Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1236/05.3TBALQ.L2.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
VALOR DE MERCADO
TERRENO
PRESSUPOSTOS
QUESTÃO PREJUDICIAL
IDENTIDADE DE FACTOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DECISÃO SURPRESA
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL
Data do Acordão: 11/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE
Sumário :
I – A autoridade do caso julgado destina-se a assegurar a vinculação dos órgãos jurisdicionais, bem como dos particulares, aos efeitos de uma decisão judicial anterior, transitada em julgado, não permitindo a reapreciação de questão já anteriormente decidida de forma definitiva e que desse modo não deverá ser contrariada, sob a pena de colisão e incompatibilidade lógica entre julgados.

II – Para a verificação da autoridade de caso julgado exige-se a demonstração de um nexo de prejudicialidade entre as duas decisões judiciais em causa, o que sucede quando os fundamentos essenciais e decisivos da primeira constituem necessariamente pressupostos lógicos e incontornáveis da segunda.

III – Não se verifica autoridade de caso julgado quando decisões judiciais apontadas têm subjacente a análise de situações de facto diversas (ainda que possam detectar-se alguns factores de relativa equiparação ou mesmo conexão), versando parcelas de terreno diferentes, as quais, embora comunguem de afinidades com as parcelas contíguas ou vizinhas, foram apreciadas judicialmente de forma perfeitamente autónoma, não implicando portanto que o acórdão recorrido tivesse forçosamente de considerar a fundamentação essencial aí expendida, nem muito menos que adoptar a conclusão final e decisiva a que aquelas deram cobertura.

IV - Do que se trata basicamente é da definição, livre e diferentemente fundamentada, do quantum indemnizatório devido em virtude da expropriação levada a cabo quanto a parcelas diversas e autónomas, que foram objecto de casuística apreciação noutros processo de expropriação, com diferentes abordagens jurídicas dependentes das particularidades singulares de cada caso e que não são vinculativas entre si, não obstante poderem assumir contornos de uma verdadeira contradição de julgados nos termos e para os efeitos do artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil (porque interpretam o critério legal aplicável de forma antagónica e conflituante).

VI – Quando a lei alude ao “valor real e corrente, numa situação normal de mercado” (artigo 23º, nº 5, do Código das Expropriações) não se pode desvalorizar ou esquecer as características e natureza do imóvel expropriado tal como ele existia ao tempo da publicação da declaração de utilidade pública, não sendo legítimo imaginar, pressupor ou conjecturar abstractamente um interesse contratual que terá existido em relação a parcelas vizinhas, mas que se desconhece em rigor se existiria, ou não, relativamente àquelas – únicas - de que o presente processo de expropriação trata.

VI – O artigo 27º, nº 3, do Código das Expropriações, através dos critérios relativamente abertos aí previstos, não habilita, em relação a parcelas com vocação exclusivamente agrícola à data da publicação da declaração de utilidade pública, a considerar automaticamente um valor de mercado que nada tenha a ver com tal destinação própria e específica (agrícola) e que assente unicamente, como fundamento essencial e decisivo, na realização de negócios do foro privado – com motivações e desígnios totalmente desconhecidos - tendo por objecto terrenos diversos, e que por si só não são susceptíveis de demonstrar ou garantir que as parcelas em causa nos presentes autos (de vocação agrícola, insista-se) seriam também necessariamente transacionadas pela mesma ordem de valores não fosse a expropriação.

VII – Não tendo os expropriados recorrentes solicitado ao Supremo Tribunal de Justiça que sindicasse e alterasse a posição assumida no acórdão recorrido ao não ter conhecido da impugnação de facto apresentada nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil relativamente aos factos concretos que suportariam a sua tese respeitante ao critério legal de apuramento do valor corrente e real de mercado (como podiam perfeitamente tê-lo feito ao longo do seu recurso de revista, mormente invocando o incorrecto exercício dos poderes de facto nos termos gerais do artigo 662º do Código de Processo Civil), cumpre concluir que os autos não contêm sequer factualidade dada por provada susceptível de suportar as pretensões dos recorrentes, as quais assentam na pretensa prática de actos negociais cujos fundamentos reais e características exactas em rigor não se conhecem.

Decisão Texto Integral:

Revista nº 1236/05.3TBALQ.L2.S2.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção-Cível):

I - RELATÓRIO.

Teve início o presente processo de expropriação litigiosa, por utilidade pública, em que são entidade expropriante a BRISA CONCESSÃO RODOVIÁRIA, S.A., e expropriados AA e mulher BB, CC, DD, EE, FF e mulher GG, HH e marido II, JJ, KK, LL e MM.

A expropriação teve por finalidade a construção do sublanço... – ... (A1) – Trecho ... – IC11/... da autoestrada A10, sendo suportada pela declaração de utilidade pública (DUP) e de urgência da expropriação proferida pelo Despacho do Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas n.º ...10-A/2004, de ... de Outubro de 2004, publicado no DR n.° 264, II Série, de 10 de novembro de 2004 e abrange as seguintes parcelas expropriadas:

‘PARCELA 43’ com a área total de 680 m2, a confrontar do Norte e Poente com Conduta da EPAL e do Sul e Nascente com NN e outros, a destacar da parte rústica do prédio misto denominado ‘Quinta ...’ sito na freguesia de ..., concelho de ..., inscrita na matriz predial rústica sob o art. 4 da secção «AN» da freguesia de ... com a denominação ‘...’ e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...37 da freguesia de ..., a confrontar do Norte com ..., do Sul com Rio ..., do Nascente com OO, PP e QQ e do Poente com PP, Rio ... e Estrada Nacional n.º ...;

‘PARCELA 38’ com a área total de 96.582 m2, dos quais 2.774 m2 se destinam à construção de acessos, a destacar da parte rústica do prédio misto denominado ‘Quinta ...’ sito na freguesia de ..., concelho de ..., inscrita na matriz predial rústica sob o art. 1 da secção «AM» da freguesia de ... com a denominação ‘Quinta ...’ e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...37 da freguesia de ..., a confrontar do Norte com ..., do Sul com Rio ..., do Nascente com OO, PP e QQ e do Poente com PP, Rio ... e Estrada Nacional n.º ....

A adjudicação à entidade expropriante teve lugar em virtude dos despachos de 7 de setembro de 2005, proferidos a fls. 312 (vol. II) quanto à PARCELA 43 e a fls. 380 (vol. II-ap. A) no que se refere à PARCELA 38.

A vistoria ad perpetuam rei memoriam das parcelas foi realizada em 25 de Janeiro de 2005 e elaborados os respetivos autos, referente à PARCELA 43, com data de 10 de fevereiro de 2005, constante de fls. 91-178, complementado por relatório de fls. 201-202 (cf. vol. I); relativo à PARCELA 38 com data de 16 de fevereiro de 2005, constante de fls. 108-207, complementado por relatório de fls. 201-202 (cf. vol. I-ap.A), complementado por relatório de fls. 239-258 do vol. II do apenso A;

Foi realizada a arbitragem da PARCELA 43 e junto aos autos o acórdão arbitral, datado de 22 de junho de 2005, pelos árbitros nomeados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que atribuíram por unanimidade o valor total de € 3.150,00 (três mil cento e cinquenta euros) como sendo o valor da indemnização - cf. acórdão de arbitragem de fls. 294-304 (vol. II).

Foi igualmente concretizada a arbitragem da PARCELA 38, figurando o acórdão arbitral, datado de 22 de junho de 2005, pelos árbitros nomeados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que atribuíram por unanimidade o valor total de € 378.968,75 (trezentos e setenta e oito mil novecentos e sessenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos) como valor da indemnização – cf. acórdão de fls. 359-371 (vol. II – apenso A).

A expropriante depositou à ordem dos autos em 25 de agosto de 2005, a quantia de € 3.150,00 (três mil cento e cinquenta euros) referente à PARCELA 43 - cf. fls. 305 (vol. II); e a quantia de € 378.968,75 (trezentos e setenta e oito mil novecentos e sessenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos) relativa à PARCELA 38 – cf. fls. 372 do vol. II do apenso A.

Por despacho de 5 de Setembro de 2005, foi determinada a apensação do processo de expropriação n.º 1237/05.1..., tendo por objeto a PARCELA 38.

Foi interposto pelos expropriados recurso relativo à PARCELA 43 a fls. 335-500 (vol. II), 501-750 (vol. III) e 751-779 (vol. IV) e referente à PARCELA 38 a fls. 398-505 (vol.II-ap.A), 506-800 (vol.III-ap. A), alegando, em síntese, que os Senhores Árbitros classificaram e avaliaram a parcela atendendo exclusivamente a rendimentos agrícolas, não considerando a muito próxima ou efetiva aptidão urbanística das parcelas, tais como as infraestruturas urbanísticas que as servem e o prédio em que as mesmas se integram e pela envolvência urbanística das parcelas, concluindo que a justa indemnização a fixar pela expropriação dos terrenos se deverá cifrar em €27.200,00 (vinte e sete mil e duzentos euros), quanto à PARCELA 43 e em €3.863.280,00 (três milhões oitocentos e sessenta e três mil duzentos e oitenta euros), relativamente à PARCELA 38.

Peticionaram, ainda, a actualização de tal indemnização, desde a data do Despacho de Utilidade Pública até ao efetivo e integral pagamento das indemnizações devidas, de acordo com os índices de inflação publicados e a publicar pelo INE.

A entidade expropriante respondeu conjuntamente aos recursos interpostos pelos expropriados relativos às PARCELAS 43 e 38, sustentando, em suma, que as indemnizações fixadas nos acórdãos arbitrais se pecam será por excesso, porquanto os terrenos à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam não tinham qualquer potencialidade edificativa ou infraestruturas urbanísticas próprias, mostrando-se classificados pelo PDM de ... como espaços agrícolas incluídos na RAN e na REN, pelo que apenas poderão ser considerados como “solos para outros fins”, a que acresce que a indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante mas apenas cobrir o prejuízo sofrido pelo lesado com a privação da coisa, concluindo ser de improceder os recursos dos expropriados.

Por despacho de 2 de Março de 2006 a fls. 821-823 (vol. IV), notificado aos expropriados por carta expedida com data de 8 de Março de 2006 a fls. 827, foi determinada a entrega aos expropriados e a seu requerimento, nos termos do art.º 51º, n.º 3 do Cód. Exp., da quantia sobre a qual se verificava acordo, relativa a ambos os processos, ressalvada das custas prováveis, entrega que se concretizou no montante de € 318.687,75 (trezentos e dezoito mil seiscentos e oitenta e sete euros e setenta e cinco cêntimos) - cf. fls. 880 e 888, vol. IV e fls. 930, 960-961 e 963 do vol. IV do apenso A.

Procedeu-se à avaliação das parcelas expropriadas a que se reporta o art. 61.º, n.º 2 do Código das Expropriações, tendo sido apresentados dois laudos periciais: um laudo subscrito pelos Exmos. Peritos indicados pelo tribunal e pelo Perito indicado pela expropriante, constante de fls. 970-986 (vol. IV), que avaliaram as parcelas expropriadas conjuntamente em € 370.857,50 (trezentos e setenta mil oitocentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos), classificando as mesmas como solo para outros fins. E um laudo subscrito pelo Perito indicado pelos expropriados, junto a fls. 1095-1160 (vol. V), que, classificando os terrenos como solo para outros fins, socorrendo-se nomeadamente do critério constante do artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, avaliou as parcelas expropriadas em €1.750.716,00 (um milhão setecentos e cinquenta mil e setecentos e dezasseis euros).

Notificados, os expropriados apresentaram alegações a fls. 1174-1390 (vol. V), concluindo, em síntese, pela correção dos critérios adotados no relatório pericial de fls. 1095 e segs. e pela justeza da indemnização atribuída pelo valor de € 1.750.716,00.

Em 7 de Outubro de 2017 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto e decidindo, julgo improcedente o recurso interposto pelos expropriados, e, em consequência, fixo a indemnização que deve ser atribuída pela expropriante aos expropriados pela expropriação das PARCELAS 38 e 43 objeto dos autos, no valor de € 370.857,50 (trezentos e setenta mil oitocentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos), com referência à data da declaração de utilidade pública (10-11-2004), e actualizado desde essa data até 13 de março de 2006, sendo actualizado, a partir desta data, o valor correspondente à diferença entre este valor e o valor cujo levantamento foi autorizado, isto é, o montante de €52.169,75 (cinquenta e dois mil cento e sessenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos), de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.

Custas a cargo dos expropriados, na proporção do decaimento.

Registe e notifique.”

Os expropriados apresentaram recurso de apelação.

Foi proferido acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa, datado de 24 de Abril de 2024, que julgou a apelação parcialmente procedente e, alterando a sentença recorrida, fixar o valor da indemnização a pagar pela expropriante/recorrida aos expropriados/recorrentes no montante de € 382 118,75 (trezentos e oitenta e dois mil cento e dezoito euros e setenta e cinco cêntimos), devendo esta indemnização ser actualizada desde a data da DUP (10 de Novembro de 2004) até à notificação do despacho para o levantamento da quantia depositada (13 de Março de 2006), passando a incidir a actualização, daí em diante, sobre a diferença entre aquele valor e o montante já disponibilizado/recebido pelos expropriados (€ 318 687,75) - diferença esta que se cifra em €63 431,00 – até ao trânsito em julgado da decisão final, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.

