Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
21794/21.4T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: JORGE LEAL
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
DIREITO DE AUDIÇÃO
FILHO MENOR
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PROGENITOR
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I. Na fixação do regime de exercício das responsabilidades parentais deve ouvir-se a criança, levando-se em consideração a sua vontade, em harmonia com a sua idade e maturidade.

II. Assumindo essa vontade especial relevância quando a criança se encontra já na fase da adolescência.

III. Porém, essa vontade não é vinculativa do tribunal.

IV. Ao Supremo Tribunal de Justiça cabe, em processos de jurisdição voluntária como o de regulação do exercício das responsabilidades parentais, fiscalizar o respeito, pelas instâncias, dos critérios normativos aplicáveis à matéria em questão, sem se imiscuir nas resoluções que essas instâncias, com respeito pelos referidos padrões normativos (máxime, o critério do superior interesse da criança), tenham proferido de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, isto é, de acordo com um juízo de adequação da solução encontrada às circunstâncias e particularidades do caso concreto.

Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA instaurou a presente ação de regulação das responsabilidades parentais contra BB, referente às filhas de ambos, CC e DD, nascidas, respetivamente, em ... de novembro de 2008 e ... de junho de 2010.

2. Designada data para conferência de pais, não foi possível obter qualquer acordo. Deste modo, nessa sede, em novembro de 2021, foi fixado o seguinte regime provisório:

1. As questões de particular importância são decididas em conjunto por ambos os progenitores.

2. As crianças estarão à guarda e cuidados de cada um dos pais de modo alternado semanalmente, iniciando-se a semana domingo à noite. O jantar de todas as quintas-feiras ficará sob responsabilidade do progenitor com quem as crianças não estão durante essa semana.

3. Uma vez que ambos os progenitores residem na mesma casa o progenitor a quem não cabe a guarda das crianças nessa semana deverá providenciar por não estar presente, ou participar nas refeições, bem como nos restantes aspetos da gestão da casa da semana que não lhe está atribuída. Às quintas-feiras o jantar deverá ser feito, fora da área de residência comum de modo a não colidir com a organização e a gestão do progenitor naquela semana.”

3. Encerrada a conferência, foi determinada a realização de audição técnica especializada, cujo relatório se encontra junto aos autos.

4. Em sede de alegações, veio a requerida requerer que fosse estabelecido um regime que fixasse a residência das meninas junto da mãe, prevendo-se, concomitantemente, um regime de convívios em fins-de-semana alternados com o pai, com eventual pernoita a meio da semana.

5. O requerente, por seu turno, nas suas alegações, pugnou para que a CC e a DD vivessem alternadamente com o Pai e com a Mãe.

6. Realizou-se audiência final e em 08.5.2023 foi proferida sentença na qual se decidiu o seguinte, designadamente, no que ao presente recurso importa:

As menores fixam residência na cidade de ..., onde vivem os seus dois progenitores. Nesta cidade, residirão alternadamente com o pai e com a mãe, sendo que os períodos com cada um dos pais serão de sete dias cada um, com troca ao domingo.

7. A requerida apelou da sentença e, por acórdão datado de 14.12.2023, a Relação de Lisboa julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

8. A requerida interpôs revista excecional, formulando as seguintes conclusões:

“1. É admissível revista excecional, ao abrigo do disposto nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, estando em causa questões relativas à determinação da residência do filho em casos de divórcio e separação, e à específica importância da opinião da criança e do jovem para a composição do seu superior interesse.

2. Tais questões têm-se por claramente necessárias para uma melhor aplicação do direito, por serem questões que não encontram na nossa jurisprudência resposta unívoca, importando a sua apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3. Cruzando-se, ainda, com interesses de particular relevância social, atendendo à posição cimeira da família como elemento fundamental da sociedade e à concreta importância da proteção de crianças e jovens neste momento histórico.

4. O tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação do art. 1906.º, n.ºs 6 e 8 do CC, ao extrair do mesmo uma preferência legislativa pelo regime de residência alternada, de periodicidade semanal, cujo afastamento se justifica apenas nos casos em que os progenitores se mostrem desadequados.

5. Desde logo, porque tal entendimento não tem amparo na própria letra da lei que, ao invés de presumir que a residência alternada corresponde ao superior interesse da criança, limita a sua aplicação aos casos em que tal correspondência resultar da “ponderação de todas as circunstâncias relevantes”.

6. Formulação que, já se vê, não se compadece com a relevância exclusiva das condições dos progenitores, obrigando o julgador a atender também às necessidades e especificidades do filho.

7. Tendo resultado provado que o regime atual provoca perturbação e desconforto à jovem, tal circunstância não poderá deixar de ser considerada na composição do seu superior interesse.

8. Com efeito, o interesse da criança numa relação de proximidade com ambos os progenitores não corresponde ao seu único interesse, nem se pode sequer afirmar que a fixação de regime de residência alternada com periodicidade semanal é o único que permite garantir uma relação de proximidade da criança com ambos os pais.

9. Neste sentido, o interesse dos pais, e o princípio da igualdade entre eles, deve subalternizar-se ao superior interesse da criança, não podendo justificar a adoção de solução que provoque sofrimento ao filho.

10. Termos em que a interpretação e aplicação do art. 1906.º do CC defendidas pelo tribunal a quo se têm por violadoras do disposto no art. 3.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança e no art. 4.º, al. a) da LPCJP, aqui aplicável ex vi do disposto no art. 4.º, n.º 1, do RGPTC.

11. Mais do que um desejo ou vontade, a opinião das crianças permite ao julgador compreender as suas necessidades e especificidades, relativamente às quais estas têm conhecimento privilegiado, enquanto sujeito da sua própria vida.

12. O superior interesse da criança não pode, por isso, ter-se como uma realidade pré-formada, com a qual a opinião da criança e do jovem coincide ou da qual se distancia, mas sim uma realidade a descobrir no caso concreto, em função de uma multiplicidade de fatores, entre os quais a sua opinião.

13. Assim, a interpretação segundo a qual a opinião da criança ou do jovem é contrária ao seu superior interesse, apenas porque se afasta da solução de residência alternada de periodicidade semanal, tem-se por uma aplicação inadmissível do art. 3.º, n.º 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, por cristalizar na violação ao direito da jovem a exprimir a sua opinião (cf. arts. 12.º daquela Convenção, 24.º, n.º 1, da Carta de Direitos Fundamentais da UE, 3.º, al. b) e 6.º, al. c) da Convenção Europeia sobre o Exercício dos direitos da Criança, 1906.º, n.º 9, do CC e art. 5.º, n.º 1, do RGPTC).

14. Ademais, a imposição a uma jovem de 15 anos de um regime de residência que não merece a sua concordância, por referência à “firmeza” dos progenitores na aplicação do decidido, constitui uma eminente violação do direito à autodeterminação e ao desenvolvimento da personalidade da CC, nos termos do disposto no art. 26.º, n.º 1, da CRP, e uma forma de exercício abusiva da autoridade pelo Estado e pela família, violadora do disposto no art. 69.º, n.º 1, da CRP e no art. 1878.º, n.º 2, do CC.

15. A adoção de soluções que, com toda a probabilidade, não serão cumpridas, é contrária aos interesses das crianças e dos jovens, por importar a sucessiva instauração de incidentes de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais.

16. Assim, e ao invés de beneficiar desde logo, e como é seu direito, de um regime definitivo e exequível para o exercício das responsabilidades parentais a si relativas, a criança ou jovem vê-se continuamente sujeita à ação judicial, em prejuízo da sua estabilidade e tranquilidade, necessárias ao seu são e integral desenvolvimento.

17. Termos em que a decisão revidenda padece de erro de aplicação do critério do superior interesse da criança, ínsito ao art. 3.º, n.º 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, do art. 24.º, n.º 2, da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, do art. 1906.º, n.º 6, do CC e do art. 4.º, al. a) da LPCJP, aqui aplicável ex vi do disposto no art. 4.º, n.º 1, do RGPTC.

18. Além de prejudicial à criança e ao jovem, esta situação tem-se igualmente por injusta para o progenitor residente, que se vê constantemente alvo de processos judiciais, de natureza quer civil, quer criminal.

19. Termos em que a imposição aos progenitores de regime que estes não podem cumprir, porque conta com a expressa e incessante resistência do filho, se tem por violadora do disposto nos arts. 26.º e 27.º da CRP.

20. Resultam, assim, violados na douta decisão revidenda os seguintes preceitos legais: arts. 3.º, n.º 1 e 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 24.º, n.ºs 1 e 2 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, arts. 3.º, al. b) e 6.º, al. c) da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, os arts. 26.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, da CRP, os arts. 1878.º, n.º 2 e 1906.º, n.ºs 6 e 8 do CC, art. 4.º, al. a) da LPCJP, aplicável ex vi do disposto no art. 4.º, n.º 1, do RGPTC e arts. 4.º, n.º 1, al. c) e 5.º do RGPTC.

Pelo Que,

Nestes termos e nos demais de Direito que doutamente se suprirão, deverá proceder a presente revista, revogando-se o acórdão revidendo e estabelecendo, quanto à CC, regime de residência habitual junto da Recorrente, com o estabelecimento de direitos de visita ao Recorrido, nos termos já preconizados na Apelação”.

9. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, rematando com as seguintes conclusões:

“1. O Acórdão impugnado não deu provimento ao recurso da Recorrente, mãe da menor CC, confirmando integralmente a sentença da 1ª instância no que tange à matéria de facto e de direito, reforçando que a melhor forma de respeitar o superior interesse da criança é fixar a residência alternada da menor.

2. Verifica-se, assim, a designada dupla conforme.

3. O processo em causa reveste a natureza de jurisdição voluntária e, nessa medida, não comporta recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 988.º, n.º 1 do CPC.

4. Contudo, a recorrente convoca as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do CPC, defendendo a admissibilidade do recurso de revista excecional.

5. Objetiva o thema decidendum designadamente na necessidade de Interpretação e a aplicação dos critérios de determinação da residência habitual da criança, previstas nos n.ºs 5 e seguintes do art. 1906.º do CC, e, bem assim, apurar se efetivamente o modelo de residência alternada pode ser configurado como uma solução “ideal”, nos termos daquele preceito.

6. Da relevância da opinião da criança para a determinação da sua residência.

7. Das consequências da imposição de soluções inexequíveis, por força da resistência do filho.

8. Servirá a oposição do menor como critério para afastar o regime da residência alternada, quando tal implica um atentado à sua estabilidade emocional?

9. Na prática, o que se adivinha que possa ocorrer é que a recusa do menor (e a resistência na execução da medida) em residir com um dos progenitores não se revela em conformidade com o superior interesse da criança, revelando a necessidade de ser adotado um regime diverso, que não o da residência alternada.

10. A resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça – assumindo uma dimensão paradigmática para casos futuros – mostra-se necessária para contribuir para a segurança e certeza do direito.

11. Trata-se, a nosso ver, de questão que suscita divergências a nível doutrinal e jurisprudencial, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais hierarquicamente inferiores e contribuir para a segurança e certeza do direito.

12. O objeto do recurso extravasa a defesa dos interesses das partes, projetando-se para o domínio do interesse geral na boa aplicação do direito.

13. A delicadeza dos interesses em causa, priorizando-se o superior interesse da criança, demanda a procura da obtenção de consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação, com que poderão contar, das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito.

14. As razões da clara necessidade de apreciação das questões suscitadas referem-se à aplicação do direito em geral e não à consideração de algum caso concreto isolado.

15. Concorda-se assim com os argumentos aduzidos pela recorrente verificando-se, a nosso ver, os requisitos de revista excecional [(Alíneas a ) e b) do nº 1 do artigo 672º do CPC)].

Nestes termos, entende o MP que o recurso interposto pela progenitora deverá proceder, mostrando-se violadas as normas invocadas pela recorrente”.

10. O requerente/recorrido apresentou contra-alegações, em que, sem proceder à elaboração de conclusões (a que o recorrido não é obrigado), pugnou pela integral manutenção do acórdão recorrido.

11. Distribuído o processo neste Alto Tribunal, assentando a revista na invocação da previsão das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, remeteu-se o processo à Formação prevista no n.º 3 do art.º 672.º do CPC.

12. A Formação deliberou admitir a revista excecional, por entender que a decisão recorrida deveria ser reapreciada “de forma a definir, se e em que medida a opinião de uma jovem deve ou não ser essencial na concreta solução a aplicar quanto à sua residência, e como acautelar, neste tipo de situações, a necessária presença dos progenitores na vida das crianças e jovens, que se presume importante para o seu desenvolvimento integral.”

13. Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Como resulta do relatado supra, a presente revista tem por objeto o regime de residência fixado pelas instâncias à menor CC. As instâncias estipularam um regime de residência alternada junto de cada um dos progenitores; a requerida (mãe de CC) entende que a criança deve residir consigo, sem prejuízo de se estabelecer um alargado regime de visitas junto do requerente (pai da CC). Para tal, invoca a vontade da CC.

2. Há que levar em consideração a seguinte

Matéria de facto (fixada pela primeira instância, com alterações introduzidas pela Relação)

A) A Requerente e o Requerida viveram em união de facto que se iniciou no ano de 2005.

B) Da mencionada união, nasceram CC, a ... de novembro de 2008, (Assento de Nascimento n.º ...44 do ano de 2008, da Conservatória do Registo Civil de ...) e DD, a ... de Junho de 2010, (Assento de Nascimento n.º ...61 do ano de 2010, da Conservatória do Registo Civil de ...).

C) O casal deixou de ser um casal ainda enquanto ainda coabitavam na mesma casa, ali fazendo vidas completamente separadas e autónomas.

D) As crianças, numa primeira fase, ficaram a residir com ambos os progenitores, mas convivem de forma autónoma com cada um deles em períodos de pausa escolar, como foi o caso das férias de Verão e fins- de- semana.

E) A mãe reconhece o papel do pai na vida das filhas, e declara não pretender limitar o tempo de convívio entre ambos, muito pelo contrário.

F) Enquanto foram um casal, foi sempre a progenitora quem com maior proximidade acompanhou o quotidiano das filhas, permitindo ao Requerido dedicar-se na plenitude à sua carreira profissional.

G) O Requerente, no âmbito da sua atividade profissional, sempre viajou regularmente, permanecendo a Requerida junto do seio familiar.

H) A Requerida e as filhas construíram laços afetivos estreitíssimos.

I) A Jovem CC rejeita a residência alternada, e verbaliza recorrentemente pretender passar a maioria do seu tempo junto da Mãe,

J) Durante a constância da união de facto, mãe e filhas ficavam várias vezes sozinhas sempre que, por motivos profissionais, o Requerente se ausentava.

L) A CC, tem manifestado desconforto com a residência alternada e deixou por modo próprio de a cumprir, não pernoitando em casa do pai.

M) A jovem tem uma relação de recusa em estar com o pai, na casa deste.

N) As menores CC e DD necessitam de ambos os Progenitores para que possam ter um desenvolvimento emocional e afetivo saudável e harmonioso.

O) O Requerente é um Pai responsável, dedicado, que mais não pretende senão que seja salvaguardado e protegido o direito que as suas filhas têm a uma relação regular, sólida e permanente com aquele.

P) Nenhum dos progenitores tem uma postura conflituosa.

Q) Em abril de 2022, a mãe saiu da casa que era a casa da morada de família, bem próprio do Requerente, e arrendou uma outra casa, passando as crianças a alternar entre a casa de cada um dos progenitores; porém, apenas quanto à DD foi o regime cumprido nos seus exatos termos, deixando de o ser relativamente à CC, a partir de 15 de setembro de 2022.

R) Desde a separação das casas sempre se verificou existir uma certa resistência da CC, filha mais velha, a esta nova dinâmica, por força da separação dos Pais. Ambos os pais se mostraram disponíveis para encontrar as soluções necessárias que esta resistência da CC se esbata ao longo do tempo.

S) O Pai tem procurado fazer tudo para responder às necessidades e apelos das filhas, sendo novidade para todos viverem a três e já não a quatro, procurando de modo crescente gerar uma nova rotina do Pai com a CC e DD.

T) (eliminada pela Relação).

U) A CC manifestou que o regime de residência alternada com periodicidade semanal, lhe causa perturbação e desconforto.

U)1 A DD tem-se adaptado bem ao regime de residência alternada, com periodicidade semanal.

V) Ambos os pais reconhecem a importância da mãe na vida das filhas sendo essencial para o desenvolvimento de qualquer uma das filhas a presença de Pai e Mãe, em iguais termos, para que cresçam de forma equilibrada e tranquila.

X) As duas jovens têm com o pai uma relação de afeto.

Z) Nos períodos antes da rutura do casal, o pai viajava mais em trabalho, sendo que agora as deslocações do Pai para fora são agora mais escassas, procurando realizá-las apenas nas semanas em que as jovens estão aos cuidados da Mãe.

Aa) O Pai desde sempre foi quem cozinhou e continua a fazê-lo, estando continuamente preocupado em saber se as jovens precisam de alguma coisa, enquanto estão com o Pai.

Ab) O Pai procura aderir aos pedidos das jovens, em especial aos da CC, quando a mesma quer passar tempo com as amigas, sendo de salutar todos esses momentos, associados ao normal crescimento da Criança, que começa agora a crescer e ser cada vez mais independente.

Mais se provou que:

Ac) O pai licenciou-se em Engenharia Mecânica. Trabalha, desde 2000, na área de sistemas de informação, numa empresa de software informático, onde é diretor de gestão de produto. O pai trabalha há vários anos em regime de teletrabalho, com gestão do próprio horário de trabalho (habitualmente, entre as 08:30 e as 18:30/19:00). Os seus compromissos profissionais implicam viagens frequentes, mas AA destacou o entendimento e flexibilidade que a sua empresa demonstrou face à conciliação entre a sua vida familiar e profissional.

Ad) A progenitora declarou à audição técnica especializada auferir rendimentos na ordem dos € 2 614,00 e o progenitor declarou rendimentos na ordem dos € 3 925,00.

Ae) A progenitora nasceu em .... É filha única, identificando a relação com os pais como muito próxima,

Af) A rede de apoio da mãe é primordialmente, constituída pelos pais. Tem com estes uma relação de confiança mútua.

Ag) A mãe é licenciada em Informática de Gestão. Trabalha, desde 2000, na empresa ..., onde exerce funções como Business Partner. Afirmou sentir-se muito realizada profissionalmente.

Ah) Beneficia de isenção de horário de trabalho.

Ai) Trabalha presencialmente às segundas e terças-feiras e os restantes dias em teletrabalho.

Ak)-Após terem comunicado a separação às filhas (em maio de 2021, por iniciativa unilateral do pai, segundo a mãe), ambos os progenitores acordaram que fariam programas separados ao fim-de-semana, quinzenalmente, assim como agendariam as férias de verão separadamente. Para a mãe, os fins-de-semana consigo decorriam com normalidade e as filhas aderiam às atividades propostas, o que não acontecia nos fins-de-semana do pai.

Aj) Ambas as filhas identificaram que as rotinas, regras e tarefas são muito semelhantes, nas semanas do pai e da mãe, mas na semana do pai conversam pouco com este.

Al) A escola descreve que o pai e a mãe mantém "uma participação colaborante no percurso educativo das alunas, cumprindo com as solicitações formais exigidas".

Al) A jovem CC demonstrou insatisfação e sofrimento perante o atual regime de residência alternada, destacando preferência por ficar a viver mais tempo com a mãe, com fins-de-semana alternados junto do pai. Sente maior afinidade com a mãe e descreveu uma relação de maior distanciamento e menor disponibilidade por parte do pai, sentindo-se pouco ouvida e acolhida na sua vontade, por parte deste último. Mais referiu que a sua relação com o pai é mais tensa, sentindo que este é algo crítico em relação à sua postura, "nunca fica do meu lado”.

Am) A CC frequenta o 9° ano de escolaridade no Colégio .... É descrita pela escola como uma aluna "muito correta, responsável, solidária, que estabelece relações cordiais e afetuosas com toda a comunidade escolar (pares e adultos) e mantém um grupo de amigos preferenciais com o qual tem relações de proximidade e convivência salutar".

An) A DD frequenta o 7° ano de escolaridade no Colégio ... Segundo a informação escolar recebida, tem bom relacionamento com pares e adultos e é uma aluna cumpridora das regras da escola, sendo descrita como "afável e cooperante". Tem um aproveitamento escolar excelente, sendo empenhada e participativa. Não desenvolve atividades extracurriculares formais, mas tem vários hobbys artísticos que faz em casa.

Ao) Desde Maio de 2022, a mãe arrendou uma casa perto da casa do pai (facilitando a logística familiar) para a qual se mudou. Nessa sequência, os pais acordaram que as transições entre agregados passam a ser feitas às segundas-feiras (um dos pais entrega na escola de manhã e o outro recolhe ao final do dia). Em data não concretamente apurada a CC deixou de querer estar em casa do pai.

Ap) O pai procura fazer companhia, tem conversas com entusiamo e leva as coisas mais naturalmente, tendo até demonstrado alguma reprovação de alguns comportamentos da CC, mas sempre sem ser uma reprovação óbvia.

As instâncias enunciaram os seguintes

Factos não provados

-a prioridade do Requerente sempre tenha sido a sua vida profissional, e não tanto o exercício da parentalidade, tendo deixado à Requerida a economia do funcionamento do casal.

- que o regime atualmente em vigor deixe as crianças infelizes, revoltadas e prejudica objetivamente o seu relacionamento com o seu Progenitor.

- que a recusa da CC resulte de ter receio em se divertir, ou de simplesmente estarem disponíveis a viver momentos com o Pai, sendo evidente a preocupação daquelas em “não querer desiludir a Mãe”.

3. O Direito

Atendendo a que os presentes autos se regulam pelas regras próprias da jurisdição voluntária (art.º 12.º da Lei n.º 141/2015, de 08.9), rege o disposto no n.º 2 do art.º 988.º do CPC, segundo o qual “[d]as resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

Com efeito, na jurisdição voluntária o juiz, ao estabelecer a providência a tomar, “não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (art.º 987.º do CPC).

Nestes casos, não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça imiscuir-se em matéria que fica para lá da sua função, que é o controle da aplicação da lei substantiva e das normas de direito probatório material.

Porém, à jurisdição voluntária preside uma discricionariedade vinculada, no sentido de que o juiz deverá respeitar os limites e padrões que o legislador tiver sinalizado e estipulado na respetiva área.

In casu, a recorrente questiona o regime de residência respeitante à filha CC. A Relação, confirmando a decisão da 1.ª instância, estipulou que as duas irmãs (conjuntamente) residiriam com o requerente e com a requerida em regime alternado, uma semana com o pai e uma semana com a mãe. Para tal, a Relação ponderou que essa era a solução que melhor servia o interesse da criança, sendo a residência alternada, segundo o padrão legal contido no art.º 1906.º n.ºs 6 e 8 do Código Civil, o modelo eleito pelo legislador, ressalvadas circunstâncias que o não aconselhem e que, segundo o tribunal, in casu não ocorriam.

A recorrente/requerida defende que esse regime não seja aplicado à jovem CC, face à oposição desta e às dificuldades de relacionamento que se patenteiam entre ela e o requerente/recorrido. Segundo a recorrente, está mais de acordo com o interesse da menor que esta resida habitualmente com a requerida, sem prejuízo de um regime de visitas em termos que indica. A recorrente questiona a interpretação feita pelo tribunal a quo acerca dos critérios de determinação da residência habitual da criança, previstos no n.º 5 e seguintes do art.º 1906.º do CC. Questiona também a aplicação que o tribunal recorrido alegadamente terá efetuado do princípio da igualdade entre os progenitores. Suscita igualmente a questão do preenchimento do critério normativo do superior interesse da criança e, nesse conspecto, a relevância da opinião da criança.

Isto exposto, o disposto no art.º 988.º n.º 2 do CPC não obsta à admissibilidade do recurso, face ao enquadramento e à fundamentação apresentados pela recorrente. Neste pressuposto, aliás, a revista foi recebida, e a Formação prevista no n.º 3 do art.º 672.º do CPC admitiu a revista excecional.

Na apreciação do recurso, a este Supremo Tribunal caberá averiguar se o tribunal a quo respeitou os padrões e os critérios legais de decisão aplicáveis à matéria sub judice. No mais, deve este STJ abster-se de intervenção naquilo que configure o exercício legítimo do poder discricionário atribuído às instâncias (cfr., v.g., acórdão do STJ, de 27.01.2022, processo n.º 19384/16.2T8LSB-A.L1.S1).

Sendo certo que, conforme se conclui no acórdão da Formação, a decisão recorrida deve ser reapreciada “de forma a definir, se e em que medida a opinião de uma jovem deve ou não ser essencial na concreta solução a aplicar quanto à sua residência, e como acautelar, neste tipo de situações, a necessária presença dos progenitores na vida das crianças e jovens, que se presume importante para o seu desenvolvimento integral”.

Analisemos, então, o quadro legal pertinente.

A Constituição da República Portuguesa consagra, expressamente, a igualdade de direitos e deveres dos cônjuges quanto à manutenção e educação dos filhos (artigo 36.º, n.º 3).

Tal princípio mostra-se concretizado no Código Civil.

Nos termos do art.º 1901.º n.º 1 “[n]a constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais”, os quais “exercem as responsabilidades parentais de comum acordo…” (n.º 2 do art.º 1901.º).

Em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, desde a entrada em vigor da Lei n.º 65/2020, de 04.11., o regime legal de exercício das responsabilidades parentais, tal como previsto no art.º 1906.º do Código Civil, é o seguinte:

1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.

3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.

4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.

5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

6 - Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.

7 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.

8 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.

9 - O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível”.

Este regime é aplicável a progenitores não unidos pelo matrimónio (cfr. artigos 1911.º a 1912.º do CC).

De um paradigma em que, no caso de separação dos pais, o poder paternal era exercido por um só dos progenitores, com quem a criança vivia e que normalmente era a mãe, passou-se para um padrão-regra em que, seja por acordo seja por imposição judicial, os pais exercerão em conjunto as responsabilidades parentais, procurando assegurar-se uma grande proximidade entre a criança e ambos os pais.

Por outro lado, o legislador passou a admitir expressamente a fixação de um regime de residência alternada do filho com cada um dos progenitores, mesmo na falta de acordo entre os progenitores, quando tal corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes (n.º 6 do art.º 1901.º).

Mesmo com a atual redação a lei parece, ainda, presumir que a criança residirá com um dos pais (n.º 3 do art.º 1096.º: “O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente).

Quanto ao direito adjetivo, aponta para uma equiparação entre os regimes possíveis: “Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela” (art.º 40.º n.º 1 do RGPTC).

Mesmo antes da atual aprovação legal expressa, introduzida pela Lei n.º 65/2020, de 04.11, o regime de exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada já tinha vindo a ser admitido pelos nossos tribunais, mesmo quando os progenitores não estavam de acordo quanto a ele, na medida em que tal satisfizesse o superior interesse da criança. Entendia-se, e entende-se, que esse regime é o que mais se aproxima da situação anterior à separação dos pais, possibilitando um igual envolvimento de ambos os progenitores no dia a dia dos filhos e também na tomada das decisões mais relevantes para o seu projeto de vida, num plano de igualdade que melhor satisfaz os interesses e as aspirações de pais e filhos (vide, v.g., com uma análise desenvolvida desta temática, os acórdãos da Relação de Lisboa, de 07.8.2017, processo 835/17.5T8SXL-A.2; Relação de Lisboa, 12.4.2018, processo 670/16.8T8AMD.L1-2; Relação de Coimbra, de 09.10.2018, processo 623/17.9T8PBL.C1; Relação de Lisboa, de 20.9.2018, processo 835/17.5T8SXL-2; Relação de Lisboa, 11.12.2019, processo 2425/18.6T8CSC-D.L1; Relação de Lisboa, 06.02.2020, processo 6334/16.5T8LRS-A-2).

Nesta perspetiva realça-se, porém, os inconvenientes que esta solução também pode implicar, como seja instabilidade na vida das crianças e riscos de desequilíbrios desencadeados por um relacionamento conflituoso entre os progenitores e por diferentes perspetivas educacionais daqueles. Neste aspeto, poderá encontrar-se uma atitude mais cautelosa por parte de alguma jurisprudência, que afasta a residência alternada, nomeadamente, quando exista um clima de conflitualidade entre os progenitores (v.g., acórdão da Relação do Porto, de 07.5.2019, processo 1655/18.5T8AVR-A.P1; acórdão da Relação de Coimbra, de 10.7.2019, processo 958/17.0T8VIS-A.C1, acima citado; Relação de Coimbra, 12.6.2018, processo 261/17.6T8VIS-A.C1; Relação de Guimarães, 02.11.2017, processo 996/16.0T8BCL-C.G; Relação do Porto, 24.10.2019, processo 3852/18.4T8VFR-A.P1). Sendo certo que, a este respeito, também se encontra uma perspetiva diversa, que tende a considerar que a residência alternada terá a virtualidade de pacificar a situação de conflitualidade existente entre os progenitores que alegadamente decorreria da guarda exclusiva atribuída a um deles, atenuando esse antagonismo, ou pelo menos não o agravando (v.g., acórdão da Relação de Lisboa, de 12.4.2018, processo 670/16.8T8AMD.L1-2, acima citado; acórdão da Relação de Coimbra, de 09.10.2018, processo 623/17.9T8PBL.C1, também citado supra; Relação do Porto, de 21.01.2019, processo 22967/17.0t8PRT.P1; Relação de Évora, 31.01.2019, processo 209/13.7TBENT-B.E1; Relação de Évora, 20.12.2018, processo 147/16.1T8PTM-B.E1; Relação de Lisboa, 18.6.2019, processo 29241/16.7T8LSB-A.L1-7; Relação de Lisboa, 11.12.2019, processo 2425/18.6T8CSC-D.L1, citado supra; Relação de Lisboa, 06.02.2020, processo 6334/16.5T8LRS-A-2, citado supra; Relação de Lisboa, 15.12.2020, processo 7090/10.6TBSXL-B.L1-7).

Não será inteiramente exata a afirmação, talvez implícita no acórdão recorrido, de que o regime de residência alternada é aquele que o legislador consagra como o preferível ou “ideal”, em caso de separação dos progenitores. Mas dúvidas não há que o legislador prevê a possibilidade de fixação desse regime pelo tribunal, independentemente da vontade dos progenitores, se tal “corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes” (n.º 6 do art.º 1906.º do Código Civil).

Ora, o tribunal a quo manifestou plena e evidente consciência da necessidade de averiguação prévia e concreta das circunstâncias individuais de cada situação de separação entre os progenitores, não se figurando que a opção pelo regime ora recorrido – residência das crianças, alternadamente, com cada um dos progenitores - tenha assentado numa suposta presunção legal de adequabilidade desse regime.

Veja-se o que se exarou no acórdão recorrido:

“Ora, conforme resulta da estipulação legal, a residência alternada, como regime que em tese se apresenta mais apto a possibilitar aos filhos um contacto igualitário com ambos os progenitores em circunstâncias o mais próximas possível das vivenciadas pelos filhos, antes da separação dos pais, o mesmo só será aplicado se, em concreto, “corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes.

Na verdade, opção pela guarda alternada não é um dogma, mas um caminho a percorrer tendo sempre como guia o superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias especialíssimas daquela criança e daquela família em concreto”.

A audição das crianças envolvidas constitui, de acordo com a respetiva idade, peça fundamental no apuramento do regime a fixar.

A audição e participação da criança é um dos princípios orientadores dos processos tutelares cíveis.

Nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 4.º do RGPTC, “a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse”.

No n.º 1 do art.º 5.º do RGPTC estipula-se que “[a] criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.

Conforme já acima transcrito, o n.º 9 do art.º 1906.º do Código Civil estabelece que, na fixação do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de separação dos pais, o “tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível”.

Estes preceitos coadunam-se com o disposto no art.º 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (assinada em Nova Iorque a 26.01.1990, aprovada para ratificação pela Assembleia da República em 08.6.1990 e ratificada pelo Presidente da República por Decreto publicado em 12.9.1990), nos termos do qual “Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade” (n.º 1 do art.º 12.º) e “Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional” (n.º 2 do art.º 12.º).

