Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4833/23.1T8MTS.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
CONTESTAÇÃO
PRAZO DE DEFESA
INTERRUPÇÃO DE PRAZO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ÓNUS
INTERPRETAÇÃO DA LEI
REVELIA
REVISTA EXCECIONAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
Data do Acordão: 09/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Nos termos do artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a interrupção do prazo processual em curso, depende da junção aos autos, no decurso desse prazo, do documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono.

II. Parece, porém, possível (e desejável) interpretar a norma legal como abarcando no seu objecto e fim social a situação em que a comprovação da apresentação do pedido no prazo legal advém não da junção pelo requerente de cópia do requerimento apresentado, mas da chegada aos autos (por iniciativa das partes, de terceiros ou de instituição ou entidades envolvidas), dentro do prazo em curso, de informação que demonstre que o pedido foi apresentado em tempo.

III. Assim, não tendo sido junto aos autos, no decurso do prazo da contestação, qualquer documento comprovativo de que a ré requereu nesse prazo a nomeação de patrono, nem informação da qual se pudesse deduzir esse requerimento e a respectiva tempestividade, o prazo para contestar não se interrompeu ao abrigo do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, ainda que mais tarde se tenha apurado que a ré apresentara esse requerimento na segurança social.

IV. Donde não ter lugar a interrupção do prazo processual em curso (in casu, da contestação) apesar de, já depois de esgotado esse prazo, o tribunal ter sido informado que a parte apresentou na Segurança Social um pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, apesar de essa apresentação ter sido feita no decurso do prazo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível


I. RELATÓRIO

AA instaurou acção judicial contra BB, pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento do rés-do-chão, com entrada no n.º 542, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., e se condene a ré a restituir ao autor o arrendado, livre de pessoas e bens, e a pagar-lhe €768,21 de rendas vencidas, bem como as vincendas até entrega do arrendado.

Alega, para tanto, que, por contrato escrito datado de 01.10.2018, deu de arrendamento à ré o aludido prédio, para fins habitacionais, e pelo prazo de 1 ano, renovável por iguais períodos, mediante o pagamento de renda mensal de €250, e que, por via de sucessivas actualizações, o valor da renda é, na presente data, de €256,07; que a ré não pagou a renda referente aos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2023.

Em 23-10-2023, a ré foi citada com força de citação pessoal.

Decorreu o prazo legal para contestar sem a ré ter apresentado contestação ou tido qualquer outra intervenção no processo.

Em 06-12-2023 foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Em 18-01-2024 a ré juntou documentos comprovativos de ter apresentado na Segurança Social, em 31-10-2023, pedido de protecção jurídica, incluindo na modalidade de nomeação de patrono e dispensa do pagamento da respectiva compensação, e de ter sido notificada por ofício de 18-12-2023 da decisão da Segurança Social de concessão da protecção requerida.

Em 08-03-2024 foi recebido nos autos correio electrónico da Ordem dos Advogados informando a identidade do patrono nomeado à ré.

No mesmo dia foi proferida sentença, nos termos do artigo 567.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, na qual, com fundamento na confissão, por falta de contestação, dos factos articulados, se julgou a acção procedente, condenando a ré nos pedidos formulados e nas custas processuais.

Notificada da sentença na pessoa do patrono nomeado, a ré apresentou recurso de apelação, vindo a Relação do Porto, em acórdão, a proferir o seguinte

Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, declaram a nulidade da decisão recorrida; em substituição do tribunal recorrido, conhecem da apelação e confirmam a decisão recorrida, com excepção da parte relativa às custas que modificam para o seguinte: não há lugar ao pagamento de custas porque a ré, responsável pelas mesmas, está dispensada do pagamento da taxa de justiça, cabendo ao IGFEJ reembolsar o autor da taxa de justiça que suportou.”.


**


De novo inconformada, vem a Ré BB interpor recurso de revista excepcional, apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES

I. Sobre o Tribunal impende um dever de gesta o processual, nos termos do artigo 6º e 7º do CPC, que obriga o juiz a tomar uma posição quanto ao documento junto pela re a 18/01/2024 e praticar todos os atos que se mostrassem necessários a regularizaçao da instancia e justa composição do litígio, nomeadamente a anulação de todos os atos praticados ate enta o no sentido de permitir a ré exercer o seu direito ao contraditório previsto no artigo 3º, nº3 do CPC.

II. A coberto de tal dever legal, e uma vez feita a junça o do deferimento do apoio judicial requerido pela re, deveria o tribunal ter diligenciado no sentido de admitir o documento comprovativo do apoio judicia rio junto pela ré e anular todos os atos que haviam sido praticados ate enta o para que esta poesse exercer o seu direito ao contradito rio e desta forma garantir a justa composição litígio, em conjugação com o artigo 7º do CPC.

III. Fruto da situação descrita e com a inexistência depronúncia do juiz sobre o comprovativo da atribuição do benefício do apoio judiciário a Ré, na sentença brota a sua nulidade por insuficiencia de pronuncia nos termos do artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC.

IV. Como tal, impõe-se que a mesma seja declarada nula e que se anule, dada a factualidade apresentada, todo os atos praticados após a apresentação o da petição inicial do A. e, consequentemente este tribunal ordene a descida do processo no sentido de a re poder exercer o seu legitimo direito ao contradito rio, nos termos do artigo 3º, nº3 do CPC.

V. Tal solução tem total respaldo doutrinal e jurisprudencial como o acórdão-fundamento do Tribunal da Relação de Coimbra no processo nº 2511/19.5T8CBR-A.C1 de 26/10/2020.

VI. Contudo, apesar do entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra sobre esta questão o Tribunal da Relação do Porto veio pronunciar-se em sentido oposto.

VII. Desta feita,e no sentido de assegurar que a ré não seja impedida, em razão da sua condição social e por insuficiência de meios económicos, de exercer e defender os seus direitos, impõe-se a procedente do presente recurso.

VIII. Uma posição diferente seria a derrogação do sistema de acesso ao direito e aos tribunais e da própria justiça.

IX. Mostra-se necessária a apreciação da questão suscitada por este tribunal superior uma vez que a disparidade na jurisprudencial relativamente a mesma coloca os cidadãos na mesma circunstância numa situação de desigualdade, em violação do disposto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, sendo essencial fixar-se jurisprudência.

X. Acresce a isto, a particular relevância social da questão que se traduz em três dimensões: uma primeira, dada a particular condição económica em que os beneficiários do apoio judiciário se encontram; uma segunda, que se prende com os efeitos nefastos que uma posição distinta da do acórdão-fundamento pode trazer para os beneficiários; e, por fim, uma terceira,queseassenta,aquandodaconstataçaopeloscidadaosdestadisparidadededecisoespelosTribunaissobreamesmamateria,nossentimen-tos de injustiça e, pior que isso, de exclusão/margilização pela Justiça devido a sua condição social, alimentando-se a ideia de que existem cidadãos de 1ª e cidadãos de 2ª.

XI. Da factualidade apresentada no presente recurso consideram-se violados: os artigos 2º, 13º, 20º, nº1 e 202º, nº2 da Constituição da Republica Por-tuguesa;osartigos2º;3º,nº3;4º;6º,nº2e7ºdoCodigodeProcessoCivil; e ainda, osartigos1ºe16º, nº1,alınea a)da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais.

Nos termos e demais do direito deve ser jugado provado e procedente o presente recurso excecional de revista e esta instância superior:

a) Revogar de forma integral o acórdão proferido pelo tribunal ad quem;

b) Ordenar a anulação de todos os atos processuais praticados apos a citação da Ré e, consequentemente,

c) Ordenar a remessa dos autos ao tribunal de 1ªinstanciapara repetição dos tramites legais da ação de despejo in casu nos termos do artigo 617º, nº5, 2ª parte e nº6 do CPC, com vista ao legitimo exercício do direito do contraditório que assiste a ré, nos termos do art. 3º, nº3 do CPC, ordenando-se a sua citação o, na pessoa do seu patrono para constar querendo, no prazo e sob as cominações legais o pedido apresentado pela A.


