Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
760/21.5T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
COLISÃO DE VEÍCULOS
CICLOMOTOR
MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
Em caso de dúvida, deve considerar-se igual a contribuição da culpa de cada um dos condutores para o acidente.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrente: Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal

Recorrido: AA

I. — RELATÓRIO

1. AA propôs a presente acção, com processo comum, contra Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 115.390,31 euros, “através de cheque cruzado emitido a favor do demandante, sem a inscrição não à ordem ou não endossável, a enviar para o escritório dos mandatários do demandante, contra recibo”.

2. A Ré Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal contra-alegou, pugnando pela improcedência da acção.

3. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção totalmente improcedente.

4. Inconformado, o Autor AA interpôs recurso de apelação.

5. A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

6. O Tribunal da Relação julgou o recurso parcialmente procedente.

7. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, os Juízes da 2.ª Secção Cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar parcialmente procedente a apelação do autor e, em consequência, revogar a sentença recorrida, condenando-se, consequentemente, a Ré a pagar ao A. o montante de 23.826,31 (vinte e três mil oitocentos e vinte e seis euros e trinta e um cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, o montante de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros de mora a contar da data da sentença até integral pagamento, no restante se mantendo o decidido.

Custas pelo A. e pela Ré, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiará o A.

8. Inconformada, a Ré Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal interpôs recurso de revista.

9. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª - O presente recurso assenta no seguinte : a Relação não fundamentou a alteração da matéria de facto de forma cabal, e por outro lado, nunca por nunca se pode entender que o condutor do “MJ” foi o único culpado pela eclosão do sinistro.

2ª – A Relação refere de forma singela que a factualidade deve ser alterada…. sem apresentar fundamentos objetivos, irrefutáveis ou de elementar espírito crítico.

3ª - Vidé que relativamente à velocidade com que o A. circulava (ponto 74 dado como provado no acórdão), a Relação explica esta alteração pelo facto de o Autor – e mais ninguém – ter referido que circulava a 40 Km/h !!!!!

4ª - Salvo o devido respeito, a Relação não pode dar um facto como provado, tendo por base, única e exclusivamente, o que o A. referiu… em declarações de parte.

5ª – Esta modificação mostra-se incompreensível !!!!

6ª - No que respeita à modificação dos pontos 64 e 66 dos factos provados, e à passagem do ponto 62 para não provado, importa atentar que os factos provados n.ºs 58 a 61 permaneceram inalterados, ou seja, o condutor do “MJ” parou no entroncamento e olhou para os dois lados antes de iniciar a travessia da via.

7ª – Deste modo, não se pode afirmar que este condutor não viu o ciclomotor, pois o mesmo ainda não se encontrava no local. O condutor do MJ parou e olhou para os dois lados – que mais deveria fazer ?????

8ª - Mesmo que se entenda que o A. não circulava em excesso de velocidade certo é que se o condutor do “MJ” não viu o A., então o A. também não viu o “MJ”. E só o MJ beneficiava da dita prioridade, tendo o A. a obrigação de ceder passagem ao MJ….

9ª - Quanto aos pontos 75, 76 e 77 que a Relação deu como provados, a justificação não faz qualquer sentido, desde logo no que toca à (in) existência do sinal de STOP no local do sinistro.

10ª - Como bem se refere na douta sentença de fls. , o referido sinal de STOP foi derrubado por via de um acidente que ocorreu no local em 2010.

EM 2010, SENHORES JUÍZES CONSELHEIROS !!!!!!

11ª - O sinistro versado nos presentes autos ocorreu em 2019, isto é, mais de NOVE ANOS depois de o sinal de STOP ter sido derrubado.

12ª - A Relação não pode dar como provado o facto n.º 75, o qual termina com “sempre existiu um sinal de stop”, quando o referido sinal não se encontrava no local há quase dez anos!!!!!!!!!! Tanto mais que logo a seguir se encontra provado que o STOP não se encontra no local à data do sinistro !!!!!!!

13ª - A alteração deste facto ocorreu por equívoco, pois um Tribunal superior não pode dar como provado que o sinal de STOP sempre existiu no local, quando de imediato dá também como provado que não existia lá o sinal no dia do acidente.

14ª - Toda a prova produzida, documental e testemunhal não “autoriza” esta alteração dos factos provados e não provados, quer em termos de verdade material, quer em termos processuais. Mas, acima de tudo, peca por falta de fundamentação, devendo este Supremo Tribunal de Justiça sindicar esta falha - Ac. do STJ de 06-07-2011 (Proc. N.º 450/04.3TCLRS.L1.S1.

15ª – Acresce que a prova produzida, decisivamente, não impõe uma decisão diversa sobre a matéria de facto. E tinha de impôr, nos termos legais - art. 662º, n.º 1 do CPC,

16ª - Deste modo, a alteração da matéria de facto operada pela Relação violou os termos legais e deve ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça - cfr. Ac. do STJ de 06-07-2011 (Proc. n.º 645/05.2TBVCD.P1.S1). 7 e o Ac. do S.T.J. de 02-03-2011 (Proc. N.º 1675/06.2TBPRD.P1.S1), declarando-se a mesma nula e de nenhum efeito.

17ª - E assim, deverá entender-se que a culpa na produção do sinistro foi toda do Autor, o que conduz à improcedência da ação.

SEM PRESCINDIR

18ª - A Relação entendeu que a culpa pela produção do sinistro coube POR INTEIRO ao segurado da Ré, entendimento que não se pode manter, salvo o devido respeito.

19ª – Este entendimento assenta em falsos pressupostos, em ostensivos equívocos, e não atende devidamente ao conjunto dos factos provados.

20ª - Vem referido que o ciclomotor circula na “Estrada nacional” e na “via principal” quando tal não consta dos factos provados. Nada disso foi provado.

21ª – Também não ficou provado que o ciclomotor provinha de uma “via mais estreita”, pois em lado algum dos factos provados consta a largura exata das vias.

22ª - A Relação alude ao “aparecimento súbito” do MJ, quando se provou que o MJ imobilizou a sua marcha, iniciou a marcha uns dois metros antes do ponto do embate, e ainda se provou que “O A. iniciou a travessia do entroncamento sem abrandar, sem previamente se certificar se o podia fazer sem perigo de acidente, sem atender ao trânsito que se fazia e sem ceder a passagem ao “MJ “

23º - A Relação não atendeu a estes factos provados, e desatendeu o facto principal: o sinistro ocorre num entroncamento sem sinalização em que um dos veículos provém da direita !

24º - O julgamento da Relação assenta numa ficção, num mar de equívocos.

25ª - O sinal de STOP é um não assunto, pois o próprio autor declarou em tribunal que não sabia se existia STOP ou não no entroncamento.

26ª – O Autor, ao iniciar a travessia do entroncamento sem abrandar (ponto 67) violou o disposto no artº 25º nº 1 alínea f) do Código da Estrada “o condutor deve moderar especialmente a velocidade nos “entrocamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibibilidade reduzida”, o que desde logo ilustra culpa no seu comportamento, e causal do sinistro, pois seguindo a 40 Km/h, se tivesse abrandado não teria sido colhido pelo MJ, que iniciara a marcha dois metros antes,

27ª - O autor, ao iniciar a travessia do entroncamento “ sem previamente se certificar se o podia fazer sem perigo de acidente” (ponto 68) também violou o disposto no artº 24.º n.º 1 do Código da Estrada, o qual dispõe que “ O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo (..) à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”.

