Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | ||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | |||||||
Relator: | NELSON BORGES CARNEIRO | |||||||
Descritores: | ADOÇÃO PRESSUPOSTOS INTERPRETAÇÃO DA LEI CONFIANÇA JUDICIAL DE MENORES MEDIDA DE CONFIANÇA COM VISTA À FUTURA ADOÇÃO ENTREGA DE MENOR A TERCEIRO CRITÉRIOS DE SELEÇÃO INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA | |||||||
Data do Acordão: | 09/17/2024 | |||||||
Votação: | UNANIMIDADE | |||||||
Texto Integral: | S | |||||||
Privacidade: | 1 | |||||||
Meio Processual: | REVISTA | |||||||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | |||||||
Sumário : | I – A adoção assenta numa verdade afetiva e psicológica, distinta da verdade biológica, em que se funda o parentesco. II – Podem ser adotadas todas as crianças que tenham sido confiadas administrativamente, ou, por meio de aplicação da medida de proteção de confiança com vista a futura adoção (tenha essa confiança sido feita a uma instituição ou a uma pessoa selecionada para a adoção). III – O tribunal está impedido de declarar constituído o vinculo da adoção quando inexista uma declaração de adotabilidade (no âmbito de um processo judicial de promoção e proteção, ou, de prévia decisão de confiança administrativa). IV – Apesar da inexistência de uma decisão não formalizada de confiança em vista da adoção, ao ter elaborado um “Relatório de Acompanhamento e Avaliação da Pré- Adoção”, onde concluiu pela adoção da criança como seu projeto de vida, a segurança social supriu a posteriori essa falta da decisão de confiança administrativa. V – O primado da continuidade das relações psicológicas profundas e o princípio da prevalência da família que urge respeitar na aplicação das normas referentes ao direito da família, seriam, sem justificação obnubilados se, com base numa interpretação literal das normas constantes do RJPA, não se reconhecesse que, por via da atuação que a segurança social teve na situação ao elaborar o “Relatório”, se possa considerar ter havido uma confiança administrativa, a qual foi suprida posteriormente por esta via. | |||||||
Decisão Texto Integral: |
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*** ACÓRDÃO10 Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça: 1. RELATÓRIO AA, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo especial, com vista à adoção de BB, pedindo que, depois de decretada a sua adoptabilidade (com consentimento prévio dos progenitores ou dispensando-o nos termos do disposto no artigo 1981º/3/a, in fine do CCivil), seja constituído o vínculo de adoção entre a requerente e aquela, com as legais consequências, passando a INÊS a chamar-se, de seu nome completo, CC. Foi proferida sentença em 1ª instância que julgou improcedente o pedido. A requerente interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão que negou provimento ao recurso e, em consequência, confirmou a decisão recorrida, pese embora, por fundamentos distintos. Inconformado, veio o Ministério Público interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações11,12 que apresentou as seguintes CONCLUSÕES13: 1 – Os presentes autos têm por objeto, em suma, a apreciação de um pedido de adoção da menor BB, à data da entrada da petição com 17 anos de idade, formulado pela requerente AA; 2 – Por via da sentença proferida na primeira instância foi indeferido o pedido de adoção, o que também sucedeu por via do acórdão de que se recorre, sendo os fundamentos de indeferimento absolutamente diversos; 3 – A não procedência do pedido de adoção tem grandes repercussões, desde logo na família em causa, mas também comunidade onde a mesma se insere e perante o Estado, uma vez que, por via de tal indeferimento, ficou irremediavelmente comprometida a integração, de pleno direito, da BB na família constituída pela requerente e pelo irmão consanguíneo da menor e do seu reconhecimento como tal pela sociedade; 4 – A adoção desempenha um papel primordial no bom desenvolvimento e integração social, como medida privilegiada de proteção de menores privados de meio familiar. É que, à exceção da procriação, a família adotiva dispõe de condições em tudo idênticas às da família biológica para desempenhar as funções educativas que se lhe exigem; 5 – O superior interesse da criança teria imposto uma decisão diversa, aliás tal como é reconhecido no acórdão de que se recorre, não tendo sido determinada a adoção por aquilo que se considera ter sido uma errada interpretação dos artsº. 8º. al. a); 34º. nº. 1 al. b); 34º. nº. 2 al. b); 36º. nº. 8 al. b); 53º. nº. 2, todos do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei nº. 143/2015, de 8 de setembro; artº. 1980º. nº. 3 do CC, na redação da Lei nº. 143/2015; artº. 9º. n.ºs. 1 e 3 do CC e artº. 2º. da CRP; 6 – Na realidade, a questão a apreciar prende-se com a existência, ou não, do requisito da confiança administrativa da criança à requerente, em função da interpretação de normas legais, não obstando assim ao recurso para esse venerando tribunal o disposto no artº. 988º. nº. 2 do CPC; 7 – A decisão sobre a adoção da BB, com o consequente reconhecimento de que a mesma faz parte da família onde se encontra inserida, como filha da requerente, com todos os direitos daí decorrente e como tal reconhecida pela sociedade onde se insere, não pode deixar de se considerar um interesse de particular relevância social, justificando-se assim a admissão deste recurso excecional; 8 – O pedido de adoção foi julgado improcedente na 1ª. instância, com base em duas ordens de razões: não ter sido prestado consentimento pelos progenitores (não sendo caso de dispensa) e, tendo-se ponderado a situação económica da progenitora, ter-se considerado que “a atender-se a pretensão de AA, seria imposta uma significativa modificação, em sentido negativo, no futuro patrimonial do filho”; 9 – A requerente AA interpôs recurso para o tribunal da relação da sentença proferida, tendo argumentado que os factos dados como não provados deveriam ter sido dados como provados e, em função disso, deveria ter sido decretada a adoção requerida, assim como a substituição do apelido de BB por CC, passando o seu nome a ser CC; 10 – Recebido o processo no tribunal da relação, o Mmº. Juiz relator assinalou não estarem reunidos os pressupostos previstos nos artºs. 1979º. nº. 3, 1980º. nº. 1 al. a) do Código Civil e 34º. nº. 1 do RJPA, motivo pelo qual, não tendo a questão sido analisada, notificou o Ministério Público e a requerente no sentido de se pronunciarem; 11 – O Ministério Público defendeu, então, a aplicação do regime constante do artº. 1980º. nº. 3 do CC, na redação dada pela Lei nº. 143/2015, de 8 de setembro, tendo defendido que o conceito de confiança aí expresso tinha um sentido amplo, não se restringindo às situações expressas no número 1 do mesmo artigo, abarcando a confiança da criança a uma terceira pessoa, ao abrigo de uma medida de proteção e que em nome do princípio da confiança e face à sucessão de leis, atenta a circunstância de os procedimentos administrativos se terem instaurado antes da alteração introduzida em tal artigo pela Lei nº. 46/2023, de 17 de agosto; 12 – Por via do acórdão recorrido, tendo sido apreciada a matéria de facto, procedeu-se à alteração dos factos dados como provados e não provados, tendo sido aditados novos factos aos factos provados e eliminados os factos não provados; 13 – Tendo-se no âmbito do acórdão recorrido procedido à alteração da matéria de facto, em função de tal, considerou-se estarem verificados todos os requisitos gerais para adoção, previstos no artº. 1974º. do CC, nomeadamente, e em resumo, a circunstância de a adoção apresentar reais vantagens para a BB e a existência de motivos legítimos para o decretamento da mesma, sendo que se considerou não envolver a adoção sacrifício injusto para o DD (o irmão consanguíneo); 14 – Concluiu-se no acórdão, contudo, não se verificar o requisito previsto nos artigos 1979º. nº. 3, 1980º. nº. 1 do CC e 34º. nº 1, al. a) e b) do RJPA, consistente em, previamente à instauração do processo de adoção, o adotante ter sido confiado, mediante confiança administrativa ou medida de promoção e proteção de confiança com vista à futura adoção; 15 – Em função de tal, foi o recurso julgado improcedente, mantendo-se a decisão de julgar a ação improcedente, ainda que por fundamentos totalmente distintos por não ter havido “uma prévia declaração de adotabilidade mediante uma decisão judicial ou administrativa de confiança com vista à adoção, como exigido pelos art.ºs 1979º, n.º 3, 1980º n.º 1 do CC e 34º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJPA”; 16 – Discorda-se da posição expressa no acórdão recorrido, quanto inexistência de uma decisão administrativa de confiança com vista à adoção, em primeira linha por se considerar que existiu efetivamente tal confiança administrativa e, em segunda linha, assim não se entendendo, por se considerar ser aplicável à situação vertente artº. 1980º. nº. 3 do CC, na redação dada pela Lei nº. 143/2015, de 8 de setembro, interpretando-se o conceito de confiança aí expresso em sentido amplo, não se restringindo às situações expressas no número 1 do mesmo artigo, abarcando a confiança da criança a uma terceira pessoa, ao abrigo de uma medida de proteção; 17 – Com relevância para a apreciação da questão suscitada pelo Tribunal da Relação – a exigência de uma prévia declaração de adotabilidade mediante uma decisão judicial ou administrativa de confiança com vista à adoção, exigível nos termos dos artºs. 