Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
38/17.9YGLSB.S1
Nº Convencional: SECÇÕES CRIMINAIS
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO PENAL
DIFAMAÇÃO
DECISÃO ABSOLUTÓRIA
ASSISTENTE
RECURSO INTERLOCUTÓRIO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO
NULIDADE
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO DE JULGAMENTO
TIPICIDADE
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 02/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADOS IMPROCEDENTES OS RECURSOS
Sumário :
I -   Quando esteja em causa o primeiro grau de recurso, sob pena de compressão injustificada do direito ao recurso, constitucionalmente tutelado para o arguido (art. 32.º, n.º 1, da CRP), o art. 434.º do CPP (norma pensada para os casos-regra, em que já existiu a possibilidade de se ver discutida a matéria de facto num grau precedente de recurso) não obsta à possibilidade de a impugnação da matéria de facto poder ser exercida pela via ampla ou alargada.

II -  É de há muito pacífico que a mera indicação ou enumeração de provas não serve as exigências de fundamentação da matéria de facto na sentença/acórdão. A explicação da comprovação dos factos implica um verdadeiro exame crítico das provas, com a apreciação das diferentes versões apresentadas em julgamento, a explicação do seu maior crédito ou descrédito, sendo no cruzamento necessário de toda a informação probatória, procedente das diversas fontes, que se retirarão os enunciados fácticos que constituirão a matéria de facto da sentença/acórdão.

III - A sindicância da decisão sobre a matéria de facto em recurso, a apreciação da nulidade do acórdão por deficiências de fundamentação da matéria de facto, processa-se sempre em concreto e no contexto do recurso em que tal nulidade é suscitada.

IV - Os recursos não servem o aprimoramento de decisões menos perfeitas, servem a reparação de erros de julgamento. E se, mau grado eventuais défices de fundamentação da matéria de facto, a sentença/acórdão ainda se revela compreensível de modo a viabilizar a sindicância da matéria de facto no contexto do recurso interposto e da impugnação concretamente efectuada, permitindo a prolação de uma correcta decisão pelo tribunal superior, não tem de haver lugar à declaração da nulidade da sentença/acórdão.

V -  Do regime geral das nulidades (art. 122.º do CPP) resulta que a declaração de nulidade visa invalidar o acto nulo praticado, sendo repetido aquilo que for necessário repetir e devendo ser aproveitado tudo o que puder ser salvo do efeito daquela. Em recurso, a decisão sobre a correcção da sentença/acórdão, os resultados da sindicância do exame crítico da prova no respeitante a eventuais nulidades por falta de fundamentação da matéria de facto (art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP), não é uma decisão proferida em abstracto. Não interessa a análise abstracta, de avaliação da decisão no sentido da sua maior ou menor perfeição, pois o recurso não visa, e não serve, o aprimoramento de decisões. O recurso mantém o arquétipo de recurso-remédio em todo o processo de decisão.

VI - Assim, do que se trata é de perscrutar o acórdão recorrido no sentido da detecção de eventuais erros de julgamento (no caso, erros de facto) com vista à sua reparação; detecção e reparação do erro, se e quando cometido.

VII - O recurso amplo da matéria de facto apresenta a virtualidade de permitir preservar a sentença/acórdão mesmo nos casos em que o tribunal de julgamento não soube exprimir-se devidamente: permite preservar a decisão tanto nas situações em que o tribunal de julgamento julgou bem (de facto) mas fundamentou deficientemente a convicção (de facto), completando-se então essa fundamentação, como nos casos em que não julgou bem (de facto), procedendo-se então à alteração/correcção da matéria de facto da sentença ou acórdão.

VIII - Em suma, permite preservar o acórdão recorrido sempre que o tribunal de recurso disponha dos elementos necessários para a decisão, ficando a declaração de nulidade por deficiências de fundamentação reservada aos casos em que não é concretamente viável a supressão da nulidade, directamente pelo próprio tribunal de recurso. Só nestes casos o processo retornará ao tribunal de julgamento para que seja ali reformulado o acórdão e suprida a nulidade cometida e, aí sim, declarada.

IX - Não interessa conhecer da nulidade como se de um exercício académico se tratasse, quando o tribunal que julga o recurso da matéria de facto, porque em contacto com as provas, pode superar as deficiências de fundamentação, confirmando a boa decisão (de fundo) apesar de eventuais deficiências (de forma). Ou procedendo à correcção da matéria de facto, quando for caso disso. Esta oportunidade esvazia as valências da nulidade de sentença decorrente de um menos perfeito exame crítico da prova (arts 379.º, n.º 1, al. a) e 379.º, n.º 2, do CPP).

X -  A expressão ofensiva “O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada (ou não foi ela quem entrou eufórica no tribunal, dizendo «estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. A - se companheiro então - porque ele não é o pai!!!...)” é claramente susceptível de, em abstracto, atingir a honra e a consideração social da pessoa visada, num patamar de ofensividade exigido pelo tipo de crime “difamação”.

XI - No entanto, a realização do tipo falha logo ao nível do n.º 1 do art. 180.º, por falta de tipicidade subjectiva quando, não tendo embora ficado demonstrado que a assistente publicitou uma sua gravidez da forma e nos modos como o arguido o referiu, resultou no entanto provado que o arguido disso se convenceu. O arguido actuou convencido de que a assistente dera publicidade a tal facto, relativo à sua pessoa (dela, assistente), nos moldes que inscreveu na queixa. E assim sendo, o arguido actuou em erro sobre as circunstâncias do facto (art. 16.º, n.º 1, do CP), excludente do dolo.

XII - Caso as circunstâncias de facto tivessem sido realmente aquelas em que o arguido acreditou, objectivamente o facto não teria logo adquirido relevância penal. Pois o tipo difamação não protege a honra com uma tal abrangência e tão amplos limites. Não se justifica perseguir criminalmente alguém por reprodução de factos, mesmo que desonrosos, relatados pela própria visada, publicamente, a seu próprio respeito. O tipo difamação não inclui como ofensa da honra aquilo que o visado anuncia e publicita sobre a sua própria pessoa, sem qualquer reserva, tornando ele mesmo tais factos pessoais públicos. Não foi para estas situações que o tipo de crime foi pensado, o que, a suceder, se traduziria em levar longe de mais a tutela penal da honra, com a consequente afronta dos princípios constitucionais penais da ultima ratio e da intervenção mínima do direito penal.

Decisão Texto Integral:

Acordam nas Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:



1. Relatório

1.1. No Processo Comum Colectivo n.º 38/17.9YGLSB.S1, foi proferido acórdão a decidir “absolver o Arguido AA da autoria material do crime de difamação, com publicidade e agravado, dos arts. 180.º n.º 1, 182.º, 183.º n.º 1, al. a), 184.º e 132.º n.º 2 al. l), todos ao CP, que lhe era imputada no processo n.º 38/17.9YGLSB”; “absolver o Arguido AA e a Arguida BB da coautoria material de dois crimes de difamação, do art. 180.º n.º 1 do CP, que lhes era imputada no processo n.º 27/16....”; “julgar improcedente o pedido cível deduzido pela Assistente CC no processo n.º 38/17.9YGLSB dele absolvendo o Arguido AA, bem como julgar improcedente o pedido cível deduzido pela Assistente CC e pelo Assistente DD no processo n.º 27/16...., dele absolvendo o Arguido AA e a Arguida BB”.

Inconformada com o decidido, a assistente e demandante cível CC interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo:

“I. O douto acórdão em crise não se pronunciou quanto à matéria de facto alegada nos pontos 82.º, 83.º e 88.º do Pedido de Indemnização Civil, nos pontos 23.º e 23.º (repetido) da Acusação Particular, no ponto 57.º da Contestação do Arguido e no ponto 11.º da Pronúncia, sendo, por isso, nulo nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, al. a), e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

II. No douto acórdão em crise, não é feita qualquer apreciação crítica da prova, tal como a mesma é legalmente exigida pelo art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

III. Na verdade, sob o título “MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO”, apenas se encontra um escurso teorético sobre o direito probatório e uma enumeração dos vários meios de prova acompanhada de fórmulas lacónicas e tabelares que não permitem perceber quais as razões, concretas e objectivas, que levaram o Tribunal a dar prevalência a uma ou outra dessas versões apresentadas nos autos.

IV. Quem leia a “motivação” da decisão de facto ficará, à primeira vista, convencido de que nenhuma divergência existiu entre as declarações dos Assistentes, as declarações dos Arguidos e os depoimentos das testemunhas inquiridas e que tudo quanto todos disseram mereceu credibilidade.

V. Aliás, lida toda a suposta “motivação” da decisão de facto, constata-se que o Alto Tribunal não gastou uma linha, sequer, para indicar quais as razões em que se fundou para dar como não provados os factos vertidos nos pontos I, alínea E), e II, alínea G), da decisão da matéria de facto, sendo tal “motivação” completamente omissa no que respeita à matéria de facto não provada.

VI. A referência genérica ao princípio in dubio pro reo, desacompanhada da indicação das concretas e objectivas razões pelas quais os Colendos Julgadores chegaram a um estado de dúvida razoável quanto aos factos vertidos nas decisões de pronúncia, nas acusações particulares e nos pedidos de indemnização civil é insuficiente para que se considere cumprido o dever de fundamentação, na vertente do exame crítico da prova, no que concerne aos factos tidos por não provados.

VII. Como tal, o douto acórdão em crise é nulo, por força do estabelecido nos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, nulidade que se invoca para os devidos efeitos legais. VIII. Não obstante o art.º 434.º, do Código de Processo Penal, estabelecer que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente matéria de direito, tal normativo deve ser interpretado restrictivamente, não sendo aplicável aos recursos de decisões proferidas em primeira instância pelas suas secções.

IX. O art.º 434.º, do Código de Processo Penal, se interpretado com o sentido de o recurso de decisão proferida em 1.º instância pelo Supremo Tribunal de Justiça apenas poder visar matéria de direito sempre seria inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 8.º, n.º 2, 13.º, e 20.º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

X. O douto acórdão padece de erro de julgamento quanto ao ponto 27 dos Factos Provados, a respeito da decisão de Pronúncia proferida no Proc. n.º 38/17.9YIGLSB, no segmento em que se deu como provado que o “clima de conflitualidade” – expressão, de resto, de teor vago e conclusivo – “envolveu (…) a Dr.ª EE, cônjuge do Arguido, testemunha”, o qual deveria ter sido dado como não provado, uma vez que:

i) Dos pontos 29 a 31 dos Factos Provados relativos à decisão de pronúncia proferida no processo n.º 38/17.9YIGLSB consta o elenco dos processos pendentes e findos que correram ou correm termos entre o Arguido e a Assistente ou o marido desta, não constando desse mesmo elenco qualquer processo em que tenha sido parte a Dr.ª EE, cônjuge do Arguido.

ii) O próprio Arguido, nas declarações que prestou na audiência de julgamento (minutos 9m14ss a 10m15ss) relata que a referida testemunha e sua esposa, EE, em anterior audiência de julgamento em que também teria sido testemunha, já havia dirigido à Assistente o epíteto “desonesta”, sem que esta tenha apresentado qualquer queixa por esse facto, mais dizendo, referindo-se à Assistente, “ela quer é apanhar-me a mim (…) ela com a minha mulher não quer nada”.

iii) O mesmo Arguido, quando questionado pelo mandatário da Assistente sobre quantas queixas esta havia apresentado contra a sua esposa, EE, responde “Zero” – conforme consta dos minutos 1h00m20ss a 1h00m34ss das declarações prestadas).

iv) A testemunha EE, quando inquirida em audiência de julgamento, também confirma que, muito embora em anterior julgamento, ao depor como testemunha, tenha dirigido à Assistente os epítetos “desonesta e mentirosa”, esta nada fez contra si – vide, os minutos 9m08sss a 10m06ss, e os minutos 25m12ss a 26m30ss. v) E disse, ainda, a testemunha (minutos 18m15ss a 22m40ss do seu depoimento) que o Assistente, seu marido, quando era inspector, não falava consigo sobre os processos disciplinares que tinha em mãos e que visavam a Assistente CC.

v) Mais referindo a testemunha, a perguntas do mandatário da Assistente que, “Que eu saiba, não tenho nenhum processo com a Dr.ª CC” – vide, minutos 37m00s a 38m04ss do registo do seu depoimento.

XI. O douto acórdão padece de erro de julgamento quanto ao ponto 1 dos “Factos Não Provados”, a respeito da decisão de Pronúncia proferida no Proc. n.º 38/17.9YIGLSB – “O comentário referido no ponto 11 da matéria de facto provada foi inserido no Grupo pelo Arguido AA” – deveria ter sido dado como provado

XII. Se bem que inexista prova directa desse facto – já que o Arguido AA não o confessou e a testemunha EE disse, em audiência de julgamento, ter sido ela a sua autora –, dos autos resultam abundantes indícios graves, precisos e concordantes, que permitem, com apelo às regras da experiência comum, concluir, para lá de qualquer dúvida razoável, que o autor do comentário referido no ponto 11 dos “Factos Provados” foi o Arguido AA.

XIII. Em primeiro lugar, existem variados indícios, que resultam quer da matéria de facto provada, quer das próprias declarações do Arguido AA, que revelam a sua relação efectiva com os meios que serviram de instrumento para a prática do crime, a saber:

i) Como resulta dos pontos 1 e 2 dos “Factos Provados” a respeito do Proc. n.º 38/17.9YGLSB, na data dos factos, era o Arguido AA – e não o seu cônjuge, EE – quem era membro do grupo “...” da rede social Facebook, aí sendo identificado com o nome de utilizador “FF”. ii) Como se lê nos pontos 3 e 4 desses mesmos “Factos Provados”, a admissão como membro desse grupo é restrita a Magistrados Judiciais – condição que o Arguido detém; já não o seu cônjuge, EE –, sendo certo que as publicações aí feitas só são acessíveis aos respectivos membros ou através deles. iii) Para aceder informaticamente à página informática e às publicações feitas no grupo “...” – e, consequentemente, sob as mesmas inserir cometários – era, pelo menos, indispensável que tal acesso fosse, pelo menos na abertura dessa página, feito por um magistrado judicial membro do referido grupo, através do perfil ao mesmo atribuído. iv) Quem à data era membro do grupo “...” e, através do perfil “FF”, tinha meios para aceder às publicações desse grupo e, consequentemente, sob as mesmas colocar comentários era o Arguido AA. v) Conforme resulta dos pontos 11 e 12, o comentário objecto dos autos foi inserido sob o nome de utilizador “FF”, tendo o próprio Arguido, nas declarações que prestou em audiência de julgamento (vide minutos 1m29ss a 3m20ss e 6m40ss 9m14ss), reconhecido que foi ele, AA quem aderiu ao grupo “...” da rede social Facebook e que o comentário em apreço foi feito a partir de um seu computador pessoal.

XIV. Em segundo lugar, também existem abundantes indícios nos autos no sentido de que era o Arguido, AA, quem tinha um móbil que explica a inserção do comentário referido no ponto 11 dos Factos Provados no grupo “...” da rede social Facebook, já que: i) Conforme resulta do ponto 10 dos “Factos Provados”, foi o Arguido AA quem leu os comentários referidos nos pontos 8 e 9 desses mesmos “Factos Provados”, elogiosos da prestação da Assistente no videograma publicado no dito grupo “...” – referido nos pontos 6 e 7 dos “Factos Provados” – e foi o Arguido AA – e não o seu cônjuge, EE – quem, de acordo com o que consta do ponto 18 dos “Factos Provados”, “interpretou os comentários elogiosos à intervenção da Assistente na audiência do processo no TEDH mencionados no ponto 5 como uma censura à sua atuação como Inspetor Judicial no contexto dos processos disciplinares identificados no ponto 28”. ii) Assim, era o Arguido AA – e não o seu cônjuge, EE – quem, em face da matéria de facto provada, tinha um móbil para reagir aos comentários elogiosos dirigidos à intervenção da Assistente divulgada no grupo “...”. iii) Foi o Arguido AA quem, na qualidade de Inspector Judicial, instruiu o processo disciplinar referido nos pontos 19 e 20 dos “Factos Provados”, e apresentou as informações ou participações que deram origem aos processos disciplinares referidos nos pontos 21 a 24 dos “Factos Provados”, processos esses que, conforme resulta dos pontos 25 e 26 dos “Factos Provados” estavam em causa na queixa apresentada pela Assistente junto do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. iv) Também os processos identificados nos pontos 28 a 31 dos “Factos Provados” são, todos eles, processos que têm como parte ou sujeito processual o aqui Arguido, AA – e nunca o seu cônjuge, EE. v) Pelo que, mais uma vez, era o Arguido AA – e não o seu cônjuge – quem tinha não só uma relação efectiva com o sujeito passivo do crime, como também o móbil e o conhecimento de causa para responder aos comentários identificados nos pontos 8 e 9 dos Factos Provados – tendo, de resto, a testemunha EE, em audiência de julgamento, dito que o seu marido, enquanto foi Inspector Judicial, não falava consigo sobre os processos disciplinares que tinha em mãos (minutos 18m30s a do seu depoimento). vi) No depoimento escrito da testemunha GG, a págs. 3 do mesmo e em resposta à pergunta 48, refere-se que “o Dr. FF apenas se sentia livre para expor os seus sentimentos e o sofrimento que lhe causava a si e à sua esposa quando ela não estava presente, pois na presença da esposa, tentava acalmá-la e conter a sua revolta, pois sabia bem do estado da doença que a consumia e procurava desse modo, evitar-lhe sofrimento”. vii) Ora, se assim é – e não há razão para duvidar que seja –, não é minimamente plausível que, tendo lido a publicação e os comentários elogiosos referidos 6 a 9 dos Factos Provados, o Arguido AA os tivesse partilhado com a sua esposa, EE, pois, nas palavras da testemunha GG, “sabia bem do estado da doença que a consumia” e tal era, para si, fonte de preocupação, a ponto de apenas se sentir “livre para expor os seus sentimentos (…) quando ela – a esposa – não estava presente”. viii) Mal se compreenderia, nesse quadro de grande preocupação pela doença da esposa, que, afinal, o Arguido AA tivesse partilhado com esta o teor de publicações e comentários que, como não podia deixar de prever, lhe causariam sofrimento. ix) Também não é minimamente plausível que, acaso tal comentário tivesse sido aposto por terceiro, nenhuma ressalva fosse feita constar – como não foi – do mesmo, no sentido de a sua autoria não ser do Arguido, membro do dito grupo, identificado sob o nome de utilizador “FF” – a menos, claro está, que o mesmo tivesse sido inserido por alguém que visasse prejudicar o Arguido, abusando da sua identidade para formular comentários injuriosos que, depois, lhe poderiam trazer consequências desfavoráveis. x) O que não é, de todo, plausível que suceda com a esposa do Arguido, EE, tanto mais que a mesma, nas declarações que prestou em audiência de julgamento – minutos 6m40ss a 7m40ss e 20m50ss a 21m12ss –, manifesta grande preocupação com as consequências desfavoráveis, para o Arguido AA, que entende decorrem de participações apresentadas pela Assistente CC – preocupação que, de resto, também ressalta do teor do depoimento escrito da testemunha GG. xi) Não se afigurando normal, no quadro dessa grande preocupação a testemunha EE pelos danos alegadamente sofridos pelo Arguido, que a mesma inserisse, sob a identificação deste e num grupo do qual era membro, o comentário em causa nos autos, sem esclarecer ser ela a sua autora, pois não poderia deixar de prever e recear as consequências que daí, mais uma vez, resultariam para o seu marido – nomeadamente, mais participações, ou, como diz a testemunha GG, que daí resultassem mais “processos movidos contra o marido”. xii) Nem se compreende qual seria o móbil para que a testemunha EE, que não é magistrada judicial, se fizesse passar pelo marido e inserisse, num grupo reservado a magistrados judiciais, um comentário sobre um assunto que a si não dizia respeito – para mais um comentário que nada esclarece sobre esse assunto, antes se limita a lançar epítetos sobre a pessoa da Assistente. xiii) Como se constata da decisão disciplinar referida no ponto 18 dos “Factos Provados” relativos ao proc. n.º 27/16.... e dos acórdãos proferidos na Acção Ordinária n.º 704/12...., juntos aos autos com a resposta dos Assistentes aos documentos juntos pelo Arguido AA – fls. 2732 e segs. –, já anteriormente aos factos em causa nos presentes autos, o Arguido havia, em órgãos de comunicação social de circulação nacional, produzido comentários alusivos aos processos disciplinares referidos nos pontos 19 a 26, em substância idênticos ao que são objecto destes autos – v.g., “Os critérios de apreciação da ética de um magistrado não são, felizmente, aqueles que presidiram à atuação da senhora juiz no decurso do processo disciplinar que o ora respondente instruiu. Por isso, sem surpresa, a fazer fé nas declarações do senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, tem esta proposta a pena de demissão. Para bem da magistratura portuguesa e do país”, ou “Eu apurei coisas gravíssimas em relação a essa magistrada e, por isso, ela está ressabiada. Espero e desejo que seja expulsa da magistratura, na sequência dos factos que já participei ao Conselho”. xiv) Comentários que, à semelhança daquele que está em causa nos presentes autos, se inscrevem no móbil do Arguido AA, de julgar a Assistente em praça pública. xv) Conforme resulta do CD junto a fls. 1266 dos autos, em declarações prestadas pelo aqui Arguido, na qualidade de assistente no Proc. 2396/14...., (minutos 17m10ss a 17m17ss), dias antes da publicação do comentário em causa nestes autos, aquele, dirigindo-se de viva voz à aqui Assistente CC, apodou-a de “mentirosa e desonesta”, precisamente os mesmos epítetos formulados no comentário em apreço. xvi) Declarações que podiam ser utilizadas pelo Alto Tribunal, a tal não obstando o disposto nos artigos 355.º e 357.º, do Código de Processo Penal, já que as mesmas não são asserções relativas a um facto passado objecto dos presentes autos – até porque o facto objecto dos presentes autos é posterior à sua emissão –, sendo relevante, apenas e tão só, constatar que tais declarações foram proferidas pelo Arguido em tal circunstância. xvii) Sendo tais declarações claramente relevadoras do móbil que, já então, o animava no sentido de atingir publicamente a honra da Assistente, nos precisos termos em que o fez no comentário referido no ponto 11 dos Factos Provados.

XV. Em terceiro lugar, também o comportamento do Arguido AA posterior à inserção, no grupo “...” da rede social Facebook, do comentário referido no ponto 11 dos “Factos Provados”, aponta claramente no sentido de ter sido ele o seu autor, pois que: i) Posteriormente à inserção daquele comentário em tal grupo, nenhum outro comentário foi inserido pelo utilizador “FF” no sentido de esclarecer não ser o mesmo da autoria do Arguido AA – como seria expectável que sucedesse, caso o tal comentário tivesse sido inserido por terceiro. ii) Ao invés, e como reconheceu o próprio Arguido nas declarações prestadas em audiência de julgamento (minutos 9m00ss a 9m20s), aliás em tom bastante irritado, a atitude que tomou foi a de abandonar o grupo, porque considerou que os colegas estavam a “endeusar” a Assistente CC. iii) Atitude que bem demonstra que foi o Arguido quem, enquanto membro desse grupo, se sentiu pessoalmente atingido pelos elogios dirigidos por outros membros à Assistente, a ponto de não querer mais ser membro – ele e não a esposa, EE – desse mesmo grupo. iv) Conforme resulta do depoimento prestado pela testemunha HH em audiência de julgamento (minutos 11m30s a 11m45ss e 18m00ss a 19m00ss), o Arguido AA, abandonou o grupo “...” no próprio dia e não retirou o comentário referido no ponto 11 dos Factos Provados, que, à data da audiência de julgamento, ainda podia ser consultado por qualquer Magistrado Judicial que acedesse ao grupo – o que é bem revelador da intenção do Arguido, de perpetuar por tempo indefinido a ofensa à honra da Assistente. v) Nenhuma explicação plausível para tal é oferecida pelo Arguido ou pela testemunha EE, que, apesar de dizer que o marido, quando leu o comentário, lhe disse “não devias ter feito”, relata que este não apagou o comentário e limitou-se a sair do grupo, porque, diz, “o mal estava feito” (minutos 21m21ss a 23m15ss e minutos 33m40ss a 34m55ss das declarações da testemunha). vi) O próprio Arguido, AA, nas declarações que prestou em audiência de julgamento (vide, minutos 56m50s a 57m41ss), refere que, num primeiro momento, assumiu perante o Conselho Superior da Magistratura, a autoria do comentário referido no ponto 11 dos “Factos Provados”. vii) A este propósito, o Arguido avança, como explicação para esse facto, não querer ver a sua esposa, EE, “envolvida nas garras da Doutora Sá e do seu marido”. viii) Só que tal explicação é incompatível com aquilo que o próprio Arguido referiu nas suas declarações (minutos 9m14ss a 10m15ss), quando relata que a referida testemunha e sua esposa, EE, em anterior audiência de julgamento em que também teria sido testemunha, já havia dirigido à Assistente o epíteto “desonesta”, sem que esta tenha apresentado qualquer queixa por esse facto, mais dizendo, referindo-se à Assistente, “ela quer é apanhar-me a mim (…) ela com a minha mulher não quer nada”. ix) E quando, ao ser questionado pelo mandatário da Assistente sobre quantas queixas esta havia apresentado contra a sua esposa, EE, respondeu “Zero” – conforme consta dos minutos 1h00m20ss a 1h00m34ss das declarações prestadas pelo Arguido AA). x) Sendo certo que a sua esposa, EE, nem podia, de modo algum, ser visada no processo disciplinar que corria termos no Conselho Superior da Magistratura, pois não tem a qualidade de magistrada judicial. xi) Só se podendo concluir que o mesmo assumiu a autoria dos factos perante o Conselho Superior da Magistratura porque, efectivamente, os praticou. xii) As declarações do Arguido e da testemunha EE a respeito da posterior inversão de estratégia processual, são contraditórias entre si: o Arguido (vide, minutos 58m00ss a 58m23ss) refere que a sua esposa disse que escrevia uma carta ao CSM a contar tudo “tintim por tintim” e que foi por isso que se viu obrigado a mudar a sua versão; já a testemunha EE (vide, minutos 36m00s a 36m30s) refere que só soube que o seu marido ia prestar declarações no CSM no próprio dia e que este não lhe contou o que é que havia declarado. xiii) Compulsados os documentos juntos a fls. 764 a 770 e a fls. 1366 a 1397, por um lado, e os documentos e autos de inquirição juntos a fls. 238, 534, 1386 a 1392 e 1393 a 1396, constata-se que, entre as primeiras declarações prestadas pelo Arguido AA no Conselho Superior da Magistratura e as subsequentes declarações prestadas, quer pelo Arguido, quer pela testemunha EE, medeia a decisão que converteu o inquérito disciplinar em processo disciplinar – vide, documento 8 junto com a resposta aos documentos juntos pela Arguido AA com a sua contestação. xiv) Só após esta decisão, em 28.02.2018, quase um ano após a publicação do comentário referido no ponto 11 dos “Factos Provados”, “aparece” a testemunha EE a prestar declarações no Conselho Superior da Magistratura, quase simultaneamente com as que prestou nestes autos em 21.02.2018 – e depois das também prestadas pelo Arguido nestes mesmos autos em 21.12.2017. xv) Ou seja, a testemunha EE, que diz ter sabido que o Arguido havia prestado declarações no Conselho Superior da Magistratura, afinal, não teve qualquer pressa em assumir a autoria do comentário referido no ponto 11 dos “Factos Provados” – designadamente, escrevendo a “carta ao CSM” a que aludiu o Arguido… –, só o fazendo quase um ano após esse comentário ter sido produzido e quando o Arguido já tinha conhecimento, quer da conversão do inquérito disciplinar em processo disciplinar, quer da pendência deste processo criminal. xvi) E, como se mais fosse necessário para demonstrar que é, de facto, o Arguido FF quem sempre quis e quer atentar contra a honra da Assistente, basta ouvir as declarações que proferiu em audiência de julgamento, nas quais várias vezes – e perante a total passividade do Alto Tribunal –, reincidiu na formulação de juízos de valor sobre a personalidade da Assistente, renovando os epítetos desonrosos que constam do comentário reproduzido no ponto 11 dos Factos Provados (vide, minutos 10m30ss a 11m00ss, minutos 11m15ss a 12m05ss, minutos 49m00ss a 49m05ss) – dizendo que “não fui eu, mas podia ter sido”, que existe “interesse legítimo” em informar o público, exclamando “Então e não foi desonesta?!”.

XVI. Nenhuma credibilidade, aliás, pode ser atribuída às afirmações em sentido contrário, quer do Arguido AA, quer da testemunha EE, pois, na verdade: i) Nos minutos 6m40ss a 8m27ss das suas declarações, o Arguido AA relata que se ausentou momentaneamente para o seu escritório por ter recebido um telefonema de um colega que lhe colocava uma dúvida; todavia, nunca identifica esse colega, nem se recorda de qual a dúvida em questão; não juntou aos autos, também, qualquer registo documental comprovativo da realização de qualquer chamada telefónica para o seu na ocasião a que se refere – e não teria sido difícil fazê-lo, se essa chamada, efectivamente, tivesse ocorrido. ii) Aos minutos 6m00ss a 9m00ss das declarações da testemunha EE, constata-se que esta não consegue dar qualquer explicação plausível para a necessidade que diz ter sentido de inserir o comentário referido no ponto 11 dos Factos Provados. iii) Aos minutos 13m00ss a 16m00ss das declarações da testemunha EE, constata-se que esta recorre, sem informar o Tribunal desse facto, a apontamentos escritos, ainda dizendo que não são apontamentos, “são conclusões que eu tirei, porque nem sempre me saem as palavras”. iv) Aos minutos 16m00ss a 18m30ss das declarações da testemunha EE constata-se que esta nem se recorda, com um mínimo de precisão, do teor do comentário que diz ter inserido, sendo certo que se trata de um comentário muito curto e de um acontecimento isolado do qual, normalmente, se recordaria se tivesse sido a própria a formulá-lo. v) E também nenhum relevo, nesse sentido, pode ser dado ao depoimento escrito prestado pela testemunha GG, já que, conforme resulta dos posteriores esclarecimentos pela mesma prestados, se limita a reproduzir algo que diz ter ouvido da boca da testemunha EE em momento que não consegue situar no tempo, sendo que, quando diz “E não pus em causa que assim fosse” está a manifestar uma convicção pessoal que não pode ser valorada pelo Tribunal, face ao disposto no art.º 130.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. vi) De resto, esta testemunha afirma que assim entende porque a esposa do Arguido “sempre manifestou estar a par de todos os processos movidos contra o marido”, sem que se perceba como é que sabe quais são esses processos, a ponto de poder afirmar que a esposa estava “a par” de todos.

XVII. Deste modo, impunha-se ao Colendo Tribunal a quo julgar provada a matéria que verteu no ponto 1 dos “Factos Não Provados” a respeito do Proc. n.º 38/17.9YGLSB. XVIII. Consequentemente, também se impunha que julgasse provada a matéria vertida nos pontos 3 a 6 dos “Factos Não Provados” a respeito desse processo, pois é manifestamente incompatível com a regras da experiência comum que quem actua do modo como actuou o Arguido AA o faça sem a consciência e vontade mencionados nesses pontos da matéria de facto julgada não provada.

XIX. O douto acórdão incorreu em erro de julgamento no ponto 24 dos Factos Provados relativos ao Proc. n.º 27/16...., no segmento em que se deu como provado que o Arguido AA actuou “convencido da sua veracidade”, por referência ao conteúdo da nota de rodapé referida no ponto 4 dos “Factos Provados”, impondo-se ao Alto Tribunal a quo que julgasse tal matéria como não provada.

