Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1936/15.0T8VFX-AF.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
INSOLVÊNCIA
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
ACÓRDÃO RECORRIDO
ACORDÃO FUNDAMENTO
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
IDENTIDADE DE FACTOS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
APREENSÃO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
TRESPASSE
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DECISÃO SINGULAR
Data do Acordão: 10/21/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
Não existe qualquer oposição para efeitos do disposto no nº. 1 do art. 14º do CIRE, entre um acórdão do STJ., que declarou a nulidade de um negócio intitulado de contrato de trespasse e o acórdão recorrido, onde apenas se apreciou se existe fundamento, para que possa desde já, ser apreendido à ordem dos autos de insolvência um estabelecimento comercial.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 6ª. Secção do Supremo Tribunal da Justiça

1-Relatório:

Distrialmada – Supermercados, Lda, pessoa colectiva n.º ... ... .45, com sede na Rua 1 Camarate, intentou processo especial de revitalização, no qual, ao abrigo do disposto nos artigos 17.º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, manifestou vontade de encetar negociações com vista à sua revitalização.

O processo especial de revitalização foi concluído sem a aprovação de um plano de revitalização da devedora.

A insolvência foi declarada por sentença proferida em 25/06/2015.

Na 1ª. Instância em 04/06/2024 foi proferido o seguinte Despacho:

«1. Apreensão de estabelecimento

1.1. 02-11-2023

1.2. 27/03/2024 13:37

1.3. 28-02-2024, encerramento do estabelecimento

Tendo em consideração o disposto no artigo 149.º/1, al. a), parte final, do CIRE, aguardamos o trânsito em julgado do acórdão proferido nos autos 1485/14.3TAALM».

Inconformado, AA, sócio da insolvente, interpôs recurso de apelação.

O Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir acórdão, com o seguinte teor na sua parte dispositiva:

«Por todo o exposto, acordam os juízes desta secção em julgar a apelação totalmente improcedente e consequentemente, mantém-se o despacho recorrido».

Inconformado interpôs o mesmo recurso de revista excecional, nos termos e para os efeitos dos artigos 14º do CIRE, 671º nº 1, 672º, nº1 alínea c), e 675º nº 1 e 676º do CPC., concluindo as suas alegações:

1.O ora recorrente pretende o levantamento da apreensão do estabelecimento comercial tanto mais que existem duas decisões iguais sobre o mesmo tema, uma proferida pelo Tribunal de Primeira Instância e outra proferida pelo STJ e que decidem pelo seu levantamento.

2. A sentença proferida no processo 1485/14.3TAALM do Juiz 4 do Juízo Central Criminal de Almada refere no ponto “5. Determinar o levantamento da apreensão do estabelecimento comercial "INTERMARCHÉ", sito na Estrada 2, Quinta do Conde de Mascarenhas, Vale Figueira, freguesia da Charneca da Caparica, concelho de Almada, descrito na 28 Conservatória do Registo Predial de Almada sob a ficha n.º ...51, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...73, da mesma freguesia.”

3. A decisão proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal de primeira Instância e que está em crise neste Recurso, colide com a sentença que a própria proferiu e que veio a ser confirmada pelo STJ no Acórdão 1936/15.0T8VFX – R.L1.S1.

4. Mas, quer a Meritíssima juiz quer os Senhores Desembargadores pretendem dar corpo ao preceito vertido na excepção do artigo 149.º n.º 1 a) a final “…, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, …”.

5. O Recorrente não concorda com essa decisão, vide a este respeito o comentário 6, de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda In Código da Insolvência e da Recuperação de empresas anotado, 3. Edição Quid Juris, a Fls. 565: “6. Sobre apreensões em processo penal, cfr. os art.os 178.º e seguintes do C.P.Pen.; e sobre apreensões em processo de contraordenação, cfr. os art.os 22.º e seguintes do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro….”Naturalmente, quando deva ser feita a restituição de bens apreendidos nesses processos, eles devem ser entregues ao administrador da insolvência; só assim não será nos casos em que o devedor mantém a administração. Por isso, a declaração de insolvência deve ser comunicada aos tribunais onde corram os processos penais e de mera ordenação, sendo que neles, aliás, «o administrador de insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que merecem interesse à insolvência» - ex vi do n.º 4 do art.º 81.º”

6. Os processos de insolvência visam a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa, conforme dispõe o artigo 1.º do CIRE; só quando tal não se afigure possível, é que se procede à liquidação vide parte final do mesmo artigo.

7. No caso presente, no apenso R, o STJ vem dizer que os sócios fundadores criaram / simularam o todo, pese embora que ali somente esteja configurado o negócio da transacção, mas que, de facto é o âmago da sociedade Distrialmada.

8. Ora, tendo o processo criminal, colectivo, vindo a submeter a decisão ao proferido pelo STJ, o qual confirmou a Sentença proferida pelo tribunal de primeira Instância, de que a loja e o negócio eram da Distrialmada, com o acumular do consequente prejuízo económico e comercial por inactividade, no período de Março de 2012 até à actualidade, superior a vinte milhões de euros, fica, na modesta opinião do ora recorrente, afastada a tutela defendida pelos Venerandos Desembargadores da Defesa do Estado. Tanto mais que o MP não se pronunciou, isto é, aceitou a decisão.

9. Logo, os fundamentos aduzidos pelos Venerandos Desembargadores não têm aplicação neste caso concreto, pois não se trata de defender o que está estipulado na excepção do artigo 149.º n.º 1 a) a final, porquanto a sentença penal assim como o acórdão do STJ, determinam o fim da apreensão em sede penal e o MP não se opôs.

10. Ademais, o não levantamento da apreensão do estabelecimento comercial consubstancia uma clara violação da Justiça e do Direito à propriedade privada na medida em que impede que os direitos dos sócios sejam recuperados, permitindo que, mesmo em face da decisão do STJ os visados continuem a beneficiar dos proventos do crime, com a exploração do espaço comercial a que sabem não ter direito.

11. Mas mais, decide-se contra legem, na medida em que com o CIRE se pretende promover a Recuperação Empresarial e, consequentemente, o tecido empresarial.

12. O Tribunal de primeira instância não pode ignorar que decorrem outros apensos, nomeadamente, o apenso N e o apenso Y onde se discute respectivamente, a indemnização à Massa Insolvente e o não Aumento de Capital em 2008. No apenso G, que antecede e faz parte do apenso Y, o sócio fundador alegou através de requerimento, que não esteve presente na alegada reunião onde os sócios fundadores BB e CC simularam entrada do filho DD na empresa.

13. Tais factos são do conhecimento oficioso, na medida em que constam dos processos apensos e não podem ser escamoteados quer pelo Tribunal de Primeira Instância quer pelos Venerandos Desembargadores sob pena de termos decisões contraditórias sobre os mesmos temas.

14. Mas para além desta acta falsa, decorre que a Insc. 2, no Registo Comercial, impede que esse registo seja Efectivo, dada a cláusula de privilégio. O que torna nulos todos os actos assinados a partir de 2008, nomeadamente a alegada transacção com a Sodisobreda, como o STJ já fixou que, tanto mais foi uma simulação.

15. Assim como o capital social da Sodisobreda Supermercados, Limitada, foi conseguido com o esforço dos meios financeiros que estavam depositados em bancos, cujo titular das contas era a Distrialmada Supermercados, Limitada. Até porque o documento 4, junto ao PER tem a confirmação de que a Sodisobreda utilizou as contas bancárias da Distrialmada, pois figura como cliente nessa Demonstração Financeira, confirmando o que a ATA lavra no relatório efectuado a coberto da requisição do processo-crime 3026/09.5TAALM e que deu origem ao levantamento do sigilo bancário no processo cautelar 1186/12.7BELRS.

