Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
324/14.0TELSB-GT.L1-E.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: CARLOS CAMPOS LOBO
Descritores: RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL
INADMISSIBILIDADE
LACUNA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 10/15/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário :
I – A utilização do recurso de revista excecional tratado nos artigos 627º e ss. do CPCivil típico / característico / depositário do ordenamento processual civil, por via da regra impressa no artigo 4º do CPPenal, pressupõe, na sua formulação, que a falta de previsão, no processo penal, de casos excecionais de recorribilidade, previstos no nº 1, alíneas, a) e b) do artigo 672º do CPCivil, constitui uma lacuna a reclamar integração.

II - O recurso de revista excecional tratado no âmbito do processo civil, não tem aplicabilidade relativamente às decisões penais pois, o CPPenal, como da leitura do mesmo se retira, prevê os recursos ordinários - artigos 400º e 432º - os recursos extraordinários de fixação de jurisprudência - artigos 437º e ss. - e de revisão - artigos 449º e ss. -, o que faz em termos de completude, dentro de uma lógica de construção e harmonia dos respetivos pressupostos de admissibilidade, e diverso do regime do processo civil, sendo que a independência / especificidade / particularidade de cada um dos regimes afasta insuficiências ou lacunas de regulação que tenham de ser supridas.

III – Tem sido jurisprudência pacífica e constante do STJ, a de que o artigo 400º do CPPenal, em qualquer das suas dimensões, não necessita de integração, não denota qualquer lacuna, sendo de inteira não aplicabilidade o recurso da revista excecional em matéria penal.

IV - Mais evidente tal se torna quando está em causa um mero pronunciamento sobre a tramitação processual respeitante a pedido de indemnização cível, nada se aventando quanto ao mérito ou desmérito do mesmo, já que a latitude / dimensão / abrangência do disposto no nº 3 do artigo 400º do CPPenal, apenas comporta o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, não acobertando o recurso sobre aspeto única e exclusivamente locado na marcha processual.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência na 3ª Secção Criminal


I – Relatório

1. No processo nº 324/14.0TELSB da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 2, por despacho proferido em 22 de janeiro de 2024, e relativamente aos diversos pedidos de indemnização civil deduzidos, foi decidido remeter as partes para os tribunais cíveis, a coberto do plasmado no artigo 82º do CPPenal1.

2. Em discordância com tal posicionamento, recorreram para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, a saber:

- Assistentes/demandantes: AA1 E AA2

- Assistente/demandante: NOVO BANCO, S.A.

- Arguido: AA3

- Lesados/demandantes: AA4, AA5, AA6, AA7, AA8,AA9, AA10, AA11, AA12, AA13, AA14, AA15, AA16, AA17, AA18, AA19, AA20,AA21,AA22, AA23, AA24, AA25, AA26, AA27, AA28, AA29, AA30, AA31, AA32, AA33, AA34, AA35, AA36, AA37, AA38, AA39, AA40, AA41, AA42, AA43, AA44, AA45, AA46, AA47 E AA24, AA48, AA49, AA50, AA51, AA52, AA53, AA54,AA55, AA56, AA57, AA58, AA59, AA60, AA61, AA62, AA63, AA64, AA65,AA66, AA67, AA68, AA69, AA70, AA71, AA72, AA73, AA74, AA75, AA76, AA77, AA78, AA79, AA80, AA81, AA82, AA83, AA84, AA85, AA86, AA87, AA88, AA89, AA90, AA91, AA92, AA93, AA94, AA95, AA96, AA97, AA98, AA99, AA100, AA101, AA102, AA103, AA104, AA105, AA106, AA107, AA108, AA109, AA110, AA111, AA112, AA113, AA114, AA115, AA116, AA117, AA118, AA119, AA120, AA121, AA122, AA123, AA124, AA125, AA126, AA127, AA128, AA129, AA130, AA131, AA132 E AA133, AA134, AA135, AA136 GOMES, AA137, AA138, AA139, AA140, AA141, AA142, AA143, AA144, AA145, AA144, AA146, AA147, AA148, AA149, AA150, AA151, AA152, AA153, AA154, AA155, AA156, AA157, AA158, AA159, AA160, AA161, AA162, AA163, AA164, AA165, AA166, AA167, AA168., AA169

- Lesados/demandantes: AA170, AA171, AA172 E AA173

- Lesados/demandantes: WINDERSTAND, INC., SWANTON ENTERPRISES CORP. e AA174

- Assistentes/demandantes: TOTALVALUE, SA, SEGOUVIBER UNIPESSOAL, LDA E AA175

- Lesada/Demandante AA176

- Assistente/demandante: AA177

- Lesados/demandantes: AA178, AA179 E AA180

- Lesados/demandantes: AA181 E AA182

- Assistente/demandante: AA183.

- Assistentes/demandantes: AA184, AA185, AA186, AA187 E AA188

- Assistentes/demandantes: AA189 E AA190

- Assistentes/demandantes: AA191, AA192, AA193 E AA194

- Assistentes/demandantes: AA195 E AA196

- Assistentes/demandantes: AA197, AA198, AA199, AA200 E AA201

- Assistente/demandante: AA202

- Assistente/demandante: NORS, S.A. (ANTERIORMENTE DESIGNADA POR AUTO-SUECO, LIMITADA)

- Lesado/demandante: AA203

- Arguido: AA3

- Arguida: AA204

- Lesada/demandante: AA205

- Lesado/demandante: AA206

- Lesada/demandante: VIVILERQUI S.L.

- Lesado/demandante: AA207

- Lesado/demandante: AA208

- Arguida: AA209

- Lesado/demandante: AA210

- Lesado/demandante: AA211

- Lesada/demandante: AA212

- Lesados/demandantes: AA213 E AA214

- Lesada/demandante: DISTRIÂNCORA – SUPERMERCADOS, LDA.

- Lesados/demandantes: AA215 E AA216

- Lesados/demandantes: AA217 E AA218

- Lesados/demandantes: AA219 e AA220

- Lesado/demandantes AA221

- Lesada/demandante: AA222

- Lesados/demandantes: AA223, AA224 E AA225

- Lesados/demandantes: AA226, PENN HERALD INC. E AA227

- Lesados/demandantes: AA228, AA229, AA230, AA231, AA232, AA233, AA234, AA235, AA236, AA237, AA238, AA239, AA240, AA241 E AA242

- Lesados/demandantes: MASSA INSOLVENTE DA ESPÍRITO SANTO INTERNATIONAL, S.A. (EN FAILITTE) E MASSA INSOLVENTE DA RIO FORTE INVESTMENTS, S.A. (EN FAILITTE) (DE ORA EM DIANTE, RESPETIVAMENTE, «ESI» E «RFI»)

- Lesados/demandantes: AA243 E AA244

- Lesados/demandantes: AA245 E AA246

- Lesados/demandantes: AA247 E AA248

- Lesados/demandantes: AA249, POR SI E NA QUALIDADE DE CABEÇA-DE-CASAL DA HERANÇA DE AA250 E AA251

- Lesados/demandantes: AA252 E AA253, AA254 E AA255, AA256 E AA257, AA258 E AA259

- Lesados/demandantes: AA260 E AA261

- Lesados/demandantes: AA262

- Lesados/demandantes: AA263

- Lesados/demandantes: AA264 E AA265

- Lesados/demandantes: AA266, AA267, AA268, AA269, E AA270

- Lesados/demandantes: AA271

- Lesados/demandantes: AA272, POR SI E NA QUALIDADE DE PROCURADOR DE AA273

- Assistente/demandante: BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. – EM LIQUIDAÇÃO

- Lesados/demandantes: AA274 E OUTROS

- Lesados/demandantes: AA275, AA276, AA277, E AA278

- Lesado/demandante: AA279

- Lesado/demandante: AA280

- Lesados/demandantes: AA281 E AA282

- Lesados/demandantes: AA283, AA284 E AA285

- Lesados/demandantes: AA286 E AA287

- Lesados/demandantes: AA288 E AA289

- Lesados/demandantes: AA290 E AA291

- Lesada/demandante: GENERALI SEGUROS, S.A. ("GENERALI")

- Lesados/demandantes: AA292, AA293 E AA294

- Lesada/demandante: TDC PENSIONSKASSE

- Lesada/demandante: ATTESTOR VALUE MASTER FUND LP, REPRESENTADA PELA SUA SOCIEDADE GESTORA ATTESTOR LIMITED

- Lesada/demandante: TRINITY INVESTMENTS DESIGNATED ACTIVITY COMPANY, REPRESENTADA PELA SUA SOCIEDADE GESTORA ATTESTOR LIMITED

- Lesada/demandante: ELLIOTT INTERNATIONAL L.P.

- Lesada/demandante: FFI FUND LTD

- Lesada/demandante: FYI LTD

- Lesada/demandante: OLIFANT FUND LTD

- Lesada/demandante: HESTIA INVESTMENTS DESIGNATED ACTIVITY COMPANY, REPRESENTADA PELA SUA SOCIEDADE GESTORA ATTESTOR LIMITED

- Lesados/demandantes: AA295 E AA296

- Lesada/demandante: MANSFILED (MAURITIUS) LIMITED

- Lesada/demandante: SUFFOLK (MAURITIUS) LIMITED

- Lesada/demandante: SILVER POINT LUXEMBOURG PLATAFORM, S.A.R.L.

- Lesada/demandante: SILVER POINT MAURITIUS

- Lesados/demandantes: CRÉDIT AGRICOLE, S.A.

- Lesada/demandante: MASSA INSOLVENTE DA ESPÍRITO SANTO FINANCIAL GROUP, S.A.

- Lesada/demandante: MASSA INSOLVENTE DA ESFIL – ESPÍRITO SANTO FINANCIÈRE, S.A. (“ESFIL”)

- Lesada/demandante: PREDICA - PREVOYANCE DIALOGUE DU CREDIT AGRICOLE SA.

- Lesados/demandantes: AA297, AA298, AA299, E AA300

- Lesados/demandantes: AA301 E AA302

- Lesados/demandantes: AA303 E AA304

- Lesados/demandantes: SILVER POINT LUXEMBOURG PLATAFORM, S.A.R.L., SILVER POINT CAPITAL FUND, L.P. E SILVER POINT CAPITAL OFFSHORE MASTER FUND, L.P.

- Lesados/demandantes: AA305, AA306 E AA307

- Lesados/demandantes: AA308 E AA309

- Lesados/demandantes: AA310 E AA311

- Lesada/demandante: AA312

- Lesados/demandantes: AA313 E AA314

- Lesadas/demandantes: AA315 E AA316

- Lesados/demandantes: AA317 E AA318

- Lesadas/demandantes: OIL INVESTMENTS, B.V. E TOPBREACH HOLDING, B.V.

- Lesados/demandantes: AA319 E AA320.

3. Em sequência, pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em 18 de dezembro de 2024, foi proferido Acórdão onde se decidiu, e no que para aqui releva, (…) que o despacho exarado se mostra apoiado nas normas processuais penais acima mencionadas e, como tal, deve ser mantido, uma vez que se não tivesse sido essa a decisão proferida, estaríamos perante questões que geram incidentes que retardam intoleravelmente o processo penal (…) , o uso da disposição cautelar prevista no mencionado artº 82 nº3 do C.P. Penal, que permite a cessação do princípio da adesão, mostra-se aqui justificada, bem como a decisão de reenvio para os meios comuns(…):

4. Não conformados com esta decisão, vieram interpor Recurso de Revista Excecional para este STJ:

i) Massa Insolvente da Espírito Santo Internacional, S.A. (En Failitte) e Massa Insolvente da Rio Forte Investments, S. A. (En Failitte), retirando das suas motivações, as seguintes conclusões: (transcrição)

1. Entendem as Recorrentes estarem verificados os pressupostos de reque depende a admissibilidade do recurso de revista excecional, previsto no n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

2. É firme convicção das Recorrentes que a questão fulcral subjacente ao presente recurso é reconduzível a uma questão que, pela sua relevância jurídica, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é essencial para a melhor aplicação do Direito.

