Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ANA PARAMÉS | ||
| Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA VIOLAÇÃO PROCEDÊNCIA | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | EXTRADIÇÃO/ M.D.E/ RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário : |
I – As execuções de sentenças penais estrangeiras constituem uma das modalidades de cooperação judiciária internacional em matéria penal. Essa qualificação tem grande relevância prática e jurídica, porquanto, permite que decisões condenatórias proferidas por tribunais estrangeiros possam de acordo com a LCJIMP, produzir efeitos em território nacional, desde que respeitados os pressupostos legais e as garantias fundamentais previstas no ordenamento interno. II – A expressão “máximo legal admissível”, contida no n.º 3 do art. 237.º do CPP, reporta-se, não ao disposto no art. 41.º do CP, mas sim ao limite máximo da moldura abstrata das penas aplicáveis ao crime concreto, previsto na parte especial daquele código, a que sejam subsumíveis os factos dados como provados pela sentença estrangeira. III – Para a adaptação, em sede de revisão de sentença estrangeira, das penas concretas e da pena única aplicadas ao condenado, o Tribunal da Relação não se pode limitar a verificar se a pena estrangeira cabe dentro do limite máximo abstratamente admissível para o crime, impondo-se, antes, fixar dentro do tipo legal de crime, uma pena concreta entre mínimo e o máximo da moldura abstracta ali prevista, adaptando/reduzindo as penas aplicadas face à luz dos critérios de determinação das medidas concretas parcelares e única, à luz dos critérios para a determinação das penas parcelares e única, segundo as regras vigentes na lei portuguesa (arts.71º e 78º CP). IV. Para o efeito impõe-se que o tribunal da revisão valore os factos e fundamente o «quantum» da pena parcelar e/ou única a aplicar, solicitando, sempre que necessário, para o efeito, a elaboração de relatório social. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO 1. O recorrente, AA com dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, nascido a D-M-1983, filho de BB e de CC, natural de República Federativa do Brasil, residente em Portugal, foi condenado, por sentença proferida pelos tribunais da República Federativa do Brasil, na pena única de 11 anos de prisão, resultante da acumulação de uma pena de 10 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime do art. 213.º do C.P. brasileiro e de outra de 6 meses de prisão, pelo crime do art. 129, § 9° do CP brasileiro/ofensa corporal em contexto de violência doméstica. 2. Por acórdão de 30 de Abril de 2025, o Tribunal da Relação Lisboa, indeferiu a reclamação da decisão sumária de 10 de Março de 2025 proferida nos autos (ref.ª 22858858) que reconheceu e confirmou a decisão condenatória proferida pelos tribunais da República Federativa do Brasil, transitada em 7 de agosto de 2018, que condenou, o ora recorrente, na pena única de 11 anos de prisão e reviu e confirmou a sentença Brasileira, com vista à sua execução em Portugal, com a fixação em onze anos a pena de prisão que o condenado AA tem de cumprir. 3. Inconformado, o Recorrente interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: «1.ª Por acórdão de 30 de Abril de 2025, decidiu o Tribunal recorrido rever e confirmar a sentença revidenda, proferida pelos tribunais da República Federativa do Brasil, que aplicou ao recorrente uma pena de 11 anos de prisão, resultante da acumulação de uma pena de 10 anos e 6 meses de prisão (pelo crime do art. 213.º do CP brasileiro e de outra de 6 meses de prisão (pelo crime do art. 129, § 9° do CP brasileiro). 2.ª A decisão de que ora se recorre não contém factos que permitam concluir pela integração dos crimes nos artigos 152.º, n.º 1, al. a), e 164.º, n.º 2, al. a), do CP (nomeadamente, não decorre da mesma que a vítima fosse cônjuge ou ex-cônjuge do requerido, e ainda não constando da mesma factos que integrem o conceito de violência ou ameaça grave usada para constranger à prática de acto sexual de relevo). 3.ª A referência à “exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convição” não pode substituir a “enumeração dos factos provados e não provados”, tratando-se de requisitos diferentes e cumulativos do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, pelo que padece a decisão recorrida da nulidade prevista na al. a), do artigo 379.º, n.º 1, do CPP, por violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do mesmo diploma, aplicáveis in casu. 4.ª O enquadramento jurídico dos factos pelos quais o recorrente foi condenado, ao abrigo do tipo correspondente da lei portuguesa, não é uma mera formalidade, pois no registo da decisão confirmatória da sentença revidenda terá de constar qual a incriminação correspondente na lei portuguesa, visto que tal qualificação jurídica tem manifestamente consequências jurídicas não só em termos do conteúdo do registo criminal (podendo aliás em certos casos ter implicações para o prazo do cancelamento de tal registo), como do próprio enquadramento da execução da pena e do plano individual de readaptação. 5.ª Tal como está enunciada a factualidade na decisão recorrida, a consequência não poderia deixar de ser a de que o crime correspondente seria o de ofensas à integridade física p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do CP, e não no artigo 152.º, n.º 1, al. a), do CP; tendo a decisão recorrida incorrido em erro de direito, ao enquadrar os factos nos artigos 152.º, n.º 1, al. a), (violência doméstica ao cônjuge/ 1 a 5 anos de prisão ) e 164.º, n.º 2, al. a), ( violação 3 a 10 anos agravado de 1/3 pela coabitação 177º nº1 al. b) ) e, como tal, violado essas normas. 6.ª A pena revidenda aplicada pelas autoridades judiciárias do Estado requerente ao crime de violência doméstica não é susceptível de revisão e confirmação, por violação do disposto na alínea i) do art. 96.º da Lei n.º 144/99, de 31.08, tendo apenas 6 meses de duração, devendo ser recusada a revisão e confirmação nesta parte. 7.ª A pena máxima aplicável ao 152.º, n.º1, al. a), e 164.º, n.º2, al.a), ambos do Código Penal, é a pena de prisão de cinco anos e de dez anos, respectivamente e a pena concretamente aplicada ao recorrente de 10 anos e 6 meses, pelo crime de violação, excede o máximo legal previsto para o crime correspondente no direito português. 8.ª A decisão recorrida inovou face à decisão sumária afirmando estar preenchida a verificação da circunstância agravante estabelecida no art. 177.º, n.º 1, b), do Código Penal português (em consideração da mesma agravante do direito penal brasileiro, atenta a relação familiar e de coabitação entre requerido e a vítima), padecendo de a nulidade prevista na al. a), do artigo 379.º, n.º 1, do CPP, por violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do mesmo diploma (não há um elenco de factos provados e não provados na decisão recorrida que permita sequer tomar a decisão), bem como na nulidade prevista na alínea b), do artigo 379.º, n.º 1, do CPP, por violação do disposto no artigo 359.º do CPP, ou, no limite, do artigo 358.º, do mesmo diploma, ao não notificar o recorrente previamente para se pronunciar sobre a referida alteração. 9.