Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FÁTIMA GOMES | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL INCUMPRIMENTO DO CONTRATO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO MORA DO DEVEDOR SINAL DEFEITO DA OBRA DENÚNCIA PROMITENTE-COMPRADOR IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
Data do Acordão: | 09/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Sumário : | I. Ao contrato promessa é aplicável o regime geral dos contratos, sendo-lhe aplicáveis, designadamente, as regras atinentes à falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor, tendo este ainda um regime específico quanto às sanções aplicáveis, quando tenha havido constituição de sinal (convencionado ou presumido) - arts. 440º, 441º, e 442º do CC). II. A resolução do contrato-promessa e as sanções da perda do sinal ou da sua restituição em dobro só têm lugar, no entanto, em caso de incumprimento definitivo da promessa, que pode resultar da conversão da mora em incumprimento definitivo, por actuação do promitente comprador. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. AA veio interpor acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra WLF Investment, Lda, pedindo que seja a Ré condenada a restituir-lhe a quantia recebida a título de sinal em dobro, no valor de € 203.400,00, acrescida de juros legais desde a citação da Ré e até efetivo pagamento; que a Ré seja condenada a pagar-lhe um valor arbitrado pelo tribunal nunca inferior a € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo pagamento; que a Ré seja condenada a pagar-lhe as despesas com a peritagem realizada e as deslocações efectuadas à obra, no valor de € 2.000; e, a título subsidiário, que seja declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a Ré. Alegou para tanto, resumidamente, que em 8.1.2020 foi celebrado entre si e a Ré um contrato promessa de compra e venda, tendo como objeto a fracção autónoma descrita nos autos, a construir em prédio pertencente à ré, estando a realização da escritura pública prevista para daí a 20 meses, com a conclusão da referida fracção (de acordo com o mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa). Acontece que nas visitas por si efectuadas à obra, em 06.7.2021, 6.9.2021, e 29.12.2021 (ultrapassado já o prazo de 20 meses previsto para a celebração da escritura pública), o A constatou que a obra estava inacabada e com defeitos, e que havia sido alterado o lugar de garagem sem a sua autorização, tendo ele denunciado os defeitos e manifestado a sua discordância à ré, a qual sempre ignorou as comunicações do A, embora tenha assumido o erro quanto ao lugar de garagem, que era impossível de ser reparado, sem ter apresentado, no entanto, qualquer proposta ao Autor para reparar o engano. O Autor, de boa fé, foi sempre acreditando que as obras seriam concluídas de acordo com o mapa de acabamentos, mas sem sucesso. No dia 10 de Fevereiro de 2022, numa última visita ao imóvel, com autorização da Ré, foi realizada uma peritagem ao mesmo, tendo sido detectado que as zonas comuns estavam inacabadas e com alterações e defeitos, e que foram detectadas patologias graves na fracção, de deterioração e má execução, evidenciando a mesma defeitos e infiltrações de água, e não tendo sido colocados os tectos previstos no mapa de acabamentos. O lugar de garagem atribuído ao Autor difere completamente do previsto no contrato, tendo sido alterado sem autorização do Autor, não podendo voltar a ser atribuído, visto que foi alterado para fazerem nele um local para deficientes. Após o sucedido, e perante a peritagem realizada e a realidade dos factos, o Autor perdeu objectivamente o interesse no negócio, pelo que, no dia 11 de Fevereiro de 2022 interpelou a Ré, nos termos do artigo 808.º do CC, para lhe devolver do sinal em dobro, no prazo de 10 dias. Apesar da situação do imóvel, a Ré comunicou ao Autor que iria realizar a escritura pública, no dia 16 de Fevereiro de 2022. Acresce que toda esta situação causou um grande transtorno na vida do Autor, um sofrimento e angústia que tiveram implicações na sua vida profissional e pessoal, e que lhe acarretou despesas nas deslocações ao imóvel, pretendendo ser indemnizado pela ré em quantia nunca inferior a € 7.500,00. 2. A Ré veio contestar a acção referindo que resolveu o contrato promessa em causa por carta remetida ao A no dia 23 de fevereiro de 2022. 3. Tramitados regularmente os autos, foi então proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção, absolvendo a Ré, integralmente, do pedido…”. 4. Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o A interpor recurso de Apelação. 5. O Tribunal da Relação de Guimarães conheceu do recurso, alterando a matéria de facto apenas quanto aos Ponto I e IV dos factos não provados, e proferiu acórdão com o dispositivo: “Por todo o exposto, julga-se procedente a Apelação, e revoga-se a sentença proferida, condenando-se a ré a restituir ao A a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de € 203.400,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação da Ré até efetivo pagamento. Custas pela Ré/Apelada (art.º 527º nº1 e 2 do CPC).” 6. Não se conformando com o aresto, a Ré interpôs recurso de revista, no qual formula as seguintes conclusões (transcrição): A) O Acórdão de que se pede revista, ao julgar procedente a Apelação do autor, erra na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, e erra também na interpretação e na aplicação do direito; B) O dissenso quanto ao julgado no acórdão recorrido em matéria de facto cinge-se apenas à decisão de ser aditado à matéria de facto dada como provada o facto vertido no ponto I da matéria de facto não provada, que é o seguinte: “I. O Autor foi sempre acreditando que as obras seriam concluídas de acordo com o mapa de acabamentos.”; C) Este facto é julgado provado em resultado de uma presunção judicial retirada dos demais factos dados como provados, dando-se como exemplo a circunstância de não constar da matéria de facto provada nenhuma indicação no sentido de que o autor apresentou alternativas depois de saber que os tectos não iriam cumprir o mapa de acabamentos; D) Para a relação, nada, na factualidade provada, permite qualquer indicação no sentido de que o autor foi sempre acreditando que as obras seriam concluídas de acordo com o mapa de acabamentos. Ora essa ilação é errada, e o erro só pode resultar de distracção, bastando atentar nos pontos 16, 19, 20 e 36 da matéria de facto provada, para concluir justamente o contrário; E) Sendo que tais factos foram dados como provados com base na extensa troca de emails junta aos autos, em confissão da ré, e em acordo das partes. F) Os factos constantes dos pontos 16, 19, 20 e 36 da matéria de facto provada, e os emails junto aos autos que os comprovam, permitem concluir que o autor, sabendo perfeitamente que o tecto não seria conforme o estipulado no mapa de acabamentos, e que a garagem não seria a prevista no contrato, ainda assim mostrava interesse no negócio, apesar de estar a tentar protelar a celebração da escritura. E que só quando o seu advogado entra em cena é que o autor muda radicalmente a sua posição, exigindo a devolução do sinal em dobro, sem que, contudo, declare resolvido o contrato. O que, das regras da experiência, daqui se infere, como cenário mais plausível e coerente, é que o autor, apertado pela recusa da ré num novo adiamento da escritura, procurou conselho jurídico junto do Ilustre Colega e este, perante a vontade do autor na celebração do negócio, e em ver resolvidas algumas pretensões do mesmo quanto ao imóvel, muitas delas não contratadas, decidiu “assustar” a ré exigindo-lhe a devolução em dobro do sinal, mas sem declarar a resolução do contrato, pois essa não era, inequivocamente, a vontade do autor. Numa palavra, o Ilustre Colega assumiu uma posição de força para poder negociar. Foi isso, nem mais, nem menos, o que se passou, na medida em que, da factualidade, é o que resulta como mais razoável e provável (até porque, provável não será com certeza que um advogado desconheça que a obrigação da devolução em dobro do sinal é pressuposto da resolução do contrato); G) O princípio da livre apreciação da prova é afastado nos casos em que resultem os factos plenamente provados quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes; H) A prova por documento convoca aqui o disposto no artigo 238º do CC, na medida em que a declaração posta em documento escrito não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto. Ora o autor, na correspondência electrónica que trocou com a ré, que está junta aos autos, nunca manifestou, sequer ao de leve, a sua crença no sentido de que as obras iriam ser concluídas de acordo com o mapa de acabamentos; e a prova de que nunca acreditou nisso é que, efectivamente, se conformou com o facto, ao ponto de propor alternativas. E já agora, a prova de que sempre manteve o seu interesse no negócio, mesmo depois de interpelado pela última vez para a escritura, está no facto de, mais uma vez, a ter tentado adiar e, perante o insucesso dessa tentativa, ter subido a parada, ao tentar assustar a ré com um pedido de devolução do sinal em dobro, sem que, contudo, tenha resolvido o contrato, o que nunca quis fazer. I) O julgamento que se faz no acórdão recorrido, em matéria de facto, constitui ofensa ao disposto nos artigos 607º, nº 5 e 662º, nº 1, do CPC, e ao artigo 238º do CC, podendo consequentemente ser objecto de revista (art.º 674º, nº 3 do CPC), J) impõe-se julgar com não provado que o Autor foi sempre acreditando que as obras seriam concluídas de acordo com o mapa de acabamentos. K) É assente que a ré se propunha vender ao autor um imóvel que, no que respeita ao lugar de garagem, ao tecto da fracção, e ao muro do empreendimento, não corresponde àquilo que prometeu vender. E estes, e só estes, são os fundamentos que, no acórdão recorrido, legitimam a resolução do contrato promessa, o que vale por dizer que o imóvel que a ré queria entregar ao autor não tinha todas as qualidades por si asseguradas quando da celebração do contrato promessa de compra. L) Consequentemente, o direito aplicável a situação dos autos é o do regime da venda de coisa defeituosa. M) Veja-se que o réu quis cumprir a sua obrigação de vender ao autor a fracção objecto do contrato-promessa. O facto de essa fracção divergir do mapa de acabamentos anexo ao contrato-promessa, apenas em quatro pontos, não significa incumprimento do contrato, significaria, isso sim, cumprimento defeituoso do contrato. N) Pelo exposto, ao autor não assistia o direito à resolução do contrato, pois esse direito só existiria se a autora não cumprisse, definitivamente, a sua obrigação principal, emergente do contrato-promessa de compra e venda, e que era a obrigação de contratar, o que, manifestamente, não aconteceu. O) E ainda que assim se não entenda é, neste caso absolutamente claro, e evidente, que o autor, objectivamente, não perdeu o seu interesse na prestação, o que resulta não apenas da matéria de facto provada, mas também dos inúmeros emails juntos aos autos; P) Outro argumento seria o de que a ré estaria em mora. Ora esse argumento é categoricamente desmentido pela factualidade provada, nomeadamente o ponto 8, que resulta da cláusula 4ª do contrato-promessa de compra e venda, que refere que a escritura pública seria celebrada no prazo que se previa de 20 meses, podendo, após esse prazo, o Autor desistir da compra e venda e ser ressarcido dos montantes pagos até aquele momento; Q) Portanto, e até porque nunca o autor assinou prazo à ré para cumprir, esta nunca entrou em mora. R) Consequentemente, a ré não incumpriu o contrato promessa de compra e venda. Mas o autor sim. S) Isto basta para que seja julgada procedente a revista. T) E ainda que se possa entender que o autor resolveu licitamente o contrato-promessa de compra e venda, a consequência não seria a devolução do sinal em dobro, prevista no artigo 442º do CC, como se defende no acórdão recorrido, mas apenas a restituição em singelo do sinal. U) O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 607º e 662º do CPC, e nos artigos 238º, 410º, nº 1, 442º, 808º e 913º do CC, e deve ser revogado. 8. Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações. 9. O recurso foi admitido no tribunal recorrido. Cumpre analisar e decidir. II. Fundamentação 10. De facto 10. 1. Das instâncias vieram provados os seguintes factos: 1. O Autor é uma pessoa singular, que trabalha como .... 2. A Ré é dona e legítima proprietária do prédio urbano denominado “...”, composto de cave, subcave, primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto andares, sito na Rua Dr. ..., Lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º .../... da freguesia de ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo urbano ..33. 3. No dia 8 de janeiro de 2020, o Autor e a Ré celebraram um contrato de promessa de compra e venda da fração BO, referente a um apartamento T0, situado no 5.º andar com o lugar de garagem n.º 8 no piso -1 (próximo do elevador), do prédio urbano referido na cláusula anterior, pertencente à Ré. 4. O preço acordado foi de € 113.000,00 euros, tendo o Autor pago à Ré, no acto de assinatura do contrato de promessa de compra e venda, no dia 8 de janeiro de 2020, o valor de € 67.800,00 euros, correspondente a 60% da prometida compra e venda da fração mencionada, a título de sinal e princípio de pagamento 5. No dia 22 de novembro de 2020, aquando da finalização da estrutura de betão, o Autor pagou à Ré o valor de € 16.950,00 euros, correspondente a 15% da prometida compra e venda da fração mencionada, a título de reforço de sinal. 6. Em 25.05.2021, aquando do fecho de obra com colocação de caixilharia e vidro, o Autor pagou à Ré o valor de € 16.950,00 euros, correspondente a 15% da prometida compra e venda da fração mencionada, a título de reforço de sinal. 7. O restante valor em dívida, no montante de € 11.300,00 euros, seria pago pelo Autor à Ré no acto da realização da escritura de compra e venda. 8. A escritura pública seria celebrada no prazo que se previa de 20 meses, podendo, após esse prazo, o Autor desistir da compra e venda e ser ressarcido dos montantes pagos até aquele momento. 9. A obrigação de marcação e realização da escritura pública ficou da responsabilidade da Ré. 10. No dia 6 de julho de 2021, numa visita à obra, o Autor constatou que a superfície de betão do tecto no seu imóvel e nas áreas comuns do edifício apresentava sinais visíveis de ferrugem e humidade. 11. O Autor constatou que não estava a ser cumprido o mapa de acabamentos, junto em anexo quando assinou o contrato de promessa de compra e venda, nomeadamente os tectos lisos em gesso cartonado rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha 70 kg; a falta do toalheiro elétrico (inserido especialmente no CPCV a pedido do Autor); a parede divisória em vidro; revestimentos das paredes dos halls em madeiras naturais; banca da cozinha em pedra natural; materiais incluídos com marca decidida pela Ré sem consultar o Autor, conforme CPCV e zonas comuns completamente por executar. 12. Nessa visita, descobriu que a garagem da fração BO contratualizada foi modificada, tendo sido alterado o lugar de garagem, sem qualquer autorização do promitente comprador, que manifestou essa discordância em comunicação enviada por correio eletrónico no dia 14 de julho de 2021 e 22 de setembro de 2021. 13. O Autor aguardou que os trabalhos fossem concluídos, sendo que o lugar de garagem tinha sido alterado em definitivo e destinado a pessoas com mobilidade reduzida. 14. Tendo, no dia 6 de setembro de 2021, realizado uma visita à obra onde foi possível constatar que os tectos apresentavam sinais de ferrugem e manchas de humidade; as zonas comuns estavam inacabadas e o mapa de acabamentos não estava a ser cumprido. 15. Passou o prazo estimado de 20 meses e as obras não ficaram concluídas, nem voltaram a atribuir o lugar de garagem contratualizado. 16. A Ré prometeu a conclusão dos trabalhos, mas não prometeu cumprir o mapa de acabamentos junto ao contrato de promessa de compra e venda no que respeita ao tecto da fração nem ao muro exterior do empreendimento. 17. No dia 29 de dezembro de 2021, numa outra visita à obra, o Autor verificou que tudo estava na mesma e a fracção não estava concluída. 