28ª - O autor ao circular junto a um entroncamento “Sem atender ao trânsito que se fazia” (ponto 69) também violou o disposto no artº 3º nº 2 do Código da Estrada ( As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias), pois provou-se que o MJ parou à entrada do entroncamento, e que olhou para os dois lados da via, de modo que o Autor também aqui agiu culposamente, pois tinha a obrigação de ver um veículo ligeiro que parou no entroncamento.

29ª - O autor devia e podia ter atendido ao “trânsito que se fazia”, pois esse trânsito que se fazia era bem visível. Também neste ponto agiu culposamente, e com influência direta no resultado.

30ª - Acresce que o autor penetrou no entroncamento sem abrandar, sem atender ao trânsito, sem tomar precauções e “sem ceder a passagem ao “MJ” (ponto 70), violando assim o disposto no artºs 29.º n.º 1 O condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste” e 30º nº 1 “Nos cruzamentos e entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que sel he apresentem pela direita.” do Cód. da Estrada.

31ª - O A. tinha o dever de ceder a passagem ao MJ. Este tinha prioridade de passagem naquele local. A Relação fez tábua rasa desta regra.

32ª - O direito de prioridade não é absoluto, mas é um direito. A relação inverteu por completo o conceito de prioridade de passagem !

33ª - O condutor do MJ parou no entroncamento e olhou para ambos os lados, ou seja, apesar de gozar de prioridade de passagem, tomou as devidas precauções. Já o autor, que tinha a obrigação de ceder passagem ao MJ, NÃO TOMOU PRECAUÇÃO ABSOLUTAMENTE NENHUMA. !

34ª - O condutor do MJ, apesar de gozar da dita prioridade, tomou precauções. Já o Autor, apesar de ter a obrigação de ceder passagem, não tomou nenhuma precaução.

35ª - O entendimento da Relação não tem lógica, porque o condutor do “MJ” chegou à intersecção, PAROU e OLHOU para os dois lados (factos provados n.º 58 a 61).

36ª - A conclusão, da Relação, que de o motociclo chegou antes do MJ ao local do sinistro apenas ilustra, mais uma vez, a culpa do Autor, pois este seguia a 40 Km/h no entroncamento, enquanto que o MJ tinha percorrido um ou dois metros (tinha acabado de arrancar), e seguia a 5 Km/h ou menos.

37ª - O A. chega primeiro ao local porque seguia a uma velocidade inadequada e não abrandou a sua velocidade à entrada do entroncamento.

38ª - O condutor do ligeiro tomou as devidas precauções antes de iniciar a travessia da via, ao contrário do A. que não tomou nenhuma. Este ponto é crucial.

39ª - Quanto ao Autor, não existe um único facto provado que ateste uma precaução tomada pelo mesmo ao chegar ao entroncamento de vias.

40ª - Se o condutor do “MJ” tomou todas as precauções, mais não podia fazer, e ainda gozava da prioridade de passagem !!!!!

41ª - A culpa imputada ao condutor do “MJ” é injustificada pois o critério de culpa consagrado na nossa Lei (artº 487º nº 2 do CC) é o do bónus pater familiae.

42ª - Face ao referido critério, o condutor do “MJ” não teve culpa Face às normas legais e estradais, o condutor do “MJ” também não teve culpa alguma.

43ª - O entendimento da Relação é um absurdo - um non-sense puro.

44ª - O condutor do “MJ” seguia numa via onde não existia, à data do sinistro e nos 10 anos anteriores, qualquer sinalização vertical, e apresentava-se à direita do A.

45ª - Por um lado, o condutor do “MJ” tomou todas as precauções necessárias, por outro lado, o A. não tomou qualquer precaução ao aproximar-se do entroncamento - nem sequer abrandou - e seguia numa via sem prioridade.

46ª - O condutor do “MJ” agiu como o bónus pater familiae : quando chegou a um local abrandou, parou, olhou para os dois lados, não viu o ciclomotor do A., e, tendo prioridade, iniciou a travessia da via.

47ª - Provando-se, como se provou, que o “MJ” tinha prioridade sobre o ciclomotor, tomou as devidas precauções, ao contrário do A. que não tomou qualquer precaução, a culpa do A. é exclusiva na produção do sinistro.

48ª - NÃO HÁ FUNDAMENTO PARA UMA REPARTIÇÃO DE CULPAS !

49ª - O condutor do “MJ” nada pôde fazer para evitar o sinistro, e não contribuiu, de modo algum, para a sua ocorrência, pelo contrário, o Autor podia ter reduzido a velocidade – não reduziu, podia ter parado no entroncamento, não parou, mas acima de tudo devia ter cedido a passagem ao veículo prioritário que se apresentava à sua direita, e que até tinha parado! Mas … não fez NADA!!!

50ª – É de concluir, atentos os factos provados, que o A. seguia desatento, e alheio aos outros veículos que circulavam na via. NÃO TOMOU PRECAUÇÃO NENHUMA !!

51ª - A culpa da produção do sinistro deveu-se, única e exclusivamente, ao facto de o Autor :

1) não respeitar a prioridade dos veículos que provinham da sua direita, isto é, da Rua de ... e

2) não ter tomado qualquer precaução à chegada do entroncamento com a referida rua, nomeadamente abrandar a sua marcha,

52ª – Em suma, a culpa na produção do sinistro ficou a dever-se, única e exclusivamente, ao Autor, por não ter cedido a passagem ao veículo que se apresentava à sua direita num entroncamento SEM SINALIZAÇÃO.

53ª - A douta decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 483º, 487º nº 2, 570º do Código Civil, 607º nºs 3 e 4, 608º nº 2, 609º nº 2 do Código de Processo Civil, bem como os preceitos do Código da Estrada acima referidos, que deveriam ter sido aplicados e interpretados de acordo com o explanado nas supra alegações de recurso.

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vossas Exª.s doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogada a douta decisão recorrida, devendo, em sua substituição, ser lavrado douto Acórdão que julgue procedentes as conclusões do presente recurso, com as legais consequências, como é da mais inteira e salutar JUSTIÇA !

10. O Autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

11. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1ª O douto acórdão aqui em crise não merece o mais ténue reparo, nem tampouco padece dos “defeitos” que lhe são apontados pela recorrente, devendo manter-se absolutamente inalterado.

2ª Sabe bem a recorrente que nenhuma razão lhe assiste, mas, como vai sendo um triste hábito, insiste num recurso que sabe estar irremediavelmente condenado a naufragar.

3ª O presente recurso assenta, nas palavras da própria recorrente, numa ficção e num mar de equívocos.

4ª Com efeito, a prova produzia em sede própria (audiência de discussão e julgamento) tinha já imposto à Srª Juíza de 1ª Instância decisão bem diversa da que foi proferida.

Prova plena disso foi o douto acórdão que foi produzido por este Venerando Tribunal e agora impugnado no presente recurso.

5ª Divide a recorrente o seu recurso em dois aspectos:

- por um lado, a nulidade da decisão aqui em crise por falta de fundamentação da mesma (!) e - atribuição da culpa exclusiva pela eclosão do sinistro dos autos ao aqui recorrido.

6ª Começando pela primeira das questões - nulidade da decisão - sempre se dirá que a alteração da matéria de facto promovida pelo Tribunal a quo cabe nos poderes de que o TRG dispõe ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 662 do Có. Proc. Civil.

