Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FÁTIMA GOMES | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA INTERNACIONAL RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DIREITOS DE PERSONALIDADE DIREITO À IMAGEM FUTEBOLISTA PROFISSIONAL DIREITO AO NOME UTILIZAÇÃO ABUSIVA FACTO ILÍCITO CAUSA DE PEDIR DANO RESIDÊNCIA HABITUAL TRIBUNAIS PORTUGUESES REGULAMENTO (UE) 1215/2012 CONSTITUCIONALIDADE RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 05/28/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
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Sumário : | No âmbito de processos em que a ré é a mesma, sendo semelhantes as causas de pedir invocadas, em particular no que relevam para o efeito de determinar a competência dos tribunais portugueses, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido uniformemente no sentido de que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes segundo o princípio da causalidade, para conhecer de acções de responsabilidade civil extracontratual, propostas por jogadores de futebol, que pedem uma indemnização pela utilização não consentida do seu nome e da sua imagem, em videojogos produzidos nos Estados Unidos da América, baseadas em causas de pedir complexas, nas quais os danos invocados pelos autores se prolongam no tempo e, de acordo com o que é alegado, ocorrem significativamente em Portugal, uma vez que os factos alegados situam em Portugal o centro de interesses do autor. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. No proc. acima identificado, foi proferida a seguinte decisão individual: (transcrição) Despacho I. Relatório 1. No processo em epígrafe foi proferida a decisão que se transcreve: «Excepção de incompetência internacional (absoluta) do tribunal: O autor AA, português e residente na Praça ..., ... ..., em Portugal, veio demandar a ré «Electronic Arts Inc.», com sede em ..., nos Estados Unidos da América, pedindo seja a acção julgada procedente, por provada, e, em consequência: a) Seja a ré condenada a pagar-lhe, a título de indemnização, por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de € 42.000,00 (quarenta e dois mil euros) de capital, acrescida de juros vencidos, no montante de € 19.165,15 (dezanove mil e cento e sessenta e cinco euros e quinze cêntimos), tudo no total de € 61.165,15 (sessenta e um mil e cento e sessenta e cinco euros e quinze cêntimos), e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei; b) Seja a ré condenada a pagar-lhe montante nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido dos juros vencidos, no montante de € 2.567,67 (dois mil e quinhentos e sessenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), tudo no total de € 7.567,67 (sete mil e quinhentos e sessenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei. Para sustentar as sobreditas pretensões, invocou o autor, muito em síntese, que é um jogador de futebol, actualmente no Clube..., tendo permanecido vinculado a diversos clubes, entre 2003 e 2020, incluindo Brasil, Chipre, Bulgária, Grécia, Cazaquistão, Inglaterra, Noruega e, durante oito épocas desportivas, em Portugal, incluindo as últimas quatro, sendo que, por causa da sua carreira, conta com a exposição pública da sua imagem e sucedendo que a ré, nos jogos electrónicos, vídeos e aplicativos que desenvolve e fornece, incluindo os denominados Fifa ou Fifa Football ou Fifa Soccer, utilizou e continua a utilizar a imagem, nome e as características pessoais e profissionais do autor, o que faz em todo o Mundo, sem a sua autorização e contra a sua vontade, desde, pelo menos, 2007, com o que obtém proventos ilícitos e prejudica a imagem e o nome do autor. Na contestação que ofereceu, entre o mais, veio a ré invocar que este tribunal é internacionalmente incompetente, pois entende que não existe qualquer factor legal atributivo de competência aos tribunais portugueses, ponderando que a ré é uma sociedade norte-americana, com actividade nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, não actuando em Portugal e sequer na Europa, além de que a produção dos jogos que o autor entende que lesam a sua imagem não se desenvolve em Portugal, nem aqui são pela ré vendidos, mas por terceiros, não alegando o autor a produção de danos em Portugal. Foi exercido o contraditório, pugnando o autor pela competência internacional deste tribunal, em consonância com a posição constante da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Importa decidir. É consabido que a incompetência internacional do tribunal (incompetência absoluta) deve ser conhecida nesta sede, isto é, na fase de saneamento do processo, e constitui excepção dilatória, a qual, neste caso, é de conhecimento oficioso, podendo ser conhecida até à sentença, mas foi, de todo o modo, alegada em tempo (na contestação), determinando a sua verificação a absolvição do réu da instância (art.ºs 59.º, 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 98.º, 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a), 279.º, 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, alínea a), 578.º e 595.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil). Impõe-se, assim, encetar pelo exame da excepção de incompetência absoluta deste tribunal para a tramitação e decisão da presente acção, a qual, a ser declarada, impede a prolação de decisão que incida sobre o mérito da causa. Tem sido posição constante e uniforme aquela que estabelece que a competência do tribunal se afere em função do objecto processual que é configurado nos autos pelo autor na sua petição inicial, isto é, a competência deve analisar-se no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir tal como são representados pelo autor no articulado inicial. Da antecedente asserção decorre que a questão da competência internacional terá que ser apreciada independentemente do mérito da acção. Assim sendo, é em função do thema decidendum representado nesta acção pelo autor que deve ser aferida a competência internacional do tribunal. Nesse sentido, pode ver-se, entre tantos outros arestos e a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2020 (acessível in www.dgsi.pt – processo n.º 12223/16.6T8PRT.P1.S1), no qual, em síntese e entre o mais, se decidiu que “I – A competência internacional deve ser aferida em função do pedido e da causa de pedir.”, bem como se poderá tomar em consideração o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.10.2021 (acessível in www.dgsi.pt – processo n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1), no qual ficou decidido, de igual modo, que “I -A competência internacional dos Tribunais Portugueses afere-se pelo quid disputatum, isto é, pelos termos em que o autor configura a relação jurídica controvertida, pressupondo que o litígio apresenta um ou mais elementos de conexão com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro.” Nestes termos, a materialidade com relevância para a apreciação da excepção de incompetência material deste tribunal é a que resulta da alegação factual oferecida pelo autor na sua petição inicial, a qual se encontra já expressa e cuja reiteração se revela despicienda, mas para cujo teor se remete e se considera reproduzido. Dessa alegação, destaca-se, contudo, porquanto relevante para a decisão, o seguinte enquadramento feito pelo autor e decorrente do seu articulado inicial: a) O autor é português e tem domicílio em Portugal; b) O autor permaneceu vinculado a diversos clubes de futebol, entre 2003 e 2020, incluindo no Brasil, Chipre, Bulgária, Grécia, Cazaquistão, Inglaterra, Noruega e em Portugal, durante oito dessas épocas desportivas, incluindo as últimas quatro. c) O autor invoca que a lesão do seu nome e imagem ocorreu em todo o Mundo, através dos produtos produzidos e comercializados pela ré, incluindo em Portugal; d) A ré tem sede e desenvolve a sua actividade nos Estados Unidos da América. Face ao enquadramento precedentemente plasmado, verifica-se, portanto, que, nesta acção declarativa de condenação, está desde logo em causa a alegada violação, pela ré, de direitos de personalidade (pessoais) do autor, conduta essa que sustenta um pedido de indemnização, para ressarcimento dos danos decorrentes da alegada conduta ilícita, culposa e geradora de danos perpetrada pela ré. Ante o exposto, no caso em apreço, terá que se concluir que a responsabilidade civil assacada à ré, independentemente de se encontrar ou não assente o rigoroso enquadramento jurídico dos factos que integram a causa de pedir, tem claramente natureza estritamente extracontratual. Também não é menos óbvio que a relação material controvertida, para além da ordem jurídica portuguesa, apresenta conexão com várias ordens jurídicas estrangeiras, tendo presente que o autor reside e trabalha em Portugal e que a ré tem sede e desenvolve a sua actividade nos Estados Unidos da América, tendo-se os alegados factos ilícitos e culposos geradores de danos sido consumados ao longo dos anos em todo o Mundo. Neste conspecto, deflui do disposto no art.º 37.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), que a competência internacional dos Tribunais portugueses, se deverá fixar de acordo com os factores de conexão definidos pela lei do processo. Decorrência de tal estipulação, teremos que concluir que é o regime processual civil interno que estabelece as normas que atribuem ou denegam a competência aos tribunais nacionais, quando em causa estejam litígios transfronteiriços. Aqui chegados, importa então convocar o regime plasmado no art.º 59.º, do Código de Processo Civil, o qual, sob a epígrafe “competência internacional”, preceitua que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.” Decorre de tal norma (art.º 59.º, do Código de Processo Civil), conjugada com o que preceituam o art.º 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e o art.º 8.º, n.º 4 da Constituição de República Portuguesa, que, para efeito de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses, a regra é a de que, quando a matéria discutida não esteja abrangida pela competência exclusiva dos tribunais portugueses, prevalece sobre os elementos de conexão mencionados nos art.º 62.º e 63.º, do Código de Processo Civil, e também predomina sobre a celebração de pacto atributivo de competência, nos termos do artigo 94.º, do mesmo Código, o regime que para o mesmo efeito (atribuição de competência internacional) se mostre estabelecido nos regulamentos europeus ou noutros instrumentos internacionais, quando aqueles regulamentos não tenham aplicação e estes a tenham. A propósito, pode ver-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07.12.2017 (com texto integral acessível in www.dgsi.pt – processo n.º 6919/16.0T8PRT.G1), com a seguinte síntese, para o que ao caso importa: “I – Coexistem na nossa ordem jurídica dois regimes gerais de competência internacional: o regime interno estabelecido no CPC e o regime comunitário. II – O regime interno de competência internacional só será aplicável quando a ação não for abrangida pelo âmbito de aplicação do regime comunitário, que é de fonte hierarquicamente superior e face ao princípio do primado do direito europeu (cfr. arts. 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, 8.º, n.º 4 da Constituição de República Portuguesa e 1ª parte do art. 59º do CPC). III – O regime comunitário aplicável é, atualmente, o definido pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, que revogou o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/2000, aplicável às ações instauradas a partir de 10 de Janeiro de 2015. IV – Como manifestação do princípio da consensualidade ou da autonomia privada, o art. 25º do Regulamento n.º 1215/2012 prevê a possibilidade de as partes poderem convencionar quais os tribunais que serão internacionalmente competentes para dirimirem relações jurídicas plurilocalizadas ou transfronteiriças em caso de litígio. V – Como requisito formal, o pacto de jurisdição só será válido se tiver sido celebrado por escrito ou verbalmente, com confirmação escrita. (...)” Assim, quando as partes numa acção judicial se encontrem domiciliadas em diferentes Estados-Membros da União Europeia e inserindo-se a relação jurídica controvertida em matéria civil, mostra-se excluída a competência exclusiva dos tribunais nacionais, havendo que atender, nessa circunstância e em primeira linha, quanto à determinação da competência internacional, às regras que se mostrem estabelecidas nos regulamentos europeus e, perante a inexistência destes, noutros instrumentos internacionais. Posto isto, para efeito de aferir se ao caso tem aplicação o regime em matéria de competência internacional que se mostre estabelecido nos regulamentos europeus ou noutros instrumentos internacionais, importa elucidar que, nos termos do disposto no art.º 38.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, a competência do tribunal (incluindo a internacional) fixa-se no momento em que a acção é proposta (princípio da perpetuatio fori ou jurisdictionis), sendo irrelevantes as modificações de facto, salvo nos casos especialmente previstos na lei, ou de direito ocorridas na sua pendência, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa. Tendo por ajustado que a lei processual civil aplicável a esta acção é a vigente à data da sua instauração, sabemos que, na situação vertente, não se estabelece um diferendo entre partes que se encontrem ambas domiciliadas em estados-membros da União Europeia, pois só Portugal é um estado-membro, não sendo, portanto, aplicável o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012 (na versão do Regulamento(UE) n.º 281/2015, de 25 de Fevereiro), relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, o qual, de acordo com o seu art.º 81.º, é aplicável às acções judiciais entradas desde 10 de Janeiro de 2015 e veio revogar, no seu art.º 80.º, o Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, que, por sua vez, veio substituir, entre os Estados-Membros, as Convenções de Bruxelas e de Lugano de 16.09.1988. Também não existe instrumento internacional que regule a competência dos tribunais portugueses no caso vertente. Perante o exposto, não estando configurada qualquer situação atributiva de competência aos tribunais portugueses, à luz dos critérios ínsitos no art.º 63.º, do Código de Processo Civil, essa competência só pode ser afirmada por efeito de alguma das normas consagradas no art.º 62.º, do Código de Processo Civil, o qual sob a epígrafe “factores de atribuição da competência internacional”, assim dispõe: “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.” Ora, em situações análogas àquela que nos ocupa, principiou a jurisprudência dos tribunais das Relações por defender, muito em síntese, que não existia qualquer um dos critérios legais alternativos atributivos de competência internacional aos tribunais portugueses, consagrados no art.º 62.º, do Código de Processo Civil, por não se verificarem nem os pressupostos integradores do critério da coincidência contido na sua alínea a), nem os da causalidade previsto na sua alínea b), nem os da necessidade estabelecido na alínea c),competência essa que, por isso, foi sendo declinada. Nesse sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes arestos, todos com texto integral acessível in www.dgsi.pt: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.10.2021, no processo n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.01.2022, no processo n.º 3853/20.2T8BRG.G1; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.02.2022, no processo n.º 637/20.1T8PRT.P1; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.02.2022, no processo n.º 4157/20.8T8STB.E1. No entanto, tal jurisprudência sofreu clara inversão quando apreciada a mesma questão pelo Supremo Tribunal de Justiça, mormente desde a prolação do Acórdão de 24.05.2022, no processo n.º 3853/20.2T8BRG.G1.S1, assim sumariado: “I. São internacionalmente competentes para conhecer o mérito de uma ação de responsabilidade civil extracontratual, por violação de direitos de personalidade através de conteúdos mundialmente difundidos, os tribunais do país onde se encontra o centro de interesses do lesado durante o período em que ocorrem os danos provocados por essa ofensa. II. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, para decidirem uma ação em que um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua atividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem nos videojogos FIFA, produzidos nos E.U.A. e divulgados por todo o mundo.” Foi, pois, o enfoque colocado no critério do centro de interesses do lesado durante o período em que ocorrem os danos provocados pela ofensa dos seus direitos de personalidade que teve papel preponderante na orientação seguida pela jurisprudência mais recente e constante do Supremo Tribunal de Justiça, podendo ver-se, aliás, no mesmo sentido, os seguintes doutos arestos, entre tantos outros, pugnando todos pela competência internacional dos tribunais portugueses em situação claramente análoga àquela sobre a qual nos detemos nos presentes autos, assim sumariados: ♦ Acórdão de 23.06.2022, no processo n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1: “I. De acordo com a jurisprudência anterior do STJ: (i) São internacionalmente competentes para conhecer o mérito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, por violação de direitos de personalidade através de conteúdos mundialmente difundidos, os tribunais do país onde se encontra o centro de interesses do lesado durante o período em que ocorrem os danos provocados por essa ofensa; (ii) Os tribunais portugueses são, pois, internacionalmente competentes, nos termos do art. 62.º, b), do CPC, para decidirem uma acção em que um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua actividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem em videojogos produzidos nos ... e divulgados por todo o mundo. II. Nos casos em que os danos se prolongam no tempo e o centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a acção em que se reclama o pagamento de uma indemnização por tais danos poderá ser intentada em qualquer uma das respectivas jurisdições, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa e o foro escolhido para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais. III. No caso dos autos, constata-se que não é possível seguir-se o critério enunciado em I., uma vez que, entre os diferentes países em que o lesado desenvolveu a sua actividade profissional, não é possível identificar um que seja entre todos prevalecente e, portanto, não é possível identificar a existência de um centro de interesses predominante. IV. Quanto à aplicação do critério enunciado em II., considera-se que, ao interpor a presente acção nos tribunais portugueses, optou o autor por uma das jurisdições nas quais os danos terão ocorrido (art. 62.º, al. b), do CPC), a qual configura, no contexto concreto da factualidade alegada, um elo suficientemente intenso entre a acção e o foro escolhido, que, por isso mesmo, merece acolhimento.” ♦ Acórdão de 27.09.2022, no processo n.º 637/20.1T8PRT.P1.S1: “I - A norma do art. 62.º do CPC, que estabelece os critérios de conexão para a competência internacional legal dos tribunais portugueses, deve ser interpretada de forma sistemática e actualista a partir do direito comunitário e da jurisprudência do TJUE e do princípio da interpretação conforme, nomeadamente quando esteja em causa situações plurilocalizadas do dano, devido, por exemplo, à ubiquidade do fenómeno digital. II - Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do art. 62.º, al. b), do CPC, para decidirem uma ação em que o autor, um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua atividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem nos videojogos FIFA, produzidos pela demandada nos E.U.A. e divulgados por todo o mundo, com base na responsabilidade civil extracontratual, por violação dos direitos de personalidade, e no enriquecimento sem causa (enriquecimento por intervenção no direito de personalidade ao nome e à imagem). III - Os danos por violação dos direitos de personalidade, no tocante à imagem e ao nome, na sua vertente patrimonial, podem der ressarcidos em sede de responsabilidade civil extracontratual (arts. 70.º e 483.º do CC), como no âmbito do enriquecimento sem causa (art.473.º do CC), na modalidade de enriquecimento por intervenção. IV - Enquanto na responsabilidade civil releva a perda ou diminuição verificada no património do lesado, já no enriquecimento por intervenção a indemnização contende com o enriquecimento injustificado do interventor, devendo corresponder à situação hipotética do património do enriquecido.” ♦ Acórdão de 15.02.2023, no processo n.º 4239/20.4T8STB.E1.S1: “I - Sobre o Tribunal impende a obrigação de julgar, na devida obediência à lei, não se podendo obliterar que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito, numa tutela dos vetores da certeza e da segurança jurídica na aplicação da lei e na resolução dos conflitos, mas sem questionar o primado da lei sobre a jurisprudência. II - A competência do tribunal, como medida da sua jurisdição é fixada em função dos termos em que a ação é proposta, considerando o pedido do autor, isto é, o direito a que se arroga e que quer ver reconhecido ou declarado judicialmente, não estando dependente de outros pressupostos processuais, dos termos da contestação ou oposição deduzida. III - Estabelecida uma hierarquia entre as fontes da atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses, prevalece o que se acha estabelecido em tratados, convenções e regulamentos comunitários, sobre as normas internas da regulação da competência em termos internacionais, não existindo nenhum instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária, será à luz do disposto do aludido art. 62.º, do CPC que deve ser aferida. IV - O critério da causalidade, constante da alínea b) do art. 62.º, diz-nos que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes desde que tenha sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram, resultando de forma clara da parte final desta norma, a plena aplicação aos casos em que haja uma causa de pedir complexa, constituída por uma pluralidade de atos ou factos jurídicos relevantes com ligação a mais do que um ordenamento jurídico ou jurisdição nacional. V - Enunciado na petição inicial que o A. pretende efetivar a responsabilidade da Ré por facto ilícito, decorrente da violação dos direitos à sua imagem e nome, enquanto jogador futebol, a nível nacional e mundial, por utilização daqueles em jogos de vídeo pertencentes à Ré, que os produz e desenvolve, sendo vendidos em Portugal e em todo o mundo, e os conteúdos utilizados em plataformas informáticas, configura-se a existência de uma causa de pedir complexa. VI - Os danos decorrentes da apontada violação de direitos de personalidade correspondem ao aproveitamento económico da personalidade do Autor e assim a lesão verifica-se no local onde o bem da personalidade é explorado economicamente, na vertente patrimonial, de forma plurilocalizada, em Portugal e no resto do Mundo, e os danos não patrimoniais, da afetação do mesmo pela utilização não autorizada da sua imagem e nome. VII - Para a atribuição da competência internacional do Tribunal Português configura-se adequado o critério da causalidade, alínea b), do art.º 62, do CPC, tendo em conta a alegada concretização da violação do direito ao nome e imagem do Autor. Assim como a verificação, pelo menos em parte, dos danos patrimoniais e não patrimoniais, e o desenvolvimento da sua profissão de jogador de futebol, invocada como seu sustento, em Portugal.” ♦ Acórdão de 25.05.2023, no processo n.º 3729/21.6T8BRG.G1-A.S1: “I. De harmonia com os critérios de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses, estabelecidos no artigo 62º do Código de Processo Civil: citério da coincidência (al. a)), critério da causalidade (al.b)) e critério da necessidade (al. c)), mostra-se suficiente que no caso submetido a juízo se identifique um dos fatores enunciados. II. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, em aplicação do fator da causalidade , para decidirem em acção de responsabilidade civil por violação de direitos de personalidade, alegando o Autor ser jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a atividade em Portugal, e reclama da Ré indemnização devida por danos provocados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem nos videojogos produzidos nos E.U.A., comercializados em todo o mundo e cujos conteúdos são utilizados em plataformas informáticas.” É, portanto, claramente maioritária a constante a jurisprudência que pugna pela competência internacional dos tribunais portugueses em situação análoga àquela que nos ocupa, a qual, em detrimento da circunstância de o facto ilícito e culposo gerador dos danos pelos quais o autor quer ser indemnizado ter alegadamente origem nos Estados Unidos da América, onde os jogos, vídeos, aplicações e demais produtos são produzidos e comercializados, faz prevalecer os já mencionados critérios atributivos da competência plasmados no art.