18. A obra apresentava vários defeitos, que foram devidamente denunciados pelo Autor e comunicados por correio eletrónico à Ré. 19. A Ré admite incumprimento relativamente à garagem, ao tecto da fração e ao muro exterior do empreendimento. 20. Foi proposto pela Ré a devolução do sinal, assumindo o erro quanto ao lugar de garagem, que era impossível de ser reparado e o A. recusou, em 31 de janeiro de 2022. 21. No dia 10 de fevereiro de 2022, numa última visita ao imóvel, com autorização da Ré, foi realizada uma peritagem ao imóvel. 22. Na peritagem realizada, quanto às zonas comuns, entre outros, foi possível apurar que o arranjo exterior do logradouro e da piscina não estavam executados, conforme estava no mapa de acabamentos e tinha sido comunicado que iria ser cumprido. 23. Os muros de vedação não possuíam revestimento final, tendo sido alterado o acabamento dos muros, não tendo sido colocado granito tradicional, conforme exigido no mapa de acabamentos. 24. Os primeiros degraus dos lanços de escadas entre os patamares do prédio têm altura inferior aos restantes. 25. Não foram colocados os tectos previstos no mapa de acabamentos, em gesso cartonado, com aplicação de isolamento térmico e acústico, executados a lã de rocha de 70 kg/m. 26. Em vez disso, verificou-se a execução de tectos a betão aparente. 27. O lugar de garagem atribuído ao Autor difere completamente do previsto no contrato, tendo sido alterado, sem autorização do Autor, não podendo voltar a ser atribuído, visto que foi alterado para ser feito um local para deficientes. 28. O prédio em causa tem alvará de utilização desde 22 de outubro de 2022. 29. No dia 11 de fevereiro de 2022, o Autor manifestou a perda de interesse no negócio e interpelou a Ré para devolução do sinal em dobro, no prazo de 10 dias, “…sob pena de incumprimento definitivo e recurso aos meios legais…”. 30. Em 28 de outubro de 2021 a Ré expediu uma carta para a morada do Autor constante do contrato promessa de compra e venda, a informar o mesmo de que a escritura se realizaria no dia 15 de novembro de 2021, mas a carta veio devolvida. 31. Em 10 de janeiro de 2022, a Ré expediu nova carta para a morada do Autor constante do contrato promessa de compra e venda, a informar o mesmo de que a escritura se realizaria no dia 25 de janeiro de 2022, mas também esta carta veio devolvida. 32. Na mesma data, foi remetida cópia da carta por email ao Autor, que prontamente respondeu, justificando que não iria outorgar a escritura “(…) enquanto o apartamento não estiver pronto e em conformidade (…)”. 33. Em 31 de Janeiro de 2022, a Ré expediu nova carta para a morada do Autor constante do contrato promessa de compra e venda, e para o seu email, a informar o mesmo de que a escritura se realizaria no dia 16 de fevereiro de 2022, e nela se advertindo para as consequências da falta. 34. Não obstante a advertência, o Autor não compareceu na data, hora e local agendados. 35. A Ré resolveu o contrato promessa em causa, por carta expedida no dia 23 de fevereiro de 2022, e também remetida por email para o Ilustre Advogado que aqui representa o Autor. 36. A 31 de Janeiro de 2022, o Autor remetia email à Ré onde informava, entre o mais, “Quanto à situação da garagem … estou disposto a aceitar mudar a localização da mesma …”“mais informo que não tenho qualquer intenção de proceder à devolução ou venda do apartamento, para o qual eu já paguei 90% do valor acordado, 60% do qual a título de sinal em Janeiro de 2020”. 37. A Ré nunca excluiu qualquer responsabilidade pelos defeitos e desconformidades no prédio, o que manifestou ao Autor através de correspondência trocada. 38. O Autor foi sempre acreditando que as obras seriam concluídas de acordo com o mapa de acabamentos (alterado pelo TRG). 10.2. E vieram não provados: I. II. No local, o Engenheiro BB afirmou que seria responsabilidade do condomínio o arranjo exterior do logradouro e a execução dos acabamentos na piscina. III. Existem, na caixa de escadas, degraus com alturas completamente díspares. IV. Os tectos apresentavam-se com um acabamento grosseiro e incompleto, apresentado patologias irreversíveis (alterado pelo TRG). V. Houve má fé da Ré na marcação da escritura para 16 de fevereiro de 2022. VI. Toda esta situação causou um grande transtorno na vida do Autor, um sofrimento e angústia que tiveram implicações na sua vida profissional e, também, a nível pessoal.” De Direito 11. Objecto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil. Da análise das conclusões do recurso de revista da R. resulta que as questões a conhecer são: a. Se o tribunal recorrido errou ao alterar a matéria de facto acrescentando um ponto aos factos provados, que anteriormente era o Ponto I dos nãos provados; b. Se a solução jurídica definida viola a lei. 12. Antes de se analisar mais em detalhe a situação das questões objecto do recurso importa fazer o seguinte ponto da situação. Na apelação as questões suscitadas pelo A. foram assim identificadas pelo tribunal: I. Se é de alterar a matéria de facto; II. Em caso de alteração da matéria de facto, se deve ser alterada a decisão jurídica em conformidade; e III. Se mesmo perante a matéria de facto provada, deve ser declarada procedente a ação. No recurso de apelação também se constata que o A. recorreu e a R. não contra-alegou, não recorreu subordinadamente, nem requereu a ampliação da matéria do recurso. 