7ª E no cumprimento desse poder-dever o Tribunal a quo afirmou que, estando em causa a dinâmica do acidente, iria e muito bem proceder à audição dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento.

8ª E não tem o recorrido a mais ténue dúvida de que se assim o anunciou assim o fez, pois que a fundamentação que aduziu à sua decisão é própria de quem teve o trabalho de escutar esses mesmos depoimentos.

9º Por isso, e não tendo feito tábua rasa desses mesmos depoimentos - fossem as declarações de parte do aqui recorrido, fosse o depoimento do condutor do veículo seguro na recorrente - entendeu, e muito bem, alterar a matéria de facto nos moldes em que o fez.

10ª Desde logo entendeu dar por provado o seguinte:

-quanto ao ponto 64

-Não se apercebendo da proximidade do motociclo, o condutor do MJ iniciou a marcha.

-quanto ao ponto 66

-Por onde circulava na Av.ª de ..., no sentido V...-P..., o motociclo conduzido pelo A.

E, ainda, os factos que constam dos pontos I, V, VI e VII, dados como não provados, com a seguinte redacção quanto a este último ponto:

74.O ciclomotor do Autor circulava com velocidade não excedente 40 Kms por hora.

75.O condutor do veículo ..-..-MJ tinha perfeito conhecimento de que na concordância da rua por onde circulava diariamente com a Avenida, onde pretendia entrar, sempre existiu um sinal de stop.

76. O qual ali não se encontrava à data do acidente, em virtude de ter sido derrubado em consequência de um acidente de viação que ali ocorreu tempos antes.

77. O condutor do MJ, não se apercebeu da presença do ciclomotor do demandante.

Aditando-se, por sua vez, o seguinte facto não provado:

XXVIII- Ter o condutor do MJ confirmado que não circulava qualquer veículo na Av.ª de ....

11ª Assim o fez não por que estavam os Senhores Desembargadores, com o devido e merecido respeito, nesse dia para aí virados, mas porque a prova produzida nos autos assim o determinava.

E se bem o disse, melhor o fundamentou, ao contrário do que temerariamente afirma a recorrente.

12ª Ainda que possa a presente conclusão tornar-se extensa, do que nos penitenciamos antecipadamente, não podemos deixar de aqui trazer a fundamentação de direito/reapreciação da prova produzida no douto acórdão aqui em crise:

Fundamentação de direito

Reapreciação da matéria de facto

No seu recurso o A. defende verificar-se um erro de apreciação da prova e consequentemente erro de julgamento, por alegadamente ter o tribunal a quo incorrido num erro ostensivo na apreciação da prova e em desconformidade com os elementos probatórios produzidos, ao ter dado como provada a matéria de facto constante dos pontos 62, 64 e 66, dos factos provados e dos factos não provados que constam dos Pontos I a III, e V a VII.

Face aos argumentos que aduz, entende que se deve proceder:

a) – à eliminação da expressão ‘e confirmou que não circulava qualquer veículo’ constante do nº 62 da matéria de facto provada;

b) – à eliminação da expressão ‘após verificar que nenhuma outra viatura circulava na Avª de ...’, constante do nº 64 da matéria de facto provada;

c) – à eliminação do facto dado como provado sob o nº 66, que deverá passar a constar dos factos não provados ou quanto muito ser-lhe dada nova redacção no sentido de que imediatamente após ter penetrado com a sua frente na metade direita da avenida de ..., atento o sentido V...-P..., deu-se o embate entre a frente do veículo MJ (sobre a matrícula) e a parte lateral direita e perna direita do ciclomotor conduzido pelo A que por ali circulava e

d) – ao aditamento à matéria de facto dada como provada, dos factos constantes dos nº I, II, III e V a VII da matéria de facto não provada,

Analisada a motivação do tribunal a quo, bem como a análise da prova apontada pelo recorrente, constata-se não existir discordância quanto aos depoimentos prestados pelos intervenientes no acidente, a sua valoração é que é diferente.

Aliás, é com base no declarado pelos respectivos condutores que, quer o tribunal a quo, quer o recorrente se fundam para concluírem em sentidos opostos.

Como tal, importa proceder à audição dos referidos depoimentos e proceder à sua (re)apreciação.

Ora, o condutor do motociclo, AA, sinteticamente e com relevância para a decisão a proferir, atestou circular na estrada nacional a 30Km/hora e que, ao chegar ao entrocamento, foi embatido pelo veículo que saía de uma via à sua direita, ocorrendo o choque entre a parte da frente/matrícula do carro na sua perna direita.

Referiu que ainda se tentou desviar, mas que, mesmo assim, não conseguiu evitar o embate e que o acidente ocorreu na sua faixa de circulação.

Por sua vez, o condutor da viatura automóvel, BB, afirmou ter parado, como o faz sempre, dado tratar-se de um ‘caminho estreitinho’ onde existia um sinal de stop e uma vez que este caiu na sequência de um acidente (despiste), sendo aí recolocado depois, em 2022.

Por outro lado, atestou que ia entrar na estrada nacional e que os que circulam nessa estrada nunca param, daí ter parado, olhado e depois avançado, indo embater no velocípede conduzido pelo A. que se apresentou à sua frente, acabando por lhe bater, junto da metade da estrada, com a matrícula da sua viatura. Esclareceu que o A. conduzia sempre devagar, mas que não o viu antes, dado que estava sol e que ele estaria a coberto da sombra da videira da casa que aí se situa.

Daqui decorre que necessário se torna proceder a alterações da matéria de facto, por forma a fazer coincidir os factos com o que resulta da prova produzida.

Concretamente, quanto à factualidade constante dos pontos 62 e 64, dos factos provados, não é possível afirmar-se que não circulava na via qualquer veículo e ter o segurado da Ré verificado que nenhuma outra viatura circulava nessa Av.ª de ..., quando aí circulava o ciclomotor do A.

Diferente é já o condutor do MJ não ter visto o ciclomotor conduzido pelo A.

Também não é possível afirmar-se que o condutor do MJ circulava com a falta de cuidado que os pontos II e III, dos factos não provados referem de forma conclusiva, mas já resulta demonstrado da prova apontada, concretamente perante o afirmado pelo condutor do MJ, corresponder fielmente ao declarado por aquele a factualidade que consta dos pontos V, VI e VII.

Consequentemente, altera-se a matéria de facto impugnada, por forma a passar a constar dos factos provados o seguinte:

-quanto ao ponto 64

-Não se apercebendo da proximidade do motociclo, o condutor do MJ iniciou a marcha.

-quanto ao ponto 66

-Por onde circulava na Av.ª de ..., no sentido V...-P..., o motociclo conduzido pelo A.

E, ainda, os factos que constam dos pontos I, V, VI e VII, dados como não provados, com a seguinte redacção quanto a este último ponto:

74.O ciclomotor do Autor circulava com velocidade não excedente 40 Kms por hora.

75.O condutor do veículo ..-..-MJ tinha perfeito conhecimento de que na concordância da rua por onde circulava diariamente com a Avenida, onde pretendia entrar, sempre existiu um sinal de stop.

76. O qual ali não se encontrava à data do acidente, em virtude de ter sido derrubado em consequência de um acidente de viação que ali ocorreu tempos antes.