Vieram os expropriados interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

O Acórdão recorrido viola a autoridade de caso julgado relativamente ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2020 e aos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.06.2018 e de 10.05.2018 (art. 629º, nº 2, a., do CPC) – o critério indemnizatório a aplicar na expropriação de solos para outros fins situados nesta propriedade é o do valor de mercado e o valor de mercado desse tipo de solos à época desta expropriação era de € 18/m2;

O Acórdão recorrido viola o caso julgado formado nos Acórdãos Arbitrais proferidos nesta expropriação quanto à relevância e aplicação in casu do critério indemnizatório do valor de mercado às parcelas expropriadas classificadas como solos para outros fins – art. 629º, nº 2, a), do CPC;

A oposição/contradição de julgados: a decisão estruturante do Acórdão recorrido quanto ao critério indemnizatório a aplicar na expropriação de solos ‘para outros fins’ (no sentido que não deve ser o seu valor de mercado) encontra-se em frontal oposição com o decidido quanto a essa mesma questão no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2020 (a indemnização devida pela expropriação desse tipo de solos deve ser fixada de acordo com o valor de mercado) – art. 629º, nº 2, d, do CPC.

Se assim não se entender, o Acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC (cfr. nº 10 e nºs. 3 a 7 do nosso Requerimento de 14.05.2024).

Nestes termos,

Pelas razões que ficaram expostas e pelas que este Venerando Supremo Tribunal doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o Acórdão recorrido e, por constarem dos autos todos os elementos necessários para o efeito, a justa indemnização devida por esta expropriação ser fixada em€ 18/m2, nos exatostermos decididosnoinvocadoAcórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2020.

Não houve resposta.

II – FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado que:

1. Por despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas n.º 23110-A/2004, de 14 de Outubro de 2004, publicado no Diário da República n.º 264, II Série, de 10 de novembro de 2004, e por delegação do Senhor Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, foi declarada de utilidade pública, com carácter de urgência, a expropriação das parcelas de terreno destinadas à construção do sublanço... - ... (Al) - Trecho ... – IC11 /... da autoestrada AIO constantes do mapa de expropriações e da planta anexos, em que se incluem as parcelas objeto dos presentes autos, designadas 'PARCELA 38' e 'PARCELA 43', com as áreas globais de 96.582 m2 e de 680 m2, respetivamente e a área total de 97.262 m2.

2. A PARCELA 38 referida em 1 é constituída por cinco subparcelas, a saber.

- Subparcela 38.1: com a área de 92.258 m2, a confrontar do Norte com o próprio e Estrada da ..., do Sul com o próprio e EPAL, do Sul com Brisa e do Poente com Estrada Nacional ..., que se subdivide:

- 38.1.1., com a área de 3.310 m2, a confinar do Poente com EN... numa extensão de cerca de 60 metros, estando separada daquela via por um muro em alvenaria de pedra, encontrando-se a área da parcela adjacente à referida via na zona non aedificandi da EN.... À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, era constituída por solos da Classe C/D da capacidade de uso, com boa aptidão para a produção de cereais e/ou pastagem, com uma ligeira inclinação, sendo ocupados a essa data com cultura de trigo;

38.2.2., com a área de 88.948 m2, praticamente plano, constituída por solos da Classe A/B de capacidade de uso, com boa aptidão para a produção de culturas agrícolas de regadio, intercaladas com culturas de cereais e/ou pousio, sendo ocupados à data da vistoria mencionada com cultura de trigo. A área da subparcela adjacente à Al confina com esta via numa extensão de cerca de 290 metros, encontrando-se parte na zona non aedificanldi da indicada via; confinando ainda numa extensão de cerca de 300 metros com a Conduta da EPAL.

- Subparcela 38.2. com a área de 1.550 m2, a confrontar de Norte com caminho público, do Sul com estrada da ..., do Nascente com Brisa, S.A. e do Poente com o próprio; situada em área adjacente à Al e à EM que liga o aglomerado urbano da ... ao ..., encontrando-se nas zonas non aedificandi das indicadas vias, sendo constituída por solos da Classe C/D de capacidade de uso, com boa aptidão para a produção de culturas agrícolas de sequeiro e/ou pastagem, encontrando-se à data da vistoria inculto, coberto de vegetação espontânea e algum entulho;

- Subparcela 38.3, com a área de 1.453 m2, a confrontar do Norte com Estrada da ..., do Sul e Poente com o próprio e de Nascente com subparcela 38.1, situada parcialmente na zona non aedificandi da EM que liga o aglomerado urbano da ... ao ..., sendo constituída por solos da Classe A/B, com boa aptidão para a produção de culturas agrícolas de regadio, intercaladas com culturas de cereais;

- Subparcela 38.4, com a área de 1.064 m2, a confrontar do Norte com subparcela 38.1, do Sul e Poente com o próprio e do Nascente com EPAL e subparcela 38.1, sendo constituída por solos da Classe A/B;

- Subparcela 38.5, com a área de 257 m2, a confrontar do Norte e do Poente com o próprio, do Sul e do Nascente com subparcela 38.1, sendo constituída por solos da Classe A/B.

3. A PARCELA 43 referida em 1 tem a área de 680 m2, destina-se à construção da própria autoestrada, confronta do Norte com conduta da EPAL, do Sul e do Nascente com herdeiros de RR, e do poente com conduta da EPAL.

4. As PARCELAS 38 e 43 são ambas a destacar da parte rústica do prédio misto denominado 'Quinta ...' sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° ...37 da freguesia de ..., a confrontar do Norte com ..., do Sul com Rio ..., do Nascente com OO, PP e QQ e do Poente com PP, Rio ... e Estrada Nacional n.° ....

5. A PARCELA 43 apresenta a forma de um triângulo, é plana, com um declive suave, sendo marginada por serventia que existe sobre a conduta da EPAL e constituída por solos aluviões, de textura franco-argilosa, englobados nas Classes Ah e Bh de capacidade de uso agrícola.

6. À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam a PARCELA 43 apresentava-se cultivada com várias culturas arvenses, como couves, favas, alfaces e grão distribuídas em pequenas leiras que dado o nível de fertilidade dos terrenos e disporem de um lençol freático relativamente próximo da superfície, praticamente não necessitam de rega durante uma parte do ano.

7. À mesma data encontravam-se implantadas na PARCELA 38 quarenta e uma oliveiras grandes/médias, uma oliveira pequena, uma pereira pequena e uma pereira média; dois salgueiros grandes e oito freixos médios.

8. A mesma data e na PARCELA 38 existia um muro de vedação e suporte de terras em alvenaria de pedra, rebocado, em mau estado de conservação, medindo 70 metros de comprimento, 1,90 metro de altura média e 0,45 metro de espessura.

9. Na PARCELA 43 à data da vistoria encontravam-se presentes as seguintes árvores: doze figueiras pequenas, cinco macieiras pequenas, dois pessegueiros pequenos/médios, uma nespereira pequena/média e duas oliveiras médias.

10. As PARCELA 38 e 43 não possuíam infraestruturas urbanísticas.

11. O acesso à PARCELA 38 era feito apenas através do prédio mencionado em 4 e da EM da ..., no caso das subparcelas 38.2 e 38.3.

12. O acesso à PARCELA 43 era feito através da serventia mencionada em 5 sobre a conduta da EPAL (aqueduto do ...) com a Estrada da ... que dista cerca de 100 a 120 metros da parcela, sendo pavimentada e dispondo esta última de algumas infraestruturas urbanísticas.

13. A expropriação da PARCELA 38 gera uma parcela sobrante que fica separada do prédio onde se situa o assento de lavoura e outras construções, confrontando do Norte com as subparcelas 38.1 e 38.4, do Nascente com EPAL e do Poente com EN....

14. As PARCELAS 38 e 43 encontravam-se, à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam integradas, segundo o PDM de ..., em "Classe de Espaços Agrícolas" incluídos na Reserva Agrícola Nacional (RAN) e na Reserva Ecológica Nacional (REN).

15. As construções habitacionais e outras existentes no prédio em que se integram as parcelas eram servidas por uma via asfaltada a partir da ..., dispondo prédio de energia elétrica em baixa tensão, abastecimento domiciliário de água ligado à rede geral, de telefone e de iluminação pública.

16. A via pública que confrontava com as principais construções do mesmo prédio a expropriar dispunha de todas as infraestruturas urbanísticas.

17. A parte edificada do prédio referido em 4 encontra-se integrada no limite do aglomerado urbano do ...; porém, as parcelas expropriadas encontram-se fora de tal limite.

18. As parcelas 38 e 43 expropriadas localizam-se, respetivamente:

Parcela 43 a 250 metros da ...;

A cerca de 200 e 150 metros da empresa P...;

A cerca de 70/80 e 120 metros da ... (classificada como núcleo urbano Tipo B pelo PDM de ... e servida por todas as infraestruturas urbanísticas);

A 50 e 500 metros de moradias existentes na Quinta ..., com algumas estruturas urbanísticas e servidas por estrada em terra batida;

A parcela 43 a 550 metros da Estrada Nacional n.° ...;

A 300 metros de edifícios e infraestruturas industriais à superfície implantadas, no prédio em que se integra, pela T..., S.A.;

A cerca de 200 e 600 metros da ..., classificada como Núcleo Urbano Classe A pelo PDM de ...e servida por todas as infraestruturas urbanísticas;

A cerca de 700 e 600 metros da Central Termoeléctrica e de Ciclo combinado do ...;

A cerca de 1000 e 800 metros de projetos executados pela REN em terrenos do prédio em que se integra e adquiridos pela mesma REN.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

1 – Alegada ofensa à autoridade de caso julgado que legitimaria e interposição da revista extraordinária, nos termos do artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

2 – Alegada violação do caso julgado que legitimaria e interposição desta revista extraordinária (artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil).

3 – Admissibilidade do recurso revista com fundamento em contradição de julgados (artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil).

4 – Alegada nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

5 – Do valor indemnizatório a fixar em favor dos expropriados por referência às concretas parcelas de terreno expropriadas. Qualificação de solos para outros fins e aplicação ao caso do disposto nos artigos 23º e 26º do Código das Expropriações. Critérios legais relevantes e prevalecentes. Não conhecimento pelo Tribunal da Relação de Lisboa da impugnação de facto apresentada pelos recorrentes e do conformismo destes (por omissão) no âmbito do presente recurso de revista. Consequências.

6 – Invocadas inconstitucionalidades.

Passemos à sua análise:

1 – Alegada ofensa à autoridade de caso julgado que legitimaria e interposição da revista extraordinária, nos termos do artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

A autoridade do caso julgado destina-se a assegurar a vinculação dos órgãos jurisdicionais, bem como dos particulares, aos efeitos de uma decisão judicial anterior, transitada em julgado, não permitindo a reapreciação de questão já anteriormente decidida de forma definitiva e que desse modo não deverá ser contrariada, sob a pena de colisão e incompatibilidade lógica entre julgados.

(Como refere Rui Pinto in “Excepção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, publicado in Revista Julgar Online, Novembro de 2018, a páginas 33 a 36:

“A autoridade do caso julgado destina-se a evitar a prolação de decisões posteriores que sejam juridicamente incompatíveis com a primeira.

Este escopo assenta em duas ordens de razão.

A primeira razão é a de que a decisão judicial transitada em julgado que seja de procedência constitui um título jurídico (ou fonte) de efeitos jurídicos recognitivos ou constitutivos finais nas esferas das partes (…).

(…) A segunda razão para a existência da autoridade do caso julgado é estritamente processual e não passa de uma consequência da primeira.

Lembremos que o efeito negativo e o efeito positivo da excepção do caso julgado e autoridade do caso julgado são duas faces da especial qualidade da decisão transitada em julgado, nos termos do artigo 628º: a “força obrigatória” da decisão judicial dentro do processo (artigo 620º) e fora dele, quando julgue de mérito (artigo 619º)”).

Referem, a este propósito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Almedina, Fevereiro de 2019, 4ª edição, a páginas 599 a 600:

“(…) a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida, ou o fundamento da primeira decisão, excepcionalmente abrangido pelo caso julgado, é também questão prejudicial na segunda acção”

Exige-se, portanto, para a verificação da autoridade de caso julgado a demonstração de um nexo de prejudicialidade entre as duas decisões judiciais em causa, o que sucede quando os fundamentos essenciais e decisivos da primeira constituem necessariamente pressupostos lógicos e incontornáveis da segunda.

Conforme salientam João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa in “Manual de Processo Civil”, Volume I, AAFDL Editora, 2022, a página 641:

“O efeito positivo (do caso julgado) vincula o tribunal da acção posterior a aceitar a questão prejudicial decidida numa acção anterior e opera através da autoridade de caso julgado. Se se propuser a questão como fundamento (e não como objecto) do pedido, o juiz tem de decidir a questão nos termos do caso julgado estabelecido”.

(Sobre a figura da autoridade do caso julgado vide, entre outros:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 2024 (relator Jorge Leal), proferido no processo nº 2542/23.0T8LRA.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

“ O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.

A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas.

A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a exceção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica (…).

(…) A autoridade do caso julgado abrange as questões que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado)”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2024 (relatora Paula Leal de Carvalho), proferido no processo nº 189/22.8TSVLC P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se refere:

“De forma sintética, quanto ao caso julgado e autoridade do caso julgado, como é sabido, visam, essencialmente, “obstar à contradição prática” entre duas decisões – “decisões contraditórias concretamente incompatíveis” –, ou seja, que o tribunal decida de modo diverso sobre o direito ou questão concreta já definida por decisão anterior, evitando colocar o tribunal na situação de se contradizer, com a consequente impossibilidade de cumprimento de duas decisões contraditórias (ou de reafirmar o que já havia sido decidido), princípio esse que, como é assinalado pela doutrina e jurisprudência, se desenvolve numa dupla vertente: uma vertente negativa (exceção do caso julgado) e uma vertente positiva (autoridade do caso julgado).

(…) O caso julgado e a sua autoridade, atenta a teoria da substanciação, deve ser aferida em função não apenas da concreta pretensão formulada, mas em função também da causa de pedir, que a delimita.

