Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
85/14.2T8PVZ-D.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECURSO DE APELAÇÃO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DA RELAÇÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 10/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA E BAIXA DO PROCESSO
Sumário :
I. Tendo o recorrente procedido a um resumo dos três depoimentos gravados (dois de parte, o maior de 49 minutos e o outro testemunhal, de 12 minutos de duração), em que funda o seu recurso, a falta de indicação exacta das passagens da gravação (apenas foi indicado o início e o termo) e a falta da transcrição directa dos depoimentos (ou dos excertos considerados relevantes) não são susceptíveis de inviabilizar a apreciação do recurso de impugnação, uma vez que não impedem o exercício do contraditório pela contraparte nem o exame do recurso pelo Tribunal da Relação;

II. Como assim, e segundo um critério de proporcionalidade e de razoabilidade, não deve o recurso de impugnação da decisão de facto , fundado nesses depoimentos, ser rejeitado.

Decisão Texto Integral:
Revista nº 85/14.2T8PVZ-D.P1.S1

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


AA, com domicílio profissional em ..., veio intentar a presente acção contra BB e CC, residentes em ..., pedindo a condenação destes no pagamento da quantia global de €86.657,61, acrescida de juros de mora, contabilizados desde a data da respectiva citação até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou ter prestado a ambos os Réus serviços próprios do exercício da advocacia – no exercício de um mandato forense para os representar numa acção judicial em que eram autores -não tendo os Réus procedido ao pagamento dos respectivos honorários.

Devidamente citados, vieram os Réus contestar, alegando que o mandato que conferiram ao Autor cessou com a renúncia expressa à procuração que este apresentou no referido processo em 10.11.2016 que lhes foi comunicada em 14.11.2016, e, desde então, não mais o Autor lhes prestou quaisquer serviços.

Mais alegaram que, à data da cessação do mandato, todos os serviços prestados pelo Autor, que vêm descritos na petição inicial, lhe foram integralmente pagos, invocando a prescrição presuntiva do crédito pois que os serviços foram prestados há mais de dois anos, considerando a data da propositura da acção.

O Autor respondeu à matéria da excepção, alegando que não decorreu o prazo da prescrição presuntiva que os Réus invocam, na medida em que o mandato apenas se extinguiu em 8.5.2017, tendo prestado serviços de advocacia, atinentes ao aludido processo, para além da data da apresentação da renúncia à procuração. E por outro lado, sustentou que os réus, ao alegarem que todos os pagamentos que realizaram ocorreram em data anterior a 10.11.2016, não alegaram terem efectuado o pagamento da nota de honorários que titula o valor dos serviços prestados a qual foi emitida ulteriormente. Invocou que os réus não alegaram o pagamento da obrigação que o Autor pretende ver cumprida – a qual só se tornou exigível com a elaboração e envio da nota de honorários que a corporiza - razão pela qual não podem beneficiar do instituto da prescrição presuntiva. Acresce que, ao terem alegado terem efectuado o pagamento em data anterior àquele em que a dívida se tornou certa e líquida – o que só sucedeu com a apresentação da nota de honorários – os Réus apresentaram uma defesa incompatível com a presunção de pagamento, o que só por si também inviabiliza a invocação da prescrição em causa.

Subsidiariamente, sustentaram que a invocação da prescrição em análise em simultâneo com a instauração de uma outra acção contra o aqui Autor, na qual reclamam a condenação deste em indemnização por alegados actos praticados em execução do mandato, configura uma situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium que os impede de se prevalecerem da prescrição em causa.

No despacho saneador foi decidido que os réus beneficiam da presunção de cumprimento nos termos do artigo 317º, alínea c) do Ccivil.

Após julgamento, foi proferida sentença que concluiu assim:

“Pelo exposto, o Tribunal julga válida a invocação da prescrição presuntiva e, em conformidade, absolve os Réus BB e CC do pedido que contra si foi deduzido pelo Autor AA.

Custas pelo Autor. (art. 527º do C. P. Civil). (…)”

Inconformado com tal decisão, veio o Autor interpor recurso de apelação, formulando, a final, as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar válida a invocação da prescrição presuntiva e, em conformidade, absolver os Réus do pedido que contra si foi deduzido pelo Autor, aqui Recorrente.

2. Considerando a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, não pode o Recorrente conformar-se com o julgamento da matéria de facto, designadamente com a resposta dada aos pontos A, B, C, D e E da matéria dada como não provada, que por economia de exposição, se dão por integralmente reproduzidos - são estes os concretos pontos de facto que o Recorrente entende que foram incorretamente julgados, assim se cumprindo o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 640.º do CPC.

3. Da conjugação dos depoimentos prestados pelo Recorrente, pelos Recorridos e por DD ficou perfeitamente demonstrado que os Recorridos não procederam ao pagamento de qualquer quantia a título de honorários, com exceção do valor inicialmente entregue, e que, depois do dia 8/05/2017, a Recorrida mulher se deslocou ao escritório do Recorrente, onde obteve a explicação do teor do acórdão que havia sido proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

4. As declarações do Recorrente podem ser aferidas da passagem dos minutos 00:01:00 a 00:49:30 do seu depoimento, o qual teve lugar na audiência de julgamento realizada no dia 15/10/2021, assim se cumprindo o estatuído na alínea b), do nº 1, do artigo 640.º do CPC.

5. As declarações do Recorrido podem ser aferidas da passagem dos minutos 00:00:35 a 00:33:45 do seu depoimento, o qual teve lugar na audiência de julgamento realizada no dia 15/10/2021, assim se cumprindo o estatuído na alínea b), do nº 1, do artigo 640.º do CPC.

6. As declarações da testemunha DD podem ser aferidas da passagem dos minutos 00:00:30 a 00:13:50 do seu depoimento, o qual teve lugar na audiência de julgamento realizada no dia 15/10/2021, assim se cumprindo o estatuído na alínea b), do nº 1, do artigo 640.º do CPC.

7. Depois de recolher os depoimentos supra referidos, o Tribunal a quo optou por acolher a versão dos Recorridos, claramente comprometida e motivada pelo intuito de não cumprir com o Recorrente, e cujos depoimentos foram totalmente desconformes com os do Recorrente e da testemunha DD.

8. O Tribunal a quo desconsiderou por completo uma comunicação que foi endereçada ao Recorrente pelo Recorrido BB, datada de 23/07/2014, em que este refere expressamente que combinou com o Recorrente efetuar o pagamento dos honorários no final do processo, recusando-se a fazê-lo antes.

9. Os Recorridos não alegam ter efetuado qualquer pagamento a título de honorários depois de 10/11/2016, data em que o processo em apreço não tinha ainda finalizado, não se verificava o seu trânsito em julgado nem tinha sido proferida a decisão referente ao último recurso interposto pelo Recorrente em representação dos Recorridos.

10. Uma vez que o Recorrente apresentou a sua nota de honorários no dia 31/10/2018, os Recorridos nem sequer saberiam que valor pagar, pelo que nada pagaram a tal título.

11. O suposto pagamento que os Recorridos alegam ter efetuado não se reporta à obrigação que o Recorrente pretende ver cumprida com a presente ação, obrigação que apenas se tornou exigível com a elaboração e envio da nota de honorários que a corporiza.

12. O pagamento que os Recorridos alegam ter efetuado é o mesmo que referem na comunicação de 23/07/2014, para “cobrir despesas que surjam no decurso do processo”, documento que foi totalmente desconsiderado na douta Sentença recorrida e que tem uma relevância crucial para a boa decisão da presente causa.

13. O Recorrente rececionou a quantia de €9.975,95, no ano de 2000, a título de provisão, que fez refletir na sua nota de honorários e no seu articulado inicial. 14. As demais quantias entregues pelos Recorridos não se destinaram ao pagamento de honorários ou despesas do Recorrente, tendo sido diretamente transferidas para o IGFEJ porque se referiam a taxas de justiça e encargos com o processo.

15. Segundo a versão trazida a juízo pelo Recorrido, no mesmo mês em que procedeu ao envio da carta em que refere que apenas procederia ao pagamento dos honorários no final do processo, terá alegadamente efetuado um pagamento de €40.000,00 ao Recorrente, em numerário!

16. Não é crível, não é credível e contraria todos os princípios de normalidade e pelos quais se guia o homem médio. Sendo certo que o Recorrido não pode nem deve ser equiparado aos padrões do homem médio, já que, como se avançou, sempre demonstrou ser uma pessoa extremamente interessada, desconfiada, zelosa e preocupada.

17. Pelo que nunca admitiria efetuar um qualquer pagamento sem ficar munido do respetivo comprovativo.

18. Analisada a matéria de facto dada como provada, constata-se que não resultou provado o pagamento do valor dos honorários devidos ao Recorrente pelos Recorridos, tendo sido firmado nos presentes autos através do recurso a uma presunção.

19. O Tribunal a quo, contrariamente ao que seria de prever, não considerou verificado o incumprimento contratual por parte dos Recorridos, tendo antes entendido que o Recorrente não foi capaz de ilidir a presunção do artigo 317º, alínea c), do Código Civil.

20. No entanto, não se verificam as condições de aplicabilidade daquela presunção, pelo que recaía sobre os Recorridos o ónus de provar o pagamento de tais quantias, o que não sucedeu, motivo pelo qual deveria ter sido declarado o incumprimento contratual dos Recorridos, nos termos das disposições conjugadas nos artigos 798.º e 1160º, b), e 1156º do Código Civil.

21. Desde logo, os serviços prestados pelo Recorrente aos Recorridos, apenas cessaram em 08/05/2017, data em que o escritório do Recorrente explicou o teor do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do apenso C, pelo que claro está que o prazo de prescrição invocado pelos Recorridos não decorreu.

22. Acresce que, os argumentos invocados pelos Recorridos na sua douta Contestação contêm em si mesmos, direta ou indiretamente, uma confissão da dívida.

23. Para que a prescrição presuntiva possa ser aplicável, é indispensável que quem a alegue invoque que realizou o pagamento.

24. Os Recorridos invocam que “aquando da cessação de funções”, que reportam ao dia 10/11/2016, “já todos os honorários e despesas devidos, e aqui novamente reclamados, se mostravam pagos e liquidados”, não invocando terem efetuado nenhum outro pagamento depois daquele dia.

25. O Recorrente apresentou a sua nota de honorários no dia 31/10/2018, pelo que claro está que os Recorridos não invocam terem efetuado o pagamento desta nota que titula o valor dos serviços prestados pelo Recorrente.

26. A obrigação que o Recorrente pretende ver cumprida com a presente ação apenas se tornou exigível com a elaboração e envio da nota de honorários que a corporiza.

27. Por outro lado, Recorrente e Recorridos acordaram que o valor dos honorários apenas seria pago no final do processo, pelo que claro está que os Recorridos não procederam ao pagamento daquela sua dívida, o que decorre, ainda que indiretamente (admite-se), da sua própria douta Contestação.

28. Só o pagamento e não qualquer outra causa de extinção das obrigações pode fundamentar a prescrição presuntiva, porque só o cumprimento tem previsão legal no artigo 312º do Código Civil.

29. Assim, não tendo os Recorridos alegado que pagaram o valor peticionado pelo Recorrente, não podem beneficiar do instituto da exceção da prescrição presuntiva, pelo que, também por este motivo, deve improceder a exceção de prescrição invocada pelos Recorridos, mal andando o Tribunal a quo ao entender de forma diversa.

30. Acresce que, constitui confissão tácita da dívida, por defesa incompatível com a presunção de cumprimento, a circunstância de os Recorridos, enquanto devedores do Recorrente por crédito de honorários, terem invocado que fizeram um pagamento anterior à data em que a dívida se torna certa e líquida.

31. Esta defesa, por se basear num facto impossível, é claramente incompatível com a presunção de pagamento, inviabilizando a aplicação do instituto da exceção da prescrição presuntiva, pelo que, também por este motivo, deve improceder a exceção da prescrição invocada pelos Recorridos.

32. Ademais, esta defesa não pode ser considerada de modo desarticulado com o que resultou demonstrado em juízo.

33. O Recorrido sempre demonstrou ser uma pessoa extremamente interessada, desconfiada, zelosa e preocupada e nunca admitiria efetuar um qualquer pagamento sem ficar munido do respetivo comprovativo.

34. Não pode ficar este Tribunal indiferente à afirmação do Recorrido segundo a qual efetuou pagamentos de honorários ao Recorrente no valor de €100.000,00, desse modo excedendo o valor reclamado pelo Recorrente a título de honorários – é profundamente falso e não resultou minimamente demonstrado em juízo.

35. Tal alegação de pagamento, por ser desconforme com o valor que é peticionado pelo Recorrente, não pode ser encarada como uma alegação de pagamento válida para efeitos de aplicação da prescrição presuntiva.

36. Havendo discrepância entre aqueles valores, o devedor alega ter pago algo diferente, que não aquilo que está a ser peticionado pelo credor, o que constitui uma clara e inultrapassável contradição e incompatibilidade de argumentos que impedem a aplicação da prescrição presuntiva.

37. Também por este motivo entende o Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, julgando procedente a exceção de prescrição presuntiva invocada pelos Recorridos.

38. Pelo que, deve ser a douta sentença recorrida revogada, devendo ser dados como provados os factos constantes dos pontos A, B, C, D e E da matéria de facto não provada.

39. A decisão que incidiu sobre a matéria de facto, padecendo dos vícios supra expostos, naturalmente que afetou irremediavelmente a decisão que o tribunal a quo acabou por proferir quanto à matéria de direito, pelo que a revogação da decisão da matéria de facto nos exatos termos supra expostos implica a revogação da decisão da matéria de direito.

40. A douta decisão recorrida viola e não faz uma correta aplicação dos artigos 312.º, 314.º, 317.º e 323.º do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito, julgando-se totalmente procedente o presente recurso a revogando-se a douta Sentença, tudo com as inerentes consequências legais, se fará sã, inteira, serena e objetiva Justiça. “

Porém, a Relação julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Com um voto de vencido, que aqui se transcreve:

“Teria conhecido da apelação na parte respeitante à impugnação da matéria de facto (julgando-a, depois, procedente ou improcedente, em conformidade), conforme posição assumida, como 1ª-adjunta, no acórdão proferido no processo n.º 5891/16.0T8MTS.P1, inédito, relatado pelo Sr. Des. Amaral Ferreira.

Como ali se escreveu: “(…).

O ónus previsto no artº 640º, nº 2, al. a) do CPC impõe a indicação, com exactidão (…), das passagens da gravação.

Mas, como tendo vindo a entender o STJ (cfr., nomeadamente, o acórdão do STJ de 22/09/2015, Proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, Relator Conselheiro Pinto de Almeida, disponível em www.dgsi.pt.), se a inobservância, na delimitação do objecto do recurso, dos ónus previstos no nº 1 do artº 640º, é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada dada a sua indispensabilidade, já no que se refere ao requisito previsto no nº 2, al. a), se justifica alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão, concluindo que, se a falta de indicação exacta das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, a rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável. (…).”

Em conformidade com este entendimento, não se justifica, no caso, a rejeição do recurso por falta de indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos, pois que, como se alcança das suas conclusões, o apelante impugnou cinco factos, fundou a impugnação em quatro depoimentos e indicou o início e o termo da gravação dos mesmos, dessa forma permitindo o exercício do contraditório.”

Voltou-se a não conformar o Autor que interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente Recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que rejeitou a apreciação do recurso que incidiu sobre a matéria de facto, julgou improcedente o recurso de apelação apresentado pelo ora Recorrente, confirmando a douta Sentença proferida pelo Tribunal da 1ª Instância, e, em consequência, absolveu os Recorridos do pedido contra ela deduzido.

2. O presente recurso é admissível uma vez que, no douto Acórdão recorrido, foi emitida declaração de voto de vencido, nos termos da qual “não se justifica, no caso, a rejeição do recurso por falta de indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos, pois que, como se alcança das suas conclusões, o apelante impugnou cinco factos, fundou a impugnação em quatro depoimentos e indicou o início e o termo da gravação dos mesmos, dessa forma permitindo o exercício do contraditório”.

3. São fundamentos do presente recurso a (1.) Violação de lei substantiva (artigo 674.º, nº 1 a)), a (2.) Violação ou errada aplicação da lei de processo (artigo 674.º, nº 1, alínea b)), e a (3.) Nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia.

4. Para não apreciar e rejeitar o recurso quanto à matéria de facto, o Tribunal recorrido entendeu que o Recorrente no seu recurso de apelação não deu cumprimento ao disposto no artigo 640.º, nº 1, b) do CPC, e que não indicou “os concretos meios probatórios que justificariam a alteração do que vem dado como não provado e nessa medida improcede a peticionada alteração, atenta á análise critica da prova”, mais referindo que o “o recorrente não indica qualquer elemento de prova concreto que justificaria a alteração pretendida quanto á impugnação da matéria de facto improcede a mesma, nomeadamente no que concerne à análise critica da prova”.

5. Não compreende o Recorrente como pôde o Tribunal recorrido considerar que não foi cumprido o rigoroso ónus estatuído no artigo 640.º do CPC.

6. É da fixação da matéria de facto que depende a aplicação do Direito sendo determinante do mérito da causa e do resultado da ação, sendo certo que com interposição de qualquer recurso, deve o Recorrente, nas suas alegações, concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, a que se reporta o artigo 639º do CPC, e de cumprir o ónus de impugnação estatuído no artigo 640º do CPC, que foi estabelecido especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão proferida pelas instâncias sobre a matéria de facto.

7. Acompanhados por entendimento sufragado por variada Jurisprudência do STJ, temos para nós como claro que a exigência por parte do Tribunal da Relação do cumprimento do ónus a cargo do Recorrente não pode redundar numa via interpretativa de raiz essencialmente formal porquanto esta acaba por conduzir à rejeição da reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coartando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica, impedindo, assim, o Recorrente de alcançar o objetivo visado pelo legislador nas reformas introduzidas ao processo civil: o segundo grau de jurisdição no âmbito do julgamento da matéria de facto.

8. Advertindo para esses efeitos e recusando igualmente a adoção de entendimentos desta natureza, numa análise ao artigo 640º do CPC, pode ler-se em Abrantes Geraldes o seguinte: (…) “Importa que não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.

Ou seja, jamais deve transparecer a ideia – que por vezes perpassa em diversos arestos das Relações – de que a elevação do nível de exigência além dos parâmetros que a lei inequivocamente determina constitui, na realidade, um pretexto para recusar a reapreciação da decisão da matéria de facto, nesse primeiro momento, com invocação do incumprimento de requisitos de ordem adjectiva e, numa segunda oportunidade, com apresentação de argumentário de pendor genérico em torno dos princípios da imediação e da livre apreciação das provas.

Por outro lado, quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto a outros aspectos. Isto é, eventuais falhas de elementos essenciais no campo da motivação e/ou das conclusões apenas atingem as questões de facto a que respeitam, sem prejudicar a parte restante”.

9. De igual modo, perfilhamos o entendimento de que não se pode impor ao Recorrente, para o cumprimento do ónus de alegação a cargo do mesmo, que proceda à especificação prevista nas alíneas do nº 1, do artigo 640º, do CPC, exponenciando esse ónus a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado na respetiva motivação. A lei não exige essa reprodução, nem uma pormenorização excessiva, que sempre atentaria, aliás, contra o nº 1, do artigo 639º, do CPC.

10. O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação, em sede de matéria de facto, é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640º do CPC.

11. Como sejam a concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, a especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa e a decisão alternativa que é pretendida.

12. Do artigo 640º do CPC não decorre a obrigação de proceder à transcrição de qualquer depoimento, estando, é certo, prevista uma faculdade de o fazer, sem qualquer cariz de obrigatoriedade.

13. Porém, não se sufragam entendimentos com exigências que parecem apontar no sentido de demandar que, em sede de conclusões, que o Recorrente proceda de novo à sustentação da pretensão modificativa e a indicação repetitiva dos meios de prova em que é sustentada a sua pretensão.

14. Relativamente ao sentido e alcance dos requisitos formais de cumprimento desse ónus a cargo do Recorrente, estabelecidos no artigo 640.º, nºs 1 e 2, do CPC, impõe-se salientar que, reforçando a Doutrina citada, tem-se consolidado no STJ, Jurisprudência de sentido unívoco e que aponta nos termos expostos.

15. Veja-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes Acórdãos do STJ:

- Ac. STJ de 01.10.2015, Proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1;

- Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1; - Ac. STJ, de 19/2/2015, P. nº 299/05;

- Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1;

- Ac. STJ, de 29/09/2015, P. nº 233/09;

- Ac. STJ, de 19/01/2016, P. nº 3316/10.

16. Posto isto, e sem que se suscitem dúvidas sobre o entendimento do STJ, quanto ao cumprimento do ónus a cargo do Recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, verifica-se, no presente caso que, com as suas alegações de recurso de apelação, o Recorrente impugnou cinco factos dados como não provados na douta sentença proferida pelo Tribunal da 1ª instância.

17. Para fundamentar tal impugnação, o Recorrente baseou-se em quatro depoimentos de testemunhas, identificando-os, traduzindo o que dos mesmos decorreu e indicando o início e o termo da gravação de tais depoimentos.

18. Contrariamente ao que decorre do douto Acórdão recorrido, o Recorrente não indicou a totalidade da duração daqueles depoimentos, o que decorre de uma breve análise e confrontação das passagens indicadas e da informação constante da respetiva ata da audiência.

19. Mais, contrariamente ao que decorre do douto Acórdão recorrido, o Recorrente mencionou de que modo, no seu entender, deveriam ter sido julgados os pontos da matéria de facto impugnados, indicando que os mesmos deveriam ter sido dados como provados.

20. O Recorrente cumpriu com todos aqueles pressupostos de que estava dependente a apreciação do seu recurso relativo à matéria de facto, sendo certo que tais factos constam da douta sentença recorrida e foram dados como não provados.

21. Acresce que, os elementos probatórios em que o Recorrente baseou a sua impugnação da decisão que incidiu sobre a matéria de facto não respeitam apenas a prova testemunhal.

22. Na verdade, muito embora tal circunstância seja totalmente omitida no douto Acórdão recorrido, o Recorrente no seu recurso de apelação indicou também como elemento de prova um documento, que o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal Recorrido desconsideraram por completo - uma comunicação que foi endereçada ao Recorrente pelo Recorrido BB, datada de 23/07/2014, que faz parte integrante dos autos.

23. Em tal comunicação, o Recorrido refere expressamente que combinou com o Recorrente efetuar o pagamento dos honorários no final do processo, recusando-se a fazê-lo antes.

24. Na Contestação dos presentes autos, com as incongruências que foram já devidamente denunciadas, os Recorridos alegam que efetuaram o pagamento dos honorários do Recorrente em data anterior a 10/11/2016 e, em tal data, o processo em apreço não tinha ainda finalizado.

25. Não se verificava o trânsito em julgado daqueles autos nem tinha sido proferida a decisão referente ao último recurso interposto pelo Recorrente em representação dos Recorridos.

26. Os Recorridos não alegam ter efetuado qualquer pagamento depois daquele dia 10/11/2016, sendo certo que, uma vez que o Recorrente apresentou a sua nota de honorários no dia 31/10/2018, os Recorridos nem sequer saberiam que valor pagar, pelo que nada pagaram a tal título.

27. O pagamento que os Recorridos alegam ter efetuado é o mesmo que referem na comunicação de 23/07/2014, para “cobrir despesas que surjam no decurso do processo”.

28. Para além de ter uma relevância crucial para a boa decisão da presente causa, tal documento foi indicado como elemento de prova para fundamentar a impugnação que o Recorrente fez da decisão que incidiu sobre a matéria de facto, o que também é revelador da inexistência por parte da Relação de suporte fáctico e jurídico para a rejeição do pedido formulado pela Recorrente nesta parte.

29. Por tais motivos, dissentindo da decisão de rejeição do recurso quanto à matéria de facto, um dos elementos que integra o Colectivo de Juízes do Tribunal da Relação do Porto exarou no douto Acórdão recorrido o seu voto de vencido, na parte relativa à matéria de facto.

30. Destarte, atendendo ao supra exposto e ponderados os elementos dos autos, é forçoso concluir que o Recorrente cumpriu cabalmente com o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do CPC.

31. Devendo o douto Acórdão proferido ser revogado em tal parte, devendo ser aceite e apreciado o recurso interposto pelo Recorrente quanto à decisão que incidiu sobre a matéria de facto fixada pelo douto tribunal de 1ª instância.

32. Acresce que, no seu recurso de apelação, o Recorrente invocou a inaplicabilidade da prescrição presuntiva, sustentando que os argumentos invocados pelos Recorridos na sua douta Contestação contêm em si mesmos, direta ou indiretamente, uma confissão da dívida.

33. Para que a prescrição presuntiva possa ser aplicável, é indispensável que quem a alegue invoque que realizou o pagamento que é peticionado por via da ação, e não um qualquer outro.

34. No artigo 18 da sua douta Contestação, os Recorridos invocam que “aquando da cessação de funções”, que reportam ao dia 10/11/2016, “já todos os honorários e despesas devidos, e aqui novamente reclamados, se mostravam pagos e liquidados”, pelo que o pagamento que os Recorridos invocam ocorreu antes daquela data, ou seja, antes de 10/11/2016.

35. O suposto pagamento que os Recorridos alegam ter efetuado, não se reporta à obrigação que o Recorrente pretende ver cumprida com a presente ação, obrigação que apenas se tornou exigível com a elaboração e envio da nota de honorários que a corporiza.

36. Não tendo os Recorridos alegado que pagaram o valor peticionado pelo Recorrente, não podem beneficiar do instituto da exceção da prescrição presuntiva - cfr. douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 15/11/2016, proferido no âmbito do processo nº 1751/13.5TBACB-A.C1.

37. Numa outra vertente, analisado o teor da douta Contestação apresentada pelos Recorridos, verifica-se que os mesmos apresentam uma defesa incompatível com a presunção de pagamento, sendo certo que constitui confissão tácita da dívida, por defesa incompatível com a presunção de cumprimento, a circunstância de os Recorridos, enquanto devedores do Recorrente por crédito de honorários, terem invocado que fizeram um pagamento anterior à data em que a dívida se torna certa e líquida.

38. Não pode ficar este Tribunal indiferente à afirmação do Recorrido segundo a qual alega ter efetuado pagamentos de honorários ao Recorrente no valor de €100.000,00, todos em numerário, desse modo excedendo o valor reclamado pelo Recorrente a título de honorários.

39. Naturalmente que tal pagamento é profundamente falso e não resultou minimamente demonstrado em juízo.

40. Esta defesa, é claramente incompatível com a presunção de pagamento, inviabilizando a aplicação do instituto da exceção da prescrição presuntiva.

41. Pelo que, também por este motivo, deve improceder a exceção da prescrição invocada pelos Recorridos.

42. De suma relevância para esta sede, atente-se que tal alegação de pagamento é totalmente desconforme com o valor que é peticionado pelo Recorrente, pelo que não pode ser encarada como uma alegação de pagamento válida para efeitos de aplicação da prescrição presuntiva.

43. Já que, para que tal prescrição possa operar, o valor que o devedor alega ter pago tem de coincidir com o valor cujo pagamento o credor reclama.

44. Havendo discrepância daqueles valores, o devedor alega ter pago algo diferente, que não aquilo que está a ser peticionado pelo credor, o que constitui uma clara e inultrapassável contradição e incompatibilidade de argumentos que impedem a aplicação da prescrição presuntiva.

45. Ora, o Acórdão recorrido é totalmente omisso relativamente a esta questão, não a tendo apreciado, e o Tribunal da Relação do Porto tinha forçosamente de efetuar tal apreciação.

46. Não o tendo feito, tal omissão configura uma nulidade por falta de pronúncia, a qual se requer seja decretada.

47. Não obstante, mesmo que V.ªs Exc.ªs não entendam verificar-se tal nulidade, sempre estarão na posse dos elementos necessários para concluir pela improcedência da exceção da prescrição pelos Recorridos, revogando o dou Acórdão recorrido.

48. Pelo que, em face de todo o exposto, deve ser revogado o douto Acórdão recorrido.

49. A douta decisão recorrida viola e não faz uma correta aplicação, entre outros, dos artigos 312.º, 314.º, 317.º, 323.º do Código Civil e dos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito, julgando-se totalmente procedente o presente recurso a revogando-se o douto Acórdão proferido, com as inerentes consequências legais, se fará sã, inteira, serena e objetiva justiça”

Os recorridos/ réus contra-alegaram pugnando pelo improvimento do recurso.

Cumpre decidir.

Foram dados como provados os seguintes factos:

“1. O Autor é advogado, inscrito pelo Conselho Distrital ... da Ordem dos Advogados, portador da cédula profissional nº ...76p, e tem domicílio profissional na Avenida ... em ....

2. Fazendo da Advocacia profissão habitual e onerosa.

3. No âmbito e no exercício dessa atividade, o Autor foi mandatado pelos Réus para que este os representasse, entre outros, no Processo nº 636/1999, que correu termos pelo ...º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ...;

4. Após reorganização do mapa judiciário, a ação identificada no artigo anterior passou a correr termos pela Instância Central da ..., ...ª Secção Cível, J..., da Comarca do Porto, com o nº 85/14.2....

5. O mandato iniciou-se aquando da outorga de substabelecimento a favor do Autor dos poderes forenses que os ora Réus haviam conferido a um outro Sr. Advogado, a datado de 30 de Outubro de 2000, cuja cópia está junta a fls. 7 vs, com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido;

6. O Autor renunciou ao mandato que lhe foi conferido pela referida procuração dos Réus por requerimento apresentado no aludido processo em 10 de Novembro de 2016, requerimento esse que foi notificado aos Réus por carta registada com aviso de recepção expedida no dia 14 de Novembro de 2016;

7. No dia 2 de Novembro de 2018, o Autor remeteu aos Réus, que receberam, em 6 de Novembro do mesmo ano, a nota de despesa e honorários datada de 31 de Outubro de 2018, cuja cópia está junta a fls. 9 e segs. com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido, reclamando deles o montante global de €84.062,05;

8. No processo em referência, entre outros, o Autor desenvolveu e prestou os seguintes serviços que vêm identificados na supra referida nota de despesas e honorários:

- Reuniões/Consultas;

- Análise, estudo, enquadramento jurídico e parecer sobre os diversos assuntos; bem como, da estratégia a seguir nos ulteriores termos ou fases processuais;

- Consultas aos autos;

- Elaboração de cartas, telecópias e e-mails para o Tribunal e mandatários das partes contrárias;

- Elaboração de cartas comunicação atos (judiciais ou extrajudiciais);

- Análise e estudo da Petição Inicial;

- Análise e estudo da Contestação;

- Elaboração e apresentação de requerimentos vários ao longo do processo, designadamente, entre muitos outros, nos dias 3/10/2001, 04/10/2001, 09/10/2001, 27/11/2001, 27/11/2001, 27/11/2001, 07/01/2002, 17/01/2002, 07/03/2002, 19/05/2004, 19/05/2004, 28/10/2004, 16/11/2004, 07/03/2005, 03/05/2005, 16/05/2005, 22/09/2005, 18/11/2005, 07/12/2006, 07/12/20016, 07/11/2007, 07/12/2007, 07/12/2007, 10/12/2007, 18/02/2010, 04/05/2010, 31/08/2011, 09/12/2011, 07/09/2012, 20/08/2013, 08/10/2013, 10/12/2013,19/12/2013, 24/02/2014, 26/02/2014,13/03/2014, 17/04/2014, 22/04/2014, 23/05/2014, 18/09/2014, 10/10/2014, 17/10/2014, 10/12/2014, 17/04/2015, 04/06/2015, 05/06/2015, 02/10/2015 e 05/01/2016

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia 24/09/2001;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia 09/10/2001;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia 19/10/2001;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia 24/09/2001;

- Análise e estudo da sentença proferida em 19/11/2001;

- Elaboração e apresentação de requerimento de interposição de recurso em 27/11/2001;

- Elaboração e apresentação de alegações de recurso em 01/03/2002;

- Estudo e análise de acórdão proferido;

- Estudo e análise de despacho saneador de 30/04/2004;

- Elaboração e apresentação de reclamação contra a matéria de facto em 19/05/2004;

- Deslocação e realização da diligência de juramento e compromisso de honra por parte dos Senhores Peritos em 07/03/2005;

- Estudo e análise do relatório pericial notificado em 25/07/2011;

- Elaboração e apresentação de requerimento a solicitar esclarecimentos em 09/12/2011;

- Estudo e análise dos esclarecimentos prestados;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia 11/04/2013;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia 12/09/2013;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia 26/09/2013;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia, 15/10/2013;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia 22/11/2013;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia, 16/12/2013;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia 10/01/2014;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia 26/02/2014;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia 15/05/2014;

- Deslocação e realização da Audiência de Julgamento no dia e 06/06/2014.

- Estudo e análise da sentença notificada em 04/07/2014;

- Estudo e análise de alegações de recurso apresentadas em 17/09/2014;

- Estudo e análise de alegações de recurso em 06/11/2014;

- Elaboração e apresentação de recurso em 20/11/2014;

- Elaboração e apresentação de contra alegações em 25/11/2014;

- Elaboração e apresentação de contra alegações em 10/12/2014;

- Estudo e análise de alegações apresentadas em 17/01/2015;

- Estudo e análise do acórdão notificado em 13/05/2015;

- Elaboração e apresentação de recurso de revista em 03/06/2015;

- Estudo e análise do acórdão notificado em 16/11/2015;

- Elaboração e apresentação de alegações de recurso em 04/01/2016;

- Estudo e análise do acórdão do STJ datado de 17/03/2016;

- Elaboração e apresentação de recurso para o Tribunal Constitucional;

- Estudo e análise de decisão proferida em 01/06/2016;

- Elaboração e apresentação de recurso em 13/10/2016;

9. Em 5 de Dezembro de 2016, os aqui Réus juntaram ao referido processo procuração por eles subscrita conferindo poderes forenses às Ilustres Advogadas Drs. EE, FF e GG, cuja cópia está junta a fls. 26, com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido;

10. A presente acção foi instaurada no dia 16 de Abril de 2019;

11. Os Réus instauraram contra o aqui Autor uma acção judicial pela qual reclamam a condenação no pagamento de uma indemnização por danos causados no exercício daquele mandato, a qual corre termos pelo Juízo Central Cível de ...(J...), com o n.º 5174/18.1...;

Foram dados como não provados os seguintes factos:

“A) Para além dos serviços mencionados em 8), o Autor procedeu ao estudo e análise do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 08/05/2017, proferido no âmbito do mesmo processo;

B) No dia 8 de Maio de 2017, o Autor foi notificado do teor do supra mencionado acórdão, proferido no apenso C do aludido processo;

C) Depois de recepcionar tal notificação, o Autor contactou os Réus para explicar o teor da decisão e para que procedessem ao levantamento da cópia daquele acórdão no seu escritório;

D) Tendo sido a Ré CC quem se deslocou ao escritório do Autor para proceder ao levantamento de cópia daquele acórdão;

E) O único pagamento que os Réus efectuaram foi o valor de €9.975,95 que vem reflectido na supra aludida nota de despesas e honorários, nada mais tendo pago ao Autor a título de honorários e reembolso de despesas.”

O presente recurso de revista é admissível, nos termos dos arts. 671º, nºs 1 e 3 do CPC, por ter existido um voto de vencido relativamente à matéria correspondente à rejeição da impugnação da matéria de facto.

Mas ainda que assim não fosse, sendo a revista normal fundada na desconformidade de lei processual nos termos do disposto no art. 674º, nº 1, al. c) do CPC, por rejeição da impugnação da matéria de facto em virtude da violação do ónus previstos no art. 640º , nº 1, al. b) e nº 2, al. a) do CPC, sempre o recurso de revista seria sempre admissível de acordo com a posição uniforme deste Supremo Tribunal (cfr. o Ac. STJ de 18.1.2022, proc. 243/18.0T8PFR.P1.S1 e o Ac. STJ de 4.7.2023, proc. 7997/20.2T8SNT.L1.S1).

Verificando-se que, no caso, ocorreu dupla conformidade decisória nas instâncias, considerando o objecto do recurso de revista apresentado e, bem assim, o teor do voto de vencido, o recurso encontra-se circunscrito à apreciação da rejeição da impugnação da matéria de facto, por violação do disposto no art. 640º do CPC.

Em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, a questão a decidir é, assim, a de saber se o acórdão recorrido padece de erro na interpretação do disposto no art. 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a) do CPC.

O recorrente alega nas conclusões da revista: que impugnou cinco factos dados como não provados na sentença proferida pelo tribunal da 1ª instância: que se baseou em quatro depoimentos de testemunhas, identificando-os, traduzindo o que dos mesmos decorreu e indicando o início e o termo da gravação de tais depoimentos; que não indicou a totalidade da duração daqueles depoimentos, o que decorre de uma breve análise e confrontação das passagens indicadas e da informação constante da respetiva acta da audiência; que mencionou de que modo, no seu entender, deveriam ter sido julgados os pontos da matéria de facto impugnados, indicando que os mesmos deveriam ter sido dados como provados; que os elementos probatórios em que baseou a sua impugnação da decisão que incidiu sobre a matéria de facto não respeitam apenas a prova testemunhal, pois indicou também como elemento de prova um documento, que o tribunal de 1ª instância e o tribunal recorrido desconsideraram por completo - uma comunicação que foi endereçada ao recorrente pelo recorrido BB, datada de 23/07/2014 - em que o recorrido refere expressamente que combinou com o recorrente efectuar o pagamento dos honorários no final do processo, recusando-se a fazê-lo antes, sendo que, para além de ter uma relevância crucial para a boa decisão da presente causa, tal documento foi indicado como elemento de prova para fundamentar a impugnação que o recorrente fez da decisão que incidiu sobre a matéria de facto.

Ora, verifica-se que o recorrente no recurso de apelação tinha alegado o seguinte (que se transcreve em parte):

“Quando prestou depoimento de parte, o Recorrente [ao longo de quase página e meia]

- referiu (…)

- identificou a missiva (…)

- referiu que, quando assumiu o mandato (…)

- explicou (…)

- disse (…)

- explicou que (…)

- explicou que (…)

- esclareceu (…);

- referiu que (…)

- referiu (…);

- disse (…)

- esclareceu que (…)

- esclareceu que (…)

As declarações do Recorrente podem ser aferidas da passagem dos minutos 00:01:30 a 00:49:30 do seu depoimento, o qual teve lugar na audiência de julgamento realizada no dia 15/10/2021, assim se cumprindo o estatuído na alínea b), do nº 1, do artigo 640.º do CPC.

Quando prestou depoimento de parte, o Recorrido BB [ao longo de meia página]:

- afirmou (…)

- declarou (…)

- disse que (…)

- não conseguiu explicar (…)

- que nunca solicitou (…)

As declarações do Recorrido podem ser aferidas da passagem dos minutos 00:00:35 a 00:32:50 do seu depoimento, o qual teve lugar na audiência de julgamento realizada no dia 15/10/2021, assim se cumprindo o estatuído na alínea b), do nº 1, do artigo 640.º do CPC.

Quando prestou declarações, a testemunha DD [ao longo de quase uma página]:

- explicou que (…)

- referiu (…)

- explicou (…)

- que nunca emitiu (…)

- disse que (…)

- explicou (…)

- explicou que (…)

- esclareceu que (…)

- referiu que (…)

As declarações desta testemunha DD podem ser aferidas da passagem dos minutos 00:00:30 a 00:12:30 do seu depoimento, o qual teve lugar na audiência de julgamento realizada no dia 15/10/2021, assim se cumprindo o estatuído na alínea b), do nº 1, do artigo 640.º do CPC.

Produzidos estes depoimentos, da conjugação dos mesmos ficou perfeitamente demonstrado que os Recorridos não procederam ao pagamento de qualquer quantia a título de honorários, com exceção do valor inicialmente entregue.

Ficou também perfeitamente demonstrado que, depois do dia 8/05/2017, a Recorrida mulher se deslocou ao escritório do Recorrente, onde obteve a explicação do teor do acórdão que havia sido proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

Tal facto foi indevidamente dado como não provado pelo Tribunal a quo.

Depois de recolher os depoimentos supra referidos, o Tribunal a quo optou por acolher a versão dos Recorridos, claramente comprometida e motivada pelo intuito de não cumprir com o Recorrente, e cujos depoimentos foram totalmente desconformes com os do Recorrente e da testemunha DD.

Para além de desconformes, aqueles depoimentos dos Recorridos foram contraditórios entre si e claramente falsos, pretendendo convencer o Tribunal que o Recorrido, depois de ter sido ludibriado e enganado por uma instituição bancária em centenas de milhares de euros, aceitaria efetuar pagamentos no valor total de €80.000,00 sem solicitar um qualquer comprovativo de pagamento.

O Recorrido, enquanto homem atento, cauteloso, exigente, minucioso e extremamente desconfiado, jamais aceitaria efetuar pagamentos de tal ordem de grandeza sem a entrega de um qualquer comprovativo de pagamento.

Refira-se que o Recorrido sempre fez questão de ter cópias de todo o processo, de todos os articulados que o Recorrente apresentou em juízo.

Os depoimentos prestados pelas partes e pelas testemunhas inquiridas, naturalmente que têm de ser necessariamente analisados conjuntamente com a prova documental junta ao processo.

Ora, o Tribunal a quo desconsiderou por completo uma comunicação que foi endereçada ao Recorrente pelo Recorrido BB, datada de 23/07/2014.

Em tal comunicação, o Recorrido refere expressamente que combinou com o Recorrente efetuar o pagamento dos honorários no final do processo, recusando-se a fazê-lo antes.

Na Contestação dos presentes autos, com as incongruências que foram já devidamente denunciadas, os Recorridos alegam que efetuaram o pagamento dos honorários do Recorrente em data anterior a 10/11/2016 – cfr. artigo 18º da Contestação.

Ora, em 10/11/2016, o processo em apreço não tinha ainda finalizado.

Não se verificava o seu trânsito em julgado nem tinha sido proferida a decisão referente ao último recurso interposto pelo Recorrente em representação dos Recorridos.

Os Recorridos não alegam ter efetuado qualquer pagamento depois daquele dia 10/11/2016.

Aliás, uma vez que o Recorrente apresentou a sua nota de honorários no dia 31/10/2018, os Recorridos nem sequer saberiam que valor pagar.

Pelo que nada pagaram a tal título.

O suposto pagamento que os Recorridos alegam ter efetuado, não se reporta à obrigação que o Recorrente pretende ver cumprida com a presente ação, obrigação que apenas se tornou exigível com a elaboração e envio da nota de honorários que a corporiza.

O pagamento que os Recorridos alegam ter efetuado é o mesmo que referem na comunicação de 23/07/2014, para “cobrir despesas que surjam no decurso do processo”.

Ora, este documento foi totalmente desconsiderado na douta Sentença recorrida e tem uma relevância crucial para a boa decisão da presente causa.

Na verdade, como o Recorrente referiu no artigo 18.º da sua PI, rececionou a quantia de €9.975,95, no ano de 2000, a título de provisão e que fez refletir na sua nota de honorários e no seu articulado inicial.

(…)

Como ficou claramente demonstrado em juízo, quando era necessário efetuar pagamentos de custas judiciais, o procedimento foi invariavelmente sempre o mesmo: o Recorrente (ou o seu escritório) entregava aos Recorridos o DUC, solicitando o envio do respetivo comprovativo de pagamento.

O documento referido, correspondente a uma carta remetida pelo Recorrido para o Recorrente, atesta, sem margem para qualquer dúvida, que o acordo estabelecido entre ambos sempre foi o de o pagamento dos honorários ser efetuado apenas a final, depois do trânsito em julgado do processo.

Segundo a versão trazida a juízo pelo Recorrido, no mesmo mês em que procedeu ao envio desta carta, terá alegadamente efetuado um pagamento de €40.000,00 ao Recorrente, em numerário!

Não é crível, não é credível e contraria todos os princípios de normalidade e pelos quais se guia o homem médio.

Sendo certo que o Recorrido não pode nem deve ser equiparado aos padrões do homem médio, Já que, como se avançou, o Recorrido sempre demonstrou ser uma pessoa extremamente interessada, desconfiada, zelosa e preocupada.

Pelo que nunca admitiria efetuar um qualquer pagamento sem ficar munido do respetivo comprovativo.

Analisada a matéria de facto dada como provada, constata-se que não resultou provado o pagamento do valor dos honorários devidos ao Recorrente pelos Recorridos. (….) “

O acórdão recorrido, quanto a esta matéria, decidiu do seguinte modo:

No caso dos autos, verifica-se, que o recorrente nas suas alegações de recurso invoca argumentos manifestamente insuficientes para fundamentar qualquer alteração ao que assim vem dado como não provado, sendo que por imperativo do disposto no artº 640º/1-b) do CPC o recorrente teria de indicar os concretos meios probatórios que justificariam a alteração do que vem dado como não provado e nessa medida improcede a peticionada alteração, atenta a análise critica da prova.

Assim que, uma vez que o recorrente não indica qualquer elemento de prova concreto que justificaria a alteração pretendida quanto á impugnação da matéria de facto improcede a mesma, nomeadamente no que concerne à análise critica da prova.

Quanto á prova testemunhal enunciada, resulta que não consta nenhuma passagem transcrita que objectivamente indicasse a matéria de facto cuja alteração o autor peticiona, sendo que o recorrente fez um resumo de partes do depoimento e enuncia tópicos que alegadamente a testemunha ou declarante hajam mencionado, sem qualquer transcrição, e indica sem nenhuma outra indicação o inicio e o termo das horas em que decorreram os depoimentos (resulta que indica o inicio e o fim dos depoimentos , sendo que os números indicados coincidem com os números que constam na acta quanto á duração integral dos depoimentos).

Neste sentido e para outros desenvolvimentos, vide o Ac do STJ de 18/6/2019, 152/18.3T8GRD.C1.S1, Relator: JOSÉ RAINHO, Sumário :

«..II - Não cumpre os ónus da alínea b) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC o recorrente que mais não faz do que mencionar, sem qualquer outra particularização ou esclarecimento, o início e o termo das horas em que se processaram os depoimentos das pessoas em que se apoia, tudo como constante (com ligeiríssima diferença) do que consta da ata da audiência.

III - A alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil deve ser interpretada no sentido de que a impugnação da matéria de facto com base em prova gravada tanto se pode fazer mediante a indicação dos concretos segmentos da gravação como mediante a transcrição deles.

IV - Todavia, transcrever os depoimentos é reproduzir objetivamente, sem fazer intervir qualquer subjetividade, filtro ou juízo apreciativo, aquilo que as pessoas ouvidas declararam (verbalizaram).

V - Não vale como transcrição uma “resenha” (sic) ou aquilo que “em suma” (sic) terão referido as pessoas de cujos depoimentos o recorrente se quer fazer valer.

VI - Neste caso não se está senão perante a interpretação dada pelo recorrente aos depoimentos em causa, e não, como é devido, perante uma transcrição objetiva do teor desses depoimentos.

VII - Tendo a Relação rejeitado, nessas circunstâncias, o recurso quanto à matéria de facto, não violou nem fez errada aplicação da lei de processo.

VIII - A lei não admite o convite ao aperfeiçoamento das conclusões em sede de cumprimento do ónus estabelecidos no art. 640.º do CPC.».

Pelo exposto, é manifesto que o recorrente não dá cumprimento ao artigo. 640º, nº1, al. b) e nº 2 do n.C.P.Civil, o que constitui um obstáculo à reapreciação pedida e implica, nos termos da mesma, a imediata rejeição do recurso, na parte da impugnação da matéria de facto.

Assim, decide-se rejeitar o recurso relativo à impugnação da matéria de facto.

Em conclusão, a factualidade a atender no âmbito da apelação em julgamento é a fixada pelo tribunal a quo.”

Como se verifica, a Relação decidiu rejeitar o conhecimento da impugnação da matéria de facto porque considerou que o recorrente não indicou os concretos meios probatórios que determinariam a alteração da matéria de facto, limitando-se a fazer resumos de partes dos depoimentos, ou enunciando tópicos, sem ter procedido à indicação concreta do início e termo das passagens relevantes de cada depoimento, antes com mera indicação do início e fim de cada depoimento, tal qual consta da acta, não cumprindo, pois, em seu entender, o disposto no art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2 do CPC.

Porém, é entendimento geral no Supremo que o ónus previsto no art. 640º do CPC se desdobra em dois tipos:

- um ónus primário que respeita à obrigação de indicação dos concretos pontos de facto impugnados, por se tratar de uma imposição de delimitação do objecto do recurso - nº 1 do art. 640º do CPC;

- um ónus secundário que visa possibilitar um mais facilitado acesso aos meios de prova gravados pertinentes para a apreciação da impugnação da matéria de facto - n.º 2 do art. 640.º do CPC (cfr. Ac. STJ de 20.10.2015, proc. 233/09.4TBVNG.G1.S1, Ac. STJ de 21.3.2019, proc. 3683/16.6T8CBR.C1.S2 e Ac. STJ de 17.12.2019, proc. 363/07.7TVPRT-D.P2.S1).

Ademais, a averiguação do cumprimento destes ónus deve ser temperada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, com prevalência dos aspectos materiais sobre os aspectos formais (cfr. os citados Acs. STJ de 20.10.2015 e de 21.3. 2019)

Em causa está aqui, sobretudo, o pretenso incumprimento do ónus da al. a) do nº 2 do art. 640º do CPC.

Ora, “a razão de ser do requisito de impugnação estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC tem em vista o delineamento, por parte do recorrente, do campo de análise probatória sobre o teor dos depoimentos convocados de modo a proporcionar, em primeira linha, o exercício esclarecido do contraditório, por banda do recorrido, e a servir de base ao empreendimento analítico do tribunal de recurso, sem prejuízo da indagação oficiosa que a este tribunal é legalmente conferida, em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 640.º, n.º 2, alínea b), 1.ª parte, e 662.º, n.º 1, do mesmo Código; nessa conformidade, a decisão de rejeição do recurso com tal fundamento não se deve cingir a considerações teoréticas ou conceituais, de mera exegética do texto legal e dos seus princípios informadores, mas contemplar também uma ponderação do critério legal nas circunstâncias e modo como os depoimentos foram prestados e colhidos, bem como face ao grau de dificuldade que a indicação das passagens da gravação efetuada acarrete para o exercício do contraditório e para a própria análise crítica por parte do tribunal de recurso” (cfr. Ac. STJ de 15.2.2018, proc. 134116/13.2YIPRT.E1.S1, em www.dgsi.pt). Dito de outra maneira, e por contraponto ao ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto, que decorre da al. a) do nº 1, o ónus, secundário, de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados, “tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes” deve ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade“ (Ac. STJ de 29.10.2015, 233/09.4TBVNG.G1.S1, no mesmo site). A indicação dos concretos meios probatórios convocáveis pelo recorrente, nos termos da alínea b) do mesmo artigo, “já não respeita propriamente à delimitação do objeto do recurso, mas antes à amplitude dos meios probatórios a tomar em linha de conta, sem prejuízo, porém, dos poderes inquisitórios do tribunal de recurso de atender a meios de prova não indicados pelas partes, mas constantes dos autos ou das gravações realizadas” (Ac. STJ de 17.3.2016, proc. n.º 124/12.1TBMTJ.L1.S1; v. ainda, o Ac. STJ de 22.10.2015, proc n.º 212/06.3TBSBG.C2.S1, ambos em www.dgsi.pt. Por isso se escreve no Ac. STJ de 9.2.2015 proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1 :”… no que respeita à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos, a sua inobservância não se mostra, sempre, assim tão pertinente, tendo em conta o processo técnico dessas gravações e o modo como ficam registadas nos respetivos suportes magnéticos, com o indicação do início e fim da gravação em relação a cada depoimento. Acresce que a indicação parcelada de determinadas passagens dos depoimentos convocados só raramente dispensa o tribunal de recurso de ouvir todo o depoimento, na medida em que os interrogatórios sobre determinado ponto de facto e as respetivas instâncias da parte contrária e do tribunal não são sequenciais, encontrando-se disseminadas ao longo de todo o depoimento. Em face disso, afigura-se que a sanção prescrita no n.º 2, alínea a), do art.º 640.º do CPC deverá ser aplicada com algum tempero, em termos de só se justificar quando, perante extensos depoimentos a abarcar matéria bastante diversificada - a maior parte dela não impugnada - a omissão ou inexactidão na indicação das passagens tidas por relevantes dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso.” (Ac. STJ de 16.11.2021, proc. 84277/18.3YIPRT.C1.S1).

Em termos gerais, na interpretação do art. 640º do CPC, pode afirmar-se que o Supremo tem seguido, essencialmente, um critério de proporcionalidade e de razoabilidade, entendendo que os ónus enunciados no art. 640º do CPC pretendem garantir “uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido” (cfr. Ac. STJ de 18.1.2022, proc. 701/19.0T8EVR.E1.S1). Também no Ac. STJ de 31.3.2022, proc. 2525/18.2T8VNF-B.L1.S1, se sintetizou: “a apreciação da satisfação das exigências estabelecidas no art. 640º do CPC deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco.” (Ac. STJ de 20.6.2023. proc. 2644/16.0T8LSB.L1-A.S1).

Revertendo ao caso sub judice, verifica-se que no recurso de apelação o recorrente reportou o conteúdo dos depoimentos dos depoentes e da testemunha, sem proceder à sua transcrição directa e sem indicar com exactidão as passagens de gravação em que fundava o seu recurso (art. 640º, nº 2, al. a)), indicando apenas o início e o termo da gravação dos respectivos depoimentos.

Porém, essas falhas não são susceptíveis de inviabilizar a apreciação do recurso, no que respeita à apreciação dos depoimentos gravados (sendo que a apreciação do recuso sempre se imporia em relação ao documento indicado, a que a Relação não fez sequer alusão) pois não impedem nem o exercício do contraditório pela contraparte nem o exame, sem grande dificuldade, pelo Tribunal da Relação (Ac. STJ de 27.1.2022, proc. n.º 225/16.7T8FAR.E2.S1).

Com efeito, os depoimentos gravados identificados são apenas três, variando entre o máximo de 49 minutos e os 12 minutos da única testemunha indicada, depoimentos que serão, aliás, apreciados à luz das passagens que o recorrente destacou no relato/resumo, em discurso indirecto, que dos mesmos efectuou.

Como assim, ao considerar incumprido o ónus do art. 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a) do CPC, a Relação procedeu a uma interpretação excessivamente formalista dos citados normativos, não sendo de impor, no caso concreto, e de acordo com os já referidos princípios de proporcionalidade e de razoabilidade, a indicação exacta das passagens da gravação ou a transcrição (em discurso directo) dos excertos das passagem gravadas que o recorrente considera relevantes.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar o recurso procedente, revogar o acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para se proceder à apreciação da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e à prolação de decisão de direito em conformidade.

Custas no recurso de revista pelos recorridos.

Custas na acção e no recurso de apelação a final.


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Lisboa, 15 de Outubro de 2024

António Magalhães (Relator)

Jorge Arcanjo

Manuel Aguiar Pereira