77. O condutor do MJ, não se apercebeu da presença do ciclomotor do demandante.

Aditando-se, por sua vez, o seguinte facto não provado:

XXVIII- Ter o condutor do MJ confirmado que não circulava qualquer veículo na Av.ª de .... (o sublinhado e destacado, com a devida vénia, é nosso).

13ª Que mais pretendia a recorrente que o Tribunal a quo motivasse? Que outro modo poderia ter o Tribunal a quo utilizado para motivar aquela sua douta decisão?

Bem se percebe da mesma - com excepção da recorrente, que insiste em assobiar para o lado - que o que motivou essa alteração foi, sobretudo e para contra gosto da recorrente, o depoimento do condutor do veículo nela seguro.

14ª Não deixa de ser curioso e sintomático que a recorrente não tenha dirigido uma única letra ao depoimento do condutor do veículo nela seguro que esteve na base da alteração da matéria de facto!!!

15ª Por isso, e por mais que repetidas vezes a recorrente afirme que o condutor do veículo nela seguro gozava do direito de prioridade - para a qual percebemos ser um direito absoluto - não fez a mesma a mais ténue prova da existência desse direito de prioridade.

16ª Pelo contrário: - não gostando da decisão proferida pelo Tribunal a quo tratou de afirmar, de modo estulto e temerário, que este Tribunal fez o favor de acolher a tese do aqui recorrido e que se era para isso mais valia ler a petição inicial e dar tudo por provado…!

17ª É, com o devido respeito, o comportamento de quem sabe não ter qualquer razão e que atira a pardais na esperança de acertar em caça grossa…

18ª Não padece, por isso, de qualquer nulidade o douto acórdão, nem sequer aquela que a recorrente indevidamente lhe aponta de falta de fundamentação da decisão quanto à alteração da matéria de facto, motivo por que deve o presente recurso improceder.

19ª Quanto à questão da culpa na eclosão do acidente dos autos, atenta a alteração da matéria de facto e aos moldes em que a mesma ocorreu, impunha-se que a culpa fosse atribuída na totalidade ao condutor do veículo seguro na recorrente.

20ª E por mais que, também a este propósito, a recorrente repita até à exaustão que o condutor do veículo nela seguro gozava do direito de prioridade por se apresentar pela direita, mais uma vez se chamam à colação dois aspectos importantíssimos que parecem ter escapado à recorrente:

21ª por um lado, que foi o próprio condutor do veículo seguro que admitiu de modo livre e esclarecido que não gozava desse direito por ser sabedor da existência, desde sempre, de um sinal de STOP na concordância da rua por onde circulava com a estrada nacional;

22ª por outro lado, que foi o condutor do veículo seguro na própria recorrente que embateu no ciclomotor do recorrido quando este passava à sua frente, ou seja, depois de ter este já transposto o ponto de intercepção das duas vias.

23ª A recorrente fez repetido alarde dos factos tidos por provados nos pontos 63, 67, 68, 69 e 70 e que com base neles jamais poderia ter sido atribuída culpa ao condutor do veículo nela seguro.

24ª Porém, e como a mesma bem perceberá, atentas as declarações do seu próprio segurado, para a atribuição da culpa esses factos são absolutamente inócuos, pois que apenas representam aquilo que o recorrido declaradamente não fez nem, em boa verdade, estava obrigado a fazer.

25ª Não é pelo facto de essa matéria de facto ter sido dada por provada que dali se extrai qualquer consequência ou grau de culpa que possa ser atribuída ao recorrido.

26ª Não parou, não abrandou, não cedeu passagem ao veículo seguro na recorrente simplesmente porque a isso não estava obrigado.

27ª A não se entender assim - o que não concede ou sequer concebe - teremos, com a devida vénia de fazer nossas as doutas palavras vertidas no acórdão aqui em crise, quando ali se escreveu, a propósito da Fundamentação de Direito, o seguinte:

(…) Pelo que não só todos os condutores, surjam ou não pela direita, devem tomar na condução as devidas cautelas para não causar acidentes - sendo que em muitas situações até se impõe que sejam apostos sinais nas vias emergentes pela direita, por se tratar de situações em que de forma especial se justifica a quebra daquela regra da prioridade, de forma a que o trânsito possa (e deva) fluir de forma normal e segura nas vias consideradas substancialmente “mais importantes”, impondo-se, sem dúvida, uma sinalização à aproximação de qualquer via principal, pois caso assim não fosse, então teríamos uma fluidez de trânsito de todo inaceitável, dada a constante necessidade de abrandamento ou paragem do condutor da dita via principal, sempre que à sua direita surgisse um caminho ou atalho – neste sentido veja-se o Ac. TRP de 25/10/2007 in www.dgsi.pt no processo 0735257. (o sublinhado e destacado é nosso).

28ª Assim, à questão que a recorrente deixou nas suas alegações, quando refere (…) Haverá algo mais a dizer, Senhores Juízes Conselheiros????? É ou não claro como água que o A. agiu com culpa, e que o condutor do MJ não teve culpa nenhuma?????) sempre se dará a seguinte resposta: - claro como água foi o depoimento do condutor do veículo seguro na própria recorrente, que esta certamente gostaria de tornar turvo ou opaco…

29ª Finalmente e quanto à existência ou não do sinal de STOP no dia em que ocorreu o acidente dos autos, foi o próprio recorrido que na sua petição inicial afirmou, sem margem para qualquer dúvida, que o mesmo ali não se encontrava.

30ª Por isso, jamais poderá o recorrido, no que é secundado pelo seu mandatário, admitir à recorrente que venha afirmar, de modo temerário e estulto, que O Autor não foi diligente, e apenas pretendeu discutir judicialmente o presente sinistro porque, posteriormente, foi implantado no local um sinal de STOP (em 2022, três anos depois do sinistro).

Não são esses os princípios por que se rege quer o recorrido, quer o seu mandatário.

31ª E se a recorrente não andasse distraída ou tivesse, diremos nós, outros factos a que se pudesse “agarrar”, jamais teria produzido tão estulta afirmação quando decorre da própria petição inicial que não existia, à data do acidente, qualquer sinal de STOP implantado na ruela de onde provinha o veículo seguro na recorrente!!!

32ª Finalmente um apontamento para registar que a recorrente nem tampouco gastou uma letra ou palavra que fosse com os valores que foram arbitrados ao recorrido no douto acórdão recorrido, uma vez que, como decorre dos autos, a decisão de 1ª Instância tinha julgado a presente lide totalmente improcedente…!

Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não se verificar nenhuma das situações que suportam o presente recurso, devendo a acórdão recorrido manter-se absolutamente inalterado, assim se fazendo sã e acostumada JUSTIÇA.

12. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código do Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

— se o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto;

— se o acórdão recorrido incorreu em erro na apreciação da prova:

a. — ao dar como provado que o ciclomotor do Autor circulava com velocidade não excedente 40 Kms por hora;

b. — ao dar como provado que o condutor do veículo ..-..-MJ tinha perfeito conhecimento de que na concordância da rua por onde circulava diariamente com a Avenida, onde pretendia entrar, sempre existiu um sinal de stop;

 — se o acórdão recorrido incorreu em erro na aplicação da lei de processo, ao alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto sem que a prova produzida impusesse decisão diversa;

— se o acidente é exclusivamente imputável ao lesado.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

13. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:

1.- Cerca das 14h45m, do dia ... .01.2019, ocorreu um acidente de viação na Avenida de ..., em V...-P..., em que intervieram os veículos: ..- EE-.., ciclomotor, conduzido pelo Autor, seu proprietário e ..-..-MJ, ligeiro, conduzido pelo proprietário, BB.

2 - O ciclomotor do Autor circulava pela referida Avenida de ..., no sentido V...-P....

3 - Pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido.

4 - O veículo ..-..-MJ circulava pela rua de ..., em direção à Avenida de ..., onde pretendia entrar.

5 - E por ela passar a circular no sentido P...-V....

6 - O condutor do veículo ..-..-MJ mora na rua de ....

7 - Na concordância da rua de ... com a Avenida de ..., no dia do acidente, não existia qualquer sinal STOP.

8 - Quando o condutor do MJ entrou na hemi-faixa direita da Avenida de ..., o Autor surgiu à sua frente e embateram.

9 - O embate deu-se entre a frente do veículo automóvel, zona da matrícula e a parte lateral direita do ciclomotor e membro inferior direito do A.

10 - O embate ocorreu na metade direita da faixa de rodagem da Avenida de ..., atento o sentido V...-P....

11 - A cerca de 40 cm do eixo da via.

12 - O A. ainda tentou passar pela frente do veículo ..-..-MJ a fim de evitar a colisão.

13. Em consequência dessa colisão o ciclomotor do Autor ficou descontrolado.

14 - E despistou-se para a sua esquerda.

15 - Acabando por invadir a berma do seu lado esquerdo.

16 - Onde se imobilizou.

17 - Em consequência da colisão o demandante sofreu:

– fractura fechada das diáfises da tíbia e do peróneo e maléolo tibial com extensão ao pilão e

– feridas no membro inferior direito.

18 - Do local do acidente foi transportado para o Hospital de ...

19 - Onde foi submetido a exames imagiológicos que revelaram a existência das fraturas supra-referidas.

20 - Após o que ficou ali internado no Serviço de Ortopedia.

21 - No dia 07.01.2019 foi ali submetido a uma intervenção cirúrgica para redução aberta da fratura do pilão tibial e da fratura diafisária da tíbia, com osteossíntese com placas Axsus Stryker anteromedial da tíbia e osteossíntese do peróneo com placa 1/3 cana.

22 - Permaneceu ali internado até ao dia 10.01.2019.

23 - Altura em que teve alta hospitalar, com indicação para efetuar penso em dias alternados no Centro de Saúde da sua área de residência e manter repouso, recolhendo a sua casa.

24 - No dia 21.01.2019 foi de novo internado naquela Unidade Hospitalar por deiscência das feridas operatórias mediais do membro inferior direito.

25 - Tendo, no dia 25.01.2019, sido submetido a nova intervenção cirúrgica para extração da placa tibial, limpeza cirúrgica e conversão para osteotaxia da tíbia com colocação de parafuso sindesmótico.

26 - Após o que foi encaminhado para a U.C.I.P. por problemas respiratórios.

27 - No mesmo tempo cirúrgico, foi colhida zaragatoa da ferida – isolado Staph aureus R a penincilina e ampiclina.

28 - No dia 21.01.2019, iniciou vancomicina que, a 27.01.2019, foi substituída por flucioxaclina.

29 - Foi submetido a três intervenções cirúrgicas para limpeza e encerramento de feridas nos dias 25.01.2019, 03.02.2019 e 25.02.2019.

30 - Sendo que, nesta última, foi colocado enxerto ósseo da anca na tíbia direita.

31 - No dia 19.03.2019, foi submetido a mais uma intervenção cirúrgica, desta feita para extração do fixador externo colocado a 25.01.2019 e encavilhamento anterógrado da tíbia T2 aparafusado.

32 - No final do mês de março de 2019, teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, com indicação de manter repouso.

33 - Decorridas duas semanas, o A. iniciou tratamento de fisioterapia no Hospital de ..., 3 vezes por semana.

34- Sendo que, após a realização de 20 sessões, teve de interromper esse tratamento em consequência de nova abertura da ferida anterior da tíbia e subida a parâmetros inflamatórios.

35 -Voltou, no dia 05.06.2019, novamente a ser internado no Hospital de ..., para ser submetido a nova intervenção cirúrgica para extração da placa e parafusos do peróneo e cavilha da tíbia, e osteotomia do peróneo e osteotaxia com sistema Hoffmann.

36 - Pouco dias depois, teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, onde se manteve em repouso até ao dia 28.08.2019.

37 - Altura em que foi, mais uma vez, internado no Hospital de ..., para ser submetido a nova intervenção cirúrgica, para extração do fixador externo e aplicação/utilização de bota walker.

38 - No dia 29.08.2019, teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa.

39 - Passou, depois, a ser seguido na Consulta Externa de Ortopedia daquele Hospital de ..., acabando por ter alta definitiva no dia 26.11.2020.

40 - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26/11/2020.

41 - O período de défice funcional temporário total é fixável num período de 83 dias.

42 - O período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 609 dias.

43 - O quantum doloris é fixável no grau 5/7.

44 - O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 6 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro.

45 - O dano estético permanente é fixável no grau 4/7.

46 - O Autor necessita de ajudas técnicas permanentes, beneficiando de palmilha

47 - Na altura do acidente tinha 58 anos de idade.

48 - E era o amparo da sua esposa, que está ... há cerca de 20 anos, e com quem vive.

49 - Nos períodos de internamento, o Autor ficava extremamente preocupado com o bem-estar da sua esposa.

50 - Uma vez que não estava em casa para a poder “guiar”, para a poder auxiliar em tudo aquilo de que necessita no seu dia-a-dia.

51 - À data do acidente dos autos, o A. estava reformado.

52 - Mas exercia a função de trolha, por conta própria, a fazer biscates.

53 - Em consequência do acidente, o ciclomotor do Autor ficou danificado.

54 - A palmilha compensatória referida em 46) custa 32 €.

55 - Em virtude do acidente sofrido, o A. gastou:125,10 € em material ortopédico, 20,00 € em meios de diagnóstico, 123,21 € em medicamentos e 38,00 € em transporte.

56 - O proprietário do veículo ligeiro de matrícula “..-..-MJ” transferiu para a contestante “Zurich” a responsabilidade civil emergente de sinistros ocorridos com esse veículo.

57 - O inerente contrato de seguro ficou titulado pela apólice n.º .......50.

58 - Quando o veículo MJ atingiu a zona de entroncamento (entre a rua de ... e a Avenida de ...) reduziu a sua velocidade de circulação.

59 - E imobilizou o veículo.

60 - Acionou o pisca-pisca da esquerda.

61 - Antes de entrar na Avª de ..., o condutor do MJ olhou para o seu lado esquerdo e direito.

62 - Olhou para a esquerda e para a direita e confirmou que não circulava qualquer veículo.

63 - Em relação aos veículos que circulavam na Avª de ..., no sentido V...-P..., o MJ apresentava-se à direita.

64 - Após verificar que nenhuma outra viatura circulava na Avª de ..., o condutor do MJ iniciou a marcha.

65 - E penetrou com a sua frente na metade direita da Avenida de ..., atento o sentido V...-P....

66 - Foi nesse momento que surgiu a circular na Avenida de ..., no sentido V...-P..., o motociclo conduzido pelo A.

67 - O A. iniciou a travessia do entroncamento sem abrandar.

68 - E sem previamente se certificar se o podia fazer sem perigo de acidente.