1979º. nº. 3; 1980 nº. 1 do CC e 34º. nº. 1 al. a) e b) do RJPA, relevam os seguintes factos: - A petição inicial foi apresentada em 23 de Outubro de 2023, tendo, à data, a adotante a idade de 17 anos ( a completar 18 anos em ... de dezembro desse ano); - Em 24 de Abril de 2009 foi homologado acordo de regulação, tendo BB sido confiada à progenitora; - Em 14 de Outubro de 2009 foi homologado acordo de alteração, tendo BB sido confiada à guarda e cuidados do progenitor e da sua companheira, AA e sendo atribuído o exercício das responsabilidades parentais ao progenitor. - Em 2010, EE foi trabalhar para o estrangeiro. A 11 de Outubro de 2010 subscreveu procuração a favor de AA, para, em nome dele e em relação a sua filha BB representá-lo, proceder à matrícula, assinando, acompanhar ao centro de saúde, hospital, tratar de quaisquer assuntos. - Desde 2009 que AA cuida de BB, da sua educação, saúde e crescimento e sustento, com carinho e afeto. - Juntamente com a petição inicial, a requerente juntou uma “Relatório de Acompanhamento e Avaliação da Pré- Adoção - nº. 2 do artº. 53º. Lei nº. 143/2015, de 8 de setembro”, elaborado pela Segurança Social, datado de 13 de outubro de 2023, no âmbito do qual se concluiu que “Do acompanhamento efetuado, verificou-se uma boa integração da BB no seio familiar e nos contextos extrafamiliares. A candidata evidencia um bom exercício de uma parentalidade, adaptando-se às mudanças que decorrem dos cuidados e rotinas de uma jovem com esta faixa etária. Face ao exposto, coloca-se à consideração de Vossa Ex(a), salvo opinião diferente a possibilidade de ser decretada a adoção da jovem BB”. Previamente, conforme resulta de tal relatório, foram efetuados contactos telefónicos com a candidata; entrevistas à candidata e à jovem BB; observação direta dos comportamentos dos vários elementos da família e das interações entre si; consulta ao Sistema de Informação da Segurança Social; consulta e análise do processo de candidatura da candidata à adoção no Centro Distrital de ...; 18 – A elaboração de Relatório de Acompanhamento e Avaliação da Pré- Adoção está prevista na subsecção II – Fase de Ajustamento, estabelecendo o nº. 1 do artº. 50 que “O organismo de segurança social ou instituição particular autorizada acompanha a integração da criança na família adotante, avaliando a viabilidade do estabelecimento da relação parental, num período de pré adoção não superior a seis meses”, findo o qual, ou logo que verificadas as condições para ser requerida a adoção, nos termos do disposto no nº. 4 do mesmo artigo “o organismo de segurança social ou a instituição particular autorizada elabora, em 30 dias, relatório incidindo sobre as matérias a que se refere a al. i) do artigo 8º., concluindo comparecer relativo à concretização do projeto adotivo”; 19 – Tal relatório foi junto aos autos com a petição inicial, fazendo-se referência no relatório ao disposto no artº. 53º. nº. 2 – inserido na subsecção III – Processo Judicial de Adoção – nos termos do qual “Com o requerimento [ requerimento inicial apresentado em tribunal ] deve o adotante oferecer desde logo todos os meios de prova, nomeadamente certidões de cópia integral do registo de nascimento do adotando e do adotante, bem como certificado comprovativo da verificação de algum dos pressupostos enunciados no nº. 1 do artigo 34º. e o relatório previsto no nº. 4 do artigo 50º.”; 20 – Nos termos da Lei em apreço, compete aos organismos de segurança social proceder à confiança administrativa (artº. 8º. al. a)), a qual é efetuada mediante decisão de entrega de criança, relativamente à qual haja sido prestado consentimento prévio para a adoção ao candidato a adotante ou que confirme a permanência da criança a cargo do candidato a adotante que sobre ela exerça já as responsabilidades parentais, no âmbito de providência tutelar cível e prévia avaliação da pretensão expressa pelo candidato a adotante relativamente a criança a cargo, tendo em conta o seu superior interesse; 21 – Considera-se que a segurança social por via do relatório junto com a petição pela requerente - “Relatório de Acompanhamento e Avaliação da Pré- Adoção - nº. 2 do artº. 53º. Lei nº. 143/2015, de 8 de setembro” – validou a confiança da criança à requerente; 22 – Não obstante não ter existido uma declaração formal de confiança administrativa, por parte da segurança social, o que é certo é que ao elaborar o relatório referido, com o conteúdo nele expresso, a segurança social assumiu que a criança estava “bem” confiada à adotante, salientando o bom exercício da parentalidade por parte da adotante, e concluindo pela possibilidade de ser decretada a adoção da BB; 23 – A segurança social encetou diligências junto da família em causa, não questionando a situação existente, considerando-se que ao encetar tais diligências nos termos descritos no relatório, a segurança social assumiu como boa a confiança da criança à adotante, o que, inequivocamente, ficou expresso no relatório que elaborou, considerando-se assim ter-se verificado uma confiança administrativa, ainda que não formalizada previamente por escrito.; 24 – Se assim não fosse, a segurança social não teria tido a intervenção que teve, competindo-lhe questionar a situação e não encetar as diligências que efetuou junto da família e em função das quais concluiu no sentido da adoção; 25 – Desconhece-se por que motivo não foi, na fase devida, formalizada a confiança administrativa, sendo que se diverge da posição expressa no acórdão – de que não estariam reunidos os pressupostos para o efeito – uma vez que a BB foi confiada à guarda e cuidados da adotante, vindo em 2010 o pai da menor a subscrever procuração a favor de AA, para, em nome dele e em relação a sua filha BB representá-lo, proceder à matrícula, assinando, acompanhar ao centro de saúde, hospital, tratar de quaisquer assuntos, sendo que, efetivamente, face à ausência do pai da criança, foi, a partir de 2009, sempre a adotante quem exerceu as responsabilidades parentais; 26 – Para além dos argumentos que se vêm aduzindo em abono de que existiu, efetivamente, uma confiança administrativa, sem prejuízo de a mesma não ter sido formalizada na fase própria, considera-se que esta posição é a única que respeita o primado do superior interesse da criança, como princípio fundamental de Direito da Família e das Crianças, consagrado no Direito Internacional (artigo 3.º da Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das crianças e artigo 24.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) e no direito interno (artº. 4º. al. a) da Lei nº. 14/99, de 1 de setembro); 27 – Releva quanto a esta questão também o “primado da continuidade das relações psicológicas profundas” (al. g do mencionado artº. 4º.) e o princípio da “prevalência da família” (al. h do mencionado artº. 4º. ) especificando-se que o conceito de família aqui previsto inclui não só a família biológica, mas também a adoção ou outra forma de integração familiar estável; 28 – Este primado e princípios que urge respeitar na aplicação das normas referentes ao direito da família, seria, sem justificação obnubilado se, com base numa interpretação literal das normas constantes do RJPA, não se reconhecesse que, por via da atuação que a segurança social teve na situação em apreço e com a elaboração por tal entidade do relatório junto aos autos, se verificou efetivamente uma confiança administrativa; 29 – Assim não se entendendo, mantêm-se a posição já expressa nos autos, na sequência da notificação determinada pelo Mmº. Juiz relator no sentido de que é aplicável à situação em apreço o regime constante do artº. 1980º. nº. 3 do CC, na redação dada pela Lei nº. 143/2015, de 8 de setembro - tendo o conceito de confiança aí expresso um sentido amplo, não se restringindo às situações expressas no número 1 do mesmo artigo, abarcando a confiança da criança a uma terceira pessoa, ao abrigo de uma medida de proteção - em nome do princípio da confiança, face à sucessão de leis, atenta a circunstância de os procedimentos administrativos se terem instaurado antes da alteração introduzida em tal artigo pela Lei nº. 46/2023, de 17 de agosto; 30 – Na realidade, considera-se ser de sufragar a orientação jurisprudencial e da doutrina de acordo com a qual a expressão “confiança”, ínsita no aludido n.º 3 do art.º 1980.º, do Código Civil, tem um sentido amplo, englobando a confiança da criança a uma terceira pessoa, ao abrigo de uma medida de proteção (por exemplo, apoio junto de outro familiar ou confiança a pessoa idónea), ou ao abrigo de uma decisão judicial proferida num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais (neste sentido, cf. o Acórdão do STJ de 09-02-2021, Proc. n.º 211/20.2T8STC.E1.S1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08-06-2017, Proc. n.º 4692/16.0T8VFX.L1-8). 31 – Ao contrário do que se defende no acórdão recorrido, considera-se que se pode ter como seguro que os procedimentos administrativos tiveram início antes da entrada em vigor, em 17 de agosto de 2023, da Lei nº. 46/2023, de 16 de agosto, fazendo assim sentido invocar-se a sucessão de leis no tempo e a aplicação, em nome do princípio da confiança da norma que constava no nº. 3 do artº. 1980 do CC; 32 – Apesar de, relativamente às datas de intervenção da segurança social, apenas se dispor da data do relatório que se vem referindo – 13 de outubro de 2023 – verificando-se, face ao teor do relatório, que foram realizadas várias diligências, nomeadamente entrevistas à adotante e adotada, não se considera de todo verosímil que o procedimento administrativo se tivesse iniciado em pleno agosto e que estivesse concluído menos de dois meses depois, tendo em consideração o prazo de que a segurança social dispõe para o efeito, nos termos do artº. 50º. da Lei nº. 46/2023, sendo de concluir, pelo contrário, que tais procedimentos se iniciaram antes da entrada em vigor desta lei; 33 – Na determinação do regime aplicável, face à sucessão de leis no tempo, há que ter presente que na interpretação da lei em situações que envolvam crianças e jovens prevalecerá o princípio do superior interesse da criança, que na sua tríplice dimensão é, além de um direito substantivo e de uma regra processual, também um princípio de interpretação, segundo o qual entre dois resultados possíveis da interpretação de um texto legal deve prevalecer a que mais favoreça a criança ou jovem, ou seja, no caso concreto, o que possibilite a adoção; 34 – Não deve considerar-se um resultado de interpretação que contrarie normas ou princípios constitucionais, designadamente, o princípio da proteção da confiança, pressuposto no princípio do Estado de Direito democrático, previsto no artigo 2.