(…) Como vem sendo entendido, deve recorrer-se à parte motivadora da sentença quando tal se mostre necessário para reconstruir e fixar o real conteúdo da decisão, isto é, para interpretar e determinar o verdadeiro sentido e o exato conteúdo da sentença em causa”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2024 (relator Leonel Serôdio), proferido no processo nº 409/15.5T8AMT.P3.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salienta que:

“A autoridade do caso julgado manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada, quando o objeto da decisão proferida em ação anterior se inscreva, como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior, entre as mesmas partes”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2024 (relator Henrique Antunes), proferido no processo nº 12524/18.9T8LSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se refere:

“A autoridade do caso julgado prescinde da identidade dos elementos objectivos da instância, que é substituída pela relação de prejudicialidade entre objectos processuais, que, porém, só se verifica quando a apreciação de um objecto – o prejudicial – constitui o pressuposto do julgamento de um outro – o dependente.

Não se verifica a ofensa do caso julgado nem da sua autoridade se entre a decisão transitada e a decisão subsequente não ocorre a identidade dos elementos objectivos e subjectivos da instância nem uma relação de prejudicialidade entre os objectos de uma e de outra acção, respectivamente”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2024 (relatora Isabel Salgado), proferido no processo nº 497/19.5BEPNF.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

“A autoridade de caso julgado, formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obsta a que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 581º do Código de Processo Civil.

Não se prescindindo embora da identidade subjetiva, admite-se que possa não confluir a denominada “tríplice identidade”, desde que se manifeste uma relação de prejudicialidade entre as mesmas”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2024 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 1736/20.5T8VCD-A.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatiza:

“O que fundamenta a especial protecção da força e autoridade de uma decisão transitada, para além do prestígio dos tribunais, é a certeza e segurança na definição dos direitos sobre os quais incide.

O relevo deste valor explica os mecanismos que a lei processual prevê para a sua defesa.

A vinculação a uma decisão transitada em julgado exige que os titulares de relações juridicamente afectáveis tenham tido a oportunidade de nela influir: é este o fundamento do princípio do contraditório, princípio fundamental do processo, e que justifica a oponibilidade relativa do caso julgado.

O princípio do contraditório exige que a oponibilidade da força e autoridade do caso julgado pressuponha a identidade de sujeitos”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2024 (relatora Fátima Gomes), proferido no processo nº 820/21.2T8TVD-A.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, que refere:

“Não se verifica violação da autoridade de caso julgado quando entre duas acções, o Tribunal que decidirá em segundo lugar, não se veja confrontado com a possibilidade de reproduzir ou contrariar a decisão judicial primeiramente proferida”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2023 (relator Leonel Serôdio), proferido no processo nº 2415/20.9T8OER-C.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se refere:

“A autoridade do caso julgado, implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, manifestando-se o caso julgado material no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2024 (relator Fernando Baptista), proferido no processo nº 3042/21.9T8PRT.S2, publicado in www.dgsi.pt, onde ficou escrito que:

“A figura da autoridade do caso julgado apenas prescinde da identidade objectiva (identidade atinente aos pedidos e causas de pedir entre as duas causas), não abdicando, todavia, para fazer operar o seu efeito de vinculação do tribunal posterior à decisão proferida pelo tribunal anterior, da identidade subjectiva entre as duas causas”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2024 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 5765/03.5TVLSB-A.L2.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

“O efeito positivo da “autoridade de caso julgado” privilegia o sentido de uma primeira decisão judicial transitada em face de decisões sobre objectos processuais conexos (prejudiciais ou em concurso) entre si; nas decisões sobre o mérito da causa o efeito positivo é material, configurando-se processualmente como uma excepção peremptória impeditiva, subsumível no conceito previsto no art. 576º, 3, beneficiando do regime do art. 579º, do CPC (efeito vinculativo à não repetição e à não contradição da decisão anterior em processo subsequente com diverso objecto: art. 580º, 2, CPC).

É aceite que o efeito positivo desse caso julgado material abrange a decisão judicial anteriormente proferida e transitada, assim como os pressupostos que a antecedem e motivam, de forma que a impositividade vinculada se alargue ao silogismo considerado no conjunto dos fundamentos com a própria decisão que é o resultado da mobilização de tais fundamentos; ainda por aplicação do art. 621º, 1.ª parte («nos precisos limites e termos em que julga»), do CPC se chega ao conceito de antecedente lógico indispensável à parte dispositiva da decisão.

A verificação desse conjunto silogístico tem de ser cuidadosa, sob pena de darmos como decidido e vinculativo algo que transcende essa conexão objectiva entre pressuposto e objecto da decisão (nomeadamente quando pretendemos autonomizar factos da decisão de que são pressuposto). Teremos até que acertar essa extensão aos fundamentos e pressupostos com laivos de excepcionalidade, em particular no que concerne aos fundamentos de facto (admitindo-se mesmo a exclusão da decisão de facto da prejudicialidade que o caso julgado mobiliza, sendo constitutiva apenas de caso julgado formal)”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2023 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo nº 142/15.8T8CBC-C.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salientou que:

“Relativamente à autoridade do caso julgado exige-se, igualmente, que o caso decidido anteriormente seja prejudicial relativamente ao caso que vai ser julgado e bem assim que se mostre ínsito, ainda que parcialmente, no objeto do processo que vai ser decidido”.

Analisando agora o caso concreto:

Sustentam (sucessivamente) os expropriados recorrentes a verificação da autoridade do caso julgado com fundamento no decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2020 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo 1240/05.1TBALQ.L2.S1; bem como no teor do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Junho de 2018, proferido no processo nº 1231/05.2TBALQ.L1; e ainda no conteúdo decisório do acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Maio de 2018, proferido no processo nº 1242/05.8TBALQ.L2.

Justificam, a este propósito, que “nesses três acórdãos decidiu-se que a indemnização devida pela expropriação de quatro parcelas desta mesma propriedade, classificadas como solos para outros fins, deve ser fixada de acordo com o seu valor de mercado e que esse valor de mercado é de € 18/m2”.

Vejamos:

1 - O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2020 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo 1240/05.1TBALQ.L2.S1.

Neste processo de expropriação estava em causa a parcela 1, com a área global de 13.522 m2, destinada à construção do sublanço A1-Benavente da Auto-Estrada A10, sendo a parcela a destacar do prédio misto “Quinta ...”, sito no lugar do ....

À data da vistoria, encontravam-se plantadas na parcela oito oliveiras médias e existia uma vedação com 120 (cento e vinte) metros de comprimento.

De acordo com o PDM de ..., à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, a parcela estava localizada em espaços ou áreas integrantes da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional e não era permitida, segundo o mesmo PDM, a urbanização da parcela.

Na sentença fora fixado o valor da indemnização em € 53.912,50.

Recorreram os expropriados para o Tribunal da Relação que julgou improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.

Os expropriados interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em oposição de julgados, invocando como acórdão fundamento o que fora proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Junho de 2018, e invocando igualmente a autoridade de caso julgado formada por esse mesmo acórdão.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2020 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo 1240/05.1TBALQ.L2.S1., foi essencialmente decidido:

1 – Encontrar-se preenchido o requisito legal previsto no artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil, verificando oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento apresentado, o que assegurou, desde logo, o conhecimento do mérito da revista (extraordinária), não obstante a existência de dupla conforme nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.

2 – Encontrar-se prejudicada a apreciação do caso julgado – e em concreto a autoridade do caso julgado (o que só pode, em termos lógicos e práticos, significar, implicitamente, que a autoridade de caso julgado não ocorria na situação sub judice uma vez que, a existir, não haveria então sequer que conhecer do mérito do recurso de revista como concretamente aconteceu. O caso julgado constituído em decisão judicial anterior impor-se-ia imperativamente).

3 – Apreciando o fundo causa, fixar montante indemnizatório devido pela expropriação da parcela de terreno em causa em “€ 18,00 m2”, atendendo a que, enquadrando-se a parcela de terreno enquadra-se no “solo apto para outros fins”, e ao critério legal estatuído no artigo 27º, nº 3, do Código das Expropriações, o valor indemnizatório a fixar deve também corresponder ao valor e corrente numa situação normal de mercado, nos termos do artigo 23º, nº 5, do Código das Expropriações, havendo pois que ser considerado o valor pelo qual os mesmos venderam em 2002 à Rede Eléctrica Nacional, S.A., uma parcela do mesmo (€ 18 m2), que é o devido.

Concluiu, portanto, que o proprietário do terreno expropriado deveria receber como indemnização um valor por metro quadrado igual ao que será obtido pelo proprietário do prédio contíguo ou vizinho não expropriado, se este resolver vendê-lo, desde que sejam idênticas as características naturais de ambos os terrenos.

2 – O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Junho de 2018 (relatora Catarina Manso), proferido no processo nº 1231/05.2TBALQ.L1.

Neste processo de expropriação estava em causa a parcela 39, com a área global de 62.603 m2, destinada à construção do sublanço ... - ... (A1), sendo a parcela a destacar do prédio misto denominado “Quinta ...”, sito no lugar do ....

À data da vistoria, encontravam-se plantadas na parcela oito oliveiras médias e existia uma vedação com 120 (cento e vinte) metros de comprimento.

De acordo com o PDM de ..., à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, a parcela estava localizada em espaços ou áreas integrantes da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional e não era permitida, segundo o mesmo PDM, a urbanização da parcela.

Na sentença fora fixado o valor da indemnização em € 273.812,38.

Recorreram os expropriados para o Tribunal da Relação invocando que os árbitros não ponderaram a capacidade edificativa da parcela.

O Tribunal da Relação decidiu essencialmente:

1 – Reconhecer que as parcelas em causa não podem ser classificadas como solo apto para a construção, devendo considerar-se como solo apto para outros fins, nos termos do artigo 25º, nº 3, do CE.

2 – Considerar que a discussão se centrava na possibilidade de aplicação analógica do nº 12 do artigo 26º do CE aos casos de terrenos expropriados e que estavam integrados em RAN, concluindo-se, todavia, no sentido negativo.

3 – Recusar a tomada em consideração, para efeitos de fixação indemnizatória, de qualquer aptidão construtiva.

4 – Acabando por concluir que: “se a REN pagou por um preço para fins semelhantes aos da Brisa não seria justo nem equitativo que o preço a pagar (aos expropriados) não fosse igual, uma vez que estamos perante terrenos com as mesmas características e dos mesmos proprietários”.

5 – Mais se acrescentou: “Ficcionando uma venda seguramente que os expropriados não venderiam pelo valor encontrado pelos peritos do tribunal e da expropriante, após terem vendido por um preço bem superior à REN parte da quinta que estava junto destes terrenos e com as mesmas condicionantes, abrangidos pela REN e RAN, em data anterior (em 2002)”.

6 – Pelo que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente a apelação, tendo por referência o valor mais baixo do que se encontra provado quanto às vendas dos terrenos em referência.

3 – O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Maio de 2018 (relator Eduardo Petersen Silva), proferido no processo nº 1242/05.8TBALQ.L2.

Neste processo de expropriação estava em causa a parcela 40, com a área global de 17.065 m2, destinada à construção do sublanço ... - ... (A1) – Trecho... – IC11/... da Auto-Estrada A10, sendo a parcela a destacar do prédio misto denominado “Quinta ..., sito no lugar do ....

De acordo com o PDM de ..., à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, a parcela estava localizada em espaços ou áreas integrantes da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional e não era permitida, segundo o mesmo PDM, a urbanização da parcela.

Na sentença fora fixado o valor da indemnização em € 64.073,75.

Recorreram os expropriados para o Tribunal da Relação de Lisboa.

O Tribunal da Relação decidiu essencialmente:

1 – Apreciar longamente a impugnação de facto que fora apresentada pelos expropriados, tendo determinado o aditamento de nova (no sentido de não incluída nem ponderada na sentença recorrida) e diversa factualidade alegada pelos expropriados.

2 – Reconhecer que as parcelas em causa não podem ser classificadas como solo apto para a construção, devendo considerar-se como apto para outros fins, nos termos do artigo 25º, nº 3, do CE, não lhe sendo aplicável o critério estabelecido no artigo 26º, mas antes o critério legal previsto no artigo 27º do mesmo diploma legal.

3 – Entender que as expectativas relacionadas com o valor de mercado não se confundem necessariamente com a expectativa de valorização do solo mediante construção.

4 – Face às profundas alterações na decisão de facto a que procedeu, considerar que existem elementos que permitem apontar para a comparação, em termos de valores de mercado, para solos equiparáveis.

5 – Atender, por isso mesmo, ao valor de quatro transacções descritas e demonstradas no processo que haviam sido realizadas com a Rede Eléctrica Nacional, S.A., em 2002, tendo por objecto áreas que se situam nas proximidades da parcela expropriada, encontrando-se ambos os solos integrados na RAN (com exclusão do segundo porque não procede directamente duma transacção).

6 – Julgar procedente a apelação, tendo por referência o valor indicado pelo perito minoritário (€ 18,00/m2), relativo às mencionadas quatro transacções de parcelas situadas em zonas envolventes e próximas da parcela expropriada.

Apreciando:

Afigura-se-nos que, analisado cuidadosamente o teor das decisões judiciais mencionadas, não se constituiu na situação sub judice autoridade de caso julgado que vinculasse o acórdão recorrido a pronunciar-se em sentido oposto àquele pelo qual concretamente enveredou.

Ou seja, não competia aos julgadores do Tribunal da Relação, em termos vinculativos, por força da autoridade de caso julgado, observar obrigatoriamente os fundamentos e o sentido decisório perfilhados nesses outros arestos.