ª Errou a decisão recorrida, ao ter reconhecido pena que excede o limite máximo da pena prevista para o crime correspondente em Portugal (visto que uma das penas é de 10 anos e 6 meses, mais elevada do que os limites aqui aplicáveis, por força dos artigos 152.º, n.º 1, al. a), e do artigo 164.º, n.º 2, al. a), do Código Penal), tendo assim violado o artigo 237.º, n.º 3, do CPP. 10.ª Mais errou a decisão recorrida ao não ter reformulado o concurso das penas, em moldes compatíveis com o direito penal português (onde não é admitida a acumulação material, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal), tendo assim incorrido em violação do artigo 77.º do Código Penal, e dos artigos 100.º n.º 1, de Lei n.º 144/99, de 31.08, e 237.º, n.º 3, do CPP, que interpretou erradamente. E, consequentemente, dos princípios da culpa e da proporcionalidade, estabelecidos no artigo 40.º, n.ºs 2 e 3, do CP, como pressupostos e limites das penas, que devem necessariamente ter um objectivo preventivo para evitar a prática de crimes no futuro, não sendo meramente retributivos. 11.ª Devendo, pois, ser revogada e substituída por decisão que preconize interpretação daquelas normas no sentido de ser obrigatória, em sede de revisão e confirmação, a reformulação da pena aplicável ao concurso de crimes, de acordo com as normas do artigo 77.º do CP. 12.ª Suscita-se a inconstitucionalidade da norma extraída dos artigos 100.º, n.º 1, da lei n.º 144/99, de 31.08, e 237.º, n.º 3, do CPP, segundo a qual a revisão e confirmação de sentença que imponha penas pela prática de vários crimes em concurso não deve proceder à formulação de decisão sobre o concurso de penas em conformidade com o regime do cúmulo jurídico resultante do artigo 77.º do CP, por violação do direito à liberdade e do princípio da proporcionalidade, estabelecidos no artigo 18.º, n.º 2, e no artigo 27.º, n.º 1, da CRP; o princípio “ne bis in idem”, estabelecido no artigo 29.º, n.º 5, da CRP, na sua vertente substantiva; os princípios da dignidade humana, da integridade moral, do desenvolvimento da personalidade e do princípio da culpa, estabelecidos nos artigos 1.º, 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, da CRP. Termos em que, admitido o presente recurso, com efeito suspensivo da decisão recorrida, deve esta ser declarada nula, sendo os autos reenviados ao Tribunal recorrido para prolação de nova decisão, precedida de notificação ao recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 359.º do CPP ou, no limite, do artigo 358.º, do CPP, para se pronunciar sobre a alteração de qualificação jurídica e de factos decidida pelo Tribunal recorrido, seguindo-se os demais termos, com a prolação de decisão que enquadre devidamente os factos constantes da condenação no Estado requerente, recuse a revisão e confirmação da pena de 6 meses integrante do concurso, respeite os máximos legais aplicáveis em Portugal, reduzindo a pena de 10 anos e 6 meses ao máximo legal, e ainda, caso não recuse a revisão e confirmação da pena de 6 meses, proceda ainda à reformulação do concurso de penas, com aplicação de pena única de acordo com as regras do concurso aplicáveis em Portugal». 4. O recurso foi admitido. 5. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo: «1. O sistema de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras vigente no nosso ordenamento jurídico assenta no modelo de revisão formal, limitando-se, por isso, a verificar se a sentença estrangeira satisfaz os requisitos de forma exigíveis de acordo com a legislação aplicável, salvo se o sentenciado contrariar os princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico. 2. Por conseguinte, o reconhecimento da sentença estrangeira com vista à sua execução em Portugal, não pode ser confundida ou não pode ser tramitada, como se uma nova decisão se tratasse sobre o mérito da causa à luz da lei portuguesa. 3. Defendemos, pois, que decisão recorrida não merece censura, e deve ser mantida e confirmada nos seus precisos termos». 6. Neste Tribunal, foi cumprido o disposto no art. 416º do Código de Processo Penal, tendo o Ex.mo Sr.º Procurador Geral-Adjunto proferido parecer no qual afirma, em síntese, acompanhar a resposta oferecida pelo Sr. procurador-geral adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa, complementada pela argumentação expendida no acórdão recorrido, que se encontra devidamente fundamentado, acrescentando, ainda, a respeito da inconstitucionalidade invocada na conclusão 12.ª que se trata de questão inédita que, por não ter sido suscitada na reclamação da decisão sumária de 10 de março de 2025 nem submetida, por esse motivo, à apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa, é insuscetível de ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça. 7. O recorrente apresentou resposta ao parecer no, qual, em síntese, reafirma os argumentos já apresentados em sede de alegações de recurso. Salienta, ainda, relativamente à inconstitucionalidade que suscitou em sede de recurso para este STJ que tal questão por não ter sido suscitada em sede de reclamação da decisão sumária de 10 de Março de 2025 e, por esse motivo, não ter sido submetida à apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa, não pode deixar de ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça, porquanto, tratando-se de uma questão de inconstitucionalidade é do conhecimento oficioso por parte de qualquer tribunal , não podendo os tribunais aplicarem normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados, sendo, por isso, irrelevante que a questão seja ou não originária 8. Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO 1 Questões a decidir : É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (arts 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal). Deste modo, as questões a decidir no presente recurso são, por ordem de precedência lógica as seguintes: -Nulidade do acórdão por este não conter factos concretos que permitam concluir pela integração dos crimes nos artigos 152.º, n.º 1, al. a), e 164.º, n.º 2, al. a), do CP nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, com referência ao artigo 374.º, n.º 2, do mesmo diploma; - O acórdão recorrido violou o artigo 237.º, n.º 3, do CPP. por ter reconhecido uma pena que excede o limite máximo da pena prevista para o crime correspondente em Portugal ( uma das penas é de 10 anos e 6 meses, mais elevada do que os limites em Portugal aplicáveis); - A decisão recorrida inovou agravando o crime de violação para o crime de violação agravada do art. 177.º, n.º 1, al. b), do CP; - O acórdão recorrido violou o disposto na alínea i) do art. 96.º da Lei n.º 144/99, de 31.08 ao rever uma pena inferior a 1 ano de prisão; - A decisão recorrida não procedeu à reformulação o concurso das penas, em moldes compatíveis com o direito penal português onde não é admitida a acumulação material, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal; - Inconstitucionalidade da norma extraída dos artigos 100.º, n.º 1, da lei n.º 144/99, de 31.08, e 237.º, n.º 3, do CPP, interpretada no sentido de que a revisão e confirmação de sentença que imponha penas pela prática de vários crimes em concurso não deve proceder à formulação de decisão sobre o concurso de penas em conformidade como regime do cúmulo jurídico resultante do artigo 77.º do CP, por violação do direito à liberdade e do princípio da proporcionalidade, estabelecidos no artigo 18.