XX. Desde logo, no que concerne ao depoimento da testemunha II, constata-se que: i) Aos minutos 4m40ss a 5m00ss e nos minutos 10m10ss a 10m30ss, esta testemunha refere que teve conhecimento da frase transcrita na nota de rodapé em apreço, mas não com base na sua percepção directa, pois não ouviu a Assistente CC a Sá proferir a mesma. ii) Questionado sobre quem é que lhe disse que tal frase havia sido dita pela Assistente CC, a testemunha limita-se a dizer (minutos 5m00ss a 5m30ss e minutos 7m00ss a 7m45ss) que tal lhe foi dito por colegas magistrados e por funcionados, mas não pode precisar, em concreto, quem lhe transmitiu essa informação. iii) Trata-se, pois, de um depoimento indirecto, que, por não identificar a testemunha-fonte, não podia ter sido valorado, nessa parte, pelo Alto Tribunal a quo, face ao disposto no art.º 129.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. iv) Por outro lado, questionado sobre se transmitiu tal informação ao Arguido AA, a testemunha refere não se recordar de tal, admitindo como possível que o tenha feito, apenas porque, no seu dizer, “O Senhor Desembargador não ia inventar uma coisa dessas” – vide, minutos 5m30ss a 5m50ss e minutos 10m10s a do seu depoimento. v) Nesta parte, a testemunha limita-se a manifestar uma mera convicção pessoal – “O Senhor Desembargador não ia inventar uma coisa dessas” – que o Alto Tribunal a quo também não podia valorar, face ao disposto no art.º 130.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. vi) Com a Contestação e, posteriormente, na sessão de julgamento realizada em 22 de Março de 2022, o Arguido AA juntou aos autos, respectivamente, cópia da petição inicial e cópia da contestação apresentadas na acção de processo comum em que são autores os aqui Assistentes e são réus a testemunhas II, JJ e KK e que tem, como causa de pedir, precisamente, a transmissão, por estas ao Arguido, dos supostos factos vertidos na nota de rodapé mencionada no ponto 4 dos “Factos Provados”. vii) Nessa contestação, apresentada pelas testemunhas II, JJ, estas não admitem coisíssima nenhuma quanto à alegada transmissão de tal informação ao Arguido AA. viii) Repetindo, nessa peça processual, por dezasseis vezes, ser falso que alguma vez tenham dito ao Arguido AA que a Assistente CC havia proferido a frase que lhe é imputada na nota de rodapé vertida no ponto 4 dos “Factos Provados”. ix) O que é bem diverso daquilo que, nesta audiência de julgamento, a testemunha II declara, quando diz não se recordar de tal, e admite como possível que o tenha feito, porque, no seu dizer, “O Senhor Desembargador não ia inventar”. x) Pelo que o depoimento desta testemunha é imprestável para demonstrar o que quer que seja quanto à veracidade ou convicção da veracidade, por parte do Arguido AA, a respeito do vertido na nota de rodapé transcrita no ponto 4 dos “Factos Provados”.

XXI. Quanto ao depoimento da testemunha JJ, constata-se que: i) Aos minutos 6m40 a 7m00ss, nos minutos 9m00ss a 9m40ss e nos minutos 26m00 a 27m10ss, esta testemunha diz não se recordar de ter dito ao Arguido AA o que quer que seja a respeito da frase transcrita no ponto 4 dos Factos Provados, apenas admitindo como possível que o Arguido lhe tenha transmitido essa informação e que possa ter respondido algo, não se lembra o quê, porque “isso não era novidade”; ii) Esta testemunha, aos minutos 20m20s a 22m10s nega ter visto ou ouvido a Assistente CC proferir a frase que lhe é imputada na nota de rodapé transcrita no ponto 4 dos Factos Provados, referindo ser “uma inverdade” que tenha dito ao Arguido AA que viu e ouviu a Assistente a proferir essa frase – ao contrário do que o Arguido alegou no artigo 29.º do Requerimento de Abertura de Instrução. iii) Mais refere que o Arguido AA, quando veio falar consigo pela primeira vez, talvez em Junho de 2012, já saberia desse rumor e de outros, porque “era o que se dizia na Comarca”, que a Assistente teria dito isso “na secção de processos”, que tal “não corria só em ...”, que “toda a gente falava disso” – vide, minutos 6m50ss a 7m15ss, 8m00s a 8m10ss, 9m40ss a 9m50ss, 18m16s a 19m00ss, e 22m10ss a 22m49ss do seu depoimento. iv) Só que, nessa parte, a testemunha reproduz vozes públicas, pelo que o seu depoimento não podia, a esse respeito, ser valorado pelo Alto Tribunal a quo, face ao disposto no art.º 130.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. v) Com a Contestação e, posteriormente, na sessão de julgamento realizada em 22 de Março de 2022, o Arguido AA juntou aos autos, respectivamente, cópia da petição inicial e cópia da contestação apresentadas na acção de processo comum em que são autores os aqui Assistentes e são réus a testemunhas II, JJ e KK e que tem, como causa de pedir, precisamente, a transmissão, por estas ao Arguido, dos supostos factos vertidos na nota de rodapé mencionada no ponto 4 dos “Factos Provados”. vi) Nessa contestação, apresentada pelas testemunhas II, JJ, estas não admitem coisíssima nenhuma quanto à alegada transmissão de tal informação ao Arguido AA. vii) Repetindo, nessa peça processual, por dezasseis vezes, ser falso que alguma vez tenham dito ao Arguido AA que a Assistente CC havia proferido a frase que lhe é imputada na nota de rodapé vertida no ponto 4 dos “Factos Provados”. viii) O que é bem diverso daquilo que, nesta audiência de julgamento, a testemunha JJ declara, quando diz não se recordar de tal, mas admite como possível que tenha dito ao Arguido AA, quando este lhe falou desse assunto, que possa ter respondido alguma coisa, de que concretamente já não se recorda. ix) Em suma, trata-se também de um depoimento imprestável para demonstrar o que quer que seja quanto à veracidade ou convicção da veracidade, por parte do Arguido AA, a respeito do vertido na nota de rodapé transcrita no ponto 4 dos “Factos Provados”.

XXII. No que se refere ao depoimento escrito da testemunha KK, importa assinalar que: i) a respeito da matéria em apreço, esta se limita a dizer o seguinte: “recordo-me que, pouco tempo depois de ter sido colocada, em 2014, no Tribunal da Relação do Porto, em data concreta que não posso precisar, o Sr. Dr. LL – sabendo que anteriormente eu tinha trabalhado no Tribunal da Relação ..., onde corriam processos em que intervinham a Sra. Dra. CC e o Sr. Dr. LL – contou-me que havia um litígio entre eles que se iniciara com um processo disciplinar instaurado à Sra. Dra. CC em que ele, à data Inspector Judicial, era o instrutor do processo. / Referiu ainda que a Sra. Dra. CC lhe imputava comportamentos pouco éticos quando não era a pessoa indicada para o fazer, pois até lhe tinham contado – o Sr. Dr. II, Procurador no Tribunal ..., e o Sr. Dr. JJ, seu advogado – que um dia a Sra. Dra. CC, no átrio do Tribunal ..., dissera, eufórica, estou grávida, mas não deem os parabéns ao Dr. DD, pois não é ele o pai. / Face a tal relato, limitei-me a referir que ouvira, como ouvi, no Tribunal da Relação ... uma conversa em que se falava desse episódio em termos idênticos”. ii) Ouvida em audiência de julgamento, esta testemunha esclareceu (minutos 2m00ss a 3m35ss do seu depoimento) que a conversa que diz ter ouvido no Tribunal da Relação ... não foi tida consigo e ocorreu na sala de trabalho, onde se encontravam vários outros Juízes Desembargadores, não se recordando de quem é que teve intervenção nessa conversa, na qual não participou. iii) Assim, quanto aos factos objecto da conversa no Tribunal da Relação ..., estamos em face de um depoimento indirecto, sendo certo que, não tendo a mesma identificado a testemunha-fonte, se trata de depoimento que não podia ser valorado pelo Alto Tribunal a quo, atento o disposto no art.º 129.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. iv) No mais, a testemunha limita-se a relatar ter referido – já depois de o Arguido AA lhe ter dito que a Assistente CC havia proferido a frase que lhe é imputada na nota de rodapé vertida no ponto 4 dos Factos Provados – que ouviu uma conversa havida no Tribunal da Relação ... – cujos intervenientes não identifica – de teor idêntico – sem as considerações que o Arguido verteu no art.º 30.º do seu Requerimento de Abertura de Instrução – que tal “circulava à boca cheia (…) sendo motivo de chacota”.

XXIII. A Assistente CC, nos minutos 9m56ss a 17m15ss das suas declarações, nega ter proferido tal frase, depoimento corroborado pelas declarações do Assistente DD, nos minutos 4m00ss a 9m10ss das suas declarações.

XXIV. E tal é também negado por testemunhas que foram colegas dos Assistentes CC e DD no período em apreço, e que, por esse motivo, com estes conviviam quase diariamente.

XXV. Assim, a testemunha MM: i) Aos minutos 7m20ss a 8m50ss do seu depoimento relata que foi colega da Assistente CC no Tribunal da comarca ... entre 2005 ou 2006 e 2009, tendo o seu gabinete de trabalho ao lado do gabinete da assistente e convivendo com a mesma, razão pela qual soube da sua gravidez; ii) E, aos minutos 8m50ss a 10m40ss nega ter alguma vez ouvido a Assistente CC proferir a frase que lhe é imputada na nota de rodapé vertida no ponto 4 dos “Factos Provados” ou qualquer rumor no sentido de que a mesma a havia proferido, mais referindo que não lhe parece plausível que a mesma a fosse proferir, já que, consigo, a Assistente nunca falou em tais assuntos.

XXVI. Por sua vez, a testemunha NN: i) Aos minutos 2m00ss a 4m10ss do seu depoimento relata que foi colega da Assistente CC no Tribunal da comarca ... desde 2006 e saber que a mesma esteve grávida, pois era a substituta legal da Assistente a também esteve grávida em período temporal quase coincidente; ii) E, aos minutos 3m50ss a 5m10ss do seu depoimento nega ter ouvido alguma vez a Assistente CC proferir a frase que lhe é imputada na nota de rodapé vertida no ponto 4 dos “Factos Provados” ou qualquer rumor no sentido de que a mesma a havia proferido. XXVII. Por fim, a testemunha OO: i) Aos minutos 1m20s a 4m15ss do seu depoimento relata ter sido colega dos Assistentes no Tribunal da comarca ... desde 2002 e ser amiga da Assistente CC desde 2014, tendo-se apercebido de que a Assistente este grávida; ii) E, aos minutos 4m15ss a 6m50ss do seu depoimento nega ter alguma vez ouvido a Assistente CC proferir a frase que lhe é imputada na nota de rodapé vertida no ponto 4 dos “Factos Provados” ou ter alguma vez ouvido alguém dizer que a mesma a havia proferido, mais considerando que esta seria incapaz de o fazer. XXVIII. Por fim, os depoimentos das testemunhas PP e QQ, quando conjugados com os demais meios de prova produzidos nos autos, não podem permitir a conclusão no sentido de que a Assistente CC haja proferido a frase que lhe é imputada na nota de rodapé referida no ponto 4 dos “Factos Provados”.

XXIX. No que concerne ao depoimento da testemunha PP, há que observar o seguinte: i) Conforme resulta dos minutos 3m00ss a 5m00ss do seu depoimento, esta testemunha relata que, no âmbito da suspensão ou adiamento de uma audiência prévia ou de julgamento, no gabinete da Assistente CC, ao despedir-se desta, terá dito “vemo-nos depois da Páscoa” ou “vemo-nos na Primavera”, ao que a Assistente teria respondido que não se veriam, porque estava grávida, mais dizendo, quando a testemunha se encontrava já a sair pela porta do gabinete, “não dê os parabéns ao DD, porque ele não é o pai”. ii) Sucede que, conforme consta do ponto 17 dos “Factos Provados”, a primeira filha da Assistente, RR, nasceu em .../.../2007. E, como é facto notório, as férias judiciais da Páscoa de 2007 decorreram entre 1 de Abril de 2007 – Domingo de Ramos – e 9 de Abril de 2007 – Segunda-Feira de Páscoa. iii) Ora, a testemunha situa os acontecimentos antes da Páscoa de 2007 – refere ter dito “vemo-nos depois da Páscoa” ou “vemo-nos na Primavera” –, o que, dado o lapso de tempo decorrido até ao nascimento da primeira filha da Assistente CC, significaria que esta havia anunciado à testemunha a sua gravidez em momento particamente coincidente – senão mesmo anterior – com a data da concepção, o que, desde logo, torna manifesta a implausibilidade e falsidade do relato desta testemunha. iv) A acrescer ao absurdo referido em iii), constata-se que a testemunha, aos minutos 12m40ss a 13m08ss até dá a entender que, nessa ocasião, ficou a saber que o nome da filha Assistente CC seria RR – “lembro-me que o nome da filha da Senhora Juiz seria RR, creio eu”. v) Ora, situando a testemunha tal suposto acontecimento em momento particamente coincidente – senão mesmo anterior – com a data da concepção, não se compreende como é que, nesse momento, a Assistente já poderia saber o sexo da sua futura filha e até o nome que lhe havia de dar. vi) Mais se constata, pelo teor do relatório de inspecção ao serviço prestado pela Assistente CC no período em questão, junto aos autos como doc. 9 com a resposta aos documentos juntos pelo Arguido com a sua contestação, que a Assistente só esteve ausente do serviço a partir de 14 de Novembro de 2017. vii) Pelo que resulta, mais uma vez, implausível – e falso – que a Assistente CC tivesse dito à testemunha que, em razão da sua gravidez, não iria estar numa diligência que ocorreria “depois da Páscoa” ou “na Primavera”. viii) Conforme resulta dos minutos 10m40ss a 11m40ss do seu depoimento, esta testemunha reconhece não ter qualquer relação de proximidade com a Assistente CC, tendo participado num total de três ou quatro diligência em todo o período em que esta exerceu funções nos tribunais de ... e de .... ix) Não se compreendendo, a esta luz, a que título é que a Assistente CC ia partilhar com a testemunha uma informação de natureza pessoal ou, sequer, ter motivos para supor que a mesma, sabendo da sua gravidez, iria “dar os parabéns” ao Assistente DD, com o qual a testemunha também não tinha qualquer relação de proximidade – tanto mais que, como se constata pelos minutos 0m50ss a 1m00ss, a mesma nem sabe dizer o nome correcto do Assistente, que identifica como “SS”. x) O depoimento desta testemunha ainda se torna mais absurdo quando refere que a Assistente CC se teria referido ao Assistente DD como “o DD” (minutos 7m20ss a 7m40ss 8m50ss a 9m00ss do seu depoimento), e não “o Dr. DD”. xi) O que é um absurdo, contrário a todas as regras da experiência comum: a Assistente – à semelhança com o que acontece com qualquer outro magistrado –, quando se refere aos seus colegas, sejam eles quem forem, identifica os mesmos como “O Sr. Juiz do juízo x” ou o “Dr. y”. xii) Conforme resulta do documento – cópia de contestação apresentada na acção de processo comum em que são autores os aqui Assistentes e são réus a testemunhas II, JJ e KK junta aos Autos – junto os autos pelo Arguido AA, na sessão de 28 de Março de 2022, nessa contestação não foi arrolada, como testemunha, o Dr. PP. xiii) Essa testemunha só veio a ser aditada posteriormente, sendo certo que a própria, no seu depoimento (minutos 2m35ss a 2m50ss, minutos 5m50ss a 7m00ss, e minutos 13m10ss a 14m00ss), refere que, à data a que se reporta, não contou os factos por si relatados a ninguém, não tendo sido por si que os mesmos chegaram ao conhecimento da testemunha JJ, a quem só os transmitiu quando, em 2020 ou 2021, este lhe constou que era réu na acção acima referida. xiv) Chegando a ser ridículo o pormenor que a testemunha pretende emprestar ao relato de supostos factos ocorridos há 15 anos atrás – nomeadamente quando, aos minutos 8m40ss a refere “eu estava do lado de fora da porta, o colega estava em frente a mim, o funcionário estava assim sobre as minhas costas e, quando eu ia a fechar a porta a Senhora Juiz disseme. «Oh Senhor Doutor não vá dar os parabéns ao DD porque (…)»; E eu: «Ah! Com certeza, Senhora Juiz». E fechei a porta” –, quando se constata que a mesma nem se recorda bem se a conversa que diz ter tido com a testemunha JJ ocorreu em 2020 ou 2021 – também se constatando que as testemunhas JJ e II também não se lembram de ter dito o que quer que seja ao Arguido AA, nomeadamente a primeira, que situa o seu primeiro contacto com este em .../.../2012, ou seja, muito depois dos supostos factos relatados pela testemunha PP. xv) Esta testemunha reconhece ser amigo pessoal da testemunha JJ e ter estagiado no escritório do pai deste, mais reconhecendo que participou numa reunião da Delegação ... da Ordem dos Advogados motivada pelo descontentamento dos advogados da comarca relativamente às decisões em que a Assistente CC aplicava o instituto da litigância de má fé – vide, minutos 9m05ss a 10m40ss e minutos 18m00ss a 19m53ss do seu depoimento.

XXX. E quanto ao depoimento da testemunha QQ cabe assinalar que: i) Conforme resulta dos minutos 2m20ss a 4m20ss do seu depoimento, esta testemunha relata que, no âmbito da suspensão ou adiamento de uma audiência prévia ou de julgamento, no gabinete da Assistente CC, porque a diligência seria agendada para daí a alguns meses, esta terá dito “não sei se serei eu que farei, porque estou grávida”; nessa sequência, tendo a testemunha parabenizado a Assistente, esta ter-lhe-ia dito “não vá dar os parabéns ao Dr. DD, porque ele não é o pai”. ii) Sucede que, conforme resulta do relatório de inspecção ao serviço prestado pela Assistente CC no período em questão – junto aos autos com a resposta aos documentos juntos pelo Arguido AA, como doc. 9 – , a mesma agendava as diligência com dilação não superior a dois meses e meio – dilação que só era pontualmente ultrapassada quando acrescida dos períodos de férias judiciais de Natal ou Verão – e apenas esteve ausente do serviço a partir de 14 de Novembro de 2017. iii) Ora, se, como resulta do ponto 17 dos “Factos Provados”, a primeira filha da Assistente nascido em .../.../2017 e a Assistente agendava as diligências com uma dilação não superior a dois meses e meio, apenas se compreende que a mesma tivesse dúvidas quanto saber se seria ela própria a fazer a diligência em causa caso estivesse nos últimos meses da sua gravidez. Circunstância em que a mesma já seria fisicamente notória, não se entendendo, então, por que motivo comunicaria esse facto à testemunha QQ. iv) Acresce que, conforme resulta dos minutos 6m30ss a 7m00ss do seu depoimento, esta testemunha reconhece não ter qualquer relação de amizade proximidade com a Assistente CC. v) Não se compreendendo, a esta luz, a que título é que a Assistente CC ia partilhar – e não partilhou – com a testemunha uma informação de natureza pessoal ou, sequer, teria motivos para supor – como não teve que – a mesma, sabendo da sua gravidez, iria “dar os parabéns” ao Assistente DD. vi) Conforme resulta do documento – cópia de contestação apresentada na acção de processo comum em que são autores os aqui Assistentes e são réus a testemunhas II, JJ e KK junta aos Autos – junto os autos pelo Arguido AA, na sessão de 28 de Março de 2022, nessa contestação não foi arrolada, como testemunha, a Dr.ª QQ, que só veio a ser aditada posteriormente. vii) Esta testemunha, à semelhança da anterior, também tem uma memória selectiva, já que se recorda muito vagamente da diligência em cujo âmbito diz terem ocorridos os supostos factos por si relatados, não sabendo se era um julgamento ou uma audiência preliminar e se estava em causa um adiamento ou uma suspensão da instância, mas relata com pormenor as exactas palavras que diz terem sido proferidas pela Assistente, pasme-se, há 15 anos atrás – sendo certo que, ao invés, as testemunhas que o Arguido arrolou na Contestação como suas “fontes fidedignas”, JJ e II, não se lembram de ter dito o que quer que seja ao Arguido AA, com particular realce para a primeira, que situa o seu primeiro contacto com o Arguido em .../.../2012, ou seja, muito depois dos supostos factos relatados pela testemunha QQ. viii) E esta testemunha reconhece ter sido membro da Delegação ... da Ordem dos Advogados e que esta promoveu uma reunião motivada pelo descontentamento dos advogados da comarca relativamente às decisões em que a Assistente CC aplicava o instituto da litigância de má fé, tendo em vista a participação desses factos ao Conselho Superior da Magistratura, mais referindo que, ela própria, teve “um problema” com a Assistente a respeito da aplicação desse instituto – vide, minutos 7m00ss a 10m12ss do seu depoimento. ix) Circunstância que ainda torna mais absurdo que a Assistente CC fosse partilhar com esta testemunha a informação a que se refere a nota de rodapé transcrita no ponto 4 dos “Factos Provados” – o que nunca fez.

XXXI. Em suma, o que se constata é que a testemunha JJ, na acção em que é demandado pelos aqui Assistentes, decidiu, em derradeiro recurso e já depois da apresentação da contestação – na qual, de resto, são tecidas variadas considerações desprimorosas e impertinentes sobre os Assistentes –, arrolar duas pessoas – uma delas ex-estagiário do seu pai e seu amigo pessoal e outra que esteve em contencioso com a Assistente CC –, que se prontificaram a relatar, sem terem que sofrer as decorrentes consequências ao nível da responsabilidade criminal ou civil – uma vez que, tratando-se de supostas conversas ocorridas no gabinete da Assistente, para esse efeito esta teria de fazer a prova de um facto negativo –, aquilo que o Arguido AA diz ter sido por ele, JJ, transmitido.

XXXII. Logrando, por essa forma ínvia, alijar a sua eventual responsabilidade na difusão de rumores sobre a vida íntima dos Assistentes CC e DD – que, aliás, não se escusou de continuar a reproduzir, perante a passividade do Alto Tribunal – e, ao mesmo tempo, servir a estratégia processual do seu poderoso aliado e (ex)cliente.

XXXIII. Não se logrando, contudo, explicar o que é que estas pessoas – as testemunhas PP e QQ –, que nenhuma relação de proximidade mantiveram com a Assistente CC ou com o Assistente DD, afinal, tinham de tão especial a ponto de aquela lhes dirigir a frase que lhe é imputada na nota de rodapé vertida no ponto 4 dos “Factos Provados” – ou seja, partilhar com estas um facto da sua vida íntima – e supor que as mesmas poderiam ir “dar os parabéns” ao Assistente.

XXXIV. Frase essa que jamais foi ouvida pelas testemunhas MM, NN e OO – que, essas sim, conviviam quase diariamente com a Assistente, em virtude de trabalharem no mesmo tribunal – ou, até, pela testemunha II, que também aí exercia funções e que é indicada pelo Arguido AA como sendo sua fonte.

XXXV. Por isso, os depoimentos das testemunhas PP e QQ não podiam merecer qualquer credibilidade por parte do Alto Tribunal a quo.

XXXVI. De resto, estas testemunhas reportam-se a um suposto acontecimento que dizem ter ocorrido no gabinete de trabalho da Assistente CC, nenhuma delas referindo ter comunicado tal suposto acontecimento ao Arguido AA – que, deste modo e como é óbvio, também não pode ter fundado no relato destas duas testemunhas, aditadas na penúltima sessão de julgamento, a sua convicção sobre a veracidade do que verteu na nota de rodapé transcrita no ponto 4 dos Factos Provados.

 XXXVII. O douto acórdão padece de erro de julgamento ao dar como provado o que consta do ponto 25 dos Factos Provados relativos ao Proc. n.º 27/16.... – “À data da apresentação da queixa criminal o Arguido desconhecia se o Assistente era companheiro da Assistente” – matéria que se impunha que tivesse sido dada como não provada, já que: i) Do ponto 1 dos “Factos Provados” consta que a queixa aí referida foi apresentada em 4.04.2016. ii) Nas declarações prestadas em audiência de julgamento, aos minutos (3m50ss a 5m25ss), o Arguido AA relata que, na qualidade de Inspector Judicial instruiu um processo disciplinar em que era visada a Assistente CC, o qual tinha por objecto uma participação do então também Inspector Judicial, Dr. TT, na qual este relatava que a Assistente, em conversa telefónica, lhe havia dirigido o epíteto “mentiroso” – processo disciplinar que é o referido nos pontos 19 e 20 dos “Factos Provados” relativos ao Proc. n.º 38/17.9YGLSB. iii) E relata que, no âmbito desse processo disciplinar, ouviu o Assistente DD na qualidade de testemunha e que, mais tarde, apresentou informação que deu origem a um processo disciplinar contra aquele e contra a Assistente CC, por ter descoberto que o primeiro havia prestado um depoimento desconforme com a realidade. iv) Encontra-se, a fls. 665 a 747 certidão, entre outras, da decisão disciplinar proferida pelo Conselho Superior da Magistratura, que condenou os Assistentes pela prática dos factos descritos no parágrafo anterior e na sequência da informação também aí referida, e que é a referida nos artigos 21 e 22 dos Factos Provados relativos ao Proc. n.º 38/17.9YGLSB. v) Do ponto 18 dos factos dados como provados nessa decisão disciplinar consta que “Em 1 de Março de 2011 – ou seja, nas declarações que prestou perante o Arguido AA – o Dr.º DD referiu «que viveu em união de facto com a Dr.ª CC até cerca de quatro ou cinco anos atrás e desde então mantém com ela uma relação de amizade»”. vi) Acresce que, tendo sido apresentado recurso contencioso, o mesmo veio a ser julgado pela Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 26.06.2013, que foi publicado na base de dados www.gde.mj.pt., acórdão do qual também consta que “Em 1 de Março de 2011 o Dr.º BB referiu «que viveu em união de facto com a Dr.ª AA e Sá até cerca de quatro ou cinco anos atrás e desde então mantém com ela uma relação de amizade»” – e que é o mesmo que o Arguido AA cita no art.º 31.º da sua Contestação. vii) Dizendo o Arguido, a tal propósito, que “Esta matéria – leia-se, a condenação disciplinar dos Assistentes no processo referido em iv) – é do conhecimento público, designadamente por força da alegada sessão no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, devidamente conjugada com a circunstância do acórdão produzido pelo Supremo Tribunal de Justiça relativamente ao caso poder ser consultado em www.dgsi.pt (acórdão de 26/06/2013, Proc. n.º 149/11....)”. viii) E, de resto, nas declarações prestadas em audiência de julgamento (minutos 1h04m10ss a 1h12m55ss), o Arguido AA refere que “toda a gente no mundo judiciário” conhece a condenação dos Assistentes.

XXXVIII. Ora, se – como resulta da certidão da condenação disciplinar referida em iii) –, em 1 de Março de 2011 o Assistente DD declarou, perante o Arguido AA, que “viveu em união de facto com a Dr.ª CC até cerca de quatro ou cinco anos atrás” e se o próprio Arguido – quer na Contestação, quer nas declarações que prestou em audiência de julgamento – refere que essa condenação é do conhecimento público, de “toda a gente no mundo judiciário”, não podia o Alto Tribunal a quo ter dado como provado que “À data da apresentação da queixa criminal – 4 de Abril de 2016 – o Arguido desconhecia se o Assistente era companheiro da Assistente”.

XXXIX. O douto acórdão padece de erro notório na apreciação da prova, que resulta do próprio texto da decisão, conjugado com as regras da experiência comum, quando, no ponto 1 dos “Factos Não Provados”, deu como não provado, “Que a palavra «gajo» seja uma designação pejorativa”, matéria que se impunha ter sido dada como provada, uma vez que: i) De acordo com a semântica da língua portuguesa escrita e falada, o vocábulo “gajo” comporta, entre outros, sentidos literais que são depreciativos ou pejorativos, v. g., enquanto sinónimo de “pessoa de fraca reputação”, “pessoa velhaca, astuta, finória” ou de “vadio”. ii) Dos pontos 4, 6, 23 e 24 dos “Factos Provados” resulta patente que os Arguidos, na queixa em apreço, atribuíram à expressão “gajo” um significado altamente depreciativo ou pejorativo e, por essa via, quiseram ofender os Assistentes na sua honra. iii) Na verdade os Colendos Julgadores consideraram demonstrado que o Arguido ficou “revoltado” com o uso da expressão “aquele gajo” e que entendeu que a mesma “o visava apoucar”, ou seja, interpretou essa palavra com um sentido pejorativo – senão não tinha porque ficar “revoltado” ou como se convencer de que a mesma “o visava apoucar”. iv) Interpretação que o motivou e que assim tem de ser entendida no contexto comunicacional em que foi apresentada a queixa referida no ponto 1 dos “Factos Provados”, quando, com a mesma, os Arguidos pretenderam afirmar “que o termo «gajo» seria adequado para identificar os «ex-maridos ou ex-companheiros» da Assistente e que esta se relacionaria com «gajos»”.

XL. O douto acórdão padece de erro notório na apreciação da prova, que resulta do próprio texto da decisão, conjugado com as regras da experiência comum, ao dar como não provada a matéria constante dos pontos 2, 3, 4, 5, 8 e 11 dos “Factos Não Provados” relativos ao Processo n.º 27/16...., a qual se impunha que fosse dada como provada.

XLI. Para chegar à conclusão a que, no douto acórdão, se chegou nos pontos 2 a 6, 8 e 11 dos “Factos Não Provados”, em face do texto da nota de rodapé transcrita no ponto 4 dos “Factos Provados”, é necessário: a) Amputar desse texto a expressão, nele contida entre travessões, “se companheiro então”; b) Ignorar as regras da semântica e da sintaxe da língua portuguesa escrita e falada; c) Ignorar as mais elementares regras da experiência comum quanto à consciência e vontade de quem escreve aquilo que os Arguidos comprovadamente escreveram.

XLII. Como resulta do teor da nota de rodapé transcrita no ponto 4 dos Factos Provados, entre travessões, após a frase “Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD” e antes da frase “porque ele não é o pai!!!...”, os Arguidos escreveram a frase “se companheiro então”.

XLIII. Atendendo à semântica e à sintaxe da língua portuguesa escrita e falada, qualquer intérprete razoável, com o mínimo conhecimento da gramática portuguesa, lendo a expressão “se companheiro então” no contexto em que a mesma surge na nota de rodapé da página 10, compreenderá que o substantivo “companheiro” designa a mesma pessoa que os substantivos “Dr. DD” que imediatamente antecedem essa frase, a eles se juntando a título de explicação, querendo significar: “o Dr. DD era companheiro”.

XLIV. Também qualquer intérprete razoável entenderá que o advérbio de tempo “então” desempenha a função sintáctica de complemento circunstancial de tempo ou adjunto adverbial de tempo, situando a propriedade representada pelo substantivo “companheiro” por referência ao tempo em que se diz ter sido proferida a frase em discurso directo que antecede imediatamente a expressão entre travessões, querendo significar que, ao tempo em que a Assistente alegadamente teria dito “estou grávida, estou grávida. Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD”, este tinha a qualidade significada pelo substantivo “companheiro” e, assim, que: “O Dr. DD era companheiro ao tempo em que a Assistente disse «estou grávida, estou grávida. Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD»”.

XLV. Na dita nota, reportando-se ao vocábulo “gajo”, os Arguidos começaram por escrever “O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada” e, em seguida, transcreveram uma suposta frase da aqui Assistente – a “ora Denunciada” a que se alude na queixa –, referindo que a mesma dava notícia de estar grávida, mas pedia que não fossem dar os parabéns ao Assistente DD, por ele, “Dr. DD”, não ser o pai.

