Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | ROSA TCHING | ||
Descritores: | INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA DEVER DE INFORMAÇÃO OBRIGAÇÃO GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS APLICAÇÃO FINANCEIRA DEPÓSITO BANCÁRIO INTERMEDIÁRIO RESPONSABILIDADE BANCÁRIA PRESSUPOSTOS RESPONSABILIDADE CONTRATUAL PRINCÍPIO DA CONFIANÇA PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE ILICITUDE NEXO DE CAUSALIDADE PRESUNÇÃO AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO | ||
Data do Acordão: | 02/07/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | |||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | BAIXA DOS AUTOS À RELAÇÃO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO. DIREITO MOBILIÁRIO – INTERMEDIAÇÃO / ORGANIZAÇÃO E EXERCÍCIO / CONFLITOS DE INTERESSES E REALIZAÇÃO DE OPERAÇÕES PESSOAS / INFORMAÇÃO A INVESTIDORES. | ||
Doutrina: | - Agostinho Cardoso Guedes, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil , Revista de Direito e Economia, Volume XIV, p. 138 e 139; - Fazenda Martins, Deveres dos intermediários financeiros, em especial os deveres para com os clientes e o mercado, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 7; - Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil”, in, Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº31, de Dezembro de 2008, págs. 74 e ss.; - Gonçalo Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Almedina, 2008, p. 76, 96 e 141 ; - Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliário, 4ª Edição, p. 413 e ss.; - Sofia do Nascimento Rodrigues, A Proteção dos Investidores em Valores Mobiliários, p. 46, | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.º 4, 635.º, N.ºS 3, 4 E 5, 639.º, N.º 1 E 682.º, N.º 3. CÓDIGO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 7.º, N.º 1, 304.º, N.º 1, 2 E 3, 309.º, N.º 3 E 312.º, N.ºS 1, ALÍNEAS A) E C) E 2. REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICSF), APROVADO PELO DL N.º 298/92, DE 31-12: - ARTIGO 77.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84; - DE 12-1-1995,IN ANO III, TOMO I, P. 19 E SS.; - DE 04-10-2018, PROCESSO N.º 1236/15.5T (PVZ.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 11-10-2018, PROCESSO Nº 2339/16.4T8LRA.C2.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 06-11-2018, PROCESSO N.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1, WWW.DGSI.PT; - DE 24-01-2019, PROCESSO N.º 2406/16.4T8LRA.C1.S1. | ||
Sumário : | I. Os deveres de informação, no âmbito das atividades de intermediação financeira, apresentam-se como um mecanismo fulcral de proteção dos investidores, com especial enfoque nos mais vulneráveis, por forma a criar-lhes um clima de confiança e de segurança na aplicação das suas poupanças e proporcionar-lhes uma decisão consciente. II. O âmbito dos deveres de informação, a que o intermediário financeiro se encontra vinculado, é determinado quer em função da qualidade de informação, que deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita», incluindo, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar, quer em função do quantum da informação, balizado por uma regra de proporcionalidade inversa entre o grau de extensão e densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente/investidor, reportado ao produto financeiro em causa.
III. A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, pressupõe, para além da sua culpa presumida, a prova, por parte do lesado, da ilicitude resultante do incumprimento dos referidos deveres bem como do nexo de causalidade adequada entre esse incumprimento e o dano sofrido pelo investidor. III. Demonstrado terem os clientes/investidores um perfil conservador e terem os mesmos confiado no banco, intermediário financeiro, para encontrar as aplicações financeiras mais adequadas às suas pretensões de apenas quererem investir através da subscrição de um produto financeiro “sem risco”, que oferecesse uma segurança semelhante a um depósito a prazo, mas que tivesse uma rentabilidade superior à deste, como era do conhecimento do funcionário do banco que lhes vendeu a obrigação subordinada SLN 2006, era dever legal do banco informá-los, no momento da aquisição deste produto, acerca das reais características deste produto financeiro. III. As obrigações subordinadas distinguem-se das obrigações clássicas por estarem abrangidas por uma cláusula de subordinação, isto é, no caso de insolvência ou liquidação da entidade emitente, apenas são reembolsadas após os demais credores por dívida não subordinada, tendo prioridade tão só sobre os acionistas, representando, por isso, um maior risco potencial, pois, considerando o facto de, na graduação de créditos, cederem perante os créditos privilegiados e sobre os créditos comuns, facilmente se pode aceitar como certa a inviabilidade de os respetivos subscritores obterem no processo de insolvência o retorno do capital que a emitente se obrigou a realizar e os respetivos juros. IV. Não tendo o banco intermediário, aquando da subscrição da obrigação SLN 2006, dado a conhecer aos clientes/investidores as reais características deste produto financeiro, designadamente os maiores riscos envolvidos nesta operação, incluindo o especial risco de não retorno do capital investido em caso de insolvência da entidade emitente, factor que assume especial relevância visto estarmos perante uma obrigação subordinada com reembolso a dez anos e sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor, e tendo, em vez disso, assegurado aos clientes/investidores que a obrigação SLN 2006 era equivalente a um depósito a prazo, tão segura como este, estando garantido o retorno do capital investido, incorreu o banco em violação dos deveres de informação a que, na sua atividade de intermediação, se encontrava vinculado, não podendo deixar de relevar esta sua atuação ilícita para efeitos de responsabilidade civil contratual. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. AA, residente na …, nº…, 4º, …, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Banco BB, S.A., com sede na …, nº132, …, e Caixa CC, S.A., …., nº …, …, pedindo: a) a declaração de que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de obrigações DD ao BANCO EE foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100%; b) a declaração de responsabilidade do Réu BB pelo reembolso desse capital; c) e a sua condenação a proceder a esse imediato reembolso da quantia de 50.000,00 euros que foi investida na referida compra, acrescida de juros vencidos desde 07/10/2014 até reembolso do capital, e de 10.000,00 euros de indemnização por danos não patrimoniais; d) a condenação da Ré Caixa no pagamento de indemnização a fixar em liquidação de sentença, pelos danos não patrimoniais causados. Invocou a responsabilidade contratual e extracontratual do Réu BB, alegando, para tanto e em síntese, que adquiriu ao balcão do BANCO EE uma obrigação DD, no valor global de 50.000,00 euros, com o prazo de 10 anos, tendo a mesma sido vendida com a garantia de ter o valor de capital garantido, sendo tão segura como um depósito a prazo. Foi ainda informado que poderia efetuar o resgate da aplicação ao fim de 5 anos. Como o BANCO EE foi nacionalizado, tentou proceder ao resgate antecipado do capital investido, que lhe foi negado. Decorrido o prazo de 10 anos, foi informada que a aplicação em causa não tem cobertura de garantia de capital, porquanto a sociedade a que se reporta a obrigação encontra-se insolvente, sendo o BANCO EE, atual BB, apenas um intermediário da sociedade DD. 2. Formulou desistência do pedido deduzido contra a Caixa CC, tendo sido proferida decisão, transitada em julgado, que homologou tal desistência. 3. Citado, o Réu BB contestou, excecionando a prescrição do direito invocado pela Autora, por terem decorrido mais de 2 anos desde a data em que ela teve conhecimento da conclusão da operação. Alegou consubstanciar a atuação da autora abuso do direito, porquanto nunca reclamou do produto que subscreveu e foi sempre recebendo os juros que lhe eram devidos, gerando, assim, a confiança de que não colocaria em causa tal subscrição. No mais, impugnou os factos alegados, narrando as circunstâncias em que o produto em causa foi subscrito. 4. A autora respondeu à exceção de prescrição, sustentando não ser aplicável o referido prazo prescricional, mas, antes, o prazo de prescrição de 20 anos, que apenas se iniciou com o vencimento da obrigação em maio de 2016. 5. Realizada audiência prévia, foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova. 6. Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, tendo o marido da autora intervindo nos autos por forma a assegurar a sua legitimidade para a ação. Foi junto documento comprovativo do consentimento deste para a propositura da presente ação. 7. Foi, então, proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência: a) declarou que a aquisição da obrigação DD ao BANCO EE foi efetuada no pressuposto que o produto financeiro em causa estava a coberto da garantia de reembolso de capital a 100%; b) declarou que o R. Banco BB é o responsável pelo reembolso do capital investido pela A. e marido, no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros); c) condenou o R. Banco BB a reembolsar a A. do capital investido, no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros), acrescido de juros de mora contabilizados à taxa de 4%, desde o dia 09/05/2016, até integral reembolso, aplicando-se qualquer alteração à data de juro de mora civil que venha a verificar-se, enquanto tal reembolso não ocorrer; d) absolveu o R. Banco BB quanto ao mais peticionado. 8. Inconformado com esta decisão, dela apelou o Réu BB, S.A. para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão proferido em 30 de maio de 2018, sem voto de vencido, mas com fundamentação diversa, julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
9. Inconformado, de novo, com esta decisão o Réu BB, S.A. dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: « (…) VII. A decisão a Mmª. Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C. VIII. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma aplicação SEGURA semelhante a um depósito a prazo, configura a prestação de uma informação falsa. IX. Porém, tal afirmação do funcionário do Banco Réu não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa. X. De facto, o uso de uma tal expressão apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade. XI. É utópico pretender ver nesta singela referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento. Até porque essa garantia não existe! XII. O investimento efectuado era um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”. XIII. Temos para nós por evidente que, à data da subscrição das Obrigações, o Intermediário Financeiro não tinha obrigação legal de informar o investidor sobre os riscos do instrumento financeiro subscrito (Obrigações) e que, mesmo actualmente (depois de entrar em vigor o D.L. 357-A/2007 de 31/10), o intermediário financeiro não está obrigado a informar o investidor acerca dos efeitos do risco de insolvência dos emitentes ou do mero risco de não retorno do capital investido na data de maturidade do investimento, ou sequer de analisar a robustez financeira do emitente… XIV. Em lado algum do CdVM se levou tão longe a obrigação do intermediário financeiro e se lhe impôs a obrigação de se assegurar que o investidor compreendeu a informação que lhe foi prestada! XV. O art. 312º-A no 1 alínea c) obriga que a informação seja apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio! E este é um critério objectivo de prestar a informação. XVI. O destinatário médio é um destinatário com o cuidado, zelo, e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste. XVII. O A., estando como está na posse do prospecto da emissão das obrigações e da nota interna (que até juntou aos autos com a P.I.), entendeu necessariamente que se tratava de uma emissão obrigacionista e que tinha subscrito obrigações. XVIII. Não houve da parte do Banco Réu a prestação de qualquer