13. No entanto a primeira questão que a recorrente (a R.) coloca no recurso de revista é relativa à impugnação da matéria de facto – questão sobre a qual não se dignou pronunciar em matéria de apelação – mas que agora procura contestar, a partir da decisão do tribunal, e com uma suposta justificação de ser questão que pode ser conhecida pelo STJ por violar a força tabelada da confissão ou de meios de prova com igual força probatória. Não se acompanha este entendimento. 14. Vejamos o que disse a Relação: Quanto ao ponto I, do qual consta que “O Autor foi sempre acreditando que as obras seriam concluídas de acordo com o mapa de acabamentos”, a resposta a este facto só poderia ser positiva, resultando a mesma de uma presunção judicial, retirada dos demais factos dados como provados. Da motivação da matéria de facto consta que “O facto não provado I) foi contrariado pela inúmera correspondência trocada pelas partes; tanto mais que o A., ao saber que os tectos não iriam cumprir o mapa de acabamentos, até apresentou alternativas” – não constando no entanto da matéria de facto provada qualquer indicação nesse sentido. Resulta ademais de toda a matéria de facto provada que o A não se limitou a aguardar pelo término do prazo para a conclusão da obra; foi fiscalizando a mesma amiúde, e reportando os defeitos verificados à ré, conforme se pode ver pela correspondência trocada entre ambos Ora, isso só pode querer significar que o mesmo acalentava o desejo, e tinha a firme convicção, de que a fração iria ser acabada de acordo com o que ficou estabelecido no mapa de acabamentos (pelo menos foi fazendo pressão sobre a ré para que tal acontecesse), recebendo também promessas da ré no sentido de que iria, pelo menos, terminar a obra. O facto de a ré assumir o incumprimento do contrato relativamente a alguns defeitos denunciados já permite concluir que ela incutiu no espírito do A a ideia de que pelo menos esses defeitos iria reparar. Resulta assim de toda a matéria de facto provada – que nos dispensamos de reproduzir aqui –, que o A foi sempre acreditando que as obras seriam concluídas, e de acordo com o mapa de acabamentos, pelo que esse facto – dado como não provado em I) - deverá passar a constar da matéria de facto provada.” Assim, o ponto I passou a facto provado por presunção judicial. A presunção em causa foi obtida a partir de factos provados, e não é manifestamente ilógica. Essa presunção contraria uma suposta confissão do A? Ou outros meios de prova com valor probatório tabelado? Essa confissão estaria presente nas comunicações havidas entre as partes? Qual o teor da mesma? 15. Diz a R./recorrente na Conclusão H do recurso: “A prova por documento convoca aqui o disposto no artigo 238º do CC, na medida em que a declaração posta em documento escrito não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto. Ora o autor, na correspondência electrónica que trocou com a ré, que está junta aos autos, nunca manifestou, sequer ao de leve, a sua crença no sentido de que as obras iriam ser concluídas de acordo com o mapa de acabamentos; e a prova de que nunca acreditou nisso é que, efectivamente, se conformou com o facto, ao ponto de propor alternativas. E já agora, a prova de que sempre manteve o seu interesse no negócio, mesmo depois de interpelado pela última vez para a escritura, está no facto de, mais uma vez, a ter tentado adiar e, perante o insucesso dessa tentativa, ter subido a parada, ao tentar assustar a ré com um pedido de devolução do sinal em dobro, sem que, contudo, tenha resolvido o contrato, o que nunca quis fazer.” 16. Não conseguimos identificar aqui nenhuma confissão. O que identificamos é uma interpretação de declarações e o apuramento da vontade dos declarantes, sem que daí resulte o reconhecimento inequívoco de um facto que lhe seja desfavorável – art.º 357.º, n.º1 do CC. Não é claramente uma situação a que se aplique o regime do art.º 358.º do CC, nem que possa em recurso de revista ser conhecida por este tribunal. Não identificamos aqui nenhum meio de prova que tenha valor tabelado que possa ter sido violado ao dar o facto I como provado, por se reportar à convicção da parte sobre o andamento/resolução dos problemas por si identificados e comunicados ao R. E no que respeita à presunção judicial, não vindo também a mesma questionada com base na ilogicidade manifesta ou violação legal dos pressupostos da sua aplicação, não pode ser conhecida no presente recurso – art.º 674.º, n.º3 e 682.º, n.º2 do CPC. Improcede a questão. 17. O recorrente também considera que o tribunal errou na aplicação do direito aos factos provados. Vejamos. No recurso de revista a R. pretende que se considere que o caso em apreciação não é de resolver pelas regras do incumprimento, mas pelo cumprimento defeituoso, questão que não havia sido suscitada pelo mesmo Réu com o mesmo sentido que aqui apresenta, ainda que na contestação tenha dito: “15. O autor, recusou efectuar a sua prestação, invocando a violação de obrigações que são próprias do contrato de compra e venda prometido, ou seja, de obrigações que se situam no sinalagma da compra e venda. 16. A obrigação de venda de coisas sem defeitos e conforme à descrição que da coisa se faz, é situação que extravasa o sinalagma específico do contrato promessa de compra e venda. 