***


II. DA INADMISSIBILIDADE DA REVISTA EXCEPCIONAL

Vem a Ré interpor recurso de revista excepcional, invocando, para tal, a relevância social e, outrossim, a contradição de julgados, aludidos nas als. b) e c) do 672º, nº1 do CPC.

Como é sabido, a revista excepcional pressupõe a inadmissibilidade da revista normal por – e apenas por – se estar perante uma conformidade decisória das instâncias, nos termos ínsitos no nº 3 do artº 671º do CPC.

Assim sendo, há, em primeiro lugar, que aferir se, in casu, se verifica essa dupla conforme.

Reza, com efeito, esse artigo 671º, nº 3, do CPC:

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

Trata-se de uma norma que, como dito, reflecte a designada de dupla conforme, como situação processual impeditiva do direito potestativo ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça; portanto, do acesso ao recurso de revista.

Ora, salvo melhor opinião, não se vislumbra que na presente situação estejam preenchidos os (3) requisitos (cumulativos) para que se verifique a dupla conforme: ausência de voto de vencido, uma conformidade essencial de fundamentação, e, finalmente, uma conformidade decisória.

De facto, a Relação – embora, é certo (“em substituição do tribunal recorrido”) – mais não fez do que conhecer da “questão” suscitada pela Recorrente atinente à arguida nulidade da decisão recorrida, seja a não pronúncia do juiz (e suas consequências no desfecho dos autos) sobre a junção pela ré do documento comprovativo da concessão do benefício do apoio judiciário que a mesma havia requerido.

Ou seja, toda a fundamentação plasmada no acórdão da Relação é relativa a essa mesma “questão”: saber se apesar de não ter sido junto os autos, no decurso do prazo para contestar, o comprovativo da apresentação na Segurança Social do pedido de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, se deve considerar que aquele prazo se interrompeu na mesma, uma vez demonstrado que a ré apresentou esse pedido no decurso do prazo e o pedido foi deferido, tendo o tribunal recebido informação de ambas as coisas ainda antes de proferir sentença.

O mesmo é dizer que – como, aliás, é dito no acórdão recorrido – o objecto do recurso “consiste, precisamente, na questão cuja não decisão está na origem da nulidade”.

Sobre essa questão, apenas a Relação se pronunciou. E se é certo que, após tal pronúncia, acabou por “confirmar a decisão recorrida”, fê-lo, portanto, com sustento naquela fundamentação atinente à citada questão que constituiu o objecto do recurso da apelação.

Podemos, assim, dizer que estamos perante duas decisões com “fundamentação diferente”, na medida em que foram “diversificados os caminhos percorridos por ambas até à sua idêntica solução final, reportando-se esta realidade jurisdicional à circunstância de o Julgador, ponderando o universo normativo da legislação compreendida no sistema jurídico a que recorre, ter ido buscar distinto regime jurídico daquele que foi seleccionado por outro Juiz.”1.

Ou seja, no nosso ver, atento o que se escreveu no acórdão recorrido, pode bem dizer-se que a manutenção, a final, do decidido na 1.º instância assentou num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na decisão da 1.º instância2.

Temos, portanto, que, perante a fundamentação vertida na sentença e no acórdão da Relação, a fundamentação foi “essencialmente diferente”, o que afasta a designada dupla conforme (ut artº 671º, nº3 do CPC). E sem esta, como dito, não se pode falar em revista excepcional, já que constitui o seu pressuposto essencial.

Mas nada obsta à admissibilidade da revista normal.


**


III. DO MÉRITO DA REVISTA

Como referido, a questão a apreciar consiste em saber se apesar de não ter sido junto os autos, no decurso do prazo para contestar, o comprovativo da apresentação na Segurança Social do pedido de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, se deve considerar que aquele prazo se interrompeu na mesma, uma vez demonstrado que a ré apresentou esse pedido no decurso do prazo e o pedido foi deferido, tendo o tribunal recebido informação de ambas as coisas ainda antes de proferir sentença.

Adiantando solução, entende-se que a razão está do lado do acórdão recorrido.

Vejamos.


*


A questão decidenda gira em torno da interpretação do artº 24º, nº4 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho (que regula a protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário, dispondo, entre outras coisas, sobre os efeitos do pedido de apoio judiciário quando o requerente pretende a nomeação de patrono - alíneas b) e e) do n.º 1 do artigo 16.º - para o representar numa acção judicial pendente).

Reza assim esse normativo:

«[…] 4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:

a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;

b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono»3.

O acórdão recorrido concluiu pela falta de razão da Recorrente.

E, a nosso ver, decidiu bem, com pertinente fundamentação.

Efectivamente, o citado artº 24º, nº4 da Lei 34/2004 – que é o que importa à apreciação do mérito da revista – é claro ao preceituar que o pedido ali aludido leva à interrupção do prazo judicial que esteja em curso, de modo que a partir daí se reinicia nova contagem nos termos ínsitos no nº5.

E tal número é claríssimo no que tange às condições de que depende a interrupção do prazo processual que estiver em curso: tal interrupção apenas tem lugar com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”, ou seja, comprovativo do pedido de apoio judiciário apresentado na Segurança Social (destaque nosso). Junção essa que – diz inequivocamente a leitem de ocorrer dentro do prazo processual que estiver em curso.

Prazo esse que no caso sub judice é o legalmente previsto para a contestação da Ré.

Nesta senda, como bem refere o acórdão recorrido, “Se essa junção não for feita até ao termo final do prazo em curso, este esgotar-se-á sem antes ter sido interrompido, com as inerentes consequências para o demandado que requereu o apoio judiciário atenta a natureza peremptória e preclusiva do prazo para a apresentação da contestação.

A norma impõe, assim, ao requerente do apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário em causa judicial pendente um ónus acrescido de comprovar no tribunal, no decurso do prazo em curso, que formulou esse pedido nos serviços da segurança social.”.

Igualmente se concorda com a posição de alguma “condescendência” ou flexibilidade manifestada pelo acórdão recorrido, quando aceita que “a norma não impõe, contudo, que tenha de ser o próprio requerente do apoio judiciário a juntar aos autos o documento comprovativo de que o requereu, razão pela qual é conforme ao espírito da norma e à respectiva finalidade socio-normativa entender que o efeito interruptivo se produz se o tribunal tiver conhecimento do pedido de nomeação de patrono por outra via, como, por exemplo, por informação da segurança social, de outro interveniente no processo ou até de pessoa estranha à lide, ou por conhecimento funcional do tribunal”, mas “desde que a comunicação e a comprovação cheguem ao processo antes de completado o prazo em curso” (destaque nosso).

Ou seja, desde que no prazo legal para a prática do actoin casu, da contestação da Ré – se faça constar dos autos informação (seja pela Segurança Social, seja pela Ordem dos Advogados) de que o pedido de apoio judiciário (na modalidade de nomeação de patrono) foi apresentado e deferido, o tribunal deve considerar interrompido o prazo em curso para contestação.

Face ao teor literal da lei, não se vislumbra que outra solução possa conjecturar-se, sendo que esta se nos afigura a única interpretação da lei em sintonia com o comando ínsito no artº 8º do CC, maxime o seu nº2 ao preceituar que o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

Assim, portanto, não tendo a Ré comprovado no prazo da contestação a junção aos autos do comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social e o tribunal não tiver conhecimento desse pedido por outra via, é claro que não restará ao tribunal senão fazer operar as consequências da falta da contestação, como ocorre no caso sub judice.

Escreveu-se no acórdão recorrido:

« A ré defende que no caso o tribunal foi informado por outra via não só da apresentação do pedido como do seu deferimento. Efectivamente em 18-01-2024 a ré juntou documentos comprovativos de ter apresentado o pedido na Segurança Social, em 31-10-2023, e de ter sido notificada por ofício de 18-12-2023 da decisão da Segurança Social de concessão da protecção requerida, e em 08-03-2024 foi recebido nos autos correio electrónico da Ordem dos Advogados informando a identidade do patrono nomeado à ré.