16. A Meritíssima juiz do Tribunal de primeira instância, assim como os Senhores Desembargadores devem observar o Princípio do Inquisitório, nos termos e para os efeitos do artigo 11.º, do CIRE, na medida em que todos estes apensos estão interligados e têm necessariamente que ser observados em conjunto, ao abrigo deste princípio.

17. Toda a actuação destes sócios fundadores não pode ser ignorada, pois está demonstrado quer nestes autos principais e apensos e inclusive em acórdãos do STJ, que estes incorreram na prática de crimes como aliás vêm sendo julgados e devendo inclusive ser impedidos de constituir novas sociedades comerciais e serem gerentes de facto e de direito assim como administradores e de exercerem qualquer actividade comercial.

Assim e por tudo quanto supra se expôs, deve o presente recurso proceder por provado e o douto Acórdão do qual se recorre ser substituído por outro que determine o levantamento da apreensão do estabelecimento comercial, fazendo-se assim a Costumada Justiça!

Não foram apresentadas contra alegações.

Por se entender não ser admissível tal recurso foi proferido despacho, determinando-se o cumprimento do disposto no nº. 1 do art. 655º do CPC.

Apenas a ré, Sodisobreda juntou requerimento a subscrever o despacho notificado.

Foi proferida decisão a julgar findo o recurso, por não haver de conhecer do seu objeto.

Veio então o recorrente reclamar para a conferência, aduzindo o seguinte:

1-Vem o Reclamante reclamar da decisão singular proferida pela Colenda Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, que decidiu não conhecer do mérito do objecto do recurso.

2- O Reclamante não concorda com tal decisão na medida em que a mesma parte de premissas erradas, pois quando a Colenda Conselheira alega que o Tribunal da Relação decidiu na esfera da 1ª instância que se aguarde o desfecho do recurso onde está em causa o levantamento da apreensão do estabelecimento, tal não corresponde à verdade, porquanto o recurso não incide sobre a decisão do STJ pois não invoca a devolução, reclamando a condenação.

3-O Ora reclamante interpôs recurso de Revista para este Tribunal porquanto pretendia o levantamento da apreensão do estabelecimento comercial, uma vez que existem duas decisões iguais sobre o mesmo tema, uma proferida pelo Tribunal de Primeira Instância e outra proferida pelo STJ e que decidem pelo seu levantamento.

4-Falamos de uma sentença proferida no processo 1485/14.3TAALM do Juiz 4 do Juízo Central Criminal de Almada refere no ponto “5. Determinar o levantamento da apreensão do estabelecimento comercial "INTERMARCHÉ", sito na Estrada 2, Quinta do Conde de Mascarenhas, Vale Figueira, freguesia da Charneca da Caparica, concelho de Almada, descrito na 28 Conservatória do Registo Predial de Almada sob a ficha n.º ...51, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...73, da mesma freguesia.” E da decisão proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal de primeira Instância e que está em crise neste Recurso que colide com a sentença que a própria proferiu e que veio a ser confirmada pelo STJ no Acórdão 1936/15.0T8VFX – R.L1.S1

5- Mas, quer a Meritíssima juiz quer os Senhores Desembargadores pretendem dar corpo ao preceito vertido na excepção do artigo 149.º n.º 1 a) a final “…, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, …”

6-O Recorrente não concorda com essa decisão, vide a este respeito o comentário 6, de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda In Código da Insolvência e da Recuperação de empresas anotado, 3. Edição Quid Juris, a Fls. 565: “6. Sobre apreensões em processo penal, cfr. os art.os 178.º e seguintes do C.P.Pen.; e sobre apreensões em processo de contraordenação, cfr. os art.os 22.º e seguintes do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro….”Naturalmente, quando deva ser feita a restituição de bens apreendidos nesses processos, eles devem ser entregues ao administrador da insolvência; só assim não será nos casos em que o devedor mantém a administração. Por isso, a declaração de insolvência deve ser comunicada aos tribunais onde corram os processos penais e de mera ordenação, sendo que neles, aliás, «o administrador de insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que merecem interesse à insolvência» - ex vi do n.º 4 do art.º 81.º”

7- Os processos de insolvência visam a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa, conforme dispõe o artigo 1.º do CIRE; só quando tal não se afigure possível, é que se procede à liquidação vide parte final do mesmo artigo.

