Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM PORNOGRAFIA DE MENORES BEM JURÍDICO PROTEGIDO FOTOGRAFIA MEDIDA DA PENA PENA DE PRISÃO PENA ÚNICA | ||
Data do Acordão: | 02/19/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
Sumário : | I. A criança não é só destinatário, é também sujeito de direitos fundamentais entre os quais sobressai o direito ao desenvolvimento integral em todos os aspetos da sua identidade pessoal, o direito ao respeito pela sua dignidade humana e o direito à proteção contra todas as formas de exploração ou exposição sexual. II. Nos avisados considerandos da Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, a pornografia infantil, constitui uma violação grave “dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar”. É uma fenomenologia criminal em que não devem interceder considerandos de ordem cultural ou ideológica, nem haver espaço para a expressão de opiniões pessoais ou de coletivos refratários ao respeito pela dignidade e direitos fundamentais das crianças, universalmente reconhecidos. III. O bem jurídico protegido com a incriminação da «pornografia infantil» não se circunscreve ao desenvolvimento da personalidade do menor na sua esfera sexual. Protege não somente a autodeterminação sexual, mas, essencialmente, o direito de cada um e de todos os menores a um desenvolvimento físico natural e a gozar de uma infância e adolescência harmoniosas e sem traumas. Importa que a criança continue criança durante toda a sua infância e o adolescente o seja em toda essa importante fase da sua formação. Estamos, por isso, perante um bem jurídico plurisubjetivo e coletivo que protege a indemnidade sexual, o bem-estar das crianças e adolescentes, a sua segurança formativa e a dignidade da infância no seu todo. IV. A «pornografia infantil» – e estamos a cingir-nos às condutas que a materializam – prejudica, sem dúvida, a formação e o desenvolvimento da personalidade integral, incluindo a sexualidade do próprio menor – componente essencial da personalidade da pessoa humana -, mas também coloca em perigo, ainda que abstrato, o bem-estar e o desenvolvimento harmonioso das crianças em geral, do coletivo que está na idade da infância e da juventude, e que a sociedade entende ser igualmente importante e do interesse geral proteger. V. O legislador adianta as barreiras de proteção de modo a abranger o perigo inerente a condutas que podem fomentar quaisquer práticas pedofilias sobre os menores em geral (proibindo e punindo desde a posse, à difusão por qualquer modo, até comercialização de materiais ou conteúdos pornográficos de crianças meramente representadas) e também sobre menores concretos e determinados. VI. As condutas que preenchem o tipo objetivo são multifacetadas. Grosso modo podem agrupar-se em atos de utilização de menores, atos de aquisição ou produção de pornografia de menores, atos de detenção ou acesso, e atos de exibição ou divulgação de pornografia infantil. VII. Presumindo-se que a formação e desenvolvimento da personalidade global dos menores é colocada em perigo pela pornografia infantil, o legislador decidiu adiantar as barreiras da proteção contra essas práticas altamente lesivas de acontecimentos que “roubam” ou traumatizam gravemente a infância ou a adolescência dos menores, perturbando um desenvolvimento harmonioso da personalidade a todos os níveis. De modo que na al.ª b), incrimina o aliciamento da utilização de fotografias, filmes ou gravações pornográficas e a tentativa de obtenção destas modalidades de pornografia infantil. VIII. A parte final da alínea b) do n.º 1 do art-º 176º do Cod. Penal prevê e pune o que na terminologia anglo-saxónica se designa por «sexting» (de sex e tenting) de adulto com menor/es, consistente em estabelecer contacto à distância e manter conversação com crianças, através da internet, do telemóvel, ou de qualquer outra tecnologia da informação e da comunicação, para, abusando da sua inexperiência sexual, a aliciar a enviar fotografias, filmes ou gravações pornográficas dela própria ou de outras crianças. IX. O sexting é o primeiro passo, a fase preliminar e preparatória daquilo que, regra geral. o agente criminoso adulto tem em mente: - ganhar a confiança da/o/as/os menor/es aliciada/o/s a fim de obter desta/e/s conteúdos pornográficos com atos sexuais explícitos e, seguidamente, concertar encontros para obter concessões de índole sexual. Situação incriminada no art.º 176º-A do Cód. Penal, que internacionalmente se denominado por «child grooming», (a ação deliberada de um adulto que pretende acossar e/ou abusar sexualmente de uma criança ou adolescente) através da Internet ou das redes sociais. X. Nas conversações mantidas através da internet ou das redes sociais ou de comunicação móvel, o adulto, quase sempre sob um perfil falso, tem como primeiro objetivo obter fotografias e/ou vídeos eróticos. Logo que ganha a confiança da/o menor e este lhe faculta ou comparte imagens com atos de conteúdo erótico, o «groomer» pressiona-a/o a enviar-lhe mais e mais e com atos sexuais explícitos ou dos órgãos genitais ou erógenos, e/ou pressiona-a/o um encontro físico e, se a/o menor não acede começa a chantagea-la/o, ameaçando-a/o com publicar as fotografias e os vídeos. Quando se produzem esses encontros forçados, o desenlace traduz-se quase sempre em abusos sexuais, não raro em violação, algumas vezes em desaparecimento e, até homicídio. XI. A qualificação de uma fotografia “como pornográfica deve exprimir, segundo o seu conteúdo objetivo, que ele é idóneo, segundo as circunstâncias concretas da sua utilização, a excitar sexualmente a vítima, ultrapassando por isso notoriamente, em abstrato, os limites permitidos por um desenvolvimento sem entraves da personalidade do menor. É deste modo ainda (…) uma interpretação de acordo com o bem jurídico”. XII. Inexistem quaisquer motivos que pudessem legitimar ou que possam racionalmente aceitar-se que o arguido, um adulto que até vivia em união de facto com uma tia da menor, pudesse utilizar fotografias de uma criança com 10/11 anos de idade, retratando-se após o banho, apenas vestida com cuecas, ou também uma fotografia do corpo todo e ainda do «rabo». | ||
Decisão Texto Integral: | O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda: I. RELATÓRIO:
a) a condenação: Na ...ª Secção Criminal da Instância Central de …, mediante acusação do Ministério Público da prática dos seguintes crimes: Contra a menor AA: - três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, nº 1, do C.P.; - dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, nº 2, do C.P.; - três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, nº 3, alínea a) por referência ao artigo 170º ambos do C.P.; Contra a menor BB: - sete crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, nº 1, do C.P.; - cinco crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, nº 2 do C.P.: - três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, nº 3, alínea a) por referência ao artigo 170º, ambos do C.P.; Contra a menor CC: - um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, nº 3, alínea a) do C.P.; e - um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, alíneas b) e 177º, nº 7 do C.P. foi o arguido: - DD, de 28 anos, com os demais sinais dos autos, julgado no processo comum supra referenciado e, por acórdão de 22 de março de 2019, o tribunal coletivo, condenou-o, pela prática de: a) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão. b) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 3 alínea a) do CP, na pena de 9 (nove) meses de prisão. c) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão. d) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão. e) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão. f) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 2 do CP, na pena de 4 (quatro) anos de prisão. g) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão. h) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 3 alínea a) do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão. i) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 3 alínea a) do CP, na pena de 9 (nove) meses de prisão. j) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão. k) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão. l) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 2 do CP, na pena de 4 (quatro) anos de prisão. m) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão. n) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão. o) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo no artigo 171º, nº 3 alínea a) do CP, na pena de 9 (nove) meses de prisão. p) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão. q) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 3 alínea a) do CP, na pena de 9 (nove) meses de prisão. r) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão. s) um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 3 alínea a) do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão. t) um crime de pornografia de menor, p. e p. nos artigos 176º nº 1 alínea b) e 177º nº 7 do CP, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão. u) e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão. Inconformado, recorre, diretamente para o STJ, cingindo a sua discordância a alguns aspetos da decisão em matéria de direito. b) o recurso do arguido: Remata a alegação com as seguintes: - CONCLUSÕES: A. Foi condenado pela prática de 19 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p., respetivamente, pelos nºs 1, 2 e 3, al. a), do artigo 171.º, do Código Penal, e por um crime de pornografia de menor agravado, p. e p. pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b) e 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena única de 6 anos e 9 meses de prisão. B. A conduta do arguido não consubstancia a prática do crime de pornografia de menor agravado. C. Os factos dados por provados nos pontos 53 a 58 do douto acórdão recorrido, não constituem aliciamento de menor para fotografia pornográfica, nos termos e para o efeito do disposto no artigo 176.º, n.º 1, al. b), do Código Penal. D. Estes factos dados por provados não se enquadram na previsão do artigo 176.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, porque não integram o conceito de imagem pornográfica nem de pornografia infantil no sentido em que se exige para efeito da incriminação, uma vez que o arguido não aliciou a menor a tirar e a enviar-lhe fotografias suas nua ou em poses de exibição dos órgãos sexuais nus. E. Face ao exposto, devia o arguido ter sido absolvido da prática do crime de pornografia de menor agravado p. e p. pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b) e 177.º, n.º 7, do Código Penal, termos em que deve o douto acórdão recorrido ser revogado, absolvendo-se o recorrente da prática deste crime, o que se requer. F. O recorrente discorda da medida de cada uma das penas parcelares em que foi condenado, sendo seu entendimento que, face à matéria de facto provada, às suas condições pessoais, ao teor do relatório social e ao disposto no artigo 71.º do Código Penal, devia cada uma das penas aplicadas ser de medida inferior àquela em que foi condenado. G. Entende o recorrente que cada uma das penas parcelares aplicadas são manifestamente injustas, desadequadas e desproporcionadas face à factualidade provada e ao disposto no artigo 71.º do Código Penal. H. O arguido não tem antecedentes criminais por factos de idêntica natureza, apresenta hábitos consolidados de trabalho e encontra-se inserido profissional e familiarmente, reside com a companheira desde 2014 e com o filho de ambos nascido em … de 20... I. Trabalha como … e a companheira apresenta um grau de incapacidade física, desempenhando funções de … . J. A situação familiar do arguido, o facto de ter um filho menor de …. anos a seu cargo cuja mãe, sua companheira, é deficiente física, não é compatível com a situação de reclusão e com o período de permanência em estabelecimento prisional em que foi condenado. K. Sem o ordenado e o apoio do arguido nas tarefas da vida familiar e devido ao seu grau de deficiência física, não vai ser possível à mãe do menor prover sozinha ao seu sustento e da criança e pagar a renda da casa onde habitam, uma vez que não tem rendimentos nem apoio familiar que lhe permitam fazê-lo e também não lhe vai ser possível a guarda da criança, que muito provavelmente será institucionalizada, porque a mãe não tem condições para cuidar dela sozinha, nem o horário de trabalho que tem lhe permite fazê-lo. L. A tudo isto, acresce o facto de o arguido e a companheira continuarem na presente data a ser alvo de perseguição e ameaças por parte de EE, pai da menor AA, o que tem dado origem a várias queixas-crime apresentadas, bem como o facto de EE ter sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução pelo sequestro e tentativa de homicídio do recorrente e mesmo assim, estando a decorrer o período de suspensão da execução da pena aplicada, EE ter agredido fisicamente o recorrente na presença de diversas pessoas, dentro das instalações do Tribunal onde decorreu este julgamento. M. Todos estes factos bem como o presente processo e o julgamento a que foi submetido onde foi condenado em pena de prisão, fez o recorrente repensar a sua vida e as consequências da sua conduta bem como a necessidade de alterar a sua vida e de não mais delinquir, tanto mais que no fim da audiência de julgamento e conforme ficou a constar na respetiva ata, não obstante se ter remetido ao silêncio quanto aos factos de que vinha acusado, aceitou ser submetido a tratamento médico. N. Da factualidade provada e dos elementos juntos aos autos é possível efetuar um juízo de prognose favorável à reintegração do arguido na sociedade e de que o mesmo de futuro não voltará a delinquir. O. Ao determinar a medida de cada uma das penas parcelares aplicadas, deveria o Tribunal ter em consideração estes factos, o que não aconteceu. P. Face ao exposto e ao não ter estes elementos em consideração a favor do arguido, ao determinar a medida concreta de cada uma das penas nos termos em que o fez, o Tribunal violou o disposto no artigo 71.º do Código Penal. Q. Nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal, deveria o Tribunal ter condenado o arguido numa pena mais justa, adequada e proporcional, que não deveria ultrapassar o limite mínimo aplicável para cada um dos crimes, assim se realizando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. R. Não o tendo feito, deverá o Venerando Tribunal (…) revogar o douto acórdão recorrido e alterar a medida de cada uma das penas parcelares aplicadas ao arguido, não lhe aplicando pena superior ao limite mínimo aplicável para cada um dos crimes, assim se fazendo Justiça. S. Efetuado o cúmulo jurídico das penas aplicadas, nos termos do disposto no artigo 77.º, do Código Penal, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos e 9 meses de prisão. T. Face a todo o supra exposto relativamente à determinação da medida das penas parcelares aplicadas ao arguido e que se dá aqui por integralmente reproduzido, entende o recorrente que o Tribunal violou o disposto no artigo 77.º do Código Penal, ao condená-lo numa pena única superior a 5 anos de prisão. U. Analisando o efeito previsível de uma pena única até 5 anos de prisão sobre o comportamento futuro do arguido, por toda a fundamentação supra exposta, considerados em conjunto os factos e a personalidade do arguido, seria de concluir que a mesma seria adequada, proporcional e suficiente e assim se realizariam as exigências de prevenção geral e especial de socialização. V. Da factualidade provada e dos elementos juntos aos autos é possível efetuar um juízo de prognose favorável de que a aplicação de uma pena única não superior a 5 anos de prisão levará à reintegração do arguido na sociedade e a que o mesmo de futuro não volte a delinquir. W. Face à matéria de facto provada e tendo por base a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, é possível um juízo de prognose favorável ao arguido, entendendo-se estarem verificados os pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP, ainda que essa suspensão seja subordinada à obrigação de sujeição a tratamento a que o recorrente declarou já aceitar submeter-se. X. Todo o exposto nos leva a crer que o sucedido nos presentes autos teve um carácter isolado na vida do arguido e que de futuro o mesmo não repetirá práticas semelhantes, sendo possível formular um juízo de prognose favorável ao arguido e concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo a pena única aplicada ser reduzida até 5 anos e suspensa na sua execução. Y. Nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, deveria o Tribunal ter condenado o arguido numa pena única mais justa, adequada e proporcional, que não deveria ultrapassar os 5 anos de prisão e ser suspensa na sua execução, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP, assim se realizando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Z. Não o tendo feito, deverá o Venerando Tribunal da Relação de … revogar o douto acórdão recorrido, condenando-se o arguido numa pena única não superior a 5 anos de prisão, suspendendo-se a execução da pena de prisão aplicada, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do CP, assim se fazendo Justiça. Peticiona a: a) absolvição da prática do crime de pornografia de menor agravado previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, al. b) e 177.º, n.º 7, do Código Penal; b) redução de cada uma das penas parcelares para medida “não superior ao limite mínimo” da moldura penal de cada um dos crimes em que, a final, resultar condenado; c) redução da pena única para medida não superior a 5 anos de prisão, com execução suspensa.