3. Isto, porque a questão jurídica suscitada consubstancia uma questão nova e suscetível de ser colocada em casos futuros, justificando, pro isso, a intervenção deste terceiro grau de jurisdição.

4. A questão objeto do presente recurso é a seguinte: como interpretar os pressupostos do n.º 3 do artigo 82.º do CPP face à realidade absolutamente inédita dos apelidados “megaprocessos”.

5. A decisão recorrida procede a uma interpretação nunca antes congeminada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a qual, diga-se, desde já, levaria a que as partes fossem remetidas para os meios comuns sempre que se estivesse perante um designado “megaprocesso”, o que não corresponde à solução acolhida na letra da lei.

6. A isso acresce que a decisão recorrida é absolutamente inovatória, quando conclui que o princípio da adesão obsta a separação parcial dos pedidos de indemnização civil, por intermeio da remessa para os meios comuns.

7. De forma sintética: dir-se-á que o CPP não está pensado para os chamados “megaprocessos”, de que os presentes autos é indiscutível exemplo, como, aliás, é amplamente reconhecido.

8. Apesar da inovação que a questão apresenta no sistema judiciário português, a verdade é que a solução que este Tribunal vier a dar à mesma é, indiscutivelmente, extensível a casos futuros.

9. Desde logo, porque a investigação criminal portuguesa tem apontado no sentido de criação dos chamados “megaprocessos”, com centenas ou, talvez, milhares de vítimas e lesados, e, em relação aos quais, idêntica questão irá ser suscitada. A forma como o mecanismo da remessa para os meios comuns pode e deve ser aplicado aos designados “megaprocessos” ou, pelo menos, a processos com os contornos e dimensão dos presentes autos, é, portanto, uma questão que poderá ser aplicada a casos futuros.

10. Mas o presente recurso também contende com interesses de particular relevância social, atento, desde logo, à reconhecida relevância social dos assuntos GES.

11. Acresce que, as Recorrentes são patrimónios autónomos afetos a uma realidade e finalidade muito específica: a satisfação em pé de igualdade dos vários credores da insolvência.

12. A remessa para os meios comuns irá colocar em crise a finalidade das aqui Recorrentes, na medida em que permitirá, por um lado, que certos credores das Recorrentes, também eles lesados do GES, se vejam ressarcidos fora do processo de insolvência e em detrimento dos demais credores de insolvência, colocando em crise o princípio do par conditio creditorum que deve nortear qualquer processo de insolvência.

13. A isso acresce o facto de que nos pressentes autos foi decretado um arresto preventivo, o qual visa, em primeira linha, garantir o pagamento da indemnização civil a decretar no processo penal, e que afeta bens que devem reverter a favor dos credores da insolvência.

14. Esta realidade torna-se ainda mais importante, quando se nota que existem bens e valores arrestados ao abrigo dos presentes autos que são detidos pelas respetivas massas insolventes.

15. Por outro lado, a decisão objeto do presente recurso irá retardar significativamente o ressarcimento de qualquer lesado do GES, seja no âmbito dos processos de insolvência das Recorrentes, seja em geral, encerrando, em si mesma, uma dupla injustiça:

16. Em primeiro lugar: faz com que os pequenos lesados, atento à morosidade associada aos presentes autos e a qualquer ação declarativa que a estes esteja associada, possivelmente não serão ressarcidos em tempo útil.

17. Em segundo lugar: irá gerar uma injustiça entre os próprios credores, proporcionando que aqueles que são mais lestos e expedientes ou cujos processos sejam julgados com mais celeridade obtenham a totalidade da recuperação dos seus créditos em detrimento dos demais.

18. Por fim, e ainda a este respeito, não se pode deixar de assinalar que a decisão recorrida acaba por dificultar o exercício dos direitos dos lesados, que agora ver-se-ão forçados a duplicar ou triplicar custos entre advogados e taxas de justiça devidas pela propositura das respetivas ações.

19. Acresce que: a excecionalidade da questão jurídica objeto do presente recurso, impendentemente de ter relevância jurídica para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, só por si justifica a intervenção deste terceiro grau de jurisdição pela eventual repercussão social que poderá ter.

20. Mas mais do que a mera novidade da questão jurídica suscitada, a particular relevância social resulta da necessidade de assegurar a credibilidade das instituições que aplicam e fazem valer o Direito.

21. Está-se perante aquilo a que tem vindo a ser apelidado de “(…) o maior processo na justiça portuguesa (…)”.

22. Ora, independentemente da correção ou incorreção da decisão proferida pelas instâncias inferiores, o particular mediatismo dos presentes autos, leva a que os mesmos acabem por refletir os interesses mais alargados da comunidade, em particular no que concerne ao funcionamento da justiça portuguesa.

23. Para tanto, basta recordar a forma como a remessa para os meios comuns foi encarrada com choque e indignação por parte da comunidade em geral, que vê em tal decisão uma insuficiência na capacidade de resposta dos tribunais portugueses para a garantir o bom funcionamento da justiça e defesa dos interesses dos cidadãos.

24. A indignação gerada no seio da comunidade, que considera que a decisão de remessa configura uma espécie de denegação de justiça atento à morosidade inconcebível que a mesma representa e ao investimento que cada lesado fez na dedução do seu respetivo PIC, deteriorando, deste modo, a confiança depositada pela comunidade nos órgãos responsáveis pela aplicação do Direito.

25. Levada as últimas das suas consequências, a descredibilização de que é alvo o sistema judiciário português na sequência da sua decisão traduz-se numa desconfiança pelas instituições responsáveis pela aplicação do Direito e, por isso, ablatória da garantia basilar e fundamental da segurança jurídica.

26. A remessa para os meios comuns, tal como o seu nome indica, obrigará a quem quer fazer valer os seus direitos – que, no limite, serão, pelo menos, mais de 1300 pessoas – a intentar as mais variadas ações tendo em vista a responsabilidade civil dos Arguidos nos presentes autos.

27. O sistema judiciário português irá, nessa medida, ser “entupido”, prejudicando, nessa medida, o seu funcionamento, implicando um aumento da indesejada morosidade processual, e representa uma multiplicação de custos e recursos do Estado, os quais são acarretados pela comunidade como um todo.

28. Mais, importa não descurar que a remessa das partes para os meios comuns fomenta a possibilidade de serem proferidas decisões materialmente contraditórias entre si, atento à multiplicidade de julgamentos que a mesma impõe.

29. Para já não falar que a suspensão das instâncias cíveis que se vierem a instaurar até à prolação de decisão definitiva nos presentes autos implicará a necessária morosidade dessas ações civis, em clara violação do direito fundamental e humano de cada lesado à prolação de uma decisão em prazo razoável.

30. Por fim, ainda que assim não se entendesse, o Acórdão recorrido encontra-se em contradição no que toca (i) ao momento processual adequado para que ocorra a remessa para os meios comuns ao abrigo do n.º 3 do artigo 82.º do CPP e (ii) se a remessa para os meios comuns pode ocorrer em momento anterior à admissão dos pedidos de indemnização civil.

31. Quanto ao primeiro, o Acórdão está em contradição com o já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31 de maio de 1995, que considera que o despacho de remessa não pode ocorrer na fase inicial de saneamento do processo.

32. Ambos os Acórdãos, o recorrido e o fundamento, debruçam-se sobre a mesma questão fundamental de Direito: saber qual o momento processual adequado para ocorrer a remessa para os meios comuns ao abrigo do n.º 3 do artigo 82.º do CPP.

33. Ambos os Acórdãos respondem à questão suscitada de forma diversa e, em especial, contraditória: o Acórdão recorrido consigna que a fase inicial é o momento adequado para a remessa e que, portanto, o Tribunal poderia remeter as partes para os meios comuns nesta fase; ao invés, o Acórdão fundamento determina o oposto, afirmando de forma perentória que a remessa não pode ocorrer na fase inicial de saneamento, censurando, por este motivo, a decisão da primeira instância.

34. Quanto ao segundo, o Acórdão está em contradição com o já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de fevereiro de 2009, que considera que o despacho de remessa não pode ocorrer antes dos PIC serem admitidos.

35. Ambos os Acórdãos, o recorrido e o fundamento, versam-se sobre a mesma questão fundamental de Direito: saber se a remessa prevista no n.º 3 do artigo 82.º do CPP pode ocorrer antes da admissão do pedido de indemnização civil ou se esta apenas pode ter lugar após a admissão de tais pedidos.

36. Ambos os Acórdãos respondem à questão suscitada de forma frontalmente diversa e, em especial, contraditória: o Acórdão recorrido consigna que a remessa pode ocorrer independentemente da admissão dos pedidos de indemnização civil; já o Acórdão fundamento dispõe em sentido diametralmente oposto, concluindo que a remessa terá de ser necessariamente precedida da admissão dos pedidos de indemnização civil.

37. Ambos os Acórdãos já transitaram em julgado e sobre as questões suscitadas inexiste Acórdão de uniformização de jurisprudência.

B – DAS ALEGAÇÕES EM SENTIDO ESTRITO

38. Entendem as Recorrente que o despacho confirmado foi proferido sem que dos autos constassem elementos suficientes para o Tribunal a quo pudesse razoavelmente concluir pelo preenchimento dos pressupostos previstos no n.º 3 do artigo 82.º do CPP.

39. Antes de mais, entendem as Recorrentes que o despacho confirmado não poderia ter sido proferido antes de os PIC apresentados nos presentes autos terem sido admitidos.

40. Só perante o concreto desenvolvimento da lide, mediante a análise dos articulados, da prova carreada e da necessidade de se realizarem os incidentes suscitados pelas partes civis, é que será possível aferir da verificação dos pressupostos previstos no n.º 3 do artigo 83.º do CPP.

41. Analisados os PIC deduzidos pelas Recorrentes – o que o Tribunal a quo, como referido supra, reconhece não ter feito –, facilmente se verifica que a causa de pedir dos mesmos coincide, na sua totalidade, com os factos carreados para o processo pela Acusação.

42. Esta coincidência entre a causa de pedir dos PIC com o objeto do processo penal verifica-se, inclusive, até em relação às partes meramente civis, pois os factos constitutivos do direito da Recorrente são relatados na Acusação.

43. Os argumentos (genéricos) elencados (em bloco) pelo despacho recorrido são inaplicáveis aos PIC das Recorrentes, não podendo a sua remessa justificar-se com base nos mesmos.

44. Também não assiste razão ao Tribunal a quo, quando argumenta que a lei não permite a remessa parcial dos PIC, na medida em que tal não se verifica em relação às outras possibilidades de separação constantes do artigo 72.º do CPP e porque a possibilidade dos pressupostos da remessa se verificarem apenas em relação a um dos PIC resulta textualmente do n.º 3 do artigo 82.º do CPP.

45. As Recorrentes não arrolaram uma única testemunha, tendo, tão-somente, requerido as declarações de parte dos seus administradores de insolvência, os quais haviam já sido indicados como testemunhas pelo Ministério Público, conforme já referido.

46. Sendo que estas têm o estatuto de Assistentes nos autos, ou seja, têm uma posição processual já reconhecida no processo penal em curso, pelo que a apresentação de dois PIC (um por cada uma), que, para mais, se baseiam nos factos constantes da acusação (conforme já referido supra), não representará um aumento significativo do labor processual a desenvolver pelo Tribunal a quo.

47. Os PIC das Recorrentes não fazem parte dos PIC onde constam demandados meramente civis totalmente alheios à causa penal ou onde o Estado ou entidades reguladoras, como a CMVM ou o Banco de Portugal, figuram como demandados. Bem ao invés, os demandados civis são, na sua generalidade, arguidos acusados/pronunciados e, nos dois casos pontuais em que tal não acontece, ou se trata de herdeiros de um dos arguidos que seria submetido a julgamento não fosse o seu falecimento (ou seja, trata-se de uma consequência processual lógica e direta da morte de um responsável civil), ou se trata de uma pessoa que tendo sido investigada pelo Ministério Público português, que já descreveu perfeitamente a sua conduta em sede de acusação, apenas não foi acusado por questões processuais ligadas exclusivamente ao processo penal e que não beliscam a competência civil do Tribunal.

48. O facto de existirem PIC – como poderá vir a ser o caso dos das aqui Recorrentes (vide capítulo IV, A., (i) dos respetivos PIC) – em que, nas palavras do despacho recorrido, «se impõe que se decidam incidentes de fixação de valor», não é argumento elegível para fundamentar a remessa dos autos para os tribunais civis, na presente fase processual. Porém, tal substrato não é suscetível de acionar a remessa para os bens comuns, caindo, antes, na previsão dos n.ºs 1 e 2 do artigo 82.º do CPP.

49. Não é qualquer atraso que justifica a remessa para os meios comuns, é necessário que este seja insuportável, inadmissível e/ou inaceitável, e que seja uma consequência direta dos PIC deduzidos, em particular, dos pedidos das Recorrentes.

50. Como, de certo modo reconhece o Tribunal a quo, o julgamento irá ser necessariamente denso e longo, em virtude da própria Acusação Pública, da necessária produção de prova e do tempo para a elaboração da decisão na parte criminal.

51. Sendo que a única diligência probatória a realizar em julgamento traduz-se na tomada de declarações de parte dos administradores de insolvência das Recorrentes, os quais, como já referido, foram, inclusive, arrolados como testemunhas na Acusação Pública, e os Demandados civis não arguidos, como já referido, se encontram intimamente ligados aos factos investigados e objetos dos presentes autos, e cuja responsabilidade jurídico-criminal não se pôde extrair na Acusação por razões estritamente processuais.

52. A decisão do Tribunal a quo, na prática, irá, na verdade, criar mais atrasos, uma vez que irá multiplicar o n.º de ações e julgamentos que vão incidir sobre os factos constantes da Acusação Pública, perpetuando a rutura da paz social que o processo penal visa reparar.

53. Ao que acresce que estas ações e julgamentos serão necessariamente igualmente densos, atenta a factualidade em questão e o valor probatório (não decisivo) que a sentença penal tem no processo civil (cf. artigo 421.º, por um lado, e artigos 623.º e 624.º do CPC, por outro lado).

54. Pelo que resulta evidente que os PIC deduzidos pelas aqui Recorrentes não vão gerar qualquer atraso para o desenvolvimento do processo-crime, muito menos um atraso que possa ser qualificado como intolerável, devendo os mesmos ser julgados e apreciados no âmbito do processo-crime.

55. Os PIC das Recorrentes, pelo seu objeto e conteúdo, permitem uma decisão rigorosa em relação aos mesmos, pois as questões de facto suscitadas coincidem com aquelas constantes da acusação, 56. Nem estes pedidos apresentam qualquer complexidade no plano do direito a aplicar, consubstanciando, antes, verdadeiras consequências lógicas da Acusação proferida pelo Ministério Público.

57. A isso acresce que os PIC das Recorrentes acarretam um único juízo probatório (quantum do concreto dano sofrido), em relação ao qual o Tribunal a quo poderá fundar-se, tão-somente, na documentação careada para os autos pelas Recorrente e das declarações de parte dos administradores de insolvência destas, sendo ainda possível, em alternativa, remeter a determinação do quantum indemnizatório para execução de sentença (artigo 82.º, n.º 1, do CPP) naturalmente após o julgamento da causa civil no âmbito do processo penal.

58. Pelo que é também imperioso concluir que não assiste razão ao Tribunal a quo quando entende que o estado do processo não permite uma decisão rigorosa dos PIC das Recorrentes.

59. Por fim, e ao contrário do que parece entender o Tribunal a quo, na decisão em que remete as partes civis para os meios comuns é ainda necessário equacionar os demais objetivos logrados a atingir com a adesão, nomeadamente o risco da contradição de julgados, mas também o facto de que se encontram arrestados à ordem dos presentes autos a única garantia patrimonial suscetível de satisfazer os créditos das partes civis, em particular das Recorrentes.

60. Numa palavra e de forma porventura mais simples: a remessa dos PIC das Recorrentes para os tribunais comuns romperia a ligação que estes têm, atualmente, com a respetiva garantia patrimonial (os arrestos preventivos decretados no processo penal ao abrigo do artigo 228.º CPP). Esta quebra deixaria as Recorrentes, no processo civil para a qual fossem remetidas, numa posição, injustificada e desproporcionalmente, desprotegida.

61. Por ser relevante, importa notar que as Recorrentes entendem que existem bens e valores arrestados ao abrigo dos presentes autos que são integrantes das respetivas Massas Insolventes, uma vez que pertencem a sociedades detidas integralmente por estas e, em relação aos quais, é entendimento das aqui Recorrentes deverem ser liquidados para benefício exclusivo dos credores das aqui Recorrentes e não de quaisquer outros credores (vide capítulos V. dos PIC das Recorrentes).

62. Ora, a manter-se a decisão sob censura, o que não se concebe, as Recorrentes seriam obrigadas a discutir a sua causa nos tribunais civis, com o risco acrescido de serem despojadas de quaisquer bens (pois os bens que lhe devem ser afetos e que estão arrestados preventivamente não seguiriam com os pedidos).

63. Ademais, as Recorrentes seriam reenviadas para os meios comuns sem qualquer garantia que acautelasse a sua posição, na medida em que o grosso do património que pode acautelar o ressarcimento do seu dano encontra-se arrestado preventivamente à ordem destes autos.

64. O Tribunal a quo, ao interpretar e aplicar o n.º 3 do artigo 82.º do CPP de forma indiscriminada, sem acautelar os interesses dos Demandantes civis, colocou os mesmos (e, por maioria de razão, as aqui Recorrentes) numa situação tremendamente injusta, desacautelando, por completo, a proteção de direitos fundamentais seus.

ii) Banco Espírito Santo, S. A. – Em Liquidação (“BES”), retirando das suas motivações, as seguintes conclusões: (transcrição)

A. Através do acórdão ora recorrido, decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa manter a decisão de remessa para os tribunais civis de todos os pedidos de indemnização civis que haviam sido apresentados no âmbito dos presentes autos, lançando mão do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do CPP.

B. Salvo o devido respeito, porém, não pode o aqui Recorrente conforma-se com esta decisão, porquanto entende que o mesmo vem confirmar (inexplicavelmente) um entendimento normativo que se reputa totalmente injusto e desproporcional.

C. No que concretamente tange ao Recorrente, continua sem se perceber os motivos pelos quais se determinou o reenvio do seu pedido de indemnização civil, sem que se verifique qualquer pronúncia, em razão das questões aí concretamente colocadas, quanto à circunstância de se verificar particular desvantagem em que o mesmo se mantenha enxertado na acção penal em curso.

D. Seja porque essas questões inviabilizam uma decisão rigorosa, seja porque as mesmas são susceptíveis de gerar incidentes que retardam, intoleravelmente, o processo penal, conforme previsto no artigo 82.º, n.º 3 do CPP.

E. Ao invés se optando por uma decisão genérica e indiferenciada, indicando-se circunstancialismos que não se lhe aplicam, não lhe dizem respeito e não têm nada que ver com as questões suscitadas pelo seu pedido de indemnização civil, violando-se dessa forma, e quanto ao mesmo, a regra da adesão, em derrogação da faculdade que a lei lhe reconhece no sentido de que lhe seja permitida uma mais rápida e eficaz realização do seu direito à indemnização, enquanto princípio estruturante do nosso sistema jurídico-penal.

F. Atentos os particulares interesses em jogo e a especial relevância jurídica e social da matéria em causa, entende o aqui Recorrente que se encontram reunidas as condições para a interposição do presente recurso de revista excepcional, enquanto instrumento processual dirigido a convocar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça.

G. Desde logo, tanto a doutrina como a jurisprudência reconhecem, inequivocamente, que é aplicável o regime dos recursos do processo civil no que toca à apreciação de questões atinentes ao pedido de indemnização civil, quando enxertado em processo penal, o que resulta do teor literal do artigo 400.º, n.º 3 do CPP.

H. A opção tomada pelo legislador foi, pois, a de colocar em pé de igualdade os recorrentes quanto à matéria civil, quer a acção corresse os seus termos nos tribunais comuns, quer se encontrasse enxertada no processo penal, para que não resultassem menores garantias para o demandante/demandado por força do princípio da adesão, potenciando-se “a igualdade entre os sujeitos de determinada relação civil”.

I. Igual entendimento se devendo manter quando, como sucedeu no caso concreto, se esteja diante de despacho que remeta as partes civis para os tribunais comuns, ao abrigo do artigo 82.º, n.º 3 do CPP.

J. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo, pacificamente, a entender que o conceito de decisão que ponha termo ao processo inclui não só as decisões que conheçam do mérito, mas também aquelas em que se produza a absolvição da instância ou em que o efeito extintivo seja consequência de qualquer outro motivo de ordem formal, como por exemplo sucede no caso do despacho de indeferimento liminar.

K. E, no caso concreto, é inegável que a decisão recorrida, a manter-se, põe definitivamente termo ao conhecimento dos pedidos de indemnização civil no contexto do processo penal em curso, produzindo a extinção, no mesmo, das instâncias civis, e impondo ao Recorrente (bem como aos restantes lesados) novo impulso processual, ab initio, nos tribunais comuns, pelo que deve considerar-se, também aqui, aplicável o artigo 671.º, n.º 1 do CPC, como aliás tem vindo a ser entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

L. Acresce que o pedido de indemnização civil que, nos autos, foi deduzido pelo Recorrente, cifrado em € 4.622.848.979,72, acrescido de juros, supera, amplamente, a alçada do Tribunal recorrido, bem como, caso o pedido venha a ser considerado integralmente improcedente, o valor da sucumbência, o que permite, por isso, dar por verificados os pressupostos do artigo 400.º, n.º 2, do CPP.

M. Verificando-se ainda uma situação de dupla conforme, na medida em que o acórdão recorrido confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida em 1.ª instância (embora os fundamentos aí aduzidos sejam amplamente densificados).

N. Em face do exposto, motivos não existem para que não se assegura ao aqui Recorrente, à semelhança do que lhe seria reservado em sede civil, os mesmos direitos, nomeadamente, quanto à possibilidade de recurso de revista excepcional.

O. Quanto aos demais requisitos elencados no artigo 672.º, n.º 1 do CPC, basta desde logo reconhecer que os presentes autos dizem respeito ao “maior e mais complexo processo da justiça portuguesa”, certo sendo que se categorizam como um “megaprocesso”, o que, pelas suas vicissitudes, tem vindo a suscitar enormes problemas quanto à adequação da lei processual penal para efeitos de “aplicação de uma justiça eficaz e célere”.

P. A decisão recorrida suscita um importante conjunto de questões, claramente inéditas na jurisprudência das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça, a saber:

a. De que forma é assegurado o princípio da igualdade entre os sujeitos processuais no processo penal e no processo civil, em termos de garantias processuais, no contexto da decisão relativa a um pedido de indemnização civil, em concreto quando se esteja diante de processo penal em que seja deduzida uma multiplicidade de pedidos de indemnização, por parte de uma multiplicidade de lesados;

b. Saber se, para efeitos de tomada de decisão o artigo 82.º, n.º 3 do CPP, se impõe que haja um juízo perfunctório quanto a cada pedido, ou se, concluindo o tribunal, pela simples análise global dos pedidos formulados, que um ou ambos os requisitos aí referidos se mostram preenchidos, tal basta para que opte por remeter todos pedidos, em bloco, para os tribunais civis;

c. Saber se, estando constituindo o artigo 82.º, n.º 3 de CPP uma excepção ao princípo da adesão, a sua amplitude deverá cingir-se ao mínimo indispensável para a satisfação dos interesses prosseguidos pela faculdade que esse preceito atribui ao tribunal (o que pressupõe não excepcionar os pedidos de indemnização civil que não possam prejudicar tais interesses), ou se, ao invés, tal normativo admite uma remessa indistinta de todos os pedidos para os meios comuns, mesmo quando é sabido que se trata do exercício de poder vinculado e sujeito a particular fundamentação e quando, em parte alguma do CPP ou do CPC, se prevê a obrigatoriedade da conexão ou litisconsórcio;

d. De que forma a interpretação do artigo 82.º, n.º 3 do CPP deverá ser adequada à tramitação de um chamado megaprocesso e, em concreto, atendendo à especial complexidade das matérias no mesmo em discussão e à circunstância de se tratar de um processo em que se encontram conexos, num só objecto processual, diferentes tipos de ilícitos, diferentes comparticipantes e, consequente, diferentes causas-de-pedir do ponto de vista da matéria civil;

e. Como se articula o princípio da celeridade processual e a premente necessidade de os Arguidos verem o desfecho do processo, com os direitos e garantias processuais dos lesados e expectativas das vítimas, nos megaprocessos em especial;

f. Como compatibilizar o pagamento dos créditos dos lesados, caso a tramitação do processo-crime seja mais rápida do que a tramitação dos processos que vierem a ser instaurados nos meios comuns;

g. De que forma, em concreto, será garantido o pagamento dos créditos dos lesados; e

h. Quais as percentagens dos pedidos de indemnização civil que poderão sequer ser ressarcidas, dado que o valor dos bens preventivamente arrestados à ordem do processo-crime, único património conhecido dos Arguidos, está muito longe de conseguir cobrir todos os valores reclamados a título de indemnização.

Q. Todas estas questões são uma novidade porque, precisamente, nunca surgiram no contexto de um megaprocesso, com estas dimensões e com o número de pedidos de indemnização civis aqui enxertados, inexistindo sequer qualquer antecedente jurisprudencial que sobre as mesmas se pronuncie.

R. Por outro lado, é inegável a repercussão social que o caso BES e o presente processo-crime possuem, atendendo aos milhares de lesados – entre os quais o ora Recorrente– que apresentaram pedidos de indemnização civil no âmbito dos presentes autos, e atendendo ainda aos sentimentos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça e indignação que o mesmo gerou (e continua a gerar) em toda a comunidade,

com repercussões para a própria credibilidade da máquina de Justiça como um todo.

S. O que, desde logo, é evidente nas fortes reacções provocadas na comunicação social quanto a esta concreta decisão de remessa dos lesados para os tribunais comuns, objecto de revista.

T. Falamos, aliás, de um processo que conta com mais de mil e duzentos sujeitos processuais a quem foi reconhecido o estatuto de vítima (situação inédita), em que se requer a celeridade, mas também o acesso à tutela jurisdicional efectiva destes.

U. Não sendo inócuo para a salvaguarda de tais interesses saber em que jurisdição serão conhecidos os pedidos de indemnização civil e de que forma será garantido o ressarcimento dos lesados, não só no que particularmente tange aos intervenientes processuais, mas também para toda a comunidade, em linha com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça noutros processos relacionados com a derrocada do BES.

V. Com efeito, esse mesmo Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a assinalar, precisamente, quantos aos processos conexos com o universo “BES”, que se trata de caso mediático que desperta a atenção de toda a comunidade e com impacto na vida dos cidadãos, afectando valores socioculturais e inquietantes implicações políticas, além de dizer respeito a matérias jurídicas que, pela sua complexidade, não podem deixar de justificar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, na qualidade de Tribunal de referência do nosso sistema

judiciário.

W. Entende, por isto, o Recorrente que se encontram preenchidas ambas as hipóteses a que se alude nas alíneas a) e b), do n.º 1, do art.º 672.º, n.º 2, do CPC, devendo o presente recurso ser, consequentemente, admitido.

Dito isto,

X. Muito sucintamente, a questão central reside em saber se, tendo sido deduzidos nos autos vários pedidos de indemnização civil, a decisão a ser tomada para efeitos da verificação dos pressupostos previstos no artigo 82.º, n.º 3 do CPP poderá ser realizada por referência ao universo de todos esses pedidos, globalmente considerado, ou se, ao invés, é admissível a exclusão apenas de aqueles que suscitem questões susceptíveis de gerar incidentes que retardem, intoleravelmente, a decisão penal, mantendo a adesão quanto aos demais.

Y. Com efeito, a optar-se pela segunda via, rapidamente se concluiria que o pedido concretamente deduzido pelo aqui Recorrente não justificaria que se ordenasse a sua remessa para os tribunais civis.

Z. Ao contrário do que se defende no acórdão recorrido, as regras previstas no artigo 24.º e ss. do CPP não se destinam a ser aplicadas à separação dos pedidos de indemnização civis enxertados num determinado processo-crime em curso.

AA. Na verdade, esta concreta realidade processual é, antes, regida pelo teor do artigo 82.º, n.º 3, do CPP, 2.ª parte, o qual estabelece como critério único para o reenvio dos pedidos para os meios comuns a circunstância de se chegar à conclusão de que, num caso concreto, as questões suscitadas pela parte cível seriam susceptíveis de inviabilizar uma decisão rigorosa ou de gerar incidentes que retardassem, intoleravelmente, o processo penal.

BB. E, fazendo, a esse respeito, a lei expressa menção às “questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil”, então forçoso se torna concluir que a decisão a tomar num processo que envolva vários pedidos deduzidos terá de o ser casuisticamente.

CC. Não fazendo sentido que se afirme que, em relação a alguns dos pedidos, se levantam questões ou incidentes, cuja análise e apreciação seria susceptível de gerar retardamentos do normal andamento dos autos, para que isso sirva de fundamento a que, acriticamente e por atacado, se generalize e decida a remessa quanto a todos os pedidos, mesmo aqueles que não reúnem essas condições.

DD. É que, se assim for, tal implica (obviamente) que o que se estará a fazer é remeter esses outros pedidos de indemnização civil sem que, quanto aos mesmos, se verifique qualquer tipo de juízo sobre se se enquadram no preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 82.º, n.º 3 do CPP.

EE. Ancora-se o acórdão recorrido no argumento de que, atenta a letra da lei, a mesma “não estipula nem impõe que haja pronúncia detalhada sobre cada um dos pedidos, no sentido de que, apenas uma vez a mesma efectuada, se possa determinar pelo preenchimento dos seus requisitos”.

FF. No entanto, trata-se de um argumento falacioso, já que não é uma “pronúncia detalhada” que se impunha, mas antes uma apreciação casuística de cada pedido, na medida do necessário e de cariz perfunctório, de modo a aferir da verificação dos pressupostos previstos no artigo 82.º, n.º 3 do CPP, que levariam à remessa, excepcionalmente, de tais pedidos para os meios comuns.

GG. Se, aquando da prolação do despacho previsto no artigo 311.º do CPP, é suposto que o juiz presidente do tribunal do julgamento admita ou rejeite liminarmente o pedido de indemnização civil, através de um juízo perfunctório sobre a verificação dos pressupostos processuais, incluindo a legitimidade das partes, a legalidade e a tempestividade do pedido e da prova cuja junção, produção ou exame é requerida e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito do pedido de indemnização, tal implica, naturalmente, que dessa análise perfunctória quanto à observância, ou não, de pressupostos formais (que passará pela análise de cada pedido), possa resultar a decisão de rejeitar uns e admitir outros.

HH. Assim, a posição acolhida pelo acórdão recorrido não pode fazer sentido, nada obrigando a que os pedidos de indemnização civil tenham de ficar amarrados uns aos outros, podendo, perfeitamente, suceder que, por força de uma dissolução da conexão (seja porque se conclui que não estão verificados os respectivos pressupostos, seja porque há separação decretada ao abrigo do artigo 30.º do CPP) ou por rejeição de um determinado pedido, por razões formais, acabem por ser separados.

II. De resto, o entendimento que é seguido pelo acórdão recorrido parece fundar-se numa inexplicável visão de que, em matéria civil enxertada em processo penal, vigora uma espécie de litisconsórcio necessário do lado activo (ou obrigatoriedade de conexão), havendo, quanto aos vários demandantes um interesse uno, incindível e indivisível e que, por esse motivo, ou se mantêm todos no processo ou então devem ser todos remetidos, em bloco, para os tribunais civis.

JJ. No entanto, o que refere a esse tocante o artigo 28.º, n.º 2 do CPC é que apenas se mostrará necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, e no caso concreto, não se vislumbra motivos para concluir nesse sentido.

KK. Assim, se à luz da lei processual civil não seria obrigatória a conexão ou o litisconsórcio activo, não se vê como em processo penal se pode defender o contrário. É que essa regra, em sede de responsabilidade civil conexa com a penal, não tem qualquer aplicação.

LL. Ademais, convém ainda ter presente o conceito de “megaprocesso” e as razões pelas quais os presentes autos se mostram qualificados enquanto tal.

MM. Conforme se pode ler no despacho de acusação, não são imputados a todos os arguidos os mesmos crimes, nem sequer estando na sua base os mesmos factos ou circunstâncias de tempo, modo e lugar, verificando-se, por seu turno, no que tange a ofendidos e lesados, que há crimes em relação aos quais existem vários ofendidos, enquanto em relação a outros há só um, sem que se verifique uma coincidência de danos causados ou vantagens penais obtidas (ou sequer relação).

NN. Em condições normais, cada uma dessas queixas teria dado origem a um processo penal autónomo, originando-se uma acusação individualizada e circunscrita aos factos atinentes a cada ofendido.

OO. No entanto, o que sucedeu foi que, em inquérito, lançando mão do disposto no artigo 24.º, n.º 1, al. d) do CPP, tomou o Ministério Público a decisão de que todos os aludidos distintos objectos processuais passassem a ser integrados num único processo, através de conexão, passando, a partir daí, a ser sujeitos à mesma tramitação, integrando um mesmo “megaprocesso”.

PP. E assim, estando em causa um objecto que inclui múltiplos crimes conexos, possuindo determinados agentes e circunstâncias de tempo, modo e de lugar, é evidente que as causas de pedir de uns não se relacionam, nem confundem, com as de outros e, tanto assim é que, se se ler o despacho de acusação, há crimes em relação aos quais os lesados são uns, enquanto que, para outros, os lesados já serão outros.

QQ. O que implica, nessa exacta medida, tratamento diferenciado e necessidade de apreciação casuística, não fazendo sentido o entendimento da suposta regra de um litisconsórcio necessário ou agrupamento de todas as pretensões indemnizatórias como sendo representativas de um interesse uno, incindível e indivisível (caso fosse esse o entendimento do tribunal a quo, o que não se vislumbra).

RR. Se, na prática, o que temos são vários processos conexos num único, a aplicação do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do CPP não pode nunca deixar de ter em conta cada segmento factual, até porque, como se disse, as posições dos vários lesados não se confundem, não se interligam e não são nem dependentes nem pressupostos umas das outras, havendo mesmo demandantes que só possuem ligação a determinados crimes em concreto.

SS. Aliás, dadas as multiplicidades de causas de pedir, é óbvio que, se os factos em discussão estivessem a ser objecto de tratamento nos tribunais civis, jamais seriam todos os pedidos objecto de apreciação num mesmo processo.

TT. O que implica que, em virtude de, em fase de inquérito, se ter decidido pela conexão processual, acabam os lesados por ser colocados numa posição em que não estariam, não fosse o facto de terem deduzido os respectivos pedidos de indemnização civil, ao abrigo do princípio da adesão, no âmbito de um megaprocesso.

UU. De resto, se é verdade, como se diz no acórdão recorrido, o artigo 82.º, n.º 3 do CPP não contém nenhuma disposição expressa sobre o tema, a razão é simples, já que não era expectável que assim fosse, uma vez o regime legal instituído parte do princípio de que cada processo versa, apenas, sobre um crime/ilícito.

VV. Perspectiva essa que, aliás, constitui mais um argumento, em si auto-suficiente, a favor do tratamento individualizado dos pedidos de indemnização civil.

WW. Obviamente, não previu o legislador, nem poderia prever, que, volvidos quase quarenta anos da publicação da versão original do CPP, surgiriam os vulgarmente designados megaprocessos, como é o caso dos presentes autos, que, pelas suas especificidades, implicam uma interpretação actualista da lei.

XX. Por conseguinte, ao determinar o reenvio do pedido do indemnização civil deduzido pelo aqui Recorrente, sem se pronunciar quanto às questões no mesmo concretamente colocadas, no sentido de que, em razão dessas questões, se verifica particular desvantagem em que se mantenha enxertado na acção penal (seja porque essas questões inviabilizam uma decisão rigorosa, seja porque as mesmas são susceptíveis de gerar incidentes que retardam, intoleravelmente, o processo penal), optando por proferir uma decisão genérica e indiferenciada, indicando circunstancialismos que não se lhe aplicam, nem têm nada que ver com as questões suscitadas pelo seu pedido de indemnização civil, a decisão sob recurso viola, frontalmente, o princípio da adesão.

YY. De resto, constituindo este preceito legal uma excepção, a sua amplitude deve cingir-se ao mínimo indispensável para a satisfação dos interesses prosseguidos pela faculdade que esse preceito atribui ao tribunal (grosso modo, a celeridade no tratamento da questão penal), o que pressupõe não excepcionar os pedidos de indemnização civil que não possam prejudicar tais interesses.

ZZ. Impunha-se, por isso, ainda para mais quando está em causa uma restrição a um direito fundamental, que o Tribunal a quo adequasse a aplicação do artigo 82.º, n.º 3, do CPP às características do processo em apreço, conforme postula o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, ou proibição do excesso. O que não se mostra feito.

AAA. Também não se compreende, salvo o devido respeito, as considerações que são tecidas no acórdão recorrido quanto ao tempo que, supostamente, demoraria a apreciação e selecção de cada um dos pedidos, e em concreto a afirmação de que “antes de decorridos pelo menos dois anos (no mais optimista dos cenários), estaria sequer o processo pronto para se poder iniciar audiência de julgamento, uma vez que o número de dias úteis por ano ronda os 260, a que haverá que retirar os cerca de 50 dias correspondentes aos períodos em que os tribunais estão encerrados”.

BBB. Incorre, mais uma vez, o Tribunal a quo numa falácia argumentativa, já que terá olvidado que, aquando da remessa dos autos para o Tribunal Central de Instrução Criminal, o Ministério Público cuidou de organizar os pedidos de indemnização civil por apensos, em razão da sua ligação, ou não, ao objecto dos autos, no sentido de facilitar o trabalho futuro de saneamento do processo (cfr. fls. 68030 a 68039).

CCC. Metodologia essa que, prima facie, até viria a ser a seguida, pelo menos, numa fase preliminar, logo após o recebimento dos autos para julgamento, conforme se constata pela análise do documento “Anexo A – Lista de PIC – Processo 324/14.0TELSB” (folha com a ref.ª 432228018, datada de 22.01.2024), na qual se encontram separados por letras os vários pedidos de indemnização deduzidos nos autos (Q, Q-B, Q-C e Q-D), além de resultar claro, também, quem se limitou a demandar apenas os Arguidos ou outros terceiros.

DDD. Em todo o caso, conforme propugnado pela nossa jurisprudência, não constitui motivo de atraso intolerável o facto de os pedidos terem valores considerados elevados ou serem qualificados de complexos, nem tampouco a intervenção de entidades terceiras ou o número de testemunhas a inquirir, ou até mesmo o facto de processo ser de excepcional complexidade.

EEE. Aliás, tudo neste processo gera e continuará a gerar complexidade e provoca, inevitavelmente, atrasos (umas vezes de forma justificada, outras nem tanto), o que prejudica tanto os interesses dos Arguidos, como o interesse dos ofendidos.

FFF. Sendo consequência natural de tal complexidade que, atenta a decisão de conexão num megaprocesso com dezenas de arguidos e crimes por matérias distintas, a análise e decisão acerca de cada pedido de indemnização civil provoque atrasos no processo, que nada mais são do que as normais vicissitudes inerentes ao mesmo (análise do processo, audição de testemunhas e lesados, decisão sobre a causa).

GGG. De resto, nem se cuidou de perceber que, na prática, a decisão de retirada dos pedidos de indemnização civis não impedirá que, ainda assim, o grosso das matérias que aí são suscitadas continue a ter, necessariamente, de ser conhecido e julgado no processo- crime.

HHH. No que concretamente tange ao pedido de indemnização deduzido pelo aqui Recorrente, a falta de fundamento do despacho recorrido ainda fica mais a descoberto, bastando uma breve leitura daquele pedido para concluir, in totum, pela identidade de factos com os da acusação pública.

III. O ora Recorrente não suscitou, no seu pedido de indemnização civil, qualquer incidente ou requereu a realização de perícias e tão-somente deduziu o seu pedido contra os Arguidos que foram acusados e pronunciados, sendo a prova que indica, exactamente, aquela que consta da acusação.

JJJ. Os próprios pedidos que deduziu contra os Arguidos pronunciados são decalcados, ipsis verbis, dos prejuízos que se encontram calculados pelo próprio Ministério Público na acusação, e que se encontram, de resto, expressamente liquidados a fls. 51304 a 51391, quando se procede à imputação de crimes aos arguidos e se individualiza os danos patrimoniais concretamente causados ao Recorrente.

KKK. Assim, no que concerne ao aqui Recorrente, é óbvio que o percurso probatório e a duração da acção penal acabarão sempre por ser os mesmos, quer se mantenha a adesão do seu pedido de indemnização civil ou não.

LLL. Aliás, a partir do momento em que o que está em causa são crimes de burla qualificada e de infidelidade, dos quais só o aqui Recorrente é ofendido, tanto a quantificação, como a determinação dos prejuízos que lhe foram causados sempre se mostrará necessária, independentemente do pedido de indemnização civil por si formulado se manter ou não nos autos penais, já que aqueles fazem parte dos elementos constitutivos dos ilícitos em causa pelos quais os Arguidos vêm pronunciados.

MMM. Dessa forma, e a manter-se o reenvio, o que acabará por suceder será que toda a causa de pedir constante do pedido de indemnização civil do aqui Recorrente não deixará, ainda assim, de ser objecto de discussão e prova no processo penal, com a possibilidade até de ser proferido um acórdão que dê como provado o prejuízo ao mesmo causado, mas sem que, a final, se possa dar como procedente esse seu pedido, apenas e só porque “foram apresentados 1 306 pedidos de indemnização civil, respeitando a 2 475 demandantes” e “foram arroladas 2 278 testemunhas”.

NNN. Sendo que a manutenção nos autos de tais pedidos jamais ocorreria, como decorre de uma verificação rápida da organização dos pedidos de indemnização civil, atenta a metodologia adoptada pelo Ministério Público e inicialmente seguida aquando do recebimento dos autos para julgamento.

OOO. Afigura-se, portanto, profundamente injusto, inútil e desajustado que, quanto ao aqui Recorrente, o Tribunal a quo não tenha procedido a uma adequação da norma ínsita no artigo 82.º, n.º 3 do CPP, como se imporia.

PPP. Por conseguinte, deverá o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que conclua pela manutenção da adesão do pedido de indemnização civil deduzido pelo ora Recorrente, em obediência à regra prevista no artigo 71.º do CPP, determinando-se, nessa medida, o seu prosseguimento no foro penal para apreciação.

QQQ. Sempre se devendo dizer que, caso esse Colendo Tribunal entenda não estar em condições de proceder à apreciação da verificação do preenchimento dos pressupostos do artigo 82.º,nº 3, do CPP,deverá ser ordenada a remessa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância, para o efeito, seguindo os autos os seus ulteriores termos.

RRR. Alerta-se ainda para o facto de se tratar de uma decisão proferida num processo de acentuadas repercussões na sociedade portuguesa, que desconsidera todos os prejuízos que resultarão para o aqui Recorrente, a que acrescem os inevitáveis riscos de contradição de julgados e da evidência de que grande parte da prova recolhida nem sequer poderá ser repetida ou utilizada fora dos presentes autos.

SSS. O entendimento sufragado pelo Tribunal a quo coloca em causa as necessidades de prevenção geral no caso concreto, desconsiderando em absoluto, a reparação de perdas e danos como mecanismo de defesa social e via de reacção criminal relevante, a par das clássicas de prisão e multa. Ainda para mais num processo que diz respeito a crimes de índole patrimonial.

TTT. “Justiça em tempo útil” e “celeridade” não deverão visar beneficiar só os Arguidos ou o interesse do Estado, mas de igual as legítimas expectativas e efectivos direitos dos ofendidos e lesados!

UUU. Desde já se invoca a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 82.º, n.º 3, do CPP, quando interpretada no sentido de que, num processo crime, no qual hajam sido deduzidos vários pedidos de indemnização civil, formulados nos termos do art.º 71.º do mesmo diploma legal, pode ser proferida decisão que os remeta a todos para os tribunais civis, sem que, em tal decisão, haja sido efectuada uma ponderação das questões suscitadas em cada um dos pedidos e uma pronúncia quanto às concretas razões que, em presença dessas questões, inviabilizam a tomada de uma decisão rigorosa ou geram incidentes que retardem, intoleravelmente, o processo penal, por violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.º, n.ºs. 1, 4 e 5 da CRP.

VVV. O artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, é inconstitucional, por violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º, n.ºs. 1, 4 e 5 da CRP, quando interpretado no sentido de que, tendo sido deduzidos vários pedidos de indemnização civil nos termos do artigo 71.º do mesmo diploma, permite determinar a remessa de um pedido para apreciação pelos tribunais civis com base numa análise global dos diversos pedidos.

WWW. O artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, é inconstitucional, por violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º, n.ºs. 1, 4 e 5 da CRP, quando interpretado no sentido de que, tendo sido deduzidos vários pedidos de indemnização civil nos termos do artigo 71.º do mesmo diploma, não admite a remessa de apenas uma parte dos pedidos para apreciação pelos tribunais civis.

XXX. O artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, é inconstitucional, por violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º, n.ºs. 1, 4 e 5 da CRP, quando interpretado no sentido de que, tendo sido deduzidos vários pedidos de indemnização civil nos termos do artigo 71.º do mesmo diploma, permite determinar a remessa de um pedido para apreciação pelos tribunais civis sem determinar se as questões suscitadas por esse específico pedido inviabilizam uma decisão rigorosa ou são susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.

YYY. É inconstitucional, por violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º, n.ºs. 1, 4 e 5 da CRP, a interpretação conjugada dos artigos 29.º, n.º 1, 30.º, n.º 1, alínea b), e 82.º, n.º 3, do CPP, segundo a qual, tendo sido deduzidos vários pedidos de indemnização civil nos termos do artigo 71.º do mesmo diploma, é inadmissível a remessa de apenas uma parte dos pedidos para apreciação pelos tribunais civis.

iii) AA4 e Outros2, retirando das suas motivações, as seguintes conclusões: (transcrição)

A. O Tribunal da Relação de Lisboa, ao confirmar a decisão da 1.ª instância, violou o disposto no artigo 82.º, n.º 3 do CPP, ao remeter os pedidos de indemnização cível dos Recorrentes para os tribunais comuns sem demonstrar, de forma concreta e individualizada, que esses pedidos inviabilizariam uma decisão rigorosa ou retardariam intoleravelmente o processo penal.

B. Os pedidos de indemnização cível apresentados pelos Recorrentes:

i. São simples e diretamente relacionados com os factos descritos na acusação pública;

ii. Não requerem a produção de prova adicional, nomeadamente pericial, nem suscitam incidentes complexos, que possam atrasar ou inviabilizar o julgamento penal; iii. Estão suportados em documentação e prova já constante dos autos.

C. A decisão recorrida aplicou o artigo 82.º, n.º 3 do CPP de forma genérica e desproporcional, presumindo que o número e a alegada complexidade dos pedidos inviabilizariam o

andamento do processo penal, sem realizar uma análise concreta e fundamentada dos pedidos de indemnização cível dos Recorrentes.

D. Ao remeter os pedidos cíveis para os tribunais comuns, o Tribunal da Relação desconsiderou o princípio da adesão, previsto no artigo 71.º do CPP, que estabelece que os pedidos de indemnização cível devem ser apreciados no âmbito do processo penal, salvo nos casos em que tal apreciação seja manifestamente inviável.

E. No caso dos Recorrentes, tal inviabilidade não foi demonstrada.

F. Esta decisão constitui uma manifesta violação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da CRP.

G. Adicionalmente, a decisão recorrida desrespeitou o estatuto de vítimas dos Recorrentes, nos termos do artigo 16.º da Lei n.º 130/2015, que lhes garante o direito a uma decisão sobre a indemnização no âmbito do processo penal e dentro de um prazo razoável.

H. Tal decisão constitui, igualmente, uma violação do artigo 32.º, n.º 7 da CRP, que protege os direitos processuais das vítimas, e é contrária à economia e celeridade processual que o princípio da adesão visa salvaguardar.

I. Os Recorrentes beneficiam do estatuto de vítimas, atribuído nos autos, o que lhes confere o direito a ver os seus pedidos de indemnização cível apreciados no âmbito do processo penal, com o devido aproveitamento dos atos processuais já realizados.

J. A decisão recorrida, ao remeter os pedidos para os tribunais cíveis, impõe aos Recorrentes:

i. Um novo impulso processual nos meios comuns;

ii. Custos acrescidos;

iii. Um atraso injustificado na resolução do litígio, violando assim os princípios de celeridade e economia processual.

K. O Tribunal da Relação não considerou que a remessa dos pedidos cíveis para os tribunais comuns:

i. Acarreta o risco de decisões contraditórias entre a jurisdição penal e cível;

ii. Prejudica a confiança das vítimas no sistema judicial, particularmente num caso com impacto social significativo, como o presente.

L. A interpretação e aplicação do artigo 82.º, n.º 3 do CPP feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa está em contradição com a jurisprudência consolidada, que considera que a remessa de pedidos cíveis para os tribunais comuns deve ser uma medida excecional, fundamentada em circunstâncias concretas e específicas.

M. Face ao exposto, é evidente que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça se revela essencial e plenamente justificada, nos termos do artigo 672.º,n.º 1,alíneasa) e b) do CPC.

N. A questão em apreço reveste-se de uma relevância jurídica excecional, sendo indispensável que o Supremo Tribunal de Justiça clarifique o alcance do artigo 82.º, n.º 3 do CPP, de forma a uniformizar a jurisprudência e garantir a igualdade na aplicação da lei.

O. Adicionalmente, estão em causa interesses de particular relevância social, dado o impacto económico e humano causado pela falência do Banco Espírito Santo, que afetou gravemente a vida dos Recorrentes e de milhares de outras vítimas, que continuam a aguardar pela efetivação dos seus direitos.

P. Estas circunstâncias exigem uma resposta judicial célere e justa, que restaure a confiança dos cidadãos no sistema judicial.

Q. Assim, importa que o Supremo Tribunal de Justiça revogue a decisão recorrida, corrija a aplicação errada do direito no caso concreto, reconheça que os pedidos de indemnização cível dos Recorrentes devem ser apreciados no âmbito do processo penal, garantindo a tutela jurisdicional efetiva dos Recorrentes.

vi) AA209, retirando das suas motivações, as seguintes conclusões: (transcrição)

a) Resulta à saciedade que a Contraditoriedade integra o leque dos princípios estruturais do processo penal. Postulado esse que deve ser observado no decurso de todo o processo. E que o tribunal deve sempre fazer observar ainda que a matéria a decidir seja de conhecimento oficioso.

b) Porém, ao remeter a apreciação dos pedidos cíveis para os tribunais comuns, sem tratar de chamar os restantes intervenientes processuais para se pronunciarem, o tribunal de primeira instância violou, grosseiramente, o referido princípio do contraditório, em clara violação de à Lei.

c) A decisão impugnada, ignorou circunstâncias processuais e extra-processuais determinantes e essenciais para a prolação de uma decisão devidamente fundamentada.

d) Cabia ao juiz do tribunal de primeira instância dirigir activamente pelo processo e, bem assim, auscultar as partes antes de tomar decisões susceptíveis de afectar os seus direitos de defesa;

e) Não o tendo feito, proferiu uma verdadeira decisão surpresa, com claro prejuízo para todos os intervenientes processuais e, muito possivelmente, para o sistema judiciário.

f) A decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, que remete para os mais comuns a apreciação dos pedidos cíveis sem antes conceder o direito ao contraditório, é ilegal,

g) Por violar o n.º 3 do artigo 82 do CPP, o artº 6º, nº1, da CEDH, o artº 32, nº5 da CRP, o, artº 327 do CPP e o artº 3º, nº6 do CPC, ex vi artº 4º do CPP.

5. O Digno Mº Pº junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em resposta vem defender que (…) o acórdão recorrido deve ser mantido nos seus precisos termos pelo que os recursos dos lesados/demandantes, assistente e arguida devem todos ser julgados improcedentes (…)3

6. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, com sólida e atualizada fundamentação, emitiu parecer, no sentido da rejeição dos recursos interpostos, opinando: (transcrição)4

(…)

Suscita-se a questão prévia da inadmissibilidade dos recursos, em razão da irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.

Como já se referiu, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ora impugnado confirmou integralmente a decisão da 1ª Instância, mantendo-a nos seus precisos termos.

(…)

In casu, não se verifica a excepção a que se refere a última parte deste dispositivo legal. Cientes deste condicionalismo legal, os recorrentes resolveram então interpor recurso de revista excepcional, previsto no artigo 672.º do C.P.C., nos supra indicados termos.

Recursos que se afigura não serem admissíveis.

Sobre esta problemática, tem sido jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça a de que o artigo 400.º do C.P.P. não carece de integração ou entra em contradição com qualquer outra norma processual penal, que pudesse levar a entender verificar-se lacuna da lei ou de regulamentação ou lacuna decorrente de contradição normativa.

Considere-se, a este respeito, e a título meramente exemplificativo, o acórdão de 18.05.2022 deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 48/17.6GCALM.L1-A.S1, da 3ª Secção5:

(…)

Em processo penal e em matéria de recursos, o Código (de processo penal) prevê e regulamenta autónoma e exaustivamente o modelo e os tipos de recurso. E a lei processual penal contém norma expressa que veda o duplo grau de recurso num caso como o presente.

Duplo grau de recurso que a Constituição não consagra, sendo jurisprudência desde sempre pacífica, do Tribunal Constitucional, que o direito ao recurso constitucionalmente assegurado se basta com a garantia de um grau de recurso.

E as normas processuais civis cuja utilização se pretende não tem aplicação em processo penal, desde logo porque o art. 4.º do CPP pressupõe a existência de uma lacuna, a qual não ocorre em matéria de recursos. Não ocorre seguramente ao nível das grandes linhas de organização do modelo e de classificação dos vários tipos de recursos, ordinários e extraordinários.

Como se afirma, no AC do STJ de 27 de janeiro de 2021, processo nº 266/07.5TATNV.E1. S1, Relator Nuno Gonçalves, que seguimos de perto, «A jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal entende uniformemente que o regime dos recursos quanto à questão penal está regulado completa e autonomamente no CPP. Na motivação do AUJ n.º 9/2005, expendeu-se que: “O regime de recursos em processo penal, tanto na definição do modelo como nas concretizações no que respeita a pressupostos, à repartição de competências pelos tribunais de recurso, aos modos de decisão do recurso e aos respetivos prazos de interposição, está construído numa perspetiva de autonomia processual, que o legislador pretende própria do processo penal e adequada às finalidades de interesse público a cuja realização está vinculado.

O regime de recursos em processo penal, tributário e dependente do recurso em processo civil no Código de Processo Penal de 1929 (CPP/29), autonomizou-se com o Código de Processo Penal de 1987 (CPP/87), constituindo atualmente um regime próprio e privativo do processo penal, tanto nas modalidades de recursos como no modo e prazos de interposição, cognição do tribunal de recurso, composição do tribunal e forma de julgamento.

No CPP/29, o recurso em processo penal seguia a forma do processo civil, sendo processado e julgado como o agravo de petição em matéria cível (artigo 649.º do CPP/29); não existia, então, como regra, regulamentação própria e autónoma, privativa do processo penal.

A autonomização do modelo de recursos constituiu mesmo um dos momentos de reordenamento do processo penal no CPP/87. A lei de autorização legislativa (Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro), que concedeu autorização para a aprovação de um novo Código de Processo Penal, definiu expressamente como objetivo a construção de um modelo, que se pretendia completo, desde a conceção das fases do processo até aos termos processuais da reapreciação das decisões na concretização da exigência - que é de natureza processual penal no plano dos direitos fundamentais -de um duplo grau de jurisdição. A lei consagrou imposições determinantes no que respeitava ao regime de recursos, apontando para uma perspetiva autónoma e para uma regulação completa.

Os pontos 70 a 75 do n.º 2 do artigo 2.º da lei de autorização (sentido e extensão), referidos especificamente às orientações fundamentais em matéria de recursos, impunham, decisivamente, a construção de um modelo com autonomia, desligado da tradição da referência aos recursos em processo civil.