º, n.º 2, e no artigo 27.º, n.º 1, da CRP. Apreciando: Nos presentes autos de revisão de sentença estrangeira, que correm termos na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em 10 de Março de 2025, foi proferida decisão sumária com o seguinte teor : (transcrição) « (…) Em seguimento a um pedido formulado pelas autoridades judiciárias brasileiras, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal da Relação promoveu o reconhecimento de sentença penal brasileira proferida quanto aos cidadão português (também com a nacionalidade brasileira) AA, nascido a D-M-1983, filho de BB e de CC, natural de República federativa do Brasil, nacional de Portugal, portador do número de identificação civil ........ 3, residente naRua 1, 2870-..., Montijo (morada fornecida pelo requerido), com vista à sua execução em Portugal. Com o requerimento inicial foram juntos os documentos comprovativos das condições necessárias ao enquadramento jurídico invocado, para além da sentença a confirmar. (…) Tendo sido nomeado defensor ao requerido, foi o mesmo notificado para se pronunciar. Nessa sequência apresentou um requerimento em que refere opor-se à execução requerida e constituiu mandatário. Em face da oposição deduzida o Ministério Público respondeu que não se verificava uma verdadeira oposição ao requerimento inicial e sustentou os fundamentos do requerimento inicial. (…) Cumpre apreciar, sendo caso de proferimento de decisão sumária, atenta a simplicidade da causa, nos termos previstos nos arts. 652.º, n.º1, c) e 982.º, n.º2, do Código de Processo Civil, por via do disposto no art. 240.º do Código de Processo Penal. II. FUNDAMENTAÇÃO Com relevância para a decisão, baseados no teor dos documentos que integram os autos, importa ter em consideração: 1. AA foi condenado por sentença proferida no processo 0512452- 55.2015.8.19.0001 que correu termos no Tribunal de Justiça, Regional de Barra da Tijuca, cartório do VII Juizado de Violência doméstica, datada de 02 de agosto de 2016, na pena de 11 anos de prisão no regime inicial fechado pela prática dos crimes de estupro e lesão corporal, previstos e punidos pelos artigos 129 S9.g e 213 caput do Código Penal do Brasil, por factos praticados em 26 de novembro de 2015. 2. Foi pelo requerido interposto recurso da decisão proferida em 1.ª instância que constituiu a apelação 512452-55.2015.8.19.0001. que correu termos na 2 Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rio de Janeiro, tendo por acórdão proferido a 27 de março de 2018 sido mantida a decisão proferida na 1.ª instância, a qual transitou a 7 de agosto de 2018. 3. Da pena em que o arguido foi condenado permanecem por cumprir 10 anos, 9 meses e 5 dias de pena de prisão, em regime fechado. 4. No dia 10.05.2021, no âmbito de um pedido de detenção internacional inserido no Sistema de informação Interpol, com o n.º 2021/19395 emitidos pelas autoridades judiciárias do Brasil, tendo em vista a sua detenção e extradição para o Brasil, para cumprimento de pena que foi aplicada na sentença 512452-55.2015.819.0001.0004 proferida pelo Juiz do 2 do Tribunal Criminal do Rio de Janeiro, datada de 02 de agosto de 2016 e transitada em julgado em 7 de agosto de 2018 referido em 1, o requerido foi detido pela polícia Judiciária, na localidade de Alapraia, Estoril. 5. Correu para este efeito termos o processo 1049/21.5yrlsb (extradição), na 9.ª secção deste Tribunal. 6. O requerido foi ouvido no âmbito do processo 1049/21.5yrlsb, na 9.ª secção deste Tribunal no dia 11 de Maio de 2021, tendo o mesmo ficado sujeito à medida de coação de prisão preventiva. 7. Por despacho de 07.06.2021 foi alterada a medida e coação aplicada ao arguido substituindo-se a medida de coação de prisão preventiva então aplicada pela medida de TIR, já prestado e determinada a imediata libertação do requerido, o qual ocorreu nesse mesmo dia 07.06.2021. 8. O requerido esteve assim detido à ordem do processo de extradição 1049/21.5yrlsb desde o dia 10.05.2021 até ao dia 7.06.2021. 9. O requerido adquiriu a nacionalidade portuguesa a 31.10.2018. 10. Foi indeferido por despacho da senhora Ministra da Justiça de 07.06.2021 o pedido de extradição apresentado pelo Brasil relativamente a AA, relativamente ao qual corria termos o processo 1049/21.5yrlsb em virtude de nos termos do artigo 33°, n.º 3 da Constituição da Republica Portuguesa, “A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo”. 11. Verifica-se desde logo que AA não se encontra condenado por crime referente a terrorismo ou a criminalidade internacional organizada.» 12. Recusando a senhora Ministra a satisfação do pedido de extradição nos termos das disposições conjugadas dos artigos 33°, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e 32°, n° 1, alínea a) e n.º 4., da lei n°l44/99, de 31 de agosto e artigo 4.°, alínea a) da de extradição entre estados-membros da comunidade dos países de língua portuguesa, considerando ainda a informação recepcionada da PGR onde se entendia não ser admissível a extradição do requerido por razões similares. 13. Por despacho de 17.06.2021 proferido no processo 1049/21.5yrlsb foi declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e declarada extinta a medida de coação aplicada ao requerido. 14. As autoridades brasileiras, face à recusa de extradição do requerido vêm agora solicitar no âmbito do processo 5003879-45.2021.819.0500 que corre termos na vara de execuções Penais do Rio de Janeiro Cartório Penal RG9 e 0, o reconhecimento e a execução da sentença 512452- 55.2015.819.0001.0004 proferida pelo Juiz 2 do Tribunal Criminal do Rio de Janeiro, datada de 02 de agosto de 2016 e transitada em julgado em 7 de agosto de 2018, a qual foi mantida pelo acórdão proferido no processo 512452-55.2015.8.19.0001 da Câmara Criminal do Estado de Rio de janeiro, ao abrigo do principio da reciprocidade previsto no art.° 4° da lei de cooperação judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela lei 144/99 de 31 de Agosto. 15. Do teor da sentença revidenda consta, em síntese, a condenação do requerido ao abrigo do art. 129, § 9 do Código Penal por ser “incontestável que o réu ofendeu a integridade física da vítima, valendo-se do convívio que com ela manteve em razão de relação doméstica. De acordo com as declarações da vítima, com as fotos acostadas aos autos (fls. 16/20), bem como com o laudo de exame de corpo de delito, o réu desferiu-lhe socos, mordidas na face e na mão e puxou-lhe os cabelos. Nos termos do laudo pericial, o réu utilizou-se de meio cruel para produzir as lesões na vítima. "A multiplicidade de lesões demonstra a vontade deliberada do autor em impor sofrimento físico à vítima" (fl. 11)”. 16. Bem como a sua condenação ao abrigo do art. 213 do Código Penal, por, em síntese, ter obrigado “a vítima a com ele manter relações sexuais, sem consentimento, mediante grave ameaça e força física”. As autoridades brasileiras, face à recusa de extradição do requerido, solicitaram, no âmbito do processo 5003879-45.2021.819.0500 que corre termos na Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro Cartório Penal RG9 e 0, o reconhecimento e a execução da sentença 512452- 55.2015.819.0001.0004 proferida pelo Juiz 2 do Tribunal Criminal do Rio de Janeiro, datada de 02 de agosto de 2016 e transitada em julgado em 7 de agosto de 2018, a qual foi mantida pelo acórdão proferido no processo 51245255.2015.8.19.0001 da Câmara Criminal do Estado de Rio de janeiro, ao abrigo do principio da reciprocidade previsto no art.