8-No caso presente, no apenso R, o STJ vem dizer que os sócios fundadores criaram / simularam o todo, pese embora que ali somente esteja configurado o negócio da transacção, mas que, de facto é o âmago da sociedade Distrialmada.

9-Ora, tendo o processo criminal, colectivo, vindo a submeter a decisão ao proferido pelo STJ, o qual confirmou a Sentença proferida pelo tribunal de primeira Instância, de que a loja e o negócio eram da Distrialmada, com o acumular do consequente prejuízo económico e comercial por inactividade, no período de Março de 2012 até à actualidade, superior a vinte milhões de euros, fica, na modesta opinião do ora recorrente, afastada a tutela defendida pelos Venerandos Desembargadores da Defesa do Estado. Tanto mais que o MP não se pronunciou, isto é, aceitou a decisão.

10- Logo, os fundamentos aduzidos pelos Venerandos Desembargadores não têm aplicação neste caso concreto, pois não se trata de defender o que está estipulado na excepção do artigo 149.º n.º 1 a) a final, porquanto a sentença penal assim como o acórdão do STJ, determinam o fim da apreensão em sede penal e o MP não se opôs.

11- Ademais, o não levantamento da apreensão do estabelecimento comercial consubstancia uma clara violação da Justiça e do Direito à propriedade privada na medida em que impede que os direitos dos sócios sejam recuperados, permitindo que, mesmo em face da decisão do STJ os visados continuem a beneficiar dos proventos do crime, com a exploração do espaço comercial a que sabem não ter direito.

12- Mas mais, decide-se contra legem, na medida em que com o CIRE se pretende promover a Recuperação Empresarial e, consequentemente, o tecido empresarial.

13- O Tribunal de primeira instância não pode ignorar que decorrem outros apensos, nomeadamente, o apenso N e o apenso Y onde se discute respectivamente, a indemnização à Massa Insolvente e o não Aumento de Capital em 2008. No apenso G, que antecede e faz parte do apenso Y, o sócio fundador alegou através de requerimento, que não esteve presente na alegada reunião onde os sócios fundadores BB e CC simularam entrada do filho DD na empresa.

14- Tais factos são do conhecimento oficioso, na medida em que constam dos processos apensos e não podem ser escamoteados quer pelo Tribunal de Primeira Instância quer pelos Venerandos Desembargadores sob pena de termos decisões contraditórias sobre os mesmos temas.

15- Mas para além desta acta falsa, decorre que a Insc. 2, no Registo Comercial, impede que esse registo seja Efectivo, dada a cláusula de privilégio. O que torna nulos todos os actos assinados a partir de 2008, nomeadamente a alegada transacção com a Sodisobreda, como o STJ já fixou que, tanto mais foi uma simulação.

16- Assim como o capital social da Sodisobreda Supermercados, Limitada, foi conseguido com o esforço dos meios financeiros que estavam depositados em bancos, cujo titular das contas era a Distrialmada Supermercados, Limitada. Até porque o documento 4, junto ao PER tem a confirmação de que a Sodisobreda utilizou as contas bancárias da Distrialmada, pois figura como cliente nessa Demonstração Financeira, confirmando o que a ATA lavra no relatório efectuado a coberto da requisição do processo-crime 3026/09.5TAALM e que deu origem ao levantamento do sigilo bancário no processo cautelar 1186/12.7BELRS.

17- A Meritíssima juiz do Tribunal de primeira instância, assim como os Senhores Desembargadores devem observar o Princípio do Inquisitório, nos termos e para os efeitos do artigo 11.º, do CIRE, na medida em que todos estes apensos estão interligados e têm necessariamente que ser observados em conjunto, ao abrigo deste princípio.

18- Toda a actuação destes sócios fundadores não pode ser ignorada, pois está demonstrado quer nestes autos principais e apensos e inclusive em acórdãos do STJ, que estes incorreram na prática de crimes como aliás vêm

sendo julgados e devendo inclusive ser impedidos de constituir novas sociedades comerciais e serem gerentes de facto e de direito assim como administradores e de exercerem qualquer actividade comercial.

19- Pelo que o ora reclamante terminou impetrando pela procedência do recurso e a substituição do Acórdão do qual se recorre, por outro que determinasse o levantamento da apreensão do estabelecimento comercial, fazendo-se assim a Costumada Justiça!

20- Porém, a Colenda Conselheira entendeu que o Tribunal da Relação decidiu, na esteira da 1ª instância que se aguardasse o despacho do recurso onde está em causa o levantamento da apreensão do estabelecimento, contudo o recurso para o tribunal não incide sobre a decisão do STJ, pois não invoca a devolução, reclamando a condenação.

A contradição entre acórdãos existe e verifica-se entre o Acórdão do Tribunal da Relação que mantém a decisão da primeira instância e o acórdão proferido pelo STJ no apenso R.

21- Mas para além desta questão, entende-se ainda, com o devido respeito, que é muito, que a Colenda Conselheira não alcança o modo de salvaguarda do bem, isto é, a demora do cumprimento do Acórdão do STJ no apenso R, continua a prejudicar a Distrialmada que nunca esteve efectivamente insolvente, tal não passou de um esquema orquestrado por quem pretendeu fazer crer que esta empresa não tinha como pagar aos seus credores.

22- Com tal demora, estas pessoas continuam a beneficiar dos dividendos que retiraram desta empresa e que injectaram na Sodisobreda, fazendo valer a velha máxima que “ o crime compensa”.

23- A presente reclamação visa que a questão levada até este tribunal seja reapreciada colegialmente e que seja proferido Acórdão nos presentes autos que determine o levantamento da apreensão do estabelecimento comercial de modo a que se faça a costumada justiça!

Foram colhidos os vistos.

2-Fundamentação:

Nos autos foi proferido despacho com o seguinte teor que se reproduz:

«Na situação vertente, veio o recorrente interpor recurso de revista excecional ao abrigo do art. 14º do CIRE, sobre o acórdão da Relação, o qual confirmou o despacho proferido pela 1ª. Instância.

Entende o recorrente que há uma decisão do STJ., proferida no apenso R e uma outra da 1ª. instância que determinam o levantamento da apreensão do estabelecimento comercial, as quais colidem com o agora decidido.

Ora, o nº. 1 do art. 14º do CIRE, consagra um regime especial.

A regra ali prevista restringe o acesso geral de recurso ao STJ às decisões proferidas no processo principal de insolvência, nos incidentes nele processado e aos embargos à sentença de declaração de insolvência.

Na situação vertente, o recorrente veio invocar como motivo de recorribilidade, a alínea c) do nº. 1 do art. 672º do CPC. e o constante do art. 14º do CIRE.

Porém, o art. l4.º do CIRE, como já aludido, estabelece um regime específico de admissibilidade do recurso de revista, baseado na oposição de acórdãos, que afasta o regime geral da revista excecional, previsto no art. 672.º do CPC.

Com efeito, não invocando o recorrente a contradição de acórdãos, mas antes, outros fundamentos, não seria admissível a revista especial.

Ora, nos termos plasmados no nº. 1 do art. 14º do CIRE, no processo de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo jurisprudência com ele conforme.

Como se escreveu no Ac. do STJ, de 19-12-2023, in http://www.dgsi.pt.«A oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis, e em conformidade contraditórias».

