Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4644/21.9T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO SOCIAL
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
FALTA DE PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
FACTO CONTINUADO
CADUCIDADE
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 11/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - Não tendo a Ré liquidado nas retribuições de férias, subsídio de férias e de Natal o acréscimo médio mensal resultante do pagamento do trabalho noturno do Autor (o que se verificou desde 2015), tal traduz uma situação continuada de incumprimento.

II – Nesse contexto, o prazo de caducidade só se inicia quando for praticado o último acto de violação do contrato, não ocorrendo, no presente caso, a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador.

III - O comportamento da Ré traduz-se numa violação objectivamente grave do contrato de trabalho, não podendo o trabalhador, no contexto dos autos, ter qualquer expectativa de o empregador vir a alterar o seu comportamento e corrigir a situação, o que não pode ter deixado de se repercutir negativamente na economia doméstica do Autor atenta a sua modesta condição económica - a tal ponto que se tornou impossível a manutenção da relação laboral, ocorrendo justa causa.

Decisão Texto Integral:
Proc. 4644/21.9T8SNT.L1.S1

4.ª Secção – Revista

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1. Relatório

1.1. AA, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra PSG – Segurança Privada, SA, peticionando o seguinte:

A) Ser reconhecida a resolução por justa causa do contrato de trabalho, operada pelo Autor, e em consequência,

A) Ser a Ré, enquanto entidade patronal, condenada a pagar ao Autor a título de créditos laborais vencidos e não pagos no montante de 42.555,48€ (quarenta e dois mil quinhentos e cinquenta e cinco euros e quarenta e oito cêntimos):

i) acréscimo remuneratório por trabalho prestado em período nocturno no montante de 15.579,18€;

ii) acréscimo correspondente ao trabalho nocturno a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal no montante de 4.069,47€;

iii) trabalho suplementar prestado em período nocturno no montante de 13.065,60€;

iv) trabalho prestado em dia feriado no montante de 651,74€;

v) compensação por férias não gozadas, com o devido acréscimo remuneratório por prestar o seu trabalho em período nocturno no montante de 6.699,37€;

vi) proporcionais no ano da cessação do contrato, respeitante a férias, subsídio de férias e de natal no montante de 2.239,29€;

vii) crédito por horas de formação não ministradas no montante de 250,83€;

B) Ser a Ré condenada no pagamento do valor de 8.359,99€, a título de indemnização, nos termos do art.º 396.º do CT, pela resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do art.º 394.º de igual diploma legal;

C) Ser a Ré condenada no pagamento do valor de 5.000,00€ a título de danos não patrimoniais sofridos pelo Autor;

D) Ser a Ré condenada no pagamento dos juros vencidos e vincendos à taxa legal em vigor, desde a data de vencimento das referidas quantias até efectivo e integral pagamento, tanto no que respeita à al. A), B) e C) do presente pedido”.

Teve lugar a audiência de partes, sem conciliação.

A Ré contestou.

Foi proferido despacho saneador.

Realizou-se audiência final.

Por sentença de 15.05.2023 foi decidido o seguinte:

Pelo exposto, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação e, em consequência:

a) Declaro lícita e com justa causa a resolução do contrato de trabalho operada por iniciativa do Autor, com efeitos ao dia 23 de setembro de 2020;

b) Condeno a Ré PSG – SEGURANÇA PRIVADA, S.A., a pagar ao Autor AA as quantias a seguir discriminadas:

i.) € 10.462,24 (dez mil quatrocentos e sessenta e dois euros e vinte e quatro cêntimos), a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, calculada a esta data e sem prejuízo da sua atualização à data do trânsito em julgado da decisão;

ii.) € 1.993,94 (mil novecentos e noventa e três euros e trinta e quatro cêntimos), a título de acréscimo médio mensal resultante do pagamento de trabalho noturno na retribuição de férias e no subsídio de férias;

iii.) € 1.035,23 (mil e trinta e cinco euros e vinte e três cêntimos), a título de acréscimo médio mensal resultante do pagamento de trabalho noturno no subsídio de Natal;

iv.) o acréscimo remuneratório de 100% relativo ao trabalho prestado em dias feriados nos anos de 2015 a 2020 (23.09.2020), até ao limite peticionado nestes autos, cujo cálculo se relega para incidente de liquidação;

v.) € 250,48 (duzentos e cinquenta euros e quarenta e oito cêntimos), a título de formação profissional não ministrada;

vi.) € 1.161,92 (mil cento e sessenta e um euros e noventa e dois cêntimos), a título de proporcionais de retribuição de férias e de subsídio de férias relativos ao ano de cessação do contrato de trabalho;

vii.) os juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal supletiva, desde o vencimento das respetivas prestações, até efetivo e integral pagamento.”.

A Ré interpôs recurso de apelação.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.03.2024, foi decidido o seguinte:

Em face do exposto:

6.1. julga-se a impugnação da decisão de facto parcialmente procedente e, em consequência, elimina-se o ponto 8. da matéria de facto elencada na sentença;

6.2. concede-se provimento ao recurso e, em consequência, altera-se a decisão constante da sentença revogando-se as respectivas alíneas a) e b) – i) e iv), no mais se mantendo o seu veredicto.”.

1.2. O Autor interpôs o presente recurso de revista, que foi admitido, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) A sentença de 1º instância entendeu que a justa causa de resolução invocada pelo A. se fundava no art.º 394º, nº 2, alínea a) e b) e nº 4 e 5 do CT, estando esta alicerçada nos seguintes motivos: Não pagamento do acréscimo devido pelo trabalho em dia feriado; violação do gozo da hora de descanso/intervalo na jornada diária de trabalho; não pagamento do acréscimo médio mensal do trabalho noturno nas retribuições de férias, subsídios de férias e subsídio de natal. Entendeu o Tribunal da Relação apenas considerar o não pagamento do acréscimo médio mensal do trabalho noturno nas retribuições de férias, subsídios de férias e subsídio de natal, tendo concluído pela caducidade da maioria destes acréscimos para fundamentar a resolução e pelo não preenchimento do conceito de justa causa. Vejamos as razões da nossa discordância da decisão do Tribunal da Relação.

Da violação de lei substantiva na modificação da decisão de facto / Da violação ou errada aplicação da lei de processo (Dos Fundamentos para o direito à resolução – Não pagamento do acréscimo de trabalho por trabalho prestado em dias feriados)

B) No Acórdão que ora se recorre foi atendido o pedido da R /Recorrente quanto à modificabilidade do facto provado com o nº 8, tendo o Tribunal da Relação alterado a decisão da 1º instância, passando o facto provado com o nº 8 a facto não provado.

C) A R/Recorrente veio pedir a modificabilidade da matéria de facto disposta no nº 8 dos factos provados, alegando que a 1º instância deu como provado um facto deficitariamente alegado, sem prova documental que lhe servisse de base e sem prova testemunhal que o evidenciasse e, se assim não se entendesse, defendeu a R./Recorrente que sempre deveria ficar provado que, a ter trabalhado em dias feriados, a R tinha pago a correspondente retribuição.

D) Ora, como se torna evidente pela alegação da própria R., o sistema utilizado pela mesma foi de pura lotaria: é para mandar abaixo porque não há nada e se houver, está pago pela R.. Desde logo, são evidentemente duas alegações de sentido contrário: ou defende que o A. não trabalhou nos feriados e que não há prova disso nos autos, fazendo uma apreciação concreta das provas juntas; ou defende que a R. pagou os feriados, o que, obviamente pressupõe que o A. trabalhou nos feriados.

E) Em bom rigor, o que a R./Recorrente parece querer, adequa-se ao conhecido provérbio “sol na eira e chuva no nabal”, ou seja, qualquer coisa, desde que favoreça a R.

F) Se é certo que a alegação de ausência de prova é mais complexa de demonstrar do que a existência de prova nos autos, tal não significa que as regras de impugnação da matéria de facto deixem de ser observadas. A R./Recorrente deveria ter impugnado a decisão relativa à matéria de facto, nos termos do art. 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificado os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

G) No caso, a R., no mínimo, deveria referir concretamente os testemunhos que evidenciassem a falta de nomeação dos feriados, e explicar que dos documentos juntos (especificando quais) não existe referência a feriados e que da conjugação das provas (que deveria ter identificado concretamente) resultava um juízo negativo, de não existência do facto, por exemplo. O que a R./Recorrente não fez.

H) O facto de pretender que o facto não seja considerado provado, não desonera a R/Recorrente das regras de impugnação da matéria de facto.

I) A nada disto o Tribunal da Relação se opôs, considerando que o ónus de impugnação da matéria de facto estava cumprido por parte da R., o que pelas razões aduzidas, não se concorda, tendo, assim violado o art. 640º CPC.

J) Isto por um lado. Do ponto de vista da apreciação por parte do Tribunal da Relação, também cremos não terem sido observadas as regras de apreciação da prova.

K) O Tribunal da Relação atendeu a este pedido, fundamentando: “ Uma vez ouvida oficiosamente a prova pessoal produzida e analisada a prova documental constante dos autos, cremos não estar demonstrado com um mínimo de segurança probatória que o A. tenha prestado trabalho em dias feriados.”

L) A apreciação da prova, quer na 1º instância, quer na Relação, obedece a regras, considerando-se que o Tribunal da Relação não atendeu às mesmas. Vejamos.

M) O Tribunal da Relação, na apreciação da matéria de facto, está vinculado aos princípios e regras de apreciação da prova, entre os quais se conta a obrigação de demonstrar o raciocínio que levou à decisão.

N) Nos presentes autos, o Tribunal da Relação apenas apresenta um juízo meramente conclusivo sobre a ausência de prova, sem especificar qualquer um dos testemunhos ou documentos juntos. Impunha-se que identificasse as provas que foram produzidas e que dessa fundamentação resultasse, com clareza, quais as regras de experiência comum, os critérios de razoabilidade e de lógica, e em que medida os meios de prova produzidos não ofereceram segurança para alicerçar uma conclusão positiva acerca da verificação de determinados factos e, por isso, se justificava a sua inclusão, nos factos não provados.

O) A fundamentação apresentada em relação a este ponto controvertido tinha que refletir o percurso traçado para formar tal convicção, o que não sucedeu.

P) Exige-se ao julgador que proceda à análise crítica das provas, relativamente à prova sujeita à livre apreciação e à fundamentação das respostas negativas, no que toca à fundamentação da decisão de facto.

Q) Consideramos que, apenas de uma apreciação critica nos moldes expostos – que correspondem à exigência da lei - , poderia resultar uma conclusão,

R) E não foi isso que o Tribunal da Relação fez. Este Tribunal apenas se limitou a afirmar genericamente a inexistência de provas, a concluir genericamente pela ausência de prova.

S) Em suma, consideramos que o Tribunal da Relação violou a lei quanto a esta matéria de modificabilidade da matéria de facto, tendo violado os art.º s 640º CPC, 662º, 607º, nºs 4 e 5 do CPC

T) Mais consideramos que esta razão deve ser atendida pelo Venerando Supremo Tribunal, pois, pese embora ser uma matéria relacionada com a matéria de facto, a mesma está contida nos poderes de cognição desse Tribunal.

A esse propósito, veja-se:

“I. Não obstante a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão sobre a matéria de facto ser residual e de o n.º 4 do art.º 662.º do CPC ser peremptório a determinar a irrecorribilidade das decisões através das quais o Tribunal da Relação exerce os poderes previstos nos n.ºs 1 e 2 da mesma norma, é admissível julgar o modo de exercício destes poderes, dado que tal previsão constitui “lei de processo” para os efeitos do art.º 674.º, n.º 1, al. b), do CPC.” In www.dgsi.pt – Proc. nº 156/16.0T8BCL.G1.S1 de 30/05/2019 (sublinhado nosso)

U) Assim, e pelo exposto, se considera que o Tribunal da Relação deveria ter-se pronunciado sobre o direito do A. a valores retributivos prestado em dias feriados, o que não sucedeu atendendo a que o Tribunal da Relação entendeu-erroneamente – que deveria considerar não provado que o A. tivesse trabalhado em dias feriados.

V) Porque se considera que bem andou o Tribunal de 1ª instância quando considerou provado que o A. prestou trabalho em dias feriados (facto nº 8), e que ao mesmo deveria ser reconhecido o direito à correspondente remuneração, pugna-se, assim, pela manutenção do facto nº 8 como provado e pela manutenção do decidido pelo Tribunal de 1º instância no ponto IV) da Sentença: “iv) o Acréscimo remuneratório de 100% relativo ao trabalho prestado em dias feriados nos anos de 2015 a 2020 (23.09.2020)”.

W) Pugnando-se, nesta sequência, pela subsunção desta violação – não pagamento do acréscimo por trabalho prestado em dias feriados - como motivo consubstanciador de licitude de justa causa de resolução do contrato do A.

Da violação de lei substantiva - Gozo dos intervalos de descanso

(Dos Fundamentos para o direito à resolução - Verificação de violação das garantias legais do trabalhador)

X) Nos presentes autos, foram postos em causa os motivos invocados pelo A. para a justa causa de resolução do contrato de trabalho com a R.. Com efeito, o A. invocou, entre outros, a violação de um direito, in casu, o gozo de intervalo de descanso diário (por instruções da R., cfr. como resulta provado no facto nº 6).

Y) No Acórdão que ora se recorre, foi decidido que o motivo invocado pelo A. para resolução do seu contrato de trabalho, referente à violação do ao gozo dos intervalos, não consubstanciava uma violação de um direito/garantia do trabalhador. Consideramos, no entanto, que o Tribunal violou disposições legais substantivas ao fazê-lo. Vejamos porquê

Z) Em sede de recurso, e apenas nessa sede, a R./Recorrente veio alegar uma não obrigatoriedade da R. assegurar o gozo de intervalos de descanso, por força do instrumento de regulamentação coletiva aplicável na atividade de segurança privada.

AA) Ora, salvo o devido respeito, não se nos afigura que o Tribunal da Relação tenha decidido bem, pois ignorou, por completo, o disposto no art.º 213º, nº 3 do Código do Trabalho, que dispõe: “ 3 - Compete ao serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral, mediante requerimento do empregador, instruído com declaração escrita de concordância do trabalhador abrangido e informação à comissão de trabalhadores da empresa e ao sindicato representativo do trabalhador em causa, autorizar a redução ou exclusão de intervalo de descanso, quando tal se mostre favorável ao interesse do trabalhador ou se justifique pelas condições particulares de trabalho de certas actividades.”

BB) Não obstante ser legalmente admissível a previsão de dispensa de intervalo de descanso, nomeadamente em casos como o da atividade prestada pelo A. (Vigilância), a dispensa não opera per si, ou seja, a própria lei indica as condições a que deve obedecer tal dispensa ou exclusão.

CC) Nomeadamente, a mesma tem que ser objeto de uma identificação da situação junto do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, mediante requerimento do empregador, instruído com declaração escrita de concordância do trabalhador, para sobre ela recair uma autorização.

DD) Ou seja, só estamos perante uma dispensa de intervalo de descanso se forma cumpridos estes requisitos legais, os quais inexistem no caso em apreço, nem nunca foram, sequer, alegados.