informação falsa, ou a utilização de qualquer artifício falacioso ou substerfúgio ardiloso que fosse a apto a enganar o Autor. XIX. O que nos parece a nós é que, quando muito, houve da parte do Autor um erro espontâneo, MAS NUNCA UM ERRO PROVOCADO! XX. De facto, se é certo que o Banco pode não ter informado o Autor marido com toda a extensão, não é menos certo que lhe possibilitou toda a panóplia de documentação onde o Autor poderia buscar essa informação, seja o próprio boletim de subscrição, seja mesmo o prospecto da emissão das obrigações! XXI. E, pensamos que para alguém como Autor marido, que já tinha investido (e continuou a investir) em obrigações, a informação oferecida é mais do que suficiente, se julgada de acordo com o critério legal da proporcionalidade inversa à da sua necessidade. XXII. Quer o art. 314º do CdVM, quer os arts 798º e 799º do C.C. estabelecem unicamente presunções de culpa dos devedores, como aliás decorre do próprio texto legal dos referidos preceitos. XXIII. Fica por isso, e nos termos do art. 342º do C.C., a cargo dos credores/autores alegar e provar a ilicitude que serve de esteio à pretensão que trazem a juízo! XXIV. Mesmo que se defendesse (juntamente com alguma doutrina) a existência de uma presunção de ilicitude, sempre diremos que essa presunção apenas poderá existir no caso de incumprimento dos deveres principais do contrato, mas já não assim no caso de incumprimento de deveres acessórios, como é o caso do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens. XXV. No caso dos deveres acessórios, a ilicitude não pode surgir por automatismo, porque esse dever não se insere na prestação principal do contrato, porventura até realizada pelo devedor. XXVI. É que a origem dos deveres acessórios não radica no contrato, mas sim no principio da boa fé na execução dos contratos, previsto no art. 762º nº 2 do C.C. XXVII. E, uma vez que o dever acessório é decorrência deste princípio, que orbita em torno da obrigação principal, é necessário que o credor alegue e prove não só a existência desse dever acessório (como fonte de responsabilidade) como, sobretudo, o seu não cumprimento, pois a maioria das vezes não se pode socorrer da evidência da falta de resultado prefigurado (a prestação principal inserta no contrato) para implicar o raciocínio lógico-dedutivo da afirmação da ilicitude! XXVIII. Assim, a violação do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens não implica qualquer (inexistente!) presunção de ilicitude. XXIX. E, portanto, tinha que ser o Autor a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu estava obrigado a lhe ter dado, que não deu! XXX. Sucede que, tal matéria não consta da matéria de facto provada, precisamente porque o Autor se demitiu de a alegar… XXXI. E, não o tendo feito, tem a presente acção necessariamente que claudicar! XXXII. A condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com a critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber do emitente do título e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário. XXXIII. O que se passa é que a falta de informação está agora a servir de bode expiatório a um investimento que se veio a revelar ser um mau investimento… XXXIV. Assim, ou o Autor alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls! XXXV. A censura da conduta do Banco Réu nunca poderá ser reconduzida a um dolo ou a uma culpa grave. XXXVI. O funcionário do Banco Réu nem sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado. XXXVII. O funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do Autor. XXXVIII. Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência – a negligência inconsciente –, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, não chegando sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse diligência devida. XXXIX. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art. 324o do CdVM permite o advento mais precoce da prescrição nos casos em que, como o presente, não há dolo ou culpa grave. XL. De facto, de acordo com o ponto aditado à matéria de facto provada, parece-nos evidente e manifesto que o Autor sabe, pelo menos desde Novembro de 2008, “da conclusão do negócio e dos respectivos termos” (art. 324º nº 2 do CdVM), máxime das exactas características do produto. XLI. Não obstante, a acção apenas foi proposta em 2017! E portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu! Sem prescindir, XLII. Conforme dispõe o art. 595º nº 1 alínea b) do Código Civil, a assunção de dívida pode verificar-se por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor. Acrescenta depois o n.º 2 que “em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.” XLIII. A assunção da dívida pode ser liberatória nos casos previstos na primeira parte do n.º 2 do art. 595º do CC. Isto é, dependendo de declaração expressa do credor, o devedor originário pode ficar dela exonerado, pela assunção da dívida por novo devedor. Ou então, como acontece na maioria dos casos, ser uma assunção cumulativa da dívida, em que devedor originário e novo devedor se obrigam simultaneamente, sendo ambos solidariamente responsáveis perante o credor. XLIV. Um dos indícios que pode apontar para a assunção cumulativa da dívida é o facto de, aquando da declaração do novo devedor, tanto o credor quanto o declarante terem conhecimento de que o devedor principal não estava em condições de pagar, uma vez que não se verifica a característica essencial da fiança, traduzida na esperança de que o devedor principal pagará ao fiador sub-rogado. XLV. Não estaria certamente na mente do Banco Recorrente prescindir do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor, por qualquer pagamento que porventura fizesse em prol do emitente do papel comercial, se tivesse assumido a dívida deste. XLVI. Essa assunção de dívida alheia como se fosse própria, não era inócua nas contas do Banco Réu! XLVII. Não se vislumbra que o Recorrente pudesse ter qualquer interesse real, directo e objectivo próprio no cumprimento dessa obrigação pois, apesar de integrar o mesmo