Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
940/11.1TVLSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: COOPERATIVA
TÍTULO
AMORTIZAÇÃO
SUCESSÃO POR MORTE
HERDEIRO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 05/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS SUCESSÕES.
DIREITO COOPERATIVO - CAPITAL SOCIAL.
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS / PRESCRIÇÃO.
Doutrina:
- Ferrer Correia e Vasco da Gama Lobo Xavier, "A Amortização de Quotas e o Regime da Prescrição", Revista de Direito e de Estudos Sociais, 1965, Ano XII,I e II, pp. 13-102.
- Luiz da Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, Vol. I, 1914, pp. 328/329.
- Manuel de Andrade, "Sobre a Validade das Cláusulas de Liquidação de Partes Sociais pelo Último Balanço", Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 86.º, p. 368 e segs e p. 18 do Ano 87.º.
- Vaz Serra, Anotação ao acórdão do S. T.J. de 16-2-1973, R.L.J., Ano 107.º, p. 59 e segs..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 2024.º.
CÓDIGO COOPERATIVO DE 1980, APROVADO PELO DEC-LEI N.° 454/80, DE 9-10, ALTERADO PELO DL N.° 238/81, DE 10-8, E RATIFICADO PELA LEI N.° 1/83, DE 10-1: - ARTIGOS 8.º, 25.º.
CÓDIGO COOPERATIVO DE 1996 (APROVADO PELA LEI N.° 51/96, DE 7-9, QUE REVOGOU O CÓDIGO ANTERIOR E QUE VIGORA DESDE 1-1-1997): - ARTIGOS 9.º, 23.º, N.º4.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 174.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18-3-1997, B.M.J. 465-599.
Sumário : I - Não se transmitindo mortis causa os títulos de capital do membro cooperador (art. 25.º, n.º 4, do CCoop de 1980, atual art. 23.º, n.º 4, do CCoop de 1996), os sucessores têm direito a receber o montante dos títulos do autor da sucessão segundo o valor nominal, corrigido em função da quota-parte dos excedentes ou dos prejuízos e das reservas não obrigatórias.

II - O cooperador, proprietário dos títulos de capital de Cooperativa, dispõe do direito patrimonial ao seu valor, direito ao capital que é transmissível para os sucessores e de que emerge, para a sociedade, a obrigação de amortização ou de liquidação desse capital quando, por morte do cooperador, a propriedade dos títulos não se transmita aos sucessores.

III - E porque tal direito à amortização é um direito patrimonial emergente do contrato cooperativo com base no qual foram atribuídos ao cooperador títulos de capital, o crédito respeitante à obrigação de pagamento do capital prescreve no prazo de cinco anos a que alude o art. 174.º, n.º 1, do CSC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA intentou no dia 26-4-2011 ação declarativa com forma ordinária contra BB, C.R.L. alegando que é única herdeira de CC e de DD que foi admitido como cooperador da ré em 17-1-1986, tendo falecido no dia 5-1-1996.

2. De acordo com o artigo 25.º do Código Cooperativo de 1980 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 454/80, de 9 de outubro) não podia operar-se a transmissão mortis causa dos títulos do autor da sucessão a favor da A e, por isso, ela tem direito a receber o montante dos títulos do autor da sucessão, segundo o valor nominal , tal como resultar do último balanço aprovado, corrigido em função da quota-parte dos excedentes ou prejuízos e das reservas não obrigatórias.

3. De acordo com as contas de exercício relativas a 1995, aprovadas em 1996 - e tendo em conta que o óbito do pai da A. ocorreu logo nos primeiros dias de 1996 - a ré era titular de um capital de 49.946.000$00, de reservas de reavaliação no montante de 427.171.271$50 e de reservas estatutárias no montante de 228.292.199$20; o resultado líquido do exercício da ré de 1995 foi de 60.749.752$30, tendo a ré à data do óbito não menos de 44 membros cooperadores.

4. Assim sendo, e no que respeita à sua quota parte no capital da Cooperativa, tem direito a 1/44 de 49.946.000$00, ou seja, 1.135.136$36;  no que respeita às reservas de reavaliação, tem direito a 1/44, ou seja, 9.708.437)); no que respeita às reservas estatutárias, tem direito a 1/4 de 228.892.199$20, ou seja, 5.202.095$44;  tem ainda direito à sua quota-parte no resultado líquido do exercício de 1995, isto é, a 1/44 de 60.749.752$30, ou seja, 1.380.676$19; tudo isto perfazendo 17.426.345$98, ou seja, 86.922,25€.