EE) Como resulta evidente, a prestação de trabalho do A. por um período de 9 horas seguidas não se subsume à previsão da dispensa de intervalo de descanso, pois

FF) Inexiste qualquer outro elemento que a lei prescreve no art. 213º, nº 3 do CT, que ateste esta dispensa, pois não existe, nem, obviamente, consta dos autos, qualquer alegação (e consequente prova), que o trabalho do A. pelas 9 horas seguidas se traduzisse numa situação de dispensa ou exclusão do intervalo de descanso, pois

GG) Nunca houve, não foi alegado, provado ou sequer consta dos autos, qualquer comunicação da R. às entidades competentes, com o acordo do trabalhador, nem a autorização destas entidades para o efeito, em conformidade com o que a lei prescreve no art. 213º, nº 3 do CT para estas situações, pelo que

HH) A situação em análise não se subsume a esta previsão legal de dispensa de gozo de intervalo de descanso, por falta de existência, e demonstração dos seus formalismos, requisitos e pressupostos legais.

II) Inexiste qualquer autorização (alegada, provada ou sequer constante dos autos) para a dispensa de intervalo de descanso da atividade do A., pelo que a prestação do seu trabalho pelas 9 horas seguidas, por instruções da R., como ficou provado, apenas se resume a uma violação do seu direito ao gozo de intervalo de descanso.

JJ) Relembramos que resulta expressamente da lei e que a regra é clara: Os trabalhadores têm direito ao gozo de um intervalo de descanso. Para o mesmo ser dispensado ou excluído, a lei consagra os mecanismos legais para a sua autorização,

KK) Sem a observância destes, a situação não se subsume a uma situação de exclusão/dispensa de gozo de intervalo de descanso

LL) Pelo exposto, outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal da Relação, que não a verificação da violação de uma garantia do trabalhador: o gozo do intervalo de descanso. Com os elementos dos autos, mormente, os factos alegados e provados, outra não poderia ter sido a decisão.

MM) Ao decidir pela não violação deste direito do A. sem que se mostrassem comprovados os mecanismos legais que consubstanciam tal dispensa, o Tribunal da Relação violou a lei substantiva, nomeadamente o art.º 213º, nº 3 do Código do Trabalho.

NN) Como consequência da posição assumida pelo Tribunal da Relação quanto à exclusão/dispensa do gozo do intervalo de descanso, não apreciou este Tribunal tal violação como fundamento para invocação da justa causa de resolução do contrato do A., o que não colhe, pelos motivos já invocados,

OO) Pugnando-se, à semelhança do que foi decidido pela 1ª instância, pela consideração desta violação de garantia do trabalhador – gozo do intervalo de descanso – como motivo para justa causa de resolução do contrato de trabalho e consequente licitude desta resolução.

Da violação de lei substantiva – Não pagamento do acréscimo de trabalho noturno nas férias, subsídio de férias e de natal vencido nos anos de 2015 a 2020 (Dos Fundamentos para o direito à resolução – caducidade e licitude)

Da caducidade

PP) Atenta a posição manifestada pelo Tribunal da Relação, e que acima se contestou, este apenas analisou como fundamento para a resolução do contrato o não pagamento do acréscimo médio mensal do trabalho noturno no subsídio de férias, vencido a 1 de setembro de 2020, o que, a nosso ver, não se afigura conforme à lei.

QQ) Defende o Tribunal da Relação que apenas se deve considerar nesta análise do acréscimo de trabalho noturno nas férias, subsídio de férias e de natal, o respeitante ao subsídio de férias vencido a 1 de setembro de 2020, pela caducidade dos restantes. Alegando que à data da resolução – 23 de setembro de 2020 – haviam decorrido mais de 30 dias sobre os 60 por que perdurou a mora no seu pagamento. Por apenas considerar esta retribuição como subsumível nos art.º s 394º e 395º do CT, que reputa no montante de € 182,27, considerou não estarem preenchidos os requisitos do conceito de justa causa para a resolução do contrato de trabalho: comportamento ilícito e culposo da entidade empregadora e ser inexigível a subsistência da relação de trabalho. Vejamos as razões da nossa discordância.

RR) Resulta do facto provado sob o número 23, que a R. não integrou nas retribuições do A. referentes às férias, subsídio de férias e subsídio de Natal qualquer montante a título de trabalho noturno. Reportando-se este incumprimento aos anos de 2015 a 2020, dúvidas não restam que estamos perante um incumprimento continuado por parte da R.

SS) Aliás, o próprio Tribunal da Relação o reconhece, afirmando ainda este Tribunal que não restam igualmente dúvidas de que, à medida que vai persistindo a mora patronal, se vai igualmente agravando a situação do trabalhador. Quanto a isto, estamos de acordo.

TT) No entanto, e como resulta, à saciedade, de uma larga maioria da jurisprudência, “No caso de factos continuados, cuja ilicitude se perpetua no tempo, apenas após a cessação da conduta ilícita se pode considerar que ocorreu o último ato violador do contrato de trabalho, data a partir do qual se inicia, então, o prazo de caducidade. (…) Ou seja, “no caso do comportamento ilícito do empregador ser continuado, o prazo de caducidade só se inicia quando for praticado o último ato de violação do contrato (o conhecimento da situação ilícita renova-se permanentemente enquanto ela se mantiver). (…) O que releva para a lei é a situação continuada de incumprimento, decorridos que sejam 60 dias, e não o facto instantâneo de não pagamento no dia acordado para o cumprimento. Tratando-se de um facto continuado, se se mantiver a omissão de pagamento da retribuição, então o tal prazo de trinta dias sobre o conhecimento dos factos que a fundamentaram só deve iniciar-se quando cessar a situação ilícita que assuma gravidade para a sustentação do recurso à resolução.” In www.dgsi.pt – Proc. nº 95/19.2T8STR.E1 de 13/07/2022

UU) Concluímos, então, que não operou a caducidade deste fundamento de resolução do contrato e bem assim dos restantes já abordados nos pontos anteriores deste recurso, a saber: Não pagamento do acréscimo por trabalho em dias feriados; Violação do direito ao gozo da hora de descanso na jornada diária e o não pagamento do acréscimo de trabalho noturno nas férias, subsídio de férias e subsídio de natal, pois são factos continuados, pelo que o prazo de caducidade não se verificou.

VV) Quanto ao não pagamento do acréscimo por trabalho em dias feriados e a violação do direito ao gozo da hora de descanso na jornada diária, têm-se por verificados, pelas razões já aduzidas neste recurso, e o não pagamento do acréscimo de trabalho noturno nas férias, subsídio de férias e subsídio de natal, resulta do facto provado sob o nº 23.

WW) Ora, sendo todos estes motivos factos continuados, a sua invocação como fundamento de resolução é válida e tempestiva. Assim, bem andou o Tribunal de 1ª instância e resulta do douto parecer do Ministério Público, ao considerarem tempestiva a invocação dos referidos fundamentos para a resolução.

XX) Como se refere na sentença: “ Acresce que o trabalhador não está obrigado a agir por cada incumprimento isolado do empregador. É perfeitamente admissível que a decisão do trabalhador seja tomada após valoração global das diversas condutas do empregador que justificam a decisão de resolução do contrato de trabalho, por referência a determinado período de tempo, à gravidade da situação e ao grau de lesão dos seus interesses.

No caso dos autos, até à data da cessação do vínculo laboral por iniciativa do trabalhador e retroagindo a janeiro de 2015, temos que a Ré não assegurou o intervalo diário de uma hora de descanso na noite de trabalho, não lhe liquidou nas retribuições de férias, subsídio de férias e de Natal o acréscimo do trabalho noturno prestado, nem lhe liquidou os dias de feriados trabalhados.(…)

Mas em rigor foi a associação destes incumprimentos verificados em junho, julho e agosto de 2020 que desencadeou a opção do Autor pela resolução do contrato. A decisão de resolução, valorada globalmente, fundamenta-se na situação de incumprimento continuada e, por isso, neste enquadramento a resolução do contrato foi realizada em tempo, pelo que não pode proceder a exceção de caducidade.” (sublinhado nosso)

YY) Tem-se, assim por certa a não caducidade dos fundamentos invocados pelo autor para proceder à resolução do seu contrato de trabalho. Ao decidir em sentido inverso, como supra já se enunciou, ao Tribunal da Relação violou os art.º s 394º, nº 1, nº 2 a) e b), nº 5 e 395º, nº 1 e 2 do Código do Trabalho.