XLVI. Só se compreendendo, assim, a referência a “ex-companheiros”, “então”, “da ora Denunciada”, bem como a alusão ao anúncio da gravidez da Assistente e à possibilidade de alguém supor que o Assistente seria o pai, como querendo significar que, à data – “então” – em que o anúncio da gravidez foi supostamente efectuado, o Assistente – o “Dr. DD” – era companheiro – “companheiro então” – e, por isso, à data da queixa, um dos “ex-companheiros da ora Denunciada” – isto é, da Assistente CC.

XLVII. Ou seja, quis-se dizer que o Assistente – o “Dr. DD” – era, à data do anúncio da gravidez da Assistente, companheiro desta – “da ora Denunciada” e, deste modo, afirmar ou insinuar que o Assistente DD e a Assistente CC formavam um casal quando esta, segundo os Arguidos, disse “«estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD (…) porque ele não é o pai!!!...)”.

XLVIII. Ora, ao afirmar ou insinuar que o Assistente DD era companheiro da Assistente CC – formando com esta um casal – à data em que esta teria proferido tal afirmação, os Arguidos não podem ter querido significar outra coisa senão que a anunciada gravidez era fruto de relacionamento sexual com outro homem que não o Assistente DD.

XLIX. E, deste modo, afirmar, ainda que sob a forma de suspeita, que a Assistente tinha uma conduta desonesta, leviana e de mau porte e que a Assistente, CC, fazia alarde público da sua infidelidade para com o Assistente. DD.

L. O uso do vocábulo “se” – a não ter ocorrido um lapso de escrita, por se pretender, afinal, escrever “seu” – apenas tem a virtualidade de demonstrar que os Arguidos aventaram essa hipótese, ou seja, formularam a suspeita de que, eventualmente, na data em que a Assistente proferiu a expressão que lhe imputaram, o Assistente DD seria companheiro desta.

LI. O que, irreleva para a demonstração ou infirmação do dolo, pois, sendo este consciência e vontade de realizar os elementos objectivos do tipo, importa lembrar que o art.º 180.º, n.º 1, do Código Penal, também inclui, na sua tipicidade objectiva, a imputação de factos ou formulação de juízos sob a forma de suspeita.

LII. O que os Arguidos não ignoravam, já que são, respectivamente, um Senhor Juiz Desembargador, com os predicados que lhe são reconhecidos nos pontos 30 e 31 dos “Factos Provados”, e uma Senhora Advogada, ambos dotados de formação académica superior, de cultura que se presume muito acima da média e que pressupõe, necessariamente, um bom domínio da linguagem escrita e falada.

LIII. Contrariando o mais elementar senso comum, as regras de experiência mais básicas, entender que os arguidos – um Juiz Desembargador e uma Avogado – não tivessem configurado a hipótese de o seu comportamento atingir a honra e consideração dos Assistentes, aceitando tal resultado.

LIV. Ainda que assim não se entendesse, sempre haveria que considerar padecer a douta decisão em crise de erro de julgamento quanto à matéria de facto, em face daquilo que foi declarado pelos próprios Arguidos em audiência de julgamento.

LV. Nas declarações prestadas pelos Arguidos que ambos consideram a expressão “gajo”, vertida na carta anónima a que se refere a queixa identificada no ponto 1 dos “Factos Provados”, como sendo sinónimo de “corno”.

LVI. Assim, o Arguido AA diz, aos minutos 19h30ss a 21m20ss das duas declarações, que o vocábulo “gajo” mexe consigo, porque, na sua zona, significa “corno”, mais dizendo, aos minutos 35m40ss a 37m00ss que, se lhe chamassem “gajo”, ficava ofendido, porque “tenho total confiança na minha mulher”.

LVII. E a Arguida BB, aos minutos 22m00ss a 25m30ss refere que, no Norte, da zona de Trás-os-Montes, “gajo” tem um significado “super-pejorativo”, significando “corno”, e que se proferir tal expressão, em ..., está a ofender a esposa, dizendo, aos minutos 1h04m20ss 1h05m35ss ser “evidente” que a expressão “gajo” é ofensiva da honra do Arguido e da mulher e que o próprio lhe disse que esse vocábulo significava “corno”.

LVIII. Como tal, ao escreverem na nota de rodapé transcrita no ponto 4 dos “Factos Provados” que “O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada”, não podem ter pretendido outra coisa senão insinuar que os ex-maridos ou ex-companheiros da Assistente CC é que seriam apropriadamente apelidados de “corno”.

LIX. Assim visando atingir a própria Assistente CC, pois, se era aos seus “os ex-maridos ou ex-companheiros” que a mesma deveria chamar “gajo” – ou seja, “corno”, na ideia dos Arguidos –, tal significa que aquela lhes foi infiel – o que a dita nota de rodapé, depois, concretiza, no segmento em que refere “ou não foi ela quem entrou eufórica no Tribunal ..., dizendo «estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD – se companheiro então – porque ele não é o pai!!!...”.

LX. Acresce que das próprias declarações dos Arguidos resulta que, com a nota de rodapé transcrita no ponto 4 dos “Factos Provados”, visou-se atingir a honra da Assistente CC, nos termos acima referidos – isto é, imputando-lhe infidelidades para com os seus “ex-maridos ou ex-companheiros”.

LXI. Na verdade, é o próprio Arguido AA quem, nas declarações que prestou em audiência de julgamento, depois de explicar que, na sua zona, “gajo” significa “corno”, relata, aos minutos 21m15ss a 25m15ss, ter pedido à Arguida que “repudiasse energicamente” o uso de tal vocábulo, dizendo, a respeito da Assistente, “ela que vá chamar aos ex-companheiros e maridos (…) a esses é que pode chamar gajo, ela que olhe para ela, agora deixe a minha mulher”, o que fez para refutar e demonstrar “as qualidades morais da senhora” e “a personalidade da senhora” – referindo-se à Assistente CC.

LXII. Mais referiu, aos minutos 26m55ss a 27m20ss que “É uma questão de personalidade, ou tem personalidade ou não tem”, exclamando: “Então chama-me gajo e eu tenho que ficar quietinho a dizer: volta a chamar-me gajo…”.

LXIII. E, por sua vez, a Arguida BB, aos minutos 14m30ss a 21m00ss, bem como aos minutos 29m00ss a 29m10ss e 47m00ss a 47m10ss, refere que a nota de rodapé em questão se destinava a verificar o “tipo de pessoa”, o “tipo de personalidade”, a “qualidade da personalidade” da Assistente CC.

LXIV. Por fim, se dúvidas existissem quanto ao propósito dos Arguidos de ofender a Assistente CC, dando a entender que a mesma havia sido infiel aos seus “ex-maridos ou ex-companheiros”, veja-se que os mesmos, no decurso das declarações que prestaram em audiência de julgamento, persistem em fazer insinuações soezes a tal respeito.

LXV. Assim, veja-se que o Arguido AA, aos minutos 28m55ss a 29m15ss diz saber que Outubro de 2006 já a Assistente tinha uma “aproximação muito grande” com o actual marido e que “já se ouviam rumores”, acrescentando, aos minutos 1h16m40ss a 1h16m50ss, dirigindo-se ao mandatário dos Assistentes, diz “o que sei é que em Outubro 2006 já andava com V.Ex.ª ou, pelo menos, tinham relações de cumplicidade e, pelos vistos, só terminou a relação com ele – referindo-se ao Assistente DD – em Novembro”.

LXVI. E, quanto à Arguida BB, veja-se que, aos minutos 9m00ss a 9m10ss, a mesma diz que “temos de ver o triângulo em que estas pessoas – referindo-se aos Assistentes e seu mandatário – gravitam” e, aos minutos 12m50ss a 13m00ss, que “infelizmente conheço este triângulo há muitos anos, mas só por ser um triângulo”.

LXVII. Deste modo, em face do teor das próprias declarações prestadas em audiência pelos Arguidos AA e BB, impunha-se aos Colendos Julgadores a quo julgar provada a matéria de facto vertida nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 8 e 11 dos “Factos Não Provados”.

LXVIII. No ponto 7 dos “Factos Não Provados” relativos ao Proc. n.º 27/16...., ao dar como não provado, “Que o Arguido e a Arguida agiram em comunhão de esforços e de intentos e de acordo com plano previamente delineado, idealizando e redigindo o texto que ambos assinaram”, o douto acórdão incorre em contradição flagrante e insanável entre factos objectivos dados como provados e factos objectivos dados como não provados, bem como entre factos subjectivos dados como provados e factos subjectivos dados como não provados, que integra o vício referido no art.º 410.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal.

LXIX. Nos pontos 1, 3, 4 e 7 dos Factos Provados., que se referem à matéria de facto que, de acordo com a douta decisão de Pronúncia, preenchem a tipicidade objectiva dos crimes imputados aos Arguidos, descreve-se a actuação destes com recurso à terceira pessoa do plural: “(…) o Arguido (…) e a Arguida (…) apresentaram (…) por ambos assinada”, “o Arguido e a Arguida imputam”, “escreveram”, “o Arguido e a Arguida escreveram”.

LXX. Descreve-se, assim, nesses pontos dos “Factos Provados”, uma actuação conjunta de ambos os Arguidos, que não pode deixar de corresponder a uma actuação “em comunhão de esforços (…) redigindo o texto – veja-se que se demonstrou que ambos “escreveram” – que ambos assinaram”.

LXXI. Por outro lado, os pontos 5 e 6 dos Factos Provados referem-se, também pelo uso da terceira pessoa do plural, a um desiderato comum a ambos os Arguidos: “o Arguido e a Arguida pretendiam”, “Pretendiam afirmar também”, o que corresponde à “comunhão de intentos” referida no ponto 7 dos “Factos Não Provados”.

LXXII. Ainda que assim não se entenda, sempre haverá que concluir que a douta decisão em crise enferma de erro de julgamento, ao dar como não provada a matéria vertida no ponto 7 dos “Factos Não Provados” relativos ao Proc. n.º 27/16.....

LXXIII. Na verdade, a Arguida BB, nas declarações que prestou em audiência de julgamento, explicou os termos em que foi elaborada a queixa referida no ponto 1 dos “Factos Provados” e que não permitem outra conclusão que não seja a demonstração da matéria que consta do ponto 7 dos “Factos Não Provados”, uma vez que: i) Aos minutos 4m10ss a 6m00ss a Arguida explica que pediu ao Arguido AA que lhe fizesse um “esquema”, o que este fez; nessa sequência, a Arguida fez “a peça”, mais dizendo que “fizemos em conjunto”; depois disso, segundo diz, mostrou a peça ao Arguido AA, para revisão, sendo nessa revisão que surge a nota de rodapé referida no ponto 4 dos “Factos Provados”. ii) Aos minutos 6m50ss a 9m00ss, a Arguida refere que o Arguido AA fez alterações “mais específicas” à peça por si elaborada e disse-lhe quais eram as razões para as mesmas, ao que esta respondeu “ok, tens razão” e pediu que o Arguido também subscrevesse a queixa. iii) Ainda aos minutos 14m30ss a 15m00ss, reportando-se à queixa, diz que “fomos os dois que fizemos” e, aos minutos 36m40ss a 37m00ss, refere que a mesma é um trabalho conjunto, um trabalho de equipa, tendo ambos os Arguidos colaborado na peça.

LXXIV. Acresce, ainda, que também as declarações prestadas pelo Arguido AA em audiência de julgamento impunham que a matéria vertida no ponto 7 dos “Factos Não Provados” fosse dada como provada, dado que, aos minutos 21m15ss a 22m00ss das suas declarações, o Arguido relata que pediu à Arguida, referindo-se à expressão “gajo”, “tu repudia energicamente (…) que vá chamar aos ex-companheiros e maridos (…) a esses é que pode chamar gajo (…) ela que olhe para ela, agora deixe a minha mulher”, mais relatando que veio a peça com a nota de rodapé apenas na parte em que se diz “O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada”, tendo ele acrescentado o mais que dessa nota consta.

LXXV. Deste modo, em face das declarações prestadas em audiência de julgamento pelos Arguidos BB e AA – que relatam contributos de ambos e uma constante troca de ideias durante a elaboração da peça –, impunha-se que a matéria vertida no ponto 7 dos “Factos Não Provados” fosse dada como provada.

LXXVI. O douto acórdão incorreu em erro manifesto na apreciação da prova, que resulta do próprio texto da decisão, conjugado com as regras da experiência comum, ao dar como não provada a matéria que consta dos pontos 6, 12 e 15 dos “Factos Não Provados” relativos ao Proc. n.º 27/16.....

LXXVII. Do ponto 7 dos “Factos Provados” consta como demonstrado que “7. Nessa queixa, o Arguido e a Arguida escreveram na parte final do ponto V.5.XXIII – páginas 15 e 16 –, e reportando-se à ação ordinária nº704/ 12.5TVLSB: «Em declarações de parte na aludida ação a ora Suspeita fez alusão a uma carta que tal Lobo teria remetido ao ora Participante a falar de assuntos da maçonaria. Carta essa que ora Suspeito se terá «apropriado», por furto e terá violado, (como fazia com muitas cartas, especialmente se fossem de instituições bancárias) dando conhecimento do conteúdo da mesma à Suspeita. De resto ainda não há muito tempo (dois ou três meses) que o Denunciado se «gabou» a um vendedor de automóveis de que tinha em seu poder essa carta. Cujo conteúdo, diz a Suspeita é prova válida (provavelmente no Tribunal a que preside se usem esses métodos…)”.

LXXVIII. Qualquer intérprete medianamente sagaz concluirá, face à semântica e sintaxe da língua portuguesa escrita e falada, entende que, ao escrever que, “provavelmente”, no Tribunal a que a Assistente CC presidia “se usem esses métodos” os Arguidos mais não fazem do que afirmar ser plausível, verosímil que nesse Tribunal se usem os referidos métodos.

LXXIX. Métodos “esses” que correspondem ao furto e a violação de correspondência, já que, no mesmo texto, se diz que a Assistente afirmou ser prova válida uma carta sobre a qual se diz, ainda no mesmo texto, “que ora Suspeito se terá «apropriado», por furto e terá violado (…) dando conhecimento do conteúdo da mesma à Suspeita”.

LXXX. Assim insinuando – ou seja, imputando sob a forma de suspeita – , que, no Tribunal a que a Assistente presidia se usavam, como métodos de obtenção da prova, o furto e a violação de correspondência, o que, segundo as regras da experiência comum, não podia deixar de produzir o resultado vertido no ponto 15 dos “Factos Não Provados”.

LXXXI. O que os Arguidos não ignoravam, já que são, respectivamente, um Senhor Juiz Desembargador, com os predicados que lhe são reconhecidos nos pontos 30 e 31 dos “Factos Provados”, e uma Senhora Advogada, dotados de formação académica superior, de cultura que se presume muito acima da média e que pressupõe, necessariamente, um bom domínio da linguagem escrita e falada.

LXXXII. Contrariando o mais elementar senso comum, as regras de experiência mais básicas, entender que os arguidos – um Juiz Desembargador e uma Avogada – não tivessem configurado a hipótese de o seu comportamento atingir a honra e consideração da Assistente, aceitando tal resultado.

LXXXII. O douto acórdão incorreu em erro de julgamento ao dar como não provada a matéria que consta do ponto 16 dos “Factos Não Provados” relativos ao Proc. n.º 27/16.... – “Que em resultado da conduta do Arguido e da Arguida a Assistente sentiu desgosto, humilhação, revolta e nervosismo” –, matéria que se impunha dar como provada, uma vez que: i) A Assistente CC, nas declarações que prestou em audiência de julgamento, referiu-se, com grande pormenor, aos danos por si sofridos em consequência da conduta dos Arguidos, a ponto de não conter as lágrimas – vide, 23m20ss a 28m22ss das suas declarações. ii) E a testemunha OO aos minutos 7m18ss a 8m20ss do seu depoimento, referindo que a Assistente lhe contou o sucedido, mostrando-se bastante incomodada, triste e abalada. iii) De resto, qualquer pessoa normal sentiria o que a Assistente sentiu, perante as repugnantes insinuações vertidas na queixa apresentada pelos Arguidos e reproduzidas nos pontos 4 e 7 dos “Factos Provados”.

LXXXIII. No que concerne à matéria objecto do Proc. n.º 38/17.9YGLSB, alterando-se a decisão da matéria de facto em conformidade com o acima alegado, há que concluir que o Arguido AA, pelas 15.06 do dia 28 de Março de 2017, inseriu, na página do grupo “...” da rede social Facebook, referindo-se à Assistente CC, o seguinte comentário: “Sendo embora uma juíza confessadamente mentirosa e desonesta em exercício de funções. Parabéns aos que aceitam o exercício de funções nessas circunstâncias. E depois admirem-se que o povo não confie na Justiça”.

LXXXIV. Os epítetos “mentirosa” e “desonesta” correspondem à formulação de juízos de valor altamente desvaliosos sobre a pessoa da Assistente CC, sendo inequívoca a sua aptidão para lesar a sua honra perante terceiros, preenchendo a tipicidade objectiva do crime p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1, do Código.

LXXXV. Quanto aos factos praticados pelos Arguidos AA e BB que são objecto do proc. 27/16...., impõe-se considerar que i) O sentido objectivo que qualquer declaratário normal retira da nota de rodapé escrita pelos Arguidos e transcrita no ponto 4 dos “Factos Provados” é o de uma insinuação de que a Assistente, CC, havia sido infiel a um seu ex-companheiro – mais concretamente, ao Assistente, DD, com quem viveu em união de facto. ii) Imputando-se à Assistente CC, sob a forma de suspeita, ter esta, durante o período de tempo um que viveu com o Assistente DD, mantido relacionamento sexual com outro homem que não o Assistente e, engravidando em resultado desse relacionamento. iii) Mais se insinuando os Arguidos que a Assistente, CC fazia alarde público da sua infidelidade para com o Assistente DD, a ponto de, no dizer dos Arguidos, ter entrado, “eufórica”, no Tribunal ... – onde os Assistentes exerceram funções – dizendo: “estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD – se (sic) companheiro então – porque ele não é o pai!!!...”. iv) Assim se imputando, ainda que sob a forma de suspeita, uma conduta desonesta, leviana e de mau porte, que, obviamente, a atinge na sua honra, conforme se considerou na douta decisão de Pronúncia, onde se escreveu que “O teor dessa nota tem um sentido inequivocamente difamatório, assim como é inequívoco o carácter gratuito da sua inserção nesse documento, a qual só se pode justificar como uma pretensão de ofender a honra e consideração devidas aos visados, em primeiro lugar à assistente CC”. v) Assim, ao dizer que, “provavelmente”, o furto e a violação de correspondência são métodos que se usam no Tribunal a que a Assistente CC, os Arguidos insinuam ser plausível, verosímil que nesse Tribunal se usem como métodos o furto e a violação de correspondência. vi) Tais métodos de obtenção de prova – o furto e a violação de correspondência – são – têm de ser – considerados, em qualquer Estado de Direito, altamente reprováveis, ilegais e criminosos. vii) Pelo que, ao insinuar-se que esses métodos são usados no tribunal a que a Assistente preside, está-se a imputar-lhe uma actuação gravemente desonrosa, como, de resto, se reconheceu na douta decisão de pronúncia, onde se escreveu que tal “é completamente estranho ao exercício do direito de queixa, constituindo uma ofensa gratuita ao direito à honra e consideração devidas à assistente”. viii) Trata-se, em ambos os casos, de imputações feitas sob a forma de suspeita, idóneas a preencher a tipicidade objectiva do crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1, do Código Penal.

LXXXVI. A respeito da tipicidade subjectiva, o crime é doloso, sendo suficiente para a sua realização que o autor saiba que está a atribuir um facto (ou a formular um juízo de valor) cujo significado, ofensivo do bom nome ou consideração alheia ele conhece, e o queira fazer, como ocorre no caso dos autos, impondo-se concluir que também se encontra preenchida a tipicidade subjectiva dos crimes que são imputados aos Arguidos.

LXXXVVII. A dirimente da ilicitude prevista no art.º 180.º, n.º 2, do Código Penal, não se aplica aos factos praticados pelo Arguido AA e que são objecto do proc. 38/17.9YGLSB, dado que estes consubstanciam a formulação de juízos de valor.

LXXXVIII. Os pressupostos dessa dirimente da ilicitude não se verificam quanto aos factos objecto do proc. n.º 27/16...., por não visarem a realização de qualquer interesse legítimo, já que as afirmações produzidas pelos Arguidos não eram pertinentes aos factos objecto da queixa que apresentaram nem tinham qualquer utilidade para a sua demonstração.

LXXXIX. Acrescendo que os Arguidos apenas sustentam as imputações que formularam em suposições, supostos relatos de outiva, mexericos e boatos maldosos, que jamais poderiam ser fundamento sério para que aqueles, em boa-fé, pudessem reputar como verdadeiras essas imputações.

XC. Nada resulta da matéria de facto provada que permita sustentar objectivamente aquilo que os Arguidos afirmaram, quer na nota de rodapé reproduzida no ponto 4 dos “Factos Provados”, quer na passagem transcrita no ponto 7 dos “Factos Provados”.

XCI. Quando, no comentário referido no ponto 11 dos Factos Provados relativos ao proc. n.º 38/17.9YGLSB, o Arguido AA se refere à Assistente CC apodando-a de “uma juíza confessadamente mentirosa e desonesta”, está a formular um juízo de valor sobre a personalidade da visada, sem qualquer conexão com a matéria que estava em discussão na página do grupo “...” da rede social Facebook onde esse comentário foi inserido, pelo que tal conduta não se encontra justificada pelo exercício de qualquer direito, designadamente, da liberdade de expressão.

XCII. Relativamente ao proc. n.º 27/16...., não sendo as afirmações transcritas nos pontos 4 e 7 dos “Factos Provados” pertinentes aos factos objecto da queixa que os Arguidos apresentaram, nem tendo qualquer utilidade para a sua demonstração, não podem a ilicitude das mesmas ser afastas a título de exercício de um direito ou cumprimento de um dever.

XCIII. Ao decidir diferentemente, o Alto Tribunal violou o disposto nos artigos 31.º, nºs 1 e 2, als, b) e c), e 180.º, nºs 1 e 2, e do Código Penal.

XCIV. No caso em apreço – e alterado que seja o decido relativamente à matéria de facto –, impõe-se concluir que as condutas dos Arguidos preenchem todos os pressupostos da responsabilidade civil, mais se devendo considerar que, com as mesmas, causaram danos na honra da Assistente, que lhes são objectiva e subjectivamente imputáveis.

XCV. Deste modo, ao absolver os Arguidos, o Alto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, do Código Civil.

XCVI. Aliás, a ser interpretados os artigos 31.º, nºs 1 e 2, als. b) e c), e 180.º, nºs 1 e 2, do Código Penal no sentido de ser excluída a tipicidade ou a ilicitude da formulação de juízos de valor subjectivos desonrosos ou da imputação, em queixa criminal, de factos desonrosos sem conexão com o objecto da mesma, sempre haveria que concluir pela inconstitucionalidade de tais normativos, ou interpretação normativa, por comprimir de forma desproporcionada os direitos à integridade moral, ao bom nome e à reputação, violando, assim, o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

XCVII. A Assistente mantém interesse na apreciação do recurso interlocutório por si interposto, mais concretamente, do recurso interposto do despacho datado de 30.03.2022, que indeferiu à Assistente a prestação de declarações complementares. Nestes termos e nos demais de Direito, requer a Assistente CC que V.ª Ex.ªs se dignem julgar procedente o presente recurso, anulando ou revogando o douto acórdão recorrido e, em consequência, condenando o Arguido AA pela prática do crime pelo qual foi pronunciado no proc. n.º 38/17.9YGLSB e condenando ambos os Demandados Civis nos pedidos de indemnização civil, nos montantes peticionados.”

Previamente, interpusera a assistente recurso intercalar do despacho de 30 de Março de 2022, que indeferira as suas declarações complementares, pela própria requeridas, concluindo.

“I. O presente recurso tem por objecto o despacho proferido em acta na sessão de julgamento realizada nos autos em 30.03.2022, que indeferiu a prestação de declarações complementares requerida pela Assistente CC.

II.  A Assistente requereu a prestação de declarações complementares na sequência da admissão, pelo Alto Tribunal a quo, da inquirição das testemunhas PP e QQ, requerida pelo Arguido AA na sessão de julgamento realizada em 23 de Março de 2022.

III. O requerimento do Arguido foi formulado já depois de iniciada a audiência de julgamento e de produzida toda a restante prova.

IV. Fundou-se o requerimento do arguido e o despacho que admitiu a inquirição das referidas testemunhas, na circunstância de, no decurso do seu depoimento, a testemunha UU ter declarado que as aludidas testemunhas lhe relataram ter ouvido da boca da Assistente a expressão “estou grávida, estou grávida. Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD porque ele não é o pai”, que os Arguidos verteram na nota de rodapé objecto do Processo Comum Singular n.º 27/16.....  Ora, a Assistente, ao requerer as suas declarações complementares, visava fazer a contraprova dos referidos depoimentos, demonstrando factos dos quais decorre ser falso e até impossível que, em algum momento, tenha dirigido às referidas testemunhas – PP e QQ – a expressão “estou grávida, estou grávida. Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD porque ele não é o pai” ou qualquer outra semelhante.

VI. Nenhuma dúvida se podendo suscitar quanto à tempestividade do requerimento de prestação de declarações complementares, já que o mesmo se justificou pelo pedido e deferimento, em pleno decurso da audiência de julgamento, da inquirição de duas novas testemunhas.

VII. Pretendendo o Arguido AA, com a inquirição dessas testemunhas demonstrar que a Assistente havia, perante as mesmas, proferido a expressão “estou grávida, estou grávida. Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD porque ele não é o pai”, que os Arguidos verteram na nota de rodapé objecto do Processo Comum Singular n.º 27/16...., e pretendendo a Assistente a contraprova relativamente à matéria relatada pelas mesmas, é manifesto que a prestação de declarações complementares por parte da Assistente era relevante, por pertinente ao objecto do processo.

VIII. Por outro lado, estando em causa supostos factos alegadamente praticados pela própria Assistente CC, é também manifesto que tais declarações complementares eram meio adequado à contraprova daquilo que se pretendia demonstrar com os depoimentos das testemunhas aditadas pelo Arguido, PP e QQ.

IX. E, dado estar em causa o depoimento de duas testemunhas aditadas após a produção de toda a restante prova, as declarações da Assistente não eram meio de prova supérfluo, já que esta pretendia, por esse meio, demonstrar ser falso que alguma vez tivesse dito às referidas testemunhas “estou grávida, estou grávida. Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD porque ele não é o pai”, demonstrando factos instrumentais que tornariam manifestamente implausível, senão mesmo impossível, que tivesse proferido tal expressão e que eram de molde a abalar a credibilidade a conferir a tais depoimentos.

X. A necessidade dessas declarações para a descoberta da verdade e boa decisão da causa tornou-se ainda mais evidente após os depoimentos das referidas testemunhas, porquanto as mesmas referiam que as expressões “estou grávida” e “não vão dar os parabéns ao Dr. DD porque ele não é o pai” havia sido proferida pela Assistente CC no seu gabinete de trabalho.

XI. Ora, tratando-se de supostos acontecimentos verificados entre um número restrito de pessoas, com a alegada participação da Assistente CC, torna-se evidente a necessidade de ouvir os esclarecimentos desta quanto a tais supostos acontecimentos.

XII. De resto, a Assistente CC encontrava-se presente no Supremo Tribunal de Justiça na sessão de julgamento ocorrida em 30.03.2022, deslocando-se propositadamente de ... a Lisboa a fim de ser ouvida, sendo certo que, no requerimento para a tomada de declarações complementares já havia adiantado que não necessitaria de mais do que dez minutos para prestar os pretendidos esclarecimentos, pelo que jamais se poderá considerar que tal requerimento teve um fim meramente dilatório.

XIII. Assim, o despacho em crise, ao não permitir à Assistente CC prestar declarações complementares para contraprova dos depoimentos prestados pelas testemunhas aditadas pelo Arguido AA após a produção de toda a restante prova, violou o disposto nos artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 340.º, nºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal, limitando, de forma arbitrária, desproporcionada e discriminatória, o exercício de direitos processuais relativos à produção da prova, com prejuízo para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.

Nestes termos e nos demais de Direito, requer a Assistente CC que V.ªEx.ªs se dignem julgar procedente o presente recurso, revogando o douto despacho recorrido e substituindo-o por outro que admita a prestação das declarações complementares requeridas, com a consequente anulação de todos os actos subsequentes à prolação daquele despacho.”

O Ministério Público respondeu aos recursos, concluindo:

“1 – Os arguidos AA e BB responderam em julgamento sob pronúncia pela prática, em coautoria material, de dois crimes de difamação, previstos e punidos pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, que lhes era imputada no processo n.º 27/16.....

2 – Os factos ilícitos em causa nesse processo ocorreram em 4 de Abril de 2016.

3 – Atentas a moldura penal abstracta aplicável ao crime de difamação p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, e as disposições dos artigos 118.º, n.º 1, alínea d), 119.º, n.º 1, 120.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, e 121.º, n.º 3, todos do Código Penal, o prazo máximo de prescrição do procedimento criminal por esta infracção foi atingido em 4 de Abril de 2022.

4 – Encontra-se, por conseguinte, já extinto, por prescrição, o procedimento criminal em causa no processo n.º 27/16.....

5 – Assim, no que concerne a esse processo, apenas relevarão as questões atinentes ao pedido de indemnização civil formulado nesse processo pela assistente CC, restringindo-se, por conseguinte, à parte cível o recurso interposto.

6 – O que condiciona a intervenção do Ministério Público nessa lide porquanto não lhe assiste legitimidade, nem interesse em agir, nessa matéria, competindo a composição do litígio aos interessados, por intermédio dos respectivos mandatários judiciais.

7 – É neste contexto que se insere, nesta altura, a problemática em causa no recurso interlocutório interposto pela assistente da decisão proferida em 30 de Março de 2022 que lhe indeferiu a prestação de declarações complementares à matéria daquele processo, já que, do ponto de vista criminal, acaba aquela por resultar prejudicada em razão da extinção, por prescrição, do procedimento relativo ao crime de difamação indiciariamente verificado em 4 de Abril de 2016.

8 – A decisão recorrida enuncia os meios de prova considerados, mas não procede a uma avaliação crítica dos mesmos, limitando-se a uma muito sintética expressão do seu conteúdo, mormente os de natureza pessoal, ficando por descortinar as razões pelas quais foram dados como provados, e não provados, factos da mais capital importância.

9 – De entre eles, avulta, porque respeitante à autoria da inserção no grupo de juízes denominado “...”, da rede social Facebook, do comentário com o seguinte teor: «Sendo embora uma juíza confessadamente mentirosa e desonesta em exercício de funções. Parabéns aos que aceitam o exercício de funções nessas circunstâncias. E depois admirem-se que o povo não confie na Justiça.», cfr. ponto 11 dos factos provados da pronúncia no processo n.º 38/17.9GLSB, já que foi dado como não provado que 1) o comentário referido no ponto 11 da matéria de facto provada foi inserido no Grupo pelo Arguido AA, e que 2) o comentário referido no ponto 11 da matéria de facto provada foi inserido no Grupo pela esposa do Arguido, EE.

10 – Não se tendo colocado, em momento algum, a questão de ter sido terceira pessoa a inserir tal comentário no ..., não resulta possível entrever, no acórdão recorrido, como chegou o Tribunal a quo à conclusão de que não foi nem o arguido AA, nem a sua mulher, EE, o responsável pela inserção naquela rede social daquele comentário, que consubstancia afinal o crime de difamação porque se encontrava pronunciado o arguido no processo n.º 38/17.9YGLSB.

11 – Impunha-se uma clareza sem mácula na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, que a decisão recorrida não comporta, o que a afecta, de forma irremediável, na sua validade extrínseca e intrínseca, determinando a sua nulidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P.

12 – O que faz com que resulte prejudicada a discussão e apreciação das demais questões equacionadas no recurso.