c) resposta do Ministério Público: Contramotivou o Ministério Público na 1ª instância pugnando pela confirmação do acórdão recorrido “quer quanto à qualificação jurídica dos factos, quer quando à escolha da medida concreta de cada uma das penas parcelares e da pena única de seis anos e nove meses de prisão”. Sem que tenha formulado conclusões articuladas remata, “sumariamente”, que “o Tribunal “a quo” não violou a norma prevista nos artigos 176º nº 1 alínea b) e 177º nº 7, ambos do Código Penal, nem violou, igualmente, o disposto no artigo 71º, do Código Penal”.
d) parecer do Ministério Público no STJ: O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto e incisivo, pronunciando-se pela confirmação da decisão recorrida, com o consequente improvimento do recurso, argumentando: "O conceito de pornografia aqui empregado há de ser justificado em cada caso, por ser relativamente indeterminado [....]" (…) nesta linha da relativa indeterminação e de uma aplicação casuística vai a fundamentação do Tribunal Coletivo. (…). Entendemos também que as condutas descritas na motivação de facto, (factos 53-58) devem ser entendidas como preenchendo in casu o crime pelo qual o recorrente vem condenado, e em que é ofendida a menor CC. (…) o recorrente, (…) «solicitou á CC «que tirasse uma «selfie» na casa de banho, em tronco nu e vestida apenas com as cuecas», ou que tirasse e lhe enviasse uma fotografia «onde fossem visíveis as nádegas» propostas claramente destinadas a satisfazer a sua perturbada líbido. (…) dever-se-á ter em conta o grau de ilicitude verificada, quer do ponto de vista da modalidade da ação, quer do desvalor do resultado. Ora num crime com uma moldura penal abstrata de 1 ano e 6 meses a 7 anos e 6 meses de prisão, o tribunal coletivo, não deixou, a nosso ver, de ponderar de forma correta os fatores de determinação da pena, maxime a ilicitude, tendo aplicado ao recorrente, uma pena parcelar de 1 ano e 9 meses de prisão, isto é, um quantum que excede apenas em 3 meses o limite mínimo aplicável, o que se nos afigura inteiramente consentâneo com os arts.71º e 40º do CP. Quanto às demais penas parcelares, (…) o tribunal coletivo teve em devida conta na ponderação efetuada nesta sede, ut 71º do CP, o binómio culpa vs. prevenção, não deixando de atentar em fatores como a inserção familiar e profissional do recorrente, não sendo sua culpa que no computo final pouco haja a recensear entre eles, que militem no sentido da mitigação da responsabilidade do recorrente. Sendo a moldura penal abstrata para o crime p. e p. pelo art. 171º, n º 1, do CP, de 1 a 8 anos de prisão, as penas foram fixadas em 1 ano e 9 meses de prisão, por cada crime, pelo que o «excesso» punitivo não parece fácil de demonstrar. Quanto ao crime p. e p. pelo art. 171º, n º 2, do CP, cuja moldura penal abstrata, vai de 3 a 10 anos de prisão, as penas foram fixadas, quanto aos dois crimes provados, em 4 anos de prisão, quantum assim fixado, igualmente em medida próxima do mínimo legal. No atinente ao crime p. e p. pelo art. 171º, n º 3, alínea a) do CP, a que corresponde a moldura penal abstrata, de prisão até 1 ano e 6 meses a 7 anos e 6 meses, cada pena parcelar foi fixada em 9 meses, em três casos (facto 12º); 1 ano (factos 50º-51º); 9 meses (facto 12º); 9 meses (facto 41); em dois casos (factos 50-51) em 1 ano de prisão. Por fim, no que respeita à pena conjunta, o tribunal coletivo ponderou a imagem global do facto, desde logo no que nela evidencia uma forte «déviance» claramente orientada por pulsões sexuais malsãs dirigidas para crianças, sem qualquer consideração com os comprovados efeitos traumatizantes das vítimas dos seus comportamentos, nem o facto de as menores se mostrarem inseridas num círculo próximo, comportamentos que revelaram um dolo persistente e se alongaram temporalmente. Daí que o Tribunal Coletivo, quer na determinação das penas parcelares como da única, não podia deixar de atender, ao demais, nas grandes necessidades de prevenção geral que a constante reiteração deste tipo de crimes contra a autodeterminação sexual impõe, a par de ingentes necessidades de prevenção especial de socialização que o comportamento do arguido / recorrente, visivelmente atesta. Como é sabido, na chamada moldura de prevenção, formada pelo mínimo de pena que ainda se mostra adequado á satisfação das exigências de prevenção geral e tendo como limite máximo o ponto ótimo da pena, limitado pelo que a culpa consente, operam as necessidades de prevenção especial, no sentido de elevação da medida da pena. Dito isto, entendemos, convictamente aliás, que no douto acórdão, quer no respeitante às penas parcelares quer à pena única, o Tribunal Coletivo, concretizou a justiça concreta do caso, aplicando uma pena única que temos como constituindo o mínimo ético capaz ainda de satisfazer as necessidades de prevenção geral positiva, de reafirmação do bem jurídico violado perante a comunidade e da validade e vigência das normas violadas. Vale isto por dizer, que entendemos que o recurso deve in tottum ser julgado improcedente. Neste conspecto, falece, desde logo, um pressuposto formal para aplicação do instituto da suspensão da pena, que de todo modo, sempre seria de afastar, por as necessidades de prevenção geral deverem, no melhor ensinamento de F. Dias, ser de tal impeditivas. * Foi observado o disposto no art.º 417º n-º 1 do CPP. O processo foi aos vistos e à conferência. Cumpre decidir.
II. OBJETO DO RECURSO: O recorrente circunscreve a respetiva pretensão ao reexame de alguns segmentos da decisão na parte em que aplicou o direito, questionando: - a condenação pelo crime de pornografia de menor agravado (cls. B a E); - a dosimetria das penas parcelares (cls. F a R); - a medida da pena única (cls S a V); e - aplicação de pena suspensa (cls. W a Z).
III. FUNDAMENTAÇÃO
1. os factos: O tribunal, no acórdão recorrido, julgou os seguintes: - FACTOS PROVADOS: 1. A menor BB nasceu em …/.../2004 e é filha de FF e de GG. 2. A menor AA nasceu no dia … de ... de 2005 e é filha de EE e de HH. 3. A partir de data não concretamente apurada do mês de Janeiro de 2011, GG e EE passaram a viver em comunhão de mesa, cama e habitação, na residência sita na Av. …., n.º .., …. em …., tendo as duas menores AA e BB passado a residir igualmente em tal morada. 4. A menor CC nasceu em …/.../2003 é filha de II e de JJ e prima direita da menor BB. 5. Desde pelo menos o ano de 2004 que o arguido mantinha uma relação amorosa com KK, irmã da mãe da menor BB. 6. Por tal motivo, o arguido frequentava a habitação das menores AA e BB e convivia igualmente com a menor CC, prima desta, viajava com a família e tomava conta das menores na ausência dos progenitores. 7. Aproveitando-se desta relação de confiança e pelo menos no período compreendido entre o ano de 2012 e até 16 de Julho de 2015, que o arguido abordava as menores AA e BB, praticando com as mesmas atos sexuais. Assim: AA 8. Em data não concretamente apurada do ano de 2014, GG e EE, na companhia das menores AA e BB, da sua irmã e do arguido foram passar alguns dias a …, deslocando-se no mesmo veículo automóvel. 9. A dado momento e durante o percurso, cerca das 24h00, GG e EE estacionaram o automóvel e saíram para tomar café deixando no seu interior as menores, na companhia de KK e do arguido. 10. Então, aproveitando o facto de a sua namorada e a menor BB se encontrarem a dormir, o arguido abeirou-se da menor AA e colocou a sua mão dentro das calças de pijama e da roupa interior que esta envergava. 11. Após, o arguido acariciou-lhe com os dedos a sua zona genital, tendo a menor afastado a sua mão e dito ao arguido para “parar”, o que este apenas fez quando os progenitores do menor regressaram ao veículo automóvel. 12. Noutras ocasiões e em datas não concretamente apuradas, no interior da habitação sita na Av. …, n.º …, … em …, o arguido solicitava às menores AA e BB para espreitarem pelo buraco da fechadura da porta da casa de banho quando este se encontrasse a urinar para verem o seu pénis. 13. Também no interior da mesma habitação e por diversas ocasiões do ano de 2015, encontrando-se as menores entregues aos cuidados do arguido, este iniciava com as menores AA e BB uma brincadeira denominada “quarto escuro”. 14. Tal brincadeira consistia em colocar a divisão da habitação onde se encontravam às escuras ficando o arguido na parte de fora da mesma a efetuar uma contagem até as menores se esconderem. 15. Após as menores se esconderem e finda a contagem, o arguido entrava de olhos fechados dentro de tal dependência da habitação e iniciava uma busca com o intuito de as encontrar, sendo que logo que encontrava uma das menores, dizia o seu nome em voz alta. 16. Numa das ocasiões, durante uma festa, a menor AA escondeu-se por baixo dos lençóis e o arguido ao encontra-la colocou os seus dedos na sua zona genital, por cima da roupa acariciando-a. 17. No decurso de tais brincadeiras e por outras vezes, o arguido dirigiu-se à menor AA e colocou os seus dedos na sua zona genital por cima da roupa, acariciando-a. 18. Noutras alturas, o arguido colocou as suas mãos no interior da roupa que a menor AA vestia e com os seus dedos acariciava-lhe a zona genital. 19. Nas mesmas circunstâncias e numa data não concretamente apurada e no decurso da dita brincadeira, no interior da sala, o arguido dirigiu-se à menor AA e segurando o seu braço, baixou as calças e perguntou-lhe se “deixava enfiar a sua pilinha no seu pipi”, tendo a menor dito que não. 20. Então, o arguido obrigou-a a colocar as suas mãos no seu pénis e a fazer movimentos de vai-vem até ficar ereto. 21. Ainda na mesma brincadeira, noutra ocasião e em data não concretamente apurada, o arguido abeirou-se da menor AA, tapou-lhe a boca e baixou as calças que esta vestia. 22. Após, o arguido aproximou-se das suas nádegas encostando e roçando contra as mesmas o seu pénis, momento em que a menor lhe deu um pontapé para se defender. 23. Também, em diversas ocasiões no interior da aludida habitação, o arguido dirigiu-se junto da menor AA e agarrando a sua cabeça com as mãos, encostou-a à sua zona genital. 24. Depois, o arguido colocou o seu pénis ereto no interior da boca da AA, fazendo movimentos vai-vem, sem que tivesse ejaculado. 25. Em data não concretamente apurada do ano de 2015, o arguido na companhia da namorada KK deslocou-se com as menores AA e CC ao Parque …, em …. e que as menores conheciam como “...”. 26. Aí chegados, o arguido começou a brincar às “escondidas” com as menores. 27. Nessa decorrência, encontrando-se a KK a efetuar a contagem até as menores e o arguido se esconderem, as menores e o arguido resolveram esconder-se no interior das casas de banho destinadas aos homens e às mulheres. 28. Então, o arguido dizendo para a outra menor para sair, dirigiu-se à menor AA, que se encontrava numa das casas de banho e ali baixou as calças que envergava. 29. Após disse à menor AA: “Ó AA olha para aqui”, ao mesmo tempo que lhe exibia o pénis ereto e após aproximou-se da AA e encostou o seu pénis às suas calças roçando-se nela. 30. A menor AA disse ao arguido para “parar”, o que o arguido não fez, tendo este apenas cessado a sua conduta quando aquela começou a falar alto e a gritar de modo a ser encontrada. BB 31. Em data não concretamente apurada, quando a menor BB tinha 7 anos de idade e ainda residia na localidade de …, o arguido começou a brincar às “escondidas” com a menor quando ambos se encontravam sozinhos em tal residência. 32. No decurso de tal brincadeira, o arguido agarrou a menor BB num braço e colocou a sua mão na vagina desta, por cima da roupa acariciando-a. 33. Em datas não concretamente apuradas e por diversas vezes, no interior da habitação situada em …. e acima identificada, o arguido durante as aludidas brincadeiras ao “quarto escuro”, aproveitando o facto de a habitação se encontrar na penumbra abeirou-se da menor BB. 34. No decurso de tal brincadeira, o arguido colocava as suas mãos na vagina da menor, ora por cima ora por baixo da roupa acariciando a sua zona genital. 35. Noutras ocasiões, o arguido introduziu um dedo no interior da vagina da menor BB, situações que ocorreram por diversas vezes, não concretamente apuradas. 36. Ainda noutras alturas e na sequência de tal brincadeira, o arguido pegava na mão da menor BB e colocava-a no seu pénis, forçando-a, com a ajuda da sua própria mão a agarrar o seu órgão genital e a fazer movimentos “para cima e para baixo”. 37. Após, o arguido dizia à menor para não contar nada do que tinha ocorrido a ninguém, solicitação à qual a criança acedia. 38. Também em data não concretamente apurada e durante o período de tempo em que brincavam, o arguido aproximou-se de BB e encostou-a à parede. 39. Em seguida, o arguido encostou o seu pénis às nádegas da menor e começou a roçar-se nas mesmas por cima da roupa que esta envergava. 40. Em datas não concretamente não apuradas e por diversas vezes, o arguido abeirou-se da menor BB e encostava o seu pénis ereto, esfregando-o contra a vagina da menor, por cima da roupa. 41. Noutras ocasiões, no interior da habitação, quando se encontrava sentado no sofá com a menor BB, o arguido mexia nos calções que envergava, baixando-os de modo a exibir-lhe o seu pénis ereto. 42. Em datas não concretamente apuradas, o arguido, na companhia da sua namorada, levou as menores AA e BB para o Parque …, em … . 43. Quando se encontravam a jogar às escondidas e sem que a sua tia se apercebesse, o arguido dizia á menor BB para se esconder no interior de umas casas de banho que aí existiam. 44. Após, o arguido seguia a menor BB para dentro da casa de banho e aí baixava as calças que trajava, exibindo o seu pénis. 45. De seguida, o arguido pegou na mão da menor BB e obrigou-a mexer-lhe no pénis, efetuando movimentos “para cima e para baixo”. 46. Noutra ocasião, o arguido solicitou à menor que o acompanhasse junto de uma horta que possuía junto do Parque …, solicitação à qual a menor acedeu. 47. Então aí chegada, o arguido, na presença da BB, tirou o pénis para fora da roupa que trazia e começou a manuseá-lo, fazendo movimentos de vai-vem até ejacular. 48. Numa outra ocasião, no interior da casa do arguido e enquanto a sua namorada KK foi à casa de banho, o arguido pegou na mão da menor BB e obrigou-a a mexer no pénis, fazendo movimentos vai-vem até ejacular, líquido este que caiu na mão da menor. 49. Quando tais atos ocorriam, a menor BB desferia pontapés ou socos no arguido, para tentar que este a largasse, o que conseguia. 50. No dia ... de Abril de 2015, o arguido levou as menores AA e BB à comemoração do bi-campeonato do Benfica ao Marquês de Pombal no interior do seu veículo automóvel. 51. Então, o arguido retirou o seu pénis para fora das calças e exibindo-o às menores acariciou-o com as mãos, fazendo movimentos vaivém, sem que tivesse ejaculado. 52. As menores AA e BB nunca contaram o ocorrido porque tinha receio que o arguido pudesse fazer mal à sua família e porque sabiam que a tia gostava muito deste e tinham receio que esta ficasse triste e não acreditassem nelas. CC 53. Em data não concretamente apurada do ano de 2014, a menor CC adicionou o arguido na rede social facebook e passou a conversar com o mesmo através do respetivo chat de conversação. 54. No dia ... de Outubro de 2014, no período compreendido entre as 10h47m e as 11h56m, o arguido, que utilizava o nickname “LL”, iniciou uma conversação com a menor CC. 55. No decurso de tal conversação o arguido solicitou insistentemente à menor CC para tirar uma selfie de pijama e lha enviar. 56. No decurso de tal conversa o arguido solicitou ainda à menor que tirasse uma selfie na casa de banho, em tronco nú e apenas com as cuecas vestidas, fotografia que a menor não tirou, apresentando sempre desculpas para o não fazer. 