Da Justa causa

ZZ) No presente caso, a R. não procedeu, durante cerca de cinco anos, à obrigação de pagamento ao A. referentes aos acréscimos devidos por trabalho noturno nas férias, subsídio de férias e natal, acréscimo por trabalho em dias feriados nas datas dos respetivos vencimentos e a violou o direito ao gozo da hora de descanso na jornada diária durante todos esses anos, tendo incumprido tais obrigações e violado tal direito. Tal incumprimento faz recair sobre a entidade empregadora a presunção de culpa, nos termos do art. 799.º do Código Civi

AAA) O comportamento da R. foi, assim, ilícito e culposo, assumindo gravidade suficiente e consequências para o A. que tornavam inexigível a manutenção do vínculo laboral. Tanto mais que resulta da matéria provada, nomeadamente do valor do salário auferido que o quadro sócio-económico do A. era modesto, agravando-se, portanto, com o tempo do incumprimento continuado da R.

BBB) Como é referido no parecer do MP, o A. fundamentou “ a resolução do seu contrato de trabalho, entre outros motivos que não mereceram acolhimento pela sentença, com o sistemático não pagamento do acréscimo da média mensal do trabalho noturno na retribuição de férias, subsídio de férias e de natal, ocorrido até à data da resolução do contrato de trabalho, correspondendo tal data ao momento a partir do qual deixou de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, face a uma situação de absoluta quebra de confiança entre o trabalhador e a entidade patronal, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, não sendo objectivamente possível exigir ao trabalhador a manutenção da relação laboral.”

CCC) Têm-se, assim, por verificados os requisitos legais, para se subsumir o comportamento da R. e os inerentes factos à previsão legal de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador,

DDD) Assim, nenhuma censura merece a decisão de 1ª instância, ao declarar lícita e com justa causa a resolução do contrato de trabalho operada por iniciativa do A., com efeitos a 23 de setembro de 2020.

EEE) Concluindo-se pela existência de justa causa de resolução do contrato por parte do A., é de manter o quantum indemnizatório atribuído na sentença de 1º instância. Aí se refere: “Atento o grau de ilicitude das condutas da Ré, que entendemos como acima da média, e o valor mensal da retribuição, não muito elevada (€796,19), afigura-se adequado fixar a indemnização devida próxima do limite máximo, razão porque se fixa a indemnização em 40 dias de retribuição base”.

FFF) O Tribunal da Relação ao não considerar verificada a justa causa, violou as disposições do art. 394º, nº 1, nº 2 a) e b), nº 4 do CT. Deve, assim o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ser revogado.

Nestes termos:

Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Acórdão da Relação, mantendo-se a decisão de 1ª instância, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA! “.

1.3. A Ré contra-alegou, com vista ao não provimento do recurso e manutenção do acórdão recorrido.

1.4. O recurso foi admitido, com subida imediata nos autos e efeito devolutivo.

1.5. Neste Supremo Tribunal de Justiça o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, aduzindo, em síntese, que a Ré violou os direitos do recorrente previstos nos art.º s 127.º, alínea b), e 228.º, do Código do Trabalho, com culpa de gravidade mediana, mas que, considerada no seu conjunto, permite concluir pela inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, pelo que existiu justa causa para a resolução do contrato de trabalho nos termos do art.º 394, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do mesmo diploma legal, sendo devida a indemnização ao Autor, concluindo no sentido da revogação do acórdão recorrido.

2. Objeto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente – art.º s 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.

Assim, as questões que importa apreciar consistem em saber:

1. Se o Tribunal da Relação violou os art.º s 640.º, 662.º, 607.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil, ao considerar não provado o facto 8, porquanto (i) deveria ter rejeitado conhecer nessa parte a impugnação da matéria de facto e (ii) se limitou a uma apreciação genérica sobre a prova produzida;

Caso proceda a impugnação da matéria de facto;

2. Se deve ser mantida a condenação da Ré no pagamento do “Acréscimo remuneratório de 100% relativo ao trabalho prestado em dias feriados nos anos de 2015 a 2020 (23.09.2020)” (ponto b) iv) do dispositivo da Sentença e revogado pelo Acórdão recorrido).

3. Se foi violado o direito ao gozo de intervalo de descanso diário do Autor;

4. Se o não pagamento do acréscimo por trabalho em dias feriados, a violação do direito ao gozo da hora de descanso na jornada diária e o não pagamento do acréscimo de trabalho noturno nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, são factos continuados e, em consequência, não decorreu o prazo de caducidade para a respectiva invocação em sede de resolução do contrato de trabalho;

5 - Se o Autor tem justa causa para resolver o contrato de trabalho.

3. Fundamentos de facto

3.1. Foram dados como provados os seguintes factos:

1) O Autor foi admitido ao serviço da Ré, com a categoria profissional de Vigilante, em 07 de julho de 2013 – cfr. art.º 1º da p.i. (facto expressamente aceite pela Ré).

2) Ficou consignado no contrato de trabalho que o Autor teria um período normal de trabalho de oito horas diárias e quarenta horas semanais – cfr. contrato de trabalho junto com a p.i. (doc. nº 1).

3) Mais ficou consignado no contrato de trabalho que o mesmo era celebrado considerando que a Ré, no âmbito do contrato de prestação de serviços outorgado com o cliente “AL..., S.A.”, se havia obrigado perante o cliente a manter nas instalações deste um seu Vigilante, das 23 horas às 07 horas, TDU (todos os dias úteis), e 24 horas, aos sábados, domingos e feriados – cfr. contrato de Trabalho junto com a p.i. (doc. nº 1).

4) A partir de janeiro de 2015, o Autor foi destacado para exercer as suas funções na Vivenda ..., sita na Rua ..., onde permaneceu a trabalhar até 23 de setembro de 2020 – cfr. art.º 34º da contestação.

5) Na referida Vivenda ... estava atribuído ao Autor um horário fixo das 21h às 06 horas, com intervalo de descanso de 1 hora – cfr. art.º 4º da p.i..

6) Na Vivenda ... o Autor, seguindo instruções da Ré, praticou um horário de trabalho das 21 horas às 06 horas, sem pausa para descanso, entre domingo e quinta-feira – cfr. art.º s 20º e 29º da p.i..

7) Como contrapartida do trabalho prestado, no ano de 2020, o Autor auferia as seguintes retribuições:

- Vencimento base mensal mínimo, de acordo com a última alteração convencional, de €796,19 (setecentos e noventa e seis euros e dezanove cêntimos);

- Subsídio de alimentação no valor/dia de €6,05 (seis euros e cinco cêntimos) – cfr. art.º 5º da p.i. (facto expressamente aceite pela Ré).

8) eliminado pelo Tribunal da Relação

9) Na vigência da relação laboral, o Autor reportou por diversas vezes junto da sua entidade patronal a falta de pagamento de créditos laborais que considerava serem-lhe devidos – cfr. art.º 10º da p.i. e art.º 22º da contestação.

10) A Ré sempre ouviu as reclamações do Autor promovendo o pagamento dos valores que considerou em falta – cfr. art.º 23º da contestação.

11) Com data de 03 de agosto de 2020, o Autor remeteu à Ré, que recebeu, a carta cuja cópia foi junta como doc. nº 4 da petição inicial (cfr. fls. 32-34), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. art.º 10º da p.i..

12) A Ré não respondeu à carta do Autor – cfr. art.º 12º da p.i..

13) Com data de 23 de setembro de 2020, o Autor remeteu à Ré, que recebeu, a carta cuja cópia foi junta como doc. nº 5 da petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. art.º 13º da p.i..

14) Nessa carta o Autor procedeu à resolução do contrato de trabalho, com invocação de justa causa, com efeitos a partir do dia 24 de setembro de 2020 – cfr. teor do doc. nº 5.

