Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00008498 | ||
Relator: | CRUZ ALVURA | ||
Descritores: | SIMULAÇÃO FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA | ||
Nº do Documento: | SJ19460322026009 | ||
Data do Acordão: | 03/22/1946 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Referência de Publicação: | DG IªS 12-04-1946; BOMJ ANO 6 PAG103 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PARA O PLENO. | ||
Decisão: | FIXADA JURISPRUDÊNCIA | ||
Indicações Eventuais: | ASSENTO 1/1946 | ||
Área Temática: | DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PATRIMONIO. DIR CIV - TEORIA GERAL. | ||
Legislação Nacional: | CCIV867 ARTIGO 1031 PARUNICO ARTIGO 1032 ARTIGO 1549 ARTIGO 1565 ARTIGO 2364 ARTIGO 2373. CP886 ARTIGO 39 N10 ARTIGO 125 ARTIGO 453 PARUNICO ARTIGO 455. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1939/04/28 IN COL OF ANO38 PAG178. ACÓRDÃO STJ DE 1940/07/19 IN BMJ N1 PAG32. | ||
Sumário : | Para que se verifique o crime do artigo 455 do Codigo Penal basta que a simulação possa causar prejuizo. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em secções reunidas no Supremo Tribunal de Justiça: No acordão deste Tribunal de 15 de Maio de 1945, a folhas 219, foi dado provimento ao recurso interposto do acordão da Relação de Lisboa, de 13 de Dezembro anterior, a folhas 155, que havia mantido o despacho do tribunal da comarca de Silves, de 23 de Junho de 1944, a folhas 109, que pronunciara, como autores do crime previsto e punido pelo artigo 455 do Codigo Penal, A, B e C, identificados nos autos, por os dois primeiros haverem simulado, na escritura publica de 27 de Maio de 1943 da secretaria notarial da sede da mesma comarca, a venda ao segundo do unico predio que a primeira possuia, a fim de esse imovel ser passado ao terceiro indiciado, filho da primeira e que fora quem convencera o segundo para intervir na escritura, que foi feita para iludir o disposto no artigo 1565 do Codigo Civil. Para assim decidir e mandar arquivar o processo, fundou-se aquele acordão de 15 de Maio em que o referido contrato de compra e venda caira pela sua rescisão, constante da escritura publica de 23 de Setembro de 1943, tornando-se impossivel o prejuizo dos herdeiros legitimarios da outorgante vendedora, não se verificando assim um dos elementos do referido crime, que e o prejuizo de terceira pessoa ou do Estado, que tem de ser efectivo, não bastando que seja eventual ou possivel. Ao abrigo do artigo 668 do Codigo de Processo Penal o Ministerio Publico interpos recurso para o tribunal pleno, por o dito acordão de fl. 219 estar em nitida oposição com o emitido no processo n. 24985, de 28 de Abril de 1939, e contrariando tambem a orientação seguida pelo tirado no processo n. 51141, de 19 de Julho de 1940, publicados, respectivamente, na Colecção Oficial n. 38, p. 178, e Boletim Oficial n. 1, p. 32. Admitido o recurso e tendo o recorrente exposto a oposição invocada e os recorridos sustentado que não havia tal oposição, foi dado o acordão de 3 de Julho, a fl. 237, que deu como verificada a oposição entre o acordão recorrido e o de 28 de Abril de 1939 e mandou cumprir o artigo 767 do Codigo de Processo Civil. Segundo este acordão de 1939, para que a simulação constitua infracção da lei civil ou da lei penal nos termos dos artigos 455 do Codigo Penal e 1031 do Codigo Civil, não e preciso que o dano por ela causado coexista com a propria celebração do contrato, isto e, que seja efectivo e actual, porquanto toda a incerteza, toda a ameaça de uma possivel espoliação ou usurpação de direitos constitui prejuizo, e, consequentemente, o ser declarado nulo o contrato não dirime a responsabilidade penal, pois que o facto criminoso foi praticado e produziu, durante certo tempo, o efeito danoso que os agentes tiveram em vista. Recorrente e recorridos alegaram, defendendo aquele a doutrina desse acordão de 1939 e estes a manutenção do acordão de fl. 219. E tendo o processo corrido os vistos, cumpre resolver o recurso. A oposição de doutrina, verificada no acordão de fl. 237, e manifesta: no acordão recorrido exige-se, como elemento essencial do crime, o prejuizo real e efectivo, e no acordão de 1939 considerou-se bastante para se dar o crime a possibilidade do prejuizo. Para essa oposição acresce que o direito dos filhos em relação aos actos simulados praticados pelos pais esta definido pelo assento de 19 de Dezembro de 1941. A alienação do patrimonio, não pode ter tratamento menos severo do que a simples oneração de bens com dividas considerada no assento. E o artigo 1565 do Codigo Civil, que, no caso destes autos, se quis iludir, estabelece uma garantia desse direito. As hipoteses versadas nos dois acordãos coincidem e as resoluções tomadas foram em sentido oposto. Ha pois, que decidir sobre tal conflito de jurisprudencia. Ainda que se considere autonomo, e não simples sancionador o direito criminal, não pode por-se em duvida que ele tutele e proteja, e pela forma mais rigorosa, a ordem juridica. As ofensas a esta ordem, posto que consideradas e tratadas de modo proprio por esse direito, são sempre fundamentalmente os mesmos actos ilicitos, como resulta de muitas disposições legais, designadamente dos artigos 2364 e 273 do Codigo Civil. Ora o facto ilicito punido pelo artigo 455 daquele Codigo e pela sua denominação, o definido pelo citado artigo 1031 e paragrafo unico, embora restrito aos contratos. O artigo 455 nem descreve o facto, nomeia-o apenas e com uma referencia ao prejuizo analogo a do capitulo do Codigo Civil em que esta inserto o mesmo artigo 1031 e que e "Dos actos e contratos celebrados em prejuizo de terceiro". Assim, não pode dar-se ao artigo 455 outra razão de facto diversa da que tem, com a limitação referida, o artigo 1031. O acto ilicito civil prevenido neste artigo, quanto a contratos, e facto ilicito penal, pela simples inclusão dele naquele artigo 455, que lhe marca a sanção criminal. O paragrafo unico do artigo 453 do Codigo Penal esclarece igual referencia feita a prejuizo no corpo desse artigo, com que o acordão recorrido argumenta, não repele a integração do artigo 455 com o citado artigo 1031 e ate mesmo a pode favorecer por mostrar que a formula usada nos dois artigos do Codigo Penal abarca a ideia de prejuizo efectivo ou possivel. A expressão "em prejuizo" indica fim, equivale a do artigo 1031 "com o fim de defraudar" e da ao artigo 455 significado diverso do que teria se nele se lesse "com prejuizo". Trata-se do elemento intencional, do chamado dolo especifico, isto e, do motivo do facto que lhe da a ilicitude e distingue a simulação inocente da delituosa. Sempre que se celebre um contrato em que as partes, com o fim de defraudar os direitos de terceiros ou do Estado, declarem ou confessem falsamente alguma coisa que na verdade se não passou ou que entre elas não foi convencionada, dão-se os elementos do crime que o artigo 455 pune. No caso dos autos, o facto criminoso consumou-se com a conclusão da escritura da venda, completaram-se então todos os requisitos da figura legal do crime e deu-se mesmo o efeito imediato desejado: o predio sair do dominio (artigo 1549 do Codigo Civil) da que era incapaz de, por si so, sem satisfação do exigido no referido artigo 1565, fazer a venda pretendida, ficando assim os outros filhos da vendedora sem o poder que este artigo lhes conferia. O distrate produziu a restituição prevista no artigo 1032 do Codigo Civil, mas não e considerado no artigo 125 do Codigo penal ou noutra disposição criminal como causa extinta da responsabilidade penal. Pode ser a reparação do dano e assim a circunstancia atenuante 10 do artigo 39 deste Codigo, sendo de notar que no presente caso a escritura em que os simuladores rescindiram o contrato arguido foi lavrada catorze dias depois da participação inicial deste processo e doze dias apos terem prestado declarações perante o vice-presidente da Camara Municipal do concelho de Silves. Pelo exposto, dão provimento ao recurso, revogam o acordão de folha 219, confirmam o acordão da Relação de folha 155, com o minimo de imposto de justiça por cada um dos agora recorridos, e resolvem o conflito de jurisprudencia com o seguinte assento: Para que se verifique o crime do artigo 455 do Codigo Penal basta que a simulação possa causar prejuizo. Lisboa, 22 de Março de 1946 A. Cruz Alvura - Baptista da Silva - Sampaio e Melo - F. Mendonça - Raul Duque - Magalhães Barros - Heitor Martins- - Roberto Martins - Rocha Ferreira - Oliveira Pires - Pedro de Albuquerque - Baptista Rodrigues - Julio de Seabra - Teixeira Direito (vencido. A lei penal não consente interpretação extensiva, como resulta do artigo 18 do Codigo Penal. Chamando a operar sobre o artigo 455 a expressão "possa prejudicar", que acrescentou o Decreto n. 20146, de 1 de Agosto de 1931, ao artigo 453, ampliou-se por extenção o artigo 455 so para inquisitoriamente se aumentar a criminalidade). |