57. Posteriormente, o arguido solicitou à menor que tirasse uma fotografia a si própria, na qual fossem visíveis as suas nádegas, tendo aquela recusado tirar tal fotografia. 58. Tais conversações tinham o seguinte teor (sic): “LL Ok Lol Ontm não tiraste a selffi pijama CC Hahaha ya pois não mas agora já testou vestida Lol LL Ahah mostra CC Jámostro agora n posso falar tenho de ir fazer uma coia Os t.p.c. lol N n e tenho de tomar banho pensava que era para vestir mas afinal n era pol Lol LL Lol selffi pijama então LL Tira selffi casa de banho ou a mama também te da banho Tá muito gira a gigi CC N achas Paois esta ela tá pirosa Viu tomar banho até já LL Não achu tenho a certesa Selfi casa de banho CC Ho ela foi se embora foi ao continente LL Ficarão sosinhas? CC N da o telemóvel tá a carregar e do tem 2% eu fique LL Foi Foi Tata ela vait dar balho CC Aserio olha vou tomar banho Adeus LL Pois pois Ahahahaha a nana tona balho sosinha CC Cala te sim olha vou tomar banho agora a serio já te mando msg xau LL O quê? Tira Selffi depois do balho cuecas lol Ahaha CC Ok vou tomar banho Byy LL Ok ate já Fico a espera ou saio? CC N sei LL Vai la tumar balho miúda ahah fiva aki a espera selfi curcas Cuecas Fico Lol LL Não esquece a selfi Tou a espera CC Ok do vou pebtear LL Então a selflfi de cuecas? CC Hahaha já vesti!!! LL Oh Sellfi LL Corpo todo? LL Ahahamaluca Agora ao rabo CC Yaa LL Ao rabo XD. Hoje vens cá? CC Hoje acho que n olha vou faze os t.p.p. já volto LL Xau maluca” 59. As menores AA e BB decidiram contar a GG os factos acima descritos. 60. Nessa decorrência e tomando conhecimento de tais factos, no dia … de Julho de 2015, EE e o seu irmão MM agrediram o arguido e atiraram-no às águas do Rio …….., onde acabou por ser resgatado pela Polícia Marítima, factos estes que deram origem ao NUIPC n.º 69/15…. 61. O arguido sabia a idade das menores AA; BB e CC e conhecia-as desde tenra idade. 62. Ao agir do modo supra descrito nos pontos 8 a 45 o arguido agiu de modo livre, deliberado e conscientemente, movido pelo desejo de satisfazer os seus instintos libidinosos, explorando a vulnerabilidade de AA e BB, bem sabendo a sua idade e que o seu comportamento ofendia os mais elementares princípios da moral sexual e que atentavam contra a sua liberdade a autodeterminação sexual. 63. Mais sabia o arguido que, que em razão da idade, aquelas menores, não tinham a capacidade e o discernimento necessários para uma livre e esclarecida decisão no que concerne a um relacionamento sexual e mesmo assim não se absteve de tais comportamentos, prejudicando o seu salutar desenvolvimento. 64. Acresce que o arguido tinha perfeito conhecimento da idade CC e não obstante quis manter com a mesma as descritas conversas, de conteúdo sexual, e levá-la a efetuar e a enviar-lhe fotografias em que a menor exibisse o seu corpo e os seus órgãos genitais, nus ou semi-nus, o não conseguiu por motivos alheios à sua vontade. 65. Agiu, em todas as descritas condutas, com o propósito de excitar sexualmente as menores e de assim satisfazer a sua libido e os seus instintos sexuais, bem sabendo que sua conduta é punida e proibida por Lei Penal. Quanto à situação económico-social do arguido provou-se que: 66. É natural de …. sendo oriundo de uma família de condição socioeconómica baixa. 67. É o mais nove de ... irmãos germanos tendo o pai falecido quando o arguido tinha cerca de 3 anos de idade. 68. O seu crescimento e processo de socialização ocorreu com acentuados constrangimentos sociais. 69. Após o incêndio que destruiu a barraca onde residiam na … de … e que vitimou dois dos irmãos a família foi realojada em habitação camarária no Bairro …., na … de … . 70. O percurso escolar foi marcado por dificuldades, constrangimentos e desinvestimento pelo processo de ensino e aprendizagem, com diversas retenções, não tendo concluído o 3º ciclo de escolaridade. 71. Iniciou ainda na adolescência o consumo de haxixe. 72. Com cerca de 16 anos de idade iniciou trabalhos ocasionais no meio noturno, como …, o qual veio a agravar e potenciar os comportamentos aditivos que vinha apresentando. 73. Após o falecimento da progenitora quando tinha 18 anos de idade, iniciou atividade profissional de carácter indiferenciado. 74. No plano afetivo iniciou, ainda na adolescência, um relacionamento de namoro com a atual companheira, passando a residir maritalmente com a mesma em 2014. 75. À data da prática dos factos residia na habitação camarária anteriormente referida na companhia de alguns irmãos e de um sobrinho, tendo entretanto a atual companheira passado a integrar o agregado. 76. Durante cerca de oito meses esteve emigrado em …. a desempenhar funções profissionais na companhia de uma familiar que aí residia. 77. Manteve o relacionamento amoroso com a atual companheira acabando por regressar a Portugal em meados de 2016 e passar a residir com a mesma, que se encontrava grávida, na …. . 78. Atualmente reside com a companheira e com o filho de ambos, nascido em …. de … . 79. A companheira apresenta um grau de incapacidade física, desempenhando funções de auxiliar educativa. 80. O arguido trabalha como operário ... . Relativamente aos antecedentes criminais do arguido provou-se que: 81. Por acórdão proferido pela ….ª Vara Criminal de …. no âmbito do processo nº 1896/12…., em 18/04/2013 e transitado em julgado em 20/05/2013, foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, praticado em …/01/2011, na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, mediante regime de prova. Esta pena foi já declarada extinta. 82. Por sentença proferida pelo Juiz do Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial de …. no âmbito do processo 957/18…., em 18/06/2018 e transitada em julgado em 3/09/2018, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, cometido em …/06/2018, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5 € e em 3 meses de proibição de conduzir veículos automóveis. Esta pena foi já declarada extinta. Da factualidade constante da acusação, e com relevo para a decisão, entendemos não ter resultado provado que: » Em datas não concretamente apuradas e por diversas vezes o arguido tenha colocado a sua boca e língua na vagina da menor BB perguntando-lhe “se era bom”. » Tenha sido no dia … de Julho de 2017 que os factos descritos no ponto 60 ocorreram.
2. o direito:
a) crime de pornografia de menores: i. a pretensão: Alega o recorrente que a factualidade provada “nos pontos 53 a 58” do acórdão recorrido, “não se enquadra na previsão do artigo 176.º, n.º 1, al. b), do Código Penal porque não integram o conceito de imagem pornográfica nem de pornografia infantil” uma vez que “não aliciou a menor a tirar e a enviar-lhe fotografias suas nua ou em poses de exibição dos órgãos sexuais nus”. Pretende, por isso, ser absolvido da prática do crime de pornografia de crianças agravado.
ii. na decisão recorrida: Motivando esta parte da decisão explicita-se no acórdão recorrido: (…) considera o Tribunal ser indubitável que o arguido DD, por via da sua atuação típica descrita na matéria de facto provada (vide factos 54 a 58), (…), tentou aliciar a menor CC a tirar e a enviar-lhe fotografias de cariz pornográfico. Convém, para que dúvidas não persistam, concretizar um pouco algumas das circunstâncias típicas que aqui se consideram verificadas, explicando a razão de se considerarem verificadas. Em primeiro lugar (…) a lei penal não fornece (…) um conceito definido de pornografia, termos em que a primeira questão a colocar será o que deve considerar–se, afinal, uma imagem pornográfica? (…) no caso dos autos (…), o arguido solicitou à menor CC, sobrinha da sua companheira e cuja idade bem conhecia, que tirasse uma selfie na casa de banho, em tronco nú, apenas com as cuecas vestidas. Posteriormente, solicitou-lhe, ainda que tirasse uma fotografia a si própria, na qual fossem visíveis as suas nádegas. Sigamos, nesta parte, de perto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2011 (proferido no processo nº 4/10.5 GBFAR.E1.S1, pub. in www.dgsi.pt). Ali escreve o relator Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Armindo Monteiro que “a pornografia, em sentido clássico, tem o significado de ato sexual chocante, aberrante, praticado em condições profundamente dissociadas do que é usual e conhecido, sem que se confunda como o mero erotismo”, passando a citar Eliane Rober Moraes, docente de ética na PUC –S. Paulo, quando refere que “intentando traçar a distinção e sobrelevar na controvérsia, pondera que o erotismo só sugere; a pornografia tudo mostra; do âmbito da pornografia está excluída uma nudez não apelativa presente por exemplo nas obras de arte pictóricas, de escultura ou gravuras”. Nesta perspetiva, e de acordo com a descrição do elenco de imagens que o arguido pretendia que a menor tirasse e lhe enviasse, (…) poder–se–ia colocar em causa se justificam a sua categorização típica enquanto imagens de índole pornográfica, ou se se deveria nessa parte ficar pela “mera” erotização das mesmas. Assim se poderia pensar, de facto - não fora a especial qualidade da pessoa em causa na mesma (menor de 14 anos), e os interesses jurídico–penais aqui tutelados, o que, tudo, justifica a punibilidade típica, como já se disse. Na verdade – e retomemos neste ponto o citado aresto do nosso supremo tribunal – “o tipo legal visa a proteção, ainda que remotamente («demasiadamente longínqua», na expressão do Prof. Figueiredo Dias , in “Comentário CCCP , ao art.º 172.º , do CP , nota 3 , a propósito da punição das conversas , espetáculos ou objetos pornográficos), da autodeterminação sexual, sem embargo de o desenvolvimento sexual da criança poder ser severa e diretamente prejudicado com a sua participação em manifestações pornográficas” E nesta sequência, recorre à definição de “pornografia infantil” adotada pelas Nações Unidas designadamente no artigo 2º/c) do Protocolo Adicional à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil [[1]], de 2002, onde se estabelece que tal constituirá “qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança no desempenho de atividades sexuais explícitas reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins predominantemente sexuais”. Ou seja, tendo em conta os muitos especiais interesses que aqui devem ser acautelados, deve entender–se, como se faz no citado Acórdão do S.T.J., que o conceito de pornografia infantil, porque estamos a falar de crianças e jovens menores de idade, deve ser entendido num sentido mais amplo do que aquele que uma mera visão descritiva e gráfica poderia deixar antever. Ou seja, neste caso em particular, não deverá ser considerada, por regra, qualquer distinção entre objeto pornográfico e erótico-sensual – sob pena de se frustrarem os superiores objetivos diretores das finalidades da punição destes comportamentos. É este conceito assim abrangente que serviu de inspiração ao legislador penal de 2007 ao introduzir o tipo legal em causa. E é esta abrangência também que este Tribunal sufraga integralmente. Por isso que, tendo em conta o conteúdo da conversa mantida pelo arguido e aquilo para que tentou aliciar a menor CC temos por verificados os pressupostos objetivos e subjetivos do ilícito pelo qual se encontra acusado. Estamos, pois, perante a pretensão de obtenção de imagens de índole pornográfica à custa de uma criança menor de 14 anos, nos termos e para os efeitos da previsão típica aqui em causa. iii. no direito convencional universal: A incriminação da pornografia de menores[2] – ou «pornografia infantil»[3] -. é uma imposição decorrente do direito convencional universal e europeu e também do direito penal comunitário. A Convenção das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos da Criança[4] de 1989 reconhecendo que importa preparar plenamente a criança para viver uma vida individual na sociedade, considera que é necessário garantir-lhe proteção especial, de modo a que possa desenvolver harmoniosamente a sua personalidade. Nessa proteção especial se incluem as medidas adequadas a impedir “que a criança seja explorada na produção de espetáculos ou de material de natureza pornográfica” – art.º 34º alª c) Nas conclusões da Conferência Internacional sobre o Combate à Pornografia Infantil da Internet (Viena, 1999), apelou-se “à criminalização mundial da produção, distribuição, exportação, transmissão, importação, posse intencional e publicidade da pornografia infantil”. Na sequência, a Assembleia Geral das Nações Unidas, em 25 de Maio de 2000, adotou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil[5] que compromete os Estados-Parte a incriminar e punir “com penas adequadas à sua gravidade”, também “a produção, distribuição, difusão, importação, exportação, oferta, venda ou posse para os anteriores fins de pornografia infantil, conforme definida na alínea c) do artigo 2.º” - art.º 3º n.º 1 al-ª c). Na terminologia da Convenção “pornografia infantil designa qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança no desempenho de atividades sexuais explícitas reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins predominantemente sexuais. – art. 2º al.ª c). E bem assim a punir o crime cometido sob qualquer forma de comparticipação, bem como a cumplicidade e ainda a tentativa –art.º 3º n.º 2. A Convenção n.º 182 da OIT[6], relativa à interdição das piores formas de trabalho das crianças e à ação imediata com vista à sua eliminação[7], complementada pela Recomendação n.º 190, compromete os Estados a tomar medidas imediatas e eficazes de eliminar e reprimir através do estabelecimento e aplicação de sanções penais, a exploração laboral de menores de 18 anos, incluindo a sua utilização, ou recrutamento para fins de produção de material pornográfico ou de espetáculos pornográficos - art.º 3º al.ª b). iv. no direito penal europeu: A Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, assinada em Lanzarote em 25 de outubro de 2007 (Convenção de Lanzarote), compromete os Estados do Conselho da Europa e restantes Estados subscritores a incriminar como pornografia de menores, “os seguintes comportamentos, desde que cometidos de forma ilícita”; a produção, oferta ou disponibilização, difusão ou a transmissão, a procura, para si ou para outrem, a posse, e também o acesso a pornografia de menores, conscientemente, através das tecnologias de comunicação e de informação, –art. 20º n.º 1 Igualmente à Convenção da ONU citada, também aqui “a expressão «pornografia de menores» designa todo o material que represente visualmente uma criança envolvida em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança, com fins sexuais” –art. 20º n.º 2. No Preambulo desta Convenção assinala-se que “o bem-estar e os melhores interesses das crianças são valores fundamentais” comuns que têm de ser promovidos, designadamente protegendo-as contra qualquer forma de exploração sexual. E que a pornografia e a prostituição de menores “colocam gravemente em perigo a saúde e o desenvolvimento psicossocial” da criança. Resulta do que vem de notar-se e como salienta o então Juiz português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), P. Pinto de Albuquerque, no voto de vencido à Sentença de 12/11/2013, da Grande Sala, proferida no caso SÖDERMAN c. SUECIA (Demanda n.