15) Na carta o Autor fundamentou a resolução do contrato de trabalho nos seguintes motivos:

- ter a entidade patronal obstado a que gozasse da pausa de 1 hora para descanso na jornada de trabalho das 21 horas às 06 horas na Vivenda ...;

- não ter a Ré liquidado a hora diária extra de trabalho prestado;

- não ter a Ré liquidado o acréscimo legal devido pela prestação de trabalho noturno;

- não ter a Ré liquidado nas retribuições de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal o acréscimo médio mensal resultante do pagamento do trabalho noturno;

- ter sido forçado pela empregadora a prestar trabalho em período de férias, tendo a Ré obstado ao seu gozo de férias e não tendo liquidado o respetivo subsídio de férias;

- ter prestado trabalho em dias feriados sem ser remunerado, nos termos da cláusula 42ª do CCT aplicável.

16) Na carta em que formalizou a resolução do contrato de trabalho o Autor indicou os valores que considerou estarem em dívida.

17) A Ré remunerou o Autor com o acréscimo de 25% devido pelo trabalho noturno prestado, o que fez quer através do pagamento de uma prestação inserida nos recibos de vencimento sob a designação de “ajudas de custo”, quer mediante o pagamento de quantias liquidadas através de transferências bancárias e não discriminadas nos recibos de pagamento – cfr. art.º s 47º a 55º da contestação.

18) A Ré remunerou o Autor pela hora de trabalho suplementar prestado na Vivenda ..., o que fez quer através do pagamento de uma prestação inserida nos recibos de vencimento sob a designação de “ajudas de custo”, quer mediante o pagamento de quantias liquidadas através de transferências bancárias e não discriminadas nos recibos de pagamento – facto apurado em sede de audiência de discussão e julgamento.

19) O pagamento nos termos acima referidos foi acordado entre as partes – cfr. art.º 55º da contestação.

20) No decurso da relação laboral o Autor marcou os seguintes períodos para gozo de férias:

a) No ano de 2014, entre 2 e 16 de junho e entre 1 a 15 de setembro;

b) No ano de 2015, entre 1 a 15 de maio e 2 a 16 de setembro;

c) No ano de 2016, entre 1 a 15 de abril e 1 a 15 de setembro;

d) No ano de 2017, entre 1 a 15 de junho e 16 a 30 de setembro;

e) No ano de 2018, entre 16 a 30 de junho e 1 a 15 de outubro;

f) No ano de 2019, entre 12 a 30 de abril e 1 a 15 de julho;

g) No ano de 2020, entre 1 a 15 setembro – cfr. art.º 95º da contestação.

21) A Ré nunca impediu o Autor de gozar férias.

22) No ano de 2020, a Ré liquidou ao Autor o subsídio de Natal em duodécimos – cfr. art.º 100º da contestação.

23) A Ré não integrou nas retribuições de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do Autor qualquer montante a título de trabalho noturno – cfr. art.º s 26º a 28º da p.i..

24) Na vigência da relação laboral, o Autor prestou trabalho à Ré noutros postos para além do posto na indicada Vivenda ..., assim como prestou serviços de segurança a terceiros, designadamente discotecas – cfr. art.º 116º da contestação, por referência a factos apurados em sede de audiência de discussão e julgamento.

3.2. Factos não provados

Não se provou:

a) que o Autor estivesse afeto ao posto de trabalho todos os dias do ano (cfr. art.º 4º da p.i.);

b) que a Ré não tenha respondido às reclamações do Autor sobre a falta de pagamento de créditos laborais (cfr. art.º 10º da p.i.);

c) que o Autor tenha reclamado junto da Ré do não gozo da sua hora de pausa na jornada diária de trabalho (cfr. art.º 36º da p.i.);

d) que o Autor tenha sido forçado pela Ré a trabalhar em período de férias (cfr. art.º 42º da p.i.);

e) que o Autor não tenha nunca gozado férias na vigência do contrato de trabalho (cfr. art.º 43º da p.i.);

f) que o Autor tenha visto a sua saúde mental e relação familiar afetadas ou prejudicadas pela conduta da Ré (cfr. art.º s 59º e 61º da p.i.);

g) que a falta da pausa de uma hora na jornada diária de trabalho do Autor tenha criado no mesmo um elevado cansaço (cfr. art.º 64º da p.i.);

h) que tenha sido o cliente da Ré quem, diretamente, tenha solicitado ao Autor a prestação de trabalho na sua hora de pausa, desconhecendo a Ré tal facto – cfr. art.º 73º da contestação;

i) que a Ré não tenha pedido ao Autor que abdicasse da sua pausa diária de uma hora no período de trabalho (cfr. art.º 77º da contestação).

4. Fundamentação de Direito

4.1. Da violação do disposto no art.º 640.º do CPC (não) rejeição da impugnação da matéria de facto)

Pretende o Autor, ora recorrente, que a impugnação da matéria de facto efectuada pela Ré no seu recurso de apelação relativamente ao facto 8, deveria ter sido rejeitada pelo Tribunal “a quo” em virtude de ter ocorrido violação do disposto no art.º 640.º, do CPC. Aduz que, no mínimo, deveria a Ré, ora recorrida, referir concretamente os testemunhos que evidenciassem a falta de nomeação dos feriados, e explicar que dos documentos juntos (especificando quais) não existe referência a feriados e que da conjugação das provas (que deveria ter identificado concretamente) resultava um juízo negativo, de não existência do facto, por exemplo – o que aquela não fez.

Como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista, cabe-lhe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, estando-lhe vedado, por regra, apreciar a matéria de facto fixada pelas instâncias – art.º 682.º, n.º 1, do CPC. Sem embargo de em caso de insuficiência ou contradição da decisão de facto que inviabilize a decisão de direito poder devolver os autos ao tribunal recorrido.

Para além disso, nos casos taxativamente previstos no art.º 674.º, n.º 3, daquele diploma legal, o Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, bem como pode fiscalizar o cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto do art.º 640.º do CPC, que se inscreve nos fundamentos da revista (violação ou errada aplicação das leis de processo), nos termos da alínea b), do n.º 1 do art.º 674.º, do CPC (Ac. do STJ de 03-02-2022 - Revista n.º 428/19.2T8LSB.L1.S1 - 7.ª Secção).

Acresce, consoante é também jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, que a inobservância dos ónus previstos no aludido art.º 640.º do CPC deve ser analisada à luz de um critério de proporcionalidade e de razoabilidade, tendo em conta o caso concreto, o número de factos impugnados e de meios de prova, nomeadamente, os depoimentos, devendo evitar-se formalismos excessivos.

Tais ónus visam assegurar uma inteligibilidade adequada do fim e do objeto do recurso e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido - devendo, por isso, a rejeição do recurso constituir uma consequência proporcionada e razoável, ponderando-se a gravidade da falta do recorrente. Será assim de admitir (e não rejeitar) a impugnação em relação à qual seja objectivamente possível destrinçar e localizar suficientemente os pontos de facto impugnados e os meios de prova com eles conectados, os quais justificamaalteraçãopretendida, bemcomo, porfim, aresposta alternativa proposta pelo recorrente, em termos de segura compreensibilidade pelo julgador quanto ao seu conteúdo e sentido (Vd. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18-01-2022, Revista n.º 701/19.0T8EVR.E1.S1 - 1.ª Secção, de 15.06.2023 proc. 1929/20.5T8VRL.G1.S1 e de 31.01.2024, proc. 7341/19.1T8ALM.L1.S1, in www.dgsi.pt).

Tem igualmente sido feita a distinção entre duas dimensões do ónus do recorrente.

Por um lado, as exigências da concretização dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados (art.º 640.º, n.º 1, al. a) ), da especificação dos concretos meios probatórios convocados (art.º 640.º, n.º 1, al. b) ) e da indicação da decisão a proferir (art.º 640.º, n.º 1, al. c) ), permitirão ao recorrente delimitar o objecto do recurso e fundamentar a impugnação da matéria de facto. O incumprimento destas exigências implicará a imediata rejeição do recurso nessa parte.