Tal como, no art.º 6.º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança (adotada em Estrasburgo a 25.01.1996, aprovada pela Assembleia da República em 13.12.2013 e ratificada por Decreto do Presidente da República publicado em 27.01.2014), se estipula que:

“Nos processos que digam respeito a uma criança, a autoridade judicial antes de tomar uma decisão deverá:

a) Verificar se dispõe de informação suficiente para tomar uma decisão no superior interesse da criança e, se necessário, obter mais informações, nomeadamente junto dos titulares de responsabilidades parentais;

b) Caso à luz do direito interno se considere que a criança tem discernimento suficiente:

— Assegurar que a criança recebeu toda a informação relevante;

— Consultar pessoalmente a criança nos casos apropriados, se necessário em privado, diretamente ou através de outras pessoas ou entidades, numa forma adequada à capacidade de discernimento da criança, a menos que tal seja manifestamente contrário ao interesse superior da criança;

— Permitir que a criança exprima a sua opinião;

c) Ter devidamente em conta as opiniões expressas pela criança”.

Também a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, citada pela recorrente, prevê, no n.º 1 do art.º 24.º, que as crianças “Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade”.

Aliás, voltando ao direito nacional, nos termos do n.º 2 do art.º 1878.º do Código Civil, “[o]s filhos devem obediência aos pais; estes, porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida”.

Sem esquecer que, no que concerne à morada da criança, o n.º 1 do art.º 1887.º do Código Civil estabelece que “[o]s menores não podem abandonar a casa paterna ou aquela que os pais lhes destinarem, nem dela ser retirados”, acrescentando-se, no n.º 2 do mesmo preceito, que “[s]e a abandonarem ou dela forem retirados, qualquer dos pais e, em caso de urgência, as pessoas a quem eles tenham confiado o filho podem reclamá-lo, recorrendo, se for necessário, ao tribunal ou à autoridade competente”.

Os filhos devem, pois, morar com os pais. Na impossibilidade de morarem simultaneamente com ambos os pais, na medida em que estes não vivem juntos, habitando em locais diferentes, os filhos poderão residir, como se viu acima, primordialmente com um ou outro, ou com ambos, de forma alternada. Sendo certo que, na fixação do regime, partir-se-á de acordo entre os pais, sujeito a homologação e, na falta de acordo, de decisão judicial, antecedida dos conhecidos termos processuais.

O padrão cimeiro a ter em consideração é o superior interesse da criança. Conceito indeterminado, carecido de preenchimento de acordo com as particularidades do caso em concreto.

O superior interesse da criança significa que se busca um regime de regulação das responsabilidades parentais que melhor proporcione à criança segurança, desenvolvimento, autoconfiança, responsabilidade, equilíbrio, inserção na comunidade restrita e alargada.

Desejavelmente, não ocorrendo distúrbios ou anomalias que afetem as figuras parentais, a satisfação do superior interesse da criança passa pelo convívio com os progenitores, ambos os progenitores, que têm o direito e o dever, em igualdade, de cuidar dos filhos, educá-los, incentivá-los, proporcionar-lhes, dentro das suas possibilidades, as coisas boas da vida, e ajudá-los a compreender as dificuldades, enfrentar os desgostos, identificar metas e limites, com firmeza e amor, com presença e exemplo.

Ora, se do lado de ambos os pais houver, como é desejável, igual disponibilidade e capacidade, e não existirem condições da vida (afastamento geográfico, por exemplo) que a tal obstem, não se anteveem razões para que a criança não partilhe a sua vida, com ambos os pais, de forma igualitária – pelo contrário, é aconselhável e desejável que assim suceda (como se ajuizou no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 30.11.2021, processo n.º 794/20.7T8VCT.G1.S1).

O obstáculo que, nesta revista, se aponta à manutenção do regime de residência alternada, é a oposição da menor CC.

Como se aduziu supra, na fixação do regime de exercício das responsabilidades parentais deve ouvir-se a criança, levando em consideração a sua vontade, em harmonia com a sua idade e maturidade.

Assumindo essa vontade especial relevância, como é natural, quando a criança se encontra já na fase da adolescência (cfr. Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 8.ª edição, 2022, Almedina, páginas 26 e 27, 63 – nota 78 -, 134, 142, 303 – nota 623).

Mas tal não significa, de modo algum, que ficará a cargo da criança a decisão sobre o regime a fixar-se. Isto é, a opinião/vontade da criança não é vinculativa do tribunal (cfr., v.g., acórdão da Relação de Lisboa, de 14.3.2023, processo n.º 2255/20.5T8PDL.L1-7; acórdão da Relação de Évora, de 15.12.2022, processo n.º 838/16.7T8PTM-A.E1; acórdão da Relação de Lisboa, de 12.7.2021, processo n.º 14658/17.8T8LSB.L1-2; acórdão da Relação de Lisboa, de 10.11.2020, processo n.º 3162/17.4T8CSC.L1-7). Essa não é, seguramente, a opção normativa, mesmo quando, como é o caso, a criança é, já, uma adolescente (CC tem, nesta data, quinze anos).

Caberá ao tribunal ouvir a criança/jovem, tomar conhecimento das suas razões e da sua vontade. E, tudo ponderado, decidir de acordo com o que, no seu juízo, melhor satisfizer o superior interesse da criança ou do jovem.

Ao Supremo Tribunal de Justiça cabe, em processos de jurisdição voluntária como o de regulação do exercício das responsabilidades parentais, fiscalizar o respeito, pelas instâncias, dos critérios normativos aplicáveis à matéria em questão, sem se imiscuir nas resoluções que essas instâncias, com respeito pelos referidos padrões normativos (máxime, o critério do superior interesse da criança), tenham proferido de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, isto é, de acordo com um juízo de adequação da solução encontrada às circunstâncias e particularidades do caso concreto.

Isto é, ao Supremo Tribunal de Justiça, órgão jurisdicional que fiscaliza a aplicação do direito, ou seja, a subsunção dos factos a critérios de legalidade estrita (tenha-se em vista o disposto nos artigos 987.º e 988.º n.º 2 do CPC), cabe, in casu, fiscalizar se as instâncias, ao fixarem o regime de residência em análise, se afastaram, no exercício do seu poder de decidir de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, dos padrões normativos acima enunciados.

Ora, tanto o tribunal de 1.ª instância, como a Relação (que confirmou o juízo da 1.ª instância), pautaram a determinação do regime de residência das menores pelo primordial critério do interesse daquelas, sem silenciar a sua voz, antes a levando em consideração, na medida em que a mesma foi valorada e avaliada, em conjunto com todos os aspetos tidos por relevantes na determinação do regime mais favorável ao interesse da CC e da DD.

Quanto à existência, no caso concreto, de condições objetivas para a aplicação do regime de residência alternada, não existem quaisquer dúvidas: provou-se que ambos os pais têm boas competências parentais, reconhecem essas competências ao outro progenitor, não pretendem limitar o tempo de convívio das filhas com o outro progenitor, as moradas de cada um dos pais localizam-se perto uma da outra.