º 5786/08): Na Europa, quarenta e um países tipificam a pornografia infantil e nos EE.UU. é um crime previsto tanto pela legislação federal como pelo direito comum aos cinquenta Estados. Considerando este amplo consenso e a reiterada prática jurídica, a tipificação da pornografia infantil - isto é, de toda a representação, por qualquer meio, de uma criança realizando atos sexuais explícitos, reais ou simulados ou qualquer representação das partes genitais de uma criança com uma finalidade sexual- forma parte atualmente do direito consuetudinário internacional e é de obrigatória para todos os Estados. E mais adiante: Relativamente aos menores, o Tribunal estabeleceu o principio de que qualquer atentado deliberado contra o bem estar físico ou moral dos menores deve tipificar-se e sancionar-se com una pena dissuasiva. A pornografia infantil está aqui incluída por ser enormemente censurável desde o ponto de vista ético e pelo seu carácter reprovável em virtude do direito internacional consuetudinário. No obstante, atendendo ao carácter explícito dos atos representados e da condição de que haja intencionalidade sexual por parte do autor dos factos, este delito resulta problemático no tocante às provas. Por conseguinte, para oferecer una proteção plena y efetiva aos menores há que tipificar o facto de gravar secretamente crianças independentemente da intencionalidade sexual do autor e de se o contexto é pornográfico. Esta tipificação vai na linha da que garante a Convenção sobre o direito da criança a que se proteja a sus imagem e da proibição maioritária contra todo tipo de abuso ou vulneração das múltiplas facetas da personalidade da criança, incluindo a sua imagem.” Da mesma sentença do TEDH extraiu-se a seguinte informação sobre o direito comparado europeu: “Segundo a informação em poder do Tribunal, e em especial um estudo realizado sobre trinta e nove Estados membros do Conselho da Europa, a pornografia infantil foi tipificada no conjunto dos Estados”. A Convenção sobre o Cibercrime[8] obriga os Estados membros do Conselho da Europa a incriminar a produção, oferta, disponibilização, difusão, transmissão de pornografia através de sistemas informáticos ou possui-la num sistema informático ou de armazenamento de dados informáticos –art. 9º n.º 1. Para este efeito, “«pornografia infantil» inclui qualquer material informático que represente visualmente” um menor de 18 anos ou, de 16 anos envolvido ou realisticamente representado num comportamento sexual explícito –n.º 2. v. no direito penal comunitário: A Carta dos direitos Fundamentais da União Europeia, estabelece que “as crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar”. “Todos os atos relativos às crianças, quer praticados por entidades publicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”. A Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, considera a pornografia infantil, uma violação grave “dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar”. Considera que “crimes graves, como (…) a pornografia infantil, deverão ser tratados de forma abrangente, abarcando a repressão dos autores dos crimes, a proteção das crianças vítimas dos crimes e a prevenção do fenómeno”. No Considerando 9 elucida-se: “a pornografia infantil inclui frequentemente a gravação de imagens de abuso sexual de crianças por adultos. Pode também incluir imagens de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens dos seus órgãos sexuais produzidas ou utilizadas para fins maioritariamente sexuais e exploradas com ou sem o conhecimento da criança. Além disso, o conceito de pornografia infantil também abrange imagens realistas de crianças envolvidas ou representadas como envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, para fins maioritariamente sexuais.” No Considerando 46 adverte-se que “a pornografia infantil, que consiste em imagens de abusos sexuais de crianças, é um tipo específico de conteúdos que não podem ser considerados como a expressão de uma opinião”. Nos termos do art. 2º al.ª c), constituem «pornografia infantil»: i) materiais que representem visualmente crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou ii) representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais, iii) materiais que representem visualmente uma pessoa que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de uma pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais, ou iv) imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais; No art.º 5º tipificam-se as situações que os Estados-Membros da UE estão obrigados a incriminar e punir com, no mínimo, as penas de prisão aí indicadas. E no n.º 8 defere-se aos Estados-Membros competência para decidir se a aquisição posse ou produção de imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexuais explícitos ou imagens realistas de órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais se aplica aos casos em que se comprove que estão na posse do agente “apenas para seu uso privado, na medida em que não tenha sido utilizado para a sua produção material pornográfico na aceção do artigo 2.º, alínea c), subalíneas i), ii) ou iii), e desde que o ato não comporte risco de difusão desse material”.
vi. no direito penal interno: Em primeiro lugar está a Constituição da República que no art. 69º (“infância”) n.º 1 estabelece: “as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral”. (…). Como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira, “a noção constitucional de desenvolvimento integral assenta em dois pressupostos: por um lado a garantia da dignidade da pessoa humana (cfr art. 1.º), elemento «estático» mas fundamental para o desenvolvimento para o alicerçamento do direito ao desenvolvimento; por outro lado a consideração da criança como pessoa em formação, elemento dinâmico, cujo desenvolvimento exige o aperfeiçoamento de todas as suas virtualidades”[9] A criança não é só destinatário mas também sujeito de direitos. De direitos fundamentais próprios entre os quais sobressai o direito ao desenvolvimento integral em todos os aspetos da sua identidade pessoal e o direito ao respeito pela sua dignidade humana e o direito à proteção contra todas as formas de violência exploração ou exposição sexual. O bem jurídico protegido nos crimes contra a autodeterminação sexual dos menores “é a criança como criança” - J Figueiredo Dias[10]. Entre nós, a pornografia de menores, nas diversas condutas que a materializam, está tipificada fundamentalmente no art.º 176º do Código Penal (também no art.º 176º-A). De entre as diversas condutas que o legislador ali incrimina, ao vertente recurso, em razão da concreta condenação do recorrente, interessa somente a prevista no n.º 1 al.ª b), no qual se estabelece que comete o crime de pornografia quem “utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim”.
vii. o bem jurídico: Alguns comentadores, ainda que com especificidades, sustentam que “o bem jurídico protegido pela incriminação pretende ser o livre desenvolvimento da vida sexual do menor de 18 anos de idade face a conteúdos ou materiais pornográficos”[11]. Outros avançam que visa proteger a juventude, sem que, todavia, concretizem em que aspetos mais concretos[12] A jurisprudência deste Supremo Tribunal tende a considerar que no crime de pornografia de menores, é protegido “um bem jurídico supra individual, de interesse público, de proteção e defesa da dignidade de menores, na produção de conteúdos pornográficos e divulgação ou circulação destes pela comunidade”[13] e só “remotamente, a autodeterminação sexual do menor de 18 anos”[14]. Da Constituição da República, dos instrumentos de direito penal universal e com especial evidência do direito penal europeu e da união citado, que o artigo 176º mais não fez, no essencial, do que transpor para a ordem jurídico-penal interna, resulta que o bem jurídico protegido com a incriminação não pode considerar-se circunscrito àquele seu alcance individual, isto é, ao desenvolvimento da personalidade do menor na sua esfera sexual. A proteção da infância, neste domínio, carece de concretização sob pena de estarmos perante um bem jurídico de tal modo vago que nele cabia tudo e mais qualquer coisa ou então, ao invés, nele não encontrariam amparo situações aberrantes simplesmente em razão dos ideários em cada momento predominantes. O que aqui está realmente em causa não é somente a autodeterminação sexual mas, essencialmente, o direito de cada um e de todos os menores a um desenvolvimento físico natural e a gozar de uma infância e adolescência harmoniosas e sem traumas. Importa que a criança continue criança durante toda a sua infância e o adolescente o seja em toda essa importante fase da sua formação. Estamos, por isso, perante um bem jurídico plurisubjetivo e coletivo que protege a indemnidade sexual. o bem-estar das crianças e adolescentes, a sua segurança formativa e a dignidade da infância no seu todo. A proteção das crianças, desde logo por imposição da Constituição, coloca-se com particular acuidade em função da sua real (e legalmente presumida) fragilidade para se constituírem potenciais vítimas da pornografia infantil e do impacto que as condutas que a materializam e que estão penalmente tipificadas têm na sua orientação de vida, não apenas na vertente da sexualidade, mas também no são desenvolvimento físico e psíquico das crianças e adolescentes. A pornografia infantil – e estamos a cingir-nos às condutas que a materializam – prejudica, sem dúvida, a formação e o desenvolvimento da personalidade integral, incluindo a sexualidade do próprio menor – a sexualidade é componente essencial da personalidade da pessoa humana -, mas também coloca em perigo, ainda que abstrato, o bem-estar e o desenvolvimento harmonioso das crianças em geral, do coletivo que está na idade da infância e da juventude, e que a sociedade entende ser igualmente importante e do interesse geral proteger. Tanto assim é que o legislador adianta as barreiras de proteção de modo a abranger o perigo inerente a condutas que podem fomentar quaisquer práticas pedofilias sobre os menores em geral (proibindo e punindo desde a posse, à difusão por qualquer modo, até comercialização de materiais ou conteúdos pornográficos de crianças meramente representadas) e também sobre menores concretos e determinados. O perigo concreto pode não chegar a verificar-se, mas não será por isso que deixa de ser punível a conduta que o cria, ainda que abstratamente e que, desse modo, preenche os elementos constitutivos do crime de pornografia de menores. Como Assinalam doutrina[15] e jurisprudência, “o crime de pornografia de menores é um crime de perigo abstrato, na medida em que o preenchimento do tipo objetivo de ilícito se basta com a mera colocação em perigo do bem jurídico. E de perigo abstrato, uma vez que o perigo não é elemento do tipo” ou, noutra formulação, trata-se de um crime de perigo abstrato (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera atividade (quanto à forma de consumação do objeto da ação). Nos avisados considerandos da Diretiva citada, a pornografia infantil, constitui uma violação grave “dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar”. É uma fenomenologia criminal em que não devem interceder considerandos de ordem cultural ou ideológica, nem haver grande espaço para a expressão de opiniões pessoais ou de coletivos refratários ao respeito pela dignidade e direitos fundamentais das crianças, universalmente reconhecidos. Na era cibernética e das redes sociais de comunicação imediata, a visualização da pornografia infantil – a pornografia de menores, na terminologia da ordem jurídico-penal interna -, designadamente, as fotografias, filmes ou gravações pornográficas, estão em todos os lugares e a todo o momento simplesmente à distância de um aparelho (computador, tablet, iphone, etc.) e de um clic num link, ou da entrada numa rede social, e a sua difusão pode exponenciar-se astronomicamente. A utilização de um concreto menor em fotografia, filme ou gravação pornográfica ou o aliciamento para ser fotografado, filmado ou gravado nessa situação constitui crime, desde logo porque a lei presume que assim se colocou em perigo o livre desenvolvimento da sua personalidade global, incluindo a vertente da esfera sexual. Mas também porque a simples existência desse material pornográfico cria o perigo abstrato de ser distribuído, divulgado, exibido cedido a outras crianças, ou de outros menores a ele acederem, a qualquer título ou por qualquer meio, e deste modo se multiplicar aquele perigo para o coletivo infantil e juvenil. E também porque é do interesse geral que a sexualidade dos adultos jamais envolva crianças, ainda que através de pornografia infantil, e mesmo que utilizando material pornográfico com representação realista de menor inexistente. Por isso que a pornografia infantil, deve tratar-se “de forma abrangente, abarcando a repressão dos autores dos crimes, a proteção das crianças vítimas dos crimes e a prevenção do fenómeno” –Diretiva 2011/92/UE. Se o objeto comum da ação é a pornografia de menores, as condutas que preenchem o tipo objetivo são multifacetadas. Grosso modo podem agrupar-se em atos de utilização de menores, atos de aquisição ou produção de pornografia de menores, atos de detenção ou acesso, e atos de exibição ou divulgação de pornografia infantil. Incrimina-se o aliciamento. E a tentativa é sempre punida. viii. no caso: Em razão da factualidade provada – definitivamente assente -, e da motivação do recurso nesta parte, o que vem proposto e interessa apreciar e decidir é da subsunção –ou não -, da conduta do recorrente à previsão do art.º 176º n.º 1 al.ª b). Isto é, determinar se a ela se subsume o aliciamento do arguido à menor CC, precisamente no dia em que fazia 11 anos de idade, para se autofotografar com o telemóvel, designadamente na casa de banho onde ia banhar-se, insistindo que tirasse “selfi casa de banho”, “tira selffi depois do balho, cuecas”, “vai la tumar balho miúda ahah fiva aki a espera selfi curcas”, “cuecas” “não esquece a selfi”, “tou a espera”, “então a selflfi de cuecas?”, e lha enviasse através da rede social facebook. Não lhe enviando a menor a fotografia assim pretendida, o arguido insiste “oh sellfi,” “corpo todo?”, “Ahahamaluca” “agora ao rabo” “ao rabo XD. Hoje vens cá?” Complementar e decisivamente importa ter presente que o tribunal assentou em que, dessa forma, o arguido quis manter com a CC “as descritas conversas, de conteúdo sexual, e levá-la a efetuar e a enviar-lhe fotografias em que a menor exibisse o seu corpo e os seus órgãos genitais, nus ou semi-nus, o [que] não conseguiu por motivos alheios à sua vontade” – ponto 64 dos factos provados. E que a sua conduta foi comandada pelo propósito “de assim satisfazer a sua libido e os seus instintos sexuais” – ponto 65 dos factos provados. ª. aliciamento: - sexting: A parte final da alínea b) do n.º 1 do art-º 176º do Cod. Penal prevê e pune o que na terminologia anglo-saxónica se designa por «sexting»[16] (de sex e tenting) de adulto com menor/es, consistente em estabelecer contacto à distância e manter conversação com crianças, através da internet, do telemóvel, ou de qualquer outra tecnologia da informação e da comunicação, para, abusando da sua inexperiência sexual, a aliciar a enviar fotografias, filmes ou gravações pornográficas dela própria ou de outras crianças. O aliciamento[17] ali previsto, é uma modalidade de ação que, em substância, configura uma tentativa do crime de pornografia de menores tipificado na primeira parte da alínea b) em apreço. Consequentemente, nesta situação de aliciamento, a tentativa de utilizar a criança em fotografia ou vídeo pornográfico perfeciona o crime. O que bem se compreende, porquanto o aliciamento em si mesmo constitui um perigo real e muito sério para o bem-estar psíquico, o desenvolvimento equilibrado e formação harmoniosa do menor. A criança, na sua inocência e inexperiência, quase nunca se apercebe de que está a ser aliciada para enviar “selfies” e vídeos eróticos, sensuais ou pornográficos seus, das suas amigas ou amigos e, pelo outro lado, não está capacitada para resistir, particularmente em situações de alguma proximidade vivencial com o aliciador. O sexting, vezes sem conta, é o primeiro passo, a fase preliminar e preparatória daquilo que, regra geral. o agente criminoso adulto tem em mente: - ganhar a confiança da/o/as/os menor/es aliciada/o/s a fim de obter desta/e/s conteúdos pornográficos com atos sexuais explícitos e, seguidamente, concertar encontros para obter concessões de índole sexual. Situação incriminada no art.