Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1613/17.7T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO
BANCO
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
PRESUNÇÃO DE CULPA
INCUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. As alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 357-A/2007, 31OUT, no Código dos Valores Mobiliários, designadamente as referentes aos seus artigos 7º, 304º, 309º, 310º e 312º, não põem em causa as considerações sobre as características do dever de informação expressas no AUJ 8/2022; pelo contrário, tendo em conta quer o concreto conteúdo dessas alterações quer a intencionalidade, expressa no preâmbulo do diploma, de aprofundar e densificar o que dele já resultava quanto ao dever de informação, afigura-se-nos aplicarem-se por inteiro ao novo regime legal aquelas considerações, tendo-se, consequentemente, a doutrina do AUJ 8/2022 sobre o dever de informação do intermediário financeiro extensível à versão do Código dos Valores Mobiliários resultante do Decreto-Lei 357-A/2007.

II. As referências feitas no segmento uniformizador do AUJ 8/2022 (em particular nos seus pontos 2 e 4) relativamente às circunstâncias fundamentadoras da responsabilidade civil do intermediário financeiro (violação do dever de informação e nexo de causalidade) visam delimitar o quadro factual relevante, a ser preenchido em função dos factos apurados em cada caso concreto; e não de definir, individual e literalmente, o facto a provar para fazer operar tal responsabilidade.

 III. Em resultado da aplicação ao caso dos autos dos pontos 1, 2 e 4 da decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ n.º 8/2022), consideram-se preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil do réu intermediário financeiro por violação dos deveres de informação a que se encontrava adstrito.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA


ENTRE

AA

(aqui patrocinado por ..., adv.)

Autor / Apelante / Recorrido

CONTRA

BANCO BIC PORTUGUÊS, SA

(aqui patrocinado por ..., adv.)

Réu / Apelado / Recorrente



I – Relatório

O Autor intentou a presente acção pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 300.000,00 € acrescida de juros legais desde 07MAI2015 até efectivo e integral pagamento, bem como 5.000,00 € a título de indemnização por dano não patrimonial.

Alega, para fundamentar tal pretensão, que em ABR2008 foi proposto a seu pai por funcionário do Réu a aplicação das suas poupanças num produto com uma alta taxa de juro, com capital garantido, num prazo de 10 anos, mas com possibilidade de mobilização antecipada. Em face de tal caracterização e convencido de tratar-se de um produto idêntico a um depósito a prazo, o pai do Autor instruiu o Réu para lhe adquirir seis obrigações SLN2006. Em NOV2009, quando o pai do Autor pretendeu ceder aquele capital ao Autor, foi pelo funcionário do banco reiterada a caracterização daquele produto como idêntico a um depósito a prazo, razão pela qual o Autor aceitou que aquela transferência se operasse por cedência dos títulos; caso tivesse sido informado das verdadeiras características do produto teria antes procedido ao levantamento do capital. Só veio a ganhar consciência da natureza do produto financeiro na sequência da cessação do pagamento de juros em MAI2015 e da comunicação em SET 2015 de que a SLN se havia submetido a processo especial de recuperação, passando desde então a viver em permanente estado de ansiedade perante a perspectiva de perder as suas poupanças.

O Réu contestou por impugnação e excepcionou a incompetência territorial, a ineptidão da petição inicial e a prescrição.

No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções de incompetência territorial e de ineptidão da petição inicial.

A final foi proferida sentença que, considerando não ter havido intermediação financeira no acto de endosso dos títulos a favor do Autor e consequentemente qualquer responsabilidade do Réu, bem como prejudicada a excepção de prescrição, julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos.

Inconformado, apelou o Autor tendo a Relação, depois de alterar a matéria de facto e considerando ter ocorrido violação do dever de informação e verificarem-se os demais pressupostos da responsabilidade civil no momento da aquisição das obrigações, sendo que o Autor foi encabeçado na posição do transmitente dos títulos, bem como inverificada a prescrição, revogado a sentença recorrida e condenado o Réu a pagar ao Autor a quantia de 300.000 € acrescida de juros à taxa legal supletiva de 4% desde a citação até integral pagamento, bem como 2.000 € a título de indemnização por dano não patrimonial, absolvendo do demais pedido.

Irresignado veio o Réu interpor recurso de revista concluindo, em síntese, pela inexistência quer de violação do descer de informação quer pela inexistência de nexo de causalidade entre aquela eventual violação e o dano que daí possa ter resultado.

Houve contra-alegação onde se propugnou pela manutenção do decidido.


II – Da admissibilidade e objecto do recurso

A situação tributária mostra-se regularizada.

O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC).

Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC).

Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

Destarte, o recurso merece conhecimento.

Vejamos se merece provimento.

           


-*-


Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a questão a resolver resume-se a verificar se o Réu é responsável pelo prejuízo adveniente ao Autor enquanto titular de obrigações SNL 2006, adquiridas por seu pai em ABR2008, representativas de 300.000,00 € de capital (de notar que o Recorrente não põe em causa, não constituindo por isso objecto do recurso, o entendimento seguido pela Relação de que o Autor ficou encabeçado na posição do transmitente das obrigações).


III – Os factos

Das instâncias vêm fixada a seguinte factualidade:

Factos provados:

«1. O BPN - Banco Português de Negócios S. A., era uma sociedade anónima, com o NIPC nº 503159093, sede inicialmente na Av. De França nº 680/708 na freguesia de Cedofeita, concelho do Porto e, posteriormente, a partir de 8/11/2013, na Av. António Augusto Aguiar nº 132, freguesia de Avenidas Novas, concelho de Lisboa, a qual tinha por objeto, o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos.

2. O Banco BIC Português S.A., é uma sociedade anónima, com o NIPC nº 503159093 (antes 507880510), sede na Av. António Augusto de Aguiar nº 132, freguesia de Avenidas Novas, concelho de Lisboa, que tem por objeto o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos, o qual, anteriormente, se encontrava matriculado na 1ª Secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto sob a matrícula nº 50575/19930531.

3. As sociedades bancárias descritas nos pontos 1 e 2 “supra”, viriam a fundir-se entre si no ano de 2012, dando lugar ao Banco BIC Português S.A. o qual passou a ser detentor de todo o património de ambos os Bancos, bem como de todos os respetivos direitos e obrigações.

4. O Banco Português de Negócios foi a instituição colocadora no mercado das obrigações emitidas pela Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A, sociedade esta, que até 11/11/2008 foi detentora de 100% do capital social do Grupo BPN.

5. O Banco Português de Negócios, enquanto entidade incumbida de proceder à colocação destas obrigações, estava registado na CMVM, como intermediário financeiro.

6. O pai do ora A., de nome BB, era cliente Banco Português de Negócios S.A., na agência de ..., com a conta n.º ...01.

7. Existia da parte do pai do A. para com o Banco BPN, atualmente denominado de BIC, aqui Réu, uma relação de grande confiança, extensiva aos funcionários do Banco, nomeadamente à gerente da agência de ..., Srª Drª. CC, que na altura era a sua gestora de conta.

8. Em meados de Abril de 2008, a Dra CC contactou telefonicamente o pai do A. para que o mesmo se deslocasse à agência do Banco BPN de ....

9. Quando o pai do A. se deslocou à agência, pela referida funcionária do banco, foram-lhe apresentadas as “Obrigações SLN 2006”,

10. … foi-lhe então transmitido pela Drª. CC que, se tratava de uma aplicação com juros semestrais, indexados a uma taxa Euribor, com capital garantido.

10-A. E que, caso não quisesse esperar pela data do vencimento do produto, teria disponibilidade do capital, se viesse a necessitar dele, quando assim o entendesse, avisando a agência com uma antecedência de dois ou três dias ou, no máximo, uma semana [ADITADO].

11. A referida funcionária do banco que vendeu a aplicação era sabedor[a] de que o pai do A., não tinha formação técnica suficiente que lhe permitisse conhecer os diversos produtos financeiros e avaliar, por isso os riscos de cada um deles, exceto se lho explicassem devidamente.

12. A dita funcionária do banco BPN, tinha perfeito conhecimento de que o BB não estaria interessado em aplicar o seu dinheiro e qualquer produto que envolvesse risco, nomeadamente a possibilidade de perder capital.

13. Perante a descrição de tal produto tinha o capital garantido pelo Banco, com juros, o pai do A. que é uma pessoa, com apenas a 4ª classe, sem conhecimentos nas áreas de economias e com um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro e,

14. … confiando no aconselhamento prestado, pela funcionária do banco, ora Réu, bem como da seriedade e idoneidade do mesmo, em Abril de 2008, BB, assentiu em investir o montante de € 300.000,00 (trezentos mil euros) que tinha nas suas poupanças, no produto denominado “Obrigações SLN 2006”.

15. Pelo que ficou o pai do A. detentor de 6 obrigações SLN2006, no montante de 50.000,00, cada uma.

16. Tais obrigações tinham um prazo de vencimento a 10 anos, com possibilidade de Call Option a partir do 5.º ano.

17. Eram remuneradas com juros semestrais e postcipados (TANB), sendo o 1.º cupão com a TANB de 4,5%,

18. … os 9 (nove) cupões seguintes: à taxa Euribor a 6 meses acrescrida de 1,15%,

19. … e os restantes cupões: à taxa Euribor a 6 meses acrescida de 1,50%.

20. O reembolso antecipado (total ou parcial) podia ser por iniciativa da SLN e a partir do 5.º ano (Call Option), mediante aprovação média do Banco de Portugal.

21. Conforme já era intenção do pai do A. há já algum tempo, em 28 de Novembro de 2009, o mesmo, acompanhado do A., dirigiu-se ao balcão da agência de ... do Banco Português de Negócios S.A., informando que pretendia levantar o dinheiro aplicado por forma a dá-lo ao seu único filho, ora A., tendo sido atendidos pelo funcionário DD.

22. … nesse momento, o pai do A. cedeu a este, todas as obrigações que havia subscrito,

23. … sem que lhe tivesse sido fornecida qualquer especificação ou folheto informativo acerca do mesmo, lido qualquer documento ou explicado o seu conteúdo, ou entregue qualquer cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN 2006.

24. O A. recebeu juros semestrais até Maio de 2015.

25. No início de Setembro de 2015, foi o A. recebeu uma carta da Galilei (ex SLN), através da qual lhe davam conhecimento de que aquela empresa se havia submetido a um Processo Especial de Revitalização e, a convidar o A. para participar nas negociações.

26. Na sequência de tal carta, o A. deslocou-se à agência do Banco Réu em ..., agora denominado BIC, onde lhe terá sido dito, que o Banco agora já não era responsável pelo pagamento,

27. … o que deixou o A. indignado e preocupado,

28. E sem possibilidade de destinar o capital aplicado nas obrigações à construção de uma moradia, como havia planeado, sentindo-se, por isso, nervoso, ansioso e revoltado [ALTERADO].

29. A nível interno, o banco Réu indicava aos seus funcionários que a aplicação em apreço era como um depósito a prazo, ou seja, sem risco.».

Factos não provados:

«a) No circunstancialismo referido nos pontos 9 e ss., foi transmitido ao pai do autor que o prazo da aplicação era de 10 anos, ou seja até maio de 2016, e que o valor da aplicação era de € 50.000,00, referindo que era como se de um depósito a prazo se tratasse,

b) … bem lhe foi dito que se tratava de uma aplicação com rentabilidade assegurada.

c) Segundo a informação prestada pelo ora Reu, a aplicação financeira em causa, seria sempre integralmente reembolsada pelo banco na data do vencimento do produto, ou seja Maio de 2016, ou,

e) Na deslocação ao banco, referida no ponto 21 dos factos provados, foi o A. informado, pelo referido funcionário, que a aplicação que o seu pai tinha feito se tratava de um produto que tinha todas as características de um depósito a prazo, com juros semestrais bastante atrativos,

f) … que o capital investido e respetivos juros, estaria integralmente garantido á data do vencimento, ou quando ele assim o entendesse e sem qualquer limite ou condição.

g) Foi ainda garantido e assegurado ao A. que o produto em causa se tratava de uma aplicação segura, sem qualquer risco e de capital garantido,

h) … pelo que o A. poderia continuar com a aplicação, recebendo os respectivos juros semestrais, bastando para tanto o seu pai fazer a cedência do capital ao ora A.,

i) Mais lhe foi dito, pelo referido funcionário, que o capital e juros, na data de vencimento da aplicação financeira, lhe seria integralmente reembolsado, ou a qualquer altura, desde que avisasse a agência com a antecedência de três dias.

j) O funcionário do banco, ora Réu não transmitiu ao A. qualquer outra informação acerca da natureza do produto “Obrigações SLN2006”, para além de afiançar a ausência de risco e perdas de capital.

k) Tais informações foram dadas ao autor na presença do seu pai, BB, tendo o A. ficado convencido de que se trataria de um produto bastante rentável dada a seriedade que depositava na instituição, motivo pelo qual o ora autor manteve a aplicação e não levantou o capital e respetivos juros conforme lhe havia sido transmitido dessa possibilidade, bem como,

l) Nesta senda, o A. ficou convicto da garantia da aplicação em causa, e em momento algum o banco Reu o alertou para qualquer risco, face ao que lhe tinha sido dito e garantido.

m) O funcionário do réu referido no ponto 21, bem sabia que o A. não pretendia realizar qualquer operação financeira que colocasse em causa o capital investido, situação que lhe foi expressamente transmitida por este.

n) Mais sabia que também o A. não tinha qualificação ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, exceto se lho explicassem devidamente, o que também não aconteceu, antes pelo contrário, também garantiu sempre o pagamento.

o) O A. nem sabia quem ou o que era a SLN, e sempre julgou que a designação constituía uma mera denominação de uma conta a prazo.

p) O A. estava convicto de que a aplicação que havia sido cedida era uma conta a prazo.

q) Se o A. supusesse que a aplicação se tratava de um produto de risco nunca teria aceite a sua cedência, mas antes teria o seu pai levantado o capital como era aliás a sua vontade.

r) No circunstancialismo referido no ponto 26, foi dito ao autor que a responsável pelo pagamento era a Galilei (ex SLN) e que, o A. devia reclamar o seu crédito no processo de revitalização que a Galilei apresentara.

s) Se o A. tivesse tomado conhecimento que o produto que lhe foi apresentado, não era de capital garantido, ou mesmo que, apresentava algum risco, teria levantado o capital e respectivos juros na data em que foi feita a cedência do capital pelo seu pai, conforme possibilidade que havia sido dada pelo banco.

t) O A. tem andado num permanente estado de nervosismo, preocupação, ansiedade, stress e revolta por ter sido enganado por uma instituição financeira e pelos funcionários desta, em quem depositava confiança, receando perder todo o dinheiro contido na aplicação,

u) … facto esse que lhe tem causado insónias e muitas noites sem dormir.».


IV – O direito

Entenderam as instâncias, e não vem posto em causa, que a intervenção do Banco BPN no processo de aquisição pelo pai do Autor, em Abril de 2008 (facto provado 14.), do produto financeiro Obrigações SLN 2006, é qualificável como actividade de intermediação financeira, abrangida pelo regime do Código dos Valores Mobiliários, na redacção em vigor à data da subscrição.

Sobre a caracterização do dever de informação do intermediário financeiro relativamente às características das obrigações já o Pleno das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal de Justiça no AUJ 8/2022 (Diário da República, I Série, 03NOV2022 – Proc. 1479/16.6T8LRA.C2.S1-A) se pronunciou nos seguintes termos:


Como atrás se referiu, o intermediário financeiro está vinculado a um conjunto de deveres de entre os quais se destaca o dever de informação, que é decorrente do princípio da conduta transparente e leal.
    E esse dever de informação implica informar com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor, sendo certo que o intermediário financeiro tem o dever de prestar todas as informações de que tenha sobre um produto financeiro, tomando a iniciativa do esclarecimento das características do produto financeiro, e não de prestar somente os esclarecimentos solicitados pelo investidor.
    Ora, se o intermediário financeiro equipara simplesmente a subscrição de obrigações subordinadas a um depósito a prazo, viola esse dever de informação, porquanto existem diferenças assinaláveis e muito significativas entre os dois produtos (…).

    Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.
    Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).
     Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.
    Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.
    Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.
     Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.
    Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.
     Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.
     Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação. 

           

Tendo a esse propósito expendido o seguinte segmento uniformizador:


Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

É certo que essa uniformização jurisprudencial foi elaborada tendo em conta a versão do Código de Valores Mobiliários na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro e os factos a que se reportam os autos ocorreram já na vigência do referido Decreto-Lei.