grupo, a aportação de capitais à DD em nada beneficiava o Réu Banco, sendo antes e apenas útil à cadeia hierárquica societária que estava a montante daquela. XLVIII. Tratando-se de uma fiança, estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do C.C. XLIX. A garantia a, para ser válida, teria necessariamente que constar do documento de subscrição. L. Não constando, mais não resta do que concluir que a mesma é NULA, nos termos do art. 220º do C.C. LI. Os subscritores de valores mobiliários estão numa situação de paridade entre si, não sendo possível a emissão dos mesmos com características ou garantias diferentes, sob pena de traição da identidade da figura e violação do princípio par conditio creditorum ou princípio da igualdade dos credores. LII. Se o Banco Apelante tivesse prestado qualquer garantia, ela não poderia ser privativa dos AA., mas teria isso sim que se estender à generalidade dos subscritores e, por isso, estar contida na nota informativa do papel comercial, figurando o aqui Apelante como garante do reembolso, o que, tal qual resulta da nota informativa junta aos autos a fls., não sucedeu! LIII. A condenação do Banco Réu com base na assunção de uma dívida extravasa em muito quer a causa de pedir, quer o pedido dos presentes autos, não sendo por isso viável e legal. LIV. A declaração de uma garantia deve ser especifica e expressamente emitida, não sendo consentânea com declarações vagas e de sentido dúbio… LV. Uma declaração negocial corresponde a uma vontade de uma parte em se vincular negocialmente de acordo com o teor dos termos da mesma. LVI. Claramente uma declaração negocial não resulta apenas da impressão do declaratário e do valor que lhe possa dar. Resulta antes de mais da vontade do declarante em se vincular negocialmente, o que não vislumbramos no caso! LVII. Não foi feita a prova de que a declaração em causa - capital garantido - não fosse mais do que uma mera caracterização do produto - que até era, como melhor veremos adiante! LVIII. Falta, em suma, a prova de que o Banco, ou o seu funcionário em seu nome, se queria vincular a uma obrigação jurídica. LIX. Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica - seja ela qualquer for - de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou! LX. Não consta de qualquer facto dado como provado que o banco réu tenha liquidado quaisquer juros!!! LXII. O que aliás não faz qualquer sentido uma vez que quem sempre pagou os juros da Obrigações em causa foi, como não podia deixar de ser, a entidade emitente das mesmas. LXIII. O Acórdão recorrido confunde o agente pagador - entidade através da qual o pagamento é efectuado - com o banco pagar ele próprio a remuneração do produto.
Não se verificou assim qualquer facto interruptivo do prazo prescricional!!!».
Termos em que requer seja revogada a decisão recorrida e a sua substituição por outra que absolva o banco réu do pedido. 10. A autora respondeu, terminando as suas contra alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1 - Não demonstrou o banco BB da necessidade de apreciação da questão jurídica em apreço, nem tão pouco qual a sua relevância jurídica para uma melhor aplicação do direito. 2 - Desta forma, o recurso de revista excecional deve ser rejeitado, por não se verificar o pressuposto da relevância jurídica da questão jurídica, não demonstrando que o mesmo se torna necessário para uma melhor aplicação do direito. 3 - O banco BB ao recorrer, tendo conhecimento que não lhe assiste razão nesta matéria jurídica, atento aos muitos acórdãos já transitados e até ao conteúdo do "Acordo Quadro", não está a clarificar a nossa ordem jurídica, apenas a entorpecendo e a empoeirando com manobras dilatórias. 4- Quem litiga assim, litiga com manifesta Má-Fé e num constante abuso e uso do direito, pelo que deve ser condenado em multa exemplar. 5 - Quanto ao mais, o Acórdão, ora recorrido de Revista Excecional, não enferma de qualquer nulidade nem erro de apreciação pelo que aderimos na sua totalidade». 11. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. *** II. Delimitação do objeto do recurso Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1]. Assim, a esta luz, as questões a decidir consistem em saber se: 1ª estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil contratual do Banco réu, enquanto intermediário financeiro; 2ª- está prescrito o direito da Autora. *** III. Fundamentação 3.1. Fundamentação de facto
3.1.1. Após reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, foram considerados provados os seguintes factos: 1 – A Autora é titular de obrigação DD, no valor global de 50.000,00 euros vendida ao balcão do BANCO EE, agência de …, subscrita em novembro de 2006. 2 – Até ao dia 08/11/2014 foram pagos à Autora os juros do capital investido. 3 – As ações do Banco BANCO EE foram nacionalizadas pela Lei 62-A/2008, de 11/11, tendo a sua gestão sido atribuída à Caixa CC. 4 - O Banco BB adquiriu ao Estado Português em 30/03/2012 as ações que detinha do Banco EE. 5 – O funcionário do balcão do BANCO EE que vendeu a obrigação DD afirmou, aquando daquela venda, que a mesma tinha capital garantido e era equivalente a um depósito a prazo, estando garantido o retorno do capital investido. 6 – Afirmou que era tão segura como um depósito a prazo e que lhe daria maior rentabilidade que este. 7 – O referido funcionário disse ainda que tal aplicação seria efetuada pelo prazo de 10 anos, estando o reembolso previsto para 08/05/2016. 8 – A Autora e o marido adquiriram o produto atentas as condições que lhe estavam a ser dadas pelo funcionário do BANCO EE. 10 – Gerando na Autora e marido dúvidas sobre o reembolso efetivo do capital investido. 11 – O Réu BB recusou o reembolso do capital investido após o decurso do prazo de 10 anos estabelecido, uma vez que a DD se encontra insolvente. 12 – A Autora e o marido sentem angústia perante a possibilidade de não lhes ser reembolsada a quantia de 50.000,00 euros que foi investida. 13 – Foi paga à Autora e ao marido, a título de juros relativos à obrigação DD, a quantia de, pelo menos, 5.423,92 euros. 