Com efeito, as decisões judiciais apontadas têm subjacente a análise de situações de facto diversas (ainda que possam detectar-se alguns factores de relativa equiparação ou mesmo conexão), versando parcelas de terreno diferentes, as quais, embora comunguem de afinidades com parcelas contíguas ou vizinhas, foram apreciadas judicialmente de forma perfeitamente autónoma, não implicando portanto que o acórdão recorrido tivesse forçosamente de considerar a fundamentação essencial aí expendida, nem muito menos que adoptar a conclusão final e decisiva a que aquelas deram cobertura.

Neste sentido, o que se afirmou como fundamento essencial e definidor do percurso intelectual da decisão em cada um desses arestos indicados pelos expropriados/recorrentes não constitui pressuposto lógico antecedente e necessário relativamente à questão jurídica que é ora colocada à discussão.

A temática principal versada na revista – quantificação do valor indemnizatório tendo por referência actos negociais (contratos de compra e venda) que incidiram sobre parcelas vizinhas – constitui objecto autónomo de análise jurisdicional e não tem propriamente o seu fundamento em qualquer tipo de antecedente lógico necessário imposto pelos restantes acórdãos referenciados pelos recorrentes.

Do que se trata basicamente é da definição, livre e diferentemente fundamentada, do quantum indemnizatório devido em virtude da expropriação levada a cabo quanto a parcelas diversas que foram objecto de casuística apreciação noutros processo de expropriação.

(No mesmo sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2022 (relator Freitas Neto), proferido no processo nº 4406/11.1TBVFX.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt., onde se refere:

“Na verdade, perante parcelas perfeitamente distintas, ainda que pertencentes ao mesmo prédio, e mesmo sendo uma delas contígua à expropriada nos presentes autos, há que considerar que, nos presentes autos, o quadro decisório contempla factos essenciais diferenciados, sem qualquer concurso ou intersecção entre decisões proferidas e a proferir relativamente à indemnização devida pela expropriação de outras parcelas. O que, como é evidente, nada tem que ver o paralelismo ou mesmo coincidência dos elementos de facto e de direito que num e noutro processo condicionam o cálculo da indemnização.

Não ocorre, portanto, qualquer efeito de autoridade de caso julgado material formado a partir do acórdão supramencionado. Em função disso, não foi cometida pelo acórdão recorrido a imputada ofensa do caso julgado, pelo que não é admitida a revista dos Expropriados com esse fundamento”.).

Estamos, em suma, perante diferentes e livres abordagens jurídicas dependentes das particularidades singulares e irrepetíveis de cada caso e que não são vinculativas entre si, não obstante poderem assumir contornos de uma verdadeira contradição de julgados (porque interpretam o critério legal aplicável de forma antagónica e conflituante), nos termos e para os efeitos do artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

De resto, e como se salientou supra, o próprio acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2020 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo 1240/05.1TBALQ.L2.S1, apresentado pelos expropriados recorrentes como acórdão fundamento, não considerou a sua vinculação à autoridade de caso julgado alegadamente adveniente da antecedente jurisprudência concernentes a outras parcelas expropriadas que se situavam no mesmo espaço físico envolvente em que se inseria aquela que foi objecto da sua própria decisão jurisdicional (antes a tendo refutado implicitamente).

Pelo que não se verifica a invocada autoridade de caso julgado, improcedendo a revista neste particular.

2 – Alegada violação do caso julgado que legitimaria e interposição desta revista extraordinária (artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil).

Invocaram, a este propósito, os expropriados:

O acórdão recorrido viola o caso julgado formado nos Acórdãos Arbitrais proferidos nesta expropriação quanto à relevância e aplicação in casu do critério indemnizatório do valor de mercado às parcelas expropriadas classificadas como solos para outros fins – art. 629º, nº 2, a), do CPC.

No seu dizer: “ao ter decidido que a justa indemnização devida pelas parcelas aqui expropriadas, por serem classificadas como solos “para outros fins”, não pode ser calculada de acordo com o critério do valor de mercado, o acórdão recorrido violou também o caso julgado que se formou no processo pela referida decisão proferida nos acórdãos arbitrais”.

Apreciando:

Não assiste razão aos recorrentes.

No acórdão arbitral de 22 de Junho de 2005 foi escrito relativamente à parcela 43:

“No entanto, considera-se que este valor deverá ser majorado de forma a reflectir outros factores valorativos que neste caso concreto influenciam o valor de mercado, designadamente a proximidade de um núcleo urbano importante

O valor unitário do terreno será assim fixado em 3.75 m2”.

No acórdão arbitral de 22 de Junho de 2005 foi escrito relativamente à parcela 38:

“No entanto, considera-se que este valor deverá ser majorado de forma a reflectir outros factores valorativos que neste caso concreto influenciam o valor de mercado, designadamente a proximidade de um núcleo urbano importante

Ponderado este aspecto, entenderam os árbitros afectar o valor do rendimento de um factor de valorização de 1,2.”.

Ou seja, a majoração referida nos acórdãos arbitrais foi concretamente realizada pelos árbitros,

O acórdão recorrido não colocou em crise a majoração realizada nos acórdãos arbitrais em referência, pelo que não faz sentido vislumbrar a este propósito qualquer violação de caso julgado que, manifestamente, inexiste.

De resto, em parte alguma dos acórdãos arbitrais foi assumido ou decidido que o critério legal para a quantificação da indemnização pela presente expropriação deveria tomar (obrigatoriamente) em consideração os actos negociais que fossem, ou tivessem sido, realizados relativamente a parcelas integradas no mesmo espaço envolvente e em período temporal próximo (sendo exclusivamente esta a questão que ora se discute no âmbito da presente revista).

O que se verifica é que os expropriados visam no seu recurso retirar do teor dos acórdãos arbitrais um segmento concreto que os mesmos não contemplam: a necessidade de ter como especial e decisiva referência no cálculo da indemnização em apreço o conteúdo de actos negociais respeitantes a parcelas contíguas ou vizinhas.

Dir-se-á, ainda, a este propósito (e complementarmente) que, como se frisou assertivamente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2018 (relator Henrique Araújo), proferido no processo nº 203/13.8TBTMC.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt:

“(…) impugnada a decisão arbitral, não constituem caso julgado os valores que lhe serviram de fundamento (v.g. valores da produtividade média, encargos com a produção, preço líquido dos frutos que se poderão vir a produzir, taxa de capitalização, etc.) por não consubstanciarem questões autónomas, sendo antes simples critérios práticos que se interligam com outros e que, conjugadamente considerados, permitem apurar o valor indemnizatório. Se assim não fosse, tais valores impor-se-iam, por força do caso julgado, aos peritos encarregados da avaliação, o que se nos afigura completamente insustentável”.

Precisamente no mesmo sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2017 (relator Lopes do Rego), proferido no processo nº 56/13.6TBTMC.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

“Considera-se que não procede a tese sustentada pelo recorrente, pela circunstância de – como nota o despacho reclamado- nunca pode constituir caso julgado a decisão tomada pelo tribunal acerca de factos meramente instrumentais, com relevo exclusivamente probatório para aferir das pretensões da parte.

Na verdade, o juízo emitido atomisticamente acerca de tais factos ou critérios práticos e puramente instrumentais para medir a utilidade económica de uma exploração agrícola não podem sequer considerar-se como questões preliminares que sejam antecedente lógico jurídico indispensável à parte dispositiva da sentença – pelo que, mesmo na discutível tese ampliativa acerca dos limites objectivos do caso julgado, seriam insusceptíveis de integrar a força vinculativa desse instituto.

Não pode, pois, ao contrário do sustentado pelo reclamante, transitar em julgado o parâmetro preço da azeitona, encarado como mero facto instrumental, critério prático e empírico para avaliar as utilidades extraíveis do prédio expropriado – não constituindo tal decisão factual a dirimição de uma questão que, de um ponto de vista normativo, possa sequer constituir antecedente lógico jurídico da parte dispositiva da sentença”.

Sobre este mesmo tema vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2010 (relator Hélder Roque), proferido no processo nº 4210/06.9TBGMR.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

“O caso julgado que se forma sobre a decisão arbitral, transitada, apenas, contende com o montante da indemnização fixada e não já quanto à qualificação que os árbitros tenham efectuado sobre o terreno expropriado, sendo certo que a motivação só pode ser considerada quando se torne necessário reconstruir e fixar o seu verdadeiro conteúdo, o sentido e alcance da referida decisão, não abrangendo os respectivos factos instrumentais.

(…) Na verdade, as determinantes da avaliação e da ocupação do terreno expropriado representam factos instrumentais indispensáveis à fixação do montante indemnizatório, não podendo constituir um compartimento estanque da parte dispositiva da decisão, propriamente dita, sob pena de, sendo a mesma impugnada, surgir desligada de qualquer corpo de sustentação susceptível de, através da sua reapreciação, constituir um idóneo da sua afirmação.

É esta a posição que mais se ajusta à natureza mista de recurso-acção que se reconhece à fase jurisdicional, que se inicia com o recurso do acórdão arbitral, como já se referiu.

Como assim, a decisão arbitral que incida sobre a classificação do solo expropriado não tem força obrigatória de caso julgado formal, razão pela qual o que é susceptível de transitar ou não em julgado é o acórdão arbitral que fixa o montante global devido.

Assim sendo, considerando que a decisão arbitral funciona como uma sentença proferida em Tribunal de 1ª instância, pois que de um Tribunal Arbitral Necessário se trata, por força do estipulado pelo artigo 1525º e seguintes, do CPC, interposto recurso da mesma, não se forma caso julgado sobre a relação jurídico-expropriativa que teve por objecto, quer quanto ao montante indemnizatório final, quer quanto aos concretos critérios em que se fundou a sua fixação e que foram objecto de impugnação”

Ainda sobre a inexistência de caso julgado respeitantes aos critérios utilizados no acórdão arbitral que foi objecto de impugnação, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 2012 (relator Salazar Casanova), proferido no processo nº 1333/06.8TBFGL.G2.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salienta que:

No caso de recurso interposto por expropriado que sustente a atribuição de uma indemnização de montante superior à fixada na decisão arbitral, designadamente pela perda de rendimento, os critérios de avaliação que a decisão arbitral tomou em consideração e que, no conjunto, estiveram na base do montante fixado, estão todos sujeitos a reponderação judicial tendo em vista determinar se a justa indemnização é aquela que foi fixada na decisão arbitral ou aquela que os expropriados consideram ser a devida.

(…) Assim, ainda que, relativamente a algum ponto parcelar, o expropriado não tenha suscitado objeção relativamente ao que foi considerado na decisão arbitral, o Tribunal pode considerá-lo de modo diverso, não se devendo entender haver aqui caso julgado, pois a indemnização a atribuir, agora no plano do recurso interposto da decisão arbitral, não pode deixar de tomar em linha de conta, para ser uma justa indemnização (art. 23.º do CExp de 1999), o correto valor a atribuir a cada um dos elementos que se considera concorrerem para a fixação da indemnização por expropriação sem o que estaria posto em causa a reponderação do critério de avaliação e, consequentemente, a possibilidade de fixação de justa indemnização (art. 62.º, n.º 2, da CRP e art.23.º, n.º 1, do CExp de 1999)”

Improcede, assim, a completamente injustificada arguição de violação de caso julgado apresentada pelos expropriados/recorrentes.

3 – Admissibilidade do recurso revista com fundamento em contradição de julgados (artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil).

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2022 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo 1240/05.1TBALQ.L2.S1, apresentado como acórdão fundamento nos termos e para os efeitos do artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil, fixou montante indemnizatório devido pela expropriação da parcela de terreno em causa em “€ 18,00 m2”, com base nos seguintes fundamentos essenciais;

1º - A parcela de terreno enquadra-se no “solo apto para outros fins”, atendendo ao critério legal estatuído no artigo 27º, nº 3, do Código das Expropriações.

2º - O valor indemnizatório a fixar deve também corresponder ao valor e corrente numa situação normal de mercado, nos termos do artigo 23º, nº 5, do Código das Expropriações.

3º - Na indemnização devida aos expropriados deve ser considerado o valor pelo qual os mesmos venderam em 2002 à Rede Eléctrica Nacional, S.A., uma parcela do mesmo.

4º - A indemnização devida aos expropriados pela expropriação dessa parcela deve corresponder ao valor de mercado de terrenos situados nesta zona integrada na RAN e na REN e que esse valor é de € 18 m2, que é o devido.

5º - O proprietário do terreno expropriado deve receber como indemnização um valor por metro quadrado igual ao que será obtido pelo proprietário do prédio contíguo ou vizinho não expropriado, se este resolver vendê-lo, desde que sejam idênticas as características naturais de ambos os terrenos.

Por seu turno, o acórdão recorrido fundou o seu veredicto com base nos seguintes fundamentos essenciais:

1º - As parcelas expropriadas (nºs 38 e 43) estão classificadas em sede do PDM de ... em “espaços agrícolas integrados na Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional”.

2º - Assim sendo, é-lhe aplicável o disposto no artigo 27º do Código das Expropriações, onde se refere:

“O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica”.

Estabelecendo o nº 3, como critério supletivo: “Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo.”

3º - Não é de atender ao laudo minoritário do perito indicado pelos expropriados, pois que o critério de mercado aí indicado apenas seria de aplicar nos termos do artigo 26º, ou seja, caso as parcelas expropriadas pudessem ser classificadas como solos aptos para construção, o que, como vimos, não se verifica.

4º - Não há que atender, portanto, aos valores de mercado que se praticam para terrenos, situados na zona, com as mesmas características e situação urbanística das parcelas expropriadas, pelo que carecem de relevo para a decisão as escrituras de compra e venda de terrenos na envolvente das parcelas, juntas aos autos pelos expropriados.