º 62.º, alínea a) e alínea b), do Código de Processo Civil, correspondentes, respectivamente, ao critério da coincidência e ao critério da causalidade, previamente enunciados. Tal controvérsia redundou na problematização do também já aludido critério do centro de interesses, utilizado no direito comunitário, porquanto, como se elucidou previamente, em situação como aquela que analisamos não está em causa um litígio entre pessoas com domicílio em dois estados-membros, ao qual possam ser aplicadas as regras do direito comunitário. No que a esta particular questão concerne, bem elucida o precedentemente citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.02.2023, proferido no processo n.º 4239/20.4T8STB.E1.S1, no qual se argumenta que não está em causa e não têm aplicação as regras de direito comunitário, mas antes a interpretação das regras atributivas de competência aos tribunais portugueses à luz dos cânones do direito internacional, aliás, em consonância com as regra plasmada no art.º 8.º, n.º 3, do Código Civil, segundo a qual “(..) o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, nesse douto aresto se argumentando que se justifica o recurso a tal normativo “(...) na necessária abrangência que esta temática implica, no sentido da aludida e tendencial, aplicação uniforme do direito, em prol da certeza e seguranças jurídicas”. Não merece a questão que nos ocupa resposta linear, tendo até presente o inflamado debate jurisprudencial que sobre a mesma tem recaído e os argumentos expendidos a favor de uma tese e de outra, bem como contra as mesmas. Não obstante, concorda este tribunal com a douta fundamentação clara e desenvolvidamente expressa nos arestos que pugnam pela competência internacional dos tribunais nacionais, em consequência do que se entende que os critérios atributivos de competência internacional aos tribunais portugueses, a adoptar na situação vertente, não podem deixar de ser os critérios da coincidência e da causalidade que vêm respectivamente plasmados no art.º 62.º, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, porquanto, de acordo com a configuração que o autor dá à presente acção na sua petição inicial, isto é, olhando à situação de facto que vem delineada nesse articulado, constata-se efectivamente que, tal como é caracterizada pelo autor, o mesmo é português, reside e trabalha em Portugal, tendo permanecido vinculado a diversos clubes de futebol, entre 2003 e 2020, incluindo clubes portugueses, o que sucedeu no nosso país durante oito dessas épocas desportivas, incluindo durante as últimas quatro épocas, aquando da propositura da acção, tendo-se os efeitos da alegada lesão dos seus direitos de personalidade produzido na sua esfera jurídica ao longo do tempo e em vários países, incluindo predominantemente em Portugal, país onde reside e trabalha e, logicamente, se centrará não só a sua vida profissional, mas também e inerentemente a sua vida social e até a familiar. Conclui-se, assim, pela competência internacional deste tribunal, atentos os enunciados critérios legais pelos quais o autor (licitamente) optou. Pelos expostos fundamentos de facto e de Direito, julgo improcedente a excepção dilatória de incompetência internacional (absoluta) deste tribunal, o qual declaro competente para a tramitação e decisão desta acção.» 2. Desta decisão interpôs a R. recurso de apelação. 3. O Tribunal da Relação deu provimento ao recurso, julgando: “Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e em consequência revoga-se a decisão recorrida, julgando-se o tribunal internacionalmente incompetente para conhecer da presente acção, indo a R absolvida da instância.” 4. Não se conformando com a decisão o A. apresentou recurso de revista, no qual formula as seguintes conclusões (transcrição): a) Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nos autos que julgou o recurso interposto, pela ré, procedente e, em consequência, revogou a decisão recorrida, que julgou os tribunais portugueses internacionalmente competentes para o conhecimento da acção, sendo que nos termos dos artigos 671.º, n.º 1 e 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, o recurso, fundamentado na violação das regras de competência internacional, é sempre admissível. b) Assim, salvo diferente entendimento, o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, objecto do presente recurso, incorre em manifesta violação das regras de competência internacional, mais concretamente, na violação das disposições firmadas no artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento 1215/2012 e no artigo 62.º, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil. c) A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados. d) Entende o ora Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida. e) No que respeita ao caso concreto e ao uso indevido da imagem do Autor, os jogos da ré, com o conteúdo lesivo, são difundidos por esta, para serem utilizados e guardados em vários instrumentos tecnológicos, de diversas pessoas, a qualquer momento, em qualquer lugar. f) É o que sucede, por exemplo, com a colocação dos jogos em linha/ambiente digital, altamente potenciada com a expansão do uso da Internet e da qual a ré beneficia largamente para aumentar a divulgação e exploração comercial dos seus jogos e, bem assim, os avultados lucros daí advenientes. g) A título de exemplo, imagine-se que, alguém escrevia um livro em sua casa denegrindo ou simplesmente fazendo uso não autorizado da imagem da personalidade “A” ou até que esse alguém pintava um quadro com uma imagem menos abonatória dessa mesma personalidade “A”. h) Apenas não poderia ser invocado qualquer dano pela personalidade “A” pela utilização ilícita da sua imagem, se tal livro e tal quadro não saíssem nunca da casa do seu autor. i) O mesmo já não se pode afirmar se tal livro e/ou tal quadro fossem promovidos, divulgados e comercializados por todo o mundo, inclusive, no local de residência daquela personalidade “A”, nomeadamente, em estabelecimentos de toda a espécie. j) É assim, manifesto que os danos ocorreriam em todos os locais onde essa comercialização e divulgação tivesse lugar. k) Esta lógica é, pois, plenamente aplicável aos jogos da ré, pelo que estando os jogos disponíveis a nível mundial, o dano não é provocado só nos Estados Unidos. l) Por isso, a tese sufragada no acórdão recorrido, apenas faria sentido, salvo o devido respeito, se os jogos, com a imagem do Autor, apenas fossem produzidos em solo norte-americano e não transpusessem as suas fronteiras, para ser comercializados pela ré por todo o mundo sob todas as formas disponíveis, ou seja, online e em suporte físico. Contudo, não é esta a realidade dos factos. m) Conforme demonstrado, essa divulgação ocorre em todo o mundo e, também, em Portugal, pelo que há, obviamente, uma repercussão do facto danoso, também, em todo o território nacional. n) Mostrando-se alegado que a Ré utiliza ilicitamente a imagem do Autor a nível global, também em Portugal ocorre a lesão do bem jurídico, a violação dos direitos de personalidade do Autor. o) E, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça. p) Para além disso, não pode ser descurado o princípio da previsibilidade das regras de competência, sendo que a ré, enquanto autora da difusão do conteúdo danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocação da imagem, nome e demais características das “vítimas” da sua acção, nos jogos de que é proprietária com vista à sua divulgação mundial, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este. q) No presente caso, o Autor, cidadão português, que indicou a sua residência no ... Portugal, foi um jogador de futebol com uma extensa carreira, que jogou em diversos clubes, incluindo em clubes portugueses, tendo participado nas principais competições nacionais. r) Como assim, considerando que o Autor ficou conhecido como futebolista em Portugal, onde jogou nas últimas épocas e onde reside, temos de concluir que o seu centro de interesses da repercussão do seu nome e imagem se situa em Portugal e que foi no nosso país que sofreu (tem sofrido) as desvantagens da lesão aos seus direitos de personalidade. Isto resulta claramente do que se mostra alegado nos artigos 4.º, 5.º, 7.º e 8.º da Petição Inicial. s) O que releva, in casu, é o país onde ocorre o dano, independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indirectas do facto desencadeador da obrigação de indemnização. t) É este o contexto que nos encontramos, mas que o Tribunal a quo desconsidera totalmente, desvalorizando, de igual modo a protecção que a pessoa humana e a sua imagem merecem no ciberespaço. u) O Julgador não pode deixar de estar atento à evolução tecnológica e à expansão dos fenómenos dela resultantes, de forma a evitar decisões totalmente desfasadas da realidade em que vivemos actualmente. v) O facto constitutivo essencial desta causa reporta-se à produção e divulgação dos jogos utilizando a imagem e o nome do Autor, sem sua autorização, mas – ao contrário do referido no acórdão recorrido - a sua divulgação e exploração comercial não se localiza, exclusivamente, em solo norte-americano. w) Conforme demonstrado, essa divulgação ocorre em todo o mundo e, também, em Portugal, pelo que há, obviamente, uma repercussão do facto danoso, também, em todo o território nacional. x) Logo, conforme demonstrado nos autos, inclusive, através de diversa documentação junta com a petição inicial, os jogos da ré são comercializados em suporte físico em Portugal, nas mais variadas lojas, como por exemplo nas lojas da especialidade, nas grandes superfícies, na Worten, na Fnac, na Mediamarket, entre tantas outras. y) Não correspondendo à verdade que o Autor nos autos não tenha alegado que o facto danoso ocorre em Portugal, bastando atentarmos ao vertido na petição inicial (por exemplo, nos artigos 9.º, 15.º, 18.º, 102.º e 183.º e documentos juntos com esta peça como doc. 15, doc. 19, doc. 20, doc. 21 e o doc. 22, juntos com esta peça), para facilmente se constatar o contrário. z) Com efeito, no caso do direito à imagem, na concepção abrangente, a lesão não se dá apenas com a produção dos jogos (processo em que se inclui o nome e se representa a imagem num determinado suporte físico ou digital), mas também com a distribuição (que implica a sua exposição pública através da comercialização mundial generalizada desses suportes), e foi alegado nos autos que, pelo menos desde Outubro de 2007 (data de lançamento do jogo de vídeo FIFA 2008), a imagem do Autor “é utilizada pela Ré a nível global”, ou seja, não obstante o Autor alegar que a comercialização era efectuada por empresas subsidiárias da ré, a verdade é que imputa a divulgação apenas à ré, pelo que, segundo a alegação da petição inicial (e é isto que releva) a ré é responsável pela produção, distribuição por tais jogos FIFA. aa) A difusão em Portugal da imagem, nome e caraterísticas do Autor, cidadão português, nos videojogos da ré, não pode, ela também, deixar de constituir factualidade relevante que integra a causa de pedir da presente ação, pelo que se mostra preenchido, sem qualquer margem para dúvida, o critério da causalidade, previsto na alínea b) do artigo 62.