14 – A Autora e o marido conheceram que haviam adquirido uma obrigação DD, pelo menos, através dos extratos mensais periódicos que lhe foram enviados, onde todas as aplicações aparecem diferenciadas de acordo com a sua natureza. 15 – A Autora A. e o marido procederam ao depósito da quantia de 223.500,00 euros no Banco EE. 16 – Tendo em vista a aplicação desta quantia em produtos de elevada rentabilidade e sem risco. 17 – Foi sugerido à Autora e marido que aplicassem 150.000,00 euros em UP´s de Fundo de Investimento BANCO EE Imonegócios deixando a restante quantia à ordem para quando fosse possível adquirir obrigações DD. 18 - As obrigações DD foram emitidas pela DD SGPS SA. 19 – Sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco EE. 20 - Situação que se manteve até ser nacionalizada. 21 – Uma obrigação era então, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. 22 - Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais ativos do seu património. 23 - O risco de um depósito a prazo no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição por o risco da DD ser indexado ao risco do próprio Banco. 24 - A Autora e o marido foram informados que estava em causa um produto de acessível transmissão e, por essa via, de fácil obtenção de reembolso[2]. 25. A Autora e o marido tiveram conhecimento da totalidade das características do produto Obrigações DD em novembro de 2008 com receção de um e-mail contendo a nota informava do mesmo[3]. * 3.1.2. Aditamento à factualidade provada Para melhor clarificação da factualidade provada relevante, em extensão da matéria constante dos pontos 1 e 25, atento dos documentos de fls. 33 e 134 a 147, e ao abrigo do art. 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável ex vi arts. 663.º, n.º 2, e 679.º, todos do CPC, aditam-se os seguintes factos: 26. As Obrigações DD eram obrigações subordinadas, com o valor nominal de € 50.000,00, com reembolso a dez anos, sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor, ficando o reembolso do subscritor subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores, tendo, no entanto, prioridade sobre os acionistas da DD, SGPS, SA. * 3.1.3. Facto não provados:
a) A quantia de 50.000,00 euros que foi investida tivesse sido angariada após dezenas de árduo trabalho. b) Tivesse sido efectuada a entrega da ficha técnica do produto. c) O R. BB tenha confiado que a A. não colocaria em causa a subscrição do produto por ter recebido os respectivos juros. d) Tivessem sido dadas quaisquer outras informações à A. e ao marido no momento da aquisição do produto. e) Em novembro de 2011, o marido solicitou o regaste do capital, o que lhe fo recusado[4] *** 3.2. Fundamentação de direito
* 3.2.1. Enquadramento preliminar.
É inquestionável que a crescente liberalização dos mercados mobiliários, tornou premente a necessidade de proteção dos investidores, com especial enfoque nos mais vulneráveis, por forma a criar-lhes um clima de confiança e de segurança na aplicação das suas poupanças, com o objetivo de realizar ganhos patrimoniais. Daí os deveres de informação surgirem como um mecanismo fulcral para prosseguir este objetivo por forma a permitir que o potencial investidor possa tomar uma decisão consciente. É, assim, neste quadro da preocupação essencial de articular equilibradamente a indispensável liberalização do mercado de capitais com a defesa dos interesses públicos de assegurar a eficiência do mercado e a proteção dos investidores que surge a necessidade de regulamentação da estrutura e do modo de funcionamento do mercado português de valores mobiliários, designadamente no que respeita às atividades de intermediação financeira, único campo que importa aqui analisar na medida em que o que se discute nos presentes autos é, essencialmente, a responsabilidade civil contratual do Banco réu, enquanto intermediário financeiro, perante os autores, que, na qualidade de cliente do BANCO EE, subscreveram, em novembro de 2006 e ao balcão do BANCO EE, uma obrigação subordinada DD, no valor global de 50.000,00 euros. E porque, no caso dos autos, é consensual a qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes como sendo um contrato de intermediação financeira, analisaremos a questão da responsabilidade civil do intermediário financeiro por violação do dever de informação à luz do Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo DL nº 486/99, de 13 de novembro, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/2007[5], de 31 de outubro, por ser o vigente à data da celebração do contrato objeto do presente litígio. * No que respeita ao dever de informação a cargo do intermediário financeiro, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, e quanto à qualidade desta informação, estabelece o Código de Valores Mobiliários, no seu artigo 7º, nº 1, que a informação respeitante a valores mobiliários e que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores, «deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita», incluindo, nos termos do seu art. 312º, n º 1, «todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada», nomeadamente as respeitantes a «Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar» [al. a)] e à «Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar»[ al. c)]. E, no que concerne ao quantum da informação a prestar, estabelece o nº 2 do citado art. 312º, que «A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente». Significa isto, na expressão dos Acórdãos do STJ, de 04.10.2018 (processo nº 1236/15.5T (PVZ.L1.S1) e de 11.10.2018 (processo nº 2339/16.4T8LRA.C2.S1)[6] que o cumprimento do dever de informação que impende sobre o intermediário financeiro é «de geometria variável», variando a sua intensidade « em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente». Dito de outro modo e nas palavras do Acórdão de 06.11.2018 (processo nº 2468/16.4T8LSB.L1.S1) [7], «o âmbito funcional do dever de informação, é determinado por uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente». Daí