Vejamos:

Conforme se sintetizou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2018 (relator Henrique Araújo), proferido no processo nº 203/13.8TBTMC.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt:

“A contradição de julgados que releva como condição da admissibilidade do recurso de revista pressupõe, portanto, pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito (interpretada de modo diverso), mas implica que a mesma se reporte a um núcleo factual idêntico ou coincidente”.

No mesmo sentido, referiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2010 (relator Hélder Roque), proferido no processo nº 4210/06.9TBGMR.S1, publicado in www.dgsi.pt:

“A oposição de acórdãos relativa à mesma questão fundamental de direito, ocorre quando, num e noutro, a mesma disposição legal for objecto de interpretação ou aplicação oposta, independentemente de, para o efeito da verificação da oposição, os casos concretos decididos, em ambos os acórdãos, apresentarem contornos e particularidades diferentes, não sendo suficiente uma contradição entre os fundamentos, com ressalva da situação em que estes condicionem, de forma decisiva e determinante, a decisão proferida num e noutro acórdão”.

Podemos, portanto, considerar que existirá contradição de julgados quando as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, de modo a proporcionar a aplicação, em cada um deles, do mesmo regime legal em termos directamente conflituantes, com soluções de direito opostas e inconciliáveis que assim se contradizem, o que significaria, na prática, que aplicada a posição adoptada no acórdão fundamento (sobre o ponto em conflito) ao acórdão recorrido o veredicto deste seria forçosamente diverso e favorável aos interesses do recorrente.

Ora, in casu, a contradição de julgados quanto ao critério legal e abstracto que deverá adoptar-se na fixação do quantum indemnizatório, tratando-se todas as parcelas em causa de solos (qualificados) para outros fins e situando-se estes no mesmo espaço físico envolvente, afigura-se-nos real e insofismável.

(De resto, já o próprio acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2022 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo 1240/05.1TBALQ.L2.S1, conheceu do mérito da revista após haver previamente reconhecido, quanto a este mesmo ponto, a verificação da oposição de julgados prevista na alínea d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil em situação similar à presente).

O acórdão recorrido considerou que na fixação do valor indemnizatório no processo de expropriação, sendo o imóvel expropriado classificado como “solo para outros fins” e demonstrada a sua vocação agrícola à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, não há que atender ao seu valor de mercado por referência aos preços de aquisição constantes de negócios de compra de venda de parcelas vizinhas, firmados entre os mesmos expropriados e terceiras entidades.

No acórdão fundamento, em igualdade de circunstâncias e assumindo posição absolutamente diferente, foi considerado dever atender-se directamente aos preços constantes de negócios de aquisição de outros imóveis vizinhos, enquanto expressão dos ditos valores correntes de mercado, atendendo prevalentemente ao preço consagrado em negócios de compra e venda que os expropriados concretizaram com terceiros relativamente a parcelas contíguas, erigindo-o, sem mais, num critério legal relevante e primordial para a fixação do quantum indemnizatório em causa.

De resto, o acórdão fundamento seguiu fielmente o critério enunciado não fixando sequer o valor indemnizatório global apurado, remetendo antes para o simples cálculo aritmético resultante do preço de € 18,00/m2 que constava a título de preço numa escritura de compra e venda de uma parcela contígua.

Pelo que a revista será admissível, enquanto revista extraordinária, ao abrigo do disposto no artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

(Admitindo a revista extraordinária nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil em situação similar à presente, vide ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2019 (relator Jorge Dias), proferido no processo nº 1228/05.2TBALQ.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt.).

4 – Alegada nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

Invocam os recorrentes que o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia de acordo com o que foi por eles exposto no seu requerimento de 14 Maio de 2024.

Nesse requerimento referem os recorrentes que existiu uma decisão surpresa quanto ao critério indemnizatório a adoptar na avaliação das parcelas, não se tratando de uma questão discutida pelas partes no processo.

Concretamente aludem a que a consideração de que “a indemnização devida pela expropriação dos solos “para outros fins” não deve ser calculada de acordo com o valor de mercado do solo expropriado, não devendo assim atender-se para o efeito aos valores de mercado que se praticam na zona para terrenos com as mesmas características e situação urbanística do que foi expropriado” já não era uma questão discutida/controvertida no processo, já tendo sido aceito pelo expropriante, pelos expropriados e nos acórdãos arbitrais.

Daí a surpresa com a decisão do acórdão recorrido ao não ter em conta o valor corrente de mercado nos termos em que os expropriados o definem.

Apreciando:

É evidente que não assiste nenhuma razão aos arguentes.

O acórdão recorrido limitou-se a aplicar a sua interpretação da norma legal aplicável à situação sub judice, concretamente o artigo 27º do Código das Expropriações, fazendo-o com motivação clara e suficiente.

A questão – pretensamente nova - do valor de mercado, tal como os expropriantes/recorrentes essencialmente a configuram, foi devidamente analisada segundo a perspectiva do Tribunal da Relação de Lisboa que, com toda a legitimidade, entendeu não ser de relevar a circunstância de terem porventura existido negócios translativos de propriedade relativamente a parcelas integradas no mesmo espaço envolvente.

Trata-se de uma análise jurídica global que foi, em termos gerais, discutida nos presentes autos e nunca poderia ser ignorada, não sendo a este propósito logicamente configurável qualquer tipo de decisão surpresa violadora do princípio do contraditório previsto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.

De resto, a ideia ou conceito do valor corrente do mercado como os expropriados/recorrentes a interpretam (avocando o necessário atendimento - para o cálculo da indemnização - do teor de actos negociais que tiveram por objecto outras parcelas contíguas ou vizinhas) não é coincidente com o que consta dos acórdãos arbitrais, com o laudo pericial maioritário e com a posição da entidade expropriante (que perspectivam esse mesmo valor com base nas características das parcelas expropriadas ao tempo da publicação da declaração de utilidade pública, não olvidando por conseguinte a sua vocação agrícola).

Improcede assim, sem necessidade de mais considerações ou justificações, a dita arguição de nulidade.

5 – Do valor indemnizatório a fixar em favor dos expropriados por referência às concretas parcelas de terreno expropriadas. Qualificação de solos para outros fins e aplicação ao caso do disposto nos artigos 23º e 26º do Código das Expropriações. Critérios legais relevantes e prevalecentes. Não conhecimento pelo Tribunal da Relação de Lisboa da impugnação de facto apresentada pelos recorrentes e do conformismo destes (por omissão) no âmbito do presente recurso de revista. Consequências.

Os expropriados/recorrentes estruturaram o seu recurso de revista da seguinte forma:

1º - Defendem que o valor da indemnização deve corresponder ao valor corrente de mercado das duas parcelas em causa.

2º - Este valor corrente de mercado corresponde, segundo a sua óptica, aos valores pelos quais outros terrenos com as mesmas características e situação urbanística das parcelas expropriadas e situados na mesma propriedade destas ou em propriedades vizinhas foram transaccionados e transmitidos a terceiros.

3º - Em concreto, os expropriados pedem que a indemnização devia pela expropriação em causa seja fixada em € 18,00/m2 por ter sido esse precisamente o valor pelos qual os aqui expropriados venderam à Rede Eléctrica Nacional, S.A., uma parcela de terreno do mesmo prédio e por ser esse o valor que o Tribunal da Relação de Lisboa e o Supremo Tribunal de Justiça vêm decidindo como correspondente a esse valor de mercado e justa indemnização.

Vejamos:

O conhecimento do recurso de revista pressupõe a definição dos critérios legais subjacentes à determinação da justa indemnização devida, resultante, desde logo, do imperativo constitucional consagrado no artigo 62º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, aos expropriados e que se encontram balizados no Código das Expropriações.

Dispõe, a este respeito, o artigo 23º, nº 1, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro:

“A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”.

Acrescenta o nº 5:

“Sem prejuízo do disposto nos números 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor”.

In casu, a declaração de utilidade pública (DUP) e de urgência da expropriação relativamente às parcelas em causa foi proferida pelo Despacho do Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas n.º...10-A/2004, de ... de Outubro de 2004, publicado no DR n.° 264, II Série, de 10 de novembro de 2004.

Ora, não há dúvidas de que as parcelas expropriadas em apreço terão necessariamente de ser qualificadas, para efeitos de aferição da justa indemnização a atribuir aos expropriados, como “solos apto para outros fins“, ficando assim sujeita ao regime legal consagrado no artigo 27º do Código das Expropriações (e não ao seu artigo 26º, referente aos solos aptos para a construção).

O que significa igualmente que não poderá ser, para efeito algum, tomada em consideração a sua aptidão construtiva, tratando de solos que ao tempo da publicação da declaração de utilidade pública revelavam exclusivamente destinação agrícola (e não qualquer outra).

Recorde-se, neste particular, que se encontra demonstrado nos autos que:

A PARCELA 38 referida em 1 é constituída por cinco subparcelas, a saber.

- Subparcela 38.1: com a área de 92.258 m2, a confrontar do Norte com o próprio e Estrada da ..., do Sul com o próprio e EPAL, do Sul com Brisa e do Poente com Estrada Nacional ..., que se subdivide:

- 38.1.1., com a área de 3.310 m2, a confinar do Poente com EN... numa extensão de cerca de 60 metros, estando separada daquela via por um muro em alvenaria de pedra, encontrando-se a área da parcela adjacente à referida via na zona non aedificandi da EN.... À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, era constituída por solos da Classe C/D da capacidade de uso, com boa aptidão para a produção de cereais e/ou pastagem, com uma ligeira inclinação, sendo ocupados a essa data com cultura de trigo;

38.2.2., com a área de 88.948 m2, praticamente plano, constituída por solos da Classe A/B de capacidade de uso, com boa aptidão para a produção de culturas agrícolas de regadio, intercaladas com culturas de cereais e/ou pousio, sendo ocupados à data da vistoria mencionada com cultura de trigo. A área da subparcela adjacente à Al confina com esta via numa extensão de cerca de 290 metros, encontrando-se parte na zona non aedificanldi da indicada via; confinando ainda numa extensão de cerca de 300 metros com a Conduta da EPAL.

- Subparcela 38.2. com a área de 1.550 m2, a confrontar de Norte com caminho público, do Sul com estrada da ..., do Nascente com Brisa, S.A. e do Poente com o próprio; situada em área adjacente à Al e à EM que liga o aglomerado urbano da ... ao ..., encontrando-se nas zonas non aedificandi das indicadas vias, sendo constituída por solos da Classe C/D de capacidade de uso, com boa aptidão para a produção de culturas agrícolas de sequeiro e/ou pastagem, encontrando-se à data da vistoria inculto, coberto de vegetação espontânea e algum entulho;

- Subparcela 38.3, com a área de 1.453 m2, a confrontar do Norte com Estrada da ..., do Sul e Poente com o próprio e de Nascente com subparcela 38.1, situada parcialmente na zona non aedificandi da EM que liga o aglomerado urbano da ... ao ..., sendo constituída por solos da Classe A/B, com boa aptidão para a produção de culturas agrícolas de regadio, intercaladas com culturas de cereais;

- Subparcela 38.4, com a área de 1.064 m2, a confrontar do Norte com subparcela 38.1, do Sul e Poente com o próprio e do Nascente com EPAL e subparcela 38.1, sendo constituída por solos da Classe A/B;

- Subparcela 38.5, com a área de 257 m2, a confrontar do Norte e do Poente com o próprio, do Sul e do Nascente com subparcela 38.1, sendo constituída por solos da Classe A/B.

A PARCELA 43 tem a área de 680 m2, destina-se à construção da própria autoestrada, confronta do Norte com conduta da EPAL, do Sul e do Nascente com herdeiros de RR, e do poente com conduta da EPAL.

As PARCELAS 38 e 43 são ambas a destacar da parte rústica do prédio misto denominado “Quinta ...” sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° ...37 da freguesia de ..., a confrontar do Norte com ..., do Sul com Rio ..., do Nascente com OO, PP e QQ e do Poente com PP, Rio ... e Estrada Nacional n.° ....

A PARCELA 43 apresenta a forma de um triângulo, é plana, com um declive suave, sendo marginada por serventia que existe sobre a conduta da EPAL e constituída por solos aluviões, de textura franco-argilosa, englobados nas Classes Ah e Bh de capacidade de uso agrícola.

À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam a PARCELA 43 apresentava-se cultivada com várias culturas arvenses, como couves, favas, alfaces e grão distribuídas em pequenas leiras que dado o nível de fertilidade dos terrenos e disporem de um lençol freático relativamente próximo da superfície, praticamente não necessitam de rega durante uma parte do ano.

À mesma data encontravam-se implantadas na PARCELA 38 quarenta e uma oliveiras grandes/médias, uma oliveira pequena, uma pereira pequena e uma pereira média; dois salgueiros grandes e oito freixos médios.

A mesma data e na PARCELA 38 existia um muro de vedação e suporte de terras em alvenaria de pedra, rebocado, em mau estado de conservação, medindo 70 metros de comprimento, 1,90 metro de altura média e 0,45 metro de espessura.

Na PARCELA 43 à data da vistoria encontravam-se presentes as seguintes árvores: doze figueiras pequenas, cinco macieiras pequenas, dois pessegueiros pequenos/médios, uma nespereira pequena/média e duas oliveiras médias.

As PARCELA 38 e 43 não possuíam infraestruturas urbanísticas.

O acesso à PARCELA 38 era feito apenas através do prédio mencionado em 4 e da EM da..., no caso das subparcelas 38.2 e 38.3.

O acesso à PARCELA 43 era feito através da serventia mencionada em 5 sobre a conduta da EPAL (aqueduto do ...) com a Estrada da ... que dista cerca de 100 a 120 metros da parcela, sendo pavimentada e dispondo esta última de algumas infraestruturas urbanísticas.

A expropriação da PARCELA 38 gera uma parcela sobrante que fica separada do prédio onde se situa o assento de lavoura e outras construções, confrontando do Norte com as subparcelas 38.1 e 38.4, do Nascente com EPAL e do Poente com EN....