A contradição de julgados exige, assim, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais, sendo as soluções em confronto, divergentes e no domínio da mesma legislação.

A exigência de identidade do núcleo essencial das situações de facto é fundamental, pois, inexiste conflito jurisprudencial quando a diversidade de soluções jurídicas alcançadas para a composição dos interesses em litígio, num e no outro caso, assentam em diferenciações relevantes da matéria litigiosa, decorrendo a diversa solução adotada nos dois acórdãos de particularidades da matéria de facto subjacente aos litígios ( cf. neste sentido acórdão do STJ de 02.10.2014, Processo n.º 68/03.0TBVPA.P2.S1-A).

Como referem Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3º Vol. (3ª edição) pág. 282, “a integração da previsão da norma que é objeto de interpretações ou aplicações divergentes faz-se com factos de certo tipo e não de qualquer tipo (…) não basta uma oposição sobre a interpretação abstrata de normas jurídicas, pois está em causa a solução de casos jurídicos, por definição concretos.”

Com efeito, para se verificar uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e no acórdão-fundamento, é necessário que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes ou equivalentes, isto é, que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o núcleo factual essencialmente idêntico ou equivalente, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória.

Só há uma verdadeira contradição entre os acórdãos, quando a questão essencial, que constituiu a razão de ser e objeto da decisão, foi resolvida de forma frontalmente oposta na decisão em confronto.

Assim, para haver oposição de julgados, para efeitos do recurso de revista, no âmbito do art. 14º do CIRE, exige-se a verificação dos seguintes pressupostos:

- Verificação de uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e a questão de direito apreciada no acórdão do STJ, que serve de contraponto e de fundamento à admissibilidade da revista;

- A existência da efetiva contradição de acórdãos, ou seja, deve estar-se perante uma oposição frontal e tal oposição frontal deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado (oposto) que foi alcançado em ambos os acórdãos (sendo irrelevante a divergência que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo);

- Dever a contradição dos acórdãos verificar-se num quadro normativo substancialmente idêntico.

- Não haver acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ).

Colocados estes parâmetros apreciemos a situação concreta.

No caso, o recorrente não invoca a contradição entre acórdãos, mas antes, um descontentamento com o que foi decidido e mantido pela Relação.

E o que foi decidido foi no sentido de aguardar o trânsito em julgado do processo criminal instaurado, o qual determinou o levantamento da apreensão do estabelecimento.

Com efeito, compulsados os autos e, concretamente, o acórdão do STJ. proferido no apenso R, não existe qualquer contradição.

O acórdão do STJ., naqueles autos, decidiu declarar a nulidade – por se tratar de negócio com fim contrário à Ordem Pública e ofensivo dos Bons Costumes – do negócio vertido no escrito datado de 29 de fevereiro de 2012, intitulado contrato de trespasse.

No acórdão recorrido, não se discute tal objeto, mas se existe fundamento, para que possa desde já ser apreendido à ordem dos autos de insolvência o estabelecimento comercial, em causa.

O que o Tribunal da Relação decidiu, na esteira da 1ª. instância é que se aguarde o desfecho do recurso onde está em causa o levantamento da apreensão do estabelecimento.

Não existe qualquer contradição de acórdãos, mas apenas a espera pelo trânsito em julgado de um acórdão».

Ora, mantém o recorrente o seu desagrado quanto à decisão proferida, persistindo no entendimento de que existe um acórdão do STJ. que determina o levantamento da apreensão de um estabelecimento comercial.

Sucede que, o acórdão em apreço, não determina tal coisa.

O que o recorrente chama à colação prende-se com um processo criminal pendente, onde ainda não existe trânsito em julgado.