º 176º-A do Cód. Penal, que internacionalmente se denominado por «child grooming», (a ação deliberada de um adulto que pretende acossar e/ou abusar sexualmente de uma criança ou adolescente) através da Internet ou das redes sociais. Nas conversações mantidas através da internet ou das redes sociais ou de comunicação móvel, o adulto, quase sempre sob um perfil falso, tem como primeiro objetivo obter fotografias e/ou vídeos eróticos. Logo que ganha a confiança da/o menor e este lhe faculta ou comparte imagens com atos de conteúdo erótico, o «groomer» pressiona-a/o a enviar-lhe mais e mais e com atos sexuais explícitos ou dos órgãos genitais ou erógenos, e/ou pressiona-a/o um encontro físico e, se a/o menor não acede começa a chantagea-la/o, ameaçando-a/o com publicar as fotografias e os vídeos. Quando se produzem esses encontros forçados, o desenlace traduz-se quase sempre em abusos sexuais, não raro em violação, algumas vezes em desaparecimento e, até homicídio. Presumindo-se que a formação e desenvolvimento da personalidade global dos menores é colocada em perigo pela pornografia infantil, o legislador decidiu adiantar as barreiras da proteção contra essas práticas altamente lesivas de acontecimentos que “roubam” ou traumatizam gravemente a infância ou a adolescência dos menores, perturbando um desenvolvimento harmonioso da personalidade a todos os níveis. De modo que na al.ª b), se adiantou de tal modo que se incrimina o aliciamento da utilização de fotografias, filmes ou gravações pornográficas, a tentativa de obtenção destas modalidades de pornografia infantil. b. conteúdo pornográfico: Em determinar o que, no espirito do legislador, expresso na letra da lei, é, e deve considerar-se fotografia, filme ou gravação pornográfica, reside a essência da questão que aqui nos ocupa. E que não pode deixar de se conformar, ou decorrer do que vem interpretar-se. Como se referiu, tanto a Constituição da República, como os instrumentos internacionais universais e europeus, e igualmente o direito derivado da UE, definem o que, na interpretação dos seus preceitos, deve considerar-se pornografia infantil e que, resumidamente e para o que aqui releva, intercedem com “imagens ou representações de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos” ou imagens ou representações “dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais”. Todavia, a qualificação de uma fotografia “como pornográfica deve exprimir, segundo o seu conteúdo objetivo, que ele é idóneo, segundo as circunstâncias concretas da sua utilização, a excitar sexualmente a vítima, ultrapassando por isso notoriamente, em abstrato, os limites permitidos por um desenvolvimento sem entraves da personalidade do menor. É deste modo ainda (…) uma interpretação de acordo com o bem jurídico”. Porém “uma restrição do objetivismo das conversas obscenas e das maquinações pornográficas conduziria a desproteger o menor perante situações absolutamente análogas, do ponto de vista do bem jurídico, às incriminadas” [18]. No caso, o arguido atuou sobre a menor CC, de 10/11 anos (repete-se, no dia em que completava 11 anos de idade), por meio de conversa à distância, através da rede social facebook, tentando convence-la e pressionando-a, isto é, aliciando-a a se autofotografar com o telemóvel, na casa de banho, quando acabava de tomar banho, estando apenas em cuecas, insistindo persistentemente em que a “selfie” a enviar era “em cuecas”. Não lhe enviando a menor fotografia apenas com essa roupa interior reduzida, pressionou-a a tirar “selfie” ao “corpo todo”, “agora ao rabo” “ao rabo XD”. Nota-se ainda que a conversação rematou com o arguido a perguntar à menor CC “hoje vens cá?” Pelo contexto concreto, pela natural retração da menor a autofotografar-se em cuecas, o seu “corpo todo”, apenas em “cuecas” e também ao “rabo”, pela objetividade, pelo sentido comum, pela ausência de uma justificação plausivelmente aceitável por parte do arguido, pela sua conduta criminosa certificada no acórdão recorrido (especialmente a que está narrada nos pontos 21/22, 35 e 39/40), mas sobretudo e decisivamente em razão do bem jurídico protegido, as fotografias que o arguido pretendia obter, utilizando a menor, têm, sem dúvida, expressão e conteúdo pornográfico, e integram o conceito de pornografia de menores. Inexistem quaisquer motivos que pudessem legitimar ou que possam racionalmente aceitar-se que o arguido, um adulto que até vivia em união de facto com uma tia da menor, ademais, pedófilo, pudesse utilizar fotografias da CC, uma criança com 10/11 anos de idade, retratando-se após o banho, apenas vestida com cuecas, ou também uma fotografia do corpo todo e ainda do «rabo». É, pois, essa conversação e seriam aquelas, sem dúvida, fotografias pornográficas, que o arguido pretendia da menor CC. Dito de outra maneira, o arguido aliciou e pressionou (acossou), através daquela conversação na rede social Facebook, a menor CC para que elaborasse fotografias com imagens pornográficas dela mesma, visando utiliza-las com fins pornográficos. O elemento finalístico e subjetivo da infração está assente nos pontos 64 e 65 dos factos provados. Assim, a concreta atuação do arguido de aliciar a menor CC a autorretratar-se e enviar-lhe fotografias digitalizadas do seu corpo em roupa interior reduzida (em cuecas), na casa de banho, depois de banhar-se, e bem assim logo de seguida a autorretratar-se exibindo o “corpo todo” e o «rabo», coloca em perigo o desenvolvimento integral da menor e, consequentemente, ofende o bem jurídico individual e plurisubjetivo protegido pela incriminação da pornografia de menores na modalidade do aliciamento para a utilização de crianças em fotografias pornográficas – art. 176º n.º 1 al.ª b) do Cód. Penal. Crime que é agravado em razão da idade infantil - menos de 14 anos -, da menor CC – art.º 177º n.º 7 do Cód, Penal. Improcede, assim a argumentação do recorrente e, consequentemente, a sua pretensão de ser absolvido do crime de pornografia de menores.
b) determinação da medida da pena judicial: i. argumentação do recorrente: Entende que a pena em que foi condenado por ter cometido cada um dos crimes por que vem condenado é excessiva, contrapondo as suas condições familiares e profissionais e o efeito da pena privativa da liberdade que nelas se pode projetar. Pretende a alteração da “medida de cada uma das penas parcelares”, fixando-se em quantum igual ao “limite mínimo” da respetiva moldura penal.
ii. na decisão recorrida: No acórdão condenatório motiva-se a dosimetria das penas parcelares, expendendo: (…) começaremos por apreciar os aspetos (…) transversais a todos os comportamentos do arguido DD e que respeitam, essencialmente, ao seu modo de atuação e exigências de prevenção geral, especificando depois, individualmente, os aspetos que em sede de prevenção especial (…). Assim, estamos a falar de três crianças que o arguido conheceu e com quem privava porquanto duas delas eram sobrinhas da sua companheira (BB e a CC) e outra era enteada da irmã da mesma (AA), ou seja, aproveitou-se de uma relação de proximidade afetiva e familiar para à sua custa satisfazer os seus instintos sexuais e libidinosos. Não se inibiu de praticar factos e de sujeitar as menores a situações que sabia serem proibidas, inadequadas e violadoras quer do seu direito ao desenvolvimento harmonioso da sua sexualidade quer da própria integridade psicológica. A coberto de uma aparente informalidade e acessibilidade que mantinha no relacionamento com as menores, em suma, recorrendo a uma certa manipulação, não se absteve de falar com as menores e as expor a comportamentos, conversas e atos de índole sexual, numa idade em que as mesmas não tinham capacidade, nem maturidade, para avaliar a sua conduta. Relativamente às necessidades de prevenção geral, afiguram-se elevadíssimas cabendo lembrar a amplitude que condutas como as que aqui estão em causa assumem em crescendo na nossa sociedade e a que os Tribunais devem tentar pôr cobro, punindo adequadamente os respetivos autores. (…) o fenómeno da pedofilia, (…) determinou (…) uma exigência da comunidade numa punição mais severa dos crimes desta natureza. (…) No que concerne às exigências de prevenção especial, embora estejamos perante um arguido que à data da prática dos factos não tinha antecedentes criminais por factos desta natureza e se encontrava inserido profissional e familiarmente, a verdade é que as mesmas também se afiguram elevadas. (…) agrava a ilicitude do crime o facto das menores fazerem parte da sua família alargada, mais concretamente familiares da sua companheira; de o arguido ter persistido nas suas condutas durante vários anos, em número que não se pode concretizar, mas que certamente será elevado atentas as circunstâncias que resultaram provadas. Agrava, ainda, a conduta do arguido o facto de ter persistido na sua conduta sujeitando algumas das ofendidas às mais variadas situações que vão desde a exibição do seu órgão sexual, ao toque por parte das menores no mesmo, à colocação da sua mão na zona genital das crianças, quer por fora quer por dentro da roupa, à introdução de um dedo na vagina de uma delas, à colocação do seu pénis na boca da outra, ao roçar-se no seu corpo, ao masturbar-se na sua presença, ao aliciamento da menor CC para o envio de fotos sem roupa, enfim um sem número de atos que claramente atentam contra a reserva da sua intimidade. O arguido agiu sempre com um dolo muito intenso e com um grande desprezo pelos valores inerentes aos seus deveres jurídicos e sociais, nomeadamente como (…) tio de algumas das menores. No caso da menor BB (…) era sobrinha da sua companheira; uma criança que o mesmo conheceu desde tenra idade (…) A exigência de prevenção geral é, assim, muito elevada. Quanto à prevenção especial, verifica-se que existe uma manifesta tendência do arguido para cometer crimes desta natureza. Embora se apresente sem antecedentes criminais deste tipo, à data, o que mais não é do que uma expressão do cumprimento dos deveres inerentes a um cidadão num Estado do Direito, a verdade é [que] tal só se deverá ao facto de ter agido impunemente durante vários anos, contando com o silêncio das ofendidas o que, recorde-se, era por si imposto de forma veemente e intimidatória. É particularmente repugnante ver que não obstante as menores lhe pedirem para parar ou lhe darem pontapés para tentar cessar os atos o arguido persistia sempre nas suas atuações (vide factos dados por provados nos pontos 11, 19, 22 e 30). Fê-lo ao longo de um lapso de tempo bastante considerável, de forma reiterada e persistente, aproveitando a própria confiança de que beneficiava por parte dos próprios pais das menores. (…) de ponderar as consequências da atuação de DD para o desenvolvimento psíquico e sexual das ofendidas, com o eventual comprometimento do seu desenvolvimento emocional, bem como os motivos que os determinaram e que se prendem, exclusivamente, com a satisfação dos seus instintos de natureza sexual à custa de crianças. Atente-se a título de exemplo nas situações descritas nos pontos 21, 23 e 35 (em que uma das menores viu-lhe ser tapada a boca e encostada a uma parede para que o arguido pudesse roçar o seu pénis nas suas nádegas; ou a situação em que viu ser-lhe agarrada a cabeça por forma ao arguido conseguir colocar-lhe o seu pénis ereto na boca; viu o arguido introduzir-lhe o dedo na vagina). O arguido, não obstante os vínculos familiares e afetivos que o ligavam às ofendidas, não se absteve de se aproveitar das mesmas e delas abusar física e psicologicamente, expondo o seu corpo sem qualquer tipo de pudor e sujeitando-as a diversos atos de índole sexual. O arguido evidencia um profundo desrespeito pelos mais elementares valores vigentes numa sociedade, e atuou com uma culpa e ilicitude bastante acima da média. Entendemos, no entanto, que quer pelo lapso temporal durante o qual os factos ocorreram quer pela gravidade dos próprios (retratados nos atos a que sujeitou as ofendidas) a atuação do arguido assume bastante gravidade. Relativamente aos aspetos que militam a favor do arguido, com exceção da ausência de antecedentes criminais desta natureza à data e da respetiva inserção profissional e familiar, não vislumbramos quaisquer outros que possam de alguma forma mitigar a gravidade da sua conduta. (…) as penas a aplicar ao arguido terão que se situar acima dos limites mínimos, sobretudo porque também a sua culpa se situa bem acima das normais situações de abusos. Não se tratou de uma ou duas situações isoladas, mas antes de comportamentos que se repetiram e perpetuaram, ainda, durante um considerável período de tempo. (…) a gravidade dos factos cometidos pelo arguido é, desde logo, evidente se atentarmos nas idades das ofendidas BB e AA à data em que os mesmos se iniciaram (…). (…) relativamente à dosimetria das penas a aplicar entendeu o Tribunal distinguir as mesmas em função da natureza das ações em causa, do lapso de tempo em que perduraram e da sua gravidade objetiva aferida do ponto de vista quer da atuação do arguido quer das consequências que tiveram para as menores. Assim, no caso das duas penas a aplicar nos termos previstos no artigo 171º nº 2 (factos 23, 24 e 35) atendeu-se que os mesmos assumem bastante gravidade, sendo bastante demonstrativos da personalidade e motivações do arguido, atenta a natureza das situações em que o mesmo colocou as duas menores. Na dosimetria da pena a aplicar aos factos consubstanciadores da prática do crime previsto no artigo 171º nº1, que recorde-se ascendem a um total de 11, atendeu-se para além dos concretos atos às circunstâncias em que foram praticados e idade das menores há data, sendo que não existe grande diferença no que tange à sua gravidade. Relativamente aos factos que integram a prática do crime de abuso sexual de crianças nos termos previstos no artigo 171º nº1 alínea a), que recorde-se são 6, julgámos ser de fazer uma distinção no que respeita a uma das situações que entendemos mais grave e que corresponde à factualidade dada por provada nos artigos 50 a 52. Com efeito, reporta-se a um episódio em que as duas menores se encontravam juntas no carro com o arguido, sozinhas e confinadas a um espaço do qual não poderiam sair, e em que o mesmo decide masturbar-se à sua frente. No caso da menor CC entendemos que a natureza das fotografias que o arguido pretendia que a mesma tirasse e lhe enviasse são chocantes e injustificáveis. Não pode o tribunal deixar de atender ao dolo intenso com que o arguido atuou, nem à gravidade objetiva destes factos. Na verdade, tornou-se “amigo” da sobrinha da sua companheira numa rede social para, de uma forma dissimulada, conseguir entabular uma conversa com ela sem que os pais se apercebessem e levá-la a despir-se e facultar-lhe fotos. (…) o mal feito às menores ofendidas jamais será apagado, pelo que o sofrimento inerente aos abusos sofridos não pode ser omitido na ponderação da pena. (…) são muito ponderosas as sequelas que comportamentos como o do arguido potenciam no desenvolvimento futuro destas menores, que viram afetado o seu processo de crescimento e vivência, designadamente na sua vertente sexual e afetiva. (…) a atuação do arguido DD, na medida em que visou satisfazer os seus impulsos sexuais e instintos libidinosos, revela-se indiferente aos prejuízos que os seus comportamentos provocavam no desenvolvimento psicológico das menores e ofendidas nestes autos, e, nessa medida, não pode deixar de denotar um sentimento de desprezo pela condição delas e um elevado grau de violação dos deveres que se lhe impunham - ofensas essas que produzem repugnância e reprovação moral e éticas no tecido social. O arguido revelou, assim, e por esta via, uma consciência diluída do desvalor dos seus atos e das consequências dos mesmos.