13 – Mas ainda que assim não fosse, sempre se diria suscitar a mais completa adesão a impugnação da decisão recorrida aduzida pela assistente no recurso em apreço, seja no que se refere ao julgamento da matéria de facto, seja no que se refere à perspectiva de direito, esta naturalmente conformada por aquela.

14 – Pelo que sempre seria de concluir no sentido de que o recurso deveria ser julgado procedente.”

O arguido respondeu aos recursos, concluindo:

“1. Estamos perante dois recursos da Assistente e Demandante Cível, os quais têm o seguinte objecto: O recurso interlocutório por si interposto em 06/05/2022, com referência ao despacho de 30/03/2022, que indeferiu a tomada das suas declarações complementares; O recurso do acórdão de 01/04/2022, abrangendo, quanto ao processo n.º 38/17.9YGLSB, a matéria criminal e civil e, quanto ao processo n.º 27/16...., a matéria civil, considerando que, quanto a este, ocorreu a prescrição do procedimento criminal no passado dia 04/04/2022.

2. Efectivamente, quanto ao processo n.º 27/16...., tendo sido proferida sentença absolutória, prescreveu a eventual responsabilidade criminal do Arguido, no termos dos arts. 118.º, n.º 1, al. d), 120.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, e 121.º, n.º 3, todos do Código Penal.

II – DO RECURSO INTERLOCUTÓRIO

3. A Assistente veio requerer que lhe fossem tomadas declarações complementares, na sequência da inquirição das testemunhas PP e QQ, que lhe atribuíram certas afirmações que a Assistente nega ter produzido.

4. O Tribunal não atendeu ao pedido formulado, por se considerar esclarecido com a prova produzida.

5. E decidiu bem, porque, sobre a questão de saber se a Assistente havia ou não anunciado “estou grávida, estou grávida. Mas não var os parabéns ao Dr. DD porque ele não é o pai”, o Tribunal já ouvira a versão da Assistente, dos Arguidos e das testemunhas por estes arroladas, razão pela qual estava efectivamente em condições de se considerar esclarecido sobre o que a Assistente dissera ou não dissera. Não havia materialmente nada de novo a inquirir à Assistente: a mesma já dissera que não produzira tal afirmação, o que era contrariado pela versão das testemunhas em apreço.

6. Em qualquer dos casos, cabe ao Tribunal avaliar da necessidade da prestação de declarações complementares quando requeridas ao abrigo do art. 340.º, n.º 1, do CPP, como aconteceu in casu, o que resulta do inciso “se lhe afigure” [ao Tribunal], a não ser que seja manifesto que a diligência é absolutamente essencial para o esclarecimento da verdade, o que não ocorria.

7. Acresce que, mesmo que assim não fosse, no limite, teria ocorrido a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 1, al. d), do CPP, a qual não foi arguida no acto pela ora Recorrente (cfr., a título de exemplo, ac. TRE, de 27/03/2012, proferido no proc. n.º 19/09.6GDCUB.E1, ac. TRL, de 26/02/2019, proferido no proc. n.º 906/17.8PTLSB.L1-5 e ac. TRG, de 14/10/2019, proferido no proc. n.º 481/17.3GAAMR.G1, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

8. Deve assim improceder o recurso interlocutório.

III – DA ALEGADA NULIDADE DO ACÓRDÃO DE 01/04/2022

9. A Assistente e Demandante Civil apresenta 97 conclusões, as quais revelam uma prolixidade incompatível com a síntese que as devia caracterizar e a lei manda observar.

10. Todavia, o Recorrido não deixará de procurar responder aos temas suscitados.

11. Em sede geral, a Assistente, ora Recorrente, sustenta que o acórdão proferido é nulo por duas ordens de razão: por um lado, porque não se teria pronunciado sobre determinados factos constantes do PIC, da acusação particular, da contestação e da pronúncia; por outro lado, porque não teria sido feita qualquer apreciação crítica da prova.

12. Ressalvado o devido respeito, a Assistente não tem razão.

13. Quanto aos pontos sobre os quais entende que faltou a pronúncia devida, a Assistente revela uma versão burocrática do exercício da justiça, já que os pontos indicados na conclusão I são derivações de outros que foram devidamente apreciados. Ademais, a Recorrente nem refere qual a pertinência de uma apreciação autónoma desses factos, o que, desde logo, compromete o sucesso do recurso quanto a esse item.

14. O acórdão recorrido pronuncia-se detalhadamente sobre os factos pertinentes da pronúncia, da acusação particular, do PIC e da contestação, quer em relação ao proc. n.º 38/17.9YGLSB (que agrupou em cinco núcleos sob as letras A a E), quer em relação ao proc. n.º 27/16.... (que agrupou em sete núcleos, sob as letras A a G).

Ao contrário do que sustenta a Recorrente, o acórdão foi exaustivo e claro na apreciação dos itens pertinentes para o objecto do processo.

15. Quanto à falta de exame crítico da prova, é no mínimo surpreendente a tese da Assistente, uma vez que o acórdão recorrido foi cuidadoso na síntese que fez das declarações prestadas pelos Arguidos e pelos Assistentes, pelas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento e por aquelas que depuseram por escrito, enunciando ainda os documentos que foram relevantes para a formação da convicção do Tribunal.

16. Não é por isso verdade que o Tribunal não tenha fundamentado devidamente as conclusões a que chegou. Isso obviamente não significa que tenha que ter apreciado cada um dos argumentos invocado pela Assistente, como esta pretende. O Tribunal fez o que tinha de fazer, ou seja, apreciou as questões pertinentes, fundamentando – de forma clara e adequada – as conclusões a que chegou em termos que os destinatários do acórdão – e o público que a ele tenha acesso – bem compreendem.

17. Não procedem, pois, as nulidades arguidas.

IV – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO (PROC. N.º 38/17.9YGLSB)

18. Quanto à matéria do proc. n.º 38/17.9YGLSB, a Recorrente começa por impugnar o ponto 27 dos factos provados quanto ao inciso que reporta o clima de conflitualidade entre a Assistente e a mulher do Arguida, DRA. EE.

19. Mas não tem razão, porque esse clima de animosidade não só decorre do

depoimento da testemunha – como se pode ver no excerto abaixo reproduzido relativamente a outro ponto da matéria de facto impugnada –, como resulta dos depoimentos escritos de várias testemunhas, a saber:

Depoimento da Juíza Desembargadora VV:

“A depoente tem constatado que, efectivamente, quer o arguido, quer a sua mulher, têm sofrido muito com a situação de conflito com a Assistente (que a depoente não conhece), exprimindo grande revolta com as condutas que lhe imputam”.

Depoimento do Juiz Conselheiro WW:

“Quanto à questão de a mulher do arguido, quer o arguido estarem a sofrer com os procedimentos judiciais movidos pela assistente a resposta é afirmativa. Constatei isso em várias conversas que com eles mantive”.

Depoimento do Juiz Desembargador GG:

“Efectivamente ouvi a Dr.ª EE, e bem assim o seu marido, por diversas vezes, dizer que fora ela a autora de tal comentário, aquando dessas viagens que fazia com eles. E não pus em causa que assim fosse, por várias razões: a Dr.ª EE sempre manifestou estar a par de todos os processos movidos contra o marido; a Dr.ª EE era a que mais se manifestava sobre a situação do marido, e o estado angustiado em que viviam, e da injustiça que sentia ter sido gerada por causa da acção do marido como inspetor judicial no que à assistente diz respeito, e ao serviço do CSM, que o abandonara; e ao mesmo tempo manifestando-se contra a assistente e toda a sua acção visando o marido, e ainda que, por erro do CSM, a assistente não viera a final a sofrer a pena disciplinar, ao contrário do marido, que cumprira a sua função de inspetor e disso dera conhecimento. Isso era algo que a consumia de um modo permanente, sentimento, quiçá, potenciado pela sua situação de doença, exaltando-se sempre que esse assunto era abordado, demonstrando com isso uma enorme angústia, sofrimento e revolta” (sublinhados nossos).

20. Não há, pois, nada a censurar a tal facto dado como provado.

21. Em seguida, a Recorrente impugna os pontos 1 e 3 a 6 dos factos não provados, que considera que deviam ter sido dados como provados, uma vez que, embora não exista prova directa de que o comentário em pauta tivesse sido escrito pelo Arguido, ora Recorrido, existiriam fortes indícios de que assim foi.

22. Acontece que a Assistente se limita a especular sobre aquilo que a mesma gostaria que tivesse sido estabelecido, mas que é contrariado pela assunção clara, consistente e credível do depoimento da testemunha EE, ouvida na audiência de julgamento de 02/03/2022, como resulta do excerto que a seguir se transcreve: (minuto 00:02:45 até 00:06:54)

MP: Pronto, eu gostaria de lhe perguntar o que é que a Senhora sabe sobre este assunto, e enfim, que conhecimento tem e porque é que tem conhecimento sobre os factos aqui em julgamento neste processo? EE: Pronto, estamos a falar então de um post, num site dos “...”, é isso a que se refere?

MP: É.

EE: Pronto, o que eu tenho a dizer sobre isso, como aliás já o disse, (impercetível) Ministério Público, este post foi feito por mim, foi posto por mim na altura, quando o meu marido estava com a… com a porta aberta nesse site, onde vêm os comentários aí colocados, e indignada e revoltada, no momento em que ele sai da sala, de ao pé de mim, para ir atender uma chamada no... No escritório dele, eu aproveitei e fui eu que escrevi. Portanto, aqui quem está a ser julgado não devia estar a ser julgado. Devia ser eu a ser julgada e não ele.

MP: Olhe, então é isso…. É isso a que se reconduz o seu conhecimento?

EE: O meu conhecimento é esse, diz respeito ao que foi colocado no site dos “...”, sim.

MP: Mas e a que propósito é que a Senhora resolveu colocar neste grupo de juízes, como disse, o comentário?

EE: Porque é que eu o pus? Porque fiquei revoltada e indignada, porque aquilo que eu vi nos comentários eu vi naquele site, sobretudo a Dra. CC estava a referir-se ao facto de ter ido ser ouvida no Tribunal dos Direitos Humanos e tantas pessoas estavam a felicitá-la, porque não tinha parado, não tinha desistido, tinha conseguido ir até ao fim, a mim deu-me a entender inclusivamente que ali a única pessoa que tinha tido um comportamento ilícito era o meu marido. (Imperceptível) Estava-se a tentar (imperceptível) de uma situação grave, de uma situação na qual a Sra. Dra. Juíza foi protagonista. Nessa situação grave, a Senhora Doutora Juíza foi condenada pelo facto de ter mentido no tribunal, pelo facto de ter mentido, de ter (imperceptível) e andava a tentar branquear esta situação. E a segunda razão que me levou a fazer isso foi pelo facto do meu marido que tinha sido o instrutor do processo disciplinar que levou a essa condenação, parece que era ele o indivíduo que tinha cometido um ilícito e, portanto, foi uma forma que eu encontrei… Como é que eu hei de dizer? Para conseguir demonstrar que não era isso que acontecia (…)

MP: Olhe Senhora Doutora…

EE: No fundo, faltaram-me as palavras (imperceptível) a honra do meu marido que é (imperceptível) e é profissional.

MP: E ele precisava disso?

EE: Precisava.

MP: Porquê? EE: Precisava sim. O meu marido tem sido durante alguns anos vítima da Senhora Doutora CC…

23. Questiona a Recorrente que a testemunha pudesse ter um móbil para produzir a afirmação em causa, mas os factos atestam a evidência do mesmo, já que a testemunha, mulher do Arguido, sentia tanto como ele – ou mais – as agruras do dissídio que o Arguido mantinha com a Assistente, como bem atestam as declarações da testemunha e ainda as que foram prestadas por escrito pelos magistrados VV, WW e GG, que supra se transcreveram.

24. Em suma, a Recorrente apresenta uma outra versão para os factos que o Tribunal deu como não provados, mas nada do que diz impõe outra resposta à matéria de facto, razão pela qual não procede a impugnação ora em pauta.

V – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO (PROC. N.º 27/16....)

25. Quanto à matéria do proc. n.º 27/16...., a Recorrente começa por impugnar o facto provado n.º 24, de acordo com o qual o Tribunal deu como assente a veracidade da afirmação atribuída à Assistente e constante da nota de rodapé em causa.

26. Todavia, a prova produzida nos autos é insofismável no sentido de que o Arguido tinha fundamento sério para considerar que a Assistente produziu efectivamente a afirmação em pauta, facto que foi do conhecimento generalizado de magistrados, funcionários e advogados que exerciam funções no Tribunal onde a Assistente trabalhava.

27. É o que decorre do depoimento das testemunhas II (procurador da república), KK (juíza desembargadora, que prestou depoimento por escrito), JJ (advogado), PP (advogado) e QQ (advogada), cujos excertos relevantes a seguir se transcrevem:

II, ouvido na sessão de 23/03/2022: (minuto 2:25 até 6:04) Dr. XX: Muito boa tarde. Eu sou advogado do Doutor FF. O Doutor FF está aqui acusado pelo facto de, numa queixa que fez contra incertos, mas em que apontava como suspeitos a Doutora CC e um falecido irmão dele, LL, ter dito, a propósito de uma expressão utilizada nessa carta anónima, e cuja autoria também atribuía à Doutora CC, em que se referia a ele como “gajo”, ele referiu-se a essa frase dizendo que essa frase … que essa expressão estabelecia uma determinada confusão que a senhora tinha sobre a pessoa dele, e diz ele que … está aqui em causa … diz ele que ela teria entrado no Tribunal ..., eufórica, dizendo o seguinte: «Estou grávida, estou grávida, mas não vão dar os parabéns ao Doutor DD, se companheiro então, porque ele não é o pai». E o Doutor FF diz que utilizou essa frase, atribuída à Doutora CC «Estou grávida, estou grávida, mas não vão dar os parabéns ao Doutor DD, se companheiro então (isto não é da frase, é dele), porque ele não é o pai», se o Doutor FF diz que teve conhecimento dessa frase, por várias pessoas, que a terão ouvido diretamente ou por interposta pessoa, e outras pessoas que o Doutor FF diz que lhe teria referido isso, direta ou indiretamente, terá sido o Doutor II. E a pergunta que eu tenho para lhe colocar é esta: saber se efetivamente tem presente esta frase, se teve conhecimento que esta frase terá sido dita pela Doutora CC no Tribunal ... e se terá conversado sobre este assunto com o Doutor FF?

II (Testemunha): Tive conhecimento dessa frase não na totalidade, sim tive conhecimento dessa frase. De resto, eu não ouvi diretamente, agora ouvi umas pessoas, uma ou duas enfim (impercetível), que terá dito «Estou grávida, estou grávida, mas não vão dar os parabéns ao Doutor DD porque ele não …» … isso ouvi. Se tive essa conversa com o Doutor FF, isso eu não me recordo. Mas admito que sim porque (impercetível). Agora o que eu não posso é ter dito que eu a ouvi dizer, eu posso é ter dito que ouvi dizer que ela disse essa frase, ou seja, que estava grávida, mas para não dar os parabéns ao Doutor DD porque ele não era o pai.

(minuto 6:49 até 7:42)

Dr. XX: Quanto a ter dito isso ao Doutor FF não se recorda, mas admite que tenha dito é isto? Testemunha: Sim, sim, sim, sempre admiti que tenha dito isso.

Dr. XX: Não ouviu diretamente a frase, mas ouviu pessoas que disseram isso. Que pessoas eram?

Testemunha: (Impercetível)

Dr. XX: Mas pessoas que eram quem? magistrados, advogados, funcionários? Quem é que ouviu? Testemunha: Senhor Doutor é que eu ouvi, portanto, magistrados, antes (impercetível), em concreto não posso dizer (impercetível), não me recordo até porque não dei grande importância a isto.

(minuto 8:02 até 8:48)

Dr. XX: Senhor Doutor já disse que não se recorda de nomes em concreto, mas terão sido magistrados, colegas? Testemunha: Não posso precisar. Ouvi … (impercetível) atendendo ao decurso do tempo. Por outro lado, é que não me pareceu que isso fosse … que tivesse qualquer importância …

Dr. XX: Doutor vamos lá ver, o Doutor há bocado disse “outro colega”. Estava a ouvir de outros colegas, magistrados? Testemunha: Sim, sim, colegas, magistrados e funcionários.

Dr. XX: Portanto terá ouvido de colegas, magistrados e funcionários?

Testemunha: Sim, sim.

KK:

“Referiu ainda que a Sra. Dra. CC lhe imputava comportamentos pouco éticos quando não era a pessoa indicada para o fazer, pois até lhe tinham contado – o Sr. Dr. II, Procurador no Tribunal ..., e o Sr. Dr. JJ, seu advogado – que um dia a Sra. Dra. CC, no átrio do Tribunal ..., dissera, eufórica, estou grávida, mas não deem os parabéns ao Dr. DD, pois não é ele o pai.

Face a tal relato, limitei-me a referir que ouvira, como ouvi, no Tribunal da Relação ... uma conversa em que se falava desse episódio em termos idênticos”.

JJ, ouvido na sessão de 23/03/2022: (minuto 00:05:55 até 00:11:41)

JJ: Bom, o que eu estava a dizer é que eu conheci o Dr. FF, por causa de questões profissionais e ele terá conhecido o meu pai primeiro, antes disso ter acontecido, que também é advogado e que me terá indicado para eu ser advogado dele. Portanto isto seria já…. Estaríamos em Junho de 2012 salvo erro e o litigio que existiria entre a Dra. CC e o Dr. FF já tinha aí uns tempos. E, portanto, é assim, eu não me recordo… Não disse ao Dr. FF isso… A fonte… A fonte não terei sido eu, mas sei que na altura se dizia na comarca que a Dra. CC teria dito isso a outro… A outros… O que eu ouvi dizer na altura é que teria dito isso na secção, na secção dela, na secção dos (imperceptível), e há colegas meus que dizem que ela própria lhes transmitiu isso. Portanto, se contaram essa frase, uma frase que até eu mesmo sei identificar.

Dr. XX: Sim Senhor. Senhor Doutor e já agora… Portanto, já disse que isso era digamos… Essa afirmação era objecto de comentário que corria no Tribunal ... como tendo sido dita por ela, e o Senhor Doutor ouviu isso de vários colegas seus, é isto?

JJ: Sim, (imperceptível) em ..., a Dra. CC de alguma forma…. Pela forma como exerce a sua profissão acaba por ser conhecida não só na comarca ..., mas talvez na reunião de comarcas, nas comarcas (imperceptível), mas enfim, acabou por ser conhecida de várias pessoas e de ser comentado por várias pessoas. Eu próprio estou neste momento… Estou numa acção por causa disso.

Dr. XX: E, enfim, tendo em conta, enfim esse passado que existe entre o Senhor Doutor e o Dr. FF, admite que nessas conversas com o Dr. FF isso tenha sido também referido?

JJ, eu admito que ele me tenha dito isso e admito ainda que, enfim, entre muitas outras coisas possa… Que eu possa ter dito isso. O que para mim (imperceptível), mas também, eu tenho o cuidado de quando falo com os meus clientes de me cingir aos objectos dos processos e de não fazer… Enfim de não divagar, por assim dizer e poupar tempo a todos. Agora Senhor Doutor isso é aceite que toda a gente falava disso e, Senhor Doutor, como lhe digo, colegas meus que depois me disseram que teria sido a própria a dizer-lhe isso. Até porque, ao que parece, enfim o fim da relação da Dra. CC com o Dr. DD e o início da relação com o actual marido… A distância não era assim tanta, seria talvez um ano, por aí.

Dr. XX: Senhor Doutor, se isso era referido e se toda a gente falava disso e se nomeadamente vários colegas seus se referiram a isso, naturalmente (impercetível), mas a pergunta é esta, se se referiam a isso em termos um pouco, enfim, de alguma surpresa pelo facto desse comentário dela, dela da Dra. CC, ter sido proferido… Porque é que as pessoas falavam disso?

JJ, vamos ver… Uns falavam com surpresa porque, enfim, não era propriamente uma frase que a gente ouve todos os dias, não é? Agora, quer dizer, descendo aos factos e sabendo agora eu o que é que se passou na altura, não é? E a distância que mediou entre um relacionamento e o outro, quer dizer, não é uma coisa descabida. Dizer-se uma frase dessas não era descabido, Senhor Doutor.

(minuto 00:24:55 até 00:27:12)

Dr. XX: Portanto, quando o Dr. FF vai falar consigo, ele já sabia deste episódio, da Dra. CC e o Dr. JJ também já sabia disto? O Senhor Doutor já sabia disto?

JJ, vamos ver… Essa história já se sabia desde 2006, Senhor Doutor.

Dr. XX: Já se sabia?

JJ: Há mais de cinco anos Senhor Doutor. O (imperceptível) há cinco anos, estando a contar de 2007 a 2012.

Dr. XX: Portanto, quando o Dr. FF lhe contou isso na conversa que teve consigo, para o Senhor Doutor não foi nenhuma surpresa?

JJ… Senhor Doutor…. Não foi, nem poderia ser Senhor Doutor.~

Dr. XX: Não foi surpresa nenhuma?

JJ: Não Senhor Doutor, nem poderia ser porque, como lhe disse, o que se falou, falou-se em 2007 e foi…

Dr. XX: Portanto, quando o Senhor Doutor FF lhe falou nisto a si, o Senhor Doutor ter-se-á limitado a dizer que já tinha ouvido isso. É isto?

JJ, não sei. Não sei o que lhe disse. E sinceramente o que me recordo é que eu tento que as conversas que eu tenho com os meus clientes se mantenham dentro do objecto dos processos. Tudo o que for para além disso, para mim sinceramente não me interessa Senhor Doutor, porque são questões que só nos levam a perder tempo.

Dr. XX: Senhor Doutor, está bem, mas nós também sabemos que muitas vezes há conversas laterais que temos, enfim (imperceptível). Senhor Doutor, ele disse-lhe isso, o Senhor Doutor já sabia, o que é que o Senhor Doutor lhe disse sobre isto? O Senhor Doutor não se lembra do que é que lhe disse sobre isto, é isso?

JJ: Não sei, não sei Senhor Doutor. Não lhe posso dizer Senhor Doutor se neguei, se confirmei, não sei. A única coisa que lhe posso dizer é isto.

PP, ouvido na sessão de 30/03/2022:

(minuto 1:26 até 9:16)

XX: O Senhor Doutor foi convocado para esta audiência na sequência de um depoimento aqui prestado ao longo da sessão pelo Doutor JJ, que era advogado, sobre a seguinte matéria factual: O Doutor LL, que é aqui arguido e é Juiz Desembargador, terá escrito numa nota de roda pé de uma determinada peça processual, que a Doutora CC teria, no Tribunal ..., proferido uma expressão deste género «Estou grávida, estou grávida mas não felicitem … não deem os parabéns ao Doutor DD porque ele não é o pai» e o Doutor FF diz que ouviu isto de várias pessoas, entre elas o Doutor JJ e o Doutor JJ referiu aqui em audiência que teria ouvido isso … que isso seria voz comum em ... e à volta de ... e que concretamente teria ouvido isso de pessoas a quem a doutora CC teria dito diretamente, uma delas o Doutor PP.

PP (Testemunha): Não. O Doutor JJ não ouviu isso de mim. Não é assim … (impercetível)

XX: Então o que é que o Doutor me pode dizer sobre isso?

Testemunha: Posso dizer sim senhor, que … eu não consigo situar bem no tempo porque foi há, creio, 15 anos ou assim, num momento prévio, numa diligencia, não me se era audiência prévia ou se era julgamento, num processo que corre com um colega de ..., lembro-me que era uma questão de terrenos e nós pedimos à Senhora Juiz para suspender o processo (impercetível). A Senhora Juiz CC, que na altura era Juiz no ... Juízo Cível de ..., resistia (impercetível) procrastinação dos advogados (impercetível) mas quando se encaminhava para o fim da diligência, portanto já tínhamos acordado a suspensão, o juiz (impercetível) os nossos argumentos, eu despedi-me da Doutora CC com qualquer coisa como «Vemo-nos depois da Páscoa» ou «na Primavera», foi uma coisa assim deste género, e a Senhora Juiz disse que não, que já não seria ela, porque estava grávida. E eu dei-lhe os parabéns, perguntei se era menino ou menina. Aquelas coisas que socialmente … para ser simpático, digamos assim, e quando … depois saímos todos da sala estava o meu colega, eu creio que era o Doutor YY, que na altura (impercetível) de ..., o funcionário da secção e eu (impercetível) a fechar a porta a Senhora Juiz disse «Ó Senhor Doutor, não dê os parabéns ao Doutor DD porque não é o pai». E eu tenho ideia que disse isto porque era conhecido em ..., que a Senhora Juiz tinha tido uma relação ou tinha uma relação com o Doutor DD, mas eu não sei qual é o tempo … não sei das relações pessoais da Senhora Juiz … Só conheci (impercetível) de ter … de ser juiz em processos em que era advogado e na altura nem sequer consegui identificar bem quem era o Senhor DD (impercetível) … quando acabei de fechar a porta, o Doutor YY, que é mais velho do que eu, ele perguntou se eu era amigo da Senhora Doutora Juiz e eu entendi aquilo como uma crítica, algum tipo de reparo que estava a fazer, e vim a pensar se teria de optar de alguma forma … se esse colega acharia que isso era verdade. A segunda vez que voltei a ouvir essa expressão foi - agora também não consigo situar no tempo por causa do confinamento -, não tenho a certeza se foi em 2020 ou em 2021. Sei que um dia, depois de jantar, estava a dar uma volta na cidade ... e cruzei-me com o Doutor JJ que estava na Praça ..., com outros colegas, na conversa (impercetível) e começámos a conversar e ele contou-me que existia um processo cível, que era réu num processo, em que seria autora a CC e ele repetiu-me essa expressão e que se dizia, ou que era acusada de dizer que se dizia ou uma coisa assim e eu não consegui registar nem identificar se a expressão é exatamente igual e foi (impercetível) portanto eu disse ao Senhor Doutor «Desculpe, isso disse-me a mim» (impercetível) foi agora. Agora sobre este processo, quando estava a falar (impercetível) perguntou-me se eu me dispunha a prestar depoimento naquele processo e eu assenti.

XX: Acho que está tudo muito bem esclarecido. Diga-me só então, só não percebi essa referência a que o Doutor YY «se eu era amigo da Doutora juíza» …

Testemunha: Senhor Doutor, foi por isso que eu não esqueci. Foi uma coisa corriqueira, aliás não identifiquei o (impercetível) de onde é que estaríamos a falar … (impercetível). Mas foi, portanto, o momento em que eu fecho a porta e a o Doutor YY me diz «O Senhor Doutor é amigo da Senhora Juiz» fez ressoar a questão na minha memória. (impercetível). Nunca mais ouvi falar deste assunto, a não ser depois neste processo, mas sobre se a questão era de posse pública ou não era de posse pública em ... eu não consigo propriamente dizê-lo, porque não é conversa que eu tenha ou que comente, e houve um período da minha vida até há 4 ou 5 anos, que a minha mulher (impercetível) aos fins de semana ia para ... e não convivia com colegas de ....

XX: Portanto só para eu perceber, essa afirmação da Doutora CC é dirigida ao Doutor YY? Testemunha: Não, era dirigida a mim.

XX: Era dirigida a si?

Testemunha: Exato. Já a sair da porta … do lado de fora da porta, o colega estava em frente a mim, o funcionário estava pelas minhas costas e quando ia a fechar a porta a Senhora Juiz diz «não vá dar os parabéns ao DD porque não é ele …», e eu disse «Ah, com certeza Senhora Juiz», e eu fechei a porta e …

XX: E porque ela se dirigia a si é por isso que o Doutor YY pergunta se o Doutor é amigo dela. É isso? Testemunha: É isso mesmo.

XX: Mas o Senhor Doutor não era amigo dela? Conhecia-a

Testemunha: Não sou, (impercetível), mas não sou.

QQ, ouvida na sessão de 30/03/2022:

(minuto 00:01:30 até 00:06:14)

Dr. XX: A Senhora Doutora ouviu ou soube que a Dra. CC disse a si ou a outra pessoa, e em que contexto, uma expressão do género «estou grávida, estou grávida, não vão dar os parabéns ou felicitar o Dr. DD porque ele não é o pai»? Se soube e em que contexto. Como é que foi?

QQ: Soube Senhor Doutor. Senhor Doutor, foi assim, pronto como já referi há bocadinho, a Dra. CC disse aqui no Tribunal .... Pronto, isso agora é uma cidade pequenina e nós sabíamos perfeitamente até porque estava à vista que… Que namoraram, não é? Andavam de mão dada pela cidade (imperceptível) isso nós sabíamos. Numa diligência que eu tive, na altura eu já não me recordo, se foi a requerer ou um adiamento ou uma suspensão na altura da instância… Portanto, nós estávamos a falar com a Senhora Doutora CC (imperceptível)

Juiz Presidente: Senhora Doutora, mais devagar, faça o favor de falar mais pausado, mais devagar para se perceber (imperceptível).

QQ: Exacto. Peço desculpa. Portanto, numa diligência, já não me recordo se foi para requerer uma suspensão da instância (imperceptível) às vezes, ou se foi para adiamento, mas sei que era relativamente a essa diligência e então (imperceptível) para passar uns meses. E então, nessa altura, estávamos a combinar uma diligência para daí a uns meses e a Dra. CC disse “Senhora Doutora eu não sei…” a mim e à colega, “não sei se já vou ser eu a fazer essa diligência” e eu perguntei, “mas porquê?” e a Dra. CC na altura disse “Senhora Doutora, porque eu estou grávida” e eu disse “Ai é? Então Senhora Doutora, muitos parabéns e muitas felicidades.” E ela disse “Pronto, Senhora Doutora, mas não vá dar os parabéns ao Dr. DD, porque o Dr. DD não é o Pai.” E eu disse “Sim Senhor Doutora, muito bem”, e pronto a conversa terminou ali e fui-me embora e foi isso.

Dr. XX: ZZ. Esta afirmação da Dra. CC, sabe se foi proferida a mais pessoas? Sabe se era voz corrente que ela a tinha proferido?

QQ: Senhor Doutor, é assim, eu sei que pelo menos ao Dr. PP também numa diligência sei que também disse isso. E, na altura, constava aqui mesmo os próprios funcionários da secção… Toda a gente sabia isto, não é? Quer dizer, a mim sei que me disse, sei que ao Dr. PP também disse, se eventualmente terá dito a outros colegas também, não sei. Agora que era conhecida, digamos, essa situação e disso de que o Dr. DD não era o pai, para nós Senhor Doutor, digamos nem sabíamos que a Dra. CC tinha (imperceptível) não é? E como nós trabalhávamos também todos com o Dr. DD eu acho que a Dra. CC, peço desculpa, na altura, dizia aquilo para nós também não irmos felicitar o Dr. DD, porque para nós ela andava com o Dr. DD na altura, não é? Não tínhamos conhecimento de nada. Portanto, era falado no tribunal? Era. Era falado na secção? Era. Agora se ela disse directamente também a outras pessoas, sinceramente isso não sei. Sei que me disse a mim e sei que disse ao Dr. PP. Agora se terá proferido… Se terá proferido também aos funcionários também constou disso… Os advogados da comarca, falava-se nisso, não é? Dr. XX: Portanto ainda que a Senhora Doutora só tenha ouvido por si própria ou pelo Dr. PP o que se falava é que ela teria dito que “estou grávida mas não vão felicitar o Dr. DD que ele não é o pai” isso teria sido generalizadamente dito e sabido. É isso?

QQ: Exactamente Senhor Doutor.

28. Como se extrai das transcrições efectuadas, era do conhecimento público que a Assistente comunicara    a várias           pessoas,          designadamente advogados, magistrados e funcionários, o que consta da nota de rodapé em causa nos autos, como todas as testemunhas citadas referiram, sendo especialmente relevante os depoimentos das testemunhas PP e QQ, que o ouviram da própria Assistente.