As PARCELAS 38 e 43 encontravam-se, à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam integradas, segundo o PDM de ..., em "Classe de Espaços Agrícolas" incluídos na Reserva Agrícola Nacional (RAN) e na Reserva Ecológica Nacional (REN).

As construções habitacionais e outras existentes no prédio em que se integram as parcelas eram servidas por uma via asfaltada a partir da ..., dispondo prédio de energia elétrica em baixa tensão, abastecimento domiciliário de água ligado à rede geral, de telefone e de iluminação pública.

A via pública que confrontava com as principais construções do mesmo prédio a expropriar dispunha de todas as infraestruturas urbanísticas.

A parte edificada do prédio referido em 4 encontra-se integrada no limite do aglomerado urbano do ...; porém, as parcelas expropriadas encontram-se fora de tal limite.

As parcelas 38 e 43 expropriadas localizam-se, respetivamente:

Parcela 43 a 250 metros da ...;

A cerca de 200 e 150 metros da empresa P...;

A cerca de 70/80 e 120 metros da ... (classificada como núcleo urbano Tipo B pelo PDM de ... e servida por todas as infraestruturas urbanísticas);

A 50 e 500 metros de moradias existentes na Quinta da ..., com algumas estruturas urbanísticas e servidas por estrada em terra batida;

A parcela 43 a 550 metros da Estrada Nacional n.° ...;

A 300 metros de edifícios e infraestruturas industriais à superfície implantadas, no prédio em que se integra, pela T..., S.A.;

A cerca de 200 e 600 metros da ..., classificada como Núcleo Urbano Classe A pelo PDM de ... e servida por todas as infraestruturas urbanísticas;

A cerca de 700 e 600 metros da Central Termoeléctrica e de Ciclo combinado do ...;

A cerca de 1000 e 800 metros de projetos executados pela REN em terrenos do prédio em que se integra e adquiridos pela mesma REN.

Saliente-se, ainda, que nos acórdãos arbitrais proferidos em Junho de 2005, tirados por unanimidade de entendimento dos árbitros intervenientes, foi registado que:

“Parcela 38 –

“O valor do terreno será calculado tendo em vista que o seu aproveitamento deverá ser enquadrado no âmbito especificamente agrícola, em função do seu rendimento efectivo ou possível à data da DUP (…)

(…) considerou-se como base para o cálculo do seu valor um aproveitamento cultural usual na região deste tipo de solos, que consiste em rotações de quatro anos, seguidas de pousio, com a seguinte sequência: Trigo – Tomate – Milho – Beterraba – Pousio – Trigo, Melão – Milho – Tomate.

Este tipo de ocupação permite a obtenção de um rendimento fundiário médio anual de € 1.250/há, de cuja capitalização à taxa de 4% resulta para o valor do terreno: € 1,250/há : 0,04 = € 31.250,00/há, ou seja, € 3,125/m2.

No entanto considera-se que este valor deverá ser majorado de forma a reflectir outros factores valorativos, que neste caso concreto influenciam o valor de mercado, designadamente a proximidade de um núcleo urbano importante.

Ponderado este aspecto, entenderam os árbitros afectar o valor do rendimento de um factor de valorização de 1,2.”

“Parcela 43 –

“O valor do terreno será calculado tendo em vista que o seu aproveitamento deverá ser enquadrado no âmbito especificamente agrícola, em função do seu rendimento efectivo ou possível à data da DUP, de acordo com as características definidas no ponto 2 (…)

(…) considerou-se como base para o cálculo do seu valor um aproveitamento cultural usual na região deste tipo de solos, que consiste em rotações de quatro anos, seguidas de pousio, com a seguinte sequência: Trigo – Tomate – Milho – Beterraba – Pousio – Trigo, Melão – Milho – Tomate.

Este tipo de ocupação permite a obtenção de um rendimento fundiário médio anual de € 1.250/há, de cuja capitalização à taxa de 4% resulta para o valor do terreno: € 1,250/há : 0,04 = € 31.250,00/há, ou seja, € 3,125/m2.

No entanto considera-se que este valor deverá ser majorado de forma a reflectir outros factores valorativos, que neste caso concreto influenciam o valor de mercado, designadamente a proximidade de um núcleo urbano importante.

Ponderado este aspecto, entenderam os árbitros afectar o valor do rendimento de um factor de valorização de 1,2.”.

No mesmo sentido, veio afirmado no laudo maioritário da avaliação pericial:

“(…) o destino do terreno expropriado só pode contemplar utilizações que não venham a diminuir ou destruir as suas potencialidades agrícolas e as suas carecterísticas ecológicas específicas, não se coadunando com a possibilidade de construção de edifícios, ou outros usos obrigando à destruição do coberto vegetal. As condições de facto existentes nas parcelas expropriadas, conforme os autos de vistoria ad perpetuam rei memoriam realizados em Janeiro de 2005, são de uns terrenos que estavam ocupados com cultura de trigo (sub parcela 38.1.1. e 38.1.2.), ou se encontravam incultos (subparcela 38.2), com potencialidade para o cultivo de culturas agrárias de regadio, intercaladas com culturas de cereais (sub parcelas nº 38.3., 38.4. e 38.5) e cultivados com várias culturas arvenses que se denominam por culturas arvenses de campo, nomeadamente couves, favas, alfaces e grau (parcelas nº 43).

Não existiam também indícios de que ao terreno se pretendesse dar outro uso que não o agrícola.

Logo, em face do exposto, o solo da parcela expropriada será valorado como “solo para outros fins”, e ponderando os rendimentos que posam potencialmente ser gerados face a essa utilização”.

Por seu turno o laudo minoritário do perito nomeado pelos expropriados salientou que:

“Na avaliação de terrenos expropriados, independentemente da sua classificação, deve atender-se à sua localização, proximidade ao fenómeno urbano, potencialidades do mesmo (no presente e no que se antevê num futuro próximo), às legítimas expectativas dos proprietários, às áreas em causa, ao seu enquadramento e a outros factores tido como relvantes para que se possa alcançar a justa indemnização e valores próximos do valor de mercado.

(…) atendendo aos valores de mercado documentados (compras e vendas e arrendamentos) quanto a terreno com as mesmas condicionantes, na mesma zona e situação das parcelas expropriadas; ao facto de a venda destes terrenos sempre exigir custos de transacção, deve ser adoptado para estas parcelas o mesmo valor pelo qual os expropriados venderam, cerca de três anos antes desta DUP, um terreno a cerca de 1200 m destas parcelas e com a mesma classificação urbanística, isto é, o valor de € 18,00/m2”.

Apreciando:

A questão essencial suscitada no presente recurso de revista tem a ver com a tomada em consideração, para efeitos de fixação da indemnização, da celebração e conteúdo de negócios de compra e venda em que foram partes os ora expropriados e terceiros compradores relativamente a parcelas, diversas e autónomas, situadas no mesmo espaço envolvente, e que, no dizer daqueles, teria necessariamente de constituir o critério legal verdadeiramente relevante e definidor (o dito valor corrente de mercado) do quantum indemnizatório que lhes seria devido, sendo exactamente esta a posição assumida no laudo minoritário elaborado pelo perito nomeado pelos expropriados.

Entendem os recorrentes que o preço consensualmente aceite nessas transacções deve (obrigatoriamente) servir como critério aferidor do valor corrente de mercado das parcelas expropriadas nos presentes autos, influenciando desse montante o montante indemnizatório a pagar pela entidade expropriante, louvando-se para o efeito no teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que apresentaram como acórdão fundamento.

Concretamente, consta a este propósito das alegações/conclusões de recurso:

“(…)uma conclusão essencial: nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa que vêm de ser citados, a indemnização devida pela expropriação de solos ‘para outros fins’ foi calculada de acordo com o critério do valor de mercado do solo expropriado,(…)

(…) de acordo com os Acórdãos Arbitrais, na fixação da justa indemnização devida pela expropriação de utilidade pública de solos ‘para outros fins’, deve atender-se, também, ao valor de mercado dos bens expropriados.

(…) verifica-se uma contradição evidente entre os Acórdãos em confronto: o Acórdão recorrido decidiu não atender ao valor de mercado das parcelas expropriadas por considerar que este não é o critérioindemnizatório aaplicar aossolos‘para outrosfins’.Pelo contrário, oAcórdão fundamento decidiu que sendo o solo classificado como ‘apto para outros fins’, o cálculo da justa indemnização deve atender precisamente ao critério do valor de mercado.

A interpretação que deve prevalecer é a que foi sufragada no Acórdão fundamento, desde logo por decorrer expressamente do regime jurídico aplicável.

De facto, nos termos do disposto nos nºs. 1 e 5 do art. 23º do Código das Expropriações, os solos expropriados (sejam solos ‘aptos para a construção’ ou ‘para outros fins’) devem ser indemnizados de acordo com o seu “valor real e corrente numa situação normal de mercado”: todos os solos expropriados devem ser indemnizados atendendo ao seu valor de mercado.

Assim, a indemnização para ser justa e para corresponder a todas as referências constitucionais a considerar, deverá corresponder ao valor de mercado do bem expropriado.

É este o princípio geral e fundamental da justa indemnização devida em expropriações por utilidade pública, qualquer que seja a natureza/qualificação dos terrenos expropriados.

Na verdade, constitui um dado pacífico na lei, na jurisprudência e na doutrina que esse critério do valor de mercado é uma exigência dos princípios fundamentais da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, da proporcionalidade e da justiça, tutelados, desde logo, no art. 62º da Constituição e na própria ideia de Estado de Direito (arts. 2º, 18º e 266º da Constituição.

De facto, do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos resulta que deve ser disponibilizada aosexpropriadosuma indemnizaçãoequivalente aovalor de mercadodo bem expropriado, ao valor que este obteria se vendesse esse bem no mercado, como qualquer dos seus vizinhos não expropriados poderá fazer se assim o entender.

Caso contrário, para além da desigualdade inerente ao facto de uns serem expropriados e outros continuarem proprietários dos seus terrenos, seria imposta uma intolerante desigualdade quanto à situação patrimonial dos expropriados face aos que não o foram – toda a comunidade beneficiaria do projeto que determina esta expropriação sem assegurar aos expropriados para o efeito o valor que este tinha no seu ativo.

Falamos, em particular, do princípio da igualdade na sua dimensão externa, que coloca em relação os expropriados e os não expropriados, que não foi respeitado no Acórdão recorrido, pois não reconhece aos Expropriados o valor de mercado do terreno expropriado.

O critério do valor normal de mercado é hoje unanimemente aceite e invocado pela Doutrina e pelos nossos Tribunais superiores como decorrendo das referidas exigências constitucionais, aplicando-se assim aos solos ‘aptos para a construção’ e aos solos ‘aptos para outros fins’.

(…) Deste modo, uma interpretação dos arts. 23º, nºs. 1 e 5, e 27º do Código das Expropriações no sentido de que no cálculo da justa indemnização devida na expropriação de solos classificados como ‘para outros fins’ não se deve atender ao critério do valor de mercado, é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, da proporcionalidade e da justiça, bem como do direito fundamentala uma justa indemnização (arts. 2º, 18º, 13º, 62º e 266º da Constituição).

O valor de mercado a atender deve ser o que foi fixado no Acórdão fundamento (bem como nos já referidos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.06.2018 e de 10.05.2018) por ser o valor mínimo que se encontra demonstrado pelos vários documentos juntos aos autos e no próprio Relatório de Avaliação pericial de 05.03.2014 subscrito pelo Perito indicado pelos Expropriados (Engro. SS).

Isto é, do processo resultam inúmeros documentos não controvertidos (não impugnados ou questionados por qualquer forma pela Entidade Expropriante) que demonstram de forma inequívoca que o valor de mercado mínimo adotado em múltiplas transações nesta específica zona ao tempo da declaração de utilidade pública desta expropriação é superior a € 18/m2, designadamente:

a. Escritura pública de compra e venda pela qual a Rede Eléctrica Nacional, SA. adquiriu, em 2002, uma parte da Quinta da ... (cerca de 7,5 ha integrados na RAN e na REN), por um valor unitário de cerca de € 18/m2 (cfr. Doc. 25 da Petição de Recurso dos Expropriados dos Acórdão Arbitrais, apresentadas em 06.10.2005).

b. Por escritura de expropriação amigável para a construção de uma rodovia, foi adquirida aos Expropriados pela Câmara Municipal de ... uma parcela de terreno com 10.465 m2, localizada a cerca 800/850 m. das parcelas que aqui nos ocupam e também integrada na RAN e na REN à data desta declaração de utilidade pública, pelo valor de € 600.000, isto é, pelo valor unitário de € 60/m2 (cfr. Doc. 2 junto às Alegações dos Expropriados de 09.06.2014).

c. Por escrituras públicas de compra e venda celebradas entre privados vêm sendo transacionados terrenos integrados na REN e na RAN, situados a cerca de 1.300 m. das parcelas sub judice, por valores entre € 38/m2 e € 67/m2 (cfr. Doc. 3 junto às Alegações dos Expropriados de 09.06.2014 e ponto 6.2 do Relatório de Avaliação do Perito Eng. SS de 05.03.2014). Em concreto:

i. Por escritura pública celebrada em Dezembro de 2008, foram adquiridos vários terrenos pelos seguintes valores: (i) 340.924 m2 vendidos por € 23.000.000 = € 67,46/m2; (ii) 90.000 m2 vendidos por € 6.000.000 = € 66,66/m2; e (iii) 26.310 m2 vendidos por € 1000.000 = € 38/m2.

ii. Por escritura pública celebrada em Março de 2003, foi adquirido um terreno com 26.310 m2, pelo valor de € 1.136.592, isto é, por € 43,20/m2.

