Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO MAGALHÃES | ||
Descritores: | AÇÃO EXECUTIVA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO CITAÇÃO TAXA DE JUSTIÇA FALTA DE PAGAMENTO SECRETARIA JUDICIAL FALTA DE NOTIFICAÇÃO HABILITAÇÃO DE HERDