Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOÃO BERNARDO | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE CASO JULGADO ALEGAÇÕES EXCESSO DE PRONÚNCIA | ||
Data do Acordão: | 12/06/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NÃO CONHECIDA A NULIDADE PROCESSUAL; NEGADA QUANTO AO RESTO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO ORDINÁRIO / ARTICULADOS (EXCEPÇÕES) / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, RLJ, 122,112. - Antunes Varela, Sampaio e Nora e Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 676, nota de pé de página. - Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, 2.º, 2.ª edição, p. 704. - Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, p. 195. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 96.º, N.º2, 498.º, N.º1, 668.º, N.º1, ALS. B), D), E), 673.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 5.7.2005, PROCESSO N.º 05A/2008 E DE 14.3.2006, PROCESSO N.º 05B3582, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 3.2.1999, NO BMJ 484.º, 384, DE 22.10.2009, PROCESSO N.º 409/09.4YFLSB E DE 5.5.2011, PROCESSO N.º 3667/04.7TJVNF-S-S1, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 25.2.1997, NO BMJ, 464 – 464 E DE 16.1.1996, NA CJ STJ, 1996, 1.º, 44, E DE 13.9.2007, PROCESSO N.º 07B2113 E 28.10.2008, PROCESSO N.º 08A3005, EM WWW.DGSI.PT. | ||
Sumário : | 1 . O recurso de revista admitido apenas porque é invocada a ofensa do caso julgado deve, à partida, cingir-se a esta questão. 2 . Pode, no entanto, incluir a arguição das nulidades do acórdão previstas nas alíneas b) a e) do n.º1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil. 3. Mas não pode incluir a arguição da nulidade por ter sido proferida decisão surpresa, uma vez que esta é antes uma nulidade processual. 4. A tomada de posição sobre o abuso do direito apenas como reforço da fundamentação que já apontava necessariamente para a mesma decisão, não constitui fundamento lógico necessário desta e, por isso, não pode formar caso julgado. 5 . A alegação implícita deve ser toda em conta. 6 . O excesso de pronúncia gerador da nulidade prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º1 do referido artigo 668.º só tem lugar quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou exceções de que não podia tomar conhecimento. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - A herança jacente aberta por óbito de AA, representada pela cabeça-de-casal BB, intentou contra: CC; A presente ação declarativa de condenação, a qual segue o regime processual experimental estabelecido pelo Decreto-Lei 108/2006, de 8/6. Alegou, em síntese, que: AA faleceu em …/…/2… e na sua herança integra-se um prédio urbano; Tal prédio está arrendado desde 19/12/1973 para uma habitação e a ré viu transmitida a seu favor a condição de arrendatária, em virtude da morte do seu marido, ocorrida em …/…/19…; Em Agosto de 2010 ela, autora, constatou que o prédio tinha sido transformado, estando fisicamente separado no seu interior em três habitações independentes, uma em cada um dos três pisos, nele residindo três famílias; Foram feitas obras sem consentimento do senhorio e residem no arrendado pessoas sem legitimidade para o efeito.
Pediu, em conformidade: Que se decrete a resolução do contrato de arrendamento e que se condene a ré a entregar-lhe o arrendado, livre e desembaraçado de pessoas e coisas, no dia que se segue ao dia do trânsito em julgado da sentença.
Contestou a ré, contrapondo que: À data do arrendamento de 1973 viviam no prédio dez pessoas, ou seja, ela e o seu marido, 4 filhos desse casal, DD e mulher, uma filha desse casal e EE; O senhorio de então acordou que as profundas obras de que o prédio necessitava teriam de ser feitas pelos três conjuntos de inquilinos de famílias distintas, mas só celebraria um contrato de arrendamento, por se tratar de um único prédio, contrato esse que celebraria com o representante mais velho dos inquilinos, com a renda dividida por todos os conjuntos de inquilinos, incumbindo àquele representante proceder à entrega mensal da renda; Atualmente vivem no prédio seis pessoas, sendo a evolução dos moradores e a sua repartição pelo prédio do conhecimento do falecido AA e da mulher deste, ora cabeça de casal, além de ter existido consentimento para as obras realizadas; Se direito lhe incumbir, a autora abusa do respetivo exercício, na forma de venire contra factum proprium, além de ocorrer caducidade deste que pretende fazer valer.
II – Prosseguiu a tramitação e, na altura oportuna, foi proferida sentença em que se julgou a ação improcedente. III – Apelou a autora e o Tribunal da Relação do Porto decidiu: “Em face do exposto, acordam os Juízes em julgar procedente a apelação e revogam a sentença. Mais decidem os Juízes julgar a ação totalmente procedente, pelo que decretam a resolução do contrato de arrendamento e condenam a ré a entregar à autora o prédio arrendado, livre e desembaraçado de pessoas e coisas, no dia que se segue ao dia do trânsito em julgado do presente acórdão.”
IV – Pede revista a ré, concluindo as alegações nos seguintes termos:
DA OFENSA DE CASO JULGADO 1. A lei impõe ao recorrente o cumprimento de dois ónus, distintos, mas dependentes, a saber: o ónus de alegar e o ónus de concluir; o primeiro diz respeito à apresentação das alegações de recurso, através da explicitação das suas razões de discordância do julgado, o segundo consiste na elaboração das conclusões, estas de forma reduzida, em que o recorrente condensa os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida - arts. arts. 684º, n.º 3 e 4 e 685º - A do CPC (cfr., v.g., Acs. ST J de 9.5.91 e de 24.9.92, in, respectivamente, BMJ, 407.º - 394 e 419.º - 655; e Ac. STA de 10.7.97, Ap. DR de 19.6.2000, pg. 1780); 2. É pacífica a jurisprudência que o âmbito do recurso é delimitado, desde logo, pelo teor das alegações, só abrangendo as questões aí contidas, as quais, num segundo momento, devem ser levadas às conclusões, entendidas estas como proposições sintéticas das razões de discordância com o julgado - cfr., v.g., Acs. ST J de 4.2.93 (CJ, ST J, ano 1, t.1, 140), de 21.10.93 (CJ, ST J, ano 1, t.3, 81) e de 6.4.2000 (Sumários, 40.Q - 25); Rodrigues Bastos, NCPC, vol. 111, pg. 299 e Alberto dos Reis, CPC Anot. vol. V, pg. 359; 3. É igualmente pacífica a jurisprudência no sentido de não poderem ser apreciadas as questões constantes das conclusões que não hajam sido dissecadas no contexto das alegações - cfr., entre outros, Acs. ST J de 2.12.88 (Bol. 382. Q - 497), de 19.9.89 (Bol. 389 - 536), de 21.10.93 (CJ, ST J, amo 1, t.3, 81), de 2.2.94 (Bol. 434.Q - 423), de 21.6.94 (Bol. 438.Q - 390), de 12.1.95 (Bol. 443.Q - 342), de 28.5.97 (Bol. 467.Q - 412), de 2.2.2000 (AO, 468.Q - 1657), de 25.3.2004 (Proc. 02B4702.dgsi.net), e de 13.1.2005 (Proc. 04B4132.dgsi.net); Ac. RC de 3.5.94 (Bol. 437.Q - 591); 4. Pelas mesmas razões, o Tribunal ad quem está impedido de tomar conhecimento e julgar qualquer questão que não tenha sido levada às conclusões, ainda que versada nas alegações. - cfr., inter alia, Acs. ST J de 28.2.2002 (Rev. n.º 3717/01 - 4. ª, Sumários, 58. Q), de 18.9.2003 (Proc. 03B1756/ITIJ/NET), de 27.4.2005 (Proc. 05B810.dgsi.net) e de 11.10.200 (Proc. 05B2179.dgsi.net); Alberto dos Reis, CPC Anot., vol. V, pg. 309; Calvão da Silva, in parecer publicado na CJ, ano 20, t.1, 7; 5.Donde, só podem ser conhecidas as questões que, simultaneamente, tenham sido suscitados nas alegações e levadas às conclusões. Dito pela negativa, não há que conhecer das questões versadas no corpo das alegações mas não contidas nas conclusões, assim como não são atendíveis as questões que, vertidas nas conclusões, não foram, contudo, expendias nas alegações - cfr., v.g., Ac. STJ de 14.5.2003 (Ag. n.º 545/02 - 1.ª, Sumários, 5/2003), e Ac. RE de 7.4.2005 (Proc. 362/05 - 3.dgsi.net); 6.Todas as questões que, tendo sido objecto de julgamento, não sejam rebatidas nas alegações de recurso e levadas às conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e transitadas e, como tal, o tribunal superior delas não poderá conhecer - cfr., Acs. 8T J de 16.10.86 (Bol. 360.º - 534), de 9.1.86 (Bol. 353 - 411) e de 12.12.95 (Bol. 452.º - 385); 7.A parte dispositiva da douta sentença de fls .... contém decisões distintas sobre vários objectos; entre esses julgados conta-se o abuso de direito, sobre o qual o M.mo Juiz de 1.ª instância se pronunciou nos termos que se transcrevem: "Finalmente, em face do que ficou dito quanto ao comportamento dos falecidos senhorios do locado em crise, ainda que se entendesse estarem preenchidos os fundamentos de facto e de direito para a resolução do contrato de arrendamento, o abuso de direito consagrado no art. 334.º do Código Civil na sua modalidade de venire contra factum proprium impediria a A. de agir contra as pessoas que vivem no locado e ali fizeram as necessárias obras, durante a vigência do contrato ao tempo dos primeiros locadores e com o seu conhecimento. "; 8.Quer nas alegações quer nas conclusões do recurso interposto para a Relação do Porto, constata-se que a A. não dedicou uma única palavra à questão do abuso de direito julgada na 1. ª instância, pelo que não impugnou esse segmento decisório que julgou verificado o abuso de direito, pelo que, nessa parte, a sentença transitou em julgado (cfr. arts. 677º do CPC); 9. E, transitada a sentença em julgado, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (art. 671.º, n.º 1, CPC), o que significa que já não pode ser anulada ou revogada por efeito do eventual provimento do recurso (art. 684º, n.º 4, do CPC) - cfr. Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., pg. 103), Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes (CPC Anot, vol. III, tomo 1, 2.ª ed., pg. 42), Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª ed., pg. 161,Teixeira de 80usa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, pg. 466); 10.Na parte em que a sentença da 1 ª instância julgou procedente a excepção do abuso de direito, ocorreu trânsito em julgado, e por força dele, passou a ter força obrigatória dentro do processo, não podendo mais ser alterada; ou seja, formou-se caso julgado formal que obsta a que essa questão possa ser reapreciada em recurso - cfr., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pg. 303; Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1984, pg. 685; 11.Ficou, assim, definitivamente fixada e declarada nos autos a verificação do abuso de direito, o que, implicando que essa questão não possa ser julgada pelo tribunal ad quem prejudica, inelutável e necessariamente, o conhecimento do próprio recurso pelo Tribunal da Relação do Porto; no rigor dos conceitos, a apelação nem sequer devia ter sido admitida, uma vez que a A. deixou de reunir as condições necessárias para recorrer (ar1. 681.º, n.º 2, CPC) - cfr., Ac. RC de 5.6.2008, Proc. n. º 9790/04-4; 12.Com efeito, conformando-se a A. com a douta sentença de fls .... na parte em que julgou verificado o abuso de direito, dessa aceitação, e do consequente trânsito em julgado, decorre axiomaticamente não possuir as condições necessárias para interpor e alegar a apelação, pois já não é juridicamente possível obter ganho de causa por via da procedência do recurso por ter transitado em julgado esse fundamento de improcedência da ação; 13.Ao proceder ao julgamento do recurso, apreciando a questão do abuso de direito que já transitara em julgado, o acórdão recorrido violou o caso julgado formal - cfr., Acs. ST J de 29.10.92 (Bol. 420.º - 484), de 6.5.93 (Bol. 427.º - 456), de 21.10.93 (CJ, ST J, ano 1,1.3, 81), de 4.2.93 (CJ, ST J, ano 1,1.1, 137), de 7.12.95 (Bol. 452.º - 536), de 13.3.97 (Bol. 465.º - 477), de 14.10.97 (CJ, STJ, ano 5, 1.3, 59), de 27.1.98 (Proc. 97A923, dgsi.net), de 15.12.2003 (Proc. 04S4082.dgsi.net) e de 14.6.2007 (Proc. 07B1559.dgsi.net); Ac. RE de 27.11.90, CJ, ano 15, 1.5, 286; na doutrina, v.d., Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, pg. 460; Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, pg. 86; Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., pg. 103; Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9. ª ed., pg. 158; ver ainda Ac. de Uniformização de Jurisprudência n. º 4/08, de 28 de Fevereiro, no DR de 4.4.08, em cuja fundamentação se considerou que tendo sido questionada apenas a ilicitude de uma determinada conduta numa ação de responsabilidade civil tal implica a aceitação do decidido quanto aos demais pressupostos.
DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR EXCESSO DE PRONÚNCIA 14.Para que exista contrato de hospedagem, em face do disposto no n.º 3 do art. 1109. º do CC de 1966 e mais tarde do art. 76. º do RAU, "é indispensável que haja fornecimento de habitação, com prestação de serviços habitualmente relacionados com este acto, ou fornecimento de alimentos, embora possam verificar-se ambos" - cfr., Ac. RC de 16.6.84, CJ ano 9, t.3, 153; v.d., t.b., Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 4.ª ed., pg. 432, nota 3, Ac. RP de 5.2.2001, CJ ano 26, 1.1, 202; Ac. RE de 10.2.77, CJ ano 2, 1.1, 159; M. Januário Gomes (Arrendamentos para Habitação, 2.ª ed., pg. 22); Pais de Sousa, Anotação ao Regime do Arrendamento Urbano, 4.ª ed., pg. 185; 15.A A. não articulou nenhum dos factos integrativos de uma relação jurídica de hospedagem e, em consequência, nenhuma factualidade atinente a essa questão foi dada como provada na 1. ª instância; 16.Sem embargo, o acórdão recorrido chega à qualificação de FF e / ou da R. e os sucessivos ocupantes do prédio como hóspedes, não através da aplicação das regras de direito aos factos alegados e dados como provados, mas por exclusão de partes: se (no seu entender) não são arrendatários, nem sublocatários nem titulares de um direito real de habitação, então são hóspedes; 17.Ao julgar que as pessoas que residem no prédio têm a qualidade de hóspedes, sem que tal tenha sido alegado pelas partes (mormente pela A.) nem submetido ao julgamento da 1.ª instância, o acórdão recorrido conheceu de questão que não podia conhecer, pelo que padece de nulidade por excesso de pronúncia; 18. A pronúncia indevida consiste em o juiz conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento (2.ª parte da al. d) do n.º1 do art. 668.º do CPC), pelo que o seu excesso configura nulidade relacionada com a 2.ª parte do n.º 2 do art. 660.º do CPC, que proíbe ao juiz ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objecto do litígio - cfr., v.g., Acs., ST J de 4.3.2004 (Proc. 04B522/ITIJ/NET) e de 5.2.2004 (Proc. 03B3809.ITIJ/NET). 19. À luz do princípio do dispositivo, "há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido" (cfr., Ac. STJ de 6.2.92, Bol. 414.º - 413), resultando da U( ... ) limitação do juiz ao princípio do dispositivo, que exprime a liberdade com que as partes definem o objecto do litígio, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada" (cfr., Ac. RP de 21.2.2005, JTRP00037727.dgsi.net) 20.Quer pela jurisprudência quer pela doutrina, vem sendo repetidamente (a)firmado que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida à apreciação do tribunal de que se recorre - cfr., a título de exemplo, os Acs. STJ de 10.5.2000 (Bol. 497.º - 433), de 9.3.93 (Bol. 425.º - 438), de 29.11.89 (Bol. 391.º - 520) e de 2.5.85 (Bol. 347.º - 363); Armindo Ribeiro Mendes (Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, pg. 131), Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., pg. 395; Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Reforma de 2007, pgs. 25-26; 21.Não tendo a A. invocado como causa de pedir que as pessoas residentes no prédio, para além da Ré, eram hóspedes (inexistência nos autos da mínima sombra ou vestígio da alegação de qualquer facto susceptível de, se provado, integrar um contrato de hospedagem), estava vedado ao Tribunal a quo conhecer dessa questão, pelo que, ao fazê-lo e com base nela julgar procedente a ação, a decisão recorrida é nula por excesso de pronúncia - cfr., entre outros, os Acs. RPde 7.7.2005 (JTRP00038265.dgsi.net) e de 7.3.2005 (JTRP00037801.dgsi.net) que recaíram sobre hipóteses análogas à dos autos; 22.Nos termos do art. 668.º, n.º 4, do CPC, aplicável à 2.ª instância ex vi do disposto no art. 716.º, n.º 1, do mesmo diploma, quando as nulidades se reportem à sentença e decorram de qualquer dos vícios assinados nas ais. b) a e) do n.º 1, ª sua invocação deve ser feita em sede de recurso, só se admitindo o uso da reclamação para o próprio juiz quando se trate de decisão irrecorrível (rectius: decisão que não admite recurso ordinário); no caso, o Acórdão de fls .... pode ser impugnado por meio de recurso de revista, que é um recurso ordinário (art. 676.º, n. º 2, CPC), devolvendo-se, como tal, ao ST J a possibilidade de anular, revogar ou modificar a decisão recorrida - cfr., Amândio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª ed., pgs. 74 e 84-85; vd. Ribeiro Mendes (Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, pg. 139); 23.Uma interpretação do art. 678.º, n.º 2, a/. a), no sentido de que no recurso ordinário de revista interposto com fundamento em ofensa de caso julgado não podem ser invocadas nulidades do Acórdão recorrido, é inconstitucional por violação do direito fundamental a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo, nomeadamente na vertente da proibição da indefesa (art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP); 24.Nessa dimensão interpretativa, a Ré ficava impedida de exercer o seu direito de defesa através da invocação de nulidades do Acórdão da Relação: por um lado, não podia arguir essas nulidades perante o tribunal a quo por caber recurso da decisão; por outro lado, não podia invocar essas mesmas nulidades perante o tribunal ad quem por o recurso ser apenas admissível com fundamento na ofensa de caso julgado;
DA NULIDADE PROCESSUAL 25.A decisão proferida pelo tribunal ad quem de qualificar como hóspedes quatro das pessoas residentes no prédio arrendado, desconsiderando e exorbitando, para tanto, dos factos alegados pelas partes, deu provimento ao recurso com fundamento em causa de pedir que nunca fora invocada pela A., assim violando o princípio do contraditório, constituindo, portanto, uma "decisão-surpresa" proibida pelo n.º 3 do art. 3.º do CPC - vd., a propósito, José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 1999, pg. 8; Acs. STJ de 15.10.2002, Proc. n.º 02ª2478; de 5.7.2001, Proc. n.º 2038/01; de 5.12.2000, Proc. n.º 3247/00; de 18.11.99, Proc. n.º 794/99; e de 16.2.2000, Proc. 732/99; 26. A omissão do convite à Ré para se pronunciar sobre a nova configuração jurídica aventada pelo Tribunal da Relação, integra uma nulidade processual nos termos do art. 201.º, n.º 1, CPC (cfr., Lebre de Freitas, CPC Ano1., vol. I, 1999, pg. 9; Ac. ST J de 13.1.2005, Proc. 04B4031.dgsi.pt), sendo certo que, "dada a importância do princípio do contraditório, é indiscutível que a sua observância pelo tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa" - cfr. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pg. 48; 27.A interpretação do complexo normativo formado pelos arts. 3.º, n.º 3 e 201.º, n.º 1, do CPC no sentido de que a omissão do convite para o exercício do contraditório quando o Tribunal de recurso decide julgar uma questão de direito não suscitada pelas partes nem apreciada no tribunal recorrido não constitui nulidade processual por violação de formalidade essencial, é inconstitucional por violação do direito a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo (ar1. 20.º, n.º 1 e 4, da CRP); 28.Por cautela de patrocínio, dir-se-á, ainda, estando a nulidade processual em causa coberta pela decisão recorrida (no sentido de que se trata de uma decisão implícita do Acórdão de fls .... ), o meio próprio de a suscitar é o presente recurso, valendo aqui as mesmas razões que se invocaram supra para o conhecimento do vício de excesso de pronúncia - cfr., Ac. RL de 30.11.95, c) ano 20, 1.5, Lebre de Freitas, CPC Ano1., vol. I, pgs. 350 e 351; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. 111, pgs. 133-135, e Manuel de Andrade, Noção Elementares do Processo Civil, pg. 182; 29.Mesmo que se sufrague o entendimento que expresso por Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., pg. 23), no sentido que sempre que o Tribunal, ao proferir a decisão, omita uma formalidade imposta por lei (como ocorre com o respeito pelo principio do contraditório a fim de evitar decisões-surpresa), se está em presença de uma omissão de pronúncia nos termos do art. 668.º, n.º 1, ai. d) do CPC, o meio próprio de reacção da parte vencida continua a ser a interposição de recurso; 30. O acórdão recorrido violou as disposições legais supra citadas. TERMOS EM QUE, na procedência dos fundamentos da revista, deverá ser revogado o acórdão recorrido, com as legais consequências.
Contra-alegou a autora, sustentando que o recurso se deve considerar cingido à questão do caso julgado, que – sustenta – não foi violado. À cautela, defendeu não ter a recorrente razão quanto ao demais que alega, devendo o acórdão recorrido ser confirmado. III – A presente ação tem o valor de € 3.300,00. Inferior mesmo ao da alçada dos tribunais de 1.ª instância (artigo 5.º do DL n.º303/2007, já aqui aplicável, por aquela ter sido intentada em 10.2.2011). O recurso para a Relação foi admitido ao abrigo do n.º3 a) do artigo 678.º do Código de Processo Civil. Conforme decisão do relator, sendo invocada ofensa do caso julgado que teria sido levada a cabo pelo Tribunal da Relação, é ainda admissível recurso para este Supremo Tribunal, nos termos da alínea a) do n.º2 do mesmo artigo. Esta admissibilidade do recurso tem de ser entendida, à partida, como limitada à mencionada ofensa, pois, de outro modo, em todos os casos, bastaria a parte invocá-la, para, a reboque dela, dispor de recurso sem limitações, nos casos em que a lei o veda. No entanto, cremos que esta regra limitativa tem a ressalva constante do n.º4 do artigo 668.º do mesmo código. Ali se dispõe que quando a causa admita recurso ordinário – e o presente tem essa natureza – as nulidades das alíneas b) a e) só podem ser arguidas perante o tribunal superior. A esta ressalva escapa manifestamente a (invocada) nulidade decorrente da não observação do disposto no artigo 3.º, por se tratar, como, aliás, a recorrente refere, de nulidade do processo e não nulidade da própria sentença (Neste sentido, os Ac.s deste Tribunal de 13.1.2005, processo n.º 04B4031, 1.2.2011, processo n.º 6845/07.3TBMTS.P1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt e de 12.7.2011, processo n.º 620/1999.C1.S1 e de 11.10.2011, Incidente n.º 175/2002.P1.S1, estes com sumário no sítio do Supremo Tribunal de Justiça, depois “Jurisprudência” e “Sumários de Acórdãos”). Não se verifica, pois, fundamento para esta questão poder integrar o recurso de revista.
Deste modo, temos que conhecer das invocadas: Ofensa do caso julgado; Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia.
IV .1 - Vem provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 28/3/2010 faleceu AA. 2. Foram habilitados como seus únicos herdeiros a mulher, aqui A., com quem era casado em separação de bens, e quatro filhos GG, HH, II e JJ. 3. A propriedade do prédio urbano sito na Rua ...., 349, freguesia da ...., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo 401, encontra-se registada a favor das pessoas mencionadas em 2., por dissolução da comunhão conjugal e sucessão em virtude de óbito de AA. 4. Tanto o falecido marido da A. como os antecessores do prédio sempre exerceram a sua detenção, uso, fruição e disposição ininterruptamente, praticando os actos necessários à sua administração, pagando contribuições e impostos, sem consciência de estar a lesar direitos de outrem, sem violência ou oposição de quem quer que seja e à vista de todos. 5. AA, na qualidade de senhorio, e FF, na qualidade de inquilino, subscreveram o contrato designado de arrendamento, datado de 19/12/1973, o qual versa o prédio mencionado em 3), pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por períodos de um ano. 6. FF faleceu em …/…/19…, no estado de casado com a ré. 7. No contrato escrito referido em 5) convencionaram os outorgantes a renda anual de 42.000 escudos, a pagar em duodécimos de 3.500 escudos. 8. Renda mensal que, por aplicação dos coeficientes legais, em Novembro de 2010 ascendia ao valor mensal de 110€. 9. Consta da cláusula terceira do contrato que “o prédio por este contrato arrendado destina-se a habitação, não podendo o arrendatário dar-lhe outro destino nem sublocar ou ceder por qualquer forma os direitos do arrendamento, no todo ou em parte, sem consentimento por escrito do senhorio (…)”. 10. E na cláusula quarta consta que “o inquilino fica obrigado a ter o prédio aqui arrendado em bom estado de conservação e limpeza, e a responder pelos prejuízos que à mesma sobrevierem por culpa ou negligência sua ou dos seus familiares e sublocatários, e só poderá fazer benfeitorias mediante consentimento, por escrito, do senhorio, e todas as que faça ficarão pertença da mesma casa, sem direito de retenção ou indemnização a título algum, para ele inquilino”. 11. A A., para efeitos de partilha e avaliação dos bens da herança, pediu uma vistoria ao prédio mencionado em 3). 12. A dita vistoria data de Agosto de 2010. 13. Na caderneta predial urbana, o prédio mencionado em 3) consta como sendo uma casa de três pavimentos, fachada Nascente e Poente, tendo quatro divisões na cave, quatro no rés-do-chão e quatro no primeiro andar, bem com um jardim. 14. As intervenções efectuadas no imóvel mencionado em 3) foram realizadas em data anterior a Agosto de 2010. 15. O prédio é serventia de mais do que uma habitação, estando o interior do prédio separado fisicamente em três habitações distintas. 16. No rés-do-chão, as portas interiores têm fechaduras reforçadas e aí reside uma família em habitação autónoma. 17. Existe neste piso uma casa de banho na varanda (aparentando ser do traçado original), cozinha (com extracção de fumos através de chaminé, aparentando ser do traçado original), uma sala e três quartos com utilização distinta, sendo um de uma criança. 18. A ré reside no primeiro andar. 19. A escadaria interior que dá acesso ao primeiro andar e à cave está fechada com portas. 20. No primeiro andar existe outra cozinha (junto à escadaria e improvisada, tendo o problema da extracção de fumos e cheiros sido facilmente resolvido pelo fácil acesso ao telhado), dois quartos, duas casas de banho (uma na varanda que poderia ser do traçado original e outra, completa, que resultou de aproveitamento da caixa de ar da chaminé do piso inferior para extracção de vapores). 21. Na cave reside um casal constituído pela filha da ré e o seu marido. 22. Nesse piso existe uma arrecadação, um quarto, uma sala TV e uma sala/estúdio, uma casa de banho na linha dos pisos superiores e um duche (estando fora da área de construção original do prédio), uma cozinha e um jardim (cuja área foi ligeiramente reduzida pelo aumento efectuado para conclusão da cozinha e duche da cave). 23. Em Dezembro de 1973 viviam na Rua …, …, no Porto: - FF, a sua mulher, ora ré, e os seus filhos LL, MM, NN, OO; - PP, a sua mulher QQ e a sua filha RR; e, - EE. 24. Em Dezembro de 1973 o prédio a que se alude em 3) estava em estado degradado e a necessitar de obras. 25. Foi acordado com KK que todas as pessoas mencionadas em 23) passariam a residir no prédio mencionado em 3), dividindo entre si a renda. 26. Para o efeito, KK pôs como condições que as obras que fossem necessárias seriam efectuadas/suportadas pelos mesmos, realizar-se-ia um só contrato a figurar uma só pessoa e a renda seria apenas entregue por uma única pessoa também, o que os mesmos aceitaram. 27. As pessoas referidas em 23) dispuseram-se a efectuar obras de recuperação do prédio que lhes permitisse começar a habitá-lo de imediato e, de forma paulatina, a efectuar as diversas reparações que o mesmo carecia para lhe ir conferindo condições de habitabilidade que para si próprios conseguissem providenciar. 28. KK sabia que a habitação do prédio não seria possível sem a realização das obras. 29. Foi neste contexto que as pessoas que passaram a residir no imóvel a que se alude em 3), efectuaram diversas intervenções no mesmo, designadamente dotando-o de mais duas pequenas cozinhas, uma na cave e outra no primeiro andar. 30. Após a redução a escrito o contrato mencionado em 5), passaram a viver no primeiro andar FF, mulher e filhos, no rés-do-chão PP, mulher e filha, 31. e na cave EE, acompanhada à noite por uma filha de FF, a MM, então com 16 anos de idade. 32. Depois da morte de EE, passou ali a viver MM. 33. MM, depois de casada, em Junho de 1976, passou a viver na cave também com SS. 34. Depois da morte de KK, o marido da A. deslocou-se ao prédio, ficando a saber que lá viviam todas estas pessoas e do acordo que tinham com o primeiro. 35. Em 19… nasceu ao casal PP e mulher, a filha TT. 36. Há cerca de 20 anos foi solicitada por PP ao marido da A. a autorização para que fosse efectuado o tapamento de uma varanda no rés-do-chão e o tapamento do pátio existente na cave para proteger a cobertura aí já existente e a proporcionar maior conforto à habitação, melhorando uma cozinha improvisada existente. 37. O marido da A. deu consentimento para as intervenções. 38. E mais tarde verificou-as pessoalmente. 39. Verificando nessa altura a varanda do rés-do-chão envidraçada. 40. O chuveiro sito na cave sempre existiu. 41. A única casa de banho completa do imóvel sempre existiu, tendo sido substituída a banheira por um chuveiro, há mais de vinte anos. 42. Desde essa altura, todas as intervenções efectuadas pelas pessoas que habitam foram efectuadas com o acordo do marido da A.. 43. Há cerca de 10 anos reforçaram as fechaduras em cada piso para evitar furtos por um dos elementos de uma família. 44. Em Janeiro de 2007 faleceu PP. 45. Actualmente, vivem no prédio a ré e o filho OO, a filha da ré MM e o marido desta SS, QQ e a sua filha TT. IV . 2 –Interessando ainda os seguintes elementos retirados da tramitação processual:
1 . Na sentença de 1.ª instância, a Sr.ª Juíza entendeu que: As obras efetuadas na década de setenta ou depois na de noventa do século passado foram realizadas com o conhecimento e consentimento dos senhorios, não podendo, por isso, sequer valorar-se o facto de inexistir acordo escrito; As obras efetuadas há cerca de 20 anos, já na vigência do RAU, não cabem no âmbito de previsão do artigo 64.º, n.º1 d); Em qualquer caso, relativamente a estas teve lugar acordo do marido da autora; Em qualquer caso ainda, o direito de resolução do contrato caducou quanto às obras efetuadas em data em que era senhorio KK e quanto às demais descritas e efetuadas há cerca de vinte anos na altura em que era senhorio AA; Também não procede o pedido de resolução com base nas alíneas f) e g) do artigo 1038.º do Código Civil;
2 . Depois de manifestar tais entendimentos, escreveu o que consta da conclusão 7.ª, que aqui se repete: "Finalmente, em face do que ficou dito quanto ao comportamento dos falecidos senhorios do locado em crise, ainda que se entendesse estarem preenchidos os fundamentos de facto e de direito para a resolução do contrato de arrendamento, o abuso de direito consagrado no art. 334.º do Código Civil na sua modalidade de venire contra factum proprium impediria a A. de agir contra as pessoas que vivem no locado e ali fizeram as necessárias obras, durante a vigência do contrato ao tempo dos primeiros locadores e com o seu conhecimento. "
3 . Nas alegações da apelação, conclusões incluídas, a ré omite qualquer referência expressa ao abuso do direito; Insurgindo-se longamente contra o demais constante da fundamentação da sentença e concluindo que “o recurso merece provimento”, devendo “ser a sentença revogada e substituída por outra que, respeitando os preceitos legais ínsitos no direito do arrendamento e de acordo com o supra alegado, julgue procedente a ação apresentada pela recorrente, resolvendo o contrato sub judice…”
4 . A propósito do abuso do direito, escreveu a Relação: “Mais defende a ré que nessa descoordenação a apelação acaba por não versar a matéria do abuso do direito por banda da autora, abuso esse que tinha sido julgado verificado na sentença, ocorrendo trânsito em julgado quanto à questão do abuso do direito. Continua a ré defendendo que fica prejudicado o conhecimento da apelação, já que a ação sempre improcederá com fundamento no abuso do direito, o qual se tem de ter como assente e como pressuposto na apelação.”