° 4° da lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela lei 144/99 de 31 de Agosto. Conforme sustentou o Ministério Público, as condições para a execução desta sentença estrangeira em Portugal encontram-se cumpridas, de acordo com o disposto no art.° 96° da lei 144/99 de 31 de Agosto: a) O tribunal de justiça, Regional de Barra da Tijuca, cartório do VII Juizado de Violência doméstica bem como a Câmara Criminal do Estado de Rio de janeiro têm competência para o conhecimento dos factos; b) O requerido esteve presente em audiência de discussão e julgamento; c) As sentenças não contêm disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico Português; d) Não existe informação que indique que os factos são ou foram objecto de procedimento criminal em Portugal; e) Os factos que determinaram a condenação do requerido são qualificados como crime à luz da lei penal portuguesa, nos termos do disposto nos artigos 152°, n.º 1, alínea a) e 164°, n°,2, alínea a), todos do Código Penal. f) O requerido tem nacionalidade portuguesa e reside em Portugal; g) A execução da sentença em Portugal justifica-se pela impossibilidade de extradição do mesmo, face à sua nacionalidade portuguesa; h) O estado Brasileiro garantiu que, cumprida a pena em Portugal, considera extinta a responsabilidade Penal do requerido; i) A duração da pena em causa não é inferior a 1 ano; j) O consentimento do requerido não é exigível, uma vez que não é possível a sua extradição (art.° 33 n.º 3 da Constituição da República Portuguesa) k) A pena não se encontra prescrita. Nos termos previsto das disposições conjugadas do art. 100.º da lei 144/99 de 31 de Agosto e do art.°234.º a 240.º do Código de Processo Penal, a força executiva da sentença estrangeira depende de prévia revisão e confirmação pelo tribunal da Relação do distrito judicial em que o arguido tiver o último domicílio (art. 235.º, n.º1, do Código de Processo Penal). Tendo o pedido sido submetido à Autoridade Central, que o submeteu à apreciação da Exmª Senhora Ministra da Justiça, nos termos do art.° 99, n.º 1 do mesmo diploma legal, o mesmo foi considerado admissível, por despacho datado de 25.11.2024. Estando em causa factos que também são qualificados como crime à luz da lei penal portuguesa, nos termos do disposto nos artigos 152°, n.º 1, alínea a) e 164°, n°, 2, alínea a), todos do Código Penal, não existe óbice ao reconhecimento da sentença estrangeira com vista ao cumprimento da pena de prisão estabelecida de 11 anos, considerando-se os períodos de privação da liberdade sofridos pelo requerido por causa deste objecto processual. Essa pena única não ultrapassa o máximo legalmente admissível para a prática cumulativa dos mencionados crimes de violência doméstica (5 anos de prisão) e de violação (10 anos de prisão), nos termos previstos no art. 77.º, n.º2, do Código Penal, levando em consideração que a pena a executar decorrente da sentença brasileira é resultante de um cúmulo dessas penas. Na sua oposição, o requerido, para além de ter afirmado que se opõe à execução da sentença proferida pelas autoridades judiciárias brasileiras, apenas refere que considera que as penas aplicadas não podem ser consideradas para execução no ordenamento jurídico português, sem as mesmas serem reformuladas e que entende que deve ser considerado o previsto no artigo 98º da Lei 144/99 de 31 de Janeiro, e no artigo 237º nº. 3 do Código de Processo Penal. No entanto, conforme foi já exposto, não se verifica qualquer necessidade de reformulação das penas aplicadas ao requerido. Por outro lado, não se verifica nenhuma limitação decorrente do disposto no art. 98.º da Lei n.º 144/99 porque está apenas está em causa nestes autos o reconhecimento dos efeitos penais da condenação brasileira quanto ao cumprimento de uma pena de prisão; estando plenamente respeitada tal disposição legal. Mostram-se, assim, preenchidos os pressupostos e requisitos legalmente exigidos à confirmação e revisão de sentença estrangeira nos termos requeridos. De acordo com o disposto no art. 103º nº 1 e nº3, da Lei 144/99 de 31.08, a execução da sentença é da competência do Juízo Central Criminal de Almada, sem prejuízo da competência própria do TEP. III. DECISÃO Nestes termos decide-se reconhecer a sentença proferida no processo e pelo tribunal do Brasil, supra identificado, com vista à sua execução em Portugal, fixando-se em onze anos a pena que o condenado tem de cumprir. Determina-se que, no cumprimento da pena de prisão, seja descontado o tempo de prisão mencionado nos pontos 3 e 8, da parte II (fundamentação) desta decisão (…)». O recorrente reclamou para a conferência desta decisão singular, tendo o colectivo do Tribunal da Relação Lisboa, por acórdão em 30 de Abril de 2025, decidido: «Em face do exposto acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção em indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se o reconhecimento da sentença proferida no processo e pelo tribunal do Brasil, supra identificado, com vista à sua execução em Portugal, com a fixação em onze anos da pena que o condenado AA tem de cumprir. (…)» Relativamente à questão suscitada na reclamação, isto é, de ter o acórdão recorrido violado o artigo 237.º, n.º 3, do CPP.R por ter reconhecido pena que excede o limite máximo da pena prevista para o crime correspondente em Portugal (visto que uma das penas é de 10 anos e 6 meses, mais elevada do que os limites aqui aplicáveis- o crime de violação é punido em Portugal com prisão de 3 a 10 anos- o acórdão recorrido pronunciou-se nos seguinte termos «(…) Não existe qualquer dúvida sobre a integração criminal reconhecida na decisão reclamada e no requerimento inicial, sendo a invocação do requerido aqui ostensivamente destituída de fundamento. Sempre se dirá, em relação à violência doméstica, que a pena aplicada na sentença estrangeira (6 meses de prisão) se encontra igualmente compreendida no limite legal da incriminação de ofensa à integridade física prevista no art. 143.º, n.º1, do Código Penal, pelo que nenhuma questão pode existir a este respeito. Neste âmbito, em atenção ao previsto na alínea i) do art. 96.º da Lei n.º 144/99, é de destacar que a lei refere expressamente a duração “das penas” e não de cada uma delas, o que se revela coerente com o elemento interpretativo e orientador estabelecido no art. 31.º, n.º3, da Lei . Não faria sentido a impossibilidade de confirmação de uma pena relativamente à qual seria lícita a extradição, sendo ainda evidente do disposto nos números 5 e 6 do mesmo artigo 96.º que não poderíamos estar perante um impedimento absoluto da revisão da sentença estrangeira. E note-se que a presente revisão e confirmação da sentença brasileira apenas foi apresentada na sequência de não ter sido possível a solicitada extradição do requerido pela mesma condenação, em razão da sua nacionalidade. Por outro lado, na decisão reclamada foi considerado que para efeitos de confirmação era, quanto ao seu limite, a pena única que poderia resultar do cúmulo das penas nos termos do art. 77.º, n.º2, do Código Penal, o qual, ao contrário do que é afirmado na reclamação, admite o cúmulo material das penas, sendo precisamente esse o limite máximo de tal pena única. No entanto, da análise parcial das penas concretas resulta a condenação do requerido na pena de 10 anos e 6 meses de prisão a qual, se for vista isoladamente, supera o máximo legalmente previsto na incriminação referida de violação do art. 164.º, n.º2, do Código Penal (10 anos). Contudo, completa-se agora a fundamentação da revisão e confirmação da sentença estrangeira quanto a essa parte, sendo de aceitar a referida pena concreta singular em virtude da verificação da circunstância agravante estabelecida no art. 177.º, n.º1, b), do Código Penal português (em consideração da mesma agravante do direito penal brasileiro, atenta a relação familiar e de coabitação entre requerido e a vítima). Pelo que o limite máximo da moldura penal abstracta correspondente no Código Penal português passa a ser de 13 anos e 4 meses de prisão (10 anos de prisão agravados de um terço). Pelo que não existe fundamento para deixar de confirmar a sentença estrangeira nos seus exactos termos. Por isso, há que indeferir a reclamação apresentada (…)». 2. O Direito -Nulidade do acórdão por este não conter factos que permitam concluir pela integração dos crimes nos artigos 152.º, n.º 1, al. a), e 164.º, n.º 2, al. a), do CP nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, com referência ao artigo 374.º, n.º 2, do mesmo diploma legal. A falta de fundamentação da sentença quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito constitui uma nulidade da sentença, nos termos do art.ºs 374º/2 e 379º/1-a) do CPP. Afirma o recorrente que o acórdão recorrido não contém factos que permitam concluir pela integração dos crimes de violência doméstica, previsto e punível, pelo art. 152, nº1 al, a) e pelo crime de violação, previsto no art. 164, nº2 al a), todos do código Penal. Pese embora, se nos afigure, do ponto de vista formal, mais acertado que o acórdão recorrido enunciasse de forma autónoma e individualizada os factos dados como provados na decisão condenatória brasileira, certo é, porém, que tais factos constam no acórdão recorrido, ainda que, alguns deles, por transcrição da factualidade dada como assente na decisão brasileira, como consta, designadamente, dos pontos 15 e 16, do acórdão recorrido: «15. Do teor da sentença revidenda consta, em síntese, a condenação do requerido ao abrigo do art. 129, § 9 do Código Penal por ser “incontestável que o réu ofendeu a integridade física da vítima, valendo-se do convívio que com ela manteve em razão de relação doméstica. De acordo com as declarações da vítima, com as fotos acostadas aos autos (fls. 16/20), bem como com o laudo de exame de corpo de delito, o réu desferiu-lhe socos, mordidas na face e na mão e puxou-lhe os cabelos. Nos termos do laudo pericial, o réu utilizou-se de meio cruel para produzir as lesões na vítima. "A multiplicidade de lesões demonstra a vontade deliberada do autor em impor sofrimento físico à vítima" (fl. 11)”. 16. Bem como a sua condenação ao abrigo do art. 213º do Código Penal, por, em síntese, ter obrigado “a vítima com ele manter relações sexuais, sem consentimento, mediante grave ameaça e força física”. No «mesmo contexto agindo de forma livre e conscientemente constrangeu a vítima a mediante violência consistente em jogá-la no chão, rasgar sua roupa e «calcinha», prosseguindo ainda com as demais agressões, a ter conjugação carnal «e manteve relação sexual com a mesma sem o consentimento desta; que a todo o instante tentava se desvencilhar de AA, contudo o mesmo agredia a declarante, e falava: "VOCÊ É MINHA MULHER, E TEM QUE TRANSAR COMIGO violentando-a sexualmente». Deste modo, há que concluir que do acórdão recorrido constam factos concretos que permitiram ao tribunal concluir pela integração da factualidade, à luz da lei portuguesa, nos crimes de violência doméstica, previsto e punível, pelo art. 152º, nº1 al, b), e não pela alínea a), como se afirma no acórdão recorrido, porquanto, na data dos factos, como decorre dos factos dados como provados, arguido e ofendida não tinham a qualidade de cônjuge ou ex-cônjuge, tendo mantido uma relação análoga à dos cônjuges e não tinham qualquer relação de convivência, encontrando-se separados, há cerca de 3 semanas, bem como, da prática de um crime de violação previsto no art. 164, nº2 al a) todos do código Penal. Improcede, deste modo, a nulidade do acórdão, nos termos nos termos do art.ºs 374º nº2 e 379º nº1 al. a) do CPP, arguida pelo recorrente, - O acórdão recorrido violou o artigo 237.º, n.º 3, do CPP.R por ter reconhecido uma pena que excede o limite máximo da pena prevista para o crime correspondente em Portugal - uma das penas é a rever é de 10 anos e 6 meses, mais elevada do que os limites aplicáveis à luz da lei portuguesa. Os artigos 1.º, n.º 1, alínea c), e 3.º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (LCJIMP) delimitam o âmbito de aplicação desta lei, preceituando que as execuções de sentenças penais estrangeiras constituem uma das modalidades de cooperação judiciária internacional em matéria penal. Essa qualificação tem grande relevância prática e jurídica porquanto, permite que decisões condenatórias proferidas por tribunais estrangeiros possam de acordo com a LCJIMP, produzir efeitos em território nacional, desde que respeitados os pressupostos legais e as garantias fundamentais previstas no ordenamento interno. Esta cooperação rege-se prioritariamente pelas normas constantes de tratados, convenções e acordos internacionais em vigor e vinculativos para o Estado, refletindo o princípio da prevalência do direito internacional sobre o direito interno neste domínio específico. Apenas na ausência ou insuficiência de tais instrumentos internacionais é que se aplica diretamente a lei nacional, que funciona como complemento normativo. Contudo, a execução de sentenças penais estrangeiras não se apresenta como um acto meramente mecânico de reconhecimento, constituindo, antes, um procedimento jurídico complexo, situado na confluência entre o direito internacional e o direito interno que visa equilibrar dois objetivos centrais do Estado: por um lado, assegurar que a repressão a crimes de alcance transnacional não seja comprometida pela mera existência de fronteiras estatais, evitando-se assim a impunidade de indivíduos que, ao se deslocarem entre países, poderiam escapar à responsabilização penal. Por outro lado, garantir a soberania e os valores fundamentais do Estado, nomeadamente, os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados. Portugal não está, neste momento, vinculado a qualquer tratado, convenção ou acordo internacional que tenha aplicação ao caso em apreço, pelo que, as normas aplicáveis à situação dos autos são os artigos 95º a 103.º da LCJIMP. Sob a epigrafe «Revisão e confirmação de sentença estrangeira» dispõem os nºs 1 e 2 do artigo 100º desse diploma: «1 - A força executiva da sentença estrangeira depende de prévia revisão e confirmação, segundo o disposto no Código de Processo Penal e o previsto nas alíneas a) e c) do nº 2 do artigo 6º do presente diploma. 2 - Quando se pronunciar pela revisão e confirmação, o tribunal: a. Está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira; b. Não pode converter uma pena privativa de liberdade em pena pecuniária; c. Não pode agravar, em caso algum, a reação estabelecida na sentença estrangeira». Por outro lado, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 234º e no artigo 237º, ambos do Código de Processo Penal: «Artigo 234º Necessidade de revisão e confirmação 1 – Quando, por força da lei ou de Tratado ou Convenção, uma sentença penal estrangeira dever ter eficácia em Portugal, a sua força executiva depende de prévia revisão e confirmação». «Artigo 237º Requisitos da confirmação 1 - Para confirmação de sentença penal estrangeira é necessário que se verifiquem as condições seguintes: a. Que, por lei, tratado ou convenção, a sentença possa tero força executiva em território português; b. Que o facto que motivou a condenação seja também punível pela lei portuguesa; c. Que a sentença não tenha aplicado pena ou medida de segurança proibida pela lei portuguesa; d. Que o arguido tenha sido assistido por defensor e, quando ignorasse a língua usada no processo, por intérprete; e. Que, salvo tratado ou Convenção em contrário, a sentença não respeite a crime qualificável, segundo a lei portuguesa ou a do país em que foi proferida a sentença, de crime contra a segurança do Estado. 2 - Valem correspondentemente para confirmação de sentença penal estrangeira, na parte aplicável, os requisitos de que a lei do processo civil faz depender a confirmação de sentença civil estrangeira. 3 - Se a sentença penal estrangeira tiver aplicado pena que ali portuguesa não prevê ou pena que a lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa, ou reduz-se até ao limite adequado. Não obsta, porém, à confirmação a aplicação pela sentença estrangeira de pena em limite inferior ao mínimo admissível pela lei portuguesa.” Quanto ao que deve entender-se às penas e seus limites, a que se refere o nº3 da citada disposição legal, perfilam-se duas posições na jurisprudência dos nossos tribunais: Uma primeira, que defende que o limite máximo geral a ter em conta é o previsto no nº 1 do art. 41º do Código Penal Português, posição que é defendida, entre outros no acórdão do TRP de 30-01-2008 (dgsi.pt) que afirma que «se na sentença estrangeira a rever o arguido foi condenado na pena de 15 anos de prisão pela prática de um crime para o qual a lei portuguesa prevê pena de prisão com o máximo de 10 anos, não há que operar qualquer redução da pena, à luz do nº 3 do art. 237º do Código de Processo Penal, visto que aquela pena de 15 anos de prisão não excede o limite máximo geral previsto no nº 1 do art. 41º do Código Penal Português –neste sentido, podem ver-se, igualmente, os acórdãos do STJ de 19.03.2010, processo 301/09.2TRPRT.S1 e de 11.07.2012, processo 166/11.4YREVR.S1. Uma outra posição que defende que, mesmo que não tenha sido ultrapassado o limite previsto no artigo 41º do C.P. Português, caso uma das penas parcelares ultrapasse o limite máximo previsto na lei portuguesa para esse crime em concreto, há que adaptar/reduzir essa pena parcelar à moldura penal da lei portuguesa. Esta corrente faz uma interpretação do artigo 237º nº 3 do C.P.P. português que perscruta cada pena parcelar e não o limite geral das penas em Portugal cominado no artigo 40º do C.P. O acórdão recorrido perfilhou a primeira posição, de acordo com o que, igualmente, foi defendido na decisão sumária anteriormente proferida, como decorre, claramente, das seguintes passagens da fundamentação do acórdão recorrido: « (…) Neste âmbito, em atenção ao previsto na alínea i) do art. 96.º da Lei n.º 144/99, é de destacar que a lei refere expressamente a duração “das penas” e não de cada uma delas, o que se revela coerente com o elemento interpretativo e orientador estabelecido no art. 31.º, n.º3, da Lei . Não faria sentido a impossibilidade de confirmação de uma pena relativamente à qual seria lícita a extradição, sendo ainda evidente do disposto nos números 5 e 6 do mesmo artigo 96.º que não poderíamos estar perante um impedimento absoluto da revisão da sentença estrangeira. E note-se que a presente revisão e confirmação da sentença brasileira apenas foi apresentada na sequência de não ter sido possível a solicitada extradição do requerido pela mesma condenação, em razão da sua nacionalidade. Por outro lado, na decisão reclamada foi considerado que para efeitos de confirmação era, quanto ao seu limite, a pena única que poderia resultar do cúmulo das penas nos termos do art. 77.º, n.º2, do Código Penal, o qual, ao contrário do que é afirmado na reclamação, admite o cúmulo material das penas, sendo precisamente esse o limite máximo de tal pena única». E, em consequência, decidiu-se no acórdão recorrido: «(…) indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se o reconhecimento da sentença proferida no processo e pelo tribunal do Brasil, supra identificado, com vista à sua execução em Portugal, com a fixação em onze anos da pena que o condenado AA tem de cumprir». Ora, desde já se consigna que, é nosso entendimento, que a expressão «medida superior ao máximo legal admissível», prevista no artigo 237º nº 3, do C.P.P. refere-se a cada pena parcelar de per si e não o limite geral das penas em Portugal, cominado no artigo 40º do C.P. Português, como se afirma no acórdão recorrido, não se acompanhando, deste modo, nesta parte, a tese defendida no acórdão, pelas razões que, de seguida, passamos a expor. Como se afirma no Acórdão deste STJ de 21-05-2024, proferido no processo nº3540/23.0YRLSB.S1, em que foi relator o Exm.º Conselheiro CELSO MANATA, in www.dgsi.pt/jstj «Com vista a proceder a uma correta interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 237.º julgamos ser indiscutível dever partir do seguinte postulado: a expressão “medida superior ao máximo legal admissível”, constante do primeiro segmento desta norma, e a expressão “limite inferior ao mínimo admissível”, terão que necessariamente referir-se à mesma realidade jurídica. Por outras palavras, e concretizando, ou ambas as expressões se referem ao mínimo e ao máximo da pena prevista na lei portuguesa para a infração com base na qual o condenado foi sentenciado no Estado da condenação, ou ambas se referem aos limites mínimo e máximo das penas de prisão admissíveis, em geral, pela lei portuguesa. Não nos restam dúvidas que a primeira asserção é a correta na medida em que a segunda se mostra de configuração manifestamente impossível. No artigo 41º do Código Penal, coexistem dois “limites máximos” da pena de prisão. Com efeito, dispõem os nºs 1 e 2 desse artigo 41º o seguinte: “Artigo 41º Duração e contagem dos prazos da pena de prisão 1 – A pena de prisão tem, em regra, a duração mínima de 1 mês e a duração máxima de 20 anos. 2 - O limite máximo da pena de prisão é de 25 anos nos casos previstos na lei.” Ou seja, uma primeira dificuldade que encontramos no entendimento expresso no acórdão recorrido é a de saber a que limite máximo devíamos considerar. Com efeito, parece-nos legitimo perguntar se o limite máximo referido é o da regra do nº 1 do artigo 41º do Código Penal ou da exceção, prevista no nº 2 do mesmo artigo. Por outro lado, e como atrás se deixou consignado, o limite mínimo da pena de prisão previsto no artigo atrás transcrito está fixado em 1 (um) mês. Assim e mais uma vez na interpretação do acórdão recorrido, o limite mínimo a que se reporta a segunda parte do nº 3 do artigo 237º do Código de Processo Penal seria de um mês. Contudo, nos termos do disposto no artigo 96º nº 1 alínea i) da LCJIMP, não é admissível, em termos gerais, a revisão e confirmação de sentença estrangeira que aplique pena de prisão inferior a 1 (um) ano de prisão. Ou seja, o limite mínimo a que se reporta a segunda parte do nº 3 do artigo 237º não pode ser nunca o do n.