º da CRP, o que sucederia se, no caso, se impossibilitasse a adoção por falta de confiança administrativa, uma vez que se mostrava viável sem ela, à luz de jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, e que a requerente deu curso aos procedimentos de adoção junto dos organismos do Estado que lhes deram seguimento sem nunca formalizarem por escrito a confiança administrativa; 35 – A requerente confiava na verificação de todos os requisitos para adoção e na atuação regular da segurança social, bem como que tinha proposto uma ação com a junção de todos os elementos devidos, sendo que ao tribunal, assim não sendo, incumbia indeferir liminarmente a petição, de forma a que não ficasse definitivamente inviabilizada a possibilidade de adoção (relevando que, aquando da apresentação da ação, a menor estava a pouco mais de dois meses de completar 18 anos); 36 – A solução que vede por força da revogação do artigo 1980.º, n.º 3, a adoção pedida pela requerente – até então viável – não pode presumir-se como a solução mais acertada (artigo 9.º n.º 3, do Código Civil); 37 – O que deve, pois, concluir-se é que o legislador se esqueceu de acautelar estas situações de transição, as quais devem agora ser resolvidas segundo a regra antes existente (e hoje revogada), aquela que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil). 38 – Conclui-se assim, que se verifica o requisito da confiança administrativa, nos termos supra aduzidos, ou que, assim não se entendendo, deve ser aplicado o regime anterior à entrada em vigor da Lei nº. 46/2023, em concreto, o artº. 1980º. nº. 3 do Código Civil, com a interpretação exposta; 39 – Tal como expresso no acórdão recorrido, e conforme se defendeu previamente à prolação do mesmo, não terá sido obtido o consentimento dos pais biológicos da jovem BB, sendo que o Tribunal a quo também não cuidou de dispensar tal consentimento, ao abrigo do art.º 1981.º, n.º 3, al. a), do Código Civil, sendo que, tal omissão, impossibilita uma decisão de mérito por parte deste Venerando Tribunal; 40 – Considera-se que deverá ser revogado o acórdão proferido e substituído por outro que conclua no sentido da verificação de todos os requisitos necessários à adoção, com exceção do consentimento dos pais biológicos da menor, determinando-se por isso a baixa do processo à primeira instância para aí se encetarem os procedimentos de dispensa dos consentimentos dos pais biológicos da jovem BB e prolação de nova decisão com este novo enquadramento; 41 – O acórdão proferido violou o disposto nos artºs. 8º. al. a); 34º. nº. 1 al. b); 34º. nº. 2 al. b); 36º. nº. 8 al. b); 53º. nº. 2, todos do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei nº. 143/2015, de 8 de setembro; artº. 1980º. nº. 3 do CC, na redação da Lei nº. 143/2015; artº. 9º. n.ºs. 1 e 3 do CC e artº. 2º. da CRP14 Colhidos os vistos15, cumpre decidir. Emerge das conclusões de recurso apresentadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão: 1.) Saber se previamente à instauração do processo de adoção, a criança deveria ter sido confiada a candidata a adotante, mediante confiança administrativa, ou, medida de promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada com vista a futura adoção. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA 1º. BB nasceu a ... de Dezembro de 2005. 2º. BB é filha de EE e de FF, sendo – na ocasião – ele casado e com 38 anos de idade e ela divorciada e com 31 anos de idade. 3º. Em 24 de Abril de 2009 foi homologado acordo de regulação, tendo BB sido confiada à progenitora. 4º. Em 14 de Outubro de 2009 foi homologado acordo de alteração, tendo BB sido confiada à guarda e cuidados do progenitor e da sua companheira, AA e sendo atribuído o exercício das responsabilidades parentais ao progenitor. 5º. Em 2010, EE foi trabalhar para o estrangeiro. A 11 de Outubro de 2010 subscreveu procuração a favor de AA, para, em nome dele e em relação a sua filha BB representá-lo, proceder à matrícula, assinando, acompanhar ao centro de saúde, hospital, tratar de quaisquer assuntos. 6º. Desde 2009 que AA cuida de BB, da sua educação, saúde e crescimento e sustento, com carinho e afeto. 7º. Após 2013 EE deixou de procurar a família. E cessaram os contactos entre BB e aquele. 8º. Após 2009 BB e FF não contactam uma com a outra. 9º. AA nasceu a ... de Setembro de 1968. 10º. Em 2009, EE e AA viviam juntos. 11º. Em 5 de Maio de 2010 nasceu DD. DD, nascido a ... de Maio de 2010, é filho de EE e de AA. 12º. AA é bem considerada e dedicada a BB, não tem, devido a problemas de saúde, ocupação profissional desde 2021, tendo rendimentos como proprietária, indicando mil euros mensais (25º RI). 13º. AA tem rendimentos para sustentar DD e BB. 14º. E casa com quarto para DD e quarto para BB. 15º. BB estuda no ensino superior. 16º. AA cuida de BB desde 2009, acompanha a escola e zela pela saúde, segurança e crescimento desta, trata-a com carinho. 17º. BB trata AA por mãe e estão ligadas por laços de afeto. 18º. AA teme que sem a adoção, AA venha a ter encargos com os progenitores. 19º. BB quer ser adotada por AA e usar o apelido de DD e este quer que ela seja adotada pela mãe. 20º. Muito embora na prática a BB seja tratada como filha pela requerente e esteja plenamente integrada na família da última, sendo, nomeadamente tratada como sobrinha, tal situação não a realiza plenamente, gerando intranquilidade, porque tem a consciência de que legalmente não é assim, pelo que, para a BB, a adoção é o modo de reconhecimento, de “legalização”, de “legitimação” da sua qualidade de filha da requerente e se realizar como pessoa18. 21º. O irmão de BB, DD, sempre a considerou como sua irmã e não vê na adoção problema de espécie alguma, nomeadamente de cariz patrimonial, estando de acordo com a mesma19. 22º. A BB mantém uma relação afetuosa com AA e DD, mantendo ainda uma boa relação com os dois irmãos uterinos, os quais, por sua vez, mantêm uma boa relação com AA20. 23º. A BB verbaliza que a sua família é AA e os “irmãos” 21. 24º. A BB pretende que a requerente AA seja a sua mãe adotiva, uma vez que esta sempre foi a “mãe” que a cuidou, protegeu e apoiou em todas as fases da vida22. 25º. A BB está bem adaptada e integrada no agregado de AA23. 26º. A BB reconhece AA como figura de afeto, trata-a como mãe desde os primeiros anos e o facto de AA se assumir em pleno como mãe, sem reserva, levou aquela a entregar-se à relação com muita segurança e desejar muito ser adotada24. 27º. A requerente AA revela ser uma pessoa afetuosa e emocionalmente equilibrada, responsável, com princípios e valores ajustados à educação e desenvolvimento equilibrado de uma jovem como a BB25. 28º. A requerente AA apresenta competências intelectuais, interesses humanos e sociais, que constituem bom índice de socialização26. 29º. Tem relações seguras com a família e amigos e integra-se em atividades na comunidade27. 30º. Nos tempos livres gosta de realizar atividades com o DD e a BB e de viajarem juntos28. 31º. AA pretende adotar a BB para estabelecer juridicamente a sua situação de “mãe” de facto desde 200929. 2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA 1º. A constituição da relação adotiva trará a BB essencialmente tranquilidade e um maior sentimento de pertença à família da requerente30. 2º. A adoção de BB nenhum prejuízo trará a DD, só reforçará os laços existentes31. 2.3. O DIREITO Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso32 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto). 1.) SABER SE PREVIAMENTE À INSTAURAÇÃO DO PROCESSO DE ADOÇÃO, A CRIANÇA DEVERIA TER SIDO CONFIADA A CANDIDATA A ADOPTANTE, MEDIANTE CONFIANÇA ADMINISTRATIVA, OU, MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DE CONFIANÇA A PESSOA SELECIONADA COM VISTA A FUTURA ADOÇÃO. O recorrente, Ministério Público alegou que ”a segurança social por via do relatório junto com a petição pela requerente - “Relatório de Acompanhamento e Avaliação da Pré- Adoção - nº. 2 do artº. 53º. Lei nº. 143/2015, de 8 de setembro” – validou a confiança da criança à requerente”. Mais alegou que “não obstante não ter existido uma declaração formal de confiança administrativa, por parte da segurança social, o que é certo é que ao elaborar o relatório referido, com o conteúdo nele expresso, a segurança social assumiu que a criança estava “bem” confiada à adotante, salientando o bom exercício da parentalidade por parte da adotante, e concluindo pela possibilidade de ser decretada a adoção da BB”. Alegou ainda que “a expressão “confiança”, ínsita no aludido n.º 3 do art.º 1980.º, do Código Civil, tem um sentido amplo, englobando a confiança da criança a uma terceira pessoa, ao abrigo de uma medida de proteção (por exemplo, apoio junto de outro familiar ou confiança a pessoa idónea), ou ao abrigo de uma decisão judicial proferida num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais”. Ainda alegou que “se deve aplicar a norma do artigo 1980.º, n.º 3, posto que foi, entretanto, revogada pela Lei n.º 46/2023, de 17/08, que veio alargar para os 18 anos a idade até à qual o jovem pode ser adotado, sem quaisquer constrangimentos, tornando, assim, despicienda a norma do n.º 3 do artigo 1980.º, com a sua consequente revogação”. Por último, alegou que “se coloca a questão da interpretação da Lei n.