iii. os fins das penas: O direito penal é o garante da consolidação dos valores fundamentais reconhecidos pela comunidade. A sua função é a de proteger os bens jurídicos que o legislador entender serem, em cada época, dignos desse amparo reforçado. Como se testemunha na Exposição de Motivos do DL n.º 48/95 de 15/03, as molduras penais mais não são, afinal, do que a tradução da hierarquia de valores fundamentais da comunidade, onde reside a própria legitimação do direito penal. Em perfeita consonância com o pulsar da vida, ali se adverte: “mais do que a moldura penal abstratamente cominada na lei, é a concretização da sanção que traduz a medida da violação dos valores pressupostos na norma, funcionando, assim, como referência para a comunidade”. Uma vez ofendidos os bens jurídicos tutelados, impõe-se reagir de modo a restabelecer a paz jurídica, reafirmando a sua legitimação material, a sua aceitação e interiorização coletiva. Deste modo, o parâmetro primordial do «modelo» de determinação da qualquer pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados, estabelecendo, em concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar, isto é, a pena aplicada não alcança a necessária, suficiente e adequada “prevenção geral positiva ou prevenção de integração”. Assim, estabelecida a moldura penal, o primeiro e decisivo fator a considerar no procedimento de determinação da medida concreta da pena é também o que decorre da finalidade da punição, firmado pelo legislador no art. 40.º do Código Penal: a aplicação da pena visa a proteção dos bens jurídicos violados e a ressocialização do agente (n.º 1). Todavia, a absolutização desta finalidade, (da defesa da sociedade e da prevenção do crime), tendencialmente associada ao caráter mais ou menos drástico das reações criminais, não seria compatível com a dignidade humana. Por isso, o segundo parâmetro é dado pela medida da culpa, funcionando esta como limiar máximo acima do qual a pena se torna desproporcionada e injusta. “Está subjacente ao artigo 40.º uma conceção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa”. O terceiro parâmetro advém da finalidade de prevenção especial de socialização. A pena é orientada ainda pela recuperação social do delinquente, não com qualquer sentido corretivo de pretensos defeitos ou desvios da personalidade, mas de o reintegrar na comunidade e aí se situar e interagir, conformando a sua conduta de modo a que “não lese ou ponha em perigo bens jurídico-penais”.
iv. penas parcelares aplicadas: 1. reexame: Importa sublinhar que este Supremo Tribunal, no Acórdão (AUJ) n.º 5/2017 fixou jurisprudência com o seguinte sentido[19]: «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.» Consequentemente, embora o arguido tenha sido condenado em 20 (vinte) penas parcelares todas em medida inferior a 5 anos de prisão – concretamente e por ordem decrescente; duas de 4 anos; doze de 1 ano e 9 meses; 1 de 1 ano; e 5 de 9 meses -, uma vez que a pena única aplicada é superior aos referidos 5 anos – concretamente, 6 anos e 9 meses de prisão -, pode e deve este Tribunal conhecer também da dosimetria das penas parcelares.
2. moldura penal: A consequência penal de cada tipo de crime (fundamental, agravado, qualificado, privilegiado) – e bem assim para quando hajam de funcionar circunstancias modificativas -, é fixada, em abstrato, pelo legislador, estabelecendo o que se designa por moldura penal. É necessariamente dentro destas balizas que o juiz tem de mover-se para fixar a pena judicial para cada crime concretamente cometido pelo agente. No caso, o arguido vem condenado por ter cometido os seguintes: - crimes de abuso sexual de crianças previstos pelo art.º 171º do Cod. Penal: - 11 (onze) punidos no n.º 1, com prisão de 1 a 8 anos; - 2 punidos no n.º 2, com prisão de 3 a 10 anos; - 6 punidos no n.º 3 al.ª a). com prisão até 3 anos - um crime de pornografia de menores agravado previsto pelo art.º 176º n.º 1 al.ª b) e 177º n.º 7. punido com prisão de 1 ano e 6 meses a 7 anos e 6 meses. Salientou-se que as crianças esperam da família (e das instituições públicas e privadas) e têm direito à proteção da sua dignidade e aos cuidados necessários ao seu bem-estar[20]. Na definição da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989[21], vigente desde 2 de setembro de 1990, “criança significa todo ser humano com menos de dezoito anos, a menos que, de acordo com a lei aplicável à criança, a maioridade seja atingida mais cedo” –art. 1º. O abuso sexual e a exploração sexual de crianças, incluindo a pornografia infantil, constituem violações graves dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar, e ao desenvolvimento físico, psíquico e emocional, tal como estabelecido na Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os Direitos da Criança[22]. A Constituição da República e os instrumentos internacionais a que o nosso país aderiu obrigam a adotar medidas legislativas para proteger as crianças, designadamente incriminando “a prática de ato sexual com uma criança que, nos termos das disposições legais nacionais relevantes, não tenha ainda atingido a idade legal prevista para o efeito, - art.º 18º, punindo-as com “penas efetivas, proporcionadas e dissuasivas, tendo em conta a sua gravidade, devendo incluir penas privativas de liberdade” –art. 27º n.º 1 da Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais. Portugal como subscritor dos principais instrumentos internacionais e também por imposição do direito derivado da União Europeia – concretamente a Diretiva 2011/93/EU -, está obrigado a punir com pena máxima de prisão não inferior a cinco anos quem praticar atos sexuais com uma criança que não tenha atingido a maioridade sexual –art.º 3º n.º 4. “«Maioridade sexual», [é] a idade abaixo da qual é proibida, segundo a legislação nacional, a prática de atos sexuais com crianças” –art. 2º, al.ª b). Estabelece, igualmente, que as formas graves de abuso sexual e de exploração sexual de crianças deverão ser penalizadas de forma eficaz, proporcionada e dissuasiva –Considerando (12). É esta a filosofia que informa o direito penal interno - e que também estabelece as balizas mínimas da punição -, no domínio dos crimes contra a autodeterminação sexual das crianças. Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 305/XII, base da Lei n.º 103/2015, fez-se constar que “o abuso e a exploração sexual de crianças são tipos de crimes particularmente graves que abalam valores fundamentais inerentes à proteção do ser humano, individualmente considerado, bem como a sociedade no seu todo, nomeadamente a confiança nas instituições públicas. Esta gravidade ganha especial acuidade considerando não só que as vítimas são menores e que, consequentemente, têm direito a proteção e cuidados especiais, mas também que os danos físicos, psicológicos e sociais são duradouros. Como aí também se sublinha, o abuso sexual de crianças e a pornografia infantil têm “consequências nefastas para o desenvolvimento pleno e harmonioso destas vítimas, tanto ao nível emocional, como cognitivo, existindo estudos que apontam para taxas de suicídio e de ideação suicida mais elevadas do que em sujeitos que não tenham sido vítimas destes crimes, bem como elevada probabilidade de voltarem a ser vítimas, maiores taxas de abandono e divórcio, alta incidência de sentimentos de vergonha e culpa associados a conflitos interpessoais, familiares e conjugais, maior tendência ao castigo nas relações familiares, índices mais altos de consumo excessivo de álcool e de consumo de produtos estupefacientes, maior risco de contrair diabetes tipo 2, maior probabilidade de desenvolvimento de condutas sexuais inapropriadas, nomeadamente exibicionismo e agressões sexuais, risco de depressão e de outras perturbações, como o transtorno de personalidade limítrofe. Também no plano cognitivo se têm estudado as consequências destes crimes, revelando as vítimas maiores dificuldades em matéria de atenção distribuída, abstração, raciocínio, planificação, inibição, memória de trabalho, e de modo menos significativo, mas ainda assim verificável, em matéria de juízo crítico e flexibilidade cognitiva. Constitui, pois, uma emergência assegurar um combate eficaz a estes fenómenos criminosos, sendo certo ainda que são elevadas as taxas de reincidência. As alterações ao Código Penal operadas pela Lei n.º 103/2015, visaram dar expressão às obrigações decorrentes do direito da UE e da Convenção de Lanzarote, de modo a tornar o nosso ordenamento jurídico interno “mais eficaz no combate a uma das mais graves violações dos direitos humanos”. Entre nós, a maioridade penal está atualmente estabelecida nos 14 anos de idade. A prática de ato sexual de relevo com, em, perante menor de 14 anos, ou que se leva a praticar, é penalmente punida indiferentemente da sua capacidade para entender, anuir, ou até de provocar ativamente os referidos atos. O bem jurídico protegido é o acima indicado, no qual se inclui o livre desenvolvimento da personalidade da criança na esfera sexual. Os atos de natureza sexual com, em ou perante crianças menores de 14 anos, ou que tenham de presenciarem, em razão da sua pouca idade e de se encontrarem numa fase da vida em que a personalidade global está em formação e estruturação, deixa rasgos indelevelmente negativos que vão marcar a sua vida. Estão, por isso, carecidas e têm direito a proteção especial, reforçada pela falta de madurez para se autodeterminar sexualmente. Quanto ao crime de pornografia de menores já acima se deixou justificação suficiente.