Mas cremos que as alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei no Código dos Valores Mobiliários, designadamente as referentes aos seus artigos 7º, 304º, 309º, 310º e 312º, não põem em causa as considerações sobre as características do dever de informação expressas no AUJ 8/2022. Pelo contrário, tendo em conta quer o concreto conteúdo dessas alterações quer a intencionalidade, expressa no preâmbulo do diploma (onde se lê: «De entre as disposições aplicáveis a mercados regulamentados, destaca-se o aprofundamento do regime relativo aos deveres de informação antes e após a negociação de acções, cujos princípios gerais constam do artigo 221.º e são concretizados pelo Regulamento (CE) n.º 1287/2006, da Comissão. (…) No que toca aos deveres de informação previstos no artigo 312.º destaca-se o grau de detalhe da lei na definição dos elementos informativos a transmitir ao cliente actual ou potencial e a previsão de um conteúdo diferente, consoante os destinatários da informação sejam investidores qualificados ou não qualificados.»), de aprofundar e densificar o que dele já resultava quanto ao dever de informação, afigura-se-nos aplicarem-se por inteiro ao novo regime legal aquelas considerações, tendo-se, consequentemente, a doutrina do AUJ 8/2022 sobre o dever de informação do intermediário financeiro extensível à versão do Código dos Valores Mobiliários resultante do Decreto-Lei 357-A/2007.

Por outro lado, importa referir que as referências feitas no segmento uniformizador do AUJ 8/2022 (em particular nos seus pontos 2 e 4) relativamente às circunstâncias fundamentadoras da responsabilidade civil do intermediário financeiro (violação do dever de informação e nexo de causalidade) visam delimitar o quadro factual relevante, a ser preenchido em função dos factos apurados em cada caso concreto; e não de definir, individual e literalmente, o facto a provar para fazer operar tal responsabilidade.

Depois destas considerações de ordem geral, e volvendo a atenção para o caso concreto não se pode deixar de subscrever e ter por judiciosa a ponderação levada a cabo pela Relação, expressa no acórdão recorrido:


Cabe, então, visto o material fáctico alegado e provado, verificar se, nesta perspetiva, ocorreu violação daquele dever de informação pelo banco, tudo no contexto relacional invocado nos autos.
Ora, na sequência da impugnação da decisão de facto, esse quadro factual foi, como visto, alterado pela Relação, estando provado que, para convencer o investidor (o pai do A.) a vincular-se – aplicando, de uma só vez, um capital de € 300.000,00, e não menos –, a referida Dr.ª CC, funcionária do banco, gerente de agência e gestora de conta do pai do A. (como tal, pessoa em quem aquele depositava a máxima confiança), lhe disse – prestando-lhe conselho – que tinha uma aplicação muito atrativa para ele, com uma taxa de juros semestrais favorável e com o capital garantido pelo próprio banco [factos 10 e 13].