º 46/2023, importando saber se o legislador quis simplesmente vedar a possibilidade de adoção em casos como o presente, ou seja, em casos já iniciados à luz do regime anterior e que à luz desse regime reuniam todos os pressupostos para que a adoção fosse possível, por estar dispensada a confiança judicial com vista à adoção ou a confiança administrativa, perante a verificação de “outra” confiança relevante”. Assim, concluiu que ” se verifica o requisito da confiança administrativa, ou, assim não se entendendo, deve ser aplicado o regime anterior à entrada em vigor da Lei nº. 46/2023, em concreto, o artº. 1980º. nº. 3 do Código Civil, com a interpretação que supra se defende”. Vejamos a questão. Quadro legal Legislação Nacional CÓDIGO CIVIL Adoção é o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 1973.º e seguintes – art. 1586º, do CCivil. A adoção visa realizar o superior interesse da criança e será decretada quando apresente reais vantagens para o adotando, se funde em motivo – art. 1974º/1, do CCivil, O adotando deverá ter estado ao cuidado do adotante durante prazo suficiente para se poder avaliar da conveniência da constituição do vínculo – art. 1974º/2, do CCivil. O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos; se tiver havido consentimento prévio para a adoção; se os pais tiverem abandonado a criança; se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança; se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança. autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar – art. 1978º/1/a/b/c/d/e, do CCivil. Decretada a medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, ficam os pais inibidos do exercício das responsabilidades parentais – art. 1978º-A, do CCivil. Podem adotar duas pessoas casadas há mais de quatro anos e não separadas judicialmente de pessoas e bens ou de facto, se ambas tiverem mais de 25 anos – art. 1979º/1, do CCivil. Pode ainda adotar quem tiver mais de 30 anos ou, se o adotando for filho do cônjuge do adotante, mais de 25 anos – art. 1979º/2, do CCivil. Só pode adotar quem não tiver mais de 60 anos à data em que a criança lhe tenha sido confiada, mediante confiança administrativa ou medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, sendo que a partir dos 50 anos a diferença de idades entre o adotante e o adotando não pode ser superior a 50 anos – art. 1979º/3, do CCivil. Podem ser adotadas as crianças que tenham sido confiadas ao adotante mediante confiança administrativa ou medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção – art. 1980º/1/a, do CCivil33. O adotando deve ter menos de 18 anos e não se encontrar emancipado à data do requerimento de adoção – art. 1980º/2, do CCivil34. Pode, no entanto, ser adotado quem, à data do requerimento, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adotantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adotante – art. 1980º/3, do CCivil35. Para a adoção é necessário o consentimento do adotando maior de 12 anos; do cônjuge do adotante não separado judicialmente de pessoas e bens; dos pais do adotando, ainda que menores e mesmo que não exerçam as responsabilidades parentais, desde que não tenha havido medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção; do ascendente, do colateral até ao 3.º grau ou do tutor, quando, tendo falecido os pais do adotando, tenha este a seu cargo e com ele viva e, dos adotantes. – art. 1981º/1/a/b/c/d/e, do CCivil. O tribunal pode dispensar o consentimento das pessoas que o deveriam prestar nos termos dos números anteriores, se estiverem privadas do uso das faculdades mentais ou se, por qualquer outra razão, houver grave dificuldade em as ouvir – art. 1981º/3/a, do CCivil. Sem prejuízo da impugnação da sentença através de recurso extraordinário de revisão previsto na lei processual civil, a sentença que tiver decretado a adoção só é suscetível de revisão, se tiver faltado o consentimento do adotante ou dos pais do adotado, quando necessário e não dispensado; se o consentimento dos pais do adotado tiver sido indevidamente dispensado, por não se verificarem as condições do n.º 3 do artigo 1981.º; se o consentimento do adotante tiver sido viciado por erro desculpável e essencial sobre a pessoa do adotado; se o consentimento do adotante ou dos pais do adotado tiver sido determinado por coação moral, contanto que seja grave o mal com que eles foram ilicitamente ameaçados e justificado o receio da sua consumação e, se tiver faltado o consentimento do adotado, quando necessário – art. 1990º/1/a/b/c/d/e, do CCivil. REGIME JURÍDICO DO PROCESSO DE ADOÇÃO36 «Adotabilidade», situação jurídica da criança beneficiária de uma decisão judicial ou administrativa de confiança com vista à adoção – art. 2º/c, do Regime Jurídico do Processo de Adoção (RJPA). «Processo de adoção», conjunto de procedimentos de natureza administrativa e judicial, integrando designadamente atos de preparação e atos avaliativos, tendo em vista a prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo da adoção, a qual ocorre na sequência de uma decisão de adotabilidade ou de avaliação favorável da pretensão de adoção de filho do cônjuge – art. 2º/h, do RJPA. Para efeitos do RJPA, são organismos de segurança social o Instituto da Segurança Social, I. P., o Instituto da Segurança Social dos Açores, I. P. R. A., o Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM, e, no município de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – art. 7º, do RJPA. Compete aos organismos de segurança social proceder à confiança administrativa – art. 8º/g, do RJPA. Os tribunais exercem no processo de adoção as funções que a Constituição lhes confere, garantindo o cumprimento da lei, assegurando a promoção e defesa dos direitos das crianças e fazendo prevalecer o seu superior interesse, sem prejuízo da consideração devida aos interesses legítimos das famílias biológicas e dos adotantes ou candidatos à adoção – art. 28º, do RJPA. A fase final do processo de adoção, regulada na subsecção III do presente capítulo, tem natureza de jurisdição voluntária, sendo-lhe aplicáveis as correspondentes normas do Código do Processo Civil – art. 31º, do RJPA. A prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo da adoção depende de prévia declaração de adotabilidade decidida no âmbito de processo judicial de promoção e proteção, mediante decretamento de medida de confiança a que alude a alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis n.ºs 31/2003, de 22 de agosto, e 142/2015, de 8 de setembro, ou, de prévia decisão de confiança administrativa, reunidos que se mostrem os necessários requisitos – art. 34º/1/a/b, do RJPA. A confiança administrativa resulta de decisão do organismo de segurança social que proceda à entrega de criança, relativamente à qual haja sido prestado consentimento prévio para a adoção, ao candidato a adotante, ou, que confirme a permanência de criança a cargo do candidato a adotante que sobre ela exerça já as responsabilidades parentais, nos termos previstos na alínea a) do n.º 8 do artigo 36.º – art. 34º/2/a/b, do RJPA. A confiança administrativa só pode ser atribuída se, após audição da criança de idade superior a 12 anos, ou de idade inferior, em atenção ao seu grau de maturidade e discernimento, resultar, inequivocamente, que aquela não se opõe a tal decisão – art. 36º/1, do RJPA. A decisão de confiança administrativa na modalidade de confirmação da permanência da criança a cargo do candidato a adotante pressupõe que o exercício das responsabilidades parentais relativas à esfera pessoal da criança lhe haja sido previamente atribuído, no âmbito de providência tutelar cível – art. 36º/8/A, do RJPA. No âmbito da confiança administrativa, o organismo de segurança social deve emitir e entregar ao candidato a adotante certificado da data em que a criança lhe foi confiada – art. 37º/1/f, do RJPA. Quem pretender adotar deve manifestar essa intenção, pessoalmente ou por via eletrónica, junto de qualquer equipa de adoção dos organismos de segurança social ou instituição particular autorizada – art. 43º/1, do RJPA. Em caso de aceitação da candidatura, é emitido certificado de seleção, sendo os candidatos selecionados obrigatoriamente inscritos na lista nacional, nos termos do artigo 10.º – art. 43º/6, do RJPA. O organismo de segurança social ou instituição particular autorizada acompanha a integração da criança na família adotante, avaliando a viabilidade do estabelecimento da relação parental, num período de pré-adoção não superior a seis meses – art. 50º/1, do RJPA. Decorrido o período a que se refere o n.º 1 ou logo que verificadas as condições para ser requerida a adoção, o organismo de segurança social ou a instituição particular autorizada elabora, em 30 dias, relatório incidindo sobre as matérias a que se refere a alínea i) do artigo 8.º, concluindo com parecer relativo à concretização do projeto adotivo – art. 50º/4, do RJPA. No requerimento inicial, o adotante deve alegar os factos tendentes a demonstrar os requisitos gerais previstos no n.º 1 do artigo 1974.º do Código Civil, bem como as demais condições necessárias à constituição do vínculo jurídico da adoção – art. 53º/1, do RJPA. Com o requerimento deve o adotante oferecer desde logo todos os meios de prova, nomeadamente certidões de cópia integral do registo de nascimento do adotando e do adotante, bem como certificado comprovativo da verificação de algum dos pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 34.º e o relatório previsto no n.º 4 do artigo 50.