Sucede, contudo, que quer a junção dos documentos pela autora quer a recepção do correio electrónico da Ordem dos Advogados ocorreram quando já se tinha esgotado o prazo para contestar – e, inclusivamente, o tribunal já havia verificado a regularidade da citação e ordenado a passagem do processo à fase das alegações para proferir sentença com base na revelia da ré.

O tribunal não foi, pois, informado, ainda que por outra via, no decurso do prazo em curso.

Por conseguinte, a pretensão da ré já não é só a de atribuir a estes actos (a recepção dos documentos e do correio electrónio) o efeito interruptivo que nenhuma norma legal lhes atribui, é essencialmente a de lhes associar um efeito interruptivo com eficácia retroactiva, isto é, de que esse efeito se produza em momento anterior àquele em que os actos tiveram lugar e quando o prazo alvo já se encontrava decorrido.

Tal exigência seria de tal forma gravosa para a parte contrária, a qual deve poder confiar nos autos processuais praticados no processo e no valor e efeitos que a lei lhes atribui, que, a nosso ver, é incompatível com a natureza equitativa do processo e o princípio da confiança na administração da justiça.».

Como igualmente bem observa o acórdão recorrido, “O n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, estabelece que a interrupção do prazo em curso decorre da «junção aos autos do documento comprovativo da apresentação» do pedido de nomeação de patrono, não estatui que decorre da apresentação do requerimento com este pedido.

O legislador sabia bem que eram actos diferentes e fez uma escolha constitucionalmente legitimada, condicionando a interrupção do prazo à comprovação em juízo da apresentação daquele pedido, dentro do prazo a interromper.

Essa exigência relaciona-se naturalmente com a disciplina da tramitação da acção judicial, procurando impedir que a acção seja tramitada com base em pressupostos errados e o surgimento de incidentes que conduzam à anulação e repetição de actos.

Todavia, na medida em que contribui para uma justiça mais célere e menos acidentada, esse desiderato não só é legítimo como deve ser um objectivo do legislador e do juiz e daí a imposição às partes de deveres de diligência adequados, suficientes e não desproporcionados, como este.

Por isso, parece possível (e desejável) interpretar a norma legal como abarcando no seu objecto e fim social a situação em que a comprovação da apresentação do pedido no prazo legal advém não da junção pelo requerente de cópia do requerimento apresentado, mas da chegada aos autos (por iniciativa das partes, de terceiros ou de instituição ou entidades envolvidas), dentro do prazo em curso, de informação que demonstre que o pedido foi apresentado em tempo4.

Assim, portanto, não podemos deixar de concordar com a decisão recorrida: não é de aceitar que, não tendo sido junto aos autos, até ao termo do prazo para a contestação, o comprovativo do pedido de apoio judiciário (in casu, na modalidade de nomeação de patrono) e/ou, outrossim, recebida (por iniciativa das partes, de terceiros ou de instituição ou entidades envolvidas), nesse mesmo prazo, informação demonstrativa da sua apresentação, ainda possa vir a decretar-se a interrupção retroactiva do prazo, ao abrigo da norma do citado artº 24º da Lei n.º 34/2004 ou por afastamento da mesma, designadamente por via de eventual iniciativa oficiosa do tribunal para apurar se foi apresentado (e quando) pedido de nomeação de patrono.


*


Aliás (como, argutamente, observa a Relação), mesmo que contássemos o prazo para contestar em conformidade com a pretensão da Ré, ainda assim a contestação era extemporânea!

Com efeito, defendendo a ré a interrupção do prazo e demonstrando igualmente a ocorrência do factor determinante do seu reinício (a notificação da nomeação de patrono que decorre da simples circunstância de o patrono nomeado se apresentar a praticar actos no processo em representação da ré), deixou esgotar o prazo (contado da forma que pretende) sem apresentar a contestação para cuja apresentação dispunha desse prazo.

Dessa forma, deixou a ré precludir pelo decurso do respectivo prazo peremptório o direito processual de contestar a acção (artigo 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil); ou seja, consolidou-se (porventura mais tarde) a situação de revelia que determina a confissão (ficta) dos factos alegados pelo autor e a passagem do processo à fase da sentença, tal como foi feito nos autos.


*


Uma nota final para dar conta que o Tribunal Constitucional já por diversas vezes se pronunciou sobre a constitucionalidade do aludido artº 24º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, tendo sempre decidido que tal norma é conforme à Constituição5.

*


Termos em que, sem mais explanações – porque, de todo, desnecessárias face à clareza e bondade da fundamentação vertida no acórdão recorrida – , bem decidiu a Relação, ao concluir que, não tendo sido junto aos autos, no decurso do prazo da contestação, qualquer documento comprovativo de que a ré requereu nesse prazo a nomeação de patrono, nem informação da qual se pudesse deduzir esse requerimento e a respectiva tempestividade, o prazo para contestar não se interrompeu ao abrigo do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, ainda que mais tarde se tenha apurado que a ré apresentara esse requerimento na segurança social.

Em conformidade, o acórdão recorrido merece o veredicto da confirmação.


**


IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, negando-se a revista e confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da Ré/Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe tenha sido concedido.

Lisboa, 19 de Setembro de 2024

Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Isabel Salgado (Juíza Conselheira 1º adjunto)

Catarina Serra (Juíza Conselheira 2º Adjunto)

_________


1. Ac. deste Supremo Tribunal de 11-09-2014 (Revista n.º 3281/10.8TBLLE.E1.S1 - Pires da Rosa).

2. Ac do STJ de 8-01-2015 – proc. 346/11.2TBCBR.C2-A.S1 (João Bernardo).

3. Sublinhado nosso.

4. Assim, v.g., o Ac da Rel do Porto de 07.02.2022, proc. 3756/20.0T8MAI.P1i, disponível em www.dgsi.pt.

5. Cfr., inter alia, Acórdãos n.ºs 285/2005, 350/2016, 585/2016 e 859/2022, todos in https://www.tribunalconstitucional.pt. Escreveu-se, a propósito, neste aresto: « (…) quando se trate de aferir a conformidade ao artigo 20.º da Constituição de normas que imponham ónus processuais às partes, o Tribunal Constitucional venha reconduzindo o controlo de constitucionalidade baseado no princípio da proibição do excesso «à consideração de três vectores essenciais: a justificação da exigência processual em causa; a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus (cf., neste sentido, os Acórdãos n.ºs 197/07, 277/07 e 332/07)» (idem).

  [...] ... a exigência de comprovação no processo judicial pendente do pedido de apoio judiciário na modalidade da nomeação de patrono decorre do facto de o procedimento em que este é apreciado correr termos na segurança social. Dado que o procedimento de concessão do apoio judiciário não constitui um incidente do processo judicial a que o pedido se destina, nem corre termos no tribunal da causa, torna-se necessário exigir a comprovação daquele pedido na acção judicial de forma a garantir a segurança jurídica na definição e contagem dos prazos processuais, tendo em conta o efeito interruptivo associado à sua apresentação. Tal comprovação é ainda necessária para impedir que o tribunal onde pende a causa se mantenha durante um período indefinido de tempo no desconhecimento de que foi formulado pela parte demandada na acção um pedido de nomeação de patrono, com todos os riscos de incerteza procedimental e de desenvolvimento de actividade processual inútil que daí derivariam.

  [...] ... é razoável que o ónus dessa comprovação recaia, directa ou indirectamente, sobre o principal interessado na interrupção do prazo, que será, por princípio, a pessoa que diligenciará o mais rapidamente possível nesse sentido junto do tribunal onde pende o processo judicial, tendo em conta o efeito preclusivo resultante de uma eventual omissão.

  [...]... não é excessivo subordinar a interrupção do prazo em curso na acção para intervenção na qual foi solicitada a nomeação de patrono da junção de cópia do requerimento de apoio judiciário apresentado nos serviços de segurança social, porque este é um acto que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e, portanto que a parte pode praticar por si só, observando aquele mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica. Acautela-se a necessidade de comunicação entre procedimentos processados diante de entidades diferenciadas, sem fazer impender sobre o beneficiário um ónus desproporcionado (…)» - destaques nossos.