iii. Por escritura pública celebrada em Junho de 2004, foi adquirido um terreno com 346.000, m2 pelo valor de € 16.040.648,54, isto é, por € 46,36/m2.

iv. Por escritura pública celebrada em Agosto de 2002, foi adquirido um terreno com 90.000 m2, pelo valor de € 3.740.984,23, isto é, por € 41,57/m2.

d. “Também foipossívelapurarpordocumentaçãojunta ao processo que o valor médio praticadopelos Expropriados e por outros proprietários vizinhos no arrendamento de terrenos para estaleiros ou parque de máquinas nesta zona é de € 0,24/m2/mês ou superior. Calculando o valor do terreno tomando este rendimento médio proporcionado pelo arrendamento numa base anual e considerando uma taxa de capitalização de 10% (corrente para este tipo de aproveitamento e rendimento), chega-se a um valor superior a € 25/m2” (cfr. ponto 6.2 do Relatório de Avaliação do Perito Eng. SS de 05.03.2014 e Doc. 28 junto às Alegações de Recurso dos Expropriados dos Acórdão Arbitrais).

e. Por contrato-promessadecompraevenda de05.01.2005, a Rede Eléctrica Nacional,S.A.prometeu vender, pelo preço de € 14.900.000,00, à C..., S.A., 410.380 m2 de terrenos de área descoberta adjacentes à Central Termoeléctrica do ... e situados a cerca de 600 m. das parcelas (facto assente nº 18); isto é, o montante prometido pagar corresponde a um valor unitário de € 36,30/m2. Estes terrenos prometidos vender têm uma área muito superior à das parcelas expropriadas, pelo que, necessariamente, um valor unitário por m2 inferior, situação a que acresce o facto de estarmos perante duas sociedades pertencentes ao mesmo grupo (EDP), o que, necessariamente, contribui para que este valor unitário de € 36,30/m2 seja inferior ao valor de mercado para terrenos nesta zona (cfr. Doc. 1 junto às Alegações de Recurso dos Expropriados dos Acórdão Arbitrais);

f. Acordo indemnizatório junto aos autos pelo nosso Requerimento de 09.09.2021.

Todas estas escrituras de compra e venda e demais documentos revelam o valor de mercado deste tipo de terrenos, nesta específica zona à época da declaração de utilidade pública desta expropriação, como também vem atestado no Relatório de avaliação pericial do Engro. SS.

Neste contexto importa relembrar que nos processos expropriativos os Tribunais não estão vinculados às avaliações periciais maioritárias, o que constituiria uma inadmissível limitação ao poder jurisdicional dos Tribunais.

De facto, relativamente à prova pericial produzida nos processos expropriativos, vigora o princípio dalivre apreciação de prova (art. 389.ºdo Código Civil), não estando o Tribunalvinculado ao valor indicado nos relatórios periciais e aos critérios neles estabelecidos.

Por outro lado, condição essencial para que os Tribunais possam aderir às conclusões dos Peritos é que estas respeitem as exigências legais, designadamente a metodologia e critérios estabelecidos no Código das Expropriações devidamente interpretados pela tutela constitucional (princípios da igualdade e da proporcionalidade). De facto, a justa indemnização devida não tem de ser a que resulta dos relatórios de avaliação elaborados pelos Peritos, mas sim a que resulta de uma adequada interpretação da matéria de facto que resulta dos autos e de uma correta exegese e aplicação das regras e princípios jurídicos a considerar.

(…) Do mesmo modo, o facto de apenas um dos peritos ter respeitado as exigências técnicas e legais que devem presidir às avaliações efetuadas em processos expropriativos não impede os Tribunais de aderir à respetiva avaliação: pelo contrário, nessa situação deve-se aderir à metodologia e valores indemnizatórios aí adotados, por serem estes os corretos”.

Analisando:

Os expropriados/recorrentes corroboram basicamente a conclusão extraída no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2020 (acórdão fundamento) segundo a qual:

“O proprietário do terreno expropriado recebe como indemnização um valor por metro quadrado igual àquele que será obtido pelo proprietário do prédio contíguo ou vizinho não expropriado, se este resolver vendê-lo, desde que as características naturais de ambos os terrenos sejam idênticas”.

Ponderadas todas as particularidades da situação sub judice, não seguimos nem sufragamos este entendimento.

Os contratos de compra e venda e outros negócios invocados nos articulados, a terem sido efectivamente concretizados, constituem actos negociais que representam, no fundo, a expressão do livre e legítimo exercício da autonomia privada das partes intervenientes, não servindo necessariamente, só por si, para impor, em termos fixos e automáticos, o valor corrente de mercado a que haveria que atender para a fixação de indemnização devida pela expropriação de parcelas em causa, com as suas características específicas.

Se assim fosse, aliás, nem valeria a pena a realização de qualquer tipo de peritagem técnica (de realização obrigatória nestes autos) ou outro qualquer processado típico do processo especial de expropriação (bastaria juntar e atender ao conteúdo das mencionadas escrituras e estaria desde logo automaticamente encontrado, sem nenhum tipo de dificuldade, o valor indemnizatório a pagar pela entidade expropriante).

Não faz naturalmente sentido.

O valor indemnizatório devido terá sempre que resultar conjugadamente da análise crítica de todos os concretos elementos fornecidos pelos autos, mormente os registados nos acórdãos arbitrais (aprovados por unanimidade) e as avaliações técnicas e qualificadas dos peritos nomeados (designadamente a maioria que formou nesse parecer de carácter estritamente técnico), que tiverem respeitado a exigência da caracterização e potencialidade dos imóveis ao tempo da publicação da declaração de utilidade pública, não se aceitando assim, em contrapartida, a pretensa plena suficiência, como critério único, dogmático e imaculado – do teor de negócios jurídicos firmados entre particulares que nada têm a ver directamente com as parcelas em causa.

De resto, as exactas circunstâncias que estiveram na base da realização desses mesmos acordos – isto é, os concretos pressupostos da vontade (comum) de contratar - não se encontram minimamente definidas nem concretizadas nestes autos, sendo apenas hipotética e abstracta a afirmação de que a parcela sub judice, com as suas características próprias e singulares – e em especial com aptidão agrícola ao tempo da publicação da declaração de utilidade pública -, seria nesses mesmos termos facilmente transacionável, alcançando seguramente os seus proprietários o concreto preço que fora pago por parcelas diferentes (ainda que próximas ou mesmo contíguas).

Trata-se neste caso, como bem se compreende, de uma mera hipótese e não de uma realidade efectiva e devidamente comprovada nos autos.

Ou seja, desconhece-se em absoluto se as concretas parcelas dos autos, com a sua aptidão agrícola definida na vistoria ad perpetuam rei memoriam ao tempo da publicação da declaração de utilidade pública (momento temporal a que há imperativamente de atender nos termos do artigo 23º, nº 1, do Código das Expropriações quando alude “ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”), seria, ou não, objecto da irresistível apetência aquisitiva por parte de terceiros, em que termos e com que motivações ou condições concretas (sublinhado nosso).

(Note-se inclusivamente que tendo sido feita alusão no laudo minoritário do perito nomeado pelos expropriados que “há cerca de três anos antes da declaração de utilidade pública, os ora expropriados venderam um terreno a cerca de 1200 metros destas parcelas e com a mesma classificação pelo valor de € 18,00/m2”, suscitar-se-á legitimamente a dúvida quanto à razão pela qual nesse mesmo período temporal não apareceu nenhum interessado na aquisição das parcelas em causa nestes autos).

O que significa que quando a lei alude ao “valor real e corrente, numa situação normal de mercado” (artigo 23º, nº 5, do Código das Expropriações) não pode desvalorizar ou esquecer as características e natureza do imóvel expropriado tal como ele existia ao tempo da publicação da declaração de utilidade pública, não sendo legítimo imaginar, pressupor ou conjecturar abstractamente um interesse contratual que terá existido em relação a outras parcelas vizinhas mas que se desconhece em rigor se existiria, ou não, relativamente àquelas – únicas - de que o presente processo de expropriação trata.

(Assumindo, legitimamente, uma perspectiva diversa vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2022 (relator Freitas Neto), proferido no processo nº 4406/11.1TBVFX.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt., onde se concluiu que “Aderindo a referida sentença à possibilidade da determinação do valor da parcela como solo apto para outros fins (art.º 27 do CE), fazendo uso da potencialidade edificativa como circunstância elegível à luz do nº 3 do art.º 27 do CE, em consonância com a interpretação que desta norma foi sufragada pelo acórdão de 09.03.2016 prolatado no P. 4584/11...., com a qual se identificou, não se deveria ter afastado, como afastou, do quantum indemnizatório do laudo do perito que relevou a mencionada circunstância (€ 946.319,65), fixando-o antes em € 1.350.684,00 (…) o único valor de indemnização que este Supremo deve adoptar é aquele que foi exaustivamente justificado no laudo do Sr. Perito dos Expropriados, sob pena de estes ficarem relativa e incompreensivelmente injustiçados”).

Note-se ainda que nas próprias decisões arbitrais que tiveram lugar nos presentes autos foi tomada em devida consideração a “proximidade de um núcleo urbano importante” que está na origem da majoração do valor inicial encontrado.

Ou seja, o valor fixado no laudo maioritário já teve em conta a devida e justa ponderação das envolventes próximas das parcelas expropriadas e que apresentam características urbanas e industriais de inegável relevância.

(Conforme pode ler-se nesse mesmo laudo, a fls. 974:

“Mais consideram os peritos adequado o critério dos senhores árbitros ao aplicarem um facto de valorização de 1,2, atendendo à privilegiada localização do terreno em avaliação, encontrando-se próximo de centros urbanos, com boa visibilidade e acessibilidade, dada a proximidade de vias públicas”.).

Em síntese, o artigo 27º, nº 3, do Código das Expropriações, através dos critérios relativamente abertos aí previstos, não habilita, em relação a parcelas com vocação exclusivamente agrícola à data da publicação da declaração de utilidade pública, a considerar automaticamente um valor de mercado que nada tenha a ver com tal destinação própria e específica (agrícola) e que assente unicamente, como fundamento essencial e decisivo, na realização de negócios do foro privado – com motivações e desígnios totalmente desconhecidos - tendo por objecto terrenos diversos, e que por si só não são susceptíveis de demonstrar ou garantir que as parcelas em causa nos presentes autos (de vocação agrícola, insista-se) seriam também necessariamente transacionadas pela mesma ordem de valores não fosse a expropriação.

Acresce outrossim que o Tribunal da Relação de Lisboa não conheceu da impugnação da decisão de facto apresentada pelos expropriados/recorrentes – em que se aludia, entre outras coisas, à realização e teor desses mesmo contratos, com a seguinte fundamentação:

“Nas mencionadas conclusões 1ª a 3ª do recurso de apelação, sustentam os recorrentes que:

“1ª A factualidade juridicamente relevante – Reclamação da matéria de facto: (i) a redação dos factos 12, 15 e 18 da Sentença recorrida deve ser alterada para a redação que se deixou referida no nº 9 destas Alegações; (ii) para além dos factos que vêm dados como assentes na Sentença recorrida, devem ainda ser atendidos os factos que se indicaram no nº 10 destas Alegações, com o suporte instrutório aí referido.

2ª Da factualidade juridicamente relevante demonstrada nos autos resulta que: (a) as parcelas expropriadas situam-se num prédio e numa zona edificada, urbanizada e infraestruturada, marginando com o ... e sendo servidas por vários acessos rodoviários, que a colocam a 20/30 minutos de ... (Estrada Nacional nº ... e Nó do ... da Autoestrada A1); (b) as parcelas situam-se na zona de confluência de 3 núcleos urbanos na periferia de ... (..., ... e ...) – esta integração global pode ver-se na planta junta como Doc. 5 às Petições de recurso dos Acórdãos Arbitrais; (c) as parcelas expropriadas integram-se no dinâmico eixo ... - ... – ... – ..., numa zona para a qual as entidades administrativas já anunciaram novos aproveitamentos urbanísticos em zonas integradas na RAN e na REN a reclassificar para o efeito e os promotores já se encontram a comercializar grandes projetos estruturantes em terrenos anteriormente integrados na RAN e na REN (Plataforma Logística ...), que já se refletem nos valores de mercado da zona; (d) encontram-se nos autos várias escrituras de compra e venda de terrenos do próprio prédio em que se integram as parcelas expropriadas (€ 18/m2) e de terrenos com as mesmas carcateristicas e situação urbanística das parcelas expropriadas, situados entre 800 m e 1.300 m. das mesmas, por valores entre € 38/m2 e € 67/m2.

3ª Relativamente aos factos descritos na conclusão anterior e aos documentos de suporte importa constatar o seguinte: (a) a Brisa nunca impugnou estes factos ou documentos de suporte; (b) do processo não resultam quaisquer elementos que infirmem esses factos e documentos.

No que concerne à alteração da redacção dos factos provados 12, 15 e 18 da sentença, pronunciou-se este Tribunal da Relação na decisão singular proferida em 16/12/2019 (confirmada pelo acórdão de 15/10/2020), determinando a alteração da redacção daqueles factos, de acordo com as rectificações efectuadas pela 1ª instância na sentença proferida em 9/11/2018, matéria que, portanto, não cabe aqui (re)apreciar.

No mais, é invocado na apelação que a sentença recorrida desconsiderou diversos factos que os recorrentes consideram juridicamente relevantes e sistematizam no ponto 10 da alegação recursória da seguinte forma:

- as parcelas expropriadas, o prédio em que se integram e a sua imediata envolvente;

- uma realidade urbanizada, infraestruturada e edificada;

- a zona mais vasta onde as parcelas se localizam;

- valores de mercado e outras referências valorativas;

- outros factores relevantes que influenciam o valor de mercado de terrenos situados na zona em que se integram as parcelas expropriadas.