º do Código de Processo Civil. bb) Acresce que, tal como já referido e amplamente demonstrado nos autos, o centro de interesses do Autor é em Portugal, aqui é o seu domicílio, aqui se encontram os seus familiares mais próximos, foi aqui que exerceu, também, predominantemente a sua actividade profissional (incluído as últimas quatro épocas), aqui é, pois, o centro da sua vida, pelo que estão os Tribunais portugueses melhor posicionados para conhecer do mérito da acção. cc) Nesta senda, o próprio Tribunal de Justiça já elaborou orientações para a interpretação do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento no que diz respeito ao «lugar da materialização do dano», sendo que quanto a determinados domínios específicos (por exemplo, a responsabilidade por violação de direitos de personalidade na Internet) admitiu o critério do centro de interesses principais do lesado. dd) Assim, e no que respeita a situações análogas já analisadas pelo TJUE quanto a esta matéria salientam-se os acórdãos Shevill e eDate Advertising GmbH, cujos textos, para efeitos de argumentação, aqui se dão por reproduzidos e ainda a doutrina já fixada no douto acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2005. ee) Face à identidade da questão material em causa, não se vê qualquer razão atendível para afastar o critério prosseguido pelo TJUE: o critério substantivo de que o dano sofrido pelo Autor, aqui Recorrente, é considerado dano inicial (lugar da materialização do dano) e que o seu centro de interesses é em Portugal, conduzindo assim, a que os Tribunais portugueses sejam considerados internacionalmente competentes para julgar a presente acção – irrelevando, para este efeito, o domicílio da demandada. ff) O Tribunal de Justiça tem, assim, interpretado autonomamente o segmento “lugar onde ocorreu o facto danoso”, constante do n.º 2 do art. 7.º, do Regulamento nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, e no sentido de abranger tanto o local onde se produz o evento causal, como o local onde se materializa o dano. gg) E se não houver coincidência, o lesado pode escolher entre a jurisdição de cada um deles. hh) E é neste contexto que se convoca o direito comunitário e a jurisprudência do TJUE, não se destinando à sua directa e imediata aplicação ao caso, mas como elementos indispensáveis à plena e actual compreensão dos factores de conexão estabelecidos no artigo 62.º do Código de Processo Civil, designadamente da sua alínea b). ii) Foi esta a metodologia seguida na já vasta Jurisprudência desse Supremo Tribunal de Justiça, constituída por todos os acórdãos já proferidos nestas acções, nos quais foi unanimemente decidido pela competência dos Tribunais Portugueses para julgarem essas mesmas acções (vide a título de exemplo, entre muitas outras, as acções propostas por jogadores de futebol profissional portugueses contra a ré através dos acórdãos de 24/5/2022 (proc nº 3853/20), relator João Cura Mariano, de 7/6/2022 (proc nº 4157/20), relator Aguiar Pereira, de 7/6/2022 (proc nº 24974/19), relator Fernando Baptista de Oliveira, de 23/6/2022 ( proc nº 3239/20), Relatora Maria da Graça Trigo, disponíveis em www dgsi.pt, a cuja fundamentação se adere in totum). jj) Para além disso e conforme resulta dos autos, o Autor alegou danos patrimoniais e não patrimoniais. kk) Estamos, pois, perante uma acção em que se pretende efectivar a responsabilidade civil extracontratual, pela violação, por acto ilícito, de direitos de personalidade ll) Contudo, o Autor fundamentou o dano patrimonial no enriquecimento indevido por parte da ré, com a exploração económica, não autorizada, da sua imagem, ou seja, o Autor baseia ainda o seu pedido, máxime quanto aos danos patrimoniais, no enriquecimento sem causa (artigo 473.º do Código Civil). mm) Neste contexto e também por aqui, verifica-se que a acção assume relevante e suficiente conexão com Portugal, pelo que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, por força do artigo 62.º, alínea b) do Código de Processo Civil. nn) Os Tribunais Portugueses são, pois, internacionalmente competentes, nos termos desse invocado artigo 62.º, alínea b), do Código de Processo Civil, para decidirem a presente ação em que o Autor pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem nos videojogos FIFA, produzidos pela ré nos E.U.A. e divulgados por todo o mundo, com base na responsabilidade civil extracontratual, por violação dos direitos de personalidade, e no enriquecimento sem causa (enriquecimento por intervenção no direito de personalidade ao nome e à imagem). oo) Atenta a complexidade da causa de pedir da ação e a sua preponderante conexão com o território português, os tribunais portugueses são os internacionalmente competentes para a acção, quer porque tratando-se de uma ação de responsabilidade civil, devia ser proposta em Tribunal português segundo a regra de competência territorial estabelecida no n.° 2, do artigo 71.°, do Código de Processo Civil português, quer porque "..o facto que serve de causa de pedir na açâo, ou algum dos factos que a integram” foi/foram praticados em território português, como dispõem as alíneas a) e b), respectivamente, do artigo 62.°, do Código de Processo Civil. pp) A propósito, ainda sob a previsão da alínea a), do artigo 62.°, do Código de Processo Civil, importa referir que se hipoteticamente se entendesse que a presente ação se não configura como ação de responsabilidade civil, ainda assim devia ser proposta em Tribunal Português segundo a regra geral de competência territorial estabelecida no n.º 3, do artigo 80.° do Código de Processo Civil, não se vislumbrando, pois, fundamento razoável em face da lei processual portuguesa para a valoração da sede da ré, como factor determinante dacompetência internacionalparaaacção. qq) E, estando em causa a violação, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e protecção constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º e 72.º do Código Civil e sendo arguida pelo Autor, aqui Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 38.º n.º 4 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteúdo de um direito fundamental (o já invocado artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) não se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuído a uma jurisdição estrangeira de um outro país. rr) O que de acordo com o disposto na alínea c) do artigo 62.º do Código de Processo Civil constitui, igualmente, um claro factor de atribuição da competência internacional no que respeita aos Tribunais Portugueses. ss) Mais se diga ainda que, eventuais, dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano não podem por em causa a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo ilícito está disponível em qualquer ponto do globo, como sucede in casu. tt) A obrigação de reparação, in casu, decorre de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial – a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem. uu) Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificação dos factores de conexão previstos no artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento 1215/2012 e nas alíneas a), b) e c) do artigo 62.º do Código de Processo Civil. vv) Teria, assim, de improceder a deduzida excepção de incompetência internacional do Tribunal a quo, aduzida pela ré, por verificação dos elementos de conexão referidos. ww)Em todos os Acórdãos proferidos por esse Colendo Supremo Tribunal de Justiça, foi sufragada a doutrina unânime – reitera-se, em todos eles – de que os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes para julgar o litígio, em acções idênticas à presente. xx) Pelo que, a posição uniforme seguida na Jurisprudência desse Supremo Tribunal de Justiça no tratamento destas situações, com ausência de posição discordante, não pode, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, deixar de ser tido em conta para garantir uma interpretação e aplicação uniformes do direito a pessoas que, nas mesmas circunstâncias, com a mesma nacionalidade, residência e profissão se arrogam atingidas nos seus direitos de personalidade pela mesma ré, com o mesmo modo de actuação. yy) A tese do acórdão recorrido, reduz ao mínimo aqueles requisitos e princípios, ao arrepio do que é Jurisprudência e Doutrina unânime. zz) Face ao que antecede, o acórdão em crise violou o disposto nos artigos 7.º, n.º 2 do Regulamento 1215/2012, nas alíneas a), b) e c) do artigo 62.º e no artigo 71.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, o artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e ainda os artigos 70.º, 72.º e 79.º do Código Civil.” 5. Foram apresentadas contra-alegações, onde se conclui (transcrição): a) O presente recurso de revista, interposto pelo autor, visa a revogação do acórdão de 13.12.2023, pelo qual se declarou procedente a exceção de incompetência internacional, porque esta ação não reúne os necessários elementos de conexão com a ordem jurídica Portuguesa. b) O recurso interposto pelo autor deverá ser rejeitado, improcedendo o único fundamento invocado: erro na aplicação da lei, por alegada violação das regras de competência internacional. c) A apreciação da competência internacional é efetuada exclusivamente com base nos factos alegados na petição inicial, sem qualquer indagação probatória ou aplicação de presunções judiciais – art.º 38.º da LSOJ e, entre muitos outros, acórdão do TRE de 15.12.2016, Proc. n.º 1330/16.5T8FAR.E1; acórdão do TRG de 16.11.2020, Proc. n.º 114083/18.7YIPRT.G1. d) A causa de pedir deste pleito é a alegada violação do direito de imagem do autor, por força dos atos de produção e comercialização dos jogos FIFA, onde foi utilizada a sua imagem. e) De acordo com o art.º 2.º da PI, o autor afirma que a ré não tem atividade na Europa, mas apenas nos EUA, Canadá e Japão, assim reconhecendo que a ré não praticou atos de produção e comercialização dos jogos em Portugal. f) E é perante este quadro factual que se deverão aplicar os critérios de conexão estabelecidos no art.º 62.º do CPC, única fonte normativa admissível para dirimir o thema decidendum (ou seja, não sendo aplicáveis regulamentos europeus, como clama o autor, também não é a jurisprudência do TJUE que interpreta esses diplomas e que não se debruça sobre direito interno dos estados-membros). g) O regime interno tem de ser interpretado e aplicado de acordo com os critérios legais de interpretação das normas fixado no art.º 9.º do CC: elementos literal, teleológico, sistemático e histórico, sendo inconstitucional e ilegal qualquer interpretação contra ou praeter legem. h) A apreciação da competência internacional nestes autos deve ser dirimida exclusivamente à luz do art.º 62.º do CPC e critérios aí elencados, a saber: – alínea a): critério da coincidência; – alínea b): critério da causalidade; e – alínea c): critério da necessidade. i) Estes critérios devem ser ponderados à luz da factualidade constante da petição inicial, assumindo-a, para este efeito como verdadeira, e sem proceder a quaisquer indagações probatórias, destacando-se do elenco da petição inicial, a seguinte factualidade relevante: (i) O autor é um jogador de futebol com domicílio em ...; (ii) O autor representou clubes no Brasil, Chipre, Bulgária, Portugal, Grécia, Cazaquistão, Brasil, Inglaterra e Noruega (art.º 8.º da PI); (iii) A ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América (introito da PI); (iv) A ré dedica-se à exploração, distribuição e venda de jogos, sendo que o autor exclui a prática destes e outros atos, pela ré, na Europa não alega que a ré o fazem Portugal (art.º 2.º da PI); (v) É o próprio autor que refere que a ré não tem atividade em território nacional, reconhecendo que são entidades terceiras a efetuar a divulgação e comercialização na Europa, incluindo naturalmente Portugal (art.º 2.º da PI); (vi) Na PI nenhum dano é alegado ou concretizado, pelo autor. j) De acordo com o critério da coincidência, o tribunal português será internacionalmente competente se esta ação pudesse ser proposta no nosso país, segundo as regras de competência territorial do CPC, valendo, nesta ação de responsabilidade civil extracontratual, a regra do art.º 71.º, n.º 2 do CPC: o tribunal competente é o do lugar onde o facto ocorreu. k) O autor não imputa qualquer ato praticado pela ré em Portugal e afirma que a ré não tem atividade na Europa. Mais alega que é uma entidade terceira que comercializa e assume a responsabilidade pela venda dos jogos FIFA. l) Em suma, não ocorreu, em Portugal, qualquer facto praticado pela ré. m) Os tribunais portugueses não são, desta forma, competentes ao abrigo da alínea a) do art.º 62.