Por outro lado, a exigência da indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados (art.º 640.º, nº 2, al. a)) facilitará o acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação e, consequentemente, a apreciação do mérito da impugnação. O incumprimento ou o cumprimento deficiente destes ónus será fundamento de rejeição apenas se dificultar gravemente o exercício do contraditório e/ou a apreciação pelo tribunal de recurso. Sendo que um menor empenho do recorrente no cumprimento rigoroso e completo destas exigências se poderá repercutir no resultado final do juízo do julgador.

Em suma, “o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) exige-se-lhe a efectiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.04.2024, proc. 26736/20.1T8LSB.L1.S1).

Vejamos então se a Ré deu cumprimento aos ónus a que alude o art.º 640.º do CPC relativamente à impugnação do facto 8, sendo certo que o recurso de revista incide apenas sobre este facto.

No recurso de apelação, a Ré indicou (i) quais os factos que considerava incorrectamente provados (com relevo para o presente recurso de revista, o facto 8; art.º 640º, nº 1, al. a)), e (ii) qual a decisão que devia ser tomada relativamente àquele (ser considerado não provado; art.º 640º, nº 1, al. c)).

Já quanto à especificação dos concretos meios probatórios convocados (art.º 640.º, n.º 1, al. b)), a Ré alegou que os meios de prova juntos aos autos não comprovam aquele facto 8, fazendo alusão ao depoimento de uma testemunha (BB, directora de recursos humanos da Ré).

Ora, estando em causa a impugnação de um facto que a Ré considerava não estar provado, tendo a mesmo, para o efeito, invocado em sede alegatória, que os meios de prova não suportavam a prova de tal facto e indicado o depoimento de testemunha que considerou (essencial) para assim se concluir, afigura-se-nos, que à luz dos referidos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, deve considerar-se observado o referido ónus de impugnação. Com efeito, neste tipo de situação, afigura-se-nos não fazer sentido exigir à recorrente que venha, exaustivamente, elencar cada um e todos os meios de prova produzidos nos autos, simplesmente para, a final, vir a concluir que nada deles se extrai com relevância em termos da prova de um determinado facto.

Destarte, tendo a Ré, enquanto recorrente, indicado nas alegações de recurso de apelação que os meios probatórios não permitiam considerar provado o facto 8., e analisado o depoimento que considerou mais relevante para este efeito, entendemos que se mostra e cumprido o ónus plasmado na alínea c), do art.º 640.º, n.º1, do CPC, improcedendo, como tal, a presente questão.

4.2. Da apreciação genérica da prova produzida por parte do Tribunal da Relação

Sustentou ainda o Recorrente que o Tribunal da Relação se limitou a fazer uma apreciação genérica da prova produzida.

Da conjugação do disposto nos art.º s 662.º, nºs 1, 2 e 4 e 674.º, nº 3, do CPC, resulta que, salvo nos casos excepcionais contemplados no n.º 3 do art.º 674.º do mesmo diploma legal o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido.

Consoante supra se enunciou, está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o juízo do Tribunal recorrido na fixação dos factos, excepto se tiver sido violada disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova.

No presente caso, não é invocada nenhuma destas excepções, nem está em causa erro de direito - o que implica que, estando a matéria factual subjacente ao facto 8 sujeita à livre apreciação do julgador, não pode ser modificada por este Supremo Tribunal.

Não obstante, pode este Tribunal avaliar o modo como o Tribunal recorrido exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto à luz dos artigos 607.º e 662.º do CPC.

Contudo, ao contrário do que sustenta o Recorrente, verifica-se que, dentro da sua autonomia decisória, o Tribunal da Relação fundamentou devidamente o respectivo juízo valorativo da prova, indicando que procedeu oficiosamente à audição de toda a prova testemunhal e à análise de todos os documentos e analisou criticamente o depoimento da testemunha BB, para concluir, não existir suporte probatório que sustente uma convicção segura sobre a veracidade do facto 8.

Mostram-se, assim, cumpridos os deveres do Tribunal da Relação à luz dos referidos preceitos, pelo que, improcede também a presente questão.

4.3. Do direito do Autor ao acréscimo remuneratório de 100% relativo ao trabalho prestado em dias feriados nos anos de 2015 a 23.09.2020

O Recorrente pretende que seja repristinado o segmento b) - iv) do dispositivo da sentença relativo ao pagamento do acréscimo remuneratório de 100% relativo ao trabalho prestado em dias feriados desde 2015 a 23.09.2020.

Contudo, esta apreciação pressupunha a procedência da impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 8., o que não sucedeu. Não estando provado o facto 8., isto é, não resultando provado que o trabalhador prestou trabalho em dias feriados, não tem este direito ao pagamento de qualquer acréscimo a esse título. Mantém-se, pois, o acórdão recorrido na parte em que revogou o ponto b) - iv) do dispositivo da sentença, improcedendo, como tal a presente questão.

4.4. Da violação do direito ao gozo de intervalo de descanso diário do Autor

Sustenta o Autor que não obstante ser legalmente admissível a previsão de dispensa de intervalo de descanso, nomeadamente em casos como o da atividade prestada pelo Autor (vigilância), a dispensa não opera per si, indicando a própria lei as condições a que deve obedecer tal dispensa ou exclusão (art.º 213.º n.º 3, do Código do Trabalho - CT). A mesma tem que ser objeto de uma identificação da situação junto do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, mediante requerimento do empregador, instruído com declaração escrita de concordância do trabalhador, para sobre ela recair uma autorização. Entende o Autor que só estamos perante uma dispensa de intervalo de descanso se forem cumpridos estes requisitos legais, os quais inexistem no caso em apreço, nem nunca foram, sequer, alegados.

Salvo o devido respeito não lhe assiste razão.

Com efeito, nos termos resultantes do art.º 213.º do CT,

O período de trabalho diário deve ser interrompido por um intervalo de descanso de modo a que o trabalhador não preste mais de cinco horas de trabalho consecutivo ou de seis horas de trabalho consecutivo caso aquele período seja superior a 10 horas (nº1);

Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem prever a prestação de trabalho até seis horas consecutivas e o intervalo de descanso pode ser reduzido, excluído ou ter duração superior a duas horas e ainda serem determinados outros intervalos de descanso (n.º 2);

Mediante requerimento do empregador, com o acordo do trabalhador e com comunicação à comissão de trabalhadores e ao sindicato representativo do trabalhador, o serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral pode autorizar a redução ou exclusão dos intervalos de descanso, quando tal seja favorável ao interesse do trabalhador ou se justifique pelas condições particulares de trabalho de certas actividades (n.º3);

O intervalo de descanso que implique a prestação de mais de seis horas de trabalho consecutivo só é permitido nas actividades de pessoal operacional de vigilância, transporte e tratamento de sistemas electrónicos de segurança e indústria em que o processo de laboração não possa ser interrompido por motivos técnicos e, bem assim, quanto a trabalhadores que ocupem cargos de administração e de direcção e outras pessoas com poder de decisão autónomo que estejam isentos de horário de trabalho (nº 5).

Neste contexto, ao contrário do que sustenta o Recorrente, estando em causa uma actividade de vigilância, o legislador permite que o intervalo de descanso seja reduzido ou eliminado por instrumento de regulamentação colectiva, sem necessidade de requerimento prévio e autorização do serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral.

Sucede que do contrato de trabalho outorgado pelas partes não consta a indicação do horário de trabalho, acordando-se tão só num período normal de trabalho de 8 horas e a respectiva Cláusula Décima prevê que “na integração de lacunas e resolução de dúvidas emergentes do calculado do presente contrato individual de trabalho, constante da Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro, bem como no CCT aplicável ao sector” (sublinhado nosso).

Como resulta do aduzido pelas partes e foi considerado pelas instâncias, à relação laboral em apreço é aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AES e o STAD, com texto integral publicado no BTE nº 17, de 08/05/2011, tornado extensivo a todo o sector pela Portaria de Extensão n.º 88 de 07/05/2012, que foi objeto de revisão global pelo CCT celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Vigilância e Outra, AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas, Profissões Similares e Actividades Diversas, com texto integral publicado no BTE nº 38/2017 de 15/10/2017, tornado extensivo a todo o sector pela PE nº 356/2017 de 16/11/2017, com revisão parcial para 2019/2020, publicada no BTE nº 48 de 29/12/2018, tornada extensiva por via da Portaria de Extensão nº 307/2019 de 13 de setembro, e revisão parcial em 2020, publicada no BTE nº 22 de 15/06/2020, tornada extensiva por via da Portaria de Extensão nº 185/2020 de 06 de agosto.

Note-se que o CCT supra referido teve outra revisão global intercalar publicada no BTE n.º 32 de 29/08/2014 tornada extensiva a toda o sector pela Portaria de Extensão n.º 95/2015 de 27 de março.

Com referência ao intervalo de descanso são as seguintes as versões sucessivamente aplicáveis:

Na versão de 2011 consta a Cláusula 16.ª, cujo nº 4 prevê que “Dadas as condições particulares desta actividade, o período de trabalho diário decorrerá com dispensa dos interval*os para descanso.”;

Na versão de 2014 consta a Cláusula 16.ª, com a epígrafe “Intervalo para descanso” o seguinte: “1- O período normal de trabalho diário deverá ser interrompido por um intervalo não inferior a 1 hora, nem superior a 2 horas, não podendo os trabalhadores prestar mais do que 5 horas consecutivas de trabalho. 2- Dadas as condições particulares desta atividade, o período de trabalho diário poderá decorrer com dispensa dos intervalos para descanso, cabendo a opção ao empregador, nos casos dos trabalhadores com categoria profissional prevista na alínea c), do anexo I”;

- Nas versões de 2017 e 2020, consta a Cláusula 23ª, com a epígrafe “ Intervalo para descanso”, prevê-se que “ 1- Para os profissionais de escritório e vendas o período normal de trabalho diário deverá ser interrompido por um intervalo não inferior a 1 hora, nem superior a 2 horas, não podendo os trabalhadores prestar mais do que 5 horas consecutivas de trabalho. 2- Para os restantes trabalhadores e dadas as condições particulares desta atividade, o período de trabalho diário decorrerá com dispensa dos intervalos para descanso.”. (sublinhados nosso).

Ora, considerando que

(i) as partes não acordaram nenhum horário de trabalho aquando da celebração do contrato (o que implica que fique arredada a aplicação da proibição de alteração de horário prevista no art.º 217.º, n.º4 do CT);

(ii) acordaram na aplicação do CCT aplicável ao sector para preenchimento de lacunas;

(iii) no mapa de horário fixado unilateralmente pelo empregador e que por este podia ser alterado (art.º 212.º, n.º 1 e 215.º do Código do Trabalho) estava previsto um horário entre as 21h e as 06 horas, com uma pausa de 1h para descanso, tendo o período de descanso sido sempre suprimido por indicação da Ré, que pagava uma hora como trabalho suplementar (o CCT. aplicável prevê a possibilidade de prestação de 200 horas anuais de trabalho suplementar);

(iv) o CCT, em todas as versões sucessivamente aplicáveis, prevê que o período de trabalho diário do vigilante decorrerá sem intervalos de descanso,

Entendemos que a entidade empregadora não estava contratual, nem legalmente obrigada a assegurar um intervalo de descanso ao trabalhador, ora Recorrente.

Improcede, por conseguinte, a presente questão.

4.5. Do não pagamento do acréscimo de trabalho noturno na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal serem factos continuados e não se verificar a caducidade do direito de resolução com esse fundamento

O referido CCT já na versão de 2011 previa na Cláusula 24.ª, n.º 3 que o acréscimo médio mensal resultante do pagamento do trabalho nocturno seria incluído na retribuição de férias e no pagamento do subsídio de férias e do subsídio de Natal. Esta previsão foi mantida nas sucessivas versões aplicáveis (Cláusula 31.ª, n.º 4 da versão de 2014 e Cláusula 41.ª, n.º 5 das versões de 2017 e 2020).

Já no que concerne ao momento em que deverá ocorrer o pagamento da retribuição do período de férias e dos subsídios de férias e de Natal, in casu, de 2015 até 24 de Setembro de 2020, verificamos que a versão de 2014 do CCT era omissa, aplicando-se por isso as regras gerais do CT ( art.º s 263.º, n.º 1 e 264.º, n.ºs 1 e 3) e a versão de 2017 previa nas respectivas cláusulas 35.º, n.º 1 e 36.º, que o subsídio de Natal devia ser pago até dia 15 de Dezembro e o subsídio de férias devia ser pago antes do início do primeiro período de férias, se o mesmo tiver no mínimo 8 dias úteis de duração.

Relativamente ao cálculo do acréscimo mensal, as versões de 2014, 2017 e 2020, previam respectivamente nas cláusulas 31.ª n.º 5 (versão de 2014) e 41.ª, n.º 6 (nas versões de 2017 e 2020) que “o acréscimo médio mensal a considerar para efeitos de pagamento de retribuição de férias e de subsídio de férias será igual à média do ano civil anterior” e “o acréscimo para efeitos de subsídio de Natal será igual à média do ano civil a que respeita.”.

Resultando do facto provado n.º 23 que a Ré não integrou nas retribuições de férias, subsídio de ferias e subsídio de Natal do Autor qualquer montante a título de trabalho nocturno desde 2015 até à data da resolução do contrato pelo trabalhador, importa verificar se caducou o direito do ora Recorrente resolver o contrato com fundamento nessa falta de pagamento.

Como é sabido, tendo por base designadamente os princípios da liberdade pessoal do trabalhador e a sua protecção relativamente a situações em que a cessação do contrato de trabalho constitui um meio de defesa do trabalhador contra actuações ilícitas do empregador, prevê o legislador a possibilidade de ruptura do contrato pelo trabalhador, cujo regime se mostra regulado nos artigos 394.º a 399.º do CT.

Nos termos do art.º 394.º n.º 1, ocorrendo justa causa o trabalhador pode resolver o contrato, desde que se verifique algum dos comportamentos referidos no seu n.º 2 (cuja enumeração é meramente exemplificativa), e onde consta, para o que ora releva, a “falta culposa do pagamento pontual da retribuição” (alínea a)). Determina, por seu turno, o n.º 4 do mesmo preceito que “A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do art.º 351.º com as necessárias adaptações” e o seu n.º 5 que “ Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”.

Em termos de procedimento a observar pelo trabalhador dispõe o art.º 395.º que “O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos” (n.º1) Sendo que “No caso a que se refere o n.º 5 do art.º anterior, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador” (n.º2).

É de caducidade o prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do art.º 395.º para o exercício do direito de resolver o contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, como resulta do disposto no n.º 2, do art.º 298.º do Código Civil, nos termos do qual, “quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”, pelo que não se interrompe, nem se suspende (art.º 328.º do Código Civil).

A caducidade não opera ope legis, devendo de ser invocada pela parte interessada, uma vez que se trata de matéria não excluída da disponibilidade das partes (art.º 333.º n.º 2 e o art.º 303.º, do Código Civil).

Acresce, conforme vem sendo entendido, que o disposto no art.º 394.º n.º 4 do CT, consagra uma presunção inilidível. Na verdade, como referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.03.2017, proc. 244/14.8TTALM.L1.S1, www.dgsi.ptA introdução desta disposição especial só faz sentido se a intenção do legislador foi a de estabelecer uma presunção inilidível, ou seja não afastável por prova em contrário, qualificando-se em definitivo como culposa a referida falta de pagamento da retribuição que se prolongue por período de 60 dias”.