5. No que respeita a juros são devidos apenas os relativos aos últimos 5 anos.

6. Conclui a A. a petição pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de 86.922,25€, acrescida de juros vencidos, à taxa legal, calculados com referência aos últimos 5 anos, no montante de 17.384,45€ e, ainda, dos juros vincendos , à mesma taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento.

7. A ré invocou a exceção de prescrição com fundamento em 3 situações: pelo decurso do prazo de 3 anos com base em responsabilidade contratual e em sede de enriquecimento sem causa; com base no decurso do prazo de 5 anos no que respeita ao resultado do exercício de 1995 que constitui dividendo da ré (artigo 310.º, alíneas d) e g) do Código Civil) e também quanto às reservas, incluindo as de reavaliação e estatutárias porque são prestações que têm origem nos excedentes anuais líquidos do exercício da sociedade, periodicamente renováveis;  e, finalmente,  pelo decurso do prazo de 5 anos constante do artigo 174.º/2 do C.S.C.  aplicável ex vi do artigo 9.º do Código Cooperativo considerando que a A. pretende exercer os direitos do ex-cooperador da ré, seu pai, quanto aos títulos de capital da ré, direitos que foram transmitidos à A. mortis causa e nos termos do disposto no artigo 23.º/4 do Código Cooperativo.

8. A sentença de 1ª instância julgou a exceção improcedente considerando que o artigo 498.º do Código Civil não tem aplicabilidade pois não estamos face a responsabilidade  extracontratual e tão pouco o artigo 482.º do Código Civil pois a presente ação não tem por causa de pedir o enriquecimento sem causa. Quanto à prescrição  constante do artigo 310.º, alínea g) do Código Civil considera a sentença que a A. não está a pedir o pagamento desse tipo de prestações, pois o direito que invoca é diferente, lançando-se mão das reservas não obrigatórias mas apenas para cálculo do montante a pagar. Por último, e no que respeita  à aplicabilidade do artigo 174.º,n.º2 do Código das Sociedades Comerciais, considerou-se que o prazo aí previsto " é o da prescrição de direito dos sócios e terceiros fundado em responsabilidade de membros de órgãos sociais e outros e para efeitos das ações previstas nos artigos 82.º e 83.º do mesmo Código. Na presente ação a ré demanda a Cooperativa e não qualquer membro dos seus órgãos ou outras das pessoas previstas na norma pelo que a mesma não tem aplicação a estes autos que não se quadram na sua previsão".

9. O Tribunal da Relação concedeu provimento ao recurso da ré, absolvendo a ré do pedido considerando, em síntese, que

1- 0 direito ao reembolso da quota-parte do cooperador, nos casos em que a respetiva titularidade não seja transmissível mortis causa pelo facto de os seus sucessores não reuniram as condições de admissão como membro da cooperativa, nos termos previstos no n.° 5 do artigo 25.° do Código Cooperativo,  aprovado pelo Dec.-Lei n.° 454/80, de 9-10, traduz-se num direito patrimonial de amortização dessa quota-parte.

2 - Sendo um dos princípios cooperativos o da  variabilidade do número de membros e do capital, não se colocam aqui questões de amortização conforme haja redução ou não do capital social, à semelhança do que sucede no caso de amortização de ações nas sociedades anónimas, havendo somente que equacionar o direito ao referido reembolso por parte dos sucessores do cooperador falecido, atenta a data da abertura da sucessão.

3- Trata-se, pois, dum direito social emergente do contrato de constituição da cooperativa e do inerente regime legal, que subsiste na esfera patrimonial do de cujus, sendo como tal transmissível para os respetivos herdeiros.

4- Tal direito está sujeito à prescrição quinquenal estabelecida no artigo 174.°, n.° 1, alínea d), do CSC, subsidiariamente aplicável por via do artigo 9.° do Código Cooperativo.

5- Dado que o montante a receber é calculado pelo valor nominal dos títulos, corrigido em função da quota-parte dos excedentes ou prejuízos e das reservas não obrigatórias, nos termos do n.° 5 do artigo 25.° do  Código Cooperativo, tem-se logo por vencida a obrigação, para os efeitos do artigo 174.°, n.° 1, alínea d), do CSC, podendo o respetivo direito ser também logo  exercido em conformidade com o artigo 306.°, n.° 1, l.a parte, do CC.

6- De resto, uma vez que a liquidação do seu  montante é feita segundo o referido valor, pode ela ser, desde logo, promovida pelo sucessor, começando, a partir daí, a correr o prazo prescricional, nos termos da primeira parte do n.° 4 do mencionado 306.° do CC.

10. A A. interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal concluindo a sua minuta nos seguintes termos:

A) O presente recurso tem o seguinte objeto:  violação da lei substantiva, nos termos do artigo 722.º,n.º1, alínea a) do C.P.C. , por erro de interpretação do artigo 25.º do Código Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 454/80, de 9 de outubro, na redação aplicável, e erro de determinação da norma aplicável, quando se considera aplicável à situação o artigo 174.º do Código das Sociedades Comerciais

B)  o acórdão recorrido considerou que o direito da A., ora recorrente, se consubstanciaria num direito de amortização da quota-parte do capital da Cooperativa e aplicou ao caso dos autos o preceituado no artigo 174.º,n.º1, concluindo pela ocorrência da prescrição.

C) Em relação à natureza jurídica da direito exercido nestas ação, julgamos que é errónea a sua qualificação como direito patrimonial de amortização, detido pelo sócio e transmissível para os herdeiros

D) O acórdão recorrido recorta o direito em pauta no quadro dos direitos de amortização de partes sociais que se encontram regulados no Código das Sociedades Comerciais (cf. artigos 232.º a 238.º quanto às sociedades por quotas (artigos 346.º e 347.º quanto às sociedades anónimas), aplicáveis às  cooperativas a título subsidiário  por força da regra remissiva do artigo 8.º do Código Cooperativo.

E) Tais direitos podem ser exercidos por iniciativa da sociedade ou do sócio quando a lei ou o contrato o previrem - mas dependem sempre de uma  deliberação societária - cf. artigos 234.º, 346.º e 347.º do C.S.C. Ora in casu não houve qualquer deliberação societária pelo que a situação dos autos nunca se poderia subsumir à daqueles regimes legais

F) Por outro lado, não é verdade que a A., ora recorrente, esteja a exercer um direito de que o de cujus já fosse titular - e agora lhe tivesse sido transmitido - ao contrário do que afirmou o acórdão recorrido quando qualifica a situação em causa como " direito social emergente do contrato de constituição da cooperativa e do inerente regime legal que subsiste na esfera patrimonial do de cujus sendo como tal transmissível para os herdeiros"

G) Os sucessíveis dos cooperadores , e aqui, em particular, a A., não tem um direito de amortização que eventualmente existisse na esfera do de cujus; ao invés, o sucessível que não preenche os requisitos de admissão na Cooperativa - ou seja, o sucessível que não pode, por proibição estatutária, ter a qualidade de cooperador - ganha um " novo" direito do qual não seria titular (pelo menos por via do artigo 25.º do Código Cooperativo, na redação aplicável) se preenchesse esses requisitos.

H) Isto é, o direito da A., ora recorrente, não é um direito que emerge direta e simplesmente da qualidade de ser sucessora de cooperador falecido, mas sim da conjugação  desse facto com a falta de requisitos da A. para integrar a Cooperativa. É, pois, um direito de reembolso que não se encontrava na esfera do de cujus sendo, por isso, um direito de crédito comum.

I) Questão diferente seria a aplicabilidade à situação dos autos  - em tese possível - dos regimes legais que, no C.S.C., admitem que a transmissão de partes sociais fique condicionada à verificação de certos requisitos - cf. artigos 225.º e 226.º para as sociedades por quotas, artigos 328.º e 329.º para as sociedades anónimas -, sob pena de poder ser exercida a amortização dessas partes sociais. Só que - se assim se entender -, ou seja, se se entender que tais regimes se aplicam às cooperativas, por via da aplicação subsidiária prevista no Código Cooperativo -, então a aplicação de tais regimes implicará que , in casu, não tendo a Cooperativa amortizado os títulos em pauta, se tenham de se considerar os mesmos transmitidos a favor da A. que assim se deve considerar como cooperadora (por aplicação do regime previsto no artigo 225.º,n.º2 do C.S.C)

J) De qualquer forma, ainda que se entendesse qualificar o direito da A. como um direito de amortização de quota - parte do capital da Cooperativa - o que apenas por cautela se pondera- o regime do artigo 174.º,nº1 do C.S.C. nunca seria aplicável ao caso dos autos.

K) É que, apesar de o Tribunal recorrido considerar que o direito em causa se inscreve " no âmbito de previsão da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 174.º do C.S.C" a verdade é que esse prazo quinquenal vale apenas quando estejam em causa " direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, administradores , os membros do conselho fiscal e do conselho geral de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade"

L) Ora, a A. não é - nem nunca foi - fundadora, sócia, gerente, administradora, membro do conselho fiscal, geral ou de supervisão, revisora oficial de contas ou liquidatária da ré, e não a integra por qualquer forma, até porque nem a pode integrar.

M) A A., ora recorrente, visivelmente não integra a previsão da norma em causa. Não pode, pois, aplicar-se ao exercício do seu direito  a prescrição invocada, já que a qualidade da A. não corresponde a nenhuma das situações previstas no artigo 174.º,n.º1 do C.S.C.

11. A  ré, por sua vez, nas contra-alegações,  reitera que os resultados dos exercícios correspondem a dividendos da ré ou a prestações periodicamente renováveis que prescrevem no prazo de 5 anos - artigo 310.º, alíneas d) e g) do Código Civil.

12. E refere: a A. pretendeu exercer os direitos do seu pai, ex-cooperador da ré.

13. E estes direitos do pai da A. são relativos aos excedentes anuais líquidos, com exceção dos provenientes de operações realizadas com terceiros que restarem depois do eventual pagamento de juros pelos títulos de capital e das reversões para as diversas reservas, que poderão reverter para os cooperadores - artigo 73.º,n.º1 do Código Cooperativo.

14. Ou seja, estes eventuais direitos aos excedentes anuais líquidos dos cooperadores são claramente periodicamente renováveis, pois todos os anos se vencem, ou podem vencer, com o apuramento das contas e deliberação  quanto aos destino dos excedentes (como acontece, aliás, com os dividendos das sociedades comerciais)

15. Sintomaticamente, aliás, o legislador a eles se refere como "excedentes anuais"

16. No caso da A. esta tem direito aos títulos do autor da sucessão, segundo o valor nominal, tal como resulta do último balanço aprovado, corrigido em função da quota-parte dos excedentes ou prejuízos e das reservas não obrigatórias - artigo 23.º,n.º4 do Código Cooperativo.

17. Ou seja, o direito da A. corresponde ao valor nominal dos títulos, acrescentado dos excedentes e subtraído das reservas.

18. Tudo o que a A. requer para além da quota-parte do capital da cooperativa respeita a direitos periodicamente renováveis , pese embora , no caso da A., herdeira do cooperador, se confinem ao exercício relativo ao falecimento do cooperador da ré, pai da A.

19. Sendo certo que a natureza dos direitos em causa - herdados pela A. - não se alteram por se restringirem a um só exercício , como é evidente.

20.  Assim sendo, todos os direitos e excedentes da ré , ou seja, tudo o que a A. peticiona para além da quota parte do capital da cooperativa, prescreveram no prazo de 5 anos, pois constitui uma prestação periodicamente renovável.

21. Isto tanto se forem considerados dividendos, por aplicação extensiva da alínea d) do artigo 310.º do Código Civil, ou por aplicação direta do disposto na alínea g) do mesmo artigo.

22. Destarte, devem ser julgados prescritos todos os direitos reclamados pela A. ou, caso assim se não entenda, o que apenas por dever de patrocínio se equaciona, pelo menos julgados prescritos todos os direitos reclamados para além da quota-parte do capital da ré.

23. Nestes termos, caso se entenda pela inaplicabilidade do artigo 174.º do C.S.C. nos presentes autos, sempre deverão ser julgados prescritos os créditos reclamados pela A. por aplicação do disposto no artigo 310.º, alíneas d) e g) do Código Civil.

24.  Factos dados como assentes.

Têm-se, desde já, por assentes, e que como tal foram selecionados pela l.ª instância na condensação, os seguintes factos:

1. A ré é uma cooperativa que se dedica à investigação e a docência no âmbito do ensino superior particular e que se encontra matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa desde 7 de fevereiro de 1986 - doc. de fls. 74 a 92;

2.Nos termos do artigo 9.° dos estatutos da ré., reproduzidos a fls. 31-41, só podem ser admitidos como membros da cooperativa, os docentes, investigadores, alunos ou trabalhadores que reúnam os requisitos constantes do art. 10.° dos mesmos estatutos.

3.Os estatutos da ré preveem, respetivamente, nos seus artigos 28.° e 29.°, a reserva legal e a reserva para educação e formação cooperativa, sendo estas destinadas a cobrir as despesas com a educação cooperativa e a formação cultural e técnica dos cooperadores.

4.CC era membro da ré, tendo sido admitido como cooperador n.° 35, em 17 de janeiro de 1986, pago a quantia de 6.000$00 de joia de inscrição e subscrito 10 títulos do respetivo capital com o valor nominal de 500$00 cada um - doc. de fls. 72;

5.CC faleceu a 5 de janeiro de 1996 - doc. de fls. 64-68;

7.A A. é filha e única herdeira de CC e de DD, esta também falecida em 10 de setembro de 2006 - doc. de fls. 64-71;

8.Quer a A. quer a sua mãe não reuniam as condições de admissão como membros da ré - provado por acordo das partes.

9.Segundo as contas do exercício relativas a 1995, aprovadas em 1996, a ré era titular de um capital de 49.946.000$00, de reservas de reavaliação no montante de 427.171.271 $50 e de reservas estatutárias no montante de 228.292.199$20 - doc. de fls. 131 e seguintes;

10. Segundo as contas do exercício relativas a 1996 a ré era titular de um capital de 49.946.000$00, de reservas de reavaliação no montante de 427.171.271 $50 e de reservas estatutárias no montante de 259.267.075$00 - doc. de fls. 131 e seguintes;

11.O resultado líquido do exercício da ré de 1996 foi de 66.412.190$90-doc. de fls. 131 e seguintes.

Apreciando

25. Neste recurso está em causa saber se o direito da autora,  sucessora única de seu pai falecido em 1996, de receber o montante dos títulos de capital que ele detinha na ré com o valor corrigido nos termos do artigo 25.º/5 (com a redação do Decreto-Lei n.º 238/81, de 10 de agosto) do Código Cooperativo de 1980 deve ou não deve considerar-se prescrito considerando que esse direito devia ter sido exercido no prazo de 5 anos a partir da data em que se venceu para a ré essa obrigação conforme resulta do artigo 174.º/1, alínea d) do Código das Sociedades Comerciais.

26. Não tratando o Código Cooperativo do regime de prescrição, tal lacuna é colmatada de acordo com o disposto no artigo 8.º do Código Cooperativo pelo direito comercial, nomeadamente a legislação referente a sociedades anónimas, corporizado ao tempo da abertura da sucessão no Código das Sociedades Comerciais de 1986.

27. Prescreve o artigo 174.º do Código das Sociedades Comerciais sob a epígrafe  "prescrição" o seguinte:

1. Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos:

[…]

d) O vencimento de qualquer outra obrigação.

2. Prescrevem no prazo de cinco anos, a partir do momento referido na alínea b)  do número anterior, os direitos dos sócios e de terceiros, por responsabilidade para com eles de fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios , nos casos previstos nos artigos 82.º e 83.º

28. Por sua vez o artigo 25.º do Código Cooperativo, aprovado pelo Dec-Lei n.° 454/80, de 9 de outubro, alterado pelo Dec-Lei n.° 238/81, de 10 de agosto, e ratificado pela Lei n.° 1/83, de 10 de janeiro, em vigor à data do óbito de CC, pai da A. e membro da R., dispõe, no que aqui releva, que:

1 - Os títulos de capital só são transmissíveis, por acordo "inter vivos " ou "mortis causa ", mediante autorização da assembleia geral ou, se os estatutos da cooperativa o permitirem, da direção, sob condição de o adquirente ou o sucessível já ser cooperador ou reunir as condições de admissão exigidas.

2 - […]

3 - A transmissão "mortis causa " opera-se pela apresentação de documento comprovativo da qualidade de herdeiro ou de legatário, em função do qual será averbada em nome do seu titular, no respetivo livro de registo, que deverá ser assinado por dois membros da direção e pelo herdeiro ou legatário.

5 - Não podendo operar-se a transmissão "mortis causa ", os sucessíveis têm direito a receber o montante dos títulos do autor da sucessão, segundo o valor nominal, corrigido em função da quota-parte dos excedentes ou prejuízos e das reservas não obrigatórias.

29. Este dispositivo corresponde, no essencial, ao artigo 23.° do atual Código Cooperativo, aprovado pela Lei n.° 51/96, de 7 de setembro, que revogou o código anterior e que vigora desde 1 de janeiro de 1997 (art. 94.°).

30. Os Estatutos da Cooperativa prescrevem - ver artigo 9.º - que " podem ser membros da ' BB' os docentes, investigadores, alunos e trabalhadores que obedeçam aos requisitos constantes deste capítulo.

31. A A. não é cooperadora nem reúne as condições de admissão exigidas e, por isso, os títulos de capital detidos pelo seu pai não podem ser transmitidos  mortis causa, ponto sobre o qual todos estão de acordo.

32. Por isso, não podendo operar-se a transmissão mortis causa dos aludidos títulos de capital a favor da A. reconhece-lhe a lei, enquanto sucessora, " o direito a receber o montante dos títulos do autor da sucessão, segundo o valor nominal  corrigido em função da quota-parte dos excedentes ou prejuízos e das reservas não obrigatórias".

33. Se, como resulta da lei, não pode operar-se a favor dos sucessores a transmissão dos títulos de capital, isso não significa que não se transmitam a seu favor os direitos patrimoniais que eles representam visto que tais títulos têm um valor patrimonial.

34. É este valor patrimonial que a lei reconhece assistir aos sucessores, pois, se assim não sucedesse, a Cooperativa locupletar-se-ia à custa do património do cooperante.

35. No entanto, a liquidação desse montante é apenas reconhecida aos sucessores se não puder operar a transmissão mortis causa dos títulos de capital, ou seja, o direito de exigir o valor dos títulos constitui-se na esfera patrimonial do sucessor com a morte do cooperador.

36. Sobre a posição dos herdeiros do sócio falecido referem Ferrer Correia e Vasco da Gama Lobo Xavier, a propósito da amortização de quotas nas sociedades por quotas - entendimento que não se nos afigura ficar prejudicado por estarmos, no caso, face a títulos de capital de Cooperativa - que " logo com a abertura da herança (pois que a aceitação tem efeito retroativo) os herdeiros adquirem e fazem seu  o valor patrimonial representativo da quota do falecido. Só que esse valor tanto podem eles vir a desfrutá-lo na forma característica da relação social (perceção de dividendos, etc., com os consequentes direitos de intervenção na vida administrativa da empresa), como através da incorporação imediata no seu património, para aí ser livremente administrada e fruída, de uma soma de pecúnia, um capital.

37. E esse direito, que os herdeiros adquirem imediatamente - e que tanto poderá vir a desdobrar-se nas várias faculdades inerentes ao estádio de sócios, como a concretizar-se e consubstanciar-se no único direito ao 'preço' da amortização - é-lhes plenamente acautelado desde logo, na medida em que lhes assiste o poder de fiscalizar  quer a legalidade da amortização deliberada, quer a correção das operações que tiverem levado à avaliação oferecida pela sociedade.