o art. 304º, nº 3 do CVM fazer impender sobre o intermediário financeiro, quer o dever de recolha de informação «sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar», quer o dever de avaliação da adequação do investimento proposto ao cliente. Nesta mesma linha, refere Sofia do Nascimento Rodrigues[8], que «a inversão da proporcionalidade entre a informação a prestar e o grau de conhecimento do investidor cria, na esfera do intermediário financeiro, um dever de conhecimento do cliente (Know your cliente rule) e traduz, uma vez mais, a necessidade de tratamento diferenciado entre investidores», sublinhando António Pinto Monteiro[9], que o grau de conhecimentos e experiência do cliente devem reportar-se ao produto financeiro em causa. Tudo isto [10], para que, relativamente ao instrumento financeiro específico em causa, a informação possa ser transmitida em termos que possibilitem a efetiva compreensão pelo investidor/cliente que, conforme refere António Pinto Monteiro [11], deverá ser analisado segundo o critério do “destinatário médio”, ou seja, por referência a um «destinatário com o cuidado, zelo e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos, experiência, etc., deste», mas sem que isso, conforme refere Felipe Canabarro Teixeira[12], o dispense de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento. De sublinhar que na relação pré-contratual e contratual estabelecida com os seus clientes, o intermediário financeiro tem o dever de agir de boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, na defesa dos interesses legítimos do cliente/investidor (art. 304º, nºs 1 e 2 CVM), dando, em situação de conflito de interesses, prevalência à proteção destes mesmos interesses relativamente aos seus próprios interesses (art. 309º, nº 3 do CVM), na observância do princípio de um diligentissimus pater famílias [13]. Na mesma linha de orientação, prescrevia o art. 39º do Regulamento CMVM nº 12/2000 que: «1. Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro: a) Fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa; b) Entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros; c) Fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado; (…)». E sendo o BANCO EE uma instituição financeira, importa ter presente o art. 77º, nº 1, do RGICSF, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31-12 que, na vertente da intermediação financeira, dispõe que “As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre ( …) os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos (…)».
Por outro lado e que concerne à responsabilidade civil, dispõe o art. 314.º do CVM, que : «1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. 2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».
A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, pressupõe, assim, para além da sua culpa presumida, a prova, por parte do lesado, da ilicitude resultante do incumprimento dos referidos deveres bem como do nexo de causalidade adequada entre esse incumprimento e o dano sofrido pelo investidor.
* 3.2.2. Ante este quadro jurídico, cabe, agora, indagar se, no caso concreto e em face do perfil dos autores, clientes/investidores, e das específicas circunstâncias da contratação, o EE cumpriu, ou não, os deveres de informação que sobre ele recaiam enquanto intermediário financeiro. No sentido afirmativo, pronunciou-se o acórdão recorrido com base na seguinte fundamentação, que se transcreve nas partes que temos por relevantes: «o BANCO EE propôs à Autora e seu marido a subscrição do produto financeiro “DD Obrigações Subordinadas a 10 Anos”. (…) a Autora subscreveu, em novembro de 2006, aquele produto, nele investindo 50.000,00 €. Alcançou a Autora que não estava em jogo um depósito a prazo, mas um produto financeiro que tinha garantia de reembolso do capital investido, tal como foi informado pelo BANCO EE. A verdade é que, findo o prazo de 10 anos a que estava submetido esse produto, ou seja completado o prazo para o reembolso em 08/05/2016, o demandado declinou a entrega do capital (n.º 7 dos factos provados). Previamente à subscrição a Autora e marido foram informados pelo funcionário do balcão do BANCO EE que vendeu a obrigação DD que a mesma tinha capital garantido e era equivalente a um depósito a prazo, estando garantido o retorno do capital investido, mais comunicando que era tão segura como um depósito a prazo e que lhe daria maior rentabilidade que este, aplicação pelo prazo de 10 anos e com o reembolso previsto para 08/05/2016. Condições que os determinaram a adquirir tal produto (n.os 5 a 8 da fundamentação de facto), mas que não deixam de revelar uma relação de confiança Banco/cliente (…). (…) Nesta linha de análise, aceitando estar em causa o incumprimento do BANCO EE da relação contratual estabelecida com a Autora, designadamente não agindo com a lealdade que lhe exigia a cabal explicação do retorno do capital e suas consequências num instrumento financeiro como aquele que lhe propôs. Essa falta de informação do beneficiário, designadamente da entidade que garantia o capital, responsabiliza, automaticamente, o obrigado. «O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestara a informação ou que beneficiara de alguma causa de justificação ou de escusa». Insurge-se, porém, o recorrente contra este entendimento, sustentando, no essencial, que: - A circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma aplicação segura, semelhante a um depósito a prazo, não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa, pois, o investimento efectuado era um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”; - À data da subscrição das Obrigações, o Intermediário Financeiro não tinha o dever legal de informar o investidor sobre os riscos daquele instrumento financeiro nem estava obrigado a informar o investidor acerca dos efeitos do risco de insolvência dos emitentes ou do mero risco de não retorno do capital investido na data de maturidade do investimento, ou sequer de analisar a robustez financeira