Tal presunção não afastável por prova em contrário, mas “não exclui a possibilidade de qualificar como culposas outras situações de incumprimento da obrigação retributiva, ainda que a falta de pagamento não perdure por 60 dias”.

No presente caso, provou-se que o Autor com data de 03 de agosto de 2020, remeteu à Ré, que recebeu, a carta cuja cópia foi junta como doc. nº 4 da petição inicial, à qual a Ré não respondeu. E que com a data de 23 de setembro de 2020, o Autor remeteu à Ré, que recebeu, a carta cuja cópia foi junta como doc. nº 5 da petição inicial, tendo nessa carta procedido à resolução do contrato de trabalho, com invocação de justa causa, com efeitos a partir do dia 24 de setembro de 2020, aí referindo, como fundamento da resolução do contrato de trabalho, os seguintes motivos:

- ter a entidade patronal obstado a que gozasse da pausa de 1 hora para descanso na jornada de trabalho das 21 horas às 06 horas na Vivenda ...;

- não ter a Ré liquidado a hora diária extra de trabalho prestado;

- não ter a Ré liquidado o acréscimo legal devido pela prestação de trabalho noturno;

- não ter a Ré liquidado nas retribuições de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal o acréscimo médio mensal resultante do pagamento do trabalho noturno;

- ter sido forçado pela empregadora a prestar trabalho em período de férias, tendo a Ré obstado ao seu gozo de férias e não tendo liquidado o respetivo subsídio de férias;

- ter prestado trabalho em dias feriados sem ser remunerado, nos termos da cláusula 42.ª do CCT aplicável.

Importa desde já anotar (o que sobretudo releva para a análise da questão seguinte), não se ter provado que o Autor tenha desempenhado trabalho em dias feriados.

Provou-se, por outro lado, que a Ré nunca impediu o Autor de gozar férias. E concluiu-se que por força da convenção colectiva aplicável, não assistia direito ao Autor a uma hora de intervalo de descanso, nem à correspondente retribuição.

Assim, o fundamento invocado pelo Autor para a resolução do contrato de trabalho, a considerar, circunscreve-se à falta de pagamento desde 2015 do acréscimo da média mensal resultante da prestação de trabalho nocturno na retribuição das férias, subsídio de férias e de Natal, ou seja, à falta de pagamento da retribuição.

Sendo este o fundamento a ter em conta, o prazo de caducidade aplicável, será o prazo de trinta dias a contar do termo do período de sessenta dias a que alude o n.º 5 do art.º 394º do CT.

Numa “primeira leitura”, pese embora se possa considerar que na situação em causa estamos perante factos instantâneos, isto é, factos cuja conduta é uma só, realizada ou executada em dado momento - o que releva, em termos legais, não é o facto de a empregadora não proceder ao pagamento do acréscimo médio mensal do trabalho nocturno prestado pelo Autor na retribuição das férias, subsídio de férias e de Natal, mas sim a situação continuada de incumprimento em que a sua conduta se traduz. E uma vez que aqueles factos perduraramm e se renovaram no tempo, o prazo de caducidade só se inicia quando for praticado o último acto de violação do contrato (Vd. o Ac. do STJ de 24.01.2024 proc. 4553/21.1T8LSB.L1.).

In casu, o trabalhador comunicou a resolução contratual com fundamento, entre outros, na falta de pagamento da média mensal resultante do trabalho noturno na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, desde 2015, em 23.09.2020, com efeitos reportados a 24.09.2020.

Conjugadas as normas legais e as várias versões do CCT. já descritas e os factos provados, concluímos que, em 2015 até à data da cessação do contrato, a Ré estava obrigada a pagar:

- subsídio de Natal até ao dia 15 de Dezembro de cada ano, neste incluindo o acréscimo médio mensal resultante do pagamento do trabalho nocturno igual à média do ano civil a que respeita;

- a retribuição de férias incluindo o acréscimo médio mensal resultante do pagamento do trabalho nocturno igual à média do ano civil anterior, no último dia do calendário do mês respectivo (art.º 278.º, n.º1 do Código do Trabalho).

- o subsídio de férias incluindo o acréscimo médio mensal resultante do pagamento do trabalho nocturno igual à média do ano civil anterior até ao início do gozo do período de férias (no caso concreto, mostra-se irrelevante a ligeira diferença de redacção entre a versão de 2014 e as subsequentes).

Resulta dos autos que, desde 2015 até à data da resolução do contrato, a Ré nunca pagou os referidos acréscimos.

Com base neste quadro, tendo em conta a linha de continuidade entre as referidas prestações, existindo uma situação continuada de incumprimento da parte da Ré, considera-se que à data da resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não se mostrava caducado o seu direito de lhe por fim, procedendo a presente questão.

4.6. Da resolução do contrato por parte do trabalhador, com justa causa

Dos fundamentos invocados pelo trabalhador para resolução do contrato, face ao supra decidido, apenas subjaz neste momento a falta de pagamento dos acréscimos da média mensal respeitante ao trabalho nocturno nas retribuições de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal desde 2015 até à data da resolução do contrato, a qual se presume culposa nos termos já analisados (art.º 394.º, n.º 2 alínea a), do CT).

Importa verificar se tal comportamento culposo, pela sua gravidade e consequências tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre o Autor e a Ré (art.º 351º, n.º1 “ex vi”, art.º 394.º, n.º 4 do Código do Trabalho).

Na ponderação de todas as circunstâncias relevantes, o julgador deve ter presente que o trabalhador não dispõe de meios alternativos para censurar o incumprimento do empregador. Com esta premissa, a justa causa não deverá ser aferida com o mesmo grau de intensidade que é exigido ao empregador que se pode socorrer de uma panóplia alargada de sanções disciplinares em caso de incumprimento dos deveres do trabalhador.

O contrato de trabalho é um contrato oneroso, em que o trabalhador executa primeiro a respectiva prestação, aguardando pelo posterior cumprimento da obrigação de pagamento pelo empregador, que é a sua obrigação principal.

No caso concreto, ao longo de quase 5 anos, o trabalhador realizou trabalho nocturno, sem que o acréscimo decorrente de tal prestação tivesse sido contabilizado no pagamento da retribuição devida nas férias e nos subsídios de férias e de Natal. Está em causa a falta de pagamento de 3.028,57 euros (alínea b), ii) e iii), da sentença, o que foi confirmado pelo Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa), sendo certo que o vencimento do Autor era de 796,19 Euros (facto provado n.º 7). Trata-se, em nosso entender, de uma violação objectivamente grave do contrato de trabalho, que perdurou no tempo - não podendo o trabalhador ter qualquer expectativa de o empregador vir a alterar o seu comportamento e corrigir a situação, pois apesar de o Autor na carta de 03 de Agosto de 2020 ter comunicado à Ré a falta desse de pagamento, e que pretendia avançar com a rescisão da por justa causa da resolução do contrato, esta não regularizou a situação. Neste quadro, a conduta da Ré não pode ter deixado de se repercutir negativamente na economia doméstica do Autor atenta a sua modesta condição social e económica - a tal ponto que se tornou impossível a manutenção da relação laboral, ocorrendo justa causa de resolução do contrato (neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2022, proc. 340/19.5T8GRD-A.C1.S1).

Consideramos, assim, que o ora Recorrente resolveu o contrato de trabalho com justa causa, procedendo, como tal, a presente questão.

5. Decisão

Em face do exposto, revoga-se o acórdão recorrido, na parte em que revogou os pontos a), b) i) do dispositivo da sentença.

Mantém-se o mesmo na parte em que conheceu e considerou improcedente a impugnação da matéria de facto e na parte em que revogou o ponto b-iv) do dispositivo da sentença.

Custas pelo Autor e pela Ré, na proporção do decaimento.

Lisboa, STJ, 2024.11.06

Albertina Pereira (Relatora)

José Eduardo Sapateiro (1.º Adjunto)

Júlio Gomes (2.º Adjunto)