º 1 do artigo 41º do Código Penal, já que este é inferior a 1 (um) ano de prisão, pelo que esse limite mínimo não poderá deixar de corresponder ao previsto na lei portuguesa para a infração com base na qual o condenado foi sentenciado no Estado da condenação. Razão por que, sendo assim, a expressão “medida superior ao máximo legal admissível” constante do primeiro segmento do n.º 3 do artigo 237.º do Código de Processo Penal não poderá deixar de referir-se ao mínimo e ao máximo da pena prevista na lei portuguesa para a infração com base na qual o condenado foi sentenciado no Estado da condenação». Acresce que, esta linha interpretativa é a que melhor se coaduna com os princípios constitucionais da legalidade e proporcionalidade vigentes no nosso sistema penal, designadamente: O princípio da legalidade expresso no art. 29.º da CRP e o art. 1.º, n.º 1 CP impõe que ninguém pode ser condenado em pena que não esteja prevista na lei. Por isso, admitir a execução em Portugal de uma pena superior ao máximo legal português para o crime em concreto violaria este princípio, esvaziando a função garantística da lei penal nacional. O princípio fundamental da Ordem pública internacional portuguesa expresso no art. 980.º, al. f), CPC impede, por sua vez, a confirmação de sentenças estrangeiras contrárias à ordem pública. O respeito pelo princípio da Proporcionalidade e culpa. A Constituição (art. 18.º, n.º 2 CRP) impõe limites materiais às restrições de direitos fundamentais. Os arts. 40.º e 71.º CP estruturam a pena na ideia de proporcionalidade à gravidade do facto e à culpa do agente e uma pena acima do limite legal português para determinado crime em concreto violaria este núcleo essencial. À luz do exposto, conclui-se, pois, que a interpretação conforme à Constituição e aos princípios fundamentais do direito penal português exigem que, em sede de revisão de sentença estrangeira, cada pena seja confrontada com a moldura legal portuguesa do crime correspondente. Pelo exposto, sempre que uma pena estrangeira ultrapasse o limite máximo previsto no Código Penal Português, deve ser adaptada/reduzida, ainda que não se verifique o excesso face ao limite geral do art. 41.º, n.º 1 CP. Aqui chegados uma outra questão se coloca, isto é, a de saber se no caso da adaptação das penas concretas aplicada estas devem ser feitas pelo máximo abstratamente admissível para o crime (in casu, de 10 anos de prisão) para o tipo legal do crime de violação do art. 164, nº2 al a) do código Penal, ou, se cabe, fixar dentro do tipo legal de crime uma pena concreta entre mínimo e o máximo da moldura abstracta ali prevista, adaptando/reduzindo as penas aplicadas face à luz dos critérios de determinação das medidas concretas parcelares e única, face à luz dos critérios para a determinação das penas previstos no Código Penal Português. De acordo com aquela que tem sido a última jurisprudência do STJ ( neste sentido, cfr. o douto o Acórdão deste STJ de 21-05-2024, supra citado, em que foi relator o Exm.º Conselheiro CELSO MANATA) defende-se que para a adaptação, em sede de revisão de sentença estrangeira, das penas concretas e da pena única aplicadas ao condenado, o Tribunal da Relação não se pode limitar a verificar se a pena estrangeira cabe dentro dos limites portugueses (posição que anteriormente era seguida pelo STJ neste sentido entre outros, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.02.97, no proc. 933/96, em que foi relator o Exmº. Sr. Desembargador, e, actualmente, Conselheiro José Manuel Carreto em www.dgsi.pt sob o n.º 9610933, e Ac. do STJ nº 301/09.2TRPRT.S1 da 3ª SECÇÃO em www.dgsi.pt onde foi relator Exm.º Sr. Conselheiro PIRES DA GRAÇA) impondo-se, que ao tribunal da Relação aplique a lei penal portuguesa aos factos e fixe as penas concretas parcelares e a pena única, apreciando, previamente, todos os factos dados como provados e explicando fundamentadamente porque optou pelas penas adaptadas, face à luz dos critérios da lei portuguesa com que entende sancionar o arguido. A este propósito, refere e o Sr, Juiz Conselheiro Lopes da Mota, Ac. do STJ de 23 de Fevereiro de 2023 – Proc. 1626/21.4YRLSB.S1 in www.dgsi.pt “Deve notar-se que o regime de execução de sentenças penais estrangeiras estabelecido nos artigos 95º e seguintes da Lei nº 144/99, reproduz o dos artigos 89º e seguintes do Decreto-lei nº 43/91, 22 de janeiro (revogado pelo artigo 166º da Lei nº 144/99), que tem por fonte, nomeadamente, os artigos 42º e 44º da Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais (“European Convention on the International Validity of Criminal Judgements”), de 28.5.1970, do Conselho da Europa, assinada por Portugal em 1979, mas ainda não ratificada . De acordo com o artigo 44º desta Convenção, se o pedido de execução for aceite, o tribunal do Estado de execução deve substituir a pena privativa da liberdade imposta no Estado da condenação por uma pena prevista na lei interna do Estado de execução para o mesmo crime, a qual, não podendo agravar a situação do condenado (proibição da reformatio in pejus) e estando vinculada aos factos escritos na condenação (artigo 42º), pode ser de duração diferente da imposta no Estado da condenação. Como se refere no respetivo relatório explicativo, este artigo confere ao Estado de execução o direito de adaptar a sanção ao seu próprio sistema penal (cfr. “Explanatory Report – ETS 70 – International Validity of Criminal Judgements”, em www.coe.int)- Sublinhado nosso-. No mesmo sentido, afirmam Manuel A. Lopes Rocha e Teresa Alves Martins em “Cooperação Judiciária em Matéria Penal (Comentários), Aequitas/Editorial Notícias, 1992, pags. 155 e ss, citados acórdão do STJ supra citado- Processo nº 3540/23.0YRLSB.S1: “A decisão de reconhecimento tem por fim permitir, à sentença estrangeira, a produção de efeitos jurídicos constantes das regras internas. Nesta conformidade desempenha uma função de facto jurídico e a decisão de reconhecimento, mais do que versar sobre uma relação substancial que já foi objeto da sentença estrangeira, tem um alcance puramente processual. Nessa medida, analisa-se como uma conditio juris relativamente à sentença estrangeira. Dito de outro modo, aquilo que tem o valor de ato jurídico no sistema originário, deve ter igualmente esse valor no outro sistema não em razão da qualificação originária, mas em razão do facto novo da “nacionalização”, da expressão da vontade do juiz, em virtude da qual um simples facto material, produtor de efeitos jurídicos (facto jurídico em sentido próprio) se transforma em facto jurídico voluntário correlativo (acto jurídico). Diferentemente do reconhecimento de uma sentença civil, o da sentença penal deve fixar imperativamente, no quadro da legislação do país da execução, a pena ou medida a executar. A disparidade das legislações penais, tanto no que respeita às sanções como no que concerne às suas modalidades de execução, implica o reconhecimento, ao juiz do Estado da execução, do poder de adaptar a sanção infligida à luz das normas da sua legislação. A decisão estrangeira será assim modificada num dos seus aspetos essenciais, e, por via disso, a medida tomada pelo juiz do Estado da execução, mesmo quando aceitar a decisão estrangeira na parte relativa a declaração de responsabilidade do condenado, determina, em função da sua própria lei, a natureza e o quantum da pena, bem como todas as consequências que dela decorrem (…)». No caso concreto dos autos, a sentença brasileira aplicou ao requerido pela prática do crime de estupro a pena concreta de 10 anos e 6 meses de prisão. Os factos que determinaram a condenação do requerido, nesta parte, são qualificados como crime à luz da lei penal portuguesa, consubstanciando o crime de violação, previsto nos termos do disposto 164°, n°, 2, alínea a), Código Penal a que corresponde a pena máxima de 10 anos de prisão. Por conseguinte a decisão brasileira ultrapassa o máximo legalmente previsto na incriminação a que se subsumem os factos na lei portuguesa. Temos presente que o acórdão recorrido, a dado passo da sua fundamentação, refere que da análise parcial das penas concretas resulta a condenação do requerido na pena de 10 anos e 6 meses de prisão a qual, se for vista isoladamente, supera o máximo legalmente previsto na incriminação referida de violação do art. 164.º, n.º2, do Código Penal (10 anos), chamando, assim, à colação a tese contrária da que é defendida em todo o acórdão, isto é, de que o limite máximo geral da pena a ter em conta é o previsto no nº 1 do art. 41º do Código Penal Português e não o limite da pena abstractamente aplicável ao crime em concreto. E afirma, naquilo que designa ser um maior desenvolvimento da «fundamentação da revisão e confirmação da sentença estrangeira quanto a essa parte, sendo de aceitar a referida pena concreta singular em virtude da verificação da circunstância agravante estabelecida no art. 177.º, n.º1, b), do Código Penal português (em consideração da mesma agravante do direito penal brasileiro, atenta a relação familiar e de coabitação entre requerido e a vítima). Pelo que o limite máximo da moldura penal abstracta correspondente no Código Penal português passa a ser de 13 anos e 4 meses de prisão (10 anos de prisão agravados de um terço)». Concluindo, então, não existir fundamento para deixar de confirmar a sentença brasileira sem necessidade de qualquer adaptação da pena. Porém, como decorre da leitura do acórdão, o afirmado não consubstancia, em termos objectivos, qualquer desenvolvimento da fundamentação do acórdão, pois que, tal tese é contrária nos seus fundamentos e na solução preconizada à tese que foi seguida pela decisão recorrida, ao que acresce que, face à factualidade provada na sentença brasileira, os factos não são suscetíveis de integrar um crime de violação agravada pela circunstância agravante estabelecida no art. 177.º, n.º1, b), do Código Penal Português, isto é, relação familiar e de coabitação entre requerido e a vítima. Na verdade, como resulta da factualidade dada como provada na sentença brasileira, inexiste qualquer relação familiar entre o arguido e a vítima que não eram casados, nem relação de coabitação, porquanto, o arguido e a ofendida embora tenham vivido um com o outro numa relação análoga à de cônjuges, à data dos factos, encontravam -se já separados de facto há 3 semanas. Deste modo, não se verificam, face à lei interna, os requisitos da agravação do crime de violação, previsto e punido, pelo art.º 171.º, n.º 2, do Código Penal Português, a que passaria a corresponder a moldura penal abstracta com o máximo de 13 anos e 4 meses de prisão (10 anos de prisão agravados de um terço). Prosseguindo, Por conseguinte, impunha-se ao Tribunal da Relação de Lisboa, como Tribunal da confirmação e revisão da sentença estrangeira verificados os demais requisitos de revisão e confirmação de sentença estrangeira adaptar as penas concretas determinando o seu «quantum» e operar o subsequente cúmulo jurídico determinando, fundamentadamente, as penas adaptadas a aplicar de acordo com a valoração dos factos e segundo as regras da determinação das penas concretas e única vigentes na lei portuguesa (arts.71º e 78º CP ). Não o tendo feito, entende-se que o acórdão recorrido deve ser revogado e julgado procedente o recurso quanto à adaptação/conversão das penas de prisão solicitada, determinando-se o que o TRL proceda à adaptação/ fixação das penas de prisão parcelares e única a aplicar ao condenado face aos critérios da lei portuguesa (arts.71º e 78º CP) socorrendo-se se assim o entender a elaboração de relatório social para o efeito Finalmente resta-nos referir, quanto à afirmação do recorrente que o acórdão recorrido «inovou agravando o crime de violação nos termos do artigo 177.º, n.º 1, al. b), do CP» que esta esta questão mostra-se prejudica com a decisão, ora, proferida, no sentido de que o crime de violação porque o arguido foi condenado não é agravado, face à lei portuguesa, por não se velicarem as qualificativas agravantes, relação de parentesco e coabitação. Sem prejuízo do exposto, saliente-se que, tendo existido reclamação da decisão sumária proferida nos autos para a conferência é o acórdão final da conferência que decide das questões colocadas nos autos, não estando o tribunal vinculado à decisão sumária anteriormente proferida e objecto de reclamação, razão pela qual, não se pode afirmar uma proibição de alteração/inovação do acórdão da conferência relativamente à decisão sumária reclamada. Ficam igualmente prejudicadas, face à decisão do presente acórdão, as questões suscitadas no recurso relativamente à falta de reformulação da pena e da realização de cúmulo das penas, em moldes compatíveis com o direito penal português, bem como, da invocada a inconstitucionalidade da norma extraída dos artigos 100.º, n.º 1, da lei n.º 144/99, de 31.08, e 237.º, n.º 3, do CPP, segundo a qual a revisão e confirmação de sentença que imponha penas pela prática de vários crimes em concurso não deve proceder à formulação de decisão sobre o concurso de penas em conformidade como regime do cúmulo jurídico resultante do artigo 77.º do CP, por violação do direito à liberdade e do princípio da proporcionalidade, estabelecidos no artigo 18.º, n.º 2, e no artigo 27.º, n.º 1, da CRP. III- Dispositivo Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso procedente e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido e determina-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para, verificados os demais requisitos de revisão e confirmação de sentença estrangeira, adaptar as penas concretas aplicadas ao arguido na sentença brasileira a rever, isto é, o seu «quantum» e operar o subsequente cúmulo jurídico determinando, fundamentadamente, as penas adaptadas a aplicar de acordo com a valoração dos factos e segundo as regras da determinação das penas concretas e única vigentes na lei portuguesa (arts.71º e 78º CP), solicitando se necessário para o efeito a elaboração de relatório social. Sem custas. (Processado e revisto pela relatora - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal) Lisboa, 9 de Outubro de 2026 Ana Costa Paramés (Relatora) Vasques Osório (1º Adjunto) Ernesto Nascimento (2º Adjunto) |