69 - Sem atender ao trânsito que se fazia.

70 - E sem ceder a passagem ao “MJ”.

71 - Tendo ocorrido o embate nos termos referidos em 9).

72 - No dia ... de janeiro de 2019, foi efetuada uma peritagem ao “EE”.

73 - A R. considerou que se verificava uma situação de perda total do ciclomotor.

14. Em contrapartida, o Tribunal de 1.ª instância deu como não provados os factos seguintes:

I.- O ciclomotor do Autor circulava com velocidade moderada, não excedente 40 Kms por hora.

II.- O condutor do veículo ..-..-MJ circulava completamente distraído, sem atenção à sua condução, à manobra que pretendia realizar e ao restante trânsito.

III.- Com a mais completa falta de cuidado, de prudência, de consideração, de respeito, de diligência, de habilidade e de destreza.

IV.- E com desprezo pela vida e integridade física dos outros utentes daquela via.

V.- O condutor do veículo ..-..-MJ tinha perfeito conhecimento de que na concordância da rua por onde circulava diariamente com a Avenida, onde pretendia entrar, sempre existiu um sinal de stop.

VI.- O qual ali não se encontrava à data do acidente, em virtude de ter sido derrubado em consequência de um acidente de viação que ali ocorreu tempos antes.

VII.- Fruto da distração com que seguia, o condutor do MJ, não se apercebeu da presença do ciclomotor do demandante.

VIII.- As sequelas de que o Autor ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar.

IX.- Que o vão acompanhar durante toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo.

X.- Na altura do acidente, o A. era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, social e sociável.

XI.- Por causa das sequelas de que ficou a padecer, o A. deixou de sair em passeio com a esposa como fazia até ao momento do acidente dos autos.

XII.-Assim como deixou de frequentar o café onde privava com o seu grupo de amigos, como fazia até então.

XIII.- O que fez com que acabasse por se afastar desse seu habitual grupo de amigos.

XIV.- O que lhe provoca profunda tristeza, incómodo e mal-estar.

XV.- Tendo o A. o hábito de dar umas caminhadas ao fim de semana, umas vezes acompanhado da sua esposa, por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, deixou de o fazer.

XVI.- Situação que lhe provoca incómodo, mal-estar e tristeza.

XVII.- Com a atividade descrita em 52) dos factos provados, o A. auferia em média, 600,00 €, por mês.

XVIII.- Por causa do acidente (das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter) nunca mais trabalhou um dia que fosse.

XIX.- Desde o dia ... .01.2019 até hoje, o demandante teve e tem de recorrer à ajuda de uma 3ª pessoa.

XX.- O A. necessitou e necessita de recorrer à ajuda de uma 3ª pessoa, pelo menos, 2 horas por dia, essencialmente para o substituir nas tarefas domésticas que até então fazia – e que a sua esposa não pode fazer por ser invisual – e que agora não faz.

XXI.-Essa ajuda é prestada por uma vizinha, que lhe cobra 5,00 € por hora.

XXII.- A reparação do ciclomotor do A. demanda a substituição das peças e os serviços constantes do doc. nº 7 junto com a p.i., e custa 812,00€.

XXIII.- Ainda, e em consequência das lesões de que ficou a padecer definitivamente, necessita o A. de proceder à alteração do WC de sua casa (de banheira para poliban), no que necessita gastar a quantia de 1.532,00 €.

XXIV.- A palmilha de que o A. necessita tem duração média de 4 a 6 meses.

XXV.- O A. seguia desarvorado, a uma velocidade superior a 80 Km/h.

XXVI.- E o seu condutor completamente alheado das condições da via.

XXVII.- O entroncamento onde se deu o acidente é dotado de pouca visibilidade.

15. O Tribunal da Relação:

I. — alterou a redacção dos factos dados como provados sob os n.ºs 64 e 66;

II. — deu como provados os factos dados como não provados sob os n.ºs I, V, VI e VII, com a seguinte redacção;

III. — deu como não provado o facto descrito sob o n.º XXXVIII.

Em consequência das alterações,

16. O Tribunal da Relação deu como provados os factos seguintes:

1.- Cerca das 14h45m, do dia ... .01.2019, ocorreu um acidente de viação na Avenida de ..., em V...-P..., em que intervieram os veículos: ..- EE-.., ciclomotor, conduzido pelo Autor, seu proprietário e ..-..-MJ, ligeiro, conduzido pelo proprietário, BB.

2 - O ciclomotor do Autor circulava pela referida Avenida de ..., no sentido V...-P....

3 - Pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido.

4 - O veículo ..-..-MJ circulava pela rua de ...em direção à Avenida de ..., onde pretendia entrar.

5 - E por ela passar a circular no sentido P...-V....

6 - O condutor do veículo ..-..-MJ mora na rua de ....

7 - Na concordância da rua de ... com a Avenida de ..., no dia do acidente, não existia qualquer sinal STOP.

8 - Quando o condutor do MJ entrou na hemi-faixa direita da Avenida de ..., o Autor surgiu à sua frente e embateram.

9 - O embate deu-se entre a frente do veículo automóvel, zona da matrícula e a parte lateral direita do ciclomotor e membro inferior direito do A.

10 - O embate ocorreu na metade direita da faixa de rodagem da Avenida de ..., atento o sentido V...-P....

11 - A cerca de 40 cm do eixo da via.

12 - O A. ainda tentou passar pela frente do veículo ..-..-MJ a fim de evitar a colisão.

13. Em consequência dessa colisão o ciclomotor do Autor ficou descontrolado.

14 - E despistou-se para a sua esquerda.

15 - Acabando por invadir a berma do seu lado esquerdo.

16 - Onde se imobilizou.

17 - Em consequência da colisão o demandante sofreu:

– fractura fechada das diáfises da tíbia e do peróneo e maléolo tibial com extensão ao pilão e

– feridas no membro inferior direito.

18 - Do local do acidente foi transportado para o Hospital de ...

19 - Onde foi submetido a exames imagiológicos que revelaram a existência das fraturas supra-referidas.

20 - Após o que ficou ali internado no Serviço de Ortopedia.

21 - No dia 07.01.2019 foi ali submetido a uma intervenção cirúrgica para redução aberta da fratura do pilão tibial e da fratura diafisária da tíbia, com osteossíntese com placas Axsus Stryker anteromedial da tíbia e osteossíntese do peróneo com placa 1/3 cana.

22 - Permaneceu ali internado até ao dia 10.01.2019.

23 - Altura em que teve alta hospitalar, com indicação para efetuar penso em dias alternados no Centro de Saúde da sua área de residência e manter repouso, recolhendo a sua casa.

24 - No dia 21.01.2019 foi de novo internado naquela Unidade Hospitalar por deiscência das feridas operatórias mediais do membro inferior direito.

25 - Tendo, no dia 25.01.2019, sido submetido a nova intervenção cirúrgica para extração da placa tibial, limpeza cirúrgica e conversão para osteotaxia da tíbia com colocação de parafuso sindesmótico.

26 - Após o que foi encaminhado para a U.C.I.P. por problemas respiratórios.

27 - No mesmo tempo cirúrgico, foi colhida zaragatoa da ferida – isolado Staph aureus R a penincilina e ampiclina.

28 - No dia 21.01.2019, iniciou vancomicina que, a 27.01.2019, foi substituída por flucioxaclina.