º – art. 53º/2, do RJPA. Junto o relatório, o juiz, com a presença do Ministério Público, ouve obrigatoriamente o adotante; as pessoas cujo consentimento a lei exija e não haja sido previamente prestado ou dispensado e, o adotando, nos termos e com observância das regras previstas para a audição de crianças nos processos tutelares cíveis – art. 54º/1/a/b/c, do RJPA. Sempre que o processo de adoção não tiver sido precedido de aplicação de medida de confiança com vista a futura adoção, no âmbito de processo de promoção e proteção, a averiguação dos pressupostos da dispensa do consentimento dos pais do adotando ou das pessoas que o devam prestar em sua substituição, nos termos do artigo 1981.º do Código Civil, deve ser efetuada no próprio processo de adoção, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ou dos adotantes, ouvido o Ministério Público – art. 55º/1, do RJPA. Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz ordena as diligências e assegura o contraditório relativamente às pessoas cujo consentimento pode ser dispensado, sem prejuízo da salvaguarda do segredo de identidade – art. 55º/2, do RJPA. LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO37 A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece ao primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante e, à prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável – art. 8º,g/h, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP). As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e proteção, visam afastar o perigo em que estes se encontram, proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso – art. 34º, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP). É medida de promoção e proteção a confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção – art. 35º/g, da LPCJP. Legislação internacional/comunitária DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA38 A criança tem direito à educação, que deve ser gratuita e obrigatória, pelo menos nos graus elementares. Deve ser-lhe ministrada uma educação que promova a sua cultura e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas aptidões mentais, o seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro útil à sociedade. O interesse superior da criança deve ser o princípio diretivo de quem tem a responsabilidade da sua educação e orientação, responsabilidade essa que cabe, em primeiro lugar, aos seus pais – Princípio 7.º, da Declaração. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA39,40 Todas as ações relativas à criança, sejam elas levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de assistência social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar primordialmente o melhor interesse da criança – artigo 3.º/1, da Convenção. Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade – artigo 12.º/1, da Convenção. Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja diretamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional – artigo 12.º/2, da Convenção. CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA41,42,43 As crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade – artigo 24.º/1, da Carta. Todos os atos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança – artigo 24.º/2, da Carta. Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores, exceto se isso for contrário aos seus interesses – artigo 24.º/3, da Carta. CONVENÇÃO EUROPEIA SOBRE O EXERCÍCIO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS44 À criança que à luz do direito interno se considere ter discernimento suficiente deverão ser concedidos, nos processos perante uma autoridade judicial que lhe digam respeito, os seguintes direitos, cujo exercício ela pode solicitar: a) Obter todas as informações relevantes; b) Ser consultada e exprimir a sua opinião; c) Ser informada sobre as possíveis consequências de se agir em conformidade com a sua opinião, bem como sobre as possíveis consequências de qualquer decisão – artigo 3º, da Convenção. A adoção é uma das fontes de relações jurídicas familiares (art. 1576.º CCivil), sendo definida como um vínculo análogo ao da filiação, que não deriva da procriação, mas de uma decisão judicial, tendo em vista, sobretudo, proporcionar integração familiar a crianças abandonadas ou filhas de casais disfuncionais (art. 1586.º CCivil). Por oposição ao parentesco natural, que é o verdadeiro parentesco, a adoção é assim um parentesco legal, criado à semelhança daquele. Não quer isto dizer, porém, que se trate de uma ficção da lei. O que acontece é que a adoção assenta em outra verdade, uma verdade afetiva e psicológica, distinta da verdade biológica em que se funda o parentesco45. Podem ser adotadas todas as crianças que tenham sido confiadas administrativamente, ou, por meio de aplicação da medida de proteção de confiança com vista a futura adoção (tenha essa confiança sido feita a uma instituição ou a uma pessoa selecionada para a adoção)46. A confiança administrativa resulta de decisão do organismo de segurança social, que procede à entrega da criança, nos casos em que houve consentimento prévio para a adoção, prestado pelos pais biológicos, ou de decisão que confirme a permanência da criança a cargo do adotante que sobre ela exerça já as responsabilidades parentais (art. 34º/2/a/b, DL 143/2015, 08/09) 47. A confiança judicial é uma medida de proteção que só pode ser tomada por um tribunal (art. 35º/g LPCJP), num processo judicial de promoção e proteção de criança e jovem em perigo, mediante a verificação dos pressupostos do art. 1978º, e que inibe, automaticamente, os pais biológicos do exercício das responsabilidades parentais48. Assim, a aquisição por via judicial do estatuto jurídico de adotabilidade apenas pode ser conseguida no âmbito de um processo de promoção e proteção, através da aplicação da medida de confiança com vista à futura adoção, a qual pode consistir na colocação da criança ou do jovem sob a guarda do candidato selecionado para a adoção pelo competente organismo de segurança social ou na colocação da criança ou jovem sob a guarda de família de acolhimento ou de instituição com vista a futura adoção (cf. art.º 35º, n.º 1, alínea g), e 38º -A da LPCJP)49. Não haverá adoção sem ter havido uma decisão de confiança em vista da adoção, isto é, uma decisão que afirme que o projeto de vida da criança é a constituição de um vinculo de adoção. A decisão pode ser de confiança administrativa; ou de confiança a pessoa, família de acolhimento ou a instituição, no âmbito de um processo de promoção e proteção50. No caso sub judice, a BB não foi entregue à requerente, no caso a candidata a adotante, mediante decisão de confiança administrativa do Instituto da Segurança Social, I. P. em vista da adoção ou, medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção. Para além do alegado pela requerente, inexistem nos autos, os comprovativos da prévia decisão de confiança, isto é, certidão da decisão de decretamento de medida de confiança a que alude o art. 35º/1/g, da LPCJP, nem de prévia decisão de confiança administrativa. Verifica-se, pois, que não foi proferida qualquer decisão de confiança administrativa (arts. 34º/2/a, e 36.º, do RJPA) e, não foi aplicada a favor da BB qualquer medida de promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada com vista à sua adoção. Assim sendo, não havendo qualquer declaração de adotabilidade decidida no âmbito de processo judicial de promoção e proteção, ou, de prévia decisão de confiança administrativa, tal seria impeditivo de prolação de decisão judicial constitutiva do vínculo da adoção. Isto é, o tribunal estará impedido de declarar constituído o vinculo da adoção, quando não se mostre verificado tal requisito especial, isto é, não tenha havido uma declaração de adotabilidade (seja proferida no âmbito de um processo judicial de promoção e proteção, ou, de prévia decisão de confiança administrativa). Concluindo, a prolação de decisão judicial constitutiva do vínculo da adoção depende de prévia declaração de adotabilidade51 (no âmbito de um processo judicial de promoção e proteção, ou, de prévia decisão de confiança administrativa), o que neste processo não se mostra que tenha havido. Temos, pois, que não existiu uma decisão formal escrita prévia à elaboração do relatório, por via da qual o Instituto da Segurança Social, I. P. tivesse decidido pela confiança administrativa da criança em vista da adoção à requerente. E, poder-se-á entender, que o Instituto da Segurança Social, I. P. ao elaborar o “Relatório de Acompanhamento e Avaliação da Pré- Adoção”, supriu a posteriori essa decisão de confiança da BB em vista da adoção? Isto porque, o Instituto da Segurança Social, I. P. elaborou, datado de 13-10-2023, um “Relatório de Acompanhamento e Avaliação da Pré- Adoção - nº. 2 do artº. 53º. Lei nº. 143/2015, de 8 de setembro”, no âmbito do qual concluiu que “Do acompanhamento efetuado, verificou-se uma boa integração da BB no seio familiar e nos contextos extrafamiliares. A candidata evidencia um bom exercício de uma parentalidade, adaptando-se às mudanças que decorrem dos cuidados e rotinas de uma jovem com esta faixa etária. Face ao exposto, coloca-se à consideração de Vossa Ex(a), salvo opinião diferente a possibilidade de ser decretada a adoção da jovem BB”. Previamente, à elaboração de tal relatório, “foram efetuadas visitas domiciliárias, contactos telefónicos, análise de relatórios, avaliação psicológica, contactos telefónicos com a candidata; entrevistas à candidata e à jovem BB; observação direta dos comportamentos dos vários elementos da família e das interações entre si; consulta ao Sistema de Informação da Segurança Social; consulta e análise do processo de candidatura da candidata à adoção no Centro Distrital de ...”. Como alegado pelo recorrente, com o que se concorda, “Não obstante não ter existido uma declaração formal de confiança administrativa, por parte da segurança social, o que é certo é que ao elaborar o relatório, com o conteúdo nele expresso, a segurança social assumiu que a criança estava “bem” confiada à adotante, salientando o bom exercício da parentalidade por parte da adotante, e concluindo pela possibilidade de ser decretada a adoção da BB”. Temos, pois, que pese embora a inexistência de uma decisão formal escrita de confiança do Instituto da Segurança Social, I. P. em vista da adoção na qual afirme que o projeto de vida da criança é a constituição de um vínculo de adoção, o mesmo encetou, no entanto, diligências junto da família, não questionando a situação existente. O relatório elaborado pelo Instituto da Segurança Social, I. P. – Centro Distrital de ..., demonstra que acompanhou a situação da BB no período de pré-adoção, estando ao cuidado da requente o tempo suficiente para se avaliada da conveniência da constituição do vinculo adotivo (Desde 2009, que AA cuida de BB, da sua educação, saúde e crescimento e sustento, com carinho e afeto – facto provado nº 6). Assim, ao encetar tais diligências, o Instituto da Segurança Social, I. P. assumiu como boa a confiança da BB à adotante em vista da adoção por esta, o que, inequivocamente, ficou expresso no relatório que elaborou. Concluindo, apesar da inexistência nos autos de uma decisão não formalizada por escrito de confiança, o Instituto da Segurança Social, I. P. ao elaborar o “Relatório de Acompanhamento e Avaliação da Pré- Adoção”, supriu a posteriori essa confiança da BB à requerente em vista da adoção, pois a sua elaboração pressupõe que se tenha iniciado uma fase administrativa do processo de adoção52. Temos assim, que entender estar verificada a decisão da confiança administrativa de entrega da criança em vista da constituição de um vínculo de adoção, ainda que não formalizada por escrito, pois essa falta foi suprida a posteriori pelo Instituto da Segurança Social, I. P., ao elaborar o “Relatório de Acompanhamento e Avaliação da Pré- Adoção”, onde concluiu pela “adoção da BB”, isto é, que o seu projeto de vida é a constituição de um vínculo de adoção. A decisão que afirme que o projeto de vida da criança é a constituição de um vínculo de adoção, isto é, uma decisão de adotabilidade foi suprida com a elaboração do “Relatório”, onde concluiu que o projeto de vida da BB seria a sua adoção. Se assim não fosse, isto é, caso não se tivesse iniciado um processo, o Instituto da Segurança Social, I. P. não teria tido a intervenção que teve, competindo-lhe questionar a situação e não encetar as diligências que efetuou junto da família e em função das quais concluiu no sentido da adoção53. Concluindo, resultando a confiança administrativa de decisão do Instituto da Segurança Social, I. P. em vista da constituição de um vínculo de adoção, apesar de no caso sub judice a mesma não se mostrar formalizada, tem de se considerar que, a posteriori, a mesma foi suprida com a elaboração do “Relatório de Acompanhamento e Avaliação da Pré- Adoção”54. Assim, tendo havido uma avaliação técnica efetuada pelos serviços do Instituto da Segurança Social, I. P. e elaborado relatório de acompanhamento e avaliação do período de pré-adoção, do qual constam, designadamente, os elementos relativos à personalidade e à saúde do adotante e do adotando, à idoneidade do adotante para criar e educar o adotando, à situação familiar e económica do adotante e às razões determinantes do pedido de adoção, o mesmo veio suprir o vício da falta de decisão da confiança administrativa. Ora, caso não se entendesse que a falta de decisão da confiança administrativa em vista da adoção foi suprida a posteriori pelo organismo da segurança social com a elaboração do “Relatório”, tal não estaria a respeitar o primado do superior interesse da criança. O primado do interesse das crianças constitui um princípio fundamental de Direito da Família e das Crianças consagrado no Direito Internacional (art. 3º da Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das crianças) e no Direito da União Europeia (artigo 24º/2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia)55. A legislação, relativa aos direitos das crianças e dos jovens, estabelece que todas as decisões judiciais respeitantes ao destino ou projeto de vida das crianças e dos jovens, designadamente aquelas que se reportem à constituição de relações jurídicas familiares como é o caso do vínculo da adoção (art. 1586º do CCivil), devem ter em contra, como critério primordial, os seus direitos e interesses, quer se trate de sentença que constitui o vínculo de adoção (art. 1974º/1, do CCivil), quer daquela que verifica a ocorrência ou não das situações que dão lugar à adotabilidade da criança (art. 1978º/2, do CCivil) 56. O superior interesse da criança não pode ser um conceito abstrato, enformado por soluções idênticas para uma multiplicidade de casos, mas um juízo concretizado pelas particularidades de cada situação, às quais se pergunta qual a solução mais adequada para a progressão do crescimento integral da criança. Deve, no entanto, entender-se por superior interesse da criança e do jovem, o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições liberdade e dignidade. O interesse da criança deve ser entendido como a titularidade e o exercício, pela criança, dos seus direitos fundamentais, assumindo particular relevo o direito a ser ouvida nos processos que lhe digam respeito57. A Convenção sobre os Direitos da Criança, prevê o direito de o menor ser ouvido em todas as decisões que lhe digam respeito, devendo a vontade deste ser considerada de acordo com a sua idade, discernimento e grau de maturidade. Permitir ao menor (de 18 anos) expressar a sua opinião respeita os seus direitos fundamentais e potencia decisões concordantes com o seu melhor interesse58. Conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “A adoção apresenta reais vantagens para a BB na medida em que, devido ao facto de desde 2009 terem cessado os contactos com a mãe biológica (ponto 8 dos factos provados) e desde 2013 terem cessado os contactos com o pai (ponto 7 dos factos provados), tudo a que uma jovem tem direito (cfr. art.ºs 20º da CDC e 60º da CRP) – a viver no seio de uma família que lhe proporcione afeto/carinho, amor, promova a sua educação, zele pela sua segurança, saúde e sustento, promova o seu desenvolvimento físico, psíquico e afetivo, lhe proporcione as condições adequadas ao seu desenvolvimento integral – desde 2009 que lhe é proporcionado pela requerente AA (pontos 6, 16, 17 e 22 a 26 dos factos provados). E os motivos legítimos também se verificam pois, como resulta do ponto 20 dos factos provados e no que diz respeito à BB, muito embora na prática seja tratada como filha pela requerente e esteja plenamente integrada na família da última, sendo, nomeadamente tratada como sobrinha, tal situação não a realiza plenamente, gerando intranquilidade, porque tem a consciência de que legalmente não é assim, pelo que, para a BB, a adoção é o modo de reconhecimento, de “legalização”, de “legitimação” da sua qualidade de filha da requerente e se realizar como pessoa. Finalmente, mais do que supor que entre o adotante – AA - e o adotado – BB - se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação, é certo e seguro afirmar-se que esse vinculo há muito que se estabeleceu”. Assim, a adoção da BB, permitir-lhe-ia ter um parentesco legal constituído com afeto, carinho e amor, o que promoveria o seu desenvolvimento físico, psíquico e afetivo, de modo a ter as condições adequadas ao seu desenvolvimento, proporcionadas pela requerente, de modo a viver tranquilamente59. O interesse superior da BB deve ser entendido como o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, o que lhe seria proporcionado com a sua adoção pela requerente. Este princípio basilar determina a aplicação de uma medida que proporcione ao menor as condições que permitam proteger e promover a sua formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, salvaguardando, dessa forma, o exercício de todos os seus direitos enquanto criança e jovem, o que no caso, se verifica inequivocamente, pela sua adoção. A BB tem direito, não a um qualquer agregado, mas, a uma família estruturada e capaz de promover o seu bem-estar e desenvolvimento, o que se verifica com a família onde está inserida (A BB está bem adaptada e integrada no agregado de AA – facto provado nº 25). Assim, o que se pretende é a manutenção da BB no contexto familiar, tomando-se a família como elemento preponderante da sociedade e fundamental no seu processo de socialização60. Como alegado pelo recorrente, com o que se concorda, “O primado da continuidade das relações psicológicas profundas e o princípio da prevalência da família que urge respeitar na aplicação das normas referentes ao direito da família, seriam, sem justificação obnubilados se, com base numa interpretação literal das normas constantes do RJPA, não se reconhecesse que, por via da atuação que a segurança social teve na situação ao elaborar o Relatório, se verificou efetivamente uma confiança administrativa”. Concluindo, não se entendendo que com a elaboração do “Relatório” se mostra suprida a decisão de confiança administrativa em vista da adoção, tal não respeitaria o primado do superior interesse da BB, nomeadamente, o reconhecimento da sua vontade de ser adotada61,62, de ser inserida numa família estruturada e funcional63, de preservar as suas relações afetivas64 e, a qualidade dessas relações, essenciais para o seu saudável e harmónico desenvolvimento65,66,67,68, 69. A adoção depende do preenchimento dos requisitos gerais (art. 1974º, do CCivil) e especiais (arts. 1979º/2, e 1980º/1/b/3, do Código Civil), bem como dos pressupostos estabelecidos no art. 34º, do Regime Jurídico do Processo de Adoção. E, deste modo estarão verificados todos os requisitos gerais e especiais para ser eventualmente decretada a adoção? Conforme entendimento do tribunal a quo, “a requerente AA nasceu a...de Setembro de 1968, pelo que tinha, à data da entrada da petição inicial 55 anos, não sendo a diferença de idades entre a adotante e adotanda superior a 50 anos (BB (a adotanda) nasceu a ...de Dezembro de 2005), assim estando reunidos os requisitos quanto à idade do adotante, dos n.