3. os critérios: Os critérios concorrentes na determinante da medida judicial da pena para qualquer crime, para cada crime de abuso sexual de crianças cometido pelo arguido em concurso real, e bem assim para o crime de pornografia de menores, funcionando dentro da correspondente moldura penal são, como se referiu, as exigência de proteção do bem jurídico violado (estabelecendo o limiar mínimo abaixo do qual a sanção deixará de cumprir esta função[23]), a medida da culpa posta na execução do facto (que traça a linha máxima para além da qual a pena se torna desproporcionada senão mesmo parcialmente arbitrária) e as particulares necessidades de ressocialização do agente (que, dentro daqueles duas balizas, deve fazer com que a pena concreta se encoste mais a uma ou à outra) –arts. 40º n.ºs 1 e 2 e 71º n.º 1 do Cód. Penal. Especificando neste critério, estabelece o legislador que na dosimetria da pena judicial a aplicar ao agente por cada crime cometido, deve o tribunal considerar “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime” (aqui sim, proibição da dupla valoração) “depuserem a favor” e contra o agente. Enunciando exemplificativamente algumas, que podem agrupar-se em circunstâncias atinentes ao facto ou ao agente, ou à ilicitude, à culpa e necessidade da pena, isto é, que: - evidenciam a medida da gravidade do ilícito objetivo e da censurabilidade da conduta (do ilícito subjetivo) – al.ªs a) a c); e - expressam as particulares necessidades de prevenção especial de ressocialização que no caso se fazem sentir – al.ªs d) a f). 4. as penas aplicadas: Importa então apreciar se a dosimetria da pena judicial, fixada em igual medida – 1 ano e 9 meses de prisão -, para cada um dos onze crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art.º 171º n.º 1, situada ligeiramente acima do limiar inferior da respetiva moldura penal -1 a 8 anos de prisão -, se conforma com os mencionados critérios e respetivos parâmetros. Neste caso a pena judicial fixou-se ligeiramente aquém da nonagésima parte inferior da moldura penal Outro tanto se impõe apreciar relativamente à dosimetria da pena judicial, fixada também em igual medida – 4 anos de prisão -, para cada um dos dois crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art.º 171º n.º 2, quantificada em medida ligeiramente acima do limiar mínimo da respetiva moldura penal – 3 a 10 anos de prisão. Neste caso a pena judicial foi fixada no sétimo inferior da moldura penal. Idêntica avaliação reclama a dosimetria da pena judicial estabelecida para punir, ainda aqui em igual medida – 9 meses de prisão -, cada um dos cinco crimes de abuso de crianças, p. e p. pelo art.º 171º n.º 1 al.ª a) , concretamente quantificada ao nível do quarto inferior da respetiva moldura penal – de 1 mês a 3 anos de prisão; Outro tanto vale para o crime de abuso sexual de crianças . e p. pelo art.º 171º n.º 3 al.ª a), concretamente fixada em 1 ano de prisão, ou seja, ao nível do terço inferior da respetiva moldura penal. Também assim se impor apreciar a pena de 1 ano e 9 meses aplicada pelo cometimento do crime de pornografia de menores agravado, situada 3 meses acima da moldura penal mínima, isto é, ao nível do respetivo vigésimo inferior. Na fixação do quantum de cada uma dessas penas, no acórdão recorrido atentou-se, desde logo e decisivamente na importância do bem jurídico violado (na escala de valores fundamentais indispensáveis a uma sã e harmónica vivência comunitária) e as inerentes necessidades de reafirmação da sua validade e da vigência da respetiva proteção penal, que considerou prementes, (“o fenómeno da pedofilia, (…) determinou (…) uma exigência da comunidade numa punição mais severa dos crimes desta natureza …”). Efetivamente, o harmonioso desenvolvimento da personalidade global das crianças, inclusive na esfera sexual, demanda, não só no regime constitucional e penal interno como também nos instrumentos de direito internacional, no direito derivado da UE, bem como na esmagadora maioria dos regimes jurídicos nacionais, a sua assertiva reafirmação contrafáctica. No acórdão recorrido ponderou-se também a gravidade objetiva dos ilícitos tendo em conta o significativo desvalor dos atos cometidos, refletida na infantil idade das vítimas –com idades inferiores a 10/11 anos -, no modo de execução dos abusos (por vezes inseridos, mesclados, ocorridos quando brincava com as crianças e em outras com estas e a própria companheira), na persistência (durante vários anos) e na energia criminosa (forçando as vítimas a ter se suportar os abusos) com que o arguido atuou. Motiva-se aí, justamente, em que as condutas do arguido comportam “situações que vão desde a exibição do seu órgão sexual, ao toque por parte das menores no mesmo, à colocação da sua mão na zona genital das crianças, quer por fora quer por dentro da roupa, à introdução de um dedo na vagina de uma delas, à colocação do seu pénis na boca da outra, ao roçar-se no seu corpo, ao masturbar-se na sua presença”. Atentou-se, necessariamente, na censurabilidade elevada da conduta, comandada por dolo direto, intenso e persistente. O arguido agiu com o propósito deliberado de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais nas ofendidas, - uma destas do entorno familiar (sobrinha) da sua companheira e, assim, por afinidade de facto, também do âmbito da «família alargada» do arguido -. às quais, por isso tinha fácil acesso e que nele depositavam confiança, tendo agido insensível às marcas que daí resultam na formação da personalidade global das menores, incluindo-se nesta também a vertente da autodeterminação e da liberdade sexual. No acórdão recorrido ponderaram-se também as necessidades de prevenção especial. O arguido tinha namorada desde a adolescência, desde 2006 -, e com ela passou a viver maritalmente em 2014, o que torna ainda mais aberrante a sua conduta (só explicável por parafilia). Não confessou os factos nem manifestou arrependimento. Não tinha, à data destes acontecimentos criminosos antecedentes penais registados, como é de esperar de um cidadão comum, ademais com idades ainda pouco avançadas. Todavia, a ausência de histórico criminal anterior não o afastou de cometer crimes graves, de abusar sexualmente de duas crianças, da sua relação de proximidade e de confiança, e desde quando ainda estavam em idades muito precoces – começou a abusar sexualmente da menor BB quando esta tinha apenas 7 anos de idade. O acórdão recorrido ponderou também as consequências perturbadores e traumatizantes para as crianças vítimas dos abusos sexuais nelas cometidos pelo arguido, dando até nota de alguns estudos sobre o tema. A pena judicial nestes casos convoca desde logo elevadíssimas exigências de prevenção geral evidenciadas pela reação viva da sociedade a este tipo de crimes, reclamando penas em medida que patenteie a gravidade objetiva e a dimensão da censura social a tais condutas. Os fins e motivos que determinaram o arguido à prática dos crimes, - “satisfazer a sua libido e os seus instintos sexuais”, servindo-se das menores AA e BB, ademais, aproveitando-se da situação de proximidade e confiança advinda da circunstância de a BB ser sobrinha da companheira do arguido e a AA enteada da mãe da BB, irmã da referida companheira -, evidenciam. por um lado, uma forte censurabilidade da conduta do arguido e, pelo outro, prementes necessidades de prevenção especial. Os factos provados, no seu conjunto, demonstram que o arguido é portador de uma parafilia que importa dominar ou, idealmente, corrigir de modo a prevenir a reincidência que é muito comum neste tipo de criminalidade em razão da escolha de vítimas com diminuída capacidade de autodeterminação sexual e escassas possibilidades de imediata reação ao crime e que, como sucedeu no caso, geralmente são levados a cabo no próprio ambiente familiar que deveria ser o seu núcleo primário e essencial de amparo, de privacidade, e o refugio natural e inviolável da criança. A postura posterior do arguido perante os factos reforça as prementes necessidades de ressocialização que o arguido vivamente transporta. Não se autocensurando, é fortemente previsível, segundo a racionalidade lógica e as regras da experiência comum que, em futuros contactos com crianças poderá cometer idêntica factualidade criminosa. Revela o arguido também “uma consciência diluída do desvalor dos seus atos e das consequências dos mesmos”. Em seu favor, ademais da ausência de antecedentes criminais à data dos factos, o arguido invoca a situação familiar – vive com a companheira que tem algum grau de deficiência física, que não a impossibilita de trabalhar como …, e o filho menor de ambos atualmente com .. anos de idade. Invoca ainda a sua inserção laboral –como operário fabril. Sublinhou-se que cada pena parcelar foi fixada no acórdão recorrido em medida próxima do limiar mínimo: nos crimes p. e p. pelo art. 171º n.º 1, nove meses acima; nos crimes p. e p. pelo art. 171º n.º 2, um ano acima; e, nos crimes p. e p. pelo art. 171º n.º 3 al.ª a), 8 meses acima. Ou seja, apesar da gravidade objetiva dos crimes cometidos pelo arguido, a pena com que foi sancionado por ter cometido cada um, foi quantificada em medida bem próxima do mínimo da respetiva moldura penal mínima e, incomparavelmente muito afastada da moldura penal máxima Consequentemente, a pena aplicada ao arguido pela prática de cada um dos identificados crimes de abuso sexual não é excessiva. Na situação narrada nos pontos 23 e 24 dos factos provados (crime pelo qual lhe são aplicados 4 anos de prisão) a pena peca, isso sim, por defeito, atenta a insofismável gravidade do sexo oral forçado que o arguido obrigou a menor AA a ter de suportar (em diversas ocasiões o arguido, com as suas mãos, agarrou a cabeça da menor, encostou-a à sua zona genital, colocou o seu pénis ereto no interior da boca da AA, fazendo movimentos vai-vem, sem que tivesse ejaculado). Aliás, a factualidade referida bem que poderia – deveria mesmo -, ter levado à condenação do arguido pela prática de mais que um daqueles crimes – dois, no mínimo -, na medida em que se apura que a factualidade que o integra ocorreu “em diversas ocasiões” - cfr. ponto 23. No acórdão recorrido fundamentam-se, especificadamente, os motivos pelos quais a pena aplicada a um dos crimes de abuso sexual (importunação) da menor foi fixada em medida ligeiramente mais elevada que as penas aplicadas os demais crimes idênticos. O pequeno agravamento e o critério factual e jurídico que justificou essa ligeira diferença não é contestado pelo recorrente e também não justifica censura. A pena aplicada pelo cometimento do crime de pornografia de menores ademais das prementes necessidades de prevenção geral positiva, da gravidade objetiva da ilicitude – expressada nos diversos instrumentos universais, europeus, da UE, e do direito comparado do mundo ocidental- no caso, documentada na relação familiar de facto, na absolutamente incompreensível e injustificada utilização da criança nas “selfies” pretendida pelo arguido, bens jurídicos de outra natureza poderiam aqui interceder como seja o direito à imagem e à reserva da intimidade da menor CC. Ou seja, o arguido aliciou esta criança com total despreza pela sua infantilidade e pelas consequências graves que poderiam advir a formação e a futuramente vivência afetiva e social da menor. As vivas necessidade de reafirmação da validade e da vigência dos bens jurídicos efetivamente violados pela factualidade cometida pelo arguido com dolo direito, intenso e persistente, a gravidade objetiva dos tipos de ilícito infringidos, e as necessidades de prevenção especial evidenciadas pela postura do arguido anterior e posterior os factos, as penas correspondentemente aplicadas ao arguido por cada um dos referidos crimes não podiam ser inferiores, não havendo, por isso, razões, para que pudessem ser reduzidas. Assim e de acordo com as razões expostas, improcede a pretensão do recorrente de que cada pena judicial parcelar se fixe em medida igual ao mínimo da respetiva moldura legal.
c) da pena conjunta: i. a pretensão: O recorrente, argumentando simplesmente que a pena única em que está condenado é excessiva, pugna pela redução da pena única para 5 anos de prisão.
ii. a motivação da pena única: No acórdão recorrido motiva-se a dosimetria da pena única aduzindo: No caso concreto, (…) a moldura penal (…) tem os seguintes limites: Mínimo: prisão de 4 anos de prisão (a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vinte crimes) e o limite máximo de prisão de 34 anos (a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes pelos quais vai ser condenado). (…) na pena única a aplicar, terá de relevar a medida de cada uma das penas concretas aplicadas por cada um dos crimes cometidos pelo arguido [DD]. Quanto à ilicitude, (…) será de considerar como bastante elevada. Quanto à modalidade de dolo, o arguido agiu com dolo direto e intenso. (…). Na avaliação da sua personalidade, (…) poderá considerar-se que os ilícitos praticados não são o resultado de um ato fortuito, mas antes evidenciam uma atuação pensada e organizada, atento nomeadamente o lapso de tempo durante o qual perduraram. (…) o arguido não revela qualquer juízo crítico ou de autocensura o que, não o prejudicando, certamente também não o beneficia. (…) quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que esteve na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspetiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido (…). (…) Neste contexto, valorando os ilícitos globais perpetrados, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido DD, entendemos justa, adequada e proporcional (face às penas parcelares aplicadas e supra descritas) a seguinte pena única: 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão.
iii. critério e fatores: O Código Penal, no art. 77º (regras da punição do concurso), n.º 1, dispõe: 1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. (…). Deste modo, o nosso legislador, divergindo de ordenamentos jurídico-penais próximos que optaram por sistemas que se aproximam mais da pura adição (soma de penas a cumprir sucessivamente, com plafonamento ou limite máximo legalmente predeterminado) -o espanhol[24]- ou de um cúmulo material (as penas aplicadas aos crimes em concurso dão lugar a uma pena - unificada), em qualquer caso também com limite definido –o italiano[25], o brasileiro[26], - ou de uma só pena -o Suíço[27]-, optou (por razões politico-criminais e de dogmática[28]) pelo sistema de pena conjunta (cada infração é punida com a pena correspondente e as penas aplicadas ao concurso de crimes fundem-se numa pena única), assente na combinação dos princípios da acumulação material e do cúmulo jurídico, tendo este por base uma consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente[29]. Ao cúmulo jurídico de penas subjaz necessariamente uma pluralidade de crimes que estão, entre si, numa relação de concurso (real). No sistema do Código Penal português, a reiteração ou sucessão de infrações que podem integrar-se num mesmo concurso de crimes é interrompida e assim delimitada pelo trânsito em julgada da condenação de qualquer deles[30], diversamente do que sucede em outros regimes que optaram pela decisão condenatória. A moldura penal do concurso de crimes estabelece-se de acordo com o disposto no art. 77º n.º 2 co Cód. Penal: 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. A dosimetria da pena única a aplicar (em cúmulo jurídico) ao concurso de crimes rege-se pelo segundo segmento da norma do art. 77.º, n.º 1, II parte, Código Penal, que estatui: 1 – (…) . Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Deste modo, o legislador instituiu um regime especial para guiar o juiz no procedimento conducente à fixação do quantum da pena judicial do concurso de crimes, com a indicação do iter a seguir e dos parâmetros a observar. Na dosimetria da pena única é considerado o “comportamento global” resultante da ponderação concorrente dos “factos” perpetrados e da “personalidade” do agente revelada no seu cometimento. As regras de determinação da pena não operam aqui por referência a um qualquer dos crimes em concurso, nem a todos como se de uma unidade de sentido punitivo se tratasse, mas por referência aos factos e à pena aplicada a cada um e a todos eles[31]. É esta referenciação aos crimes do concurso e às penas parcelares que confere autonomia dogmática ao sistema da pena conjunta e o diferencia do sistema da pena unitária (ou da pena unificada). Deste modo, a determinação da medida da pena conjunta comporta, especificidades, submetida como está a um regime especial de pena única, diverso do adotado em ordenamentos com sistemas próximos nos quais a pena judicial do concurso se obtém por absorção (dentro da moldura penal do crime mais gravemente punido) ou por exasperação (a pena mais elevada aplicável a uma das infrações do concurso é agravada em razão do número de crimes que o integram), que aparenta assentar numa operação mais simplificadamente quantificável e com maior grau de uniformização sancionatória. No sistema do Cód. Penal português informado pelos princípios da exasperação e da cumulação e que, na expressão de J. Figueiredo Dias “as nossas doutrina e jurisprudência crismam … de sistema do cúmulo jurídico”[32], a moldura penal do concurso é autónoma, resultante da consideração das penas aplicadas a cada um dos crimes integrantes do concurso, tendo como limiar mínimo a pena parcelar mais elevada e como limite máximo a soma de todas as penas aplicadas. Dentro desta moldura a fixação da pena judicial única terá de resultar da atuação conjugada do referido binómio (factos e personalidade) - art. 77.º, n.º 1, II parte, do Código Penal. Alguma doutrina questiona a admissibilidade da valoração, na determinação da pena conjunta, de fatores que tenham servido para fixar a pena singular aplicada a cada crime. Um deles é desde logo a culpa, não na consideração politico-criminal do legislador quando elegeu os tipos de culpa, mas já nos termos dos artigos 40º n.º 2 (“em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”), e 71º n.º 1 (“a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”) que a constituem como fator determinante do limite e da medida máxima de cada pena concreta. A doutrina maioritária[33] e a jurisprudência[34] entendem que os parâmetros contidos no art. 71º do CP – culpa e prevenção –, servem apenas de guia na operação de fixação da pena conjunta, pois os mesmos não podem ser valorados novamente sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais fatores tenham um alcance diferente enquanto referidos à totalidade dos crimes. Com esta advertência parece entender-se que nada obsta a que a pena única se determine pela ponderação conjugada de fatores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1). Como refere Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 71º.º, n.º1, um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte. Mas também aqui não podem considerar-se circunstâncias que façam parte de cada um dos tipos de ilícito integrantes do concurso (proibição da dupla valoração –art. 71º n.º 2 do Código Penal). Sustenta-se no Acórdão 14-09-2016[35], deste Supremo Tribunal: “na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele «pedaço» de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua atividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respetiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade. É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da atividade criminosa do agente permite”. Assim, no nosso sistema de pena única, essencial é desde logo a gravidade global dos factos. A avaliação do comportamento “unificado” pelo concurso de crimes deve assentar na ponderação conjugada do número e da gravidade das penas parcelares englobadas, da sua medida concreta e da respetiva grandeza no âmbito da moldura da pena do concurso. Segundo J. Figueiredo Dias, na escolha da medida da pena única “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”[36]. Critério a que o Ac. de 27/01/2016, deste Supremo Tribunal dá expressão prático-jurídica: «fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade à pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.” Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais”[37]. Em consonância com o exposto, para encontrar o quantum da pena única, dentro da moldura aplicável, o critério geral do artigo 71º tem de ser conjugado com o critério específico consagrado no art. 77.º, n.º 1 do Código Penal, respeitando, todavia, a proibição da dupla valoração. “À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente”. Visão de conjunto que, todavia, não pode olvidar o número, a natureza e a medida concreta de cada pena parcelar ou então o sistema ainda que sob a terminologia da pena conjunta, seria, na realidade, o da pena unitária, em que a determinação da pena correspondente a cada um dos crimes em concurso mais não aproveitava do que para estabelecer a moldura penal do concurso. Sem perder de vista as penas parcelares aplicadas “do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”. “Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses fatores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita”[38].