17. Destarte, nunca em circunstância alguma terá aqui aplicação o disposto no artigo 442º do CC.” 18. E essa problemática teve a seguinte resposta do tribunal de 1ª instância – por via da sentença: “A regra estabelecida na lei é a de que a mora do devedor não faculta imediatamente ao credor a resolução do contrato do qual emerge a obrigação que não foi pontualmente cumprida. Tendo a obrigação não cumprida por fonte um contrato bivinculante para que o credor possa resolvê-lo, libertando-se do seu dever de prestar, é necessário, em princípio, que a prestação da contraparte se tenha tornado impossível por causa imputável ao devedor (artº 801º, nº 1 do Código Civil). Desde há muito tempo que tanto a doutrina como a jurisprudência vêm entendendo que é de considerar como definitivamente incumprido um contrato quando tal resulte de comportamento do devedor que, inequivocamente, demonstre que o mesmo não pode ou não quer cumprir o contratado, desde que tal comportamento seja concludente nesse sentido. Ou seja, a resolução por incumprimento exige incumprimento definitivo (artº 801º, nº 1 do Código Civil). Se houver não cumprimento simples, estamos perante uma situação de mora; só quando for ultrapassado o prazo fixado pelo credor ou, quando objetivamente, desaparecer o interesse deste na prestação, se podem transcender as consequências da mora. O credor poderia, neste caso, resolver o contrato. O contrato promessa em causa refere que a escritura pública seria celebrada no prazo que se previa de 20 meses, ou seja, não era um prazo peremptório, mas meramente indicativo. Por outro lado, o Autor não fixou à Ré qualquer prazo para a mesma reparar os defeitos que invocou. No dia 11 de fevereiro de 2022, o Autor interpelou a Ré para devolução do sinal em dobro, no prazo de 10 dias, “…sob pena de incumprimento definitivo e recurso aos meios legais…”, apelidando a interpelação de admonitória. Contudo, a interpelação para ser admonitória (declaração intimativa) deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo. No caso, em análise não se verifica tal situação. Uma interpelação com as caraterísticas exigidas pelo artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, não tendo sido fixado ab initio um prazo peremptório, só pode ser efetuada quando já se verifica anteriormente uma situação de mora, imputável ao devedor. A Ré só estaria em mora se tivesse sido fixado um termo certo, o que não sucedeu. Por outro lado, o Autor não demonstrou que deixou de ter interesse no negócio, em termos objetivos e à luz dos princípios da boa fé, segundo critérios de razoabilidade. Veja-se que foi proposta pela Ré a devolução do sinal, assumindo o erro quanto ao lugar de garagem, que era impossível de ser suprido e o A. recusou, em 31 de janeiro de 2022. A 31 de Janeiro de 2022, o Autor remetia email à Ré onde informava, entre o mais, “mais informo que não tenho qualquer intenção de proceder à devolução ou venda do apartamento, para o qual eu já paguei 90% do valor acordado, 60% do qual a título de sinal em Janeiro de 2020”. Isto para, no dia 11 de fevereiro de 2022, manifestar a perda de interesse no negócio e interpelar a Ré para devolução do sinal em dobro, no prazo de 10 dias, “…sob pena de incumprimento definitivo e recurso aos meios legais…”; sendo que, nesta data, já estava informado de que a escritura se realizaria no dia 16 de fevereiro de 2022, tendo sido advertido pela Ré para as consequências da sua falta. É verdade que a interpelação admonitória é dispensada quando a parte contratante a quem a mesma seria endereçada teve uma conduta que, para além de atentatória da boa fé contratual, se mostra reveladora de clara intenção de não querer cumprir o contrato. Contudo, a Ré nunca excluiu qualquer responsabilidade pelos defeitos e desconformidades no prédio, o que manifestou ao Autor através de correspondência trocada. E mesmo relativamente à garagem, não se diga também que esta é a questão primordial, uma vez que era conhecida do Autor desde 06/07/2021… Ou seja, só o incumprimento definitivo (do promitente-vendedor), e não só a simples mora, habilita o promitente-comprador a resolver o contrato-promessa e a exigir a entrega em dobro do sinal, sabendo-se que a mora do promitente-vendedor só se converte em incumprimento definitivo se a prestação não for por ele realizada dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo promitente-comprador ou, em alternativa, se este perder o interesse que tinha na prestação (transmissão da propriedade), perda esta que deve ser apreciada objetivamente. Assim sendo, em face da factualidade que resultou provada, entende este Tribunal que tem a ação de improceder por falta dos requisitos legais.” 19. Analisando. Na situação dos autos, e com os factos provados que se reputam mãos relevantes, para justificar o que se diz em seguida (30 a 38, sobretudo), não há dúvidas de que o contrato promessa já não está em vigor, por vontade manifestada por ambas as partes, por modos diversos e que, por agora, não se afiguram de interesse decisivo. E não estando em vigor o contrato, importa apurar se há alguma das partes que seja o principal ou exclusivo responsável pela não cumprimento e extinção do contrato. Não há dúvidas que a fracção prometida no contrato para efeito de venda ao A. não foi construída nos exactos termos do que havia sido prometido: não nos acabamentos (nas partes comuns e na fracção) e não no que se reporta ao lugar de garagem. A situação foi identificada pelo A. e reconhecida pela R. O A. esperou que a R. resolvesse os problemas detectados, embora se tenha conformado com o facto de a garagem não poder ser já executada nos termos previstos. Por outro lado, a Ré sabe que não cumpria com as exigências do contrato e propôs ao A. que terminassem o negócio com a devolução dos valores percebidos a título de sinal e reforços, mas o A. não quis. No entanto, o A. também não estava disponível para realizar o contrato-prometido na data agendada pela R. sem a correcção dos defeitos na coisa – à excepção da mudança do local da garagem. Tendo a Ré procurado agendar a celebração do contrato definitivo – e com várias tentativas – depois de o fazer, o A. não compareceu, e a carta de marcação da data tinha a advertência de que a falta do A. conduziria a R. a considerar o contrato resolvido. Sucede que, na essência, a responsabilidade das partes pelo incumprimento do contrato é, na sua essência da responsabilidade da Ré, ainda que possa haver ter existido uma reacção do A. que levasse o R. a ver aqui uma responsabilidade partilhada: por um lado, a R. é responsável porque marca a escritura sem o prédio estar nas condições exigidas pelo contrato e porque não demonstra que tinha vontade em reparar os defeitos identificados para cumprir a sua obrigação nos termos em que o negócio fora acordado (e já assumindo que a situação da garagem era aceita pelo A.), sabendo que se o prédio não estava nas condições acordadas a responsabilidade era exclusivamente sua e não podendo esperar que o A. aceitasse a modificação que lhe propunha; por outro lado, pelo A., ao não ter aceite a proposta da Ré de resolver o contrato e receber o sinal (ou vender a sua posição a terceiros, por exemplo) quando lhe foi transmitido que alguns dos defeitos da obra não eram susceptíveis de serem corrigidos, não tendo logo, nesse momento, optado pela resolução do contrato com base no incumprimento da Ré e causando nela a convicção de que o problema da garagem estaria ultrapassado e, porventura, os demais sê-lo-iam também. Mas a posição do A. é compreensível: não se tratando de profissional qualificado do ramo de negócio imobiliário ou com formação jurídica, mas um particular, só com aconselhamento especializado terá tomado consciência plena da situação jurídica e do modo mais adequado de a resolver, após consulta a advogado, tendo reagido mais energicamente face à postura da R. num prazo razoável após a data em que recusou a restituição do sinal em singelo ou a alteração do acordo (por outras vias), exigindo, ao invés, ou o cumprimento do devido ou a resolução do contrato com restituição do sinal em dobro (cf. factos provados: 20. Foi proposto pela Ré a devolução do sinal, assumindo o erro quanto ao lugar de garagem, que era impossível de ser reparado e o A. recusou, em 31 de janeiro de 2022; 29. No dia 11 de fevereiro de 2022, o Autor manifestou a perda de interesse no negócio e interpelou a Ré para devolução do sinal em dobro, no prazo de 10 dias, “…sob pena de incumprimento definitivo e recurso aos meios legais…”). A defesa da R. no sentido de o A. estar a tentar protelar a marcação da escritura, não tem respaldo nos factos provados, nem se apresenta como razoável na perspectiva de quem já havia pago a quase totalidade do preço do contrato, atento o sinal passado e os reforços realizados, quando comparado com o valor que pagaria na escritura (cf. factos provados 4. O preço acordado foi de € 113.000,00 euros, tendo o Autor pago à Ré, no ato de assinatura do contrato de promessa de compra e venda, no dia 8 de janeiro de 2020, o valor de € 67.800,00 euros, correspondente a 60% da prometida compra e venda da fração mencionada, a título de sinal e princípio de pagamento. 7. O restante valor em dívida, no montante de € 11.300,00 euros, seria pago pelo Autor à Ré no ato da realização da escritura de compra e venda). O único motivo que poderia justificar esse protelar seria o de dar tempo à R. para corrigir os problemas denunciados oportunamente. 20. Assim, não se pode discordar da solução do acórdão recorrido quando diz: “Ora, no caso dos autos, verificamos que a perda de interesse na concretização do negócio por parte do A/promitente comprador foi legítima, quer em termos subjetivos, quer em termos objetivos. Efetivamente, o autor adiantou à ré uma quantia assinalável a título de sinal e princípio de pagamento (€ 67.000,00), no pressuposto de que a compra e venda seria realizada em 20 meses, mas sobretudo que a fração objeto do contrato lhe seria entregue conforme mapa de acabamentos acordados, designadamente com o lugar de garagem acordado (junto ao elevador), com os tetos em pladur rebaixados e com isolamento térmico e acústico, e os muros das áreas comuns com acabamento em granito. Ou seja, mesmo condescendendo em relação ao lugar de garagem (como manifestou no email de 31 de Janeiro de 2022, que endereçou à ré), o A nunca condescendeu relativamente ao acabamento dos tetos – que se apresentavam, em 10 de fevereiro de 2022, cerca de 5 meses após a data prevista para a realização da escritura de compra e venda, em betão aparente e não em gesso cartonado, com aplicação de isolamento térmico e acústico, executados a lã de rocha de 70 kg/m, como consignado no mapa de acabamento -, nem relativamente ao arranjo exterior do logradouro e da piscina, que naquela data não estavam executados, conforme estipulado no mapa de acabamentos, e comunicado pela ré que iria ser cumprido. Neste particular, os muros de vedação não possuíam revestimento final, tendo sido alterado o acabamento dos muros, não tendo sido colocado granito tradicional, conforme exigido no mapa de acabamentos Ademais, nunca o A manifestou à ré a intenção de