Após uma extensa análise de cada um destes pontos, afirmam os recorrentes que “As conclusões essenciais quanto aos factos assentes e aos factos referidos nos números anteriores são as seguintes:

a. as parcelas expropriadas situam-se num prédio e numa zona edificada, urbanizada e infraestruturada, marginando com o ... e sendo servidas por vários acessos rodoviários, que a colocam a 20/30 minutos de ... (Estrada Nacional nº... e Nó do ... da Autoestrada A1);

b. as parcelas situam-se na zona de confluência de 3 núcleos urbanos na periferia de ...(..., ... e ...) – esta integração global pode ver-se na planta junta como Doc. 5 às Petições de recurso dos Acórdãos Arbitrais;

c. as parcelas expropriadas integram-se no dinâmico eixo ... - ... – ... – ..., numa zona para a qual as entidades administrativas já anunciaram novos aproveitamentos urbanísticos em zonas integradas na RAN e na REN a reclassificar para o efeito e os promotores já se encontram a comercializar grandes projetos estruturantes em terrenos anteriormente integrados na RAN e na REN (Plataforma Logística ...), que já se refletem nos valores de mercado da zona;

d. encontram-se nos autos várias escrituras de compra e venda de terrenos do próprio prédio em que se integram as parcelas expropriadas (€ 18/m2) e de terrenos com as mesmas caracteristicas e situação urbanística das parcelas expropriadas, situados entre 800 m e 1.300 m. das mesmas, por valores entre € 38/m2 e € 67/m2.

Sustentam ainda que os factos em causa cujo aditamento pretendem, “foram ignorados na sentença, não por não se encontrarem provados, mas sim porque foram considerados irrelevantes face à solução jurídica assumida/decidida pelo Tribunal recorrido”.

Invocam, por fim, que “Mais do que serem dados como provados, estes factos servem, pelo menos, para enquadrar e auxiliar o Tribunal na interpretação e decisão das questões jurídicas a decidir, máxime o valor de mercado de terrenos na envolvente das parcelas expropriadas, também integrados na RAN e na REN. Assim, não deve ser excluído nenhum dos factos ou circunstâncias que possam auxiliar este douto Tribunal na tarefa interpretativa e de subsunção dos factos ao Direito, mesmo que não tenham sido dados como assentes na sentença recorrida. Com efeito, os tribunais não devem circunscrever a sua análise aos factos que foram dados como assentes no processo, alheando-se do conjunto probatório carreado para os autos pelas partes, designadamente nas situações em que, como no presente caso, essa matéria de facto assume um papel essencial na procedência do que aqui se discute: a Sentença recorrida apenas refere os factos que entendeu relevantes e não todos os que resultam demonstrados nos autos.”

Da leitura dos pontos 10.1, 10.2, 10.3 e 10.4 da alegação, em que os recorrentes desenvolvem (ao longo de 12 páginas) cada um dos temas que sistematizaram em 10., resulta, desde logo, que não indicam os concretos factos que pretendem ver aditados, procedendo antes a um exercício de concatenação entre os factos assentes e os que alegadamente pretendiam ver aditados (cf. ponto 11 da alegação de recurso), de acordo com a solução jurídica que propugnam.

Como adiante se explicitará, este Tribunal Colectivo entende, na esteira do decidido na sentença recorrida, que o art. 26º do Código das Expropriações (CE, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Agosto) é inaplicável à situação sub judice, pelo que a matéria de facto que os apelantes pretendiam ver aditada ao acervo factual provado é absolutamente irrelevante.

Ora, a jurisprudência dos Tribunais superiores tem entendido que a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para alcançar a alteração da decisão final.

Assim, face ao carácter instrumental da impugnação da matéria de facto, sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil, designadamente porque ainda que a impugnação da matéria de facto seja procedente, a decisão da causa não sofreria alteração, a reapreciação da matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um acto absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais, não sendo lícito realizarem-se no processo actos inúteis (arts. 2º/1 e 130º do CPC). Neste sentido, vejam-se os seguintes acórdãos acessíveis em www.dgsi.pt: TRG 10-09-2015 (Manuela Fialho), P. 639/13.4TTBRG.G1; TRG 11-07-2017 (Maria João Matos), P. 5527/16.0T8GMR.G1; TRP 01-06-2017 (Filipe Caroço), P. 35/16.1T8AMT-A.P1; STJ 17-05-2017 (Fernanda Isabel Pereira), P. 4111/13.4TBBRG.G1.S1; e STJ 13-07-2017 (Fonseca Ramos), P. 442/15.7T8PVZ.P1.S1.

Destarte, fundando-se o pretendido aditamento factual em razões puramente jurídicas e atenta a posição que se perfilhará em sede de Direito, entendemos que a análise da impugnação da matéria de facto nesta parte, na medida em que não seria susceptível de alterar a sorte do pleito quanto ao critério que deve presidir à determinação do valor da indemnização devida aos expropriados, redundaria num exercício inútil.

Pelo exposto, por inutilidade, considera-se prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto nesta parte, mantendo-se a factualidade dada como provada na sentença, sem prejuízo da alteração da redacção dos factos 12, 15 e 18, a que procedeu este Tribunal da Relação no acórdão de 15/10/20”.

Ora, os expropriados/recorrentes não impugnaram (como podiam perfeitamente tê-lo feito ao longo do seu recurso de revista) este concreto segmento do acórdão recorrido, mormente invocando o incorrecto exercício dos poderes de facto por parte do Tribunal da Relação nos termos gerais do artigo 662º do Código de Processo Civil.

(Como é sabido, não é abrangido pela regra da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça prevista no 662º, nº 4, do Código de Processo Civil, o recurso de revista que verse sobre os pressupostos legais do exercício dos poderes funcionais por parte do Tribunal da Relação em matéria de facto, quando esteja em causa uma violação de normas processuais que subverta, por si só e em absoluto, as regras basilares sobre a definição dos factos a dar como provados e não provados.

Vide sobre este o tema Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa in “Código de Processo Civil Anotado. Volume I. Parte Geral e Processo de Declaração. Artigos 1º a 702º”, Almedina 2020, 2ª edição, a página 827 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2023, proferido no processo nº 1088/12.7TYLSB-C.L1.S1 (relator Luís Espírito Santo), publicado in www.dgsi.pt.

Conforme escreve Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, a página 363:

“Todavia, esta delimitação (do nº 4 do artigo 662º do Código de Processo Civil) não é totalmente rígida. Com efeito, é admissível recurso de revista quando sejam suscitadas questões relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjectivo conexas com a apreciação da matéria de facto, máxime quando seja invocado pelo recorrente o incumprimento dos deveres previstos no artigo 662º”.

No mesmo sentido, vide José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume III, Almedina 2022, 3ª edição, a página 177, onde enfatizam os autores que: “(…) a lógica do preceituado no nº 4 – o STJ tem a sua competência limitada às questões de direito – não impede que “seja admissível recurso de revista quando se suscitem questões relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjectivo, conexas com a apreciação da impugnação da decisão de facto” (…). Trata-se de errores in procedendo, respeitantes ao desenvolvimento do procedimento probatório. Ao STJ é possível verificar se a Relação, ao apreciar a matéria de facto, respeitou as normas procedimentais dos nºs 1 a 3 do artigo 662º (…)”; João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in “Manual de Processo Civil”, Volume II, AAFDL 2022, a página 239, onde pode ler-se: “A irrecorribilidade estabelecida no artigo 662º, nº 4, não impede que o STJ possa controlar se a Relação usou os poderes que lhe são conferidos dentro da lei ou se os deixou de usar com violação da lei”.

É o que sucede designadamente quando o Tribunal da Relação ao sindicar a matéria de facto no âmbito da apreciação da impugnação a que alude o artigo 640º do Código de Processo Civil avoca indevidamente critérios de decisão não permitidos – e mesmo vedados - pela lei e que, nessa mesma medida, ofendem preceitos de natureza processual fundamentais.

Sobre esta matéria vide, entre outros - todos publicados in www.dgsi.pt -:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relator Tomé Gomes) proferido no processo nº 4016/13.9TBVNG.P1.S3;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2016 (relator Abrantes Geraldes), proferido no processo nº 907/13.5TBPTG.E1.S1;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2019 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 156/16.0T8BCL.G1.S1;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relator Rijo Ferreira), proferido no processo nº 277/12.9.TBALJ-B.G1.S1;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2018 (relatora Rosa Ribeiro Coelho), proferido no processo nº 1295/11.0TBMCN.P1.S1;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2018 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 90/13.6TVPRT.P2-A.S1;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015 (relatora Prazeres Beleza), proferido no processo nº 284040/11.0YIPRT.G1.S1;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2020 (relatora Rosário Morgado), proferido no processo nº 2882/16.5T8LRA.C1.S1;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Setembro de 2022 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 3714/15.7T8CRA.C1.S1;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2022 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 400/18.0T8PVZ.P1.S1;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 2023 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 6132/18.1T8ALM.L1.S2;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 2019 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo nº 431/14.9TVPRT.P1.S1.;

- acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2021 (relatora Fátima Gomes), proferido no processo nº 5503/17.5T8GMR.G1.S1;

- o acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2020 (relator José Manso Rainho), proferido no processo nº 1863/16.3T8PNF.P1.S1;

- o acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 2020 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo nº 4794/16.3T8GMR.G1.S1;

- o acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relator Bernardo Domingos), proferido no processo nº 877/15.5T8CSC.L1.S1;

- o acórdão 18 de Maio de 2017 (relatora Ana Luísa Geraldes), proferido no processo nº 4305/15.8SNT.L1.S1;

- o acórdão 29 de Novembro de 2016 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 2170/05.2TVLSB-A.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Maio de 2021 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 3277/12.5TBLLE-F.E2.S1).

Ou seja, poderiam perfeitamente os expropriados/recorrentes ter solicitado ao Supremo Tribunal de Justiça que sindicasse e alterasse a posição assumida no acórdão recorrido ao não ter conhecido da impugnação de facto apresentada nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil relativamente aos factos concretos que suportariam a sua tese e que tem a ver com o critério legal de apuramento do dito valor corrente e real de mercado.

Porém, nem uma única linha dispensaram a esta matéria, dando (erroneamente) por completamente adquirida e incontroversa a vasta matéria de facto que constituía o objecto da sua impugnação e que simplesmente, pelas razões invocadas (bem ou mal) no acórdão recorrido, não consta do elenco dos factos provados, não podendo desse modo ser considerada no presente acórdão.

Pelo que os autos não contêm sequer factualidade dada por provada susceptível de suportar o fundamento das pretensões dos recorrentes e que assentam na pretensa prática de actos negociais, cujos reais fundamentos e características em rigor se desconhece.

(É certo que no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2019 (relator Jorge Dias), proferido no processo nº 1228/05.2TBALQ.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, numa situação relativamente comparável, foi anulado o acórdão do Tribunal da Relação por insuficiência de elementos de facto.

Porém, no recurso apresentado pelos expropriados nesse processo constava das respectivas conclusões de recurso que: “quanto à decisão que indeferiu o peticionado aditamento à matéria de facto dada como assente de factos relevantes para a decisão e demonstrados no processo, o Acórdão recorrido errou, num erro que pode e deve ser qualificado como erro material, pois envolvem inexatidões devidas a lapsos manifestos (art. 614º do CPC)”, o que por si só legitimava a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto.

Nesse mesmo aresto considerou-se que “sendo outro o entendimento que sufragamos face à contradição de julgados, temos que dos factos que se pretendem incluir nos provados podem resultar elementos que ajudem a determinar o valor real dos prédios expropriados”, o que significa que tal anulação do acórdão teve origem no entendimento jurídico do colectivo de julgadores quanto ao critério a adoptar para a quantificação da indemnização por referência ao valor corrente de mercado, que, no nosso caso concreto, por todas as razões supra apontadas não perfilhamos).

Nega-se, portanto, provimento à revista.

6 – Invocadas inconstitucionalidades.

Não se descortina, de modo algum, na aplicação do regime legal a que se procedeu, a produção de ofensa a princípio ou preceito de natureza constitucional.

A atribuição da indemnização em referência é a que resulta directamente das normas jurídicas aplicáveis, as quais não infringem nenhum imperativo de ordem constitucional.

A decisão tem em conta a natureza dos solos objecto de expropriação em estreita conformidade com a categorização legal resultante do Código das Expropriações, respeitando as suas características ao tempo da publicação da declaração de utilidade pública, e atendeu ainda ao resultado das diligências processuais que obrigatoriamente são realizadas neste tipo de processo de natureza especial.

Não procedem, por conseguinte, as alegações de que a decisão recorrida teria ofendido o princípio da igualdade dos cidadãos; o princípio da proporcionalidade; o princípio da justiça, tutelados, em termos genéricos, pelos artigos 13º, 18º, nº 2, 62º, nº 2 e 266º da Constituição da República Portuguesa.

Não há violação do princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição da República Portuguesa) na medida em que o mesmo só proíbe o tratamento desigual a realidades essencialmente semelhantes.

As parcelas expropriadas em causas são autónomas relativamente a outras (ainda que vizinhas) que entraram no comércio jurídico, não se podendo, sem mais, querer transportar automaticamente para a definição do valor da justa indemnização devida a motivação determinante de transacções de natureza privada que terão tido lugar entre os ora expropriados e terceiros e cuja verdadeira e concreta razão de ser se desconhece em absoluto.

Neste mesmo sentido, não se vislumbra qualquer afectação dos princípios da proporcionalidade, da tutela da confiança e da justiça – que não saem, na situação sub judice, minimamente beliscados.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 12 de Novembro de 2024.

Luís Espírito Santo (Relator)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.