29 - Foi submetido a três intervenções cirúrgicas para limpeza e encerramento de feridas nos dias 25.01.2019, 03.02.2019 e 25.02.2019.

30 - Sendo que, nesta última, foi colocado enxerto ósseo da anca na tíbia direita.

31 - No dia 19.03.2019, foi submetido a mais uma intervenção cirúrgica, desta feita para extração do fixador externo colocado a 25.01.2019 e encavilhamento anterógrado da tíbia T2 aparafusado.

32 - No final do mês de março de 2019, teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, com indicação de manter repouso.

33 - Decorridas duas semanas, o A. iniciou tratamento de fisioterapia no Hospital de ..., 3 vezes por semana.

34 - Sendo que, após a realização de 20 sessões, teve de interromper esse tratamento em consequência de nova abertura da ferida anterior da tíbia e subida a parâmetros inflamatórios.

35 - Voltou, no dia 05.06.2019, novamente a ser internado no Hospital de ..., para ser submetido a nova intervenção cirúrgica para extração da placa e parafusos do peróneo e cavilha da tíbia, e osteotomia do peróneo e osteotaxia com sistema Hoffmann.

36 - Pouco dias depois, teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, onde se manteve em repouso até ao dia 28.08.2019.

37 - Altura em que foi, mais uma vez, internado no Hospital de ..., para ser submetido a nova intervenção cirúrgica, para extração do fixador externo e aplicação/utilização de bota walker.

38 - No dia 29.08.2019, teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa.

39 - Passou, depois, a ser seguido na Consulta Externa de Ortopedia daquele Hospital de ..., acabando por ter alta definitiva no dia 26.11.2020.

40 - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26/11/2020.

41 - O período de défice funcional temporário total é fixável num período de 83 dias.

42 - O período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 609 dias.

43 - O quantum doloris é fixável no grau 5/7.

44 - O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 6 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro.

45 - O dano estético permanente é fixável no grau 4/7.

46 - O Autor necessita de ajudas técnicas permanentes, beneficiando de palmilha

47 - Na altura do acidente tinha 58 anos de idade.

48 - E era o amparo da sua esposa, que está invisual há cerca de 20 anos, e com quem vive.

49 - Nos períodos de internamento, o Autor ficava extremamente preocupado com o bem-estar da sua esposa.

50 - Uma vez que não estava em casa para a poder “guiar”, para a poder auxiliar em tudo aquilo de que necessita no seu dia-a-dia.

51 - À data do acidente dos autos, o A. estava reformado.

52 - Mas exercia a função de trolha, por conta própria, a fazer biscates.

53 - Em consequência do acidente, o ciclomotor do Autor ficou danificado.

54 - A palmilha compensatória referida em 46) custa 32 €.

55 - Em virtude do acidente sofrido, o A. gastou:125,10 € em material ortopédico, 20,00 € em meios de diagnóstico, 123,21 € em medicamentos e 38,00 € em transporte.

56 - O proprietário do veículo ligeiro de matrícula “..-..-MJ” transferiu para a contestante “Zurich” a responsabilidade civil emergente de sinistros ocorridos com esse veículo.

57 - O inerente contrato de seguro ficou titulado pela apólice n.º .......50.

58 - Quando o veículo MJ atingiu a zona de entroncamento (entre a rua de ... e a Avenida de ...) reduziu a sua velocidade de circulação.

59 - E imobilizou o veículo.

60 - Acionou o pisca-pisca da esquerda.

61 - Antes de entrar na Avª de ..., o condutor do MJ olhou para o seu lado esquerdo e direito.

62 - Olhou para a esquerda e para a direita e confirmou que não circulava qualquer veículo.

63 - Em relação aos veículos que circulavam na Avª de ..., no sentido V...-P..., o MJ apresentava-se à direita.

64 - Não se apercebendo da proximidade do motociclo, o condutor do MJ iniciou a marcha.

65 - E penetrou com a sua frente na metade direita da Avenida de ..., atento o sentido V...-P....

66 - Por onde circulava na Av.ª de ..., no sentido V...-P..., o motociclo conduzido pelo A.

67 - O A. iniciou a travessia do entroncamento sem abrandar.

68 - E sem previamente se certificar se o podia fazer sem perigo de acidente.

69 - Sem atender ao trânsito que se fazia.

70 - E sem ceder a passagem ao “MJ”.

71 - Tendo ocorrido o embate nos termos referidos em 9).

72 - No dia ... de janeiro de 2019, foi efetuada uma peritagem ao “EE”.

73 - A R. considerou que se verificava uma situação de perda total do ciclomotor.

74.- O ciclomotor do Autor circulava com velocidade não excedente 40 Kms por hora.

75.- O condutor do veículo ..-..-MJ tinha perfeito conhecimento de que na concordância da rua por onde circulava diariamente com a Avenida, onde pretendia entrar, sempre existiu um sinal de stop.

76.- O qual ali não se encontrava à data do acidente, em virtude de ter sido derrubado em consequência de um acidente de viação que ali ocorreu tempos antes.

77.- O condutor do MJ, não se apercebeu da presença do ciclomotor do demandante.

17. Em contrapartida, o Tribunal da Relação deu como não provados os factos seguintes:

II.- O condutor do veículo ..-..-MJ circulava completamente distraído, sem atenção à sua condução, à manobra que pretendia realizar e ao restante trânsito.

III.- Com a mais completa falta de cuidado, de prudência, de consideração, de respeito, de diligência, de habilidade e de destreza.

IV.- E com desprezo pela vida e integridade física dos outros utentes daquela via.

VIII.- As sequelas de que o Autor ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar.

IX.- Que o vão acompanhar durante toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo.

X.- Na altura do acidente, o A. era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, social e sociável.

XI.-Por causa das sequelas de que ficou a padecer, o A. deixou de sair em passeio com a esposa como fazia até ao momento do acidente dos autos.

XII.- Assim como deixou de frequentar o café onde privava com o seu grupo de amigos, como fazia até então.

XIII.- O que fez com que acabasse por se afastar desse seu habitual grupo de amigos.

XIV.- O que lhe provoca profunda tristeza, incómodo e mal-estar.

XV.- Tendo o A. o hábito de dar umas caminhadas ao fim de semana, umas vezes acompanhado da sua esposa, por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, deixou de o fazer.

XVI.- Situação que lhe provoca incómodo, mal-estar e tristeza.

XVII.- Com a atividade descrita em 52) dos factos provados, o A. auferia em média, 600,00 €, por mês.

XVIII.- Por causa do acidente (das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter) nunca mais trabalhou um dia que fosse.

XIX.- Desde o dia 10.01.2019 até hoje, o demandante teve e tem de recorrer à ajuda de uma 3ª pessoa.

XX.- O A. necessitou e necessita de recorrer à ajuda de uma 3ª pessoa, pelo menos, 2 horas por dia, essencialmente para o substituir nas tarefas domésticas que até então fazia – e que a sua esposa não pode fazer por ser invisual – e que agora não faz.

XXI.- Essa ajuda é prestada por uma vizinha, que lhe cobra 5,00 € por hora.

XXII.- A reparação do ciclomotor do A. demanda a substituição das peças e os serviços constantes do doc. nº 7 junto com a p.i., e custa 812,00€.

XXIII.- Ainda, e em consequência das lesões de que ficou a padecer definitivamente, necessita o A. de proceder à alteração do WC de sua casa (de banheira para poliban), no que necessita gastar a quantia de 1.532,00 €.

XXIV.- A palmilha de que o A. necessita tem duração média de 4 a 6 meses.

XXV.- O A. seguia desarvorado, a uma velocidade superior a 80 Km/h.

XXVI.- E o seu condutor completamente alheado das condições da via.

XXVII.- O entroncamento onde se deu o acidente é dotado de pouca visibilidade.

XXVIII - Ter o condutor do MJ confirmado que não circulava qualquer veículo na Av.ª de ....

O DIREITO

18. A primeira questão suscitada pela Ré consiste em averiguar se o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.

19. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que a falta de fundamentação só releva desde que seja absoluta: “o respectivo vício, como é jurisprudência uniforme, apenas ocorre na falta absoluta de fundamentação” — “uma fundamentação insuficiente, errada ou medíocre não constitui causa da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC”. 1.

20. Em concreto, a Ré, agora Recorrente, reconhece que não há uma falta absoluta de fundamentação — em vez da falta de fundamentos, a Ré, agora Recorrente, insurge-se contra a falta de “fundamentos objetivos, irrefutáveis ou de elementar espírito crítico” 2.

21. O corolário lógico da alegação da Ré, agora Recorrente, é o de que a decisão sobre a matéria de facto está fundamentada — ainda que, na opinião da Ré, agora Recorrente, esteja mal fundamentada.

22. Excluída a nulidade, por falta de fundamentação, entrar-se-á na apreciação da segunda e da terceira questões:

II. — se o acórdão recorrido incorreu em erro na apreciação da prova:

a. — ao dar como provado que o ciclomotor do Autor circulava com velocidade não excedente 40 Kms por hora;

b. — ao dar como provado que o condutor do veículo ..-..-MJ tinha perfeito conhecimento de que na concordância da rua por onde circulava diariamente com a Avenida, onde pretendia entrar, sempre existiu um sinal de stop;

III. — se o acórdão recorrido incorreu em erro na aplicação da lei de processo, ao alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto sem que a prova produzida impusesse decisão diversa.

23. A questão do erro na apreciação das provas não pode ser conhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

24. O artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil determina que

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

25. Como se escreve, p. ex., nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 — proferido no processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1 —, de 12 de Julho de 2018 — proferido no processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1 — e de 12 de Fevereiro de 2019 — proferido no processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.A1 —,

“… o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º nº 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil), estando-lhe interdito sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador. Só relativamente à designada prova vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige certa espécie de prova para a demonstração do facto ou fixa a força de determinado meio de prova, poderá exercer os seus poderes de controlo em sede de recurso de revista” 3;

“… está vedado ao STJ conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a actuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada, ou seja quando está em causa um erro de direito (arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, nº 2)” 4.

26. Em consonância com o artigo 674.º, n.º 3, o artigo 662.º, n.º 4, do Código de Processo Civil determina que, “[d]as decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

27. Esclarecido que a segunda e que a terceira questões não podem ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, entrar-se-á na quarta questão: — se o acidente é exclusivamente imputável ao lesado.

28. O caso configura-se como uma colisão de veículos no sentido do artigo 506.º do Código Civil — entre os pontos consensuais está o de que a colisão de veículos “tanto pode dar-se pelo choque, quando ambos estão em circulação, como pelo abalroamento do veículo que esteja parado ou afrouxe de velocidade por um outro em marcha” 5.

29. O Tribunal de 1.ª instância considerou que o acidente era exclusivamente imputável ao lesado, ou seja, ao Autor, e o Tribunal da Relação, que o acidente era exclusivamente imputável ao lesante, ou seja, ao segurado da Ré.

30. Os factos dados como provados depõem no sentido da concorrência de culpas:

I.— O Autor, agora Recorrido, não deu prioridade ao veículo conduzido pelo segurado da Ré, agora Recorrida 6, iniciou a travessia do entroncamento sem abrandar 7, sem atender ao trânsito que se fazia 8 e, em consequência, sem se certificar de que podia iniciar a travessia do entroncamento sem perigo de acidente 9.

II. — O segurado da Ré, agora Recorrente, ainda que tivesse “perfeito conhecimento de que na concordância da rua por onde circulava diariamente com a Avenida, onde pretendia entrar, sempre existiu um sinal de stop” 10, não se apercebeu da presença do veículo conduzido pelo Autor 11 e, não se tendo apercebido da presença do veículo conduzido pelo Autor, iniciou a travessia do entroncamento 12.

31. O acórdão recorrido considera que da factualidade dada como provada decorre que “o ciclomotor chegou antes do veículo automóvel ao local da intercepção das trajectórias das duas vias, quanto mais não fosse pelo facto do veículo automóvel ter parado”; que “a prioridade de passagem só existe em caso de simultaneidade” e que, em consequência, o acidente é, em exclusivo, imputável ao segurado da Ré, agora Recorrente.

32. O problema está em que, ainda que o veículo conduzido pelo Autor, agora Recorrido, tenha chegado antes do veículo conduzido pelo segurado da Ré, agora Recorrente, sempre a circunstância de o Autor ter iniciado a travessia do entroncamento sem abrandar, sem atender ao trânsito que se fazia e, em consequência, sem se certificar de que podia iniciar a travessia do entroncamento sem perigo de acidente contribuiu para a causação do dano.

33. O artigo 506.º, n.º 2, do Código Civil determina que, “[e]m caso de dúvida, [deve] considera[r]-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores”.

34. Em consequência, deve reduzir-se para metade a indemnização arbitrada pelo Tribunal da Relação: a Ré deverá ser condenada a pagar ao Autor a quantia de 11 913,16 euros, a título de danos patrimoniais, e a quantia de 12500 euros, a título de danos não patrimoniais; à quantia de 11 913,16 euros, arbitrada a título de danos patrimoniais, devem acrescer juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação; à quantia de 12500,00 euros, arbitrada a título de danos não patrimoniais, devem acrescer juros de mora, à taxa legal, a contar da data da sentença.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, nos seguintes termos:

I. — condena-se a Ré a indemnizar o Autor na quantia de 11 913,16 euros, devida a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação;

II. — condena-se a Ré a indemnizar o Autor na quantia de 12500,00 euros, devida a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da sentença.

Custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário que ao Autor tenha sido concedido.

Lisboa, 4 de Julho de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Maria de Deus Correia

José Maria Ferreira Lopes

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1. Cf. designadamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2019, proferido no processo n.º 132/13.5TBPTL.G1.S1.

2. Cf. conclusão 2.ª do recurso de revista.

3. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1.

4. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018 — processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1.

5. Cf. João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2000, pág. 682.

6. Cf. factos dados como provados sob os n.ºs 63, 67 e 70: “63- Em relação aos veículos que circulavam na Avª de Santo André, no sentido Vitorino de Piães-Poiares, o MJ apresentava-se à direita. […] 67- O A. iniciou a travessia do entroncamento sem abrandar. […] 70-E sem ceder a passagem ao “MJ”.

7. Cf. facto dado como provado sob o n.º 67.

8. Cf. facto dado como provado sob o n.º 69.

9. Cf. facto dado como provado sob o n.º 68.

10. Cf. facto dado como provado sob o n.º 75.

11. Cf. factos dados como provados sob os n.ºs 64 e 77.

12. Cf. facto dado como provado sob o n.º 64.