf. a propósito deste processo legislativo, André Lamas Leite, “O crime de subtração de menor – uma leitura do reformado art.249.º do Código Penal”, in “Julgar”, n.º 7, pág.112 e seguintes.↩︎

43. EUROPA. Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: Processo n.º 73229/01, presidente J. P. Costa. Disponível em http://www.gddc.pt/direitos-humanos /portugaldh /acordaos /traducoes/Trad_Q73229_01.pdf.↩︎

44. Cf. “O crime de subtração de menor”, in “Data Venia”, Revista Jurídica Digital, ano 2, n.º3, fevereiro 2015, pág. 417.↩︎

45. Obra citada, págs. 222/223.↩︎

46. Cf. “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, Tomo II, edição de 1999, pág. 614.↩︎

47. Cf. obra citada, pág. 116.↩︎

48. Cf. “Comentário do Código Penal”, 4.ª Edição, UCE, pág. 984.↩︎

49. Obra cit. pág. 421.↩︎

50. Obra citada, pág. 233.↩︎

51. Cf. “Do crime de subtração de menores, Evolução Legal e reflexões Críticas”, in Tese UCP.↩︎

52. “A tutela penal da família e do interesse da criança – Reflexão acerca do crime de subtração de menor e sua distinção face aos crimes de sequestro e rapto de menores”, in “Direito Penal, Fundamentos dogmáticos e politico-criminais”, Homenagem ao Prof. Peter Hunerfeld, Coimbra Editora, 2013, pág.920.↩︎

53. Cf. “Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio”, 5.ª ed., Almedina, 2011, pág. 136.↩︎

54. Júlio Barbosa e Silva, “Do caso Reigado Ramos contra Portugal ao Código Penal: nada se perde algo se transforma – o crime de subtração de menor, previsto e punido pelo art.249.º, n.º1, al.c), e n.º2, do CP)”, in “Revista do CEJ”, n.º 14, pág. 257.↩︎

55. Proc. n.º 866/15.0PELSB.L1-5 e proc. n.º941/14.8TAFUN.L1-3, respetivamente, publicitados in www.dgsi.pt↩︎

56. In www.dgsi.pt↩︎

57. Neste sentido, Maria Clara Sottomayor- Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 5ªEd, Almedina, 2011.↩︎

58. Cf. obra citada, pág. 615.↩︎

59. Cf. obra citada, pág.617. O sublinhado é nosso.↩︎

60. Cf. obra citada, págs. 234/235.↩︎

61. Cf. “Comentário do Código Penal”, 4.ª Edição, UCE, pág. 984.↩︎

62. Cf. “O novo crime de subtração de menor previsto no art.249.º, n.º1-c) do Código Penal Portugues (Após a Lei n.º 61/2008, de 31-10): A Criminalização dos Afectos?” Coimbra EDitora, pág. 89.↩︎

63. Proc. n.º 35709.8TACTB.C1, in www.dgsi.pt↩︎

64. Obra cit., pág. 118.↩︎

65. Obra cit., pág. 968.↩︎

66. Obra cit., pág. 448.↩︎

67. Obra cit., pág. 237.↩︎

68. Cf. proc. n.º 687/10.6TAABF.S1, in www.dgsi.pt↩︎

69. Neste sentido, vide André Teixeira dos Santos, in Revista Julgar nº 12, 2010, p. 237.↩︎

70. Obra cit. pág. 125.↩︎

71. Cf. Prof. Fig. Dias, in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.↩︎

72. Cf. Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Coimbra, Reimpressão, 1993 Vol. I, pág. 316.↩︎

73. Cf. Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., pág. 82.↩︎

74. Cf. Figueiredo Dias, inAs consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, pág. 245 e seguintes.↩︎

75. Cf. Maria João Antunes, inConsequências Jurídicas do Crime”, Coimbra, Lições 2010-2011, págs. 32 e 33.↩︎