º 2 e 3 do art.º 1979º do CC. Por outro lado, está provado que BB (a adotanda) nasceu a ... de Dezembro de 2005, pelo que tinha, à data da entrada do requerimento inicial (23/10/2023), 17 anos e 10 meses, pelo que estava reunido o pressuposto quanto à idade do adotando previsto o n.º 2 do art.º 1980º do CC na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 46/2023. Não têm aqui aplicação a alínea b) do n.º 1 do art.º 1980º do CC e da alínea c) do n.º 1 do art.º 34º do RJPA, pois a adotante não é casada com o pai da BB e, muito embora tenha vivido em união de facto com o mesmo, tal já não sucede desde 2013”. A adoção supõe antes de mais o consentimento do adotante para a adoção (art. 1981º/1/e, do CCivil). É óbvio que é este consentimento que, antes de qualquer outro, se torna necessário para que a adoção se constitua70. A adoção não requer apenas, porém, o consentimento do adotante, mas também o assentimento, a que a lei chama igualmente “consentimento”, das pessoas referidas nas várias alíneas do nº 1 do art. 1981: do adotando maior de 12 anos; do cônjuge do adotante não separado judicialmente de pessoas e bens, na adoção singular; dos pais do adotando, ainda que menores e mesmo que não exerçam as responsabilidades parentais, desde que não tenha havido medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção; e do ascendente, do colateral até ao 3.º grau ou do tutor, que, tendo falecido os pais do adotando, viva com a criança e a tenha a seu cargo71. Porém, como resulta dos autos, além de não ter sido obtido o consentimento dos pais biológicos da BB (art. 1981º/1/c, do CCivil), também o mesmo não foi dispensado pelo tribunal (art. 1981º/3/a/c, do CCivil). A circunstância de os pais ou os outros familiares do menor não se terem oposto ou terem expressamente consentido na confiança administrativa, que tenha precedido o processo judicial de adoção, não afasta a exigência de que neste processo prestem perante o juiz o seu consentimento para a adoção72. O consentimento das pessoas referidas nas várias alíneas do nº 1 do art. 1981º - com exceção da al. e) – pode, todavia, ser dispensado pelo tribunal (no âmbito da aplicação de medida de confiança com vista futura adoção ou, mais tarde, no próprio processo de adoção) nos dois casos previstos no nº 3 do preceito73. Assim, não tendo sido obtido o consentimento dos pais biológicos da BB, nem dispensado tal consentimento, inviabiliza qualquer decisão de mérito por parte deste tribunal74. Mostra-se, pois, necessário obter o consentimento dos pais biológicos da BB, ou ser dispensado tal consentimento, para deste modo, caso se mostrem verificados todos os requisitos, poder ser decretada o vínculo de adoção. Deste modo, os autos deverão ser remetidos ao tribunal de 1ª instância, para aí serem realizadas as diligências75 relativas à prestação de consentimento pelos pais biológicos da BB (art. 1981º/1/c, do CCivil) ou, ser dispensado tal consentimento (art. 1981º/3/a/c, do CCivil). Destarte, procedendo o recurso de revista, há que revogar a decisão proferida pelo tribunal a quo, devendo os autos ser remetidos ao tribunal de 1ª instância, para aí serem realizadas as diligências relativas à prestação de consentimento pelos pais biológicos da BB, ou, ser dispensado tal consentimento, com prolação de nova decisão por esse mesmo tribunal com este novo enquadramento legal. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art. 608º/2, ex vi, do art. 663º/2, ambos do CPCivil. Do princípio de que a sentença deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes excetuam-se «aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». Se o tribunal, v.g., se declara incompetente para conhecer do pedido, em razão da matéria ou da hierarquia, não faria sentido que na sentença se pronunciasse ainda sobre as questões levantadas pelas partes quanto ao mérito da causa76. Assim, com a revogação da decisão do tribunal a quo, e determinando-se que sejam realizadas diligências relativas à prestação de consentimento pelos pais biológicos da BB, ou ser dispensado tal consentimento, com prolação de nova decisão, mostra-se prejudicado o conhecimento das outras questões suscitadas pelo recorrente77,78,79,80,81,82. 3. DISPOSITIVO 3.1. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente a revista e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, devendo os autos ser remetidos ao tribunal de 1ª instância, para aí serem realizadas as diligências relativas à prestação de consentimento pelos pais biológicos da BB, ou, ser dispensado tal consentimento, com prolação de nova decisão por esse mesmo tribunal com este novo enquadramento legal. 3.2. REGIME DE CUSTAS Sem custas, por não serem devidas83.
(Nelson Borges Carneiro) – Relator (Henrique Antunes) – 1º adjunto (Maria João Vaz Tomé) – 2º adjunto _____________________________________________ 1. As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos – art. 627º/1, do CPCivil.↩︎ 2. Recursos, «em sentido técnico-jurídico, são os meios específicos de impugnação das decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida» – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 463.↩︎ 3. No nosso sistema processual (no que à apelação e à revista) predomina o «esquema do recurso de reponderação»: o objeto do recurso é a decisão impugnada, encontrando-se à partida, vedada a produção defeitos jurídicos ex-novo. Através do recurso, o que se visa é a impugnação de uma decisão já ex-ante proferida que não o julgamento de uma qualquer questão nova. Uma relevante exceção ao modelo de reponderação é a que se traduz nas questões de conhecimento oficioso: o tribunal superior pode sempre apreciar qualquer dessas questões ainda que não suscitadas perante o tribunal a quo – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 468.↩︎ 4. Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão – art. 627º/2, do CPCivil.↩︎ 5. A lei estabelece uma divisão entre recursos ordinários e recursos extraordinários a partir de um critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão. Enquanto os recursos ordinários pressupõem que ainda não ocorreu o trânsito em julgado, devolvendo-se ao tribunal de recurso a possibilidade de anular, revogar ou modificar a decisão, os recursos extraordinários são interpostos depois daquele trânsito – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 777.↩︎ 6. Aquele que interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎ 7. Aquele contra quem se interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎ 8. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎ 9. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 301.↩︎ 10. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎ 11. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎ 12. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎ 13. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎ 14. Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial – RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.↩︎ 15. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎ 16. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎ 17. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎ 18. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 19. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 20. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 21. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 22. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 23. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 24. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 25. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 26. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 27. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 28. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 29. Aditado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 30. Eliminado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 31. Eliminado pelo Tribunal da Relação.↩︎ 32. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎ 33. Redação introduzida pelo art. 2.º, da Lei 142/2015, de 08-09.↩︎ 34. Redação introduzida pelo art. 2º, da Lei n.º 46/2023, de 17-08.↩︎ 35. Revogado pelo art. 2º, da Lei n.º 46/2023, de 17-08.↩︎ 36. Aprovado pelo art. 5º, da Lei 143/2015, de 08-09.↩︎ 37. Aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01-09.↩︎ 38. Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 1386 (XIV), de 20-11-1959.↩︎ 39. Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21-09-1990.↩︎ 40. A Convenção assenta em quatro pilares fundamentais que estão relacionados com todos os outros direitos das crianças: A não discriminação, que significa que todas as crianças têm o direito de desenvolver todo o seu potencial – todas as crianças, em todas as circunstâncias, em qualquer momento, em qualquer parte do mundo; O interesse superior da criança deve ser uma consideração prioritária em todas as ações e decisões que lhe digam respeito; A sobrevivência e desenvolvimento sublinha a importância vital da garantia de acesso a serviços básicos e à igualdade de oportunidades para que as crianças possam desenvolver-se plenamente, e A opinião da criança que significa que a voz das crianças deve ser ouvida e tida em conta em todos os assuntos que se relacionem com os seus direitos.↩︎ 41. A Carta consagra no direito da União Europeia (UE) um conjunto de direitos pessoais, cívicos, políticos, económicos e sociais dos cidadãos e residentes na EU.