29. No mesmo sentido, pode ainda ver-se a contestação apresentada por II e JJ em processo que a Assistente lhes moveu, a qual foi junta aos autos por requerimento de 23/02/2022 – cfr. particularmente os n.os 32 a 36 dessa peça processual.

30. Não deve por isso ser deferida a impugnação referente ao facto provado n.º 24, que está estribado na prova produzida, não havendo outra que imponha uma resposta diferente.

31. Em seguida, e ainda quanto à matéria do proc. n.º 27/16...., a Recorrente impugna o facto provado n.º 25, porque à data da apresentação da queixa criminal aí mencionada o Arguido já saberia da relação que tinha existido entre a Assistente e o Dr. DD.

32. Porém, a Recorrente interpreta mal o sentido desse facto provado n.º 25, que se reporta ao desconhecimento da relação da Assistente com o Dr. DD à data em que a queixa criminal foi apresentada.

33. Mais à frente, a Recorrente entende que há erro notório na apreciação da prova em relação aos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 8 e 11 dos factos não provados, o que estriba nas declarações prestadas pelos Arguidos, em vários excertos que transcreve; ora, a apreciação desse erro notório teria de ter resultado do texto da própria decisão, conjugado com as regras da experiência comum, o que manifestamente dela não decorre, tanto mais que a Recorrente se viu na necessidade de convocar os excertos transcritos.

34. De qualquer forma, mais uma vez, não se vislumbra em que medida é que a argumentação expendida imponha uma decisão diferente sobre os pontos não provados da matéria de facto impugnados.

35. A Recorrente considera ainda que há contradição entre o ponto 7 dos factos não provados e os pontos 1, 3, 4 e 7 dos factos provados.

36. Mas, como resulta do seu confronto, não há qualquer contradição, porque as circunstâncias relatadas nos factos provados não implicam que se aceite que os Arguidos agiram em comunhão de esforços e de acordo com um plano previamente delineado e idealizado.

37. Mais pretende a Recorrente que existiria erro manifesto na apreciação da prova relativamente aos pontos 6, 12 e 15 dos factos não provados, o que resultaria do próprio texto da decisão, maxime do facto provado n.º 7.

38. Mais uma vez sem razão, porque, a partir da matéria constante no ponto 7 dos factos provados, não se podem dar como estabelecidos os pontos 6, 12 e 15 dos factos não provados, os quais reflectem a versão da Assistente, mas não a dos Arguidos, não havendo critério de experiência comum que permita dar como estabelecida a posição da Recorrente.

39. Por último, a Assistente reclama do ponto 16 dos factos não provados, uma vez que entende que o seu sentimento de desgosto, humilhação, revolta e nervosismo derivaria das suas próprias declarações, confirmadas pelo depoimento da testemunha OO.

40. Porém, as declarações da Assistente têm, no item em apreço, um valor probatório reduzido. E, do depoimento da testemunha OO, muito particularmente do excerto convocado pela Recorrente, não resulta que a Assistente tenha revelado tais sentimentos.

41. Em suma, não procede a impugnação da matéria de facto ora em apreciação.

VI – DO DIREITO

42. O Recorrido louva-se no acórdão recorrido.

43. Relativamente ao proc. n.º 38/17.9YGLSB, o comentário atribuído ao Arguido não foi efectivamente por ele produzido, porque não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade nesse âmbito.

44. Em qualquer caso, no contexto de grande animosidade existente entre a Assistente e o Arguido – bem reflectida nos factos provados n.os 19 a 31 –, as declarações produzidas (efectivamente da responsabilidade da mulher do Arguido) têm de ser compreendidas no contexto do exercício da liberdade da expressão, não merecendo tutela penal.

45. Relativamente ao proc. n.º 27/16...., a matéria reproduzida no facto provado n.º 7 não é susceptível de afectar a honra e consideração devidas à Assistente.

46. Por outro lado, quanto à nota de rodapé reproduzida no facto provado n.º 4, o Arguido agiu na convicção de que a frase atribuída à Assistente foi efectivamente por ela produzida – e saiu da audiência de julgamento ainda mais disso convencido –, tendo a sua reprodução resultado do contexto e dosentimentos descritos nos n.os 23 e 24 dos factos provados. Poderá censurar-se a inserção dessa nota de rodapé à luz de um critério moral social, mas sem que a intervenção do direito penal tenha qualquer justificação.

47. É tempo de encerrar este longo e desgastante conflito entre a Assistente e o Arguido. No interesse de ambos e também do prestígio da justiça que ambos servem.”

O Sr. Procurador-Geral Adjunto teve vista do processo, o processo foi aos vistos e, a requerimento da assistente, teve lugar audiência.


1.2. O acórdão recorrido, na parte que ora releva, tem o seguinte teor:

“1 - Processo nº 38/17.9YGLSB

A - FACTOS PROVADOS DA PRONÚNCIA

1.    Em 28 de março de 2017, o Arguido, Dr. AA, e a Assistente, Dr.ª CC, eram membros do grupo “...” da rede social Facebook.

2.   O Arguido era aí identificado pelo nome de utilizador “FF” e a Assistente, pelo nome de utilizadora “CC”.

3.   A admissão como membro do Grupo é restrita a Magistrados/as Judiciais, de qualquer categoria, de nacionalidade portuguesa e estrangeira.

4.     As publicações aí feitas só são acessíveis aos respectivos membros, o mesmo sucedendo com a visualização de quem nele se encontra em cada momento

5.     A essa data o Grupo tinha mais de novecentos membros.

6.     No dia 28.03.2017, pelas 14.20 horas, foi aí divulgado um videograma que documentava a participação da Assistente numa audiência pública que tinha tido lugar em 22.03.2017 na Grande Chambre do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), em Estrasburgo, no âmbito de um caso em que aquela Magistrada demandava o Estado Português.

7.      Videograma, então, acessível através da hiperligação - https://www.echr. coe. int/Pages/home. aspx ?p=hearings&w=5539113_22032017&lang uage=lang

8.     Após a divulgação do videograma, vários membros do Grupo publicaram comentários elogiosos da prestação da Assistente.

9.    Assim o fizeram, designadamente:

•       Entre as 14.20 horas e as 14.41 horas, a Dr.ª HH, Juíza de Direito e Administradora do Grupo – com o nome de utilizadora "AAA": «Nunca tinha tido a curiosidade de ver o TEDH em acção. Vi-o agora, em questão perante a Grande Chambre, num caso apresentado pela nossa colega CC. Teve ganho de causa anteriormente, estando agora somente em discussão a questão de saber se a composição do CSM confere o pleno direito a um processo justo e equitativo. Parabéns CC. Pela Vitória, pela coragem pela excepcional apresentação, e pela luta em prol dos nossos direitos...»

•     pelas 14.41 horas, um membro com o nome de utilizador "PP": «Excepcional apresentação sem qualquer dúvida»

•    pelas 14.48 horas, a Dr.ª BBB, Juíza de Direito, com o nome de utilizadora "BBB": «Parabéns à colega por lutar até ao fim».

10.  O Arguido leu estes comentários.

11.   Pelas 15.06 horas foi ali inserido um quarto comentário com o seguinte teor: «Sendo embora uma juíza confessadamente mentirosa e desonesta em exercício de funções. Parabéns aos que aceitam o exercício de funções nessas circunstâncias. E depois admirem-se que o povo não confie na Justiça».

12.   Este comentário era precedido do nome de utilizador "FF".

13.    Este comentário visava a Assistente e não se mostrava enquadrado em qualquer razão que o motivasse, nem com qualquer conduta da visada em que baseasse a afirmação de se tratar de «uma juíza confessadamente mentirosa e desonesta».

14.   A Assistente sentiu-se atónita e revoltada com a publicação desse comentário.

15.    A partir do momento da sua inserção no Grupo, este comentário ficou acessível a todos os membros do Grupo e foi lido por um número não apurado destes.

16.   Entre os quais:

•     a Dr.ª DDD, Juíza Desembargadora - que, a 28.03.17, apôs o comentário: «[...] Depois do post que aqui foi feito passou a ter mais uma, pelo menos é evidente: que é saber se o enxovalho público tem, ou não, relevância civil e quiçá criminal. Onde nós chegamos!» -,

•     a Dr.ª CCC, Juíza de Direito, que a 29.03.17, inseriu o comentário: «Eu li bem o que está acima escrito? "Sendo embora uma juíza confessadamente mentirosa e desonesta em exercício de funções". E quem subscreve não era Inspetor?» -,

•    a Dr.ª HH, que, a 29.03.17, em resposta ao comentário da Dr.ª CCC, escreveu: «Era. E era a "parte contrária" no conflito sub judice. Daí que... não comento» -,

•     a Dr.ª DDD, Juíza Desembargadora, que, a 15.06.17, inseriu o comentário: «[...] recordo bem o comentário que aqui foi feito dirigido a uma nossa colega e, posso dizer, fiquei profundamente chocada. [...] O secretismo do grupo não pode fazer de nós cúmplices de agressões inqualificáveis» ,

•     o Dr. EEE, Juiz de Direito, que, a 15.06.17, inseriu o comentário: «no caso da colega CC e na posição de administrador, ponderaria muito bem os seguintes factores. Em primeiro lugar, a agressividade, a desfaçatez, o topete de quem insultou: teve o despudor de vir a este grupo insultar directamente um membro. Não foi no contexto de uma discussão; não foi no contexto de um debate. Veio e insultou»

17.   Igualmente inseriram comentários os seguintes membros do Grupo: Dr.ª FFF, Juíza de Direito, Dr. GGG, Juiz Desembargador e administrador do grupo, Dr.ª HHH, Juíza de Direito, Dr. III, Juiz de Direito, e Dr.ª JJJ, Juíza de Direito.

18.   O Arguido interpretou os comentários elogiosos à intervenção da Assistente na audiência do processo do TEDH mencionados no ponto 5 como uma censura à sua atuação como Inspetor Judicial no contexto dos processos disciplinares identificados no ponto 28.

19.    Na qualidade de Inspetor Judicial, nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura, o Arguido instruiu o Processo Disciplinar n° ...3/2010-CSM, em que a Assistente foi arguida.

20.    Nesses Autos, a Assistente foi punida em pena de multa pela infração decorrente da violação do dever correção, nos termos dos artigos 82°, 87°, 92°, 32° e 131° do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), e 3º n° 2 al. h) e 10, e 16° al. a) da Lei n° 58/2008 de 9 de setembro.

21.    Sob informação do Arguido, este Processo Disciplinar deu origem a novo procedimento disciplinar contra a Assistente - o Processo Disciplinar n° ...9/2011-CSM.

22.   Nestes outros Autos, a Assistente foi condenada em pena de suspensão de exercício de funções por infração decorrente da violação do dever de honestidade, nos termos dos artigos 82°, 95° n° 1 al. b) e 131° do EMJ, e 3º nºs 2 al. g) e 9 da Lei n° 58/2008 de 9 de setembro.

23.    Sob participação do Arguido, o Processo Disciplinar n° ...9/2011 deu origem a um terceiro processo disciplinar contra a Assistente, o n° ...69/2011-CSM, no qual esta foi condenada em pena de suspensão de exercício de funções por infração decorrente da violação dos deveres de lealdade e correção, nos termos dos artigos 82° do EMJ e 3º n.ºs 2 als g) e h), 9 e 10 da Lei n° 58/2008 de 9 de setembro.

24.    Estas condenações disciplinares foram confirmadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito dos Recursos n° 15/12...., 149/11.... e 47/12.... da Secção de Contencioso, intentados pela Assistente nos termos dos artigos 168° e ss. do EMJ.

25.   A Assistente questionou estas condenações junto do TEDH, e obteve da sua 4ª Secção a declaração de que, face ao facto de o CSM ser composto por uma maioria de não magistrados, a «independência e imparcialidade do Conselho Superior da Magistratura podem ser duvidosas», e de que o controlo das decisões do CSM efetuado pelo Supremo Tribunal de Justiça não tinha sido suficiente por, face ao direito interno português, não ser «competente para proceder ao reexame do estabelecimento dos factos» efetuado pelo órgão administrativo e por não poder «rever a pena aplicada mas unicamente decidir se a pena era adequada à infração e se a mesma não era desproporcionada»,

26.    Bem como a declaração de que, no Processo Disciplinar n° ...69/2011 (Processo n° 47/12.... no STJ), tinha sido violado o direito da Assistente a ver apreciado e discutido o caso «em audiência sob o controlo do público», e de que, por efeito cumulativo, tinha havido violação do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 6º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

27.    Por força dos processos disciplinares mencionados, gerou-se um clima de grande conflitualidade entre a Assistente e o Arguido, que envolveu familiares próximos nomeadamente, a Dr.ª EE, cônjuge do Arguido, testemunha, e o Dr. KKK, cônjuge da Assistente e seu mandatário judicial.

28.     Que deu azo à instauração dos procedimentos de natureza disciplinar, que correram termos no CSM, e dos processos de natureza criminal e cível, adiante indicados:

29.    Procedimentos disciplinares:

•          2011 /D2/...3 - A Assistente contra o Arguido;

•          2011/D2/...34 – O Arguido contra a Assistente;

•          2011/D2/...06 – A Assistente contra o Arguido;

•          2013/D2/...05- A Assistente contra o Arguido;

•          2013/D2/...06- O Arguido contra a Assistente;

•          2013/D2/...56 - Assistente contra o Arguido;

•          2014/D2/...21 – A Assistente contra o Arguido;

•          2016/GAVPM/...88 -  A Assistente contra o Arguido;

•          2017/GAVPM/...80 -  A Assistente contra o Arguido,

30.    Procedimentos criminais:

•     Proc. n° 114/12.... do Tribunal da Relação ... – O Arguido contra a Assistente e marido;

•     Proc. n° 2396/14.... do Juiz ... do Juízo Local Criminal ... –O Arguido contra o marido da Assistente;

•     Instrução n° 30/15.... do Tribunal da Relação ... – O Arguido contra a Assistente;

•    Proc. n° 5/13.... do Tribunal da Relação ... – O Arguido contra a Assistente;

•    Instrução n° 9/15.... do Supremo Tribunal de Justiça -  A Assistente e outro contra o Arguido;

•     Inquérito n° 3/13.... dos Serviços do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça – A Assistente contra o Arguido;

•    Inquérito n° 4/13.... dos Serviços do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça – A Assistente contra o Arguido;

•    Inquérito n° 9/15...., dos Serviços do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça - Assistente contra o Arguido;

•    Instrução n° 27/16.... do Supremo Tribunal de Justiça – A Assistente e outro contra o Arguido e outra;

•    Instrução n° 9/11.... do Supremo Tribunal de Justiça – A Assistente contra o Arguido.

31.    Procedimentos cíveis:

•     Ação Ordinária n° 704/12...., da ex-... Vara Cível de ... – O Arguido contra a Assistente, com reconvenção;

•      Execução n° 2396/14.... do Juiz ... do Juízo Local Criminal ... - exequente o marido da Assistente e executado o Arguido.

B – FACTOS PROVADOS DO PEDIDO CÍVEL

32.  A administração do Grupo “...” inseriu um comentário reconhecendo a liberdade de expressão dos seus membros e da sua responsabilidade pelo que escrevem no Grupo, assumindo que por esse motivo não exerceria censura sobre “posts” dos membros do Grupo, nomeadamente, apagando-os.

33.  Ao longo da sua vida, a Assistente CC sempre procurou preservar o seu bom nome.

34.   Dedicando-se com zelo e dedicação às funções que exerce, o que é reconhecido por todos aqueles que avaliaram a sua prestação profissional.

35.   Por força da repercussão no meio judiciário do comentário referido no ponto 11, a Assistente evitou participar em reuniões e convívios com colegas de profissão.

36.  Tem homologada a notação de “Muito Bom” no Relatório de Inspeção datado de Junho de 2017.

C - FACTOS PROVADOS DA CONTESTAÇÃO DO ARGUIDO

37.   Alguns membros do Grupo “...” tinham conhecimento da litigiosidade existente entre o Arguido e a Assistente.

38.   Desde novembro de 2011 foram apresentadas várias queixas e acusações contra o Arguido pela Assistente e pelo seu irmão, já falecido, LL, por regra patrocinados pelo marido da Assistente, Dr. KKK.

39.    No âmbito desses processos a Assistente e o Dr. KKK já foram condenados, por acórdão do STJ de 28.06.2018, a pagar ao ora Arguido uma indemnização de €10.000,00.

40.    A Assistente requereu ao CSM a suspensão da graduação do Arguido ao STJ.

41.     No proc. n.º 9/15...., pendente de recurso, o Arguido foi acusado da prática de 2 crimes de difamação, do artigo 180º nº 1 do Código Penal, sendo a Assistente a ofendida num deles, e no outro LLL, tendo sido declarado prescrito o procedimento criminal.

42.    Nesses Autos, por Acórdão proferido a 09.12.2021, foi julgado improcedente o pedido de indemnização civil formulado pela Assistente e parcialmente procedente o pedido cível formulado pelo ofendido LLL.

43.     Por força da litigiosidade entre o Arguido e a Assistente, várias pessoas, na área judiciária, formaram uma imagem negativa do Arguido.

44.    A Assistente foi das pessoas que mais procurou contribuir para criar essa má imagem do Arguido, através de variadas queixas e processos que moveu contra ele.

45.    O Arguido está convencido de que a imagem que lhe foi criada por via da animosidade da Assistente contra si acabou por o prejudicar nos concursos de graduação ao STJ.

D - FACTOS PESSOAIS PROVADOS

46.    O Arguido exerce funções como Juiz Desembargador no Tribunal da Relação ..., sendo Presidente da sua ... Secção Criminal, sucessivamente reeleito pelos seus pares.

47.    O Arguido é reconhecido entre os seus pares como um Magistrado muito competente e conhecedor do Direito.

48.   O Arguido é respeitado no meio familiar, social e profissional, designadamente por todos aqueles e aquelas que com ele têm trabalhado no âmbito das suas funções.

49.   O Arguido goza de uma reputação de cidadão fiel aos valores da Justiça e da Democracia.

50.    Tem um rendimento médio mensal de 3.800,00€, adveniente do seu vencimento.

51.    Reside com a sua mulher, que aufere mensalmente cerca de 1.400,00€.

52.    Reside em habitação própria. Assume os encargos de educação de 2 netas menores, no valor de 1.500,00€ mensais.

E - FACTOS NÃO PROVADOS

1.    O comentário referido no ponto 11 da matéria de facto provada foi inserido no Grupo pelo Arguido AA.

2.     O comentário referido no ponto 11 da matéria de facto provada foi inserido no Grupo pela esposa do Arguido, EE.

3.    O Arguido bem sabia que a afirmação constante do comentário referido no ponto 11 da matéria de facto provada era gravemente ofensiva da dignidade pessoal, profissional e da reputação de qualquer Magistrada que por ela fosse visada, e ainda mais de uma Juíza em exercício efetivo de funções.

4.     Ao proferi-la nas circunstâncias mencionadas, atuou de forma deliberada e livre e com a consciência e a intenção de humilhar e de vexar a Assistente perante os membros do Grupo “...”, e de a lesar na sua honra e consideração, como cidadã e como juíza.

5.    Humilhação e vexame de cuja causa e potencial dimensão estava consciente e que sabia serem consequência direta, adequada e necessária da sua conduta, que sabia ser criminalmente ilícita e punível

6.    O Arguido agiu incomodado com o facto de colegas, membros do Grupo “...” aprovarem, elogiando a atuação da Assistente na Grande Chambre do TEDH, tendo-se aproveitado do acesso aquele Grupo para desferir ataques pessoais soezes contra a Assistente.

II - Processo nº 27/16....

A - FACTOS PROVADOS DA PRONÚNCIA

1.    Em 04.04.2016, o Arguido, enquanto participante, e a Arguida, enquanto sua advogada, apresentaram uma queixa criminal, por ambos assinada, nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal da Relação ....

2.    Essa queixa criminal foi apresentada contra incertos, nela se dizendo, no entanto, que existiam fortes suspeitas de aquela carta anónima ser da autoria conjunta da Assistente, CC, e de LL.

3.   Nessa queixa criminal, o Arguido e a Arguida imputam à Assistente, CC, a autoria de uma carta anónima dirigida ao Conselho Superior da Magistratura, em 13.08.2013.

4.    Na nota de rodapé da pág. 10 dessa queixa, e reportando-se ao uso da expressão "aquele gajo " contida na carta anónima, escreveram: “O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada (ou não foi ela quem entrou eufórica no Tribunal ..., dizendo «estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD - se companheiro então -porque ele não é o pai!!!...)”.

5.    Com esta declaração, o Arguido e a Arguida pretendiam afirmar que a Assistente CC tinha dado conhecimento público desse facto.

6.    Pretendiam afirmar também que o termo "gajo" seria adequado para identificar os "ex-maridos ou ex-companheiros" da Assistente e que esta se relacionaria com "gajos".

7.    Nessa queixa, o Arguido e a Arguida escreveram na parte final do ponto V.5.XXIII, - páginas 15 e 16 -, e reportando-se à ação ordinária nº 704/12....:“ Em declarações de parte na aludida acção a ora Suspeita fez alusão a uma carta que tal Lobo teria remetido ao ora Participante a falar de assuntos da maçonaria. Carta essa que ora Suspeito se terá «apropriado», por furto e terá violado, (como fazia com muitas cartas, especialmente se fossem de instituições bancárias) dando conhecimento do conteúdo da mesma à Suspeita. De resto ainda não há muito tempo (dois ou três meses) que o Denunciado se «gabou» a um vendedor de automóveis de que tinha em seu poder essa carta. Cujo conteúdo, diz a Suspeita é prova válida (provavelmente no Tribunal a que preside se usem esses métodos…)”

8.   Esta asserção e o teor nota de rodapé referida no ponto 4 não têm qualquer relevância ou utilidade na economia da queixa indicada nos pontos 1, 2 e 3.

9.    A Arguida consentiu na inserção na queixa da nota de rodapé referida no ponto 4 e da asserção referida no ponto 7 face à indicação que nesse sentido lhe foi dada pelo Arguido, na qualidade de mandante, e ao respeito, consideração e amizade que tem pelo Arguido.

10.   A Arguida agiu no âmbito do exercício das suas funções de mandatária forense.

B - FACTOS PROVADOS DA ACUSAÇÃO PARTICULAR

11.   Os Assistentes, CC e DD, viveram em união de facto.

12.   No período em que viveu em união de facto com o Assistente, DD, a Assistente não engravidou.

13.   Essa união terminou em novembro de 2006, por mútuo acordo. Desde pelo menos 15 de novembro de 2006 cessou toda e qualquer coabitação entre os Assistentes, que não mais mantiveram comunhão de mesa, leito e habitação.

14.   O Assistente, DD, passou, então, a residir na Rua ..., na freguesia ..., no concelho ....

15.   A Assistente, CC, continuou a residir na casa onde ainda atualmente vive, sita na Travessa ..., na freguesia ..., concelho ....

16.   Posteriormente a Assistente, CC, encetou relacionamento amoroso com o seu atual cônjuge, KKK.

17.    Deste relacionamento nasceram duas filhas: RR, em .../.../2007. e MMM, em .../.../2010.

18.   A Assistente, CC, apresentou ao CSM uma participação que deu origem ao Processo Disciplinar n° ...5/2012, que culminou com a aplicação ao Arguido da pena disciplinar de 10 dias de multa e cessação definitiva da comissão de serviço como inspetor judicial.

19.   Com a imputação à Assistente, CC, da autoria da carta anónima ao CSM, o Arguido pretendia retirar credibilidade às posições assumidas pela Assistente na participação disciplinar que esta havia apresentado junto do Conselho Superior da Magistratura.

•      Do pedido cível.

20.   Ao longo da sua vida, a Assistente, CC sempre procurou preservar o seu bom nome.

21.  Dedicando-se com zelo e dedicação às funções que exerce, o que é reconhecido por todos aqueles que avaliaram a sua prestação profissional.

22.   O que também sucede com o Assistente DD.

C- FACTOS PROVADOS DA CONTESTAÇÃO DO ARGUIDO

23.   O Arguido ficou revoltado com o uso da expressão "aquele gajo " contida na carta anónima, remetida ao Conselho Superior da Magistratura, a qual lhe imputava condutas criminosas, ligando-o ao tráfico de droga e de diamantes e à utilização da sua função de juiz para obter decisões a seu favor e dos seus amigos.

24.   O Arguido ficou convencido que a utilização da expressão "aquele gajo ", na carta anónima, o visava apoucar, o que o levou a revelar à sua advogada a factualidade inscrita na nota de rodapé, por estar convencido da sua veracidade e considerar poder ser relevante para caracterizar uma das pessoas suspeita da autoria da carta anónima.

25.  À data da apresentação da queixa criminal o Arguido desconhecia se o Assistente era companheiro da Assistente.

D - FACTOS PROVADOS DA CONTESTAÇÃO DA ARGUIDA

26.  A Arguida exerce a advocacia há cerca de 40 anos. Nunca tendo sido objeto de processo ou sanção disciplinar da Ordem dos Advogados, desde que se inscreveu como estagiária em 1978.

27.  A Arguida sempre pautou o seu trabalho de forma diligente e profissional, sem que alguma vez este tenha sido colocado em causa por clientes/constituintes e profissionais do foro.

28.  A Arguida conhece e é amiga do Arguido desde os tempos de Faculdade, sendo pessoa por quem sempre teve grande consideração profissional.

29.  A Arguida agiu no âmbito do dever de patrocínio do Arguido, sem qualquer interesse pessoal no resultado dos Autos.

E - FACTOS PESSOAIS PROVADOS RELATIVOS AO ARGUIDO

30.   O Arguido exerce funções como Juiz Desembargador no Tribunal da Relação ..., sendo Presidente da sua ... Secção Criminal, sucessivamente reeleito pelos seus pares.

31.   O Arguido é reconhecido entre os seus pares como um Magistrado muito competente e conhecedor do Direito.

32.   O Arguido é respeitado no meio familiar, social e profissional, designadamente por todos aqueles e aquelas que com ele têm trabalhado no âmbito das suas funções.

33.    O Arguido goza de uma reputação de cidadão fiel aos valores da Justiça e da Democracia.

34.  Tem um rendimento médio mensal de 3.800,00€, adveniente do seu vencimento.

35.   Reside com a sua mulher, que aufere mensalmente cerca de 1.400,00€.

36.  Reside em habitação própria. Assume os encargos de educação de 2 netas menores, no valor de 1.500,00€ mensais.

F - FACTOS PESSOAIS PROVADOS RELATIVOS À ARGUIDA

37.   A Arguida tem um rendimento médio mensal de cerca 3.000,00€, adveniente da sua pensão de reforma e de atividade forense.

38.   Reside com o seu marido, empresário. Tem um filho já maior de idade a quem presta apoio.

39.   Tem despesas médias mensais de cerca de 3.000,00€.

G - FACTOS NÃO PROVADOS

1.    Que a palavra "gajo" seja uma designação pejorativa.

2.   Que com a nota de rodapé, referida no ponto 4 dos Factos provados, o Arguido e a Arguida tenham pretendido afirmar que a Assistente CC, durante o período em que viveu em união de facto com o Assistente DD, teria mantido um relacionamento sexual com outro homem que não o Assistente, do qual haveria engravidado.

3.  Que com a nota de rodapé, referida no ponto 4 dos Factos provados, o Arguido e a Arguida tenham pretendido identificar o Assistente DD como sendo um dos ex-companheiros e, por isso, um "gajo".

4.   Que a nota de rodapé referida no ponto 4 dos Factos Provados, insinue que a Assistente tenha tido uma conduta desonesta, leviana e de mau porte.

5.    E que achincalhe o Assistente, DD.

6.    Que o Arguido e a Arguida sabiam que a asserção referida no ponto 7 dos Factos Provados era ofensiva da honra e consideração da Assistente, tendo agido com o propósito de a vexar.

7.    Que o Arguido e a Arguida agiram em comunhão de esforços e de intentos e de acordo com plano previamente delineado, idealizando e redigindo o texto que ambos assinaram.

8.    Que o Arguido e a Arguida tenham insinuado que a Assistente, CC, fazia alarde público da sua infidelidade para com o Assistente, para lhe imputar uma conduta leviana e desavergonhada.

9.    Que a expressão “gajo”, no jargão de ..., seja por vezes utilizada como sinónimo de corno.

10.  Que com a imputação à Assistente da autoria da carta anónima ao CSM, o Arguido e a Arguida tenham querido insinuar que a Assistente é pessoa cobarde, que faz denúncias falsas a coberto do anonimato.

11.  Que o Arguido e a Arguida soubessem que o teor da nota de rodapé referida no ponto 4 dos Factos provados era falso, ofensivo da honra e consideração dos Assistentes e atentatórias da intimidade da vida privada destes.

12.   Que o Arguido e a Arguida soubessem ser falsa a asserção referida no ponto 7 dos Factos Provados, e que com esta asserção tenham pretendido afirmar que a Arguida fizesse uso de métodos proibidos de prova no Tribunal a que preside.

13.    Que com as afirmações constantes da queixa criminal, o Arguido e a Arguida quisessem imputar à Assistente condutas agressivas, ameaçadoras e mal-educadas, que nada têm que ver com o seu modo de ser e de agir.

14.    Que com as afirmações constantes da queixa criminal: "Não parará a Denunciada de ofender o aqui Participante na honra e consideração que lhe são devidas enquanto não se vir confrontada com as Instâncias formais de controlo e reacção que se posicionam a jusante dos Tribunais, para efeitos de reeducação para o Direito ", o Arguido e a Arguida quisessem insinuar que a Assistente CC mereceria ser presa.

15.   Que a Assistente viu o seu carácter e honestidade postos em causa perante terceiros, por o Arguido ter afirmado que a mesma enviava cartas anónimas, recorria a métodos proibidos de prova - o furto e violação de correspondência - no Tribunal a que presidia.

16.   Que em resultado da conduta do Arguido e da Arguida a Assistente sentiu desgosto, humilhação, revolta e nervosismo.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

O direito probatório é uma das pedras angulares de qualquer sistema jurídico e como tal reflete necessariamente as concepções e valores nele dominantes. Tal patenteia-se à evidência no Direito Processual Penal, ao qual ninguém contesta a natureza de Direito Constitucional aplicado.

Assim, as questões de regulação do processo criminal, os modos e as formas de as equacionar e resolver não são meras questões técnicas, despidas de concepções, mas antes consubstanciam os modos e as formas pelas quais a lei adjectiva garante às cidadãs e cidadãos a fidelidade aos princípios fundamentais do sistema jurídico em que se insere.

No ordenamento processual penal vigente, a manutenção da Paz Cívica, do Direito e da Democracia assumem-se como imperativos e objetivos maiores. Sendo a Paz Cívica assegurada pela celeridade processual, o Direito pela conformação aos princípios constitucionais e a Democracia pela composição dos interesses conseguida através do respeito pela dignidade humana.

Pelo que é em função destes valores que se organiza o processo criminal, “máxime” em tudo quanto à prova respeita.

Esta tem por função a demonstração da realidade dos factos, de acordo com o estabelecido no artigo 341º do Código Civil, sendo estes correlativamente o objecto da prova, segundo o artigo 124º do Código de Processo Penal.

A sua apreensão e percepção por quem tem a função de julgar faz-se através dos meios de prova legalmente previstos, sendo a sua avaliação e valoração sujeita ao princípio da livre apreciação, consignado no artigo 127º do mesmo Código.

Princípio este lapidarmente explicitado pelo Professor Figueiredo Dias ( ):”não pode de modo algum querer apontar  para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” -, de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, redutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo.”

Em conformidade, a apreciação que o Tribunal fez do conjunto da prova produzida assentou nestes princípios e regras processuais.

Assim, o Tribunal formou a sua convicção com base na prova produzida em Audiência de Julgamento globalmente apreciada em função do acima exposto.

O Tribunal teve em consideração as declarações do Arguido, que manifestou e assumiu abertamente as suas desavenças com a Assistente CC, e da Arguida que depôs de forma calma.

Ambos relataram de forma minuciosa a sua versão dos factos imputados dessa forma contribuindo para a formação da convicção do Tribunal nos termos constantes da Matéria de Facto dada como assente. 

O Arguido e a Arguida esclareceram, ainda, o Tribunal sobre as suas condições pessoais e sociais.

O Tribunal teve em atenção, também, as declarações prestadas pela Assistente, CC, que descreveu os factos constantes dos libelos assumindo as suas desavenças para com o Arguido.

Bem como as do Assistente DD que corroborou as declarações prestadas pela Assistente CC.

Foi tida em consideração, ainda, a prova testemunhal obtida através dos depoimentos das testemunhas adiante indicadas, que depuseram, todas, de forma muito esclarecedora, isenta e exaustiva.

Depoimentos estes particularmente relevantes para a fixação dos factos mencionados de seguida: 

•    DD, Juiz de Direito, que, no âmbito do processo nº 38/17.9YGLSB, se referiu à forma como a Assistente CC tinha reagido à imputação que lhe fora feita no Grupo “...”.

•    CCC, HH, NNN, HHH, BBB, OOO, EEE, PPP, JJJ, III, Juízas e Juízes de Direito, membros do Grupo “...”, que se reportaram à composição, abrangência e regras de funcionamento daquele Grupo, bem como ao teor do videograma referido no ponto 6 e 7 dos Factos Provados no processo nº38/17.9YGLSB, aos comentários a ele atinentes e ainda ao comentário referido no ponto 11 dos Factos Provados daquele mesmo processo e à sua repercussão no seio do Grupo.

•    EE, cônjuge do Arguido, que assumiu ter sido a autora do comentário referido no ponto 11 dos Factos Provados no processo nº38/17.9YGLSB e descreveu as circunstâncias de modo e tempo da sua produção.

•     MM, NN e OO, Juiz e Juízas de Direito, que referiram terem trabalhado de perto com a Assistente nos anos de 2006 e 2007 e desconhecerem a ocorrência do facto indicado na parte final do ponto 4 dos Factos Provados no processo nº27/16.....

•     OO referiu-se, ainda, aos comentários ínsitos no Grupo “...” relativos ao videograma acima mencionado e à forma como a Assistente reagiu ao comentário referido no ponto 11 dos Factos Provados no processo nº38/17.9YGLSB.

•    QQQ, amiga pessoal da Assistente CC, que se reportou às repercussões na vida pessoal e social da Assistente da publicação no Grupo “...” do comentário referido no ponto 11 dos Factos Provados no processo nº38/17.9YGLSB.

•     JJ, Advogado e II, Procurador da República jubilado, que se referiram às circunstâncias do modo como tinham obtido conhecimento do facto indicado na parte final do ponto 4 dos Factos Provados no processo nº27/16.....

•     PP, Advogado, e QQ, Advogada, que depuseram sobre a mesma matéria, referindo ter-lhes sido dito pela própria Assistente estar grávida e não ser o Assistente, DD, o pai da criança.

O Tribunal teve em atenção, ainda, os depoimentos escritos apresentados pelas testemunhas adiante referidas, que depuseram, todas, de forma muito elucidativa, imparcial e detalhada sobre os factos mencionados de seguida:

•     RRR, SSS, DDD, Juiz Desembargador e Juíza Desembargadora, membros do Grupo “...”, que se reportaram aos comentários atinentes ao videograma referido no ponto 6 e 7 dos Factos Provados no processo nº38/17.9YGLSB e ao comentário referido no ponto 11 dos Factos Provados daquele mesmo processo e à sua repercussão no seio do Grupo.

•     GGG, Juiz Desembargador, administrador e membro do Grupo “...”, que se referiu à composição, abrangência e regras de funcionamento do Grupo “...”, bem como ao teor do videograma referido no ponto 6 e 7 dos Factos Provados no processo nº38/17.9YGLSB, aos comentários a ele atinentes e ainda ao comentário referido no ponto 11 dos Factos Provados daquele mesmo processo e à sua repercussão no seio do Grupo.

•      WW e TTT, Juízes Conselheiros, UUU, VVV, WWW, e GG, Juíza Desembargadora e Juízes Desembargadores, que se reportaram aos pontos 45 a 49 dos Factos Provados no processo nº38/17.9YGLSB e aos pontos 30 a 33 dos Factos Provados no processo nº27/16....

•     XXX, Juíza Desembargadora, que se reportou ao ponto 45 dos Factos Provados no processo nº38/17.9YGLSB.

•      KK, Juíza Desembargadora, que se reportou ao ponto 44 dos Factos Provados no processo nº38/17.9YGLSB e à veracidade da declaração referida na nota de rodapé a que alude o ponto 24 dos Factos Provados no processo nº27/16....

No âmbito do processo nº38/17.9YGLSB foram também tomados em consideração os documentos relativos às publicações no Grupo “...”, incluindo o videograma dos Autos - fls. 57 a 70 – e o Acórdão do TEDH a que se reportam os Factos Provados - fls. 26 a 56.

Assim como os documentos relativos aos procedimentos disciplinares, criminais e cíveis referidos na Matéria Fáctica provada – fls. 241 a 251, 256 a 258 a 265, 560 a 632, 649 a 656, 665 a 746, 749 a 886v., 903 a 958v., 960 a 1083, 1085 a 1108v., 1109 a 1115 v.°, 1116 a 1121 v.°, 1122 a 1168 v.°, 1169 a 1202, 1204 a 1230, 1231 a 1264, 1273 a 1294 e 1364, 1295 a 1306 e 1364, 1307 a 1336 e 1364, 1337 a 1364, 1365 a 1378, 1384 a 1396, 1398 a 1430, 1434 a 1509, 633 a 643 e 1169 a 1202 e 1549 a 1557. E fls. 1267 e 1431

Bem como os referentes aos factos alegados na Contestação do Arguido – fls. 2503 e seguintes e os concernentes à Resposta à Contestação apresentada pela Assistente e pelo Assistente – fls. 2732 e seguintes e 3291.

Do mesmo passo, no âmbito do processo nº27/16...., foi tomada em consideração a Queixa Criminal e carta anónima nela constante – fls. 29 a 45.

Assim como os documentos juntos com a Acusação Particular e Pedidos de Indemnização cível apresentados pela Assistente e pelo Assistente.

Estes foram os elementos de prova testemunhal e documental examinados e apreciados pelo Tribunal suficientes e bastantes para fundamentarem o juízo sobre os factos provados e os factos não provados dados como assentes.

Fixada a matéria fáctica e fundamentada que foi tal decisão, importa agora apurar se aquela integra, ou não, os ilícitos criminais imputados ao Arguido e à Arguida.

Esta operação jurídica que se constrói através da verificação da concreta realização na matéria fáctica dada como provada dos elementos objetivos e subjetivos constantes do crime imputado ao Arguido e à Arguida, deve ser precedida da determinação dos fundamentos ético-jurídicos do tipo legal em causa, ou seja, da determinação do sentido e limites da punibilidade dos factos apurados.

E tal, por obediência aos princípios constitucionais só poderá ser feito respondendo à questão de saber qual o bem jurídico concretamente tutelado pela norma incriminadora em causa.

Pois que face ao ordenamento constitucional vigente a intervenção do Direito Penal não é legítima como meio de realização ou imposição de determinados valores mais ou menos imanentes a uma dada sociedade num concreto momento histórico, isto é, o Direito Penal não é a componente repressiva de qualquer ética coletiva, mas é tão só um instrumento de política social, competindo-lhe apenas a tutela dos direitos e interesses individuais e sociais.

E de acordo com a asserção Kantiana, segundo a qual tudo o que em base racional é válido em teoria, é igualmente válido na prática, procurar-se-á apurar se os factos dados como provados se integram ou não na esfera de compreensão do bem jurídico em questão nestes Autos, bem como se se mostram verificados “in casu” os elementos típicos objetivos e subjetivos dos crimes de difamação imputados ao Arguido e à Arguida.

Este tipo legal tem merecido ampla discussão e elaboração teórica na Doutrina e na Jurisprudência, sendo hoje consensual que com esta incriminação a lei penal pretende proteger a honra e consideração das pessoas, enquanto direitos fundamentais pessoais consagrados nos artigos 26º n°1 e 27º n° 1 da Constituição da República.

Trata-se, segundo Faria e Costa ( ) de  “um bem jurídico complexo que inclui o valor pessoal e interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, bem como a sua própria reputação ou consideração exterior.”

“(…) Na verdade, e ao contrário do que acontece noutras legislações, o ordenamento jurídico-penal português, na linha da tradição anterior e, sobretudo, em inteira consonância com a ordem constitucional, alarga a tutela da honra também à consideração ou reputação exteriores. Forma de perceber as coisas que é posta em destaque e salientada por Figueiredo Dias quando escreve: «a jurisprudência e a doutrina jurídico-penais têm corretamente recusado sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídico “honra”, que o faça contrastar com o conceito de “consideração” (…) ou com os conceitos jurídico-constitucionais de “bom nome“ e “reputação”. Nomeadamente nunca teve entre nós aceitação a restrição da “honra” ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção entre opinião subjectiva e opinião objectiva sobre o conjunto das qualidades morais e sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito puramente fáctico, quer - no outro extremo -  estritamente normativo» (Figueiredo Dias, RLJ, 115º 105)”.

Em função do exposto, e tendo em consideração o princípio da necessidade e da intervenção mínima que deve reger a intervenção do Estado no domínio penal, tal como decorre do artigo 18º da Lei Fundamental, é curial ter em atenção os ensinamentos da Jurisprudência de acordo com a qual : “Relevante para o preenchimento do crime de difamação é o meio onde se verifica a ofensa à honra ou consideração, a qualidade das pessoas entre quem ocorre, a forma como tal ocorre, o que tem como consequência que, só em face do caso concreto se pode afirmar se a conduta em presença é ou não ofensiva e preenche o tipo objectivo do crime de difamação. Em suma, interessará contextualizar as expressões eventualmente ofensivas da honra e da consideração, sendo tal contextualização elemento essencial para aferir se as mesmas assumem tal natureza.

 Para além da contextualização, cumpre, ainda, ter em consideração que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180.º e 181.º, tudo dependendo da “intensidade” da ofensa ou perigo de ofensa. Este tem sido, também, o entendimento do TEDH, que tem vindo a afirmar que, para que esteja em causa o art. 8.º, da CEDH, a violação da honra tem de atingir um determinado grau de seriedade e tem de causar efectivo prejuízo. Na análise da contextualização dos concretos factos ou juízos em apreço e da aferição da sua intensidade/seriedade há, ainda, que ter em conta a necessidade de articulação do direito à honra e consideração com o direito à crítica (liberdade de expressão).”( )

O elemento objetivo deste ilícito criminal realiza-se quando o agente, dirigindo-se a terceiras pessoas, assacar a outrem factos ou juízos que sejam ofensivos da sua honra e consideração.

Podendo uma tal conduta revestir a forma de imputação de um facto ofensivo, ainda que apenas seja uma mera suspeita, ou a formulação de um juízo de desvalor e também a reprodução de uma tal imputação ou juízo.

De acordo com Leal-Henriques e Simas Santos ( ) entende-se que “Imputar significa atribuir um facto, apresentá-lo como correcto ou verdadeiro, segundo a convicção ou perspectiva do imputante, que assim se identifica com o respectivo conteúdo (...)“, ao passo que “(...) Formular juízo de desvalor será toda a afirmação que encerra uma apreciação pessoal negativa sobre o carácter da pessoa acerca da qual se subscreve tal juízo” e “(...) Reproduzir uma imputação ou um juízo é divulgar uma afirmação alheia, ou seja, uma afirmação que não é objecto de uma convicção do próprio divulgante (...)“.

Por sua vez, o elemento subjetivo típico deste ilícito criminal é preenchido mediante uma atuação dolosa do/a agente, traduzindo-se esta “na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, ou pelo menos são aptas a causar aquela ofensa, e que tal acto é proibido por lei.” ( )

Como é sabido, é hoje inexigível a ocorrência de um dolo específico, o chamado “animus difamandi“, apenas se impondo que haja consciência do carácter ofensivo das palavras, factos ou juízos proferidos, associada à vontade de os proferir.

Cumpre, assim, analisar à luz do acima exposto a matéria fáctica dada por assente a fim de se poder apurar se se mostram verificados os elementos típicos acima descritos.

Os libelos imputam ao Arguido AA a autoria material de um crime de difamação, com publicidade e agravado, dos artigos 180º nº1, 182º, 183º nº1, al. a), 184º e 132º nº 2 al. l), todos ao Código Penal (processo nº38/17.9YGLSB) e a este Arguido e à Arguida BB, a coautoria material de dois crimes de difamação, do artigo 180º nº1 do Código Penal (processo nº27/16....).

No tocante ao primeiro destes dois processos verifica-se que não consta da matéria fáctica provada ter sido o Arguido AA o autor dos factos que lhe eram imputados, mais concretamente o autor da publicação no “Grupo “...” do comentário ínsito no ponto 11 da matéria de facto provada.

Do mesmo passo, face ao teor dos pontos 1 e 2 da Matéria Fáctica Não Provada, se verifica o Tribunal não apurou com a necessária certeza a autoria da publicação no “Grupo “...” do referido comentário.

A existência de tal dúvida sobre esse facto - a autoria da publicação no Grupo “...” -  implica necessariamente, por imposição do princípio “in dubio pro reo et contra civitatem” que este Tribunal dê por assente, apenas e tão só, o que consta dos termos conjugados dos pontos 11 da Matéria Fáctica Provada e 1 e 2 da Matéria Fáctica Não Provada, ou seja, que resultou provado que nas circunstâncias de tempo aí indicadas foi inserido no Grupo “...” o já referido comentário e que não resultou provado tal ter sido resultado de uma acção do Arguido ou da sua cônjuge.

Na verdade. o princípio “in dubio pro reo et contra civitatem”, como ensina G.Bettiol “(...) liga-se fundamentalmente ao problema do ónus da prova e encontra o seu campo e oportunidade de aplicação perante um facto incerto. Desde que haja incerteza quanto ao facto, nunca poderá ter lugar uma sentença de condenação: o juiz absolverá com fórmula dubitativa (sentença de absolvição por insuficiência da prova), em que se traduz e manifesta uma das exigências de liberdade do processo penal moderno.”( ).

Este princípio geral de apreciação da prova decorre, aliás, do princípio da presunção de inocência do/a Arguido/a, que se encontra constitucionalmente consagrado, no artigo 32º nº2 da Lei Fundamental.

Nesta conformidade, outra conclusão se não impõe que não a de julgar como não preenchido os elementos típicos integradores do crime de difamação que era imputado ao Arguido AA no âmbito do Processo nº38/17.9YGLSB, e assim dele o absolvendo.

No tocante aos factos dados como assentes relativos ao processo nº 27/16...., da análise da matéria de facto constata-se ter sido dado como provado terem sido da autoria do Arguido e da Arguida as asserções constantes dos pontos 4 e 7 dos Factos Provados.

E, no que concerne ao ponto 4, que este e esta actuaram, apenas com o intuito de estabelecer que a Assistente CC tinha dado conhecimento público da sua gravidez e da não paternidade do Assistente DD, bem como que « o termo "gajo" seria adequado para identificar os "ex-maridos ou ex-companheiros" da Assistente e que esta se relacionaria com "gajos"».

Tendo sido, ainda, dado como Não Provado que o termo “gajo” seja, em si mesmo considerado, uma designação pejorativa - como resulta do ponto 1 dos Factos Não Provados – bem como que com a asserção constante do ponto 4 dos Factos Provados o Arguido e a Arguida “tenham pretendido afirmar que a Assistente CC, durante o período de tempo em que viveu em união de facto com o Assistente DD, teria mantido um relacionamento sexual com outro homem que não o Assistente, do qual haveria engravidado” - ponto 2 dos Factos Não Provados - e “tenham pretendido identificar o Assistente DD como sendo um dos ex-companheiros e, por isso, um "gajo"” - ponto 3 dos Factos Não Provados - e ainda que tal asserção insinue que  “a Assistente tenha tido uma conduta desonesta, leviana e de mau porte” e “achincalhe o Assistente, DD” - pontos 4 e 5 dos Factos Não Provados -.

Também como Facto Não Provado ficou assente que o Arguido e a Arguida soubessem que “o teor da nota de rodapé referida no ponto 4 dos Factos provados era falso, ofensivo da honra e consideração dos Assistentes e atentatórios da intimidade da vida privada destes.” - ponto 11 dos Factos Não Provados -.

Por sua vez, no tocante ao ponto 7 da Matéria Fáctica Provada, resulta não ter ficado estabelecido que o Arguido e a Arguida soubessem que a asserção aí referida fosse ofensiva da honra e consideração da Assistente, e que tivessem agido com o propósito de a vexar, bem como que soubessem ser falsa aquela afirmação e que tivessem pretendido afirmar que a Arguida fizesse uso de métodos proibidos de prova no Tribunal a que preside -  pontos 6 e 12 dos Factos Não Provados -.

Do mesmo passo, e não obstante a autoria conjunta do Arguida e da Arguida da queixa criminal em causa nestes Autos, tal como estabelecido no ponto 1 dos Factos Provados, não resultou provado que estes tivessem agido “em comunhão de esforços e de intentos e de acordo com plano previamente delineado, idealizando e redigindo o texto que ambos assinaram” - ponto 7 dos Factos Não Provados -.

Pelo que forçoso é concluir como não verificado o elemento típico subjetivo em cada um dos dois crimes de difamação em causa no processo nº27/16.... e como tal, como não verificados ambos esses crimes, o que, naturalmente implica que o Arguido e a Arguida deles sejam absolvidos.

Assim, e sem prejuízo de as afirmações em causa neste último processo poderem ser consideradas eticamente censuráveis e socialmente reprováveis, a não verificação dos elementos típicos do crime em causa impõe necessariamente a conclusão da inexistência da responsabilidade criminal do Arguido e da Arguida.

Em conformidade com o supra exposto julgam-se improcedentes os pedidos cíveis deduzidos nos Autos, uma vez que a responsabilidade civil pelos danos não patrimoniais que se pretendiam ver ressarcidos assentava na responsabilidade criminal pela prática dos factos em que aqueles se fundavam.”


1.3. O despacho objecto do recurso intercalar é o seguinte:

“A assistente Dr.ª CC veio requerer a prestação de  declarações complementares.

O Tribunal, considerando que se encontra produzida toda a prova, entre a qual prestou declarações na altura própria a Sr.ª Dr.ª CC, considera que se encontra esclarecido com a prova produzida, tendo também em consideração todos os documentos juntos aos autos, e, em consequência, entende não ser necessário a prestação de declarações complementares da assistente.”


2. Fundamentação

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas respectivas conclusões (art. 412.º, n.º 1, do CPP), as questões a apreciar respeitam a:

(a) no recurso do despacho intercalar: violação dos princípios da investigação e do contraditório;

(b) no recurso do acórdão:

(b.1) nulidade do acórdão por deficiente fundamentação da matéria de facto;

(b.2) nulidade do acórdão por omissão de pronúncia sobre factos articulados na acusação particular, na pronúncia, na contestação e no pedido cível;

(b.3) vício do erro notório na apreciação da prova;

(b.4) impugnação ampla da matéria de facto;

(b.5) impugnação da matéria de direito: tipicidade das condutas.


Consignam-se três notas iniciais:

A primeira nota respeita à prescrição do procedimento criminal, entretanto ocorrida relativamente aos dois crimes de difamação do art. 180.º, n.º 1, do CP, imputados no proc. n.º 27/16.....

A extinção do procedimento criminal não prejudica o conhecimento do recurso interposto pela assistente em matéria cível, e este abrange a matéria de facto relativa a um dos dois crimes prescritos - aquele que teve como visada a pessoa da assistente -, bem como as consequências cíveis da conduta em causa. Consequentemente, continua também a justificar-se o conhecimento do recurso intercalar.

Tratando-se de recurso(s) interposto(s) apenas pela assistente, a sindicância do acórdão circunscreve-se à matéria de facto e de direito (do acórdão)  que directamente lhe respeita.

A segunda nota refere-se à impugnação da matéria de facto, feita no recurso principal.

Tratando-se de um primeiro grau de recurso, a impugnação pode ser exercida pela via ampla ou alargada, caso seja esta, como o foi, a opção do(a) recorrente. E a tal não obsta a literalidade do art. 434.º do CPP, pensado para os casos regra em que já existiu a possibilidade de se ver discutida a matéria de facto num grau precedente de recurso. Assim é, sob pena de compressão injustificada do direito ao recurso, constitucionalmente tutelado (para o arguido – art. 32.º, n.º, da CRP).

No entanto, à semelhança do que sempre sucede, no conhecimento da impugnação da matéria de facto não cabe proceder a uma (re)apreciação das provas produzidas no julgamento, como se de um novo julgamento e de um novo acórdão de primeira instância se tratasse.

Do modelo do recurso-remédio consagrado no Código de Processo Penal resulta que os recursos são sempre e só remédios jurídicos, que visam detectar e corrigir erros de julgamento e de decisão; não são a renovação de fases processuais anteriores, mormente a repetição da audiência de julgamento.

Assim, não cumpre proceder a uma reavaliação de provas como se o Pleno que decide o recurso se devesse substituir ao colectivo de Conselheiros do julgamento. Do mesmo modo, não cumpre também proceder a eventuais aperfeiçoamentos do acórdão recorrido, mesmo que estes se justificassem num outro modelo de recurso, já que o recurso não serve igualmente o aprimoramento e a melhoria da decisão recorrida.

Em suma, e em concreto, proceder-se-á à sindicância da absolvição, centrando a observação do acórdão na detecção de erros de julgamento. A decisão judicial visa a resolução do caso, a sua fundamentação é a que serve e justifica suficientemente a solução adoptada, de acordo com as que à partida se perspectivavam (e deviam perspectivar), e o recurso procede à análise da decisão sindicando-a apenas ao nível da detecção do erro de julgamento.

A terceira nota é a de que, no exercício dos seus poderes de cognição nos moldes expostos e procedendo à análise do acórdão recorrido, tendo por referência todos os pontos da impugnação efectuada em recurso, o Pleno das Secções Criminais do Supremo constata que a decisão de absolvição do arguido se apresenta como concretamente acertada. O que se consigna para os efeitos previstos no art. 425.º, n.º 5, do CPP, norma que permite a decisão do recurso por simples remessa para os fundamentos da absolvição.

A constatação da correcção da decisão absolutória, dispensaria o Supremo de uma nova e ulterior fundamentação da sua decisão, podendo legalmente bastar-se com a remessa para os fundamentos do acórdão recorrido. No entanto, apesar da suficiência formal da remessa para os fundamentos da absolvição (art. 425.º, n.º 5, do CPP), não deixa de se proceder ao alinhamento das razões nucleares que ditam o insucesso do(s) recurso(s), tanto mais que a absolvição dos arguidos é de confirmar, mas não exactamente pelos mesmos fundamentos do acórdão.


2.a. Do recurso intercalar: da violação dos princípios do contraditório e da investigação

Este recurso incide sobre o despacho  proferido no decurso do julgamento (transcrito no ponto 1.3.), em que o tribunal colectivo indeferiu a prestação de declarações complementares da assistente.

A assistente argumenta que requereu a sua reaudição na sequência da admissão pelo Tribunal da inquirição de duas testemunhas indicadas pelo arguido já depois de iniciada a audiência de julgamento e de produzida a restante prova; que o requerimento do arguido e o despacho que admitiu a inquirição se baseou na circunstância de tais pessoas terem ouvido da boca da assistente a expressão “estou grávida, estou grávida, mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD porque ele não é o pai”; que as suas declarações complementares visavam fazer a contraprova deste facto e destes novos depoimentos; que o seu requerimento foi tempestivo e a prova era pertinente.

Conclui que o despacho em crise, ao não lhe ter permitido prestar novas declarações para contraprova dos depoimentos das testemunhas aditadas, violou o disposto nos arts. 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 5, da CRP, e no art. 340.º, nºs 1, 3 e 4, do CPP, “limitando, de forma arbitrária, desproporcionada e discriminatória, o exercício de direitos processuais relativos à produção da prova, com prejuízo para a descoberta da verdade e boa decisão da causa”.

No contraditório do recurso, o arguido contrapôs que o Tribunal desatendeu o pedido por se considerar suficientemente esclarecido pela prova já produzida; que decidiu bem porque a assistente já se pronunciara sobre tais factos no relato da sua versão do episódio em causa, nada havendo de novo a inquirir à assistente, a qual já declarara que não produzira tal afirmação; que cabe ao Tribunal avaliar da necessidade da prestação de declarações complementares quando requeridas ao abrigo do art. 340.º, n.º 1, do CPP, e tal diligência não era essencial ao esclarecimento da verdade.

Ao convocar os arts. 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 5, da CRP, a assistente situa a apodada ilegalidade ao nível da violação do princípio do contraditório e do processo equitativo. Mas o problema, a existir, colocar-se-ia ainda ao nível da violação do princípio da investigação, que seria aquele que mais directamente poderia até ser posto em causa, caso ocorresse (tivesse ocorrido) preterição de diligência essencial à descoberta da verdade. No entanto, nenhuma afronta aos mencionados princípios ocorre aqui.

Desde logo, do princípio do contraditório (art. 327.º do CPP), que tem tutela constitucional expressa para o julgamento (art. 32.º, n.º 5 CRP), resulta que os meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao escrutínio e discussão, abrangendo a contraditoriedade a produção e a valoração de todas as provas. Acusação e defesa podem oferecer as suas provas, controlar as provas contra si oferecidas e discutir o valor e o resultado de todas elas. As provas que hão-de ser objecto de apreciação têm, assim, de ser discutidas no contraditório da audiência de julgamento, e só estas valem para a decisão (art. 355.º do CPP). 

O direito, reconhecido desde logo ao acusado, de “interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação” integra também o direito a um processo equitativo, previsto no art. 6.º (n.º 3/d)) da CEDH.

Na expressão esclarecedora de Damião da Cunha, trata-se da salvaguarda da observância de um contraditório pela prova e não apenas de um contraditório sobre a prova. “Ponto decisivo num processo de estrutura acusatória é que na audiência de julgamento se concretize um contraditório pela prova” (Damião da Cunha, O regime processual de leitura de declarações, RPCC, ano 7, 3,º p. 412).

No caso presente, a assistente ofereceu as provas que quis, no momento processual próprio, as quais foram produzidas em julgamento e aí amplamente debatidas; interveio irrestritamente na discussão das provas indicadas pelos demais sujeitos processuais; foi exaustivamente ouvida em declarações sobre toda a matéria objecto de decisão, incluindo sobre o facto controvertido em causa, no mais amplo contraditório do julgamento. E aquando da audição das duas testemunhas aditadas, o contraditório continuou a ser assegurado através do seu mandatário, que pôde questionar e contra-instar, e por último pronunciar-se, em alegações finais, sobre a valia de tais depoimentos.

O respeito pelo contraditório não obriga à abertura de frentes sucessivas, e, no presente caso, aceita-se que o princípio se mostra assegurado.  

Também não resulta violado o princípio da investigação.

Sabendo-se que recai sobre o julgador o encargo de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento, não sendo a actividade investigatória do tribunal sequer limitada pela contribuição das partes (art. 340.º do CPP, segundo o qual “o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”), a cognoscibilidade pelo Pleno das Secções Criminais do Supremo sobre a (i)legalidade do despacho exarado na acta, que negou à assistente a possibilidade de ser de novo ouvida, seria sempre possível. Ou seja, sê-lo-ia independentemente até de esta ter reagido em tempo à referida decisão, pois do que se trataria seria sempre de ajuizar sobre a eventual violação do princípio da investigação e sobre a exaustão das provas.

 A violação do princípio da investigação é uma ilegalidade que pode ser arguida no recurso do acórdão, mas também oficiosamente conhecida, tanto mais que só após leitura da decisão final é realmente detectável o cometimento de uma violação ao princípio. Será o concreto sentido da decisão final e a sua justificação com base nas provas que poderá revelar que o tribunal julgou bem ou, pelo contrário, que decidiu sem curar de obter e/ou valorar provas necessárias e possíveis, aceitando ficar na dúvida e absolver, sem antes ter esgotado todos os meios de prova conhecidos e viáveis.

Olhando então o acórdão, constata-se que se especificou como facto provado que “o Arguido ficou convencido que a utilização da expressão "aquele gajo", na carta anónima, o visava apoucar, o que o levou a revelar à sua advogada a factualidade inscrita na nota de rodapé, por estar convencido da sua veracidade e considerar poder ser relevante para caracterizar uma das pessoas suspeitas da autoria da carta anónima.”

Para a demonstração probatória desse convencimento do arguido terá contribuído o depoimento das duas testemunhas aditadas. Mas relevou na parte em que tais testemunhas declararam, em julgamento, terem comunicado algo ao arguido (algo que dizem ter ouvido, é certo, da assistente). E o que importaria sobretudo apurar é se disseram ou não esse algo ao arguido, não se o ouviram da assistente.

Ou seja, no presente contexto, em que, repete-se, a assistente havia sido exaustivamente ouvida em julgamento sobre os factos probandos, não se apresenta como diligência imprescindível à descoberta da verdade uma sua reaudição. Reaudição sobre um tema de prova relativamente ao qual, por um lado, já fora ouvida (sobre a prolação por si da dita expressão verbal), e, pelo outro, pouco relevaria no sentido de poder infirmar  a circunstância de as testemunhas terem ou não dito ao arguido o que referem ter-lhe comunicado. É assim de aceitar como correcto o tribunal ter-se considerado suficientemente esclarecido quanto ao punctum visado pela prova requerida e negada.

Em suma, da observação da prova em audiência, na vertente primeira da produção e depois da discussão e avaliação, no contexto geral do “julgamento de facto”, não resulta que a pretendida reaudição da assistente se revelasse concretamente imprescindível ou necessária à descoberta da verdade. A decisão tomada pelo colectivo de Conselheiros de julgamento é compreensível e mostra-se suficientemente justificada.

Mais se nota que, da observação do processo e do julgamento, resulta uma preocupação permanente com a prova e a descoberta da verdade. O simples cotejo da simplicidade dos episódios de vida em apreciação (a ausência de complexidade da matéria de facto objecto do processo) com a intensa actividade probatória desenvolvida ao longo de várias sessões de julgamento é revelador dessa elevada preocupação com a prova e a descoberta da verdade, por parte do tribunal de julgamento, sempre com a colaboração activa dos sujeitos processuais.

Preocupação com a prova e com a descoberta da verdade não implica desnecessárias aberturas de “frentes de contraditório”, como se disse, sendo que o princípio foi exercido no que respeita à prova em crise, mormente na vertente da representação da assistente pelo seu mandatário, nos termos explanados.

Pelo exposto, improcede o recurso intercalar.


2.b. Do recurso do acórdão

2.b.1.  Da nulidade do acórdão por deficiente fundamentação da matéria de facto

A recorrente começa por arguir a nulidade do acórdão por deficiente fundamentação da matéria de facto, considerando o acórdão nulo à luz dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.