38. Tal não significa, porém, que o herdeiro seja sócio, titular daqueles direitos que é uso apelidar de 'corporativos' e que consentem a participação na vida interna da sociedade (direitos de presença e voto nas assembleias gerais, etc.). Aqui trata-se unicamente de uma aplicação do princípio segundo o qual toda a lei, que reconhece um direito, reconhece e legitima ao mesmo tempo os meios necessários para o seu exercício. Se o herdeiro do sócio tem direito a perceber o justo valor da quota do de cujus há de ter também, necessariamente, o de impugnar avaliação feita pela sociedade, podendo requerer exame à escrita […]("A Amortização de Quotas e o Regime da Prescrição", Revista de Direito e de Estudos Sociais, 1965, Ano XII,I e II, pág. 13-102 e, em particular, pág. 96;  ver, no entanto, Ac. do S. T.J. de 16-2-1973, rel. Fernandes da Costa, R.L.J.,Ano 107.º, pág. 59 onde se considera que a quota social de um sócio se transmite ipso jure no momento da morte, para o seu herdeiro, o qual adquire desde então a qualidade de sócio e segs, anotado por Vaz Serra e artigos 225.º e segs. do Código das Sociedades Comerciais).

39. Significa isto - atribuir-se ao sucessor o direito a receber o montante da quota, rectius, dos títulos de participação do cooperador - que estamos postos perante um " novo direito" , " um direito de crédito comum"  e não face a um  crédito que se deva considerar prescrito no  prazo de cinco anos a que alude  o artigo 174.º/1 do C.S.C. por não ser outra coisa senão a realização do direito patrimonial que integra a esfera jurídica do de cujus?

40. Do ponto de vista do recorrente o artigo 174.º/1 do C.S.C. apenas abrange os direitos do sócios contra a sociedade que já estão constituídos à data do decesso e não aqueles que apenas se venham a constituir depois da morte, verificadas as condições previstas na lei.

41. Como se viu, o cooperante é proprietário de títulos de capital que incorporam um determinado valor. Tais títulos têm, portanto, um valor patrimonial e, quando tal valor não é transmissível juntamente com os títulos, porque os sucessores não podem adquirir a qualidade de membros da cooperativa, considera-se transmitido esse valor patrimonial. Ou seja, os sucessores não adquirem um direito novo, pois pertencia já ao de cujus o direito de propriedade sobre os títulos e, consequentemente, o direito ao respetivo valor.

42. Referia Manuel de Andrade que " a posição de cada sócio na sociedade traduz-se num direito complexo, que costuma qualificar-se de 'corporativo' hoc sensu. Como direito complexo, enfaixa vários subdireitos, um dos quais será o de receber ' alguma coisa' , por si ou pelos seus herdeiros, quando sair da sociedade ou ela se dissolver - o direito a ser então pago e satisfeito do que lhe competir (da respetiva quota de liquidação total ou parcial - costuma dizer-se). Mas o que é 'isso' que o sócio (ou os herdeiros) terá a receber , e qual o seu montante?" ("Sobre a Validade das Cláusulas de Liquidação de Partes Sociais pelo Último Balanço", Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 86.º, pág. 368 e segs e, em particular, pág. 18 do Ano 87.º). Estipulando a cláusula que o sócio falecido receberá , pelos seus herdeiros, " o valor da respetiva quota pelo último balanço", fixa-se a natureza desse direito, um simples crédito, configurando-o , modelando-o , definindo-lhe a estrutura.

43.  No caso vertente, é a lei, não o pacto social, que fixa os critérios pelos quais se obterá o montante dos títulos de propriedade do cooperante, mas não se vê que isso imponha alguma alteração do entendimento exposto.

44. Com efeito, e tendo em vista o disposto no artigo 174.º/1 do Código das Sociedades Comerciais, o cooperante é titular do direito ao valor patrimonial dos títulos de capital que consiste no direito patrimonial à sua amortização, que é transmissível, como se viu, aos seus herdeiros (artigo 2024.º do Código Civil).

45. A obrigação de pagamento do crédito emergente do direito de amortização ou de liquidação dos títulos de capital que não é um direito novo constituído na esfera jurídica do sucessor  é que apenas se vence com o decesso do cooperante. O herdeiro, que obviamente sucede nesse direito, pode exigir o pagamento à sociedade, o que fez no caso vertente.

46. Refira-se que, se a lei fosse omissa no que respeita à atribuição aos sucessores do direito a receber o montante dos títulos de capital apesar de prescrever a sua intransmissibilidade verificadas determinadas condições, não deixaria de lhes assistir o direito a esse montante enquanto transmissários do direito do cooperador ao capital a realizar pela amortização dos títulos sob pena de enriquecimento injustificado da Cooperativa.