cumprir o contrato promessa, adquirindo a fração objeto daquele contrato, sem que ela estivesse acabada e de acordo com o que ficou estipulado no contrato promessa. Isso mesmo transmitiu à ré, de forma clara, em 10 de janeiro de 2022 (após várias marcações da escritura por parte daquela, e às quais o A não compareceu), de que não iria outorgar a escritura enquanto o apartamento não estivesse pronto e em conformidade. Ademais, foi o A sempre fiscalizando a obra (desde Junho de 2021), e pressionando a ré no sentido de a obrigar a cumprir a sua parte no acordo (concluindo a obra de acordo com o mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa). Apesar disso, a ré não mostrou sinais de pretender cumprir com o acordado, alterando o lugar de garagem que havia atribuído ao A sem a sua autorização e consentimento, e não concluindo as obras de acordo com o mapa de acabamentos elaborado, mantendo o apartamento desconforme ao estipulado, aquando da última vistoria ao mesmo, em 10.2.202. Donde, a situação criada pela ré tornava inexigível, objetivamente, que o autor ficasse a ela vinculado, pelo que a sua perda de interesse pelo negócio apresentou-se como uma consequência natural face ao circunstancialismo apurado. Será assim legítimo concluir, de todo o circunstancialismo descrito, que a persistência da ré em não cumprir o acordado, levou o A – como levaria qualquer cidadão comum -, a perder o interesse no negócio, responsabilizando a R. pela situação criada. Objetivamente, o autor arriscava-se a adquirir o apartamento no estado em que ele se encontrava, contra a sua vontade, e a ter de demandar a R. em ação posterior, para ver sanados os defeitos/desconformidades – com todos os custos que essa demanda lhe iria acarretar, e sem garantias de êxito na ação.” O que significa que a solução adequada é a formulada pelo tribunal recorrido, valorizando a falta de prova da R. de estar em condições de cumprir o contrato como o havia celebrado – com excepção da garagem – na data em que a escritura, por si marcada, foi agendada. E não sendo relevante o seu argumento no sentido de se dever aplicar aqui o regime do cumprimento com defeitos, porque ao contrato promessa também se aplica o regime geral dos contratos – sabendo que a coisa a adquirir não reunia as condições acordadas, não se podendo aceitar que a R. se desculpe com o cumprimento defeituoso passando os ónus e encargos da reparação para a responsabilidade do A. – por força do princípio da equiparação. 21. Também se concorda com a decisão recorrida quando aí se diz: “Ora, no caso dos autos, mesmo perante a evidência revelada pela vistoria realizada à obra em 10.2.2021 – na qual foram elencados vários defeitos/desconformidades do apartamento relativamente ao mapa de acabamentos acordado -, ousou a ré marcar a escritura para 16.2.2021 (6 dias após a data daquela vistoria), sem qualquer hipótese de resolução dos problemas (estruturais) verificados - o que revela que era sua intenção “forçar” o A a celebrar o negócio contra a sua vontade, relativamente a um apartamento com acabamentos que não foram os por si acordados. A postura da ré perante o A foi inequivocamente a de que pretendia realizar a escritura a todo o custo, e vender o apartamento ao A no estado em que ele se encontrava, declinando qualquer responsabilidade pelos aludidos defeitos. Efetivamente, mesmo não tendo declarado expressamente que não iria resolver os problemas do apartamento (sobretudo os dos tetos e dos muros exteriores), o seu comportamento foi de molde a fazer crer que iria ser essa a sua postura. Ora, no circunstancialismo apurado, analisando e interpretando todo o quadro circunstancial apurado à luz dos ditames da boa-fé, temos de concluir, como o faria qualquer destinatário normal, que o comportamento da ré evidencia uma inequívoca vontade de não cumprir a obrigação assumida para com o A (apesar de assumir o incumprimento do contrato quanto ao lugar de garagem, aos tetos da fração e aos muros do jardim). E, como se disse, adotando o devedor um comportamento incompatível com o cumprimento da prestação a que está vinculado, tal comportamento equivale ao incumprimento definitivo do contrato, tornando desnecessário que o credor proceda à conversão da mora em incumprimento definitivo – quer através da prova da insubsistência do seu interesse no cumprimento, quer mediante o ónus de fixação de um prazo suplementar e admonitório previsto no art.º 808º, n.º 1 do CC – para poder peticionar a restituição do sinal em dobro. Conclui-se assim do exposto sempre teria o A – perante o incumprimento da ré, manifestado no seu comportamento de não pretender cumprir a obrigação -, o direito à resolução do contrato promessa, e a pedir a restituição do sinal em dobro.” 22. E igualmente se concorda com a solução de considerar que a mora da Ré foi transformada em incumprimento definitivo pela carta da A: “E assim, com a comunicação que o A fez à ré, em 11.2.2021, a manifestar-lhe a perda de interesse no negócio, o A converteu a mora em que ela se encontrava em incumprimento definitivo”. Improcede assim a questão suscitada no recurso relativa ao erro de direito sobre a solução jurídica aplicada aos factos provados. III. Decisão Pelos fundamentos indicados, é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido. As custas são da responsabilidade da R. Lisboa, 19 de Setembro de 2024 Relatora: Fátima Gomes 1º adjunto: Ferreira Lopes 2º adjunto: Nuno Ataíde das Neves |