Argumenta que não é feita qualquer apreciação crítica da prova, tal como exigido no art. 374.º, n.º 2, do CPP; que sob o título “Motivação da Decisão de Facto” apenas se encontra “um escurso teorético sobre o direito probatório e uma enumeração dos vários meios de prova acompanhada de fórmulas lacónicas e tabelares que não permitem perceber quais as razões, concretas e objectivas, que levaram o Tribunal a dar prevalência a uma ou outra dessas versões apresentadas nos autos”; que a motivação é completamente omissa no que respeita à matéria de facto não provada; que “a referência genérica ao princípio in dubio pro reo, desacompanhada da indicação das concretas e objectivas razões pelas quais os Colendos Julgadores chegaram a um estado de dúvida razoável quanto aos factos vertidos nas decisões de pronúncia, nas acusações particulares e nos pedidos de indemnização civil é insuficiente para que se considere cumprido o dever de fundamentação”.

Na resposta, o Ministério Público sufraga idêntica posição, asseverando que “a decisão recorrida enuncia os meios de prova considerados, mas não procede a uma avaliação crítica dos mesmos, limitando-se a uma muito sintética expressão do seu conteúdo, mormente os de natureza pessoal, ficando por descortinar as razões pelas quais foram dados como provados, e não provados, factos da mais capital importância”; que se impunha “uma clareza sem mácula na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, que a decisão recorrida não comporta, o que a afecta, de forma irremediável, na sua validade extrínseca e intrínseca, determinando a sua nulidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.”

O arguido contrapõe que “o acórdão recorrido foi cuidadoso na síntese que fez das declarações prestadas pelos Arguidos e pelos Assistentes, pelas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento e por aquelas que depuseram por escrito, enunciando ainda os documentos que foram relevantes para a formação da convicção do Tribunal; que não é verdade que não tenha fundamentado devidamente as conclusões a que chegou.”

Na redacção do art. 374.°, n.º 2, do CPP, a motivação dos factos da sentença ou acórdão consiste numa exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Há pelo menos seis décadas que os autores insistem na importância da fundamentação dos juízos probatórios. Já na vigência do Código de Processo Penal de 1929 se chamava a atenção para a necessidade da livre apreciação das provas se ligar a uma explicação dos juízos probatórios, desiderato que o Código de 1987 veio expressamente consagrar.

A livre apreciação conecta-se com o exame crítico da prova, sendo “liberdade de valoração das provas” e “motivação da matéria de facto” como que o verso e reverso de um mesmo desempenho. É incontroverso que ao motivar o tribunal tem de dar a conhecer “as razões – necessariamente racionais e objectivas – da decisão (…) O tribunal dará cumprimento à norma, tendo em conta o art. 205.º da CRP, ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência e ao expor as razões de forma objectiva e precisa porque é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e porque é que outras não serviram (…) Ela destina-se a justificar, de forma racional e objectiva, a convicção formada” (Sérgio Poças, Sentença Penal – Fundamentação de Facto, Rev. Julgar, n.º 3).

“Motivar, na sua aproximação mais óbvia, é justificar a decisão adoptada para que possa ser controlada do exterior” (Perfecto Andrés Ibañez, Sobre a Formação Racional da Convicção Judicial, Julgar nº 13, p. 167).  A viabilidade do controlo pressupõe a objectivação clara e completa da convicção formada pelo tribunal. A convicção respeita a toda a matéria de facto relevante para a decisão, o que inclui factos provados e não provados. Todos eles têm de se encontrar racionalmente justificados na sentença, com base nas provas.

O Tribunal Constitucional tem insistido em que “esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis)” (Acórdão TC n.º 198/2004).

E é de há muito pacífico, na jurisprudência e na doutrina,  que a mera indicação ou enumeração de provas não serve as exigências de explicitação do processo de formação da convicção do tribunal.

A explicação da comprovação dos factos implica apreciação das diferentes versões apresentadas, explicação do seu crédito ou descrédito, sendo no cruzamento necessário de toda a informação probatória, procedente das diversas fontes, que se vão retirar os enunciados fácticos que constituirão a matéria de facto. Examinar as provas é examinar todas as provas e tudo tem de resultar inequivocamente da sentença/acórdão.

Olhando o exame crítico das provas do acórdão constata-se que nele se procedeu ao enunciado de todas as provas examinadas em julgamento, das provas pessoais e das provas reais. No referente às provas pessoais, constata-se também que se indicou a matéria e o sentido de cada um e de todos os depoimentos, o que permite iluminar de algum modo o percurso da formação da convicção; e se melhor não se precisou, depois, a concreta valia de cada um desses depoimentos, na desejável conjugação dos seus plúrimos sentidos, divergências e convergências,  não pode no entanto dizer-se que o exame crítico se bastou com o mero enunciado ou a simples enumeração das provas.

Acresce que a apreciação da nulidade do acórdão por deficiências de fundamentação se processa sempre em concreto, no contexto do recurso em que tal nulidade é suscitada. Pois os recursos não servem o aprimoramento de decisões menos perfeitas, servem sim a reparação de erros de julgamento. E se, mau grado eventuais défices de fundamentação da matéria de facto, a sentença/acórdão ainda se revela compreensível de modo a viabilizar totalmente a sindicância da matéria de facto no contexto do recurso interposto e da impugnação concretamente efectuada, permitindo a prolação de correcta decisão pelo tribunal a quo, não tem de haver lugar à declaração da nulidade.

Do regime geral das nulidades (art. 122.º do CPP - Efeitos da declaração de nulidade) resulta que a declaração de nulidade visa invalidar o acto nulo praticado, sendo repetido aquilo que for necessário repetir e devendo ser aproveitado tudo o que puder ser salvo do efeito daquela.

Em recurso, a decisão sobre a correcção duma sentença ou acórdão, os resultados da sindicância do exame crítico da prova  no respeitante a eventuais nulidades por falta de fundamentação da matéria de facto (art. 379.º, n.º 1, al. a) do CPP), não é proferida em abstracto. Não interessa a análise nessa perspectiva abstracta, de avaliação da decisão no sentido da sua maior ou menor perfeição, pois o recurso não visa, e não serve, o aprimoramento de decisões. O recurso mantém o arquétipo de recurso-remédio em todo o processo de decisão.

Assim, do que se trata agora é de perscrutar o acórdão recorrido no sentido da detecção de eventuais erros de julgamento (no caso, erros de facto) com vista à sua reparação. Detecção e reparação do erro, se e quando cometido.

Tendo a assistente optado também pelo recurso efectivo da matéria de facto, estando em causa a impugnação da matéria de facto pela via ampla ou alargada (art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP), o Pleno dispõe do acesso às provas examinadas em julgamento: provas especificadas pela recorrente, provas especificadas no contraditório do recurso, e ainda acesso irrestrito as demais provas produzidas (art. 412.º, n.º 6, do CPP).

E o recurso amplo ou alargado apresenta a virtualidade de permitir preservar a sentença/acórdão mesmo nos casos em que o tribunal de julgamento não soube exprimir-se devidamente. Ou seja, permite preservar a decisão tanto nas situações em que o tribunal de julgamento julgou bem (de facto) mas fundamentou deficientemente a convicção (de facto), completando-se então essa fundamentação, como nos casos em que não julgou bem (de facto), procedendo-se então à alteração/correcção da matéria de facto da sentença ou acórdão.

Em suma, permite preservar o acórdão recorrido sempre que o tribunal de recurso disponha dos elementos necessários para a decisão, ficando a declaração de nulidade por deficiências de fundamentação reservada aos casos em que não é concretamente viável a supressão da nulidade,  directamente pelo próprio tribunal de recurso. Apenas nestes casos o processo retornará ao tribunal de julgamento para que seja ali reformulado o acórdão e suprida a nulidade cometida e, aí sim, declarada.

Dito de outro modo, não interessa conhecer da nulidade como se de um exercício académico se tratasse, quando o tribunal que julga o recurso da matéria de facto, porque em contacto com as provas, pode superar as deficiências de fundamentação, confirmando a boa decisão (de fundo) apesar de eventuais deficiências (de forma). Ou procedendo à correcção da matéria de facto, quando for caso disso. Esta oportunidade esvazia as valências da nulidade de sentença decorrente de um menos perfeito exame crítico da prova (arts 379.º, n.º 1-a) e 379.º, n.º 2 do CPP).

Como se notou no acórdão do STJ de 13.01.2011 (Rel. Manuel Braz), “a partir da revisão de 1998 do CPP, a consagração plena de um duplo grau efectivo de jurisdição em matéria de facto torna muito menos valiosas as razões que levaram o legislador a instituir um sistema de motivação da decisão proferida sobre matéria de facto de modo a possibilitar o seu efectivo controlo. Estando ao alcance dos recorrentes o recurso amplo em matéria de facto, o que verdadeiramente relevará é verificar se ocorreu ou não um erro de julgamento da matéria de facto e já não tanto a apreciação da correcção formal da explicitação da convicção adquirida pelo tribunal” (itálico nosso).

Da leitura do acórdão recorrido, no confronto da impugnação da matéria de facto feita pela assistente e do contributo do contraditório (respostas dos arguidos), conclui-se que o Pleno dispõe de todos os elementos necessários à decisão do recurso da matéria de facto, como se verá, não havendo qualquer nulidade de acórdão por deficiências de fundamentação a declarar.


2.b.2. Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia sobre factos articulados na acusação particular, na pronúncia, na contestação e no pedido cível

Na visão da recorrente, o acórdão enfermaria de omissão de pronúncia por não integrar, nem nos factos provados nem nos não provados, determinada factualidade, alegadamente relevante para a decisão. O acórdão não se teria pronunciado “quanto à matéria de facto alegada nos pontos 82.º, 83.º e 88.º do Pedido de Indemnização Civil, nos pontos 23.º e 23.º (repetido) da Acusação Particular, no ponto 57.º da Contestação do Arguido e no ponto 11.º da Pronúncia, sendo, por isso, nulo nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, al. a), e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal”.

O arguido contrapôs na resposta que “a assistente revela uma versão burocrática do exercício da justiça, já que os pontos indicados são derivações de outros que foram devidamente apreciados”, que a recorrente “nem refere qual a pertinência de uma apreciação autónoma desses factos, o que, desde logo, compromete o sucesso do recurso quanto a esse item”, que o acórdão recorrido se pronuncia detalhadamente sobre os factos pertinentes da pronúncia, da acusação particular, do PIC e da contestação, quer em relação ao proc. n.º 38/17.9YGLSB (que agrupou em cinco núcleos sob as letras A a E), quer em relação ao proc. n.º 27/16.... (que agrupou em sete núcleos, sob as letras A a G)”. Conclui que o  acórdão foi exaustivo e claro na apreciação dos itens pertinentes para o objecto do processo.

Assiste razão ao arguido na argumentação que, neste ponto, adversou. Na verdade, todos os factos relevantes para a decisão, de acordo com as soluções de direito que em julgamento se perspectivaram, encontram-se na matéria de facto do acórdão. Estão ali, não exactamente descritos como inicialmente nas peças processuais de onde provieram, não exactamente pela mesma ordem, mas todo o episódio de vida (os episódios de vida) descritos na(s) acusação(ões)) integra os factos provados e os não provados do acórdão.

Os enunciados fácticos agora discriminados pela recorrente podem não se encontrar descritos qua tale no acórdão, mas daí não resulta que, em concreto, a decisão recorrida esteja ferida de nulidade por omissão de pronúncia.

Desde logo, a recorrente incorre no erro de considerar que, na redacção da “sentença de facto”,  o juiz de julgamento está amarrado à redacção dos factos da acusação, da contestação ou do pedido cível; e que tem de se pronunciar sobre todos eles, mesmo que não relevem para a decisão de direito, como se “facto articulado” fosse sinónimo de “facto relevante para a decisão de direito”.

Há uma fronteira dentro da qual os poderes de cognição do juiz de julgamento se podem sempre movimentar, definindo até que ponto o julgador pode alterar a redacção da acusação (e demais articulados processuais), em cumprimento do princípio da investigação e em obediência a uma verdade material que cumpre procurar alcançar, sem contender com o princípio da vinculação temática, por um lado, e sem incorrer em excesso ou em omissão de pronúncia, pelo outro.

A situação apresentada no recurso não configura uma “nulidade por omissão de pronúncia”. Do recurso (da motivação e das conclusões) nada resulta que permita identificar essa apodada omissão.

Como se refere no Código de Processo Penal Comentado pelos Senhores Juízes Conselheiros do STJ, a omissão de pronúncia ocorre “quando o tribunal viola os seus poderes de cognição”.

“A nulidade por omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – art. 608.º., n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP. Evidentemente que há que excepcionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras, como estabelece o citado n.º 2, do art. 608.º do CPP.

“A falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide pois sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe a tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou o problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão.” (António Henriques Gaspar e Outros, Almedina, 2021, p. 1157, itálico nosso).

Fazendo a transposição para a problemática da “matéria de facto”, a detecção duma omissão de pronúncia pressuporia uma ausência de factualidade que, tendo integrado o objecto do processo, tendo sido matéria de discussão em julgamento e devendo ser objecto de conhecimento, estivesse fora do “acórdão de facto” e impedisse por isso uma correcta decisão de direito. O que, a suceder, poderia configurar então um vício do art. 410.º, n.º 2, do CPP, concretamente, o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Sucede que nenhuma das apodadas omissões obedece a este duplo enquadramento (estar fora do “acórdão de facto” e por isso impedir a correcta decisão de direito),  acrescendo que se está no âmbito de um recurso interposto pela assistente, em que não cumpre conhecer de eventuais omissões de factos que lhe não digam respeito.

Senão, reveja-se a argumentação da recorrente, desenvolvida na motivação, e da qual se retira sem esforço a ausência de omissão de pronúncia, no único sentido que releva aqui.

Sustenta a recorrente:

“Ora, no caso do douto acórdão em crise, constata-se, desde logo, que o Colendo Tribunal a quo nada disse quanto aos factos alegados pelos Assistentes nos artigos 82.º e 83.º do Pedido de Indemnização Civil formulado no Processo Comum n.º 27/16...., a saber:

“82.º Em resultado dos factos acima referidos, os Assistentes sentiram-se humilhados, vexados, vilipendiados.

83.º Pois que tiveram de assistir, sem nada poder fazer para impedi-lo, à formulação perante terceiros de comentários falsos, maldosos e vexatórios sobre a sua vida íntima”.

Dos fundamentos de facto do douto acórdão nada consta sobre tal factualidade, que não foi considerada provada nem não provada.

Apenas se referindo, no ponto 16 dos “Factos Não Provados” relativos ao Proc. n.º 27/16.... “Que em resultado da conduta do Arguido e da Arguida a Assistente – nada se diz quanto ao Assistente DD – sentiu desgosto, humilhação, revolta e nervosismo” (contudo, o ponto 88º do PIC diz respeito a ambos os demandantes civis).

No recurso interposto (apenas) pela assistente, não cumpre conhecer de eventuais omissões de factos que respeitam a outros sujeitos processuais, como se disse. No mais, o acórdão tratou factualmente a matéria referente às consequências sofridas pela recorrente, embora numa redacção que não tinha de ser a dos articulados, como se disse também.

Prossegue a recorrente:

“E também nada se diz sobre o que se alegou nos artigos 23.º e o 23.º (repetido) da Acusação Particular deduzida no Processo Comum n.º 27/16...., a saber:

“23.º No período em que viveu em união de facto com o Assistente DD, a Assistente não manteve relacionamento sexual com qualquer outro homem (…).

23.º Por isso, também não entrou – “eufórica” ou sem ser “eufórica” – no Tribunal ... dizendo “estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD porque ele não é o pai!!!...”.

A este respeito, o Colendo Tribunal a quo limitou-se a consignar, no ponto 12 dos Factos Provados a respeito dessa Acusação Particular que, “No período em que viveu em união de facto com o Assistente, DD, a Assistente não engravidou”.

Não dizendo se considerou provado ou não provado o mais que se alegou – que, no período a que se reporta esse ponto 12, a Assistente “não manteve relacionamento sexual com qualquer outro homem” e que “Por isso, também não entrou – «eufórica» ou sem ser «eufórica» – no Tribunal ... dizendo «estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD porque ele não é o pai!!!...»”.

Como se disse no ponto 2.a, aquando do conhecimento do recurso intercalar, decisivo (para a decisão de direito) não era apurar se a assistente proferira realmente a expressão em causa, mas sim se tal fora transmitido ao arguido. Se fora dito ao arguido que o fizera, e se o arguido disso se convenceu. O que esvazia de sentido a asserção de que “Lida e relida a fundamentação de facto do douto acórdão, fica-se, pois, sem saber se, afinal, os Colendos Julgadores ficaram convencidos de que a Assistente proferiu ou não a expressão que os Arguidos verteram na nota de rodapé que é objecto do Proc. N.º 27/16.....”

Também o facto negativo “No período em que viveu em união de facto com o Assistente DD, a Assistente não manteve relacionamento sexual com qualquer outro homem (…)” não se mostra necessário à decisão de direito, estando a matéria de facto relevante, neste pondo, suficientemente tratada no enunciado “No período em que viveu em união de facto com o Assistente, DD, a Assistente não engravidou”, como se considerou no acórdão.

Por último, inexiste igualmente omissão de tratamento de factualidade relevante no referente ao vocábulo “gajo”, omissão que, segundo a recorrente, resultaria de na matéria de facto do acórdão não constar “se tal vocábulo significa, ou não, “pessoa de fraca reputação, pessoa velhaca, astuta, finória”, quando ali considerou no acórdão como não provado, “Que a palavra «gajo» seja uma designação pejorativa”.

  As demais considerações que se possam fazer sobre a significância e valia concreta do vocábulo em causa extravasam a noção de facto dependente de prova, que se atém aqui aos factos dados já como demonstrados (os factos relativos à utilização contextualizada do termo em causa). No mais, trata-se de matéria não dependente de prova, cujo tratamento encontra lugar próprio na decisão em matéria de direito.

Em suma, não se detectam omissões na matéria de facto do acórdão de factualidade relevante para a decisão, não enfermando a decisão da nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.

2.b.3 Do vício do erro notório na apreciação da prova

A recorrente invoca o vício do art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, afirmando que o acórdão padece de erro notório na apreciação da prova “quando, no ponto 1 dos factos não provados, deu como não provado que a palavra «gajo» seja uma designação pejorativa, matéria que se impunha ter sido dada como provada”. E também “ao dar como não provada a matéria constante dos pontos 2, 3, 4, 5, 8 e 11 dos “Factos Não Provados” relativos ao Processo n.º 27/16....”.

Estes pontos de facto são os seguintes:

“2.  Que com a nota de rodapé, referida no ponto 4 dos Factos provados, o Arguido e a Arguida tenham pretendido afirmar que a Assistente CC, durante o período de tempo em que viveu em união de facto com o Assistente DD, teria mantido um relacionamento sexual com outro homem que não o Assistente, do qual haveria engravidado.

3.    Que com a nota de rodapé, referida no ponto 4 dos Factos provados, o Arguido e a Arguida tenham pretendido identificar o Assistente DD como sendo um dos ex-companheiros e, por isso, um "gajo".

4.    Que a nota de rodapé referida no ponto 4 dos Factos Provados, insinue que a Assistente tenha tido uma conduta desonesta, leviana e de mau porte.

5.     E que achincalhe o Assistente, DD.

6.    Que o Arguido e a Arguida sabiam que a asserção referida no ponto 7 dos Factos Provados era ofensiva da honra e consideração da Assistente, tendo agido com o propósito de a vexar.

7.   Que o Arguido e a Arguida agiram em comunhão de esforços e de intentos e de acordo com plano previamente delineado, idealizando e redigindo o texto que ambos assinaram.

8.    Que o Arguido e a Arguida tenham insinuado que a Assistente, CC, fazia alarde público da sua infidelidade para com o Assistente, para lhe imputar uma conduta leviana e desavergonhada.

9.     Que a expressão “gajo”, no jargão de ..., seja por vezes utilizada como sinónimo de corno.

10.    Que com a imputação à Assistente da autoria da carta anónima ao CSM, o Arguido e a Arguida tenham querido insinuar que a Assistente é pessoa cobarde, que faz denúncias falsas a coberto do anonimato.

11.    Que o Arguido e a Arguida soubessem que o teor da nota de rodapé referida no ponto 4 dos Factos provados era falso, ofensivo da honra e consideração dos Assistentes e atentatórias da intimidade da vida privada destes.”

Na resposta, o arguido contrapõe que “a Recorrente entende que há erro notório na apreciação da prova em relação aos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 8 e 11 dos factos não provados, o que estriba nas declarações prestadas pelos Arguidos, em vários excertos que transcreve; ora, a apreciação desse erro notório teria de ter resultado do texto da própria decisão, conjugado com as regras da experiência comum, o que manifestamente dela não decorre, tanto mais que a Recorrente se viu na necessidade de convocar os excertos transcritos.”

Como resulta da literalidade da norma e como tem vindo a ser pacificamente entendido desde sempre, os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP são os que se detectam no próprio texto da decisão, “por si só ou conjugado com as regras da experiência comum”.

Assim, em caso de vício, o leitor retira da análise do texto, sem recurso a outros elementos do processo, a detecção de qualquer uma das três anomalias previstas na norma: a insuficiência da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, e o erro notório na apreciação da prova.

O erro notório na apreciação da prova consiste em considerar-se provado algo notoriamente errado, que não poderia ter acontecido, algo de ilógico, arbitrário ou notoriamente violador de regras da experiência comum. “Há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 74).

Se os enunciados descritos no acórdão como “factos provados” ou como “factos não provados” decorrem da motivação da matéria de facto da mesma decisão, se esta descreve um processo de formação de convicção que não revela erros de raciocínio evidentes, se a livre convicção se mostra explicada no acórdão segundo regras de lógica, de ciência e de experiência corrente, e ainda em obediência aos princípios processuais e regras legais de prova, não é possível vislumbrar (e declarar) tal erro, no acórdão. Nestes casos, restará ao tribunal ad quem decidir que o acórdão não enferma de vício de texto e confirmar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo. É o que sucede no presente caso, na parte referente aos pontos impugnados.

Assim, no que respeita ao ponto 1 dos factos não provados (“que a palavra «gajo» seja uma designação pejorativa, matéria que se impunha ter sido dada como provada”), vale o que se disse no ponto antecedente: as considerações que se possam fazer sobre a significância e valia concreta do vocábulo em causa extravasam a noção de “facto dependente de prova”, que se atém aqui aos factos dados já como demonstrados, ou seja, os respeitantes à utilização do termo em causa, ao contexto e circunstâncias em que foi aludido.

No que respeita aos demais pontos de facto em crise, na sindicância do “acórdão de facto” (constituído pelos factos provados, pelos factos não provados e pelo exame crítico das provas) e procedendo à análise do seu texto constata-se que, para a decisão de não provado dos pontos de facto em crise, foi relevante a versão “de negação” do arguido e o depoimento corroborante de três testemunhas. Depoimentos corroborantes da versão do arguido no que respeita ao ponto de facto decisivo aqui, como melhor se explanará em 2.b.5.. Decisivo para a decisão de direito que não se podia, em concreto, deixar de perspectivar.

É certo que o conhecimento, em recurso, da questão relativa ao “erro de facto” precede, por regra, o conhecimento da questão relativa ao “erro de direito”, pois a detecção do erro de direito pressupõe a estabilização prévia da matéria de facto a tratar juridicamente. E na decisão do recurso cuida-se também da questão de facto com precedência à questão de direito, à semelhança do que sucede com a elaboração da sentença/acórdão.

No entanto, a concreta questão de facto em análise não dispensa a pré-compreensão do direito a aplicar, e a precedência-regra no tratamento da questão de facto sobre a questão de direito não implica um tratamento dissociado das duas questões. As questões de facto e as questões de direito estão sempre impressivamente entrecruzadas num “insolúvel círculo lógico” (na expressão de Castanheira Neves).

Na verdade, os enunciados fácticos referentes aos elementos objectivo e  subjectivo da difamação, mormente no que respeita à descrição factual do tipo subjectivo do crime e dos elementos que nele relevam, foram formulados e estão apreciados na decorrência de uma determinada interpretação de sentido dada aos factos do tipo objectivo comprovadamente praticados pelos arguidos. Determinada interpretação de sentido dada aos factos do tipo objectivo, comprovadamente praticados pelos arguidos no contexto da globalidade do episódio de vida em que se inserem e no âmbito do qual têm de ser valorados. E tendo sempre em conta as especificidades que o concreto tipo de crime, objectivo e subjectivo, assume.

No referente ao dolo, este nunca se presume. E há que ter presente que num processo penal em que inexiste repartição de ónus de prova e em que a dúvida razoável beneficia sempre o acusado, as explicações dadas pelos arguidos (particularmente pelo arguido), e corroboradas por três depoimentos de testemunhas, foram determinantes para a não demonstração dos factos não provados em crise, que descrevem um episódio de vida oposto (nessa parte) ao inicialmente imputado.

Trata-se, neste momento, de sindicar o acórdão ao nível da detecção do (eventual) erro de julgamento, como se disse. Não de o aprimorar ou melhorar. Assim, decisivo aqui para o acerto da absolvição é logo a constatação da  demonstração, suficientemente justificada no exame crítico, dos factos que permitem depois concluir (juridicamente) que o arguido actuou pelo menos em erro (sobre as circunstâncias do facto, como se desenvolverá em 2.b.5.). Em erro, na hipótese de a expressão constante da nota de rodapé nunca ter sido proferida pela assistente.

Ou seja, independentemente de a assistente ter ou não proferido a expressão constante da nota de rodapé (essa prova não se fez e esse facto acaba por se revelar indiferente à decisão de direito), o certo é que o arguido disso se convenceu. Assim o declarou o próprio em julgamento, como se consegue retirar do acórdão, e assim o confirmaram três testemunhas, como se consegue retirar do acórdão também.

No exame crítico da prova, relativamente ao depoimento de três testemunhas, pode ler-se: “JJ, Advogado e II, Procurador da República jubilado, que se referiram às circunstâncias do modo como tinham obtido conhecimento do facto indicado na parte final do ponto 4 dos Factos Provados no processo nº 27/16....”. “KK, Juíza Desembargadora, que se reportou  (…) à veracidade da declaração referida na nota de rodapé a que alude o ponto 24 dos Factos Provados no processo n. º 27/16.....”

Em suma, consegue descortinar-se no “acórdão de facto” a justificação probatória da resposta de “não provado” dada aos factos em causa.   Tanto mais que, na coerência da matéria de facto descrita e de todo o episódio de vida em apreciação, constata-se que se considerara provado que, com a referida declaração constante da nota de rodapé “o arguido e a arguida pretendiam afirmar que a assistente CC tinha dado conhecimento público desse facto”, que “pretendiam afirmar também que o termo "gajo" seria adequado para identificar os ex-maridos ou ex-companheiros da Assistente e que esta se relacionaria com gajos”, que “o arguido ficou revoltado com o uso da expressão “aquele gajo " contida na carta anónima, remetida ao Conselho Superior da Magistratura, a qual lhe imputava condutas criminosas, ligando-o ao tráfico de droga e de diamantes e à utilização da sua função de juiz para obter decisões a seu favor e dos seus amigos”, e que “o arguido ficou convencido que a utilização da expressão "aquele gajo ", na carta anónima, o visava apoucar, o que o levou a revelar à sua advogada a factualidade inscrita na nota de rodapé, por estar convencido da sua veracidade e considerar poder ser relevante para caracterizar uma das pessoas suspeita da autoria da carta anónima”.

De notar que o juiz decide sempre a matéria de facto de acordo com os princípios que norteiam a prova na vertente da apreciação – livre apreciação, in dubio pro reo, presunção de inocência – devendo ir ao limite do permitido pela segurança da (e na) prova, sempre com total respeito pelos referidos princípios.

O princípio da livre apreciação das provas encontra-se no art. 127.º CPP: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente”. De acordo com ele, o tribunal forma a sua convicção valorando os diferentes meios de prova sem obediência a critérios legais pré-fixados, mas de acordo com as regras da experiência. A convicção pessoal forma-se na prova livremente apreciada, de acordo com as regras da experiência, da lógica, da razão e dos conhecimentos científicos e técnicos necessários ao caso, sem subordinação a critérios legais pré-fixados.

Do in dubio pro reo e da presunção de inocência resulta a inexistência de repartição de ónus da prova em processo penal, sendo sempre ao acusador que cumpre provar a verdade prático-jurídica da imputação. O in dubio pro reo  traduz-se na valoração do non liquet em matéria de prova sempre no sentido favorável ao arguido. O princípio está contido no princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 32.º, n.º 2 da CRP, um dos direitos fundamentais do cidadão, também reconhecido internacionalmente (art. 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 6º, nº2 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos e Liberdades Fundamentais e art. 14º, nº2 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos). Protege as pessoas que são objecto de suspeita, garantindo que não serão julgadas culpadas enquanto não se demonstrarem os factos imputados, através de prova inequívoca. O encargo de destruir a presunção de inocência recai sobre o acusador, inexistindo um ónus do acusado sobre a prova da sua inocência. 

Assim, aos arguidos bastaria (e bastou) aqui demonstrar que a sua versão dos factos se apresentava como suficientemente credível, para assim fragilizarem o bastante a versão da acusação e fazerem com que o tribunal não pudesse deixar de considerar instalada uma dúvida razoável.

E não sendo assim detectável, em concreto, desconformidades ou incorrecções no processo de leitura e de avaliação das provas efectuado pelo tribunal de julgamento, mostrando-se as conclusões probatórias explicadas de acordo com uma apreciação livre mas ainda suficientemente justificada, a decisão tomada no acórdão subsiste em recurso como hipótese prevalecente.


2.b.4. Da impugnação da matéria de facto pela via ampla

A recorrente impugna agora a matéria de facto ao abrigo do disposto no art. 412.º, n.º 3 do CPP, procedendo para tanto à individualização dos pontos de facto refutados e à individualização das passagens em que funda a impugnação, pelo que são de considerar cumpridas as exigências formais de impugnação da matéria de facto pela via ampla ou alargada.

Afirma a assistente que o acórdão padece de erro de julgamento quanto ao ponto 27 dos factos provados, a respeito da decisão de Pronúncia proferida no Proc. n.º 38/17.9YIGLSB, no segmento em que se deu como provado que o “clima de conflitualidade envolveu a Dr.ª EE, cônjuge do Arguido, testemunha”, e quanto ao ponto 1 dos factos não provados, a respeito da decisão de Pronúncia proferida no Proc. n.º 38/17.9YIGLSB, “O comentário referido no ponto 11 da matéria de facto provada foi inserido no Grupo pelo Arguido AA”, que deveria ter sido dado como provado.

Argumenta que “se bem que inexista prova directa desse facto – já que o Arguido AA não o confessou e a testemunha EE disse, em audiência de julgamento, ter sido ela a sua autora –, dos autos resultam abundantes indícios graves, precisos e concordantes, que permitem, com apelo às regras da experiência comum, concluir, para lá de qualquer dúvida razoável, que o autor do comentário referido no ponto 11 dos “Factos Provados” foi o Arguido AA”.

Os variados indícios resultariam quer da matéria de facto provada, quer das próprias declarações do arguido, que revelam a sua relação efectiva com os meios que serviram de instrumento para a prática do crime. Sumariamente, era ele o membro do grupo “...” da rede social Facebook, aí sendo identificado com o nome de utilizador “FF”, só ele podia inscrever a frase em causa a partir do seu computador pessoal, sendo a versão de negação dos factos destituída de sentido e de corroboração por outras provas; por seu turno, as declarações da mulher do arguido, de admissão dos factos imputados a este, do modo como foram prestadas e no contexto geral da prova não mereceriam credibilidade.