do emitente; - O A., estando como está na posse do prospecto da emissão das obrigações e da nota interna (que até juntou aos autos com a P.I.), entendeu necessariamente que se tratava de uma emissão obrigacionista e que tinha subscrito obrigações; - Não houve da parte do Banco Réu a utilização de qualquer artifício falacioso ou subterfúgio ardiloso que fosse a apto a enganar o Autor; - Se é certo que o Banco pode não ter informado o Autor marido com toda a extensão, não é menos certo que lhe possibilitou toda a panóplia de documentação onde o Autor poderia buscar essa informação, seja o próprio boletim de subscrição, seja mesmo o prospecto da emissão das obrigações; - Para alguém como o Autor marido, que já tinha investido (e continuou a investir) em obrigações, a informação oferecida é mais do que suficiente, se julgada de acordo com o critério legal da proporcionalidade inversa à da sua necessidade; - A violação do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens não implica qualquer presunção de ilicitude e, portanto, tinha que ser o Autor a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu estava obrigado a dar e não deu. Vejamos, então, de que lado está a razão. A este respeito resulta da matéria de facto dada como provada e supra descrita nos pontos 15, 16 e 17 que ao autores pretendiam aplicar a quantia de € 223.500,00, que depositaram no Banco EE, em produtos de elevada rentabilidade e sem risco, tendo-lhes sido sugerido a aplicação de parte dessa quantia na aquisição de obrigações da DD. Mais resulta da factualidade dada como provada e supra descrita nos pontos 1, 5, 6, 7 e 24 que o funcionário do balcão do BANCO EE que vendeu a obrigação DD, no valor global de €50.000,00, afirmou, aquando daquela venda, corrida em novembro de 2006, que a mesma tinha capital garantido e era equivalente a um depósito a prazo, estando garantido o retorno do capital investido. Mais afirmou que era tão segura como um depósito a prazo e que lhe daria maior rentabilidade que este. Disse ainda que tal aplicação seria efetuada pelo prazo de 10 anos, estando o reembolso previsto para 08/05/2016. A Autora e o marido foram informados que estava em causa um produto de acessível transmissão e, por essa via, de fácil obtenção de reembolso. E resulta ainda da factualidade apurada e supra descrita nos pontos 8, 14, 24, 25 e 26 que a Autora e o marido adquiriram o produto atentas as condições que lhe estavam a ser dadas pelo funcionário do BANCO EE; que conheceram que haviam adquirido uma obrigação DD, pelo menos, através dos extratos mensais periódicos que lhe foram enviados, onde todas as aplicações aparecem diferenciadas de acordo com a sua natureza e que tiveram conhecimento da totalidade das características do produto Obrigações DD em novembro de 2008 com receção de um e-mail contendo a nota informava do mesmo. Ou seja, só depois da subscrição da Obrigação DD, ficaram a saber que era uma obrigação subordinada, sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor, ficando o reembolso do subscritor subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores, tendo, no entanto, prioridade sobre os acionistas da DD, SGPS, SA. Por sua vez, ficou ainda assente nos factos supra descritos nos pontos 21, 22 e 23 (sem que, contudo, deles conste qualquer referência expressa a obrigação subordinada), que uma obrigação era então, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais ativos do seu património. O risco de um depósito a prazo no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição por o risco da DD ser indexado ao risco do próprio Banco. Que dizer ante este quadro factual? Desde logo, que, tal como se adverte no Acórdão do STJ, de 24.01.2019 (processo nº 2406/16.4T(LRA.C1.S1)[14], que «os factos relacionados com o incumprimento de deveres devem ser valorados no contexto histórico em que ocorreram», ou seja, tendo em conta as circunstâncias que existiam aquando da subscrição das obrigações em causa, em novembro de 2006. Assim e começando por traçar o perfil dos autores impõe-se referir que, não obstante desconhecermos se os mesmos tinham, ou não, qualificação ou formação técnica que lhes permitisse conhecer o produto financeiro em causa e avaliar os respetivos riscos, por esta matéria não ter sido alegada, temos por certo estarmos perante clientes/investidores com um perfil conservador. Com efeito, ressalta dos factos provados que os autores já eram clientes/investidores do BANCO EE e que confiavam neste banco para encontrar as aplicações financeiras mais adequadas às suas pretensões de apenas quererem investir através da subscrição de um produto financeiro “sem risco”, que oferecesse uma segurança semelhante a um depósito a prazo, mas que tivesse uma rentabilidade superior à deste, como era do conhecimento do funcionário da agência do BANCO EE, de …, que lhes vendeu a obrigação DD e que lhes afirmou que a mesma tinha capital garantido e era equivalente a um depósito a prazo, estando garantido o retorno do capital investido. E se é verdade ressaltar também da factualidade provada terem os autores subscrito o referido produto financeiro bem sabendo que não se tratava de um depósito bancário a prazo[15], não menos verdade é que subscreveram a obrigação DD porque lhes foi dito estar garantido o retorno do capital investido e, por isso, convencidos de que estavam a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, de risco semelhante ao risco de um depósito bancário a prazo. Acresce, por um lado, resultar da factualidade dada como provada nos ponto 14, 25 e 26, que os autores apenas tiveram conhecimento de que haviam adquirido uma Obrigação Subordinada DD a 10 anos através dos extratos mensais periódicos que lhe foram enviados, onde todas as aplicações aparecem diferenciadas de acordo com a sua natureza e que tiveram conhecimento da totalidade das características do produto Obrigações DD, em novembro de 2008, com a receção de um e-mail, contendo a nota informativa do mesmo. E, por outro lado, que o banco réu não logrou provar