º. n) Quanto ao fator de conexão previsto na alínea b) – critério da causalidade –, impunha-se ao autor alegar factos integradores da causa de pedir ocorridos nosso país. o) Sucede que não há, em toda a petição inicial, um único facto alegado integrador da causa de pedir ocorrido em Portugal. p) Não foi concretizado qualquer dano sofrido pelo autor, tampouco em território nacional, nem se indicando o momento em que tal se produziu. q) Sem a alegação do “quando” e “onde” desse dano, é impossível afirmar que o dano ocorreu em Portugal para efeitos de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses, na medida em que, na decisão de competência, o Tribunal se deve ater aos factos alegados pelo autor. r) Não alegando o autor onde se encontrava quando sofreu danos, não compete ao Tribunal efetuar qualquer análise jurídica para apurar o local da verificação dos danos. s) O autor não alega que o putativo facto ilícito – produção dos jogos – ocorre em Portugal, não invoca qualquer dano que se tenha produzido em Portugal, nem alega nenhuma circunstância integradora dos restantes requisitos da responsabilidade civil localizada em Portugal. t) O único facto alegado pelo autor como ocorrendo em Portugal consiste na venda dos jogos em todo o mundo, vendas que atribuiu apenas a terceiros, pelo que a declaração de competência à luz deste facto constitui uma competência exorbitante, já que não é um motivo diferenciar na nossa jurisdição sobre as demais, onde igualmente são comercializados os jogos FIFA. u) A aquisição dos jogos FIFA em qualquer parte do mundo, comercializados por atos de terceiro, não permite justificar a declaração de competência internacional, desconsiderando cegamente a circunstância de a ré não produzir o jogo neste país e aqui não praticar aqui qualquer ato. v) A ser assim, o tribunal de qualquer local onde os jogos são vendidos seria internacionalmente competente, gerando um evidente conflito positivo de competência internacional ,precisamente o que se visa evitar em homenagem ao princípio da soberania dos Estados e à maior eficácia/proximidade da realização de julgamento. w) Acresce que não se pode inferir que o autor terá sofrido danos em Portugal, porque isso não é alegado na petição inicial. x) Essa presunção, assente na importação dum critério europeu relativo ao centro de interesses, resulta de incorreta interpretação da Lei, pois que tal critério não encontra um mínimo de correspondência com o teor do art.º 62.º do CPC. y) Além disso, tal conclusão não se encontra sustentada em factualidade alegada pelo autor, pelo que traduzirá o emprego de presunção judicial de factos, o que é vedado na apreciação da competência – art.º 38.º, n.º 1 LOSJ e art.º 351.º do CC. z) Em face da (i) ausência de alegação, na petição inicial, de atos praticados pela ré em território nacional, (ii) inaplicabilidade do centro de interesses e sua irrelevância para aplicação do art.º 62.º do CPC, (iii) não alegação de danos em Portugal e (iv) inexistência de qualquer ligação relevante do autor a Portugal para efeitos da demanda, não se encontram elementos de conexão à luz do princípio da causalidade. aa) Idêntica conclusão se alcançará quanto ao princípio da necessidade, previsto no art.º 62.º, alínea c) do CPC. Cumpre ressalvar que o autor não invocou que o direito que aqui peticiona não pudesse tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro. bb) Não bastando, seguramente, ao autor ter domicílio português, para daí se reconhecer, em todos os seus futuros litígios, competência internacional aos nossos tribunais. cc) O direito que o autor pretende fazer valer é amplamente reconhecido pelas várias jurisdições do mundo, sendo que da sua alegação na petição inicial não resulta qualquer concretização acerca do que seja a dificuldade objetiva que possa gerar uma limitação no exercício dos seus direitos. dd) O autor chega a alegar factos na petição inicial que comprovam que os direitos que pretende exercer são reconhecidos na jurisdição norte-americana. ee) Daí que não se verifiquem nenhum dos fatores de conexão estabelecidos no art.º 62.º do CPC e não possa ser mantida, por ser inconstitucional a interpretação e aplicação da alínea b) pelas razões acima detalhadas, o que deve determinar a revogação do acórdão do TRL e a declaração da incompetência internacional dos tribunais portugueses. ff) Cumpre ainda ressalvar que são inaplicáveis os conceitos relativos ao domicílio e centro de interesses do autor e, bem assim, quaisquer presunções judiciais ou factos que não estejam referidos na petição inicial e que não integrem a causa de pedir, sob pena de interpretação inconstitucional dos art.º 62.º do CPC, 38.º, n.º 1 da LOSJ e 351.º do CC, por violação nos termos detalhados nas alegações de recurso – aqui dados por reproduzidos e para os quais se remete –, entre outros, dos seguintes princípios: – princípio do Estado de Direito (e seus subprincípios da legalidade, da proteção da confiança dos cidadãos e da certeza e da segurança jurídicas); – princípio do processo equitativo (e subprincípios do dispositivo e do contraditório); – princípios da separação dos poderes e do dever de obediência à lei; e – princípio do primado do direito europeu. gg) Esta questão relativa à inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 62.º do CPC, 38.º, n.º 1 da LOSJ e 351.º do CC é suscitada para conhecimento expresso deste Supremo Tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º- A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82 porque, na interpretação abstrata da lei (e sua posterior concreta aplicação), do princípio da causalidade não cabe, por contrariar os princípios constitucionais acima elencados, o critério do centro de interesses, nem o emprego de factos presumidos, factos não alegados e factos que não integram a causa de pedir. hh) Caso este Supremo Tribunal considere admissível, constitucional e legalmente, a inclusão do critério do centro de interesses nos princípios da coincidência e causalidade, importa ressalvar que não existem factos na PI que demonstrem a existência de um centro de interesses do autor em Portugal: não indicou ter o seuagregado familiar, amigos ou outro tipo de conexão pessoal no nosso país ou sequer onde estava e quando soube da inclusão da sua imagem nos jogos FIFA. ii) Mesmo adotando o critério do centro de interesses, aquele conjunto de factos seria essencial para que se pudesse aplicar o critério do centro de interesses, não sendo possível o recurso à utilização de presunções, como vimos. jj) Deve por isso improceder o recurso do autor e ser confirmado o acórdão do TRL de 13.12.2023, mantendo-se a declaração de incompetência internacional dos tribunais portugueses para este pleito, absolvendo-se a ré da instância e condenando o autor nas custas.” 6. No Tribunal recorrido o recurso foi admitido, com efeito devolutivo. Cumpre analisar e decidir. II. Fundamentação De facto 7. Relevam os elementos constantes do relatório supra. De Direito Sabendo que é pelas conclusões do recurso. que se delimitam as questões a resolver em sede de revista (sem prejuízo das questões que possam ser de conhecimento oficioso a questão objecto do recurso consiste em determinar se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes. 8. Na decisão recorrida explicitou-se, nos seguintes termos, a solução encontrada: “Importa, assim, aferir do acerto da decisão que julgou o tribunal internacionalmente competente para conhecer da acção. Vejamos: O entendimento do despacho recorrido ancora-se em recente jurisprudência do STJ onde vem sendo entendido, em situações idênticas à dos autos (remetemos para a jurisprudência citada), que a competência internacional dos tribunais portugueses se verifica desde que o autor tenha o seu “centro de interesses” localizado em Portugal. Temos por adquirido que a competência internacional se afere em face da relação material controvertida tal como vem delineada na petição inicial pelo autor, irrelevando qualquer modificação subsequente. Neste sentido, por todos, Ac. STJ de 27/10/2022 proc. 533/21.5T8PNF.P1.S1 VI. A competência internacional dos Tribunais portugueses afere-se pelos termos em que o demandante configura a relação jurídica controvertida, independentemente da apreciação do acerto substancial da sua pretensão, não relevando quaisquer alterações factuais ocorridas no processo, nomeadamente, as contraversões do litígio introduzidas pela defesa, sendo irrelevante qualquer alteração da qualificação jurídica efetuada nas Instâncias. A competência internacional está processualmente regulada pelos arts.º 62.º e 63.º do CPC. A decisão recorrida socorreu-se dos critérios da coincidência e da causalidade que vêm, respectivamente, plasmados no art.º 62.º, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, para concluir pela competência internacional dos tribunais portugueses. Discorre-se “os efeitos da alegada lesão dos seus direitos de personalidade produzido na sua esfera jurídica ao longo do tempo e em vários países, incluindo predominantemente em Portugal, país onde reside e trabalha e, logicamente, se centrará não só a sua vida profissional, mas também e inerentemente a sua vida social e até a familiar.” Não se justifica a chamada à colação das normas de direito comunitário uma vez que a R. tem sede nos EUA, não sendo assim estado-membro. O preceituado nos arts.º 62.º e 63.º do CPC, como normativos legais que são, hão-de ser interpretados de harmonia com a regra do art.º 9.º do Código Civil. O art.º 63.º não tem aplicação aos autos. Descendo a escalpelizar as avançadas alíneas do art.º 62.º diremos, desde logo, que o critério da coincidência –al. a) - não se verifica. De acordo com as regras de competência territorial a acção de responsabilidade civil extra-contratual deve ser intentada no lugar onde o facto ocorreu –art.º 71.º, 2 do CPC. Ora, o facto ilícito ocorre, a nosso ver, no momento em que a R. utilizou a imagem do A. para produzir os vídeojogos. O A. identifica a R. como sediada na Califórnia, EUA e alega que “a Ré Electronic Arts Inc., através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, é uma empresa líder global em entretenimento digital interativo.” Daqui se retira que a R produzirá os seus vídeojogos nos EUA, não constando (pelo menos não foi alegado) que qualquer momento dessa produção tenha vindo a ocorrer em território português. Quanto ao critério da alínea b) - princípio da causalidade - cumpre averiguar se foi praticado em território português o facto que serve de causa de pedir ou qualquer um dos factos que a integram. Vamos seguir de perto o Ac. RC de 26/10/2021, proferido no proc. 3239/20.9T8CBR-A.C1, acessível na base de dados da dgsi, por nos merecer concordância: “ …baseando-se o pedido do A. na responsabilidade por factos ilícitos, são pressupostos cumulativos desta responsabilidade, enquanto fonte geradora da obrigação de indemnizar: o facto; a ilicitude desse mesmo facto (ilicitude que pode revestir duas modalidades, traduzindo-se na violação do direito de outrem ou na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios); o nexo de imputação do facto ao lesante; o dano e finalmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Nesta medida, o dano integra igualmente a causa de pedir, quando invocada está a responsabilidade civil decorrente de facto ilícito, pelo que, verificando-se em território nacional os danos (ou pelo menos parte significativa e relevante destes danos, ter-se-ia por atribuída a competência internacional aos tribunais portugueses, com fundamento nesta alínea b). Assim sendo, o facto ilícito imputado à R. no que se reporta à utilização e exploração alegadamente abusiva do seu nome e imagem, verifica-se aquando da criação deste jogo, contendo o nome, outras características pessoais e profissionais e a imagem do jogador, alegadamente sem a sua autorização e com a sua posterior divulgação. O dano, conforme considera o tribunal a quo, consiste “na própria utilização não autorizada e indevida da imagem” e verificam-se pela própria criação dos jogos contendo o nome e imagem do A., alegadamente sem o seu consentimento. Nessa medida a maior ou menor divulgação ou comercialização destes jogos, por quaisquer meios e envolvendo ou não ganhos económicos para a R. (e para as diversas empresas que comercializam estes jogos) apenas potenciam ou agravam danos que para o A. resultavam já da utilização da sua imagem nestes jogos, mas não constituem em si um dano autónomo. A criação e divulgação destes jogos é feita pela R. nos EUA, sendo a partir deste território que serão comercializados por outras empresas, subsidiárias ou não da R., para o resto do mundo, incluindo para Portugal. Mas se a divulgação destes jogos em todo o mundo, será relevante para efeitos de quantificação dos danos e, se esta comercialização e divulgação é feita a nível mundial, não se pode afirmar que se produz em território nacional o dano ou parte relevante dos danos. Há que não esquecer que o facto constitutivo essencial desta causa se reporta à produção e divulgação destes jogos utilizando a imagem e o nome do A., sem sua autorização e que esta produção e divulgação localizam-se em solo norte-americano, independentemente de o poderem ser posteriormente para todo o mundo, mediante acordos feitos com a proprietária dos jogos, suas subsidiárias, ou por qualquer outro meio (seja por compras online, pela sua utilização posterior em jogos e torneios). Dito de outra forma: não é o local, ou um dos locais onde essa divulgação ocorre que confere a competência internacional aos tribunais portugueses, por não se poder afirmar que o dano ocorreu em Portugal. Não é o local, ou um dos locais onde o jogo é vendido ao consumidor final que constitui o elemento relevante para atribuição da competência internacional, mas antes o local onde o referido jogo foi criado e posto em circulação, por ser nesse local que ocorreram os factos constitutivos do direito invocado pelo A..” Do exposto se concluiu pela incompetência internacional do tribunal recorrido, entendimento que nos merece acolhimento. Não ignoramos a posição que o STJ vem assumindo nesta matéria fazendo uso do conceito do “centro de interesses do lesado” como elemento determinante da competência internacional. Veja-se a título exemplificativo o Ac. do STJ de 10-11-2022, processo nº 17046/20,acessível na base de dados da dgsi, onde se discorre “ (…)Deste iluminador percurso retira-se, em fórmula simplificada, a seguinte conclusão: à luz do critério da causalidade consagrado no artigo 62.º, al. b), do CPC, os tribunais portugueses serão internacionalmente competentes para conhecer o mérito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, por violação de direitos de personalidade através de conteúdos difundidos globalmente, se, durante o período em que ocorrem os danos, o centro de interesses do lesado se situar em Portugal, ou, tendo o centro de interesses do lesado variado, existir um elo suficientemente forte entre o lesado e Portugal. “ Com o muito e elevado respeito afigura-se-nos que o apontado conceito – ser em Portugal o centro de interesses do lesado – não cai sobre a alçada das normas a que se vêm aludindo, ou seja, não vemos forma de enquadrar tal conceito em qualquer um dos preceitos dos art.º 62.º e 63.º do CPC, por não ter o mínimo de correspondência verbal com a letra da lei, o que, a entender-se de modo diverso, constituiria violação do disposto no art.º 9.º do CC. Não pode o critério relativo ao centro de interesses ser subsumido na previsão do art.º 62.º, alínea b) do CPC: “o centro de interesses” não é um facto que integre a causa de pedir. Mas ainda que se entendesse doutro modo, a diversa conclusão não se chegaria. Atentemos que: - o A. não alega que exerceu, predominantemente, a sua atividade em Portugal; alega que foi jogador de futebol entre 2003 e 2021, tendo jogado em Portugal 8 épocas, tendo aqui passado as últimas 4 épocas. Daqui não se pode concluir pela predominância da actividade em Portugal. De acordo com o alegado no art.º8 da p.i. terá jogado mais épocas no Brasil (9) do que em Portugal. - não alega factos donde se possa concluir que o seu centro de interesses se situa em Portugal, nem onde se situava à data da violação; - não alega que o facto ilícito tenha ocorrido em Portugal; - não alega que aqui tenham ocorrido os danos. - não alega onde e quando tomou conhecimento da inclusão da sua imagem nos jogos FIFA. Em suma, não alega o A. elementos de conexão que permitam integrar o caso dos autos em qualquer uma das alíneas do art.º 62.º, nem sequer no conceito de “centro de interesse.” Portanto, ainda que se assumisse a perspectiva que vem sendo assumida pelo STJ sempre se teria que considerar o tribunal internacionalmente incompetente. Aqui chegados fica prejudicado o conhecimento da invocada inconstitucionalidade. Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e em consequência revoga-se a decisão recorrida, julgando-se o tribunal internacionalmente incompetente para conhecer da presente acção, indo a R absolvida da instância. Custas do recurso pelo A.” Conhecendo. 9. O presente recurso é admissível ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil e tem efeito meramente devolutivo (artigo 676.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Está apenas em causa saber se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer da acção, sendo certo que a competência se afere pelos termos em que o pedido é formulado, por referência ao momento da propositura da acção (artigo 38.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto). A sua apreciação é, naturalmente, prévia ao conhecimento de questões de procedência ou improcedência e independente de juízos sobre essa procedência ou improcedência. 10. Tratando-se de uma acção de responsabilidade civil por facto ilícito, a sua inserção no espaço da União Europeia e, tendo em conta a matéria a que respeita, a consequente aplicação do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, exigiria que a demandada tivesse o seu domicílio num Estado Membro (artigos 24.º, 25.º, 1.º, 5.º, 7.º, n.º 2, 63.º do Regulamento), o que não sucede. A competência internacional depende, assim, de se verificar algum dos princípios constantes do artigo 62.º do Código de Processo Civil (n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento e artigos 59.º e 62.º do Código de Processo Civil), dos quais resultam quais são os elementos de conexão com a ordem jurídica portuguesa que são relevantes para o efeito. O acórdão recorrido considerou que os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes, contrariamente ao que havia sido decido em primeira instância, onde se decidiu que, ao abrigo do princípio da causalidade, segundo o qual os são competentes se “tiver sido praticado em território português” – entenda-se, se dos termos em que o pedido é fundamentado pelo autor assim resultar – “o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram”. Este alargamento da competência internacional a situações nas quais apenas parte de uma causa de pedir complexa é (segundo a alegação do autor) situada em Portugal foi já reconhecido pelo Assento [acórdão de uniformização de jurisprudência] n.º 6/94, de 17 de Fevereiro de 1994, tirado quando a al. b) do n.º 1 do (então) artigo 65.º do Código de Processo Civil apenas previa que funcionasse o princípio da causalidade quando tivesse sido “praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção”. Ali se escreveu: “Ora, tratando-se de causa complexa, se um dos factos causais relevantes ocorreu em Portugal, razão não há para não se considerar a situação abrangida pelo artigo 65.º, n.º 1, do Código de Processo Civil”. É certo que o princípio da causalidade foi, entretanto, eliminado pelo artigo 186.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto), caducando o referido assento [acórdão de uniformização de jurisprudência]; mas veio a ser novamente consagrado pelo Código de Processo Civil vigente, nos termos já indicados. Para além de resultar da globalidade da petição inicial a alegação de que os jogos electrónicos em causa foram difundidos globalmente, incluindo em Portugal, da mesma petição inicial resulta a alegação de diversos elementos de conexão especificamente com a ordem jurídica portuguesa: – de que o autor é domiciliado em Portugal (início da petição inicial); - o A. é português (início da petição inicial); – de que, à data da propositura da acção, representava um clube português; – de que exerceu a sua profissão de futebolista em diversos clubes e com duração significativa em clubes portugueses”, nomeadamente, nos que indica no artigo 8.º da petição inicial; – de que os jogos são difundidos e vendidos em Portugal; – de que os jogos são utilizados em torneios realizados em Portugal. 11. O acórdão recorrido afastou-se da jurisprudência uniforme deste STJ, pelas seguintes razões já indicadas na fundamentação da decisão transcrita. 12. Não tem razão. Nesta decisão acolhe-se, ao invés, a posição que tem sido sufragada no STJ de forma uniforme, juntando-se, porque assim o exige o artigo 656.º do Código de Processo Civil, aplicável à revista (artigo 679.º), algumas das decisões que o comprovam, indicando-se outras, também publicadas. Optou-se por proferir decisão individual por se terem por preenchidas as exigências ali previstas: a questão a decidir é simples, por ter sido já decidida uniformemente pelo Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, e no âmbito de processos em que a ré é a mesma, sendo semelhantes as causas de pedir invocadas, em particular no que relevam para o efeito de determinar a competência dos tribunais portugueses, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido uniformemente no sentido de que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer de acções de responsabilidade civil extracontratual, “em que um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua actividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e da sua imagem em videojogos da FIFA, produzidos nos E.U.A. e divulgados por todo o mundo, inclusivamente em Portugal (acórdão de 10 de Novembro de 2022, proc. n.º 17046/20.5T8LSB.L1.S1). Tem ainda entendido que essa competência se funda no princípio da causalidade, por se tratar de acções com causas de pedir complexas, nas quais os danos invocados pelos autores se prolongam no tempo e, de acordo com o que é alegado, ocorrem significativamente em Portugal, uma vez que os factos alegados situam em Portugal o centro de interesses do autor. Assim decidiu-se no mesmo sentido, nomeadamente (e utiliza-se este termo porque se decidiu da mesma forma em outros acórdãos, nas quais a ré era a mesma, mas que ainda não se encontram publicados) nos seguintes acórdãos, todos já publicados em www.dgsi.pt,: - Ac. do STJ de 07-06-2022, Revista n.º 4157/20.6T8STB.E1.S1 - Ac. do STJ de 07-06-2022, Revista n.º 24974/19.9T8LSB.L1.S1 - Ac. do STJ de 23-06-2022, Revista n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1 - Ac. do STJ de 27-09-2022, Revista n.º 637/20.1T8PRT.P1.S1 - Ac. do STJ de 13-10-2022, Revista n.º 1014/20.0T8PVZ.P1.S1 - Ac. do STJ de 10-11-2022, Revista n.º 1579/20.6T8PVZ.P1.S1 - Ac. do STJ de 10-11-2022, Revista n.º 17046/20.5T8LSB.L1.S1 - Ac. do STJ de 15-12-2022, Revista n.º 3731/21.8T8BRG.G1-A.S1 - Ac. do STJ de 10-01-2023, Revista n.º 996/21.9T8PVZP1.S1 - Ac. do STJ de 14-02-2023; Revista n.º 3803/20.6T8BRG.G1-A.S1 - Ac. do STJ de 15-02-2023, Revista n.º 4239/20.4T8STB.E1.S1 - Ac. do STJ de 25-05-2023, Revista n.º 3729/21.6T8BRG.G1-A.S1 - Ac. do STJ de 30-05-2023, Revista n.º 4167/20.3T8LRA.C1.S1 - Ac. do STJ de 16-11-2023, Revista n.º 7962/21.2T8VNG.P1.S1 - Ac. do STJ de 08-02-2024, Revista n.º 4425/20.7T8ALM-B.L1.S1 13. Também não se acolhe a orientação do tribunal recorrido quando considera que o centro de interesses do A. não se pode situar em Portugal (citação do acórdão recorrido): “ Com o muito e elevado respeito afigura-se-nos que o apontado conceito – ser em Portugal o centro de interesses do lesado – não cai sobre a alçada das normas a que se vêm aludindo, ou seja, não vemos forma de enquadrar tal conceito em qualquer um dos preceitos dos art.º 62.º e 63.º do CPC, por não ter o mínimo de correspondência verbal com a letra da lei, o que, a entender-se de modo diverso, constituiria violação do disposto no art.º 9.º do CC. Não pode o critério relativo ao centro de interesses ser subsumido na previsão do art.º 62.º, alínea b) do CPC: “o centro de interesses” não é um facto que integre a causa de pedir. Mas ainda que se entendesse doutro modo, a diversa conclusão não se chegaria. Atentemos que: - o A. não alega que exerceu, predominantemente, a sua atividade em Portugal; alega que foi jogador de futebol entre 2003 e 2021, tendo jogado em Portugal 8 épocas, tendo aqui passado as últimas 4 épocas. Daqui não se pode concluir pela predominância da actividade em Portugal. De acordo com o alegado no art.º8 da p.i. terá jogado mais épocas no Brasil (9) do que em Portugal. - não alega factos donde se possa concluir que o seu centro de interesses se situa em Portugal, nem onde se situava à data da violação; - não alega que o facto ilícito tenha ocorrido em Portugal ; - não alega que aqui tenham ocorrido os danos. - não alega onde e quando tomou conhecimento da inclusão da sua imagem nos jogos FIFA. Em suma, não alega o A. elementos de conexão que permitam integrar o caso dos autos em qualquer uma das alíneas do art.º 62.º, nem sequer no conceito de “centro de interesse.” Portanto, ainda que se assumisse a perspectiva que vem sendo assumida pelo STJ sempre se teria que considerar o tribunal internacionalmente incompetente.” Relativamente à objeção de que a A. exerceu a sua atividade mais tempo fora de Portugal do que cá, não se afigura razoável efectuar uma contabilidade restrita dos tempos de estadia em Portugal e no estrangeiro, para concluir que só relevaria para o centro de interesses se pudesse concluir-se que exerceu funções no país por período de tempo superior ao que exerceu no estrangeiro, quando existem outros elementos relevantes a determinar que o seu centro de interesses está inelutavelmente associado a Portugal. Como se alega na PI: 3.º O Autor é um jogador de futebol Brasileiro, nasceu no dia ... de ... de 1982, em .... 4.º Actualmente joga em Portugal ao serviço do Clube.... 5.º O Autor mantém já uma longa carreira como jogador de futebol profissional, sobejamente conhecido no meio do futebol, tendo exercido a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses, dedicando-se inteiramente à prática desportiva do futebol, com a qual sempre se sustentou a si e à sua família. 7.º - Cabe mencionar que o Autor actuou, até este momento, em mais de 250 partidas oficiais como profissional e sempre se destacou na posição de ..., como é conhecido nacionalmente, tendo actuado principalmente no Clube F....” (Portugal), P..... .. ........ (Portugal) e Sport.... (Brasil), entre outros, algo detalhado em pormenor, tal como as competições em que participou e o seu palmarés, em páginas de internet da especialidade, demonstrando a notoriedade do Autor, representadas no Documento 1. 8.º Conforme resulta, também, desse Doc.1, o Autor esteve vinculado aos seguintes clubes e nas seguintes épocas:
10.º O Autor teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados FIFA(também com as designações FIFA Football ou FIFA Soccer), pelo menos nas edições 2008 e 2009; FIFA MANAGER, pelo menos na edição de 2008, 2009, 2010 e 2012; e FIFA ULTIMATE TEAM – FUT, pelo menos na edição de 2010, todos propriedade da Ré. Assim, o A. estava em Portugal em parte significativa do período em que alega ter tido conhecimento da utilização ilícita da sua imagem – 2008, 2009, 2010; O A. trabalhava em Portugal, tendo permanecido vinculado a diversos clubes de futebol, entre 2003 e 2020, incluindo clubes portugueses, o que sucedeu no nosso país durante oito dessas épocas desportivas, incluindo durante as últimas quatro épocas, aquando da propositura da acção; E como também alega no art.º 24.º da PI, “Ora, no caso dos autos, a Ré está a utilizar indevidamente a imagem e o nome do Autor, pelo menos, desde Out/2007 (data de lançamento do jogo de vídeo FIFA 2008).”, altura em que o A. estava igualmente a jogar em Portugal (2007 a 2009, no B.........). Dos artigos da PI indicados – e de outros não expressamente referidos - resulta assim: - que o A. alega factos donde se possa concluir que o seu centro de interesses se situa em Portugal; - que o A. alega factos donde se possa concluir onde se situava à data da violação; - que o A. alega que o facto ilícito ocorreu em Portugal, mas não apenas aqui; - alega quando tomou conhecimento da inclusão da sua imagem nos jogos FIFA. Na verdade, num outro caso em que o A. nem sequer era residente em Portugal, este STJ entendeu que tal facto não era obstáculo a que se considerasse que o centro de interesses aqui se situava – Ac. STJ de 29.02.2024, Revista n.º 17657/20.9TSLSB-A.L1.S1 – disponível em 17657/20.9TSLSB-A.L1.S1. Disse-se aí: “O caso presente tem a particularidade de o Autor ter indicado como residência ..., o que o distingue da generalidade dos casos apreciados em que os autores residem em Portugal. Julga-se, no entanto, que tal facto não é decisivo para afastar a competência dos tribunais portugueses uma vez que no caso se verificam factos suficientes para se poder ter por verificada uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português: a nacionalidade portuguesa do Autor, ter sido em Portugal que o Autor fez o essencial da sua formação como profissional de futebol, tendo chegado à selecção nacional nas camadas jovens, o que lhe deu a notoriedade com influência na comercialização dos vídeo jogos, e embora neste momento exerça a sua profissão no ..., um facto sem especial importância dada a conhecida mobilidade dos jogadores profissionais de futebol, permite concluir que o seu centro de interesses localiza-se indiscutivelmente em Portugal.” Quer isto dizer que se acompanha a decisão adoptada na sentença, quando aí se disse: “a) O autor é português e tem domicílio em Portugal; b) O autor permaneceu vinculado a diversos clubes de futebol, entre 2003 e 2020, incluindo no Brasil, Chipre, Bulgária, Grécia, Cazaquistão, Inglaterra, Noruega e em Portugal, durante oito dessas épocas desportivas, incluindo as últimas quatro. c) O autor invoca que a lesão do seu nome e imagem ocorreu em todo o Mundo, através dos produtos produzidos e comercializados pela ré, incluindo em Portugal; d) A ré tem sede e desenvolve a sua actividade nos Estados Unidos da América. Face ao enquadramento precedentemente plasmado, verifica-se, portanto, que, nesta acção declarativa de condenação, está desde logo em causa a alegada violação, pela ré, de direitos de personalidade (pessoais) do autor, conduta essa que sustenta um pedido de indemnização, para ressarcimento dos danos decorrentes da alegada conduta ilícita, culposa e geradora de danos perpetrada pela ré. Ante o exposto, no caso em apreço, terá que se concluir que a responsabilidade civil assacada à ré, independentemente de se encontrar ou não assente o rigoroso enquadramento jurídico dos factos que integram a causa de pedir, tem claramente natureza estritamente extracontratual. Também não é menos óbvio que a relação material controvertida, para além da ordem jurídica portuguesa, apresenta conexão com várias ordens jurídicas estrangeiras, tendo presente que o autor reside e trabalha em Portugal e que a ré tem sede e desenvolve a sua actividade nos Estados Unidos da América, tendo-se os alegados factos ilícitos e culposos geradores de danos sido consumados ao longo dos anos em todo o Mundo.” O que significa que o A. alegou factos relativos a elementos de conexão suficientes que permitam integrar o caso dos autos nas alíneas do art.º 62.º do CPC, e ainda no conceito de “centro de interesses”, pelo que, nos casos em que os danos se prolongam no tempo e o centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a acção em que se reclama o pagamento de uma indemnização por tais danos poderá ser intentada em qualquer uma das respectivas jurisdições, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa e o foro escolhido para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais”, situação que está verificada no presente processo. 14. A recorrida suscita nas contra-alegações a questão da interpretação da lei efectuada pelo tribunal poder ser inconstitucional, dizendo: “ee) Daí que não se verifiquem nenhum dos fatores de conexão estabelecidos no art.º 62.º do CPC e não possa ser mantida, por ser inconstitucional a interpretação e aplicação da alínea b) pelas razões acima detalhadas, o que deve determinar a revogação do acórdão do TRL e a declaração da incompetência internacional dos tribunais portugueses.” A questão suscitada não se compreende, na medida em que a recorrida pretende que se mantenha a decisão do tribunal da Relação, mas aqui expressamente indica que o mesmo deve ser revogado. A recorrida alega ainda que “São inaplicáveis os conceitos relativos ao domicílio e centro de interesses do autor e, bem assim, quaisquer presunções judiciais, factos que não estejam referidos na petição inicial e factos que não integrem a causa de pedir, sob pena de interpretação inconstitucional dos art.º 62.º do CPC, 38.º, n.º 1 da LOSJ e 351.º do CC, por violação nos termos detalhados nas alegações de recurso – aqui dados por reproduzidos e para os quais se remete –, entre outros, dos seguintes princípios: – princípio do Estado de Direito (e seus subprincípios da legalidade, da proteção da confiança dos cidadãos e da certeza e da segurança jurídicas); – princípio do processo equitativo (e subprincípios do dispositivo e do contraditório); – princípios da separação dos poderes e do dever de obediência à lei; e – princípio do primado do direito europeu.” Cumpre responder: Na presente decisão o tribunal não recorre, nem a presunções para ter como provado nenhum facto que releve para estabelecer a competência dos tribunais portugueses, nem a factos não alegados na petição, nem se atribui relevo autónomo ao domicílio do autor. Também da referência que se possa ter feito à jurisprudência do TJUE, não decorre que se está a utilizá-la para interpretar a lei portuguesa, muito menos a tomá-la como vinculativa. Entende-se que dos factos alegados – de que a carreira profissional do autor decorreu em várias épocas em Portugal, com duração significativa, e em representação de clubes portugueses, de que o seu domicílio se situa em Portugal (sem que isto signifique dar relevo autónomo ao domicílio do autor, repete-se), de que os jogos são difundidos em Portugal (o que aliás integra o facto ilícito, tal como é descrito pelo autor, que não se esgota com a elaboração e a produção dos jogos) – resulta que parte significativa da causa de pedir é situada pelo autor em Portugal. Não se retirando dos preceitos indicados pelo recorrido nenhuma norma com o sentido que se retira da alegação de inconstitucionalidade, não há que conhecer da invocada inconstitucionalidade de normas que se não aplicaram. 15. Juntam-se, para demonstrar a uniformidade na decisão da mesma questão que constitui o objecto da presente acção, cópia dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2024, 10 de Janeiro de 2023, 10 de Novembro de 2022, 13 de Outubro de 2022, 24 de Maio de 2022 e 30 de Novembro de 2022. III. Decisão Assim, concede-se provimento ao recurso, repristinando-se a sentença. Custas pela recorrida.” (fim de transcrição, sem os anexos) 2. A ré veio reclamar para a conferência, sustentando a nulidade e a ilegalidade da decisão, em requerimento no qual formulou as seguintes conclusões a) A presente reclamação para conferência visa reverter a decisão sumária de 18.03.2024, pela qual se revogou o acórdão do TRL e se declarou a competência internacional dos Tribunais Portugueses. b) Por se tratar de questão prévia, desde já se argui a nulidade por omissão de pronúncia efetiva da decisão sumária relativamente ao conhecimento das inconstitucionalidades invocadas, o que se suscita para todos os devidos efeitos legais. c) A decisão sumária é ainda ilegal com base na violação de lei substantiva, processual e da própria Constituição da República Portuguesa, destacando-se, entre outros, as seguintes normas e princípios jurídicos: – princípio de interpretação autónoma dos Estados-Membros, princípio da coincidência, princípio da causalidade, princípio do Estado de Direito, princípio da proteção ou tutela da confiança, princípio da soberania, princípio da igualdade, princípio do processo equitativo e da igualdade das partes, princípio da tutela jurisdicional efetiva, princípio do dispositivo, princípio do contraditório, princípio do dever de obediência dos tribunais à lei, princípio da separação dos poderes e o princípio do primado do direito europeu; – art.º 2.º, 8.º, 13.º, n.º 1, 20.º, n.º 4, 203.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa; – art.º 1.º, 9.º e 351.º do CC; – art.º 5.º, n.º 1, 62.º, 71.º, n.º 2 e 608.º, n.º 2 do CPC; e – art.º 22.º e 38.º, n.º 1 da LOSJ. d) A apreciação da competência internacional deve ser efetuada exclusivamente com base nos factos alegados na petição inicial, sem qualquer indagação probatória ou convocação de factos extraídos por via de presunções judiciais – art.º 38.º da LSOJ e, entre muitos outros, acórdão do TRE de 15.12.2016, Proc. n.º 1330/16.5T8FAR.E1; acórdão do TRG de 16.11.2020, Proc. n.º 114083/18.7YIPRT.G1. e) Sucede que os únicos factos que o despacho em crise utilizou para declarar a competência internacional são os relativos à nacionalidade, ao domicílio e carreira profissional, como futebolista, do autor em Portugal. f) As vendas dos jogos FIFA – único facto praticado no território nacional – não têm conexão relevante com Portugal, para se afirmar a competência internacional porque (i) não são imputadas à ré, (ii) não assumem nenhuma particularidade sobre todas as demais vendas noutros países, (iii) são factos que não integram a causa de pedir e (iv) ocorrendoem todo omundo, sempre revelariam competência exorbitante da jurisdição portuguesa. g) O despacho sob recurso adere aos fundamentos dos acórdãos do STJ aí citados, incluindo o critério do centro de interesses do autor, para reformular o princípio da causalidade consagrado no art.º 62.º, alínea b) do CPC. h) O autor não imputa qualquer ato praticado pela ré em Portugal e afirma que a ré não tem atividade na Europa. Mais alega que é uma entidade terceira que comercializa e assume a responsabilidade pela venda dos jogos FIFA. i) Sem a alegação do “quando” e “onde”, é impossível afirmar – senão através de factos presumidos – que os danos invocados pelo autor ocorreram em Portugal. j) Não alegando o autor onde se encontrava quando sofreu danos, não compete ao Tribunal efetuar qualquer análise factual indagatória do local da verificação dos danos e pressupor que “se o autor vivia em Portugal, foi aqui que sofreu os danos” ou “se o autor exercia a sua atividade num clube de futebol português, foi em Portugal que sofreu os danos”. k) O autor não alega nenhuma circunstância integradora dos restantes requisitos da responsabilidade civil localizada em Portugal. l) Não é lícito inferir que o autor tivesse o seu centro de interesses em Portugal ou que terá sofrido danos em Portugal, porque isso traduz o emprego de presunção judicial de factos, oque é vedadona apreciaçãoda competência –art.º 38.º, n.º 1LOSJe art.º 351.º do CC. m) Não é lícito inferir que o autor tivesse o seu centro de interesses em Portugal, quando o mesmo alega que, em 21 anos de atividade profissional, representou durante mais tempo equipas brasileiras e foi no Brasil onde a sua atividade foi mais forte e duradoura – cfr. art.º 8.º e 9.º da p.i. n) Por outro lado, o conceito de “centro de interesses” é uma figura trabalhada pela jurisprudência do TJUE e indevidamente aplicada pelo tribunal a quo pois não encontra na letra dalei ummínimode correspondência– videParecerdo Ilustre doutrinário, Prof. Doutor Teixeira de Sousa. o) Em face da (i) ausência de alegação, na petição inicial, de atos praticados pela ré em território nacional, (ii) inaplicabilidade do centro de interesses e sua irrelevância para aplicação do art.º 62.º do CPC, sem correspondência mínima literal na letra da lei e (iii) não alegação de danos em Portugal, inexistem elementos de conexão à luz do princípio da causalidade. p) Em suma, não se verificam nenhum dos fatores de conexão estabelecidos no art.º 62.º do CPC (mais se remetendo para a argumentação das alegações de recurso de revista relativa às alíneas a) e c) do art.º 62.º do CPC) e não deve ser mantida, por ser inconstitucional a interpretação e aplicação das alínea b) ao incluir o critério do centro de interesses, o que deve determinar a revogação do acórdão em crise e a declaração da incompetência internacional dos tribunais portugueses. q) São inaplicáveis os conceitos relativos ao domicílio e centro de interesses do autor e, bem assim, quaisquer presunções judiciais, factos que não estejam referidos na petição inicial e factos que não integrem a causa de pedir, sob pena de interpretação inconstitucional dos art.º 62.º do CPC e 38.º, n.º 1 da LOSJ, por violação nos termos detalhados nas alegações de recurso – aqui dados por reproduzidos e para os quais se remete –, entre outros, dos seguintes princípios: – princípio do Estado de Direito (e seus subprincípios da legalidade, da proteção da confiança dos cidadãos e da certeza e da segurança jurídicas); – princípio do processo equitativo (e subprincípios do dispositivo e do contraditório); – princípios da separação dos poderes e do dever de obediência à lei; e – princípio do primado do direito europeu. r) Esta questão relativa à inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 62.º do CPC e 38.º, n.º 1 da LOSJ é aqui renovadamente suscitada para conhecimento expresso deste Tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º- A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82 porque na formulação de critérios interpretativos do princípio legal da causalidade não cabe, por contrariar os princípios constitucionais acima elencados, o critério do centro de interesses, nem o emprego de factos presumidos, factos não alegados e factos que não integram a causa de pedir. Nestes termos requer a V. Exas., face a tudo o que foi supra alegado, se dignem conceder provimento à presente reclamação e recurso de revista, revogando a decisão sindicada e proferindo acórdão no sentido adrede pugnado.” 3. O autor não respondeu à reclamação. 4. Apenas se considerarão agora as questões que não foram apreciadas na decisão reclamada, cujo conteúdo se confirma no presente acórdão, seguindo-se a mesma orientação que foi adoptada na decisão, por acórdão, do processo n.º 2507/20.4T8AVR.P1-A.S1, no qual a relatora foi adjunta. 5. Nesta alegação o reclamante limita-se a reproduzir a reclamação que já efectuara no Processo n.º 2507/20.4T8AVR.P1-A.S1, com as seguintes diferenças: ponto f) - f) As vendas dos jogos FIFA – único facto praticado no território nacional – não têm conexão relevante com Portugal, para se afirmar a competência internacional porque (i) não são imputadas à ré, (ii) não assumem nenhuma particularidade sobre todas as demais vendas noutros países, (iii) são factos que não integram a causa de pedir e (iv) ocorrendoem todo omundo, sempre revelariam competência exorbitante da jurisdição portuguesa. ponto m) - m) Não é lícito inferir que o autor tivesse o seu centro de interesses em Portugal, quando o mesmo alega que, em 21 anos de atividade profissional, representou durante mais tempo equipas brasileiras e foi no Brasil onde a sua atividade foi mais forte e duradoura – cfr. art.º 8.º e 9.º da p.i. De acordo com a orientação que foi adoptada na decisão, por acórdão, do processo n.º 2507/20.4T8AVR.P1-A.S1, e que aqui se adopta igualmente: 6. Assim, cumpre começar por verificar que não ocorre a nulidade por omissão de pronúncia arguida pela reclamante, que alega que a decisão sob reclamação não conheceu da “inconstitucionalidade invocada a propósito da interpretação contrária à CRP do art.º 62.º, alínea b) do CPC, que se suscita para todos os devidos efeitos legais.” Tal como se desenvolve no texto da reclamação, é exacto que a inconstitucionalidade é de conhecimento oficioso pelos tribunais – cfr. artigo 203.º da Constituição; bem como é exacto que o tribunal (nomeadamente de recurso) deve apreciar todas as questões de que deva conhecer, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia (artigos 608.º, n.º 2, 615.º, n.º 1, d), 666.º e 679.º do Código de Processo Civil). Sucede que na decisão reclamada se escreveu, como se acabou de transcrever, que “não se retirando dos preceitos indicados pel(a) recorrente nenhuma norma com o sentido que se retira da alegação de inconstitucionalidade, não há que conhecer da invocada inconstitucionalidade de normas que se não aplicaram”, afirmação que se reitera. A reclamante considera ainda não estarem presentes os requisitos exigidos pelo artigo 656.º do Código de Processo Civil para que o recurso possa ter sido julgado em decisão singular, porque, conforme se escreve no corpo da reclamação, “Ao contrário do que se afirma na decisão sumária em crise, a questão continua sem merecer tratamento unânime, nesta data, pelos nossos Tribunais. Divergência que se mantém por confronto com outras decisões de tribunais da 1.ª e 2.ª Instâncias, mas igualmente do próprio Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no seu acórdão de 20.06.2023, Proc. n.º 23384/19.2T8LSB.L1.S1, onde se acolhe o critério do centro de gravidade do conflito e se afasta o critério do centro de interesses (…). Ao que acresce que o Tribunal Constitucional, em acórdão de 21.12.2022, não deixou já de referir que a interpretação do STJ não é rigorosa, exarando que não é “…a única interpretação possível ou, sequer, a melhor…” – pág. 30 do acórdão n.º 870/2022 de 21.12.2022.” Não se considerarão as decisões da 1.ª e 2.ª Instância, porque se entende, tal como se observou na decisão reclamada, que a questão que constitui o objecto do recurso de revista tem sido uniformemente decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça no sentido que se acolheu. Note-se que, tratando-se de uma questão de competência internacional dos tribunais portugueses, pode ser sempre o Supremo Tribunal de Justiça a ter a última palavra (al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil). No que respeita ao acórdão de 20 de Junho de 2023, que considerou relevante, relativamente a parte dos réus, o centro de gravidade do litígio e não o centro de interesses do autor, cumpre apenas observar que, no caso presente, como aliás se diz na decisão reclamada, para justificar a invocação da jurisprudência que se transcreve – e, portanto, da consideração do centro de interesses do autor, que «Para além de resultar da globalidade da petição inicial a alegação de que os jogos electrónicos em causa foram difundidos globalmente, incluindo em Portugal, da mesma petição inicial resulta a alegação de diversos elementos de conexão especificamente com a ordem jurídica portuguesa: – de que o autor é domiciliado em Portugal (início da petição inicial); – de que o autor é português (artigo 3.º); – de que, à data da propositura da acção, representava um clube português (artigo 4.º); – de que exerceu a sua profissão de futebolista “maioritariamente, em clubes portugueses” (artigo 5.º), nomeadamente, nos que indica no artigo 7.º da petição inicial; – de que os jogos são difundidos e vendidos em Portugal (nomeadamente, nos artigos 26.º ou 189.º); – de que os jogos são utilizados em torneios realizados em Portugal (artigos 29,º, 30.º)». E, mais adiante, que “dos factos alegados – de que a carreira profissional do autor decorreu maioritariamente em Portugal e em representação de clubes portugueses, de que o seu domicílio se situa em Portugal (sem que isto signifique dar relevo autónomo ao domicílio do autor, repete-se), de que os jogos são difundidos em Portugal (o que aliás integra o facto ilícito, tal como é descrito pelo autor, que não se esgota com a elaboração e a produção dos jogos) – resulta que parte significativa da causa de pedir é situada pelo autor em Portugal.” Relativamente ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 870/2022, cabe apenas recordar que, tal como ali expressamente se diz, não é da sua competência pronunciar-se sobre a interpretação do direito ordinário aplicado pelo Supremo Tribunal de Justiça; assim resulta, aliás, da delimitação recíproca da competência entre o Tribunal Constitucional e os demais Tribunais. Consideram-se, assim, preenchidos os requisitos para a emissão da decisão individual agora reclamada. Quanto ao que mais se alega na reclamação, tudo está tratado na decisão reclamada, que se confirma; nada há a repetir. 7. As pretensas diferenças entre a reclamação relativa ao Processo n.º 2507/20.4T8AVR.P1-A.S1, face à presente reclamação, em nada alteram a decisão singular, ou o desfecho da presente reclamação, atendendo ao sentido que se considerou dever prevalecer relativo ao centro de interesses, e que aqui se dá por reproduzido. 8. Indefere-se, portanto, reclamação apresentada, confirmando a decisão individual reclamada. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em três ucs. Lisboa, 28 de Maio de 2024 Fátima Gomes (relatora) Barateiro Martins Nuno Ataíde das Neves |