Por seu lado, a nota preambular do CPP/87, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, qualifica o regime de recursos como «inovador», estabelecido na perspetiva da obtenção de um amplo efeito («potenciar a economia processual numa ótica de celeridade e eficiência e, ao mesmo tempo, emprestar efetividade à garantia contida num duplo grau de jurisdição autêntico»), assim autonomizado como modelo próprio para realizar finalidades específicas do processo penal.

A intenção e a autonomia do modelo mantêm-se após a reformulação do regime de recursos na reforma de 1998 (Lei n.º 58/98, de 25 de Agosto), a formulação reguladora das diversas modulações nos recursos (tribunal singular, tribunal coletivo e tribunal do júri; matéria de facto e matéria de direito; tribunais da relação e Supremo Tribunal de Justiça; oralidade e audiência no tribunal de recurso) continua a constituir um sistema com regras próprias e específicas do processo penal (cf. a exposição de motivos da proposta de lei n.º 157/VII, nos 15 e 16).

A autonomia do modelo e das soluções processuais que contempla coloca-o a par dos regimes de recursos de outras modalidades de processo, independente e com vocação de completude, com soluções que pretendem responder, por inteiro e sem espaços vazios, às diversas hipóteses que prevê”[4].

No Ac. de 15-11-2006, deste Supremo Tribunal sustenta-se: “o legislador do CPP87 conferiu ao sistema dos recursos em processo penal «uma tendencial autonomia relativamente ao processo civil”. “Por isso se deve entender que o CPP esgota a disciplina da matéria da admissibilidade do recurso, sem hipótese, pois, de apelo às regras do CPC, por não se verificar aí (não ser susceptível de se verificar) qualquer lacuna”[5].

Adianta-se que a autonomia do regime dos recursos em processo penal não consente a admissibilidade do “regime processual civil da revista excecional, previsto no art. 671.º, n.º 3 d 672.º, do CPC). A arquitetura dos recursos no processo penal não foi influenciada – e podia tê-lo sido – com qualquer das alterações introduzidas no processo civil - mormente a partir do Dec. Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, que introduziu a «revista excecional», (art. 721º - A CPC) reforma essa coeva, faça-se notar, da processual penal introduzida pela Lei nº 48/2007.[6]».

(…)

Do exposto se conclui que o recurso de revista excecional não é admissível, motivo pelo qual tem que ser rejeitado. (…)

A evolução do regime de recursos no âmbito do processo penal, sumariamente enunciada, torna evidente que a opção do legislador foi no sentido de tornar o regime dos recursos no processo penal autossuficiente e completamente autónomo do regime de recursos no processo civil.

“O regime de recursos em processo penal, tanto na definição do modelo, como nas concretizações no que respeita a pressupostos, à repartição de competências pelos tribunais de recurso, aos modos de decisão do recurso e aos respetivos prazos de interposição, está construído numa perspectiva de autonomia processual, que o legislador pretende própria do processo penal e adequada às finalidades de interesse público a cuja realização está vinculado6.

Esta intenção do legislador é patente na redacção que foi atribuída aos artigos 399.º, 400.º e 432.º, do C.P.P., de que resultam, de forma taxativa, os casos em que é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, afirmando-se a prevalência do princípio da suficiência do processo penal.

Assim, face à clara intenção do legislador, manifestada ao longo das várias alterações que foram sendo introduzidas no C.P.P., de tornar o sistema de recursos em processo penal autossuficiente, de forma a não ser necessário recorrer às regras do Código de Processo Civil (C.P.C.), bem como de limitar os casos em que é admissível recurso para o Supremo Tribunal Justiça, tem que se entender que o C.P.P. esgota a disciplina da matéria da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não sendo, pois, possível recorrer às regras do C.P.C., por não se verificar nessa matéria qualquer lacuna.

O regime estabelecido em processo penal, relativamente à admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, revela-se coerente, autónomo, sem que apresente qualquer espaço vazio; é um sistema que funciona completamente por si, na previsão, nos procedimentos e nos resultados da sua execução, apresentando-se como regime tendencialmente completo, que funciona com autonomia, e que permite realizar, por inteiro, de modo razoável e de acordo com a Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), a função para que foi concebido.

Não deixando espaços de regulamentação em aberto que importe preencher, não existe, pois, lacuna de regulamentação, a tornar justificado o recurso ao disposto no artigo 672.º do C.P.C., por força do artigo 4.º do C.P.P., para que possa ser interposto recurso para este Supremo Tribunal.

E tal entendimento não se recorta desconforme aos normativos constitucionais a que importa atender.

O que se impõe é que seja assegurado o recurso das decisões penais condenatórias e ainda de quaisquer decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos, sem que isso signifique a necessidade de prever um duplo grau de recurso ou triplo grau de jurisdição.

Como referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada: “a existência de três níveis na estruturação dos tribunais judiciais não implica obviamente que todas as causas passem por todos eles. Ressalvados os princípios relativos à garantia do direito ao recurso e ao segundo grau de jurisdição, (...) a lei dispõe de ampla liberdade de conformação – observado naturalmente o princípio da proporcionalidade – na delimitação da amplitude da competência dos tribunais de recurso, em geral, e do STJ, em particular".

Este tem sido, aliás, o entendimento do Tribunal Constitucional que tem considerado que o direito ao recurso em processo penal deve ser entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição, não devendo ser perspectivado como uma faculdade de recorrer, sempre e em qualquer caso, da primeira decisão condenatória, ainda que proferida em recurso, posto que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas, e que a limitação do direito ao recurso, nestas situações, não é inconstitucional, e mostra-se conforme com o disposto no artigo 2.º do Protocolo n.º 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 22/90, de 27 de Setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/90, de 27 de Setembro.

Termos em que se conclui não deverem ser admitidos os recursos em presença.

Foi esta, aliás, a compreensão que presidiu à decisão do Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, expressa no seu despacho de 19 de Março de 2025 proferido em sede de reclamação apresentada nos termos do artigo 405.º do C.P.P., que confirmou nos seus precisos termos o despacho que não admitira o recurso de revista excepcional apresentado, neste mesmo processo, por outros assistentes/demandantes cíveis (NUIPC 324/14.0TELSB-GT.L1-B.S1) (…).

(…)

pelo que antecede, emite-se parecer no sentido de deverem ser rejeitados, por legalmente inadmissíveis, os recursos ora em apreço, a tanto não obstando a circunstância de terem sido admitidos já que a respectiva decisão não vincula o tribunal superior [cfr. artigos 414.º, n.º 2 e 3, 417.º, n.º 6, alínea b), e 420.º, n.º 1, alínea b), todos do C.P.P.]

A este Parecer vieram responder AA4 e Outros7, Massa Insolvente da Espírito Santo International, S.A. (En Failitte) e Massa Insolvente da Rio Forte Investments, S.A. (En Failitte)8 e Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação9 que, para além de repescarem a argumentação aduzida, recursivamente, quanto à leitura e interpretação do plasmado no artigo 82º, nº 3 do CPPenal, vêm perfilar o entendimento de que os recursos devem ser admitidos, cabendo nesta sede o uso do mecanismo da revista excecional, regulado no artigo 672º e ss. do CPCivil.

7. Efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Questões a decidir

Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 199510, bem como a doutrina dominante11, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir12.

Isto posto, e vistas as conclusões dos instrumentos recursivos trazidos pelos diversos recorrentes, em alguns casos longas, repetitivas e prolixas, e os poderes de cognição deste tribunal, despontam como questões em ponderação:

- admissibilidade recursiva – recurso de revista excecional;

- leitura e dimensão da normação constante do nº 3 do artigo 82º do CPPenal;

- inconstitucionalidades.

2. Apreciação

2.1. Factos a ponderar:

- Nos autos principais e na sequência de aspetos configuradores de (…) 1 306 pedidos de indemnização civil, respeitando a 2 475 demandantes (…) arroladas 2 278 testemunhas (…) pedidos contra demandados que não se encontram pronunciados, demandados meramente civis, designadamente (…) o Estado, a CMVM e o Banco de Portugal (…) vários pedidos em que se impõe que se decidam incidentes de fixação do valor (…) inúmeros pedidos relativamente aos quais, numa análise perfunctória, se afigura não se conformarem com o objeto dos autos (…) vários tipos de produtos que constituem a causa de pedir, para além das ações BES (v.g. obrigações ESF P, EG Premium, papel comercial ESI, ISIN PTBES, ações PT, ações PTBES papel comercial Rioforte, Top Renda, Poupança Plus, Obrigações ES Turismo Europe, títulos ESFG, note ESFG, entre vários outros) (…), foi decidida a da remessa dos pedidos de indemnização para os meios comuns, ao abrigo do disposto no artigo 82º, nº 3, do CPPenal;

- Tal despacho proferido em 22 de janeiro de 2024, notificado que foi aos diversos sujeitos processuais, foi alvo de recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa por banda de alguns dos arguidos e assistentes /demandantes;

- O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em pronunciamento tomado em 18 de dezembro de 2024, manteve todo o decidido em 1ª Instância.

2.2. Temática a Decidir

Como se deixou expresso, em momento prévio, importa apurar da bondade da pretensão recursiva trazida pelos diversos recorrentes, ancorando-se no regime do recurso de revista excecional, inserto nos artigos 672º, nº 1, alíneas a) e b) e ss. do CPCivil.

Na verdade, visitando os instrumentos recursórios em ponderação, resulta cristalino que se pretende lançar mão do regime da revista excecional que, como claramente exubera dos normativos em evidência, é próprio do processo civil.

Tanto quanto se pensa, extrai-se diretamente da letra do preceito em apreço, que ali se visa mitigar os efeitos da regra geral consagrada no artigo 671º, nº 3 do CPCivil da inadmissibilidade de recurso de revista em situações de dupla conforme, incorporando exceções justificadas pela necessidade de tutela interesses de ordem social ou jurídica, ligados à mais adequada aplicação do direito e / ou à segurança e estabilidade na interpretação normativa13, ou seja, a possibilidade / admissibilidade da revista excecional, pressupõe a existência de dupla conforme e a existência / desenho de situações de excecionalidade14.

Por seu turno, surge como pacífico, crê-se, que a utilização do mecanismo em ponderação, típico / característico / depositário do ordenamento processual civil, por via da regra impressa no artigo 4º do CPPenal, pressupõe, na sua formulação, que a falta de previsão, no processo penal, de casos excecionais de recorribilidade, previstos no nº 1, alíneas, a) e b) do artigo 672º do CPCivil, constitui uma lacuna a reclamar integração.

Ora, visitando todo o complexo que constitui o compêndio processual penal, ao que se intui, em matéria recursiva, toda a filosofia aqui tratada está completa, suficiente, basta e autonomamente regulada naquele, não carecendo / reclamando qualquer integração lacunar, nomeadamente o que aqui anseiam os recorrentes.

Na verdade, o recurso de revista excecional tratado no âmbito do processo civil, não tem aplicabilidade relativamente às decisões penais pois, o CPPenal, como da leitura do mesmo se retira, prevê os recursos ordinários - artigos 400º e 432º - os recursos extraordinários de fixação de jurisprudência - artigos 437º e ss. - e de revisão - artigos 449º e ss. -, o que faz em termos de completude, dentro de uma lógica de construção e harmonia dos respetivos pressupostos de admissibilidade, e diverso do regime do processo civil, sendo que a independência / especificidade / particularidade de cada um dos regimes afasta insuficiências ou lacunas de regulação que tenham de ser supridas15.

Parece absolutamente claro que foi uma das preocupações do legislador em matéria de processo penal, seguir a linha de autonomização dogmática e metodológica do regime dos recursos em processo penal, relativamente à lei adjetiva do processo civil, informado / norteado pelo ideário de estabelecer um sistema integrado - e completo - de soluções potenciadoras da economia processual, num registo de celeridade e de eficiência e, ao mesmo tempo, emprestar efetividade à garantia contida num duplo grau de jurisdição autêntico e próprio16.

Ou seja, o regime recursivo do processo penal, olhando ao seu modelo, às concretizações no que respeita aos pressupostos, competências dos tribunais de recurso, modos de decisão, prazos de interposição dos recursos, obedece a um desenho próprio do processo penal, tendo sempre por base a realização do interesse público que norteia este ramo do direito.

Visitando todo o compêndio processual penal, e contextualizando a disciplina recursiva no que concerne ao STJ, é patente que a mesma se mostra coerente, clara, basta, autónoma, não exibindo qualquer vazio / espaço a demandar integração, mostrando-se suficientemente tratado, permitindo realizar cabalmente a função para o qual foi concebido.

E tal tanto se mostra mais evidente quando se auscultam os normativos combinados dos artigos 399º, 400º e 432º do CPPenal de onde se retira, taxativamente, quais as situações em que é possível recurso para este Alto Tribunal e, bem assim, quando se atenta na normação constante do artigo 7º do CPPenal, consagrando a prevalência do brocardo da suficiência do processo penal.

Ante tal, tem sido jurisprudência pacífica e constante do STJ, a de que o artigo 400º do CPPenal, em qualquer das suas dimensões, não necessita de integração, não denota qualquer lacuna, sendo de inteira não aplicabilidade o recurso da revista excecional em matéria penal17.

Em reforço do que aqui se enunciou, importa salientar que no caso presente o Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, confirmando tudo o que aqui se discute – remessa para os tribunais cíveis, ao abrigo do disposto no artigo 82º, nº 3 do CPPenal, a apreciação dos pedidos de indemnização civil deduzidos -, não se pronunciou sobre a substância dos mesmos, não decidiu a respeito da sua bondade e montantes peticionados, nem determinou a absolvição da instância.

Na verdade, o que aqui ocorreu foi um pronunciamento sobre a tramitação processual, nada se aventando quanto ao mérito ou desmérito dos diversos pedidos apresentados e, nessa medida, a latitude / dimensão / abrangência que se pretende atribuir ao disposto no nº 3 do artigo 400º do CPPenal, para poder fazer funcionar aqui, o regime da revista excecional, próprio do processo civil, não tem o menor arrimo na norma em questão – não se está perante recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, mas apenas e só face a recurso sobre aspeto única e exclusivamente locado na marcha processual.

Em presença de todo este expendido, e sufragando todo o enunciado no Parecer trazido pelo Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto junto deste STJ, ao qual inteiramente se adere, os recursos ora em apreciação, são de rejeitar, a coberto do plasmado nos artigos 432º, nº 1, alínea b), 400º, nº 1, alínea c), 417º, nº 6, alínea b), 420º, nº 1, alínea b), todos do CPPenal, sendo que por força do estatuído no artigo 414º, nº 3 do mesmo complexo normativo, este Alto Tribunal, não está vinculado à decisão que os admitiu.

Por força do assim decidido, mostra-se prejudicada a apreciação de todas as outras questões supra notadas e sugeridas nos instrumentos recursivos em apreciação.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar, por inadmissibilidade legal, os recursos interpostos por AA4 e Outros, Massa Insolvente da Espírito Santo International, S.A. (En Failitte) e Massa Insolvente da Rio Forte Investments, S.A. (En Failitte) e Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação – artigos 432º, nº 1, alínea b), 400º, nº 1, alínea c), 417º, nº 6, alínea b), 420º, nº 1, alínea b), todos do CPPenal.


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- Custas a cargo dos Recorrentes, fixando-se a Taxa de Justiça por cada um devida, em 5 (cinco) UC;

- Pela rejeição dos recursos, fixa-se em 4 (quatro) UC, a Taxa de Justiça devida por cada um dos Recorrentes – artigo 420º, nº 3 do CPPenal.


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O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 15 de outubro de 2025

Carlos de Campos Lobo (Relator)

Maria da Graça Santos Silva (1ª Adjunta)

Lopes da Mota (2º Adjunto)

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1. (…) a par deste "megaprocesso" crime é um "megaprocesso" civil que dilata a decisão crime de forma intolerável à luz do desiderato de um julgamento em tempo adequado e útil.

  Acresce a essa dilação de sessões de julgamento, o tempo necessário para a ponderação e análise da matéria de facto atinente a 1 306 petitórios, a extensão de alguns articulados com a diversificação de causas de pedir que deles ressalta, e o tempo necessário para elaborar, nesta parte, a decisão final (…)globalmente considerando o enxerto da ação civil em todas estas vertentes de concretização, a admissão dos pedidos de indemnização civil, neste processo penal, o retardaria de uma forma intolerável, considerando a já necessária produção de prova e tempo para elaboração da decisão na parte criminal (…) não menos importante é, sublinha-se, a exigência da prova que o objeto dos petitórios civis apresentam, a qual se afigura incompatível com as regras do processo penal, na parte que lhe são aplicáveis, a fim de habilitar o Tribunal a tomar uma decisão conscienciosa e rigorosa. Não é um acaso processual o número de testemunhas arroladas por cada demandante estar legalmente limitado a dez, nos termos legais. Tal opção legislativa assentou na ratio de que a ação civil enxertada no processo penal é dele uma natural e óbvia consequência indemnizatória, assente nos factos típicos, e não um outro objeto da discussão fáctica e de direito de matérias atinentes ao processo crime.

  Todas as razões coligidas impõem uma decisão em conformidade - a da remessa dos pedidos de indemnização para os meios comuns, ao abrigo do disposto no art. 82º, nº3, do CPP, por ser intolerável o retardamento que acarreta ao processo penal e por as matérias que convoca não se compaginarem, em sede penal, com o rigor que se exige do Julgador (…).

  Referência Citius ....99.

2. Remete-se a indicação de todos os subscritores deste recurso para a peça que constitui a Referência Citius ...05.

3. Referência Citius ...94.

4. Reprodução apenas dos aspetos relevantes do Parecer, expurgando-se toda a parte relativa ao histórico processual, já vertida nos pontos anteriores do Relatório e, bem assim, da reprodução de textos legais.

5. In https://www.dgsi.pt/jstj;

  Vd., ainda no mesmo sentido, o acórdão de 04.05.2023, igualmente do S.T.J., proferido no processo n.º 2855/21.6T8BCL.G1.S1, 3ª Secção, e a jurisprudência nele citada, com a mesma origem de consulta.

6. Acórdão de 11.10.2005, do S.T.J. publicado com o n.º 9/2005, no D.R. n.º 233, I Série-A, de 06/12/2005.

7. Referência Citius ...57.

8. Referência Citius ...27.

9. Referência Citius ...59.

10. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

11. SILVA, Germano Marques da Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p.335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p.113.

12. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.

13. Neste sentido, GERALDES, Abrantes, Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Almedina, 2020, p. 430 – (…) atenuar os efeitos da regra geral consagrada no n.º 3 do artigo 671.º da inadmissibilidade de recurso de revista em situações de dupla conforme introduzindo exceções justificadas pela necessidade de tutela interesses de ordem social ou jurídica, neste caso ligados à melhor aplicação do direito ou à segurança e estabilidade na interpretação normativa.

14. Neste sentido, BELEZA, Maria dos Prazeres, Restrições à admissibilidade do recurso de revista e revista excecional, a Revista, Supremo Tribunal de Justiça, nº 1, 2022, pp.27 e 35 – (…) A admissão da revista excecional pressupõe, portanto, a existência de dupla conforme; ou, dito de outra forma, a dupla conforme impede o recurso de revista, salvo se for excecionalmente admitida (…).

15. Neste sentido, a Decisão Sumária, de 20/06/2012, proferida no Processo nº 628/08.0GBFND.C1-A.S1 – (…) O recurso de revista excecional previsto (…) não tem aplicabilidade relativamente às decisões penais (…) O Código de Processo Penal prevê tanto os recursos ordinários (art. 432.º e 400.º) como os recursos extraordinários de fixação de jurisprudência (arts 437.º e segs.) e de revisão (arts 449.º e segs.), em termos completos dentro de uma lógica de construção e harmonia dos respetivos pressupostos de admissibilidade, e diverso do regime do processo civil; a independência dos regimes afasta insuficiências ou lacunas de regulação que tenham de ser supridas(…).

16. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ, de 27/01/2021, proferido no Processo nº 266/07.TATNV.E1.S1 – (…) o regime dos recursos em processo penal sofreu uma autêntica revolução que obedeceu a uma ideia concreta: ruptura praticamente total com o sistema de recursos em processo civil que lhe servia de amparo, mercê da criação de um estatuto autónomo e próprio que independentizasse, de uma vez por todas, o esquema processual até então vigente (…) -, disponível em www.dgsi.pt.

17. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 18/05/2022, proferido no Processo nº 48/17.6GCALM.L1-A.S1 – (…) Em processo penal e em matéria de recursos, o CPP prevê e regulamenta autónoma e exaustivamente o modelo e os tipos de recurso. E a lei processual penal contém norma expressa que veda o duplo grau de recurso num caso como o presente. Duplo grau de recurso que a Constituição não consagra, sendo jurisprudência desde sempre pacífica, do TC, que o direito ao recurso constitucionalmente assegurado se basta com a garantia de um grau de recurso (…) as normas processuais civis cuja utilização se pretende não tem aplicação em processo penal, desde logo porque o art. 4.º, do CPP, pressupõe a existência de uma lacuna, a qual não ocorre em matéria de recursos. Não ocorre seguramente ao nível das grandes linhas de organização do modelo e de classificação dos vários tipos de recursos, ordinários e extraordinários (…) -, de 02/02/2022, proferido no Processo nº 3519/16.8T8LLE.E1.S1 – (…) resulta clara a inadmissibilidade do recurso cível interposto pelo arguido, pois em matéria de recursos o CPP prevê e regula autónoma e exaustivamente o modelo e os tipos de recurso. E se a lei processual penal contém norma expressa que veda o duplo grau de recurso num caso como o presente, é inviável a interposição por via (…) norma processual civil que não tem aplicação em processo penal, mormente quando está em causa questão de natureza não exclusivamente civil (…) -, de 06/10/2016, proferido no Processo nº 535/13.5JACBR.C1.S1 – (…) Não é aplicável ao processo penal, como excepção à regra da dupla conforme, o regime processual civil da revista excepcional (…) A arquitectura dos recursos no processo penal não foi influenciada – e podia tê-lo sido – com qualquer das alterações introduzidas no processo civil. Não quer isto dizer que ao nível de específicos detalhes não sirva o regime processual civil para conferir espessura às soluções adoptadas mercê da sua intervenção subsidiária sufragada pelo art. 4.º, do CPP. Mas não é certamente ao nível categorial-classificatório dos recursos que essa subsidiariedade se repercute de modo a permitir que seja de admitir no regime dos recursos ordinários do processo penal essa outra espécie de “revisão excepcional (…) Não é admissível recurso do acórdão da relação sobre a negação de provimento dos recursos interlocutórios (…) Desde logo porque (…) não cabe no âmbito de um recurso para o STJ tal matéria quando foi assegurado o duplo grau de jurisdição mediante o recurso interposto para o tribunal da relação e se formou dupla conforme (…) -, todos disponíveis em www.dgsi.pt.