Mais se provou, significativamente, que:
- foi prestada a informação ao cliente/investidor de que, caso não quisesse esperar pela data do vencimento do produto, teria disponibilidade do capital quando assim o entendesse, se viesse a necessitar dele, avisando a agência com uma antecedência de dois ou três dias ou, no máximo, uma semana, sem lhe explicar que tal só sucederia mediante transmissão das obrigações a outro investidor, caso houvesse interessado, e não por restituição do capital antes do final do prazo de dez anos [facto 10.-A];
- a dita funcionária do banco sabia que o cliente (pai do A.) não tinha formação técnica suficiente que lhe permitisse conhecer os diversos produtos financeiros e avaliar, por isso os riscos de cada um deles, exceto se lho explicassem devidamente [facto11], o que não ocorreu;
- e tinha ela conhecimento de que o cliente/investidor não estaria interessado em aplicar o seu dinheiro em qualquer produto que envolvesse risco, nomeadamente a possibilidade de perder capital [facto 12];
- foi perante a descrição de se tratar de produto com capital garantido pelo banco, com juros, que o pai do A. – pessoa com apenas a 4.ª classe, sem conhecimentos nas áreas económicas e com perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro –, confiando no aconselhamento prestado pela funcionária do banco, bem como na seriedade e idoneidade do mesmo, assentiu em investir o montante de € 300.000,00 em “Obrigações SLN 2006” [factos 13 a 15];
- posteriormente, o pai do A., acompanhado do filho, dirigiu-se ao banco, informando pretender levantar o dinheiro aplicado por forma a dá-lo ao A., tendo sido atendido e convencido, em vez disso, a ceder as obrigações que havia subscrito ao filho, o que veio a ocorrer [factos 21 e 22].
Não foi prestada informação ao cliente (pai do A.), ao tempo da vinculação, nem este disso se apercebeu, como leigo na matéria, que se obrigava quanto a um produto financeiro subordinado, como o eram as ditas obrigações SLN 2006.
E ainda vem provado que, internamente, o banco – sendo a sociedade emitente do produto (SLN) então detentora do BPN (banco intermediário financeiro) – indicava aos seus funcionários que a aplicação/produto financeiro em causa era como um depósito a prazo, sem risco [factos 29, 10 e 13], como, assim, os depósitos no próprio banco, já que este afirmava, como visto, tratar-se de capital garantido pelo banco .Quer dizer, as orientações e comunicações internas/superiores existentes no BPN, por este transmitidas aos seus funcionários nos respetivos balcões para cumprimento/observância, consistiam na afirmação da segurança e solidez da aplicação financeira em causa, assegurando que tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio banco.

Assim, o pai do A. vinculou-se no convencimento de estar a investir numa boa aplicação, sem risco e com elevada rentabilidade.
Não pretendia aquele aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, o que era do conhecimento da funcionária do R. que com ele contactava (sua gestora de conta, em quem confiava), conhecedora do seu perfil conservador no que toca a aplicações do seu dinheiro, bem como sabia que, sendo pessoa com baixo grau de escolaridade, não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os respetivos riscos.

Havendo assim de concluir pela ocorrência de facto ilícito, decorrente da violação do dever de informação a que o Réu estava adstrito.

A culpa, como resulta do disposto no artigo 304º-A do Código dos Valores Mobiliários, e não vem posto em causa, presume-se; não resultando do quadro factual apurado a sua ilisão.

É por demais evidente o dano consistente no não retorno do capital investido e no incómodo daí resultante.

E no que concerne ao nexo de causalidade tem inteira aplicação o ponto 4 do segmento uniformizador do AUJ 8/2022, segundo o qual:


Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

Ónus probatório esse que foi cumprido uma vez que ficou provado que o pai do Autor não estava interessado em aplicar o seu dinheiro em qualquer produto que envolvesse risco, designadamente de perda de capital (facto 12) e foi só perante a descrição de se tratar de produto com capital garantido pelo banco, com juros, que o pai do Autor – pessoa com apenas a 4.ª classe, sem conhecimentos nas áreas económicas e com perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro –, confiando no aconselhamento prestado pela funcionária do banco, bem como na seriedade e idoneidade do mesmo, assentiu em investir o montante de € 300.000,00 em “Obrigações SLN 2006” [factos 13 a 15]; tendo desse circunstancialismo a Relação inferido (sem que a tal se possa imputar ilogicidade ou irrazoabilidade) que outra seria a decisão se tivesse sido adequadamente cumprido o dever de informação, nos seguintes termos:


«Quanto ao nexo de causalidade relativamente ao intermediário financeiro (banco), apurado que está que o pai do A., enquanto cliente/investidor, não autorizaria a subscrição de um produto de risco, sem capital garantido pelo banco (ante a possibilidade de perda do capital), também deve concluir-se, face ao disposto no art.º 563.º do CCiv., pela verificação do nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano ocorrido (se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, com esclarecimento da real e cabal natureza/características da aplicação, aquele cliente, que não aceitava correr riscos financeiros, não teria investido naquele produto financeiro e, por consequência, não perderia, por esta via, o elevado capital investido).»

Assim se concluindo pela verificação de todos os requisitos da responsabilidade civil do Réu, improcedendo os fundamentos do recurso.


V – Decisão

Termos em que se nega a revista, confirmando a decisão recorrida.

Custas da revista pelo Réu.

                                                                                  


Lisboa, 30MAR2023

Rijo Ferreira (Relator)

Cura Mariano

Fernando Baptista