que tivesse sido efetuada a entrega da ficha técnica do produto aos autores nem que tivessem sido dadas a estes quaisquer outras informações no momento da aquisição do produto [cfr. alíneas f ) e g) dos factos dados como não provados] – cfr. , o que tudo conjugado permite-nos concluir que os autores, no momento da aquisição da Obrigação DD, desconheciam estarem a subscrever uma obrigação subordinada, por disso não terem sido informados pelo banco réu, que também não cuidou de lhes esclarecer acerca das suas características. E nem se diga, como o faz o recorrente que, à data da subscrição desta obrigação, o intermediário financeiro não tinha o dever legal de informar o investidor sobre os riscos deste instrumento financeiro. É que, enquanto as obrigações clássicas são tipicamente empréstimos obrigacionistas, cujas condições de reembolso e remuneração, são fixadas à partida pela entidade emitente e que, na expressão do art. 348º do Código das Sociedades Comerciais, conferem direitos de crédito iguais sobre esta entidade, as obrigações subordinadas distinguem-se destas por estarem abrangidas por uma cláusula de subordinação, isto é, no caso de insolvência ou liquidação da entidade emitente, apenas são reembolsadas após os demais credores por dívida não subordinada, tendo todavia prioridade sobre os acionistas (cfr. art. 48º, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – CIRE), representando, por isso, um maior risco potencial, pois, considerando o facto de, na graduação de créditos, cederem perante os créditos privilegiados e sobre os créditos comuns, facilmente se pode aceitar como certa a inviabilidade de os autores obterem no processo de insolvência o retorno do capital que a emitente se obrigou a realizar e os respetivos juros. Deste modo, mesmo aceitando que o intermediário financeiro não estava obrigado a informar o investidor acerca do risco de insolvência da entidade emitente, nem acerca da robustez financeira da entidade emitente, temos por certo impender sobre o mesmo o dever de, em momento anterior à subscrição da obrigação DD, dar a conhecer aos autores as reais características deste produto financeiro, designadamente os maiores riscos envolvidos nesta operação, incluindo o especial risco de não retorno do capital investido em caso de insolvência da entidade emitente, factor que assume especial relevância visto estarmos perante uma obrigação subordinada com reembolso a dez anos e sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor. Mas, não só não o fez, como, em vez disso, assegurou aos autores que a obrigação DD era equivalente a um depósito a prazo, tão segura como este, estando garantido o retorno do capital investido, o que não pode deixar de consubstanciar uma informação que, para além de incompleta, por não dar a conhecer aos autores as características da obrigação por eles subscrita nem os ter alertados para os riscos específicos da obrigação subordinada em causa, era inexata, por não ser totalmente verdadeira, violando, desse modo, disposto nos arts. 7º, nº 1 e 312º, nº 1, al. a) do CVM, tanto mais que provado ficou que os autores adquiriram a obrigação em causa, porque lhes foram dadas aquelas condições (factos dados como provados nos pontos 5, 6 e 8). Daí ter-se por verificada a ilicitude da atuação do banco réu, revelada pelo incumprimento do dever de informação, o que, em nosso entender, não pode deixar de relevar para efeitos de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil contratual. * 3.2.3. Demonstrada a ilicitude do comportamento do intermediário financeiro, vejamos, agora, se estão verificados os demais requisitos da sua responsabilidade civil por violação dos deveres de informação, que pressupõe, para além da referida ilicitude e da culpa presumida do intermediário financeiro, a prova, por parte do cliente/lesado, do nexo de causalidade adequada entre o incumprimento dos referidos deveres e os danos por ele sofridos, não sendo de presumir esta causalidade a partir da verificação daquela ilicitude. E se é certo poder afirmar-se, face à factualidade dada como provada, não ter o BANCO EE provado não ter tido culpa no incumprimento do referido dever de informação, sendo, por isso, de presumir a sua culpa, nos termos do disposto no art. 314º, nº 2 do CVM, a verdade é que, no caso dos autos, carecem de demonstração os factos alegados pelos autores que permitiram a concluir pela afirmação do nexo de causalidade entre a atuação do banco réu, correspondente ao incumprimento do dever de informação e o evento lesivo, traduzido na não restituição, por parte da DD do capital investido. Isto porque, não obstante os autores terem alegado, a fls. 31 da sua petição inicial que «se o banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido seguramente a Autora não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro», a verdade é que esta factualidade não foi objeto de decisão positiva ou negativa, pelo que impõe-se, ao abrigo do artigo 682.º, n.º 3, do CPC, determinar a ampliação da decisão de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito. Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento da questão prescrição. *** III – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em determinar, de harmonia com o disposto no art. 682º, nº 3 do CPC, a baixa do processo ao tribunal recorrido para que, por determinação deste, no tribunal de 1ª instância se apreciem os seguintes factos alegados pelos autores na petição inicial: «se o banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido seguramente a Autora não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro» e em função disso, julgar a causa em conformidade com o direito já definido, nos termos do preceituado no art. 683º, nº1 do CPC. Custas desta revista pela parte vencida a final. *** Supremo Tribunal de Justiça, 7 de fevereiro de 2019
Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)
Rosa Maria Ribeiro Coelho
José Manuel Bernardo Domingos _________ [1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente. |