Porém, provou-se que:

I) A Jovem CC rejeita a residência alternada, e verbaliza recorrentemente pretender passar a maioria do seu tempo junto da Mãe.

L) A CC tem manifestado desconforto com a residência alternada e deixou por modo próprio de a cumprir, não pernoitando em casa do pai.

M) A jovem tem uma relação de recusa em estar com o pai, na casa deste.

U) A CC manifestou que o regime de residência alternada com periodicidade semanal, lhe causa perturbação e desconforto.

Al) A jovem CC demonstrou insatisfação e sofrimento perante o atual regime de residência alternada, destacando preferência por ficar a viver mais tempo com a mãe, com fins-de-semana alternados junto do pai. Sente maior afinidade com a mãe e descreveu uma relação de maior distanciamento e menor disponibilidade por parte do pai, sentindo-se pouco ouvida e acolhida na sua vontade, por parte deste último. Mais referiu que a sua relação com o pai é mais tensa, sentindo que este é algo crítico em relação à sua postura, "nunca fica do meu lado”.

Quanto à posição da CC em relação ao regime de residência alternada, a Relação discorreu do seguinte modo:

“Ora, a CC foi ouvida pelo Tribunal e foi-lhe dada a oportunidade de expressar as suas razões e os seus sentimentos perante a Mma Juiza do Tribunal recorrido e Magistrado do Ministério Público, cabendo aqui louvar o cuidado, sensibilidade e empatia com que o fizeram.

E da audição da CC resulta, com evidência, que o caso particular que temos em apreço, é complexo. Essa complexidade resulta da idade da CC, 14 anos, à data em que foi ouvida, em plena adolescência. E como a sua mãe sublinhou, em audiência, naturalmente, está a atravessar as dificuldades, conflitos interiores e transformações próprias dessa importante fase do crescimento.

A CC revelou estar a sentir mais dificuldade do que a irmã DD em lidar com a nova realidade da separação dos pais pois refere que “para mim a grande mudança foi quando mudaram as casas”. Realmente, durante um determinado período de tempo, os pais embora separados, ainda partilhavam a mesma casa, o que para a CC criava uma certa ilusão de que tudo se mantinha igual, embora tivesse perfeita noção de que os pais já não tinham uma vida em comum.

Ora, a mãe ao sair da casa de morada de família, em Abril de 2022, teve a preocupação – que é de louvar - de procurar uma casa muito perto daquela que foi a casa de morada de família. Isso permite que as filhas mantenham as mesmas rotinas e facilita muitíssimo o relacionamento com ambos os progenitores.

Provou-se que a CC tem manifestado desconforto com a residência alternada e deixou por sua iniciativa de a cumprir, não pernoitando em casa do pai. Manifestou as suas razões no Tribunal de forma muito emotiva verbalizando que “preciso de estabilidade na minha vida, de ter espaço para as minhas coisas” e “custa todas as semanas andar com 50 sacos para trás e para a frente”. Para além destas questões meramente logísticas, avançou algumas dificuldades de relacionamento com o pai. Contudo, do discurso da CC não se vislumbra que esses obstáculos tenham por base uma atitude menos adequada por parte do pai. De modo algum. Como resulta provado, o Pai é responsável e dedicado (alínea O) dos factos provados). O pai tem procurado fazer tudo para responder às necessidades e apelos das filhas, sendo novidade para todos viverem a três e já não a quatro (alínea S) dos factos provados). O Pai, desde sempre, foi quem cozinhou e continua a fazê-lo, estando continuamente preocupado em saber se as jovens precisam de alguma coisa, enquanto estão com o Pai. O Pai procura aderir aos pedidos das jovens, em especial aos da CC, quando a mesma quer passar tempo com as amigas (vide pontos Aa e Ab).

Com efeito, perante estes factos, não resulta um quadro factual relevante que justifique a relutância da CC em ir para a casa do pai, em semanas alternadas, sendo certo que aquela é a casa onde cresceu, pois era a casa de morada da família. Por outro lado, situa-se a poucos metros da nova casa em que reside a mãe. Pode compreender-se algum transtorno na mudança de objectos e roupas que não tenha em duplicado, mas esse transtorno, por um lado, é minimizado pela proximidade entre as casas e, por outro lado, é compensado face às enormes vantagens decorrentes do convívio com o pai.

É certo que a CC, neste momento, não está a valorizar essas vantagens. Pelo contrário, rejeita a residência alternada e verbaliza recorrentemente pretender passar a maioria do tempo junto da Mãe. A questão está em saber se neste caso em particular, consideradas as circunstâncias concretas, salvaguardará o interesse da CC ceder à sua vontade ou, antes, melhor defenderá o seu superior interesse manter o regime de residência alternada.

Como se refere no acórdão do STJ de 27-01-2022,” o artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC elege o modelo de guarda conjunta e residência alternada do filho com os dois progenitores como meio privilegiado de proporcionar uma ampla convivência entre o filho e cada um dos progenitores, bem como a partilha das responsabilidades parentais por parte destes. Só assim não será se, atentas, nomeadamente, as aptidões, as capacidades e a disponibilidade de cada progenitor, o superior interesse do filho o não aconselhar.”

Ora bem, no caso concreto em análise e, não obstante a oposição da CC, afigura-se-nos que o superior interesse desta aconselha a aplicação do regime da guarda conjunta e residência alternada.

Na verdade, atenta a idade da CC, nesta data já completou 15 anos, encontra-se na chamada “idade difícil”, expressão que habitualmente designa a adolescência, caracterizada por uma forte contestação à autoridade dos pais. Nesta idade, é normal que a afirmação da personalidade em formação, redunde em relações conflituosas com os pais, especialmente aquele que se assumir como mais rígido e disciplinador. Com efeito, também é normal que um dos progenitores seja mais rígido e o outro mais flexível e é da conjugação desses métodos educativos diferentes que é possível encontrar um ponto de equilíbrio de que beneficiará a criança ou o jovem. No caso em análise, depreende-se facilmente que o motivo do conflito entre a CC e o pai reside no facto de este assumir uma postura mais disciplinadora do que a mãe, assumindo esta uma atitude mais próxima, mais flexível.

Ora, estas duas formas de estar ou, por outras palavras, estes dois métodos educativos são ambos válidos e ambos desempenham um papel importantíssimo no crescimento e estruturação da personalidade das filhas. Pai e Mãe, precisamente porque têm personalidades diferentes, desempenham papéis diferentes, mas complementares, na educação e desenvolvimento integral das suas filhas. E ambos, felizmente, mostram ter noção disso mesmo, do seu papel insubstituível no crescimento equilibrado e harmonioso das mesmas.

Especialmente a CC, atendendo à idade em que se encontra, à personalidade que revela e à forma como a adolescência está a marcar o seu comportamento, necessita tanto do “refúgio” que ela verbaliza encontrar na mãe, como de uma maior disciplina por parte do pai. Isto não quer dizer que essa disciplina não deva também ser aplicada pela mãe e que o pai não deva também dar espaço, na sua relação com as filhas, a momentos de proximidade e diálogo, bem como manifestação de afecto.

Uma coisa é certa: a CC precisa tanto da Mãe como do Pai e ambos demonstraram ter condições para lhe proporcionar o equilíbrio emocional de que necessita.

Acompanhamos inteiramente a sentença recorrida quando prudentemente discorre: “Não deixamos de ponderar as declarações da jovem CC que disse e não duvidamos que assim seja, que pretendia viver apenas com a mãe. Contudo, satisfazer este seu desejo, não corresponde á salvaguarda do seu superior interesse e não pode assim o Tribunal acolhe-lo, sob pena de em vez de a proteger, a condenar a uma existência mais empobrecida de afectos e referências. Ambas as jovens têm direito a fruírem plenamente de laços securizantes com ambos os progenitores e de contato com a família de ambos os lados e o Tribunal tem o dever de o assegurar, ainda que ao arrepio daquilo que é a vontade da jovem.”

Por isso, o facto de a CC manifestar que o regime de residência alternada com periodicidade semanal, lhe causa perturbação desconforto e mesmo sofrimento, (Alínea Al dos factos provados), não pode constituir fundamento ou argumento para alterar o regime, conforme pretende a Apelante. É compreensível, até tentadora, essa solução. Porquê manter um regime que está a causar perturbação, desconforto, insatisfação e sofrimento emocional à CC? Obviamente ninguém quer que a menina sofra, nem os Pais, nem o Tribunal. Sucede que a razão profunda do desconforto e do mau estar da CC não está na residência alternada, mas sim no facto de ainda não ter interiorizado a nova realidade da separação dos pais. É desse trauma que ela procura “refúgio”, na relação algo simbiótica com a mãe.

Ora, a forma de a menina ultrapassar este trauma que a está a magoar não pode ser afastá-la do convívio com o pai. Pelo contrário, o papel deste é essencial e insubstituível, no sentido de a ajudar gradualmente a ultrapassá-lo e a interiorizar a qualidade da relação afectiva com ambos e que ficou intocada com a separação.

A CC, tendo sido aconselhada pela Exma Juíza do Tribunal a quo a aceitar acompanhamento psicológico para a ajudar a lidar com as dificuldades supra mencionadas, recusou terminantemente essa sugestão.

Quer isto dizer que ambos os pais terão de empenhar-se num grande esforço de diálogo e acompanhamento da CC, mostrando-lhe incondicional apoio, mas igualmente firmeza na aplicação de regras estabelecidas por acordo entre ambos.

Pelas razões supra expostas, mantém-se a decisão recorrida”.

Da transcrição supra resulta que o acórdão recorrido fundou a sua decisão na aplicação do critério legal do superior interesse da criança, após ter ouvido a jovem e ainda que decidindo em termos contrários à vontade desta. Conforme já acima afirmado, entendemos que a vontade da criança ou da jovem não é vinculativa do tribunal, podendo o tribunal regular o exercício das responsabilidades parentais em termos diversos dessa vontade, na medida em que, ponderadas todas as circunstâncias do caso, o tribunal considere que tal é imposto pelo interesse desse jovem ou dessa criança.

Ao ter decidido pela forma descrita, o tribunal agiu no legítimo exercício da atividade jurisdicional, no respeito pelos padrões legais estabelecidos para a matéria em questão, apelando, nesse quadro, para razões de adequação e oportunidade que explanou convenientemente.

Não se vislumbrando, contrariamente ao aventado pela recorrente, que, assim julgando, a Relação (que secundou a primeira instância) atentou contra o direito à autodeterminação e ao desenvolvimento da personalidade da CC, consagrado no art.º 26.º, n.º 1, da CRP, ou incorreu numa forma de exercício abusivo da autoridade pelo Estado e pela família, violadora do disposto no art.º 69.º, n.º 1, da CRP e no art.º 1878.º, n.º 2, do CC.

Pelo contrário, a Relação pautou a sua decisão pela convicção, fundamentada, de que o convívio regular e permanente da jovem com o seu pai, a par com o convívio regular e permanente com a mãe, na forma da residência alternada, é o que melhor serve o interesse da jovem, proporcionando-lhe o mais completo e equilibrado quadro de vida familiar e pessoal, pese embora a resistência que a jovem tem oposto a essa ideia. A essa resistência, assente numa aparente perceção de autoritarismo por parte do pai, que os factos provados não corroboram, não se adequa uma atitude de passividade e de conformismo, como defende a recorrente, que desde logo dá de barato uma futura e impreterível situação de incumprimento, por parte da jovem, do decidido pelo tribunal.

A este respeito reproduz-se um trecho do relatório da audição técnica especializada junto aos autos, citado na sentença da primeira instância:

Denote-se que a oposição manifestada ao atual regime, particularmente pela CC, poderá cristalizar-se ou agravar-se, com impacto negativo no seu bem-estar, na relação paterno-filial e no cumprimento do regime. Contudo, uma residência exclusiva junto da mãe, poderá validar e potenciar a narrativa de pai “periférico”, associando-o a momentos exclusivamente lúdicos, promovendo uma deficitária participação na vida das filhas.

Assim, face à dinâmica relacional entre a mãe e as filhas (mais emaranhada) e entre o pai e as filhas (mais distante e tensa), consideramos essencial e sugerimos que as mesmas possam ser elaboradas terapeuticamente, com recurso a intervenção sistémica (terapia familiar), para a qual ambos os pais demonstraram a sua disponibilidade, por forma a colmatar as atuais dificuldades e prevenindo o incumprimento do regime a definir.”

Isto é, o regime definido pelas instâncias só fracassará se não houver, da parte de ambos os pais, uma atitude proativa, de incentivo e de acompanhamento da jovem, de molde a que esta compreenda e interiorize as vantagens do mesmo, ou, pelo menos, aceda a cumpri-lo, dando, a ela própria e ao pai, a possibilidade de uma melhor compreensão mútua, veiculadora da criação das condições para a convivência alternada com o pai e com a mãe, nos termos do regime fixado, que se considera ser o mais conveniente tanto para a DD, como para a CC.

Pelo exposto, considera-se que o acórdão recorrido deve ser confirmado.

III. DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

As custas da revista, na modalidade de custas de parte, são a cargo da recorrente, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).

Lx, 18 de junho de 2024

Jorge Leal (Relator)

Manuel Aguiar Pereira

Jorge Arcanjo