47. Compreende-se esta limitação temporal visto que a concretização do montante devido passa pela determinação dos excedentes e prejuízos verificados, para além das próprias reservas, valores cujas existências têm reflexo na vida da Cooperativa e nas deliberações a tomar e, por conseguinte, importa que o montante do crédito devido aos sucessores dos cooperadores seja exigido e fixado em tempo razoável, não excessivo.

48. É certo, tal como salientou o acórdão recorrido, que nem todos os direitos a propor contra a sociedade prescrevem no prazo de 5 anos. Assim, no Ac. do S.T.J. de 18-3-1997 (rel. Almeida e Silva), B.M.J. 465-599 evidenciou-se que  a expressão " qualquer outra obrigação" a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 174.º do C.S.C. " deve entender-se como referida a qualquer outra das obrigações nascidas em consequência do "contrato de sociedade" pois não há razão nenhuma para sujeitar a um prazo de prescrição limitado as obrigações que " de nenhum modo resultam ou se relacionam com o contrato de sociedade, nem pressupõem necessariamente a sua existência. Assim, as ações fundadas  numa operação bancária  ou numa compra e venda , ou num seguro, ou num transporte, ou num facto ilícito ou numa dívida fiscal, etc.,não resultam de um ato social só porque uma das partes é uma sociedade ; em todos esses atos poderia ser responsável também qualquer indivíduo. Nenhuma razão há para que só as sociedades sejam protegidas, em tais casos, por uma prescrição de cinco anos. As prescrições de curto prazo  são estabelecidas, não em atenção às pessoas, mas sim à natureza especial das dívidas ou das obrigações" (Comentário ao Código Comercial Português, Luiz da Cunha Gonçalves, Vol I, 1914, pág. 328/329).

49. A doutrina exposta na vigência do artigo 150.º do Código Comercial de 1888 segundo o qual " prescrevem por cinco anos as ações [leia-se: " os direitos" - ver Ferrer Correia, loc. cit., pág. 31 e seguintes ] resultantes do contrato de sociedade ou de atos sociais, se houverem sido feitos os registos e publicações previstos neste Código" mantém-se válida à luz do atual artigo 174.º do C.S.C.

50.  No caso vertente, o direito de crédito que a lei reconhece aos sucessores do cooperador titular de títulos de capital intransmissíveis resulta , como se disse, da transmissibilidade a favor daqueles do direito patrimonial sobre títulos de capital, ou seja, e finalizando como o acórdão recorrido, os direitos dos sucessores emergem do contrato de constituição da cooperativa " e do inerente regime legal, que subsiste na esfera patrimonial do de cujus, sendo como tal transmissível para os respetivos herdeiros, nos termos do artigo 25.°, n.° 5, do citado Código Cooperativo e do artigo 2024.° do CC, inscrevendo-se, por conseguinte, no âmbito de previsão da 2.ª parte do n.° 1 do artigo 174.° do Código das Sociedades Comerciais, aplicável por via do disposto no art.º 9.° do Código Cooperativo".

Concluindo:

I- Não se transmitindo mortis causa os títulos de capital do membro cooperador (artigo 25.º/4 do Código Cooperativo de 1980, atual artigo 23.º/4 do Código Cooperativo de 1996), os sucessores têm direito a receber o montante dos títulos do autor da sucessão segundo o valor nominal, corrigido em função da quota-parte dos excedentes ou dos prejuízos e das reservas não obrigatórias.

II- O cooperador, proprietário dos títulos de capital de Cooperativa, dispõe do direito patrimonial ao seu valor, direito ao capital que é transmissível para os sucessores e de que emerge, para a sociedade, a obrigação de amortização ou de liquidação desse capital quando, por morte do cooperador, a propriedade dos títulos não se transmita aos sucessores. 

III- E porque tal direito à amortização é um direito patrimonial emergente do contrato cooperativo com base no qual foram atribuídos ao cooperador títulos de capital, o crédito respeitante à obrigação de pagamento do capital prescreve no prazo de cinco anos a que alude o artigo 174.º/1 do Código das Sociedades Comerciais.

Decisão: nega-se a revista

Custas pela recorrente

Lisboa, 15 de maio de 2013

Salazar Casanova (Relator)

Fernandes do Vale

Marques Pereira