iv. a pena do concurso: No caso, o arguido vem condenado nas penas parcelares de prisão referidas – duas de 4 anos; onze de 1 anos e 9 meses; uma de 1 ano; e cinco de 9 meses -, por ter cometido em concurso real 20 (vinte) crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de crianças inicialmente identificados. A moldura penal deste concurso de crimes tem como limite mínimo 4 anos e, por imposição legal (art. 77º n.º 2 do Cód. Penal o limiar máximo de 25 anos de prisão (a soma aritmética das penas parcelares perfaz 33 anos e 9 meses de prisão[39]). O arguido, em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 6 anos e 9 meses de prisão. A pena conjunta assim fixada no acórdão recorrido fica sensivelmente ao nível do oitavo inferior da moldura penal do concurso. No caso, impondo-se o teto superior legalmente definido para a moldura do concurso de crimes não seria completamente adequado lançar mão da teoria do fator de compressão. De qualquer modo, a título meramente indicativo pode dizer-se que a pena única resultou da adição ao limiar mínimo da moldura do concurso – 4 anos de prisão - de 1/9 de cada uma das restantes 19 penas parcelares. A “teoria” do «fator de compressão», podendo ter sentido prático e justificação em razões de certeza e segurança jurídica e de uniformidade de critérios, em casos como o dos autos em que os crimes em concurso ofendem bens jurídicos da mesma ou de idêntica natureza, ou em casos em que o bem jurídico violado plúrimas vezes é o mesmo, ou em casos de homogeneidade das penas, não é exportável para outras situações, não se podendo aceitar critérios matemáticos uniformes, alheios a uma valoração normativa dos bens jurídicos tutelados “que pode assumir uma diferença substantiva abissal consoante haja ofensa de bens patrimoniais ou de bens fundamentais, como é o caso da própria vida” ou à heterogeneidade das penas. Contudo, não deve ignorar-se o seu extraordinário valor para avaliar a proporcionalidade da pena conjunta. Na definição da pena concreta a aplicar ao concurso de crimes também “importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave”, em consonância com os propósitos do legislador testemunhados na «exposição de motivos» do CPP de que “convém não esquecer a importância decisiva da distinção entre a criminalidade grave e a pequena criminalidade - uma das manifestações típicas das sociedades modernas. Trata-se de duas realidades claramente distintas quanto à sua explicação criminológica, ao grau de danosidade social e ao alarme coletivo que provocam. Não poderá deixar de ser, por isso, completamente diferente o teor da reação social num e noutro caso, máxime o teor da reação formal. Consequentemente, na determinação da pena conjunta, a ponderação dos crimes e das penas deve adequar-se ao tipo de criminalidade, com enfase para o terrorismo, a criminalidade violenta, a criminalidade especialmente violenta e a criminalidade altamente organizada -. art. 1º alªs i) a m) do CPP. “Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia é uma mera pluriocasionalidade”. O “comportamento global” que preside ao cúmulo jurídico, e à aplicação da pena única, evidencia uma personalidade mais ou menos intensamente desconforme ao modo de ser suposto pela ordem jurídico-criminal. A violação, pelo agente, de vários bens jurídicos de igual importância, através da mesma ou de condutas imediatamente seguidas, exprime, geralmente e segundo as regras da lógica e da experiência comum, pluriocasionalidade criminosa. A reiteração espaçada de idênticas ou de diferentes condutas delituosas, à mesma luz, poderá evidenciar uma tendência, persistente vontade, ou carreira criminosa.
v. a pena única aplicada: Os vários e insistentemente cometidos – durante vários anos -, factos constitutivos dos indicados crimes de abuso sexual que o arguido praticou nas menores AA e BB, e os factos constitutivos do crime de pornografia «infantil» agravado que o arguido cometeu relativamente à menor CC, constituem, no seu conjunto, uma situação em que a reiteração criminosa preenche várias vezes algumas das previsões do mesmo tipo de crime, e de crime de igual natureza, de modo que estamos perante um caso de concurso efetivo, na definição do artigo 30.º do Código Penal. Crimes que foram punidos cada um com uma pena (parcelar) de prisão e, em cúmulo jurídico destas, numa pena única que deve obedecer aos critérios e fatores de individualização estabelecidos no artigo 77.º do Código Penal, nos termos enunciados e, ademais que não extravase a desejável proporcionalidade por referência ao sistema punitivo criminal. Vejamos então se a dosimetria da pena única aplicada no acórdão recorrido – 6 anos e 9 meses de prisão -, se conforma com a gravidade dos factos e a personalidade do arguido neles revelada – art. 77º n.º 1 do Cód. Penal -, e também se não é desproporcionada à figuração do “ilícito global” consubstanciada pelo concurso de crimes. Neste aspeto, releva desde logo que dois crimes deste concurso (os dois contra a autodeterminação sexual p. e p. pelo art-º 171º n.º 2 do Cod. Penal, punidos com prisão de máximo superior a 8 anos, se incluem na definição legal de criminalidade especialmente violenta - art.º 1º al.ª l) -, e o crime de pornografia de menores agravado, e que os restantes crimes de abuso sexual de crianças, com exceção dos crimes de importunação sexual de menores p. e p. pelo art-º 171º n.º 3 al.ª a) do Cód. Penal, se incluem no conceito legal de criminalidade violenta – art. 1º al.ª j) do CPP. Como se referiu, a Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho, considera que: (1) O abuso sexual e a exploração sexual de crianças, incluindo a pornografia infantil, constituem violações graves dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar, tal como estabelecido na Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os Direitos da Criança e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. E que: (12) As formas graves de abuso sexual e de exploração sexual de crianças deverão ser penalizadas de forma eficaz, proporcionada e dissuasiva. Nas palavras do Ac. STJ de 22/04/2015, proc. 45/13.0JASTB.L1.S1, os agente de crimes de abuso sexual de crianças, - «pedófilos» -, no sentido de que se sentem eroticamente atraídos de forma compulsiva por crianças, o que, sem lhe retirar lucidez, poderá atenuar a sua responsabilidade, são justamente de entre os delinquentes onerados por qualquer tendência para o crime, os mais perigosos, os mais necessitados de socialização e aqueles de que a sociedade tem de se defender mais fortemente. Os bens jurídicos violados pelo arguido insistente e prolongadamente, exigem proteção firme e atuante. A criança é, não só sujeito de direitos como, hodiernamente, um preciosíssimo valor humano a quem devem ser propiciadas as condições e a proteção que garantam um crescimento natural e gradual, a formação integra e apta a poder usufruir plenamente de uma vida sã, livre de traumas, numa sociedade cada vez mais global. A dimensão tutelar da menoridade apoia-se na ideia de uma incapacidade “natural” que define uma determinada “fase da vida” do ser humano[40], importando que decorra com total normalidade, resguardada de riscos que não é capaz de prever, protegida de experiências prejudiciais ou traumáticas de que não consegue livrar-se. Como se sustenta no Acórdão de 1.06.2016[41] deste Supremo Tribunal, o bem jurídico violado prende-se com a estrutura fundamental do desenvolvimento das menores, ou seja, com o seu direito a um desenvolvimento harmonioso e feliz e à própria autodeterminação, pelo que o tribunal não pode deixar omissa a constatação dos efeitos devastadores que este tipo de crime tem, teve e terá, na evolução da personalidade das menores. Referem-se neste aresto que, como consequências, tanto imediatas como tardias, do abuso sofrido, surgem a culpa, a ansiedade, a depressão, a vergonha, a baixa autoestima, que deriva da ideia de que o abuso foi merecido, um sentido ou perceção de ego danificado, que leva a pessoa a sentir-se isolada e marginalizada, e dificuldades ao nível das relações interpessoais e de controlo dos afetos. E tudo isto sem esquecer que, «frequentemente, os abusados são ativamente destrutivos, colocando-se em situações de risco ou apresentando atitudes suicidas concretas». Como afirma Lucia Barbero[42], «o abuso sexual representa uma verdadeira catástrofe na vida de uma criança e produz uma devastação da estrutura psíquica que afeta seus distintos aspetos. (...) Implica uma vivência de solidão extrema e constitui uma situação limite para a sustentação do funcionamento psíquico, enquanto afeta o núcleo mais pessoal e básico de identidade: o corpo. Nenhuma vítima que tenha sido sujeita a abuso sexual infantil pode ultrapassar incólume psiquicamente (...)». Como se refere no Ac. de 13/07/2013 deste Supremo, “é inquestionável ter a conduta do arguido atingido e molestado de forma grave valores fundamentais à vida em comunidade, como são a dignidade humana, a liberdade de autodeterminação pessoal e sexual e, afinal, o normal desenvolvimento psicológico de (…) crianças (…)”. A atuação criminosa “global” do arguido comprovada nos autos é realmente grave, tendo embutido, no modo e tempo de execução, um grau elevado de ilicitude, isto é, de desvalor em termos de contrariedade à lei. O concurso de crimes cometido reclama um forte juízo de censura, pela forma despudorada, sem compaixão pelo livre desenvolvimento das menores, que as expôs, delas se serviu e as sujeitou, insistentemente, à satisfação dos seus instintos lascivos e libidinosos. Assim, a finalidade primeira da pena consagrada no art.º 40º do Cód. Penal encontra aqui um campo específico de reafirmação da validade e da vigência dos bens jurídicos tutelados pela incriminação. A culpa do arguido é muito elevada tendo agido com dolo direto, intenso e persistentemente renovado. Tinha consciência plena da idade das crianças e aproveitou-se da relação de proximidade com as menores, e também da confiança que os progenitores da BB e da AA, nele depositavam. A personalidade revelada pelo “comportamento global”, e a postura do arguido perante os factos evidencia baixa autocensura e escassa vontade de ressocialização, constituindo fatores de risco na reiteração da mesma atividade. Extrai-se do comportamento global e dos dados atinentes à sua personalidade que o concurso de crimes é a expressão de uma tendência criminosa do arguido (cometeu os crimes de abuso sexual e o crime de pornografia «infantil», não obstante ter namorada desde 2006 e, viver em união de facto desde 2014). Consta dos manuais de psiquiatria que a “pedofilia” tem normalmente subjacente uma personalidade antissocial com forte desprezo pelos direitos e sentimentos dos outros, propensa a explorar outras pessoas para a sua satisfação pessoal, desconsiderando danos causados e que não só não sente remorso ou culpa como se desresponsabiliza pelos atos cometidos[43]. No mesmo Manual Diagnósticos e Estatístico de Transtornos Mentais/DSM-5, da AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, afirma-se que os: “indivíduos com transtorno da personalidade antissocial não têm êxito em ajustar-se às normas sociais referentes a comportamento legal (Critério Al). Podem repetidas vezes realizar atos que são motivos de detenção (…). Pessoas com esse transtorno desrespeitam os desejos, direitos ou sentimentos dos outros”. Em suma, a gravidade dos factos que integram o concurso de crimes cometido pelo recorrente documentam uma situação na qual se impõe fortes exigências de prevenção geral, existindo na comunidade um vivo sentimento de grande repulsa pelos crimes contra a autodeterminação sexual das crianças, reclamando uma punição exemplar dos mesmos e os tribunais, ao administrarem a justiça, no cumprimento do dever de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, conforme postulado no artigo 202º, nº2 da CRP, não podem ficar indiferentes a estas realidades[44]. E sobressaem também necessidades de prevenção especial, pelas razões referidas (o concurso de crimes denuncia uma tendência para esta fenomenologia criminal). Ademais não evidencia ter interiorizado o mal dos crimes e a reprovação ético-jurídica destas suas condutas, pelo que, a consequência jurídico-penal a desencadear, deve ser de molde a contribuir para que possa refletir e esforçar-se por orientar a sua vivência de modo a que a expressão das suas idiossincrasias da personalidade na vertente sexual, não visem menores. Tudo isto a impor a necessidade de aplicação ao arguido de uma pena única de significativa duração, capaz de reafirmar e estabilizar a validade e vigência dos bens jurídicos violados, e que se contenha nos limites da culpa e, neste âmbito, com dimensão necessária à prevenção da reincidência. A pena única aplicada ao recorrente – 6 anos e 9 meses de prisão -, situa-se sensivelmente ao nível do oitavo inferior da moldura penal deste concurso – que é de 4 a 25 anos de prisão. Por outro lado, à luz da «teoria» do fator de compressão, resulta do aproveitamento da nonagésima parte, (1/9), de cada uma das restantes 19 penas parcelares adicionadas à pena mais elevada -4 anos de prisão -, que foi aquela que fixou o limiar mínimo da moldura penal do concurso de crimes cometido pelo arguido. Fração tão baixa quando concorrem penas aplicadas a crimes que se integram nas fenomenologias mais graves, que atentaram contra bens pessoais de importância, a autodeterminação e a liberdade sexual de crianças e a pornografia «infantil» só podem justificar-se pela ausência de antecedentes criminais e, principalmente, pela intervenção do princípio da proporcionalidade, não enquanto simples juízo meramente subjetivo, ou enquanto pura abstração subjetiva, mas sempre por referência a padrões, com enfoque no sistema punitivo instituído. Assim, entende-se que a pena única aplicada no acórdão recorrido é a mínima suficiente e adequada a proteger o importante bem jurídico repetidamente violado pelo arguido, é proporcional à elevada censurabilidade da conduta sua conduta, se atêm à gravidade do “comportamento global” e à personalidade do arguido que revelam os 19 (dezanove) crimes de abuso sexual de crianças e o crime de pornografia de menores agravado, que permite satisfazer as vivas necessidades de prevenção especial de ressocialização que no caso se fazem sentir, e que se contém nos limites da proporcionalidade. Improcede, por isso, a argumentação do recorrente e, por conseguinte, a sua petição de ver reduzida a medida da pena conjunta. d) pena suspensa: Na pressuposição da pretendida redução da pena única para 5 anos de prisão, peticiona o arguido que se decrete a suspensão da respetiva execução, argumentando que “o sucedido nos presentes autos teve um carácter isolado na vida do arguido e que de futuro o mesmo não repetirá práticas semelhantes”. Pretensão manifestamente infundada uma vez que a pena única, com a medida de 6 anos e 9 meses de prisão, não cumpre com o pressuposto inultrapassável da pena suspensa consistente em a pena aplicada não ser superior a 5 anos de prisão. Improcede, pois, também nesta parte, a pretensão do recorrente. V - DECISÃO. Nos termos expostos, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção Criminal, acorda em: a) Julgar improcedente o recurso do arguido DD, confirmando-se o acórdão recorrido. b) Custas a cargo do recorrente fixando-se e taxa de justiça em 5UCs. * Lisboa, 19 de fevereiro de 2020 Nuno Gonçalves (relator) Paulo Ferreira da Cunha ________________ [[1]] Protocolo aprovado para ratificação através da Resolução da Assembleia da República nº 16/2003, de 5 de Março (publicada no Diário da República, I Série-A, n.º 54) e depois ratificado por Portugal por Decreto do Presidente da República n.º 14/2003, de 5 de Março (publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 54) - e cuja entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa ocorreu, enfim, em 16 de Junho de 2003. |