Com efeito, a este respeito é claro o acórdão da Relação, aludindo, nomeadamente:

«In casu, há que decidir se o supra identificado estabelecimento comercial pode desde já ser apreendido ou, se pelo contrário, conforme entendeu a Mmª Juíza da 1ª instância, tal diligência deve aguardar o trânsito em julgado do acórdão proferido nos autos de processo crime à ordem do qual o mesmo foi apreendido nos termos que constam da acusação deduzida pelo Ministério Público.

Invoca o apelante que o pedido de apreensão foi por si apresentado na sequência do acórdão proferido pelo STJ no apenso R dos autos principais (1936/15.0T8VFX-R.L,1.S1), decisão que já transitou em julgado e de nos autos de processo crime supra identificados ter sido proferido acórdão que decidiu pelo levantamento da apreensão do estabelecimento comercial, pelo que não há fundamento para que não seja desde já concretizada a apreensão à ordem dos autos de insolvência.

Além de sustentar que a decisão deve ser revogada por estar “desprovida de fundamento”, sustenta que a mesma é nula nos termos do abrigo do artigo 195°, n°3, do CPC, porquanto impediu a apreensão do estabelecimento comercial à ordem do processo de insolvência, em claro prejuízo da massa insolvente e em contradição com o acórdão proferido pelo STJ no apenso R.

(…) O aludido apenso R. corresponde a acção declarativa sob a forma de processo comum instaurada pela Massa Insolvente de Distrialmada – Supermercados, Lda, contra Sodisobreda – Supermercados, Lda, pedindo que fosse declarada a nulidade do contrato de trespasse do estabelecimento comercial celebrado entre esta e a insolvente. Conforme resulta dos autos, por acórdão do STJ de 28/06/2023 proferido nos mesmos, foi declarada a nulidade do negócio vertido no escrito datado de 29 de Fevereiro de 2012, intitulado “contrato de trespasse”.

Todavia, resulta também dos autos que, em 1/7/2021, nos autos de inquérito nº 1485/14.3TAALM, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Unidade Regional do Norte, foi proferida acusação pelo Ministério Público contra BB, DD e EE, imputando aos mesmos, entre outros, a prática em co-autoria do crime de insolvência dolosa, tendo ali sido determinado, “nos termos do artigo 178.º, n.ºs 1, 2, 3, e 11, do Código de Processo Penal”, a apreensão do estabelecimento “para garantir a perda a favor do Estado” do mesmo, conforme também ali promovido.

(…) Foi interposto recurso do acórdão proferido em 1ª instância que, entre outras decisões, determinou o levantamento da apreensão do estabelecimento efectuada à ordem daquele mesmo processo, recurso esse que foi admitido e não resulta que o mesmo já se encontre decidido pelo tribunal superior.

Assim, não resulta que já tenha sido proferida decisão final nos respectivos autos, pelo que, atento o disposto no supra citado artº 149º, nº1, alínea a), in fine, do CIRE, não há fundamento para desde já se proceder à apreensão do identificado estabelecimento comercial à ordem dos autos de insolvência».

Com efeito, nunca poderia o recorrente através da interposição de recurso de revista, alcançar o desiderato de obter o levantamento da apreensão do estabelecimento, o qual, realce-se, não foi objeto de decisão proferida por este STJ. e daí, não existir qualquer contradição.

O que se encontra pendente de decisão, com reflexos na insolvência, relaciona-se com a instauração de processos criminais, ainda não transitados.

Destarte, não lhe assiste razão.

Sumário:

- Não existe qualquer oposição para efeitos do disposto no nº. 1 do art. 14º do CIRE, entre um acórdão do STJ., que declarou a nulidade de um negócio intitulado de contrato de trespasse e o acórdão recorrido, onde apenas se apreciou se existe fundamento, para que possa desde já, ser apreendido à ordem dos autos de insolvência um estabelecimento comercial.

3- Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em Conferência, manter a decisão singular reclamada.

Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo de isenção de que beneficie.

Lisboa, 21-10-2025

Maria do Rosário Gonçalves (Relatora)

Maria Olinda Garcia

Luís Espírito Santo