E mais adiante:
“A apelação não contém pronúncia ou crítica directa sobre um trecho de abuso de direito que consta na sentença. Trata-se do seguinte trecho: … A presente apelação é a expressa e substantiva negação do caso julgado que alguma vez se pudesse extrair da própria fundamentação da sentença, nos termos dos arts. 671 nº 1 e 673 do CPC (anote-se a destrinça entre o caso julgado que reside nos fundamentos da sentença – por vezes admissível – e o caso julgado que reside na decisão da sentença): precisamente por existir o presente recurso, improcede a tese das contra-alegações no sentido de se ter constituído caso julgado quanto ao fundamento da sentença que se prende com o abuso de direito. A ré suscitou a excepção peremptória de abuso de direito na contestação. Importa ter presente o disposto no art. 684 nº 3 do CPC, norma que prevê a restrição do objecto do recurso em função do alcance das conclusões. Sucede que a apelante discute validamente na apelação premissas de discordância sobre a condição jurídica reconhecida a quatro pessoas na sentença, assim estabelecendo crítica mais do que suficiente à incipiente conclusão de abuso de direito inserta na sentença. Com efeito, o trecho sobre abuso de direito que vai transcrito é difuso e é instituído com base em pressupostos que são arvorados a meras premissas condicionais ou subsidiárias – expressão “ainda que se entendesse” – e a própria conclusão de abuso de direito é instituída como resultado eventual, conforme emprego do modo condicional no verbo impedir – expressão “impediria”. É manifesto que na sentença não existe uma definição estruturada e positiva de abuso de direito por banda da autora e basta a esta última criticar – como critica – nas conclusões da apelação as premissas sobre a condição jurídica reconhecida, ou aventada, às ditas quatro pessoas na sentença para que as conclusões da apelação se instituam como crítica mais do que suficiente ao incipiente trecho dos fundamentos da sentença sobre esse abuso. A autora logra a qualificação do estatuto jurídico das quatro pessoas como hóspedes, assim estabelecendo crítica primária e fundamental a uma (incipiente) conclusão de abuso de direito, a qual nunca – nem implicitamente – equaciona esse estatuto jurídico. Não se verifica a limitação decorrente do art. 684 nº 3 citado à discussão no presente acórdão da matéria de abuso de direito por parte da autora quanto à pretensão de resolução do contrato. Mas ocorre abuso de direito? Recapitula-se que os sucessivos senhorios sabiam que no prédio se alojavam mais de três hóspedes e nunca se esquece que a autora pretende sacrificar a habitação de seis pessoas, distribuídas por três agregados familiares. Não se entende que a autora incorre na situação de venire contra factum proprium pela circunstância de os sucessivos senhorios saberem que no prédio se alojavam mais de três hóspedes e a única objecção que se poderia estabelecer a esse conhecimento dos senhorios seria o decurso de mais de um ano sem pedido de resolução depois de o prédio deixar de ter hóspedes, ou passar a ter três hóspedes, ou passar a ter menos de três hóspedes: em suma, a objecção em causa resumir-se-ia à caducidade do direito de resolução, a qual vimos não proceder. A autora não pode estar perpetuamente vinculada a aceitar uma situação em que no prédio existem mais de três hóspedes, só porque sabe que eles existem. Restringir o exercício do direito da autora à resolução do contrato perpetuaria uma situação de ocupação do prédio por pessoas que ali não têm estatuto jurídico oponível à autora/proprietária, consagrando situação de facto que é contrária ao direito de propriedade da autora, além de ser contrária à prerrogativa da autora/senhoria de, em qualquer momento, limitar o uso do arrendado por mais de três hóspedes. Note-se que nessa situação a autora fica impedida de reivindicar o prédio às ditas quatro pessoas, ou até a um número superior de hóspedes que porventura se possam vir a alojar no arrendado. Nunca perdendo de vista o sacrifício da habitação de seis pessoas, entende-se que a autora exerce em termos razoáveis e conformes com a boa fé, com os bons costumes e, sobretudo, com o respectivo fim económico e social, o direito de resolução do contrato de arrendamento. Não há abuso de direito por parte da autora.” …………………………….. V – Quanto à questão do caso julgado, o recurso improcede por duas razões: A primeira porque a posição sobre o abuso do direito tomada em 1.ª instância não constitui caso julgado, mesmo considerando os mais latos limites objetivos deste; A segunda – aliás dispensável, por a primeira conduzir logo ao malogro - visto que a alegação implícita deve ser tida em conta e nas alegações da apelação deve considerar-se implicitamente posta em causa esta mesma posição.
Vejamos porquê: A questão dos limites objetivos do caso julgado – cuja estatuição se radica, no essencial, no disposto nos artigos 673.º, 498.º, n.º1 e 96.º, n.º2 do Código de Processo Civil – tem levantado sucessivas discussões. Descortinando-se profunda divergência entre o entendimento de que os limites se ficam pela resposta dada à pretensão do autor (ou, em reconvenção, do réu) e o que os situa de modo a abrangerem a tomada de posição sobre os fundamentos lógicos indispensáveis em que assenta tal resposta. Esta segunda posição – acolhida, por regra, por este Tribunal (vejam-se, muito exemplificativamente, os Acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt, de 5.7.2005, processo n.º 05A/2008 e de 14.3.2006, processo n.º 05B3582, em que alude aos “fundamentos lógico-jurídicos indispensáveis” à decisão e às questões que constituem ”antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado”, respetivamente) - é mais lata e se, perante ela, não colhe a argumentação da recorrente, fica prejudicada a tomada de posição entre as duas. O entendimento da Sr.ª Juíza da 1.ª instância sobre o abuso do direito não constituiu um fundamento lógico indispensável da decisão que tomou quanto ao mérito da causa. A decisão já resultava logicamente das posições que tomara sobre as questões anteriores, tendo sido apresentada a posição sobre aquela figura apenas como reforço, relativamente a um sentido decisório inevitável face ao que anteriormente escrevera. Nem outra coisa se pode concluir quando escreveu: “… ainda que se entendesse estarem preenchidos os fundamentos de facto e de direito para a resolução do contrato…”
Por outro lado, se necessário fosse, ainda haveria que interpretar o teor das alegações da apelação.
Como referem A. Varela, Sampaio e Nora e Miguel Bezerra (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 676, nota de pé de página) e tem sido entendimento deste Tribunal (exemplificativamente, os Ac.s de 3.2.1999, no BMJ 484.º, 384, de 22.10.2009, processo n.º 409/09.4YFLSB e de 5.5.2011, processo n.º 3667/04.7TJVNF-S-S1, disponíveisno referido sítio), a alegação implícita deve ser tida em conta.
Esta consideração integra-se, aliás, numa visão do processo civil como mero instrumento e não como um fim em si, impondo-se, por isso, uma grande elasticidade em ordem a que a decisão do tribunal assente em realidades substantivas e não adjetivas (vejam - se, a este propósito, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, na parte em que alude à “garantia de prevalência do fundo sobre a forma” e, bem assim, Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 59). Ora, ainda que efetivamente, nas alegações, a parte não se refira expressamente à tomada de posição sobre o abuso do direito levada a cabo pela Sr.ª Juíza a quo, não deixa – como vimos na parte que supra transcrevemos – de manifestar a pretensão de que se julgue a ação procedente, o que, implicitamente, traduz a recusa da aceitação de tal construção. Se é certo que ela não esteve, por desnecessidade, na base do decidido, não menos certo é que, como foi entendida, serviria, se necessário fosse, ao bloqueamento da procedência da ação.
VI – Conforme flui claramente da redação da alínea d) do n.º1 do artigo 668.º, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia constitui o reverso da emergente da omissão de pronúncia. Verifica-se esta, quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. Ao que sejam “questões”, para estes efeitos, respondem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704 : são “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, não significando “considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artigo 511-1) as partes tenham deduzido…”(página 680). No mesmo sentido se podendo ver, A. Varela, RLJ, 122,112 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 195. E tem sido particularmente reiterada a jurisprudência, incluindo a deste tribunal, que vem afirmando, ao que sabemos com unanimidade, que o juiz deve conhecer de todas as questões, não carecendo d conhecer de todas as razões ou de todos os argumentos (cfr-se, por todos, os Ac. de 25.2.1997, no BMJ, 464 – 464 e de 16.1.1996, na CJ STJ, 1996, 1.º, 44 e, em www.dgsi.pt, os de 13.9.2007, processo n.º 07B2113 e de 28.10.2008, processo n.º 08A3005). Ou seja, só há excesso de pronúncia para estes efeitos, se o tribunal conheceu de pedidos, causas de pedir ou exceções de que não podia tomar conhecimento.
Na petição inicial refere-se que residem no arrendado pessoas “sem legitimidade para o efeito” (uma família no rés-do-chão e um casal na cave) e que, por isso (além do mais), a senhoria tem direito a resolver o contrato. A partir daqui o tribunal tinha que conhecer deste fundamento resolutivo e dele conheceu. No recurso, a questão foi levantada e o Tribunal da Relação tinha que dela conhecer. Se tinha que dela conhecer, não há excesso de pronúncia. A consideração de terem ou não terem a categoria de hóspedes as pessoas que, para além da arrendatária, vivem no locado, diz respeito à construção jurídica, não atingindo a perfeição formal do aresto. Situando -se, por isso, fora do âmbito do presente recurso.
VII – Face ao exposto: Não se conhece da revista na parte relativa à nulidade processual; Nega-se aquela quanto ao mais.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2012 João Bernardo (Relator) Oliveira Vasconcelos Serra Baptista |