↩︎ 42. Em 1999, o Conselho Europeu considerou oportuno consagrar numa Carta os direitos fundamentais em vigor ao nível da UE, por forma a conferir-lhes uma maior visibilidade. A Carta foi formalmente adotada em ..., em dezembro de 2000, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho e pela Comissão. A Carta tornou-se juridicamente vinculativa para a UE com a entrada em vigor do Tratado de ..., em dezembro de 2009, tendo agora o mesmo valor jurídico que os Tratados da EU.↩︎ 43. In Jornal Oficial da União Europeia, C 202, de 07-06-2016, pp. 202/389.↩︎ 44. Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 27-01↩︎ 45. PEREIRA COELHO – GILHERME DE OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, Vol. II, Tomo I, p. 262.↩︎ 46. ANA RITA ALFAIATE, Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, Clara Sottomayor (Coord.), p. 1019.↩︎ 47. ANA RITA ALFAIATE, Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, Clara Sottomayor (Coord.), p. 1019.↩︎ 48. ANA RITA ALFAIATE, Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, Clara Sottomayor (Coord.), p. 1019.↩︎ 49. PEDRO DE RAPOSO FIGUEIREDO, RJPA Anotado, p. 126.↩︎ 50. GUILHERME DE OLIVEIRA, Adoção e Apadrinhamento Civil, p. 50.↩︎ 51. «Adotabilidade», situação jurídica da criança beneficiária de uma decisão judicial ou administrativa de confiança com vista à adoção.↩︎ 52. O processo de adoção é configurado como sendo constituído por três fases. A fase preparatória integra as atividades desenvolvidas pelos organismos de segurança social para o estudo de caracterização da criança com decisão de adaptabilidade e a preparação, avaliação e seleção de candidatos a adotantes. A fase de ajustamento entre crianças e candidatos, que integra as atividades desenvolvidas pelos organismos de segurança social para aferirem a correspondência entre as necessidades da criança e as capacidades dos candidatos, organização do período de transição e acompanhamento e avaliação do período de pré-adoção. A fase final é a fase judicial do processo de adoção que culminará com a prolação de sentença a decidir sobre a constituição do vínculo – art. 40º/a/b/c, do RJPA.↩︎ 53. O organismo de segurança social apenas pode elaborar o relatório se tiver sido desencadeada e realizada a fase de pré-adoção.↩︎ 54. O meio de prova por excelência da constituição de um “vinculo semelhante ao da filiação” é o relatório elaborado pelo organismo de segurança social que acompanhou a situação do menor no período de pré-adoção, embora o juiz não esteja vinculado pelo resultado do inquérito e forme livremente a sua convicção, segundo as regras gerais – GUILHERME DE OLIVEIRA, Adoção e Apadrinhamento Civil, p. 37.↩︎ 55. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-02-09, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 56. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-02-09, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 57. MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, Clara Sottomayor (Coord.), p. 923.↩︎ 58. BÁRBARA SANTA ROSA, FRANCISCO CORTE-REAL E DUARTE NUNO VIEIRAS, O Respeito pela Autonomia da Criança na Regulação das Responsabilidades Parentais, Revista Científica da Ordem dos Médicos, www.actamedicaportuguesa.com, p. 637.↩︎ 59. A adoção só deve ser decretada quando esta apresente para o adotando reias vantagens e seja razoável supor que se estabelecerá entre o adotante e o adotando um vinculo semelhante ao da adoção – GUILHERME DE OLIVEIRA, Adoção e Apadrinhamento Civil, p. 19.↩︎ 60. O princípio da prevalência da família, deve ser interpretado no sentido de o interesse da criança reclamar uma resposta de inserção da criança numa família estruturada e funcional, seja ela biológica ou adotiva – BEATRIZ MARQUES BORGES, Promoção e proteção de crianças e jovens em perigo: perspetivas futuras do modelo judicial, Revista Julgar, nº 24, p. 169.↩︎ 61. BB trata AA por mãe e estão ligadas por laços de afeto – facto provado nº 17.↩︎ 62. A BB pretende que a requerente AA seja a sua mãe adotiva, uma vez que esta sempre foi a “mãe” que a cuidou, protegeu e apoiou em todas as fases da vida – facto provado nº 24.↩︎ 63. Na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável.↩︎ 64. A BB reconhece AA como figura de afeto, trata-a como mãe desde os primeiros anos e o facto de AA se assumir em pleno como mãe, sem reserva, levou aquela a entregar-se à relação com muita segurança e desejar muito ser adotada – facto provado nº 26.↩︎ 65. Muito embora na prática a BB seja tratada como filha pela requerente e esteja plenamente integrada na família da última, sendo, nomeadamente tratada como sobrinha, tal situação não a realiza plenamente, gerando intranquilidade, porque tem a consciência de que legalmente não é assim, pelo que, para a BB, a adoção é o modo de reconhecimento, de “legalização”, de “legitimação” da sua qualidade de filha da requerente e se realizar como pessoa – facto provado nº 20.↩︎ 66. A intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante.↩︎ 67. A criança desenvolve, assim, através das interações com as pessoas que lhe prestam cuidados, modelos internos de vinculação, ou seja, um conjunto de conhecimentos e expectativas sobre o modo com essas figuras respondem aos seus pedidos de ajuda e proteção e sobre o self, em termos do seu valor próprio. Estamos face ao embrião da personalidade de cada sujeito. (…) São as relações de afeto que garantem a segurança e os vínculos que medeiam a organização de uma arquitetura neuronal e sináptica afim daquelas relações desde os primeiros dias de vida – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-02-09, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 68. Atualmente a verdade biológica não é, nem pode ser, o único critério relevante. A verdade é que os tempos mudaram e, com estes, a família também se foi alterando. Hoje em dia, é claro que a sociedade não tem em conta somente a verdade biológica, relevando, cada vez mais, o valor da vontade, do afeto e do cuidado entre os membros do seio familiar — em detrimento dos laços biológicos – BÁRBARA PAIXÃO, O reconhecimento da vontade e do afeto como critérios da parentalidade, in Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 18, n.º 35, Jan/Jun 2021, p. 68.↩︎ 69. O reconhecimento da vontade e do afeto como critérios da parentalidade é igualmente uma realidade admitida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), como acontece nos seguintes casos: caso Zaiet c. Roumanie, de 24 de março de 2015, ou do caso Nazarenko c. Rússia, de 16 de julho de 2015, ou ainda no caso Paradiso e Campanelli c. Itália, de 27 de janeiro de 2015, que fazem alusão ao art. 8.º da CEDH (Direito ao respeito pela vida privada e familiar) e, por vezes, a art. 14.º citado pelos recorrentes (Proibição de discriminação) – MARIA MARGARIDA PEREIRA, O conceito de vida familiar na jurisprudência do tribunal europeu dos direitos do homem face a turismo reprodutivo e maternidade de substituição (a propósito da decisão do tribunal pleno de 24 de janeiro de 2017, Paradiso et Campanelli C. Italie, queixa n.º 25358/12, revista Julgar, n.º 32, 2017, p. 261 e ss.↩︎ 70. GUILHERME DE OLIVEIRA, Adoção e Apadrinhamento Civil, p. 38.↩︎ 71. GUILHERME DE OLIVEIRA, Adoção e Apadrinhamento Civil, p. 39.↩︎ 72. GUILHERME DE OLIVEIRA, Adoção e Apadrinhamento Civil, p. 39.↩︎ 73. GUILHERME DE OLIVEIRA, Adoção e Apadrinhamento Civil, pp. 40/41.↩︎ 74. A sentença que tiver decretado a adoção é suscetível de revisão, se tiver faltado o consentimento dos pais do adotado, quando necessário e não dispensado – art. 1990º/1/a, do CCivil.↩︎ 75. Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz ordena as diligências e assegura o contraditório relativamente às pessoas cujo consentimento pode ser dispensado, sem prejuízo da salvaguarda do segredo de identidade – art. 55º/2, do RJPA.↩︎ 76. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5º, p. 58.↩︎ 77. O juiz deve conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes, exceto aquelas cujo conhecimento está prejudicado pela solução dada a outras – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2003-11-13, Relator: LUÍS FONSECA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 78. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5º, p. 58.↩︎ 79. Nos recursos devem ser conhecidas todas as questões que as partes tenham submetido à apreciação do Tribunal, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, o que se afere caso a caso – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-10-13, Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 80. Não constitui omissão de pronúncia, produtora de nulidade, o não conhecimento de questão que se considerou prejudicada face à solução dada a questão anterior – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-12-10, Relator: MÁRIO CRUZ, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 81. A nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que o tribunal deixe de apreciar alguma questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, pelo que não padece daquele vício o acórdão confirmatório da decisão de declaração de incompetência em razão da matéria, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-12-02, Relator: FERNANDO SAMÕES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 82. Estando certa questão prejudicada por solução já dada pelo tribunal, deixa de ser obrigatória a pronúncia sobre tal questão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-05-09, Relator: OLINDO GERALDES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎ 83. Estão isentos de custas os processos de confiança judicial de menor, tutela e adoção e outros de natureza análoga que visem a entrega do menor a pessoa idónea, em alternativa à institucionalização do mesmo – art. 4º/2/f, do Regulamento das Custas Processuais.↩︎ 84. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎ 85. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎ |