Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISTA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PROVA PERICIAL INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL FATOR DE BONIFICAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 06/23/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Sumário : | I- Cabe às instâncias, no âmbito dos seus poderes para julgar a matéria de facto, fixar livremente a força probatória da prova pericial, nos termos do artigo 389.o do Código Civil, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça alterar a factualidade dada como assente. II- Não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do n.o 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidade. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.o 1136/17.4T8LRA.C2.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, I. Relatório No processo especial de acidente de trabalho, em que é Autor, o Sinistrado AA e Entidade Responsável “Seguradoras Unidas, S.A.”, aquele, não se conformando com o resultado do exame médico realizado nestes autos, requereu a realização de junta médica. Realizada a junta médica, em 16.05.2019 foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar procedente a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho e, em consequência: a) Declara-se que o Sinistrado, AA, se encontra, em virtude do acidente de trabalho objeto deste processo, afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 7,5%, com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual, desde 26/02/2018; b) Condena-se a Entidade Responsável “Seguradoras Unidas, S.A.” a pagar ao Sinistrado, AA, uma pensão anual e vitalícia de € 10. 403,31 (dez mil quatrocentos e três euros e trinta e um cêntimos), devida desde 26/02/2018, a ser paga na proporção de 1/14 até ao 3.o dia cada mês, sendo os subsídios de férias e de Natal, na mesma proporção, pagos em junho e em novembro; c) Condena-se a Entidade Responsável “Seguradoras Unidas, S.A.” a pagar ao Sinistrado, AA, um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, no montante de € 3.998,10 (três mil novecentos e noventa e oito euros e dez cêntimos); d) Condena-se a Entidade Responsável “Seguradoras Unidas, S.A.” a pagar ao Sinistrado, AA, a título de despesas com deslocações obrigatórias, a quantia de € 20,00 (vinte euros); e) Condena-se a Entidade Responsável “Seguradoras Unidas, S.A.” a pagar ao Sinistrado, AA, juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento”. A Seguradora interpôs recurso de apelação. Em 6.12.2019, o Tribunal da Relação proferiu acórdão com o seguinte dispositivo: “Termos em que se julga a apelação totalmente procedente, em função do que se decide. 1.Anular a sentença impugnada; 2. Ordenar a notificação da empregadora para, em prazo a designar, informar os autos sobre: -a avaliação efetuada pelos seus serviços de medicina do trabalho; - a situação profissional atual do sinistrado? Encontra-se a trabalhar? Se sim, em que funções? - Quais as medidas implementadas para reintegração profissional do sinistrado por si levadas a cabo. 3. Vindas estas informações, deverá solicitar-se à entidade competente a realização de estudo ou análise sobre o posto de trabalho. 4. Realizado este estudo deverá ser convocada nova junta médica, decidindo-se depois em conformidade conforme for de direito”. O sinistrado veio arguir a nulidade do acórdão de 6.12.2019 e requerer a sua reforma. Por acórdão de 6.03.2020 foi indeferida a reclamação. Realizadas as diligências determinadas pelo Tribunal da Relação, em 18.03.2022, foi proferida nova sentença com o seguinte dispositivo: “Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar procedente a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho e, em consequência: a) Declara-se que o Sinistrado, AA, se encontra, em virtude do acidente de trabalho objeto deste processo, afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 5%, desde 26/02/2018; b) Condena-se a Entidade Responsável “Seguradoras Unidas, S.A.” a pagar ao Sinistrado, AA, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 707,02 (setecentos e sete euros e dois cêntimos), devida desde 26/02/2018; c) Condena-se a Entidade Responsável “Seguradoras Unidas, S.A.” a pagar ao Sinistrado, AA, a título de despesas com deslocações obrigatórias, a quantia de € 20,00 (vinte euros); d) Condena-se a Entidade Responsável “Seguradoras Unidas, S.A.” a pagar ao Sinistrado, AA, juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 26/02/2018, até integral pagamento”. O sinistrado interpôs recurso de apelação. Em 28.09.2022, o Tribunal da Relação proferiu acórdão com o seguinte dispositivo: “IV – Termos em que se julga a apelação procedente em função do que se decide: a) Declarar que o Sinistrado, AA, se encontra, em virtude do acidente de trabalho objeto deste processo, afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 7,5%, com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual, desde 26/02/2018; b) Condenar a Entidade Responsável “Seguradoras Unidas, S.A.” a pagar ao Sinistrado, AA, uma pensão anual e vitalícia de € 10.403,31 (dez mil quatrocentos e três euros e trinta e um cêntimos), devida desde 26/02/2018, a ser paga na proporção de 1/14 até ao 3.o dia cada mês, sendo os subsídios de férias e de Natal, na mesma proporção, pagos em junho e em novembro; c) Condenar a Entidade Responsável “Seguradoras Unidas, S.A.” a pagar ao Sinistrado, AA, um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, no montante de € 3.998,10 (três mil novecentos e noventa e oito euros e dez cêntimos); d) No mais, mantém-se a sentença impugnada”. A Seguradora veio interpor recurso de revista, arguindo a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia. No seu recurso a Entidade Responsável alegou que o Tribunal da Relação alterou a matéria de facto ao considerar que o trabalhador tinha estado afetado de uma IPATH, alteração que não lhe seria consentida nem sequer pelo disposto no artigo 662.o, n.o 1, já que tal alteração dependeria do cumprimento, por quem estivesse interessado na alteração da matéria de facto, do disposto no artigo 640.o. Haveria, assim, violação do disposto nos artigos 662.o n.o 1 e 640.o, bem como uma nulidade por excesso de pronúncia (Conclusões I a XII). Afirma, igualmente, que “o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” (Conclusão XV) e que a fundamentação aduzida pelo Tribunal da Relação basear-se-ia em considerações genéricas (Conclusões XVI e XXII) e em contradição com três perícias. Quando muito, acrescenta, deveria o Tribunal ter ordenado a realização de nova perícia, pelo que aduz igualmente a violação do artigo 662.o n.o 2 (Conclusão XXX). Sustenta, também, no seu recurso, que “[a] aplicação do fator de bonificação de 1,5 previsto nas instruções gerais da TNI, seja por idade, seja por não ser possível a reconversão, está reservada, apenas, para os casos em que não existe a IPATH” (Conclusão XXXI). Tal redundaria em uma dupla indemnização do mesmo dano (Conclusão XXXIII: “A conjugação entre a regra da alínea a) do ponto 5o das instruções gerais e a dos artigos 48o n.o 3 alínea b) e 67o n.o 3 da LAT, bem como o princípio que subjaz à diferenciação entre a existência de IPATH e simples IPP, impõe a conclusão de que não são cumuláveis a bonificação e a atribuição de uma IPATH, o que redundaria numa dupla indemnização do mesmo dano”) e seria, inclusive, inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (Conclusão XXXVI; ver também Conclusão XXXVII: “A dupla indemnização da IPATH (por via do regime especial artigo 48o n.o 3 alínea b) da LAT e por aplicação, simultânea, do fator de bonificação de 1,5 na sua capacidade geral) confere aos portadores dessa incapacidade um tratamento desigual e injustificadamente mais benéfico do que o que é reconhecido aos demais sinistrados que não estejam impedidos de prosseguir o desempenho da sua profissão habitual”). O Sinistrado apresentou contra-alegações. Por acórdão de 13.12.2022, o Tribunal da Relação julgou improcedente a nulidade invocada. Em cumprimento do disposto no artigo 87.o n.o 3 o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso. II. Fundamentação a) De Facto Foram os seguintes os factos provados nas instâncias: 1.o - O Sinistrado, AA, no dia 23/02/2016 e em ..., trabalhava, sob ordens, direção e fiscalização da sociedade “Santos Barosa Vidros, S.A.”, com a categoria profissional de condutor e manobrador de máquinas industriais, auferindo a remuneração de € 1.246,00 x 14 meses, acrescida de € 138,38 x 11 meses de subsídio de alimentação e € 1.234,43 x 1 de outros subsídios, num total anual ilíquido de € 20.200,61. 2.o - Na data referida em 1o, o Sinistrado encontrava-se a trabalhar nas instalações da sua entidade patronal, ocasião em que caiu, o que lhe provocou uma entorse no pé direito, tendo sofrido as lesões e as sequelas melhor descritas no auto de exame médico legal de fls. 127 a 129, cujo teor se dá aqui inteiramente por reproduzido para os legais efeitos. 3.o - O Sinistrado esteve com Incapacidade Temporária Absoluta de 24/02/2016 a 22/06/2016, com Incapacidade Temporária Parcial de 20% de 23/06/2016 a 11/07/2016, com Incapacidade Temporária Parcial de 15% de 12/07/2016 a 21/07/2016, com Incapacidade Temporária Parcial de 10% de 22/07/2016 a 04/08/2016, com Incapacidade Temporária Absoluta de 05/08/2016 a 29/11/2016, com Incapacidade Temporária Parcial de 10% de 30/11/2016 a 28/02/2017, com Incapacidade Temporária Absoluta de 01/03/2017 a 24/01/2018, com Incapacidade Temporária Parcial de 30% de 25/01/2018 a 30/01/2018 e com Incapacidade Temporária Absoluta de 31/01/2018 a 25/02/2018, tendo tido alta clínica em 25/02/2018, após o que o Sinistrado ficou afetado, em virtude do facto descrito em 2.o, com uma Incapacidade Permanente Parcial de 5%. 4.o - O Sinistrado nasceu em 04/09/1972, tendo recebido, por parte da Entidade Responsável, “Seguradoras Unidas, S.A.”, a quantia de € 26.551,68, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária anteriormente referidos, tendo ainda o Sinistrado gasto, em deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal, € 20,00. 5.o - Na data referida em 1o, a sociedade “Santos Barosa Vidros, S.A.” tinha transferido, por contrato de seguro titulado pela Apólice n.o ... para a Entidade Responsável, “Seguradoras Unidas, S.A.” (anteriormente designada Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.) a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho do Sinistrado, com base na totalidade da remuneração auferida por este. b) De Direito Relativamente à primeira questão suscitada no recurso – a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação – importa começar por assinalar que as decisões tomadas pelo Tribunal da Relação em cumprimento do dever que lhe é imposto pelo n.o 1 do artigo 662.o do CPC não são sindicáveis em sede de recurso de revista, como resulta inequivocamente do disposto no n.o 4 desse mesmo artigo 662.o. Em todo o caso, sempre se dirá que tal dever não depende do recurso de impugnação da matéria de facto por uma das partes ao que acresce, como bem assinala o fundamentado Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Tribunal em cumprimento do disposto no artigo 87.o n.o 3 do CPT, a natureza indisponível dos direitos do sinistrado em matéria de acidentes de trabalho, não existindo qualquer nulidade por excesso de pronúncia. As outras questões suscitadas no recurso têm sido já objeto de jurisprudência reiterada neste Tribunal. Quanto ao valor da prova pericial, há que recordar que “a prova pericial não tem força probatória vinculada, dado que, como se extrai do disposto nos artigos 591.o e 655.o do CPC e no artigo 389.o do CC, o resultado da perícia é sempre valorado pelo juiz segundo a sua livre convicção” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2010, processo n.o 429-C/1995.P1.S1, Relator Conselheiro Moreira Alves). E não se tratando de prova tabelada ou legalmente tarifada, mas de prova sujeita à livre apreciação das instâncias está vedado a este Supremo Tribunal de Justiça alterar a factualidade dada como assente (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/11/2020, processo n.o 288/16.5T8OAZ.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco). Com efeito, resulta do n.o 3 do artigo 674.o do CPC que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. E tão-pouco pode este Tribunal ordenar uma nova perícia quando o Tribunal da Relação não o fez – recorde-se que também das decisões tomadas pelo Tribunal da Relação ao abrigo do disposto no n.o 2 do artigo 662.o não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. o já referido n.o 4 do artigo 662.o do CPC). Quanto à questão da compatibilidade da incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual com o fator de bonificação, também ela tem sido decidida repetidamente por este Tribunal em sentido afirmativo. Veja-se, a este propósito, o já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/11/2020, processo n.o 288/16.5T8OAZ.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco, o qual, aliás, remete para numerosa jurisprudência desta Secção nesse mesmo sentido1. Como neste Acórdão de pode ler: “Na verdade, mal se compreenderia que se tratasse de modo diferente uma situação em que o sinistrado continuasse a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço, e uma situação em que estivesse impedido permanente e absolutamente de o realizar. É que, em qualquer dos casos, haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua atividade profissional, traduzido, quando o mesmo está afetado de uma IPATH, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, devendo o mesmo ser também compensado com a aplicação do fator de bonificação em apreciação. Acresce que não se desenha qualquer incompatibilidade entre a aplicação do assinalado fator de bonificação e o estipulado na alínea b) do n.o 1 do artigo 17.o da Lei n.o 100/97, de 13 de setembro, na medida em que uma temática é o cálculo da prestação por incapacidade devida ao sinistrado, operado nos termos da citada alínea, outra é a aplicação da questionada bonificação” (sublinhado nosso). Decorre daqui que não há qualquer duplicação da indemnização pelo mesmo dano, nem violação do princípio da igualdade – pelo contrário, o que há é a consideração do esforço suplementar exigido ao trabalhador para continuar a trabalhar, seja nas mesmas funções, seja em funções novas, nada se vislumbrando de inconstitucional em tal solução. 3. Decisão: Negada a revista Custas pelo Recorrente Lisboa, 23 de junho de 2023 Júlio Gomes (Relator) Ramalho Pinto Domingos José de Morais
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1. Ac. STJ de 24/10/2012, Proc. n.o 383/10.4TTOAZ.P1.S1; Ac. STJ de 05/03/2013 Proc. n.o 270/03.2TTVFX.1.L1.S1; Ac. STJ de 28/01/2015, Proc. n.o 28/12.8TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 28/01/2015, Proc. n.o 22956/10.5T2SNT.L1.S1; Ac. STJ de 03/03/2016, Proc. n.o 447/15.8T8VFX.S1; Ac. STJ de 06/02/2019, Proc. n.o 639/13.4TTVFR.P1.S1.↩︎ |