Na resposta, o Ministério Público sufraga idêntica posição, asseverando que “a decisão recorrida enuncia os meios de prova considerados, mas não procede a uma avaliação crítica dos mesmos (…) ficando por descortinar as razões pelas quais foram dados como provados, e não provados, factos da mais capital importância”, e “de entre eles, avulta, porque respeitante à autoria da inserção no grupo de juízes denominado “...”, da rede social Facebook, do comentário com o seguinte teor: «Sendo embora uma juíza confessadamente mentirosa e desonesta em exercício de funções. Parabéns aos que aceitam o exercício de funções nessas circunstâncias. E depois admirem-se que o povo não confie na Justiça.», cfr. ponto 11 dos factos provados da pronúncia no processo n.º 38/17.9GLSB, já que foi dado como não provado que 1) o comentário referido no ponto 11 da matéria de facto provada foi inserido no Grupo pelo Arguido AA, e que 2) o comentário referido no ponto 11 da matéria de facto provada foi inserido no Grupo pela esposa do Arguido, EE.”

A este propósito, adita o Senhor Procurador-Geral Adjunto que “não se tendo colocado, em momento algum, a questão de ter sido terceira pessoa a inserir tal comentário no ..., não resulta possível entrever, no acórdão recorrido, como chegou o Tribunal a quo à conclusão de que não foi nem o arguido AA, nem a sua mulher, EE, o responsável pela inserção naquela rede social daquele comentário, que consubstancia afinal o crime de difamação porque se encontrava pronunciado o arguido no processo n.º 38/17.9YGLSB.”

E conclui: “Impunha-se uma clareza sem mácula na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, que a decisão recorrida não comporta, o que a afecta, de forma irremediável, na sua validade extrínseca e intrínseca, determinando a sua nulidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.”

Como se disse em 2.b.1., do que se trata é de perscrutar o acórdão no sentido da detecção de eventuais erros de julgamento (de facto) com vista à sua subsequente reparação. E estando em causa a impugnação da matéria de facto pela via ampla ou alargada (art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP), o Supremo dispõe de acesso irrestrito às provas examinadas em julgamento (art. 412.º, n.º 6, do CPP), o que, no presente caso, permite preservar o acórdão.

 Reiterando-se que o recurso efectivo da matéria de facto visa apenas a detecção de erros de facto, e não é, nem pode ser, um segundo julgamento, não há agora lugar a uma (re)apreciação de provas na medida em que o fez o tribunal de julgamento. Desde logo porque o objecto do recurso não coincide com o objecto da decisão do tribunal de julgamento – este decide sobre uma acusação, aquele decide sobre a (correcção da) sentença/acórdão (de facto) -, mas também porque não se encontra na mesma posição perante as provas.

É incontroverso que o tribunal de recurso não se encontra na posição do juiz de julgamento perante as provas: não dispõe de imediação total (embora tenha uma imediação parcial, relativamente a provas reais e à componente voz e sentido da prova pessoal) e, sobretudo, encontra-se impedido de interagir com a prova. Ou seja, está impossibilitado de questionar directamente e de conduzir, orientar e direccionar a produção da prova em determinado sentido. Nesta medida, o tribunal de recurso é sempre uma espécie de tribunal-espectador, por contraposição ao tribunal-actor, de julgamento.

Assim, de acordo com o modelo de recurso do Código de Processo Penal, só pode efectuar-se um controlo do julgamento, e não uma repetição. E é dentro do mandato assim definido, restrito à detecção do erro de facto nos moldes expostos, que se conhece das razões do recurso.

Como se adiantou, a sindicância do “acórdão de facto” (consistente nos factos provados, nos não provados e no exame crítico das provas), no confronto com as razões de discordância apresentadas pela recorrente, sustentadas nas concretas provas que suportam a sua argumentação, e também nas especificadas pelo arguido, não permite vislumbrar fundamento que justifique a alteração da matéria de facto nos termos peticionados. As provas não impõem uma decisão oposta à tomada, no sentido. E o “acórdão de facto” permanece compreensível e ainda justificado.

Independentemente da racionalidade e da lógica do discurso da recorrente, e das consequências probatórias que pretende ver retiradas dos vários indícios (das provas indirectas que enumera e que vai conjugando entre si), não pode aspirar a uma reapreciação de provas se essa reapreciação, do modo como é requerida, exorbita os poderes de cognição do tribunal a quo em matéria de facto. Ou seja, a argumentação da recorrente faz sentido e encontra sustentação nas provas que especifica, mas ela permite apenas, em recurso, evidenciar uma possibilidade de interpretação das provas. Mas não só o Pleno do Supremo não pode proceder à reapreciação das provas na medida em que o fez o tribunal de julgamento, como existe uma impressão causada no julgador pelo prestador da prova oral, que só a imediação possibilita ao nível mais elevado. Tem, por isso, de se aceitar que, no modelo de recurso do Código de Processo Penal, e em interpretação conforme à Constituição, existe sempre uma margem de insindicabilidade da decisão do juiz de julgamento sobre a matéria de facto.

Regressando à concreta matéria objecto de apreciação, e sem prejuízo da plausibilidade da argumentação desenvolvida pela recorrente quanto à possível leitura dos vários indícios, o certo é que as provas especificadas não permitem concluir, agora em recurso, que a versão do arguido não se possa ter apresentado ao tribunal de julgamento como uma hipótese suficientemente razoável e suficientemente prevalecente. Como uma hipótese plausível a ponto de o arguido dever ter beneficiado do princípio do in dubio pro reo, como sucedeu. O que sempre lhe bastaria, já que o acusado não tem de provar a inocência.

Como a recorrente reconhece, a prova neste particular foi essencialmente indirecta: o arguido negou os factos, a declarante sua mulher admitiu-os, e ninguém os presenciou. E a versão do arguido – a de que se ausentou por momentos, deixando o computador ligado e acessível à sua mulher, nas demais circunstâncias de tempo, modo e lugar relatadas por ambos – permanece em recurso como francamente possível. E é quanto basta para a confirmação da resposta de “não provado” dada em julgamento aos factos impugnados.

Do princípio do in dubio pro reo decorre que ao arguido basta fragilizar a um determinado nível a prova da acusação, já que, no enfoque probatório, acusação e defesa não se encontram em situação de igualdade. Inexiste repartição de ónus de prova em processo penal e é ao acusador que cumpre demonstrar a verdade da imputação. O que também explica a aparente incongruência do acórdão, apontada pelo Senhor Procurador-Geral Ajunto.

Disse o Ministério Público que “não se tendo colocado, em momento algum, a questão de ter sido terceira pessoa a inserir tal comentário no ..., não resulta possível entrever, no acórdão recorrido, como chegou o Tribunal a quo à conclusão de que não foi nem o arguido AA, nem a sua mulher, EE, o responsável pela inserção naquela rede social daquele comentário”.

Do acórdão não resulta que não tenha sido a mulher do arguido a proceder à referida inscrição, pois “não provado que tenha sido” não é sinónimo de “provado que não tenha sido”. Resulta, sim, que foi considerado existir uma probabilidade suficientemente forte de poder ter sido a declarante a praticar o facto imputado ao arguido, o que justifica a criação da dúvida razoável que a este beneficiou, e a resposta de não provado, quanto ao arguido.

Também não se detecta erro de julgamento relativamente ao facto provado “o clima de conflitualidade envolveu a Dr.ª EE, cônjuge do Arguido, testemunha”, uma vez que resulta da prova que arguido e testemunha formam um casal desde há muitos anos, resultando das regras da experiência de vida e do normal acontecer que ambos os cônjuges se sintam emocionalmente afectados pelos (e envolvido nos) “climas de conflitualidade” vivenciados por cada um deles.

Em suma, no presente caso não é visível que o tribunal se tenha afastado do cumprimento das regras e princípios de prova, particularmente dos relativos à apreciação, e que tenha dado credibilidade injustificada à versão do arguido. Ou seja, que tenha decidido de facto infundadamente.

Por último, não se detectam desconformidades entre o que foi dito em julgamento e aquilo que o tribunal ouviu; inexistem provas proibidas ou deficientemente produzidas; o tribunal justificou minimamente a opção que fez relativamente à graduação dos contributos probatórios; perante provas de sinal contrário, atribuiu-lhes conteúdo positivo ou negativo de uma forma ainda compreensível e sem violação de princípios de prova.

Soçobra, por tudo, a impugnação da matéria de facto.


2.b.5. Da impugnação em matéria de direito: da tipicidade das condutas

A recorrente impugnou o acórdão em matéria de direito, pugnando pela condenação dos arguidos pelos crimes imputados.

No que respeita ao crime de difamação, com publicidade e agravado, dos arts. 180.º n.º 1, 182.º, 183.º n.º 1, al. a), 184.º e 132.º n.º 2 al. l), do CP, imputado ao arguido AA no processo n.º 38/17.9YGLSB, a impugnação em matéria de direito encontra-se feita na decorrência da impugnação em matéria de facto. Do insucesso desta resulta, sem mais, a improcedência do recurso também em matéria de direito, uma vez que permaneceram por demonstrar os factos relativos à imputação (objectiva e subjectiva).

Como se referiu no acórdão “verifica-se que não consta da matéria fáctica provada ter sido o arguido AA o autor dos factos que lhe eram imputados, mais concretamente o autor da publicação no “Grupo “...” do comentário ínsito no ponto 11 da matéria de facto provada. Do mesmo passo, face ao teor dos pontos 1 e 2 da Matéria Fáctica Não Provada, se verifica o Tribunal não apurou com a necessária certeza a autoria da publicação no “Grupo “...” do referido comentário.”

Já relativamente aos factos imputados aos dois arguidos no processo n.º 27/16...., logrou-se a demonstração de factos cuja (ir)relevância jurídica se mostra expressamente suscitada em recurso, e cumpre agora dela conhecer.

  Argumenta essencialmente a recorrente que “impõe-se considerar que i) O sentido objectivo que qualquer declaratário normal retira da nota de rodapé escrita pelos Arguidos e transcrita no ponto 4 dos “Factos Provados” é o de uma insinuação de que a Assistente, CC, havia sido infiel a um seu ex-companheiro – mais concretamente, ao Assistente, DD, com quem viveu em união de facto. ii) Imputando-se à Assistente CC, sob a forma de suspeita, ter esta, durante o período um que viveu com o Assistente DD, mantido relacionamento sexual com outro homem que não o Assistente e, engravidando em resultado desse relacionamento. iii) Mais se insinuando os Arguidos que a Assistente, CC fazia alarde público da sua infidelidade para com o Assistente DD, a ponto de, no dizer dos Arguidos, ter entrado, “eufórica”, no Tribunal ... – onde os Assistentes exerceram funções – dizendo: “estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD – se (sic) companheiro então – porque ele não é o pai!!!...”. iv) Assim se imputando, ainda que sob a forma de suspeita, uma conduta desonesta, leviana e de mau porte, que, obviamente, a atinge na sua honra, conforme se considerou na douta decisão de Pronúncia, onde se escreveu que “O teor dessa nota tem um sentido inequivocamente difamatório, assim como é inequívoco o carácter gratuito da sua inserção nesse documento, a qual só se pode justificar como uma pretensão de ofender a honra e consideração devidas aos visados, em primeiro lugar à assistente CC”. v) Assim, ao dizer que, “provavelmente”, o furto e a violação de correspondência são métodos que se usam no Tribunal a que a Assistente CC, os Arguidos insinuam ser plausível, verosímil que nesse Tribunal se usem como métodos o furto e a violação de correspondência. vi) Tais métodos de obtenção de prova – o furto e a violação de correspondência – são – têm de ser – considerados, em qualquer Estado de Direito, altamente reprováveis, ilegais e criminosos. vii) Pelo que, ao insinuar-se que esses métodos são usados no tribunal a que a Assistente preside, está-se a imputar-lhe uma actuação gravemente desonrosa, como, de resto, se reconheceu na douta decisão de pronúncia, onde se escreveu que tal “é completamente estranho ao exercício do direito de queixa, constituindo uma ofensa gratuita ao direito à honra e consideração devidas à assistente”. viii) Trata-se, em ambos os casos, de imputações feitas sob a forma de suspeita, idóneas a preencher a tipicidade objectiva do crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1, do Código Penal.”

O Ministério Público referiu acompanhar o recurso da assistente.

O arguido contrapôs que “a matéria reproduzida no facto provado n.º 7 não é susceptível de afectar a honra e consideração devidas à Assistente.

Por outro lado, quanto à nota de rodapé reproduzida no facto provado n.º 4, o Arguido agiu na convicção de que a frase atribuída à Assistente foi efectivamente por ela produzida – e saiu da audiência de julgamento ainda mais disso convencido –, tendo a sua reprodução resultado do contexto e dos sentimentos descritos nos n.os 23 e 24 dos factos provados. Poderá censurar-se a inserção dessa nota de rodapé à luz de um critério moral social, mas sem que a intervenção do direito penal tenha qualquer justificação.”

Os factos objectivos provados, e agora em análise, são os seguintes:

“4.    Na nota de rodapé da pág. 10 dessa queixa, e reportando-se ao uso da expressão "aquele gajo " contida na carta anónima, escreveram: “O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada (ou não foi ela quem entrou eufórica no Tribunal ..., dizendo «estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD - se companheiro então -porque ele não é o pai!!!...)”.

5.    Com esta declaração, o Arguido e a Arguida pretendiam afirmar que a Assistente CC tinha dado conhecimento público desse facto.

6.    Pretendiam afirmar também que o termo "gajo" seria adequado para identificar os "ex-maridos ou ex-companheiros" da Assistente e que esta se relacionaria com "gajos".

7.    Nessa queixa, o Arguido e a Arguida escreveram na parte final do ponto V.5.XXIII, - páginas 15 e 16 -, e reportando-se à ação ordinária nº704/12....:“ Em declarações de parte na aludida acção a ora Suspeita fez alusão a uma carta que tal Lobo teria remetido ao ora Participante a falar de assuntos da maçonaria. Carta essa que ora Suspeito se terá «apropriado» , por furto e terá violado, (como fazia com muitas cartas, especialmente se fossem de instituições bancárias) dando conhecimento do conteúdo da mesma à Suspeita. De resto ainda não há muito tempo (dois ou três meses) que o Denunciado se «gabou» a um vendedor de automóveis de que tinha em seu poder essa carta. Cujo conteúdo, diz a Suspeita é prova válida (provavelmente no Tribunal a que preside se usem esses métodos…)”

A resolução da questão colocada em recurso passa por saber se as duas expressões utilizadas pelos arguidos (a arguida agindo na qualidade de mandatária do arguido, em sua representação e de acordo com as instruções deste), nas circunstâncias de tempo, modo e lugar apuradas e descritas nos factos provados, realizam o tipo de crime imputado.

Persegue o art. 180.º, n.º 1 do CP a imputação de factos ou a prolação de palavras ofensivas da honra e considerações alheias, dirigindo-se, o autor da expressão ou da imputação, a terceiros – “quem, dirigindo-se a terceiros, imputar a outra pessoa, mesmo sobre a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido (…)”. O tipo assegura o direito ao “bom-nome” e a “reputação”, constitucionalmente garantidos (art. 26.º, n.º 1 da CRP).

A “honra” é a essência da personalidade humana, referindo-se à probidade, rectidão, carácter; a “consideração” é o valor atribuído por alguém ao juízo do público, isto é, do apreço ou, pelo menos, da não desconsideração que os outros tenham por ele (Beleza dos Santos, RLJ 3152-142); e o Código Penal adopta uma concepção dual de honra (concepção normativa-pessoal de honra), segundo a qual esta é vista como um bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.

De lembrar que o direito penal reveste natureza fragmentária, “de tutela subsidiária (ou de ultima ratio) de bens jurídicos dotados de dignidade penal, ou, o que é dizer o mesmo, de bens jurídicos cuja lesão se revela digna de pena” (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 2001, p. 43). Tutela valores essenciais e fundamentais da vida em sociedade, obedecendo a um princípio de intervenção mínima, bem como de proporcionalidade imanente ao Estado de Direito. Nem tudo o que causa contrariedade, é pouco ético e desagradável, será relevante para esse núcleo de interesses penalmente protegidos.

No caso, a lei tutela a dignidade e o bom-nome dos visados, não a sua susceptibilidade ou melindre, e a valoração far-se-á de acordo com o que se entenda por ofensa da honra num determinado contexto temporal, local, social e cultural. Pois “nem tudo aquilo que alguém considera ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria puníveis” (Beleza dos Santos, Algumas Considerações sobre Crimes de Difamação ou de Injúria, RLJ 92, p.167). Também Oliveira Mendes alerta para que “nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180.º e 181.º, tudo dependendo da intensidade ou perigo da ofensa” (O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, Almedina, 1996, p. 37)

Impõe-se avaliar se as expressões em causa, nas circunstâncias em que foram escritas e utilizadas, procedendo à necessária e prévia valoração de toda a realidade circundante, atingiram a visada num quadro em concreto merecedor de tutela penal.

Não cumpre tecer considerações nem formular juízos sobre os episódios anteriores ou sobre a “relação de conflitualidade” existente há mais de dez anos entre a assistente e o arguido. Mas este circunstancialismo não pode deixar de relevar na medida do indispensável à contextualização e à compreensão ampla dos factos provados, com vista ao enquadramento jurídico. Na avaliação do grau de ofensividade das expressões utilizadas,  na decisão sobre se, em concreto, atingiram suficientemente ou em grau necessário a honra e consideração social como bem jurídico penalmente tutelado, não pode deixar de relevar o quadro geral das circunstâncias que rodearam a acção.

No que respeita à relação entre a assistente e o arguido, os factos provados incluem a seguinte listagem:  

“Procedimentos disciplinares:

- 2011 /D2/...3 - A Assistente contra o Arguido;

- 2011/D2/...34 – O Arguido contra a Assistente;

- 2011/D2/...06 – A Assistente contra o Arguido;

- 2013/D2/...05- A Assistente contra o Arguido;

- 2013/D2/...06- O Arguido contra a Assistente;

- 2013/D2/...56 - Assistente contra o Arguido;

- 2014/D2/...21 – A Assistente contra o Arguido;

- 2016/GAVPM/...88 -  A Assistente contra o Arguido;

- 2017/GAVPM/...80 -  A Assistente contra o Arguido,

Procedimentos criminais:

- Proc. n° 114/12.... do Tribunal da Relação ... – O Arguido contra a Assistente e marido;

- Proc. n° 2396/14.... do Juiz ... do Juízo Local Criminal ... –O Arguido contra o marido da Assistente;

- Instrução n° 30/15.... do Tribunal da Relação ... – O Arguido contra a Assistente;

- Proc. n° 5/13.... do Tribunal da Relação ... – O Arguido contra a Assistente;

- Instrução n° 9/15.... do Supremo Tribunal de Justiça -  A Assistente e outro contra o Arguido;

- Inquérito n° 3/13.... dos Serviços do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça – A Assistente contra o Arguido;

- Inquérito n° 4/13.... dos Serviços do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça – A Assistente contra o Arguido;

- Inquérito n° 9/15...., dos Serviços do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça - Assistente contra o Arguido;

- Instrução n° 27/16.... do Supremo Tribunal de Justiça – A Assistente e outro contra o Arguido e outra;

- Instrução n° 9/11.... do Supremo Tribunal de Justiça – A Assistente contra o Arguido.

Procedimentos cíveis:

- Ação Ordinária n° 704/12...., da ex-... Vara Cível de ... – O Arguido contra a Assistente, com reconvenção;

- Execução n° 2396/14.... do Juiz ... do Juízo Local Criminal ... - exequente o marido da Assistente e executado o Arguido."

Mais se provou que:

“Desde novembro de 2011 foram apresentadas várias queixas e acusações contra o Arguido pela Assistente e pelo seu irmão, já falecido, LL, por regra patrocinados pelo marido da Assistente, Dr. KKK.

No âmbito desses processos a Assistente e o Dr. KKK já foram condenados, por acórdão do STJ de 28.06.2018, a pagar ao ora Arguido uma indemnização de €10.000,00.

A Assistente requereu ao CSM a suspensão da graduação do Arguido ao STJ.

No proc. n.º 9/15...., pendente de recurso, o Arguido foi acusado da prática de 2 crimes de difamação, do artigo 180º nº 1 do Código Penal, sendo a Assistente a ofendida num deles, e no outro LLL, tendo sido declarado prescrito procedimento criminal.”

Nesses Autos, por Acórdão proferido a 09.12.2021, foi julgado improcedente o pedido de indemnização civil formulado pela Assistente e parcialmente procedente o pedido cível formulado pelo ofendido LLL.

Por força da litigiosidade entre o Arguido e a Assistente, várias pessoas, na área judiciária, formaram uma imagem negativa do Arguido.

A Assistente foi das pessoas que mais procurou contribuir para criar essa má imagem do Arguido, através de variadas queixas e processos que moveu contra ele.

O Arguido está convencido de que a imagem que lhe foi criada por via da animosidade da Assistente contra si acabou por o prejudicar nos concursos de graduação ao STJ.”

Na contextualização dos factos provados juridicamente relevantes são ainda pertinentes os seguintes factos provados:  “ao longo da sua vida, a assistente CC sempre procurou preservar o seu bom nome”, “dedicando-se com zelo e dedicação às funções que exerce, o que é reconhecido por todos aqueles que avaliaram a sua prestação profissional”, e que “tem homologada a notação de “Muito Bom” no Relatório de Inspeção datado de junho de 2017”.

No acórdão teceram-se, a propósito, as seguintes considerações:

“Em função do exposto, e tendo em consideração o princípio da necessidade e da intervenção mínima que deve reger a intervenção do Estado no domínio penal, tal como decorre do artigo 18º da Lei Fundamental, é curial ter em atenção os ensinamentos da Jurisprudência de acordo com a qual : “Relevante para o preenchimento do crime de difamação é o meio onde se verifica a ofensa à honra ou consideração, a qualidade das pessoas entre quem ocorre, a forma como tal ocorre, o que tem como consequência que, só em face do caso concreto se pode afirmar se a conduta em presença é ou não ofensiva e preenche o tipo objectivo do crime de difamação. Em suma, interessará contextualizar as expressões eventualmente ofensivas da honra e da consideração, sendo tal contextualização elemento essencial para aferir se as mesmas assumem tal natureza.

 Para além da contextualização, cumpre, ainda, ter em consideração que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180.º e 181.º, tudo dependendo da “intensidade” da ofensa ou perigo de ofensa. Este tem sido, também, o entendimento do TEDH, que tem vindo a afirmar que, para que esteja em causa o art. 8.º, da CEDH, a violação da honra tem de atingir um determinado grau de seriedade e tem de causar efectivo prejuízo. Na análise da contextualização dos concretos factos ou juízos em apreço e da aferição da sua intensidade/seriedade há, ainda, que ter em conta a necessidade de articulação do direito à honra e consideração com o direito à crítica (liberdade de expressão)  (acórdão do STJ de 04.10.2018, Rel. Helena Moniz). ”

O elemento objetivo deste ilícito criminal realiza-se quando o agente, dirigindo-se a terceiras pessoas, assacar a outrem factos ou juízos que sejam ofensivos da sua honra e consideração.

Podendo uma tal conduta revestir a forma de imputação de um facto ofensivo, ainda que apenas seja uma mera suspeita, ou a formulação de um juízo de desvalor e também a reprodução de uma tal imputação ou juízo.

De acordo com Leal-Henriques e Simas Santos (Leal-Henriques-Simas Santos, “Código Penal/Anotado”, 3” edição, Volume II, Rei dos Livros 2000. pág. 470) entende-se que “Imputar significa atribuir um facto, apresentá-lo como correcto ou verdadeiro, segundo a convicção ou perspectiva do imputante, que assim se identifica com o respectivo conteúdo (...)“, ao passo que “(...) Formular juízo de desvalor será toda a afirmação que encerra uma apreciação pessoal negativa sobre o carácter da pessoa acerca da qual se subscreve tal juízo” e “(...) Reproduzir uma imputação ou um juízo é divulgar uma afirmação alheia, ou seja, uma afirmação que não é objecto de uma convicção do próprio divulgante (...)“.

Por sua vez, o elemento subjetivo típico deste ilícito criminal é preenchido mediante uma atuação dolosa do/a agente, traduzindo-se esta “na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, ou pelo menos são aptas a causar aquela ofensa, e que tal acto é proibido por lei.” (acórdão do STJ de 05.09.2018, Rel. Manuel A. Matos)

Como é sabido, é hoje inexigível a ocorrência de um dolo específico, o chamado “animus difamandi“, apenas se impondo que haja consciência do carácter ofensivo das palavras, factos ou juízos proferidos, associada à vontade de os proferir.”

Para se concluir depois, sobre a (ir)relevância penal das condutas, o seguinte:

“No tocante aos factos dados como assentes relativos ao processo nº27/16...., da análise da matéria de facto constata-se ter sido dado como provado terem sido da autoria do Arguido e da Arguida as asserções constantes dos pontos 4 e 7 dos Factos Provados.

E, no que concerne ao ponto 4, que este e esta atuaram, apenas com o intuito de estabelecer que a Assistente CC tinha dado conhecimento público da sua gravidez e da não paternidade do Assistente DD, bem como que « o termo "gajo" seria adequado para identificar os "ex-maridos ou ex-companheiros" da Assistente e que esta se relacionaria com "gajos"».

Tendo sido, ainda, dado como Não Provado que o termo “gajo” seja, em si mesmo considerado, uma designação pejorativa - como resulta do ponto 1 dos Factos Não Provados – bem como que com a asserção constante do ponto 4 dos Factos Provados o Arguido e a Arguida “tenham pretendido afirmar que a Assistente CC, durante o período de tempo em que viveu em união de facto com o Assistente DD, teria mantido um relacionamento sexual com outro homem que não o Assistente, do qual haveria engravidado” - ponto 2 dos Factos Não Provados - e “tenham pretendido identificar o Assistente DD como sendo um dos ex-companheiros e, por isso, um "gajo"” - ponto 3 dos Factos Não Provados - e ainda que tal asserção insinue que  “a Assistente tenha tido uma conduta desonesta, leviana e de mau porte” e “achincalhe o Assistente, DD” - pontos 4 e 5 dos Factos Não Provados -.

Também como Facto Não Provado ficou assente que o Arguido e a Arguida soubessem que “o teor da nota de rodapé referida no ponto 4 dos Factos provados era falso, ofensivo da honra e consideração dos Assistentes e atentatórios da intimidade da vida privada destes.” - ponto 11 dos Factos Não Provados -.

Por sua vez, no tocante ao ponto 7 da Matéria Fáctica Provada, resulta não ter ficado estabelecido que o Arguido e a Arguida soubessem que a asserção aí referida fosse ofensiva da honra e consideração da Assistente, e que tivessem agido com o propósito de a vexar, bem como que soubessem ser falsa aquela afirmação e que tivessem pretendido afirmar que a Arguida fizesse uso de métodos proibidos de prova no Tribunal a que preside -  pontos 6 e 12 dos Factos Não Provados.

Do mesmo passo, e não obstante a autoria conjunta do Arguido e da Arguida da queixa criminal em causa nestes Autos, tal como estabelecido no ponto 1 dos Factos Provados, não resultou provado que estes tivessem agido “em comunhão de esforços e de intentos e de acordo com plano previamente delineado, idealizando e redigindo o texto que ambos assinaram” - ponto 7 dos Factos Não Provados -.

Pelo que forçoso é concluir como não verificado o elemento típico subjectivo em cada um dos dois crimes de difamação em causa no processo nº27/16.... e como tal, como não verificados ambos esses crimes, o que, naturalmente implica que o Arguido e a Arguida deles sejam absolvidos.

Assim, e sem prejuízo de as afirmações em causa neste último processo poderem ser consideradas eticamente censuráveis e socialmente reprováveis, a não verificação dos elementos típicos do crime em causa impõe necessariamente a conclusão da inexistência da responsabilidade criminal do Arguido e da Arguida.”

Como se vê, a absolvição parece ter decorrido essencialmente da (mera) ausência de demonstração dos factos que realizariam o dolo do tipo. No entanto, no que respeita aos factos provados objectivamente mais ofensivos e claramente susceptíveis de, em abstracto, atingir a honra e consideração social da visada – os relativos à expressão inscrita na nota de rodapé da queixa -  a ausência de realização do tipo subjectivo decorrerá antes da circunstância de o arguido (e, mediatamente, também a arguida) ter(em) agido em erro sobre as circunstâncias do facto (art. 16.º, n.º 1, do CP).

Na verdade, a expressão ofensiva “O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada (ou não foi ela quem entrou eufórica no Tribunal ..., dizendo «estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. DD - se companheiro então -porque ele não é o pai!!!...)”, é claramente susceptível de, em abstracto, atingir a honra e a consideração social da pessoa visada, num patamar de ofensividade exigido pelo tipo.

Mostra-se igualmente evidente que não ocorreria aqui, em concreto, a situação prevista no art. 180.º, n.º 2, do CP, pois a imputação não foi feita para realizar qualquer interesse legítimo, já que se mostra totalmente desnecessária no contexto da queixa (o arguido não precisava de a ter proferido).

No entanto, a realização do tipo falha logo ao nível do n.º 1 do art. 180.º, por falta de tipicidade subjectiva.

Se é certo que não ficou demonstrado que a assistente tenha publicitado uma sua gravidez da forma e nos modos como o arguido o referiu, resultou no entanto provado que o arguido disso se convenceu. O arguido actuou convencido de que a assistente dera publicidade a tal facto, relativo à sua pessoa (dela, assistente), nos moldes que inscreveu e fez inscrever na nota de rodapé da queixa. E assim sendo, actuou em erro sobre as circunstâncias do facto (art. 16.º, n.º 1, do CP). Actuou em erro, uma vez que não ficou demonstrado que a assistente tenha tido o comportamento descrito pelo arguido. Mas é quanto basta para a exclusão do dolo.

Na verdade, caso as circunstâncias de facto tivessem sido realmente aquelas em que o arguido acreditou, objectivamente o facto não teria logo adquirido relevância penal. Pois o tipo difamação não protege a honra com uma tal abrangência e tão amplos limites.

Não se justifica perseguir criminalmente alguém por reprodução de factos, mesmo que desonrosos, relatados pelo próprio sujeito visado, publicamente, a seu próprio respeito. O tipo difamação não inclui como ofensa da honra aquilo que o próprio visado anuncia e publicita sobre a sua própria pessoa, sem qualquer reserva, tornando ele mesmo tais factos pessoais públicos. Não foi para estas situações que o tipo de crime foi pensado, o que, a suceder, se traduziria em levar longe de mais a tutela penal da honra, com a consequente afronta dos princípios constitucionais penais da ultima ratio e da intervenção mínima do direito penal.

No que respeita às restantes expressões utilizadas pelos arguidos, atendendo por um lado à ausência de uma ofensividade clara, e em grau que ultrapasse o patamar mínimo de punibilidade (v. g. “gajo” é um vocábulo da linguagem comum desprovido de carácter ofensivo inequívoco), e por outro lado, a sempre necessária compatibilização com a salvaguarda da liberdade de expressão e da crítica socialmente admissível, ainda na contextualização da concreta “relação de conflitualidade” em análise, é de aceitar a decisão do acórdão.

Acórdão que é de confirmar ainda na parte em que se conclui que “a não verificação dos elementos típicos do crime em causa impõe necessariamente a conclusão da inexistência da responsabilidade criminal do Arguido e da Arguida.

Em conformidade com o supra exposto julgam-se improcedentes os pedidos cíveis deduzidos nos Autos, uma vez que a responsabilidade civil pelos danos não patrimoniais que se pretendiam ver ressarcidos assentava na responsabilidade criminal pela prática dos factos em que aqueles se fundavam.”

           

3. Decisão

Face ao exposto, acordam no Pleno das Secções Criminais em julgar improcedentes os recursos, confirmando-se o acórdão, embora não exactamente pelos mesmos fundamentos.

Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s – (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).

                                                               

Lisboa, 15.02.2023                                                          


Ana Barata Brito (Relatora)           

Orlando Gonçalves

Pedro Branquinho Dias

Leonor Furtado

Teresa de Almeida

Ernesto Vaz Pereira

Agostinho Torres

António Latas

Helena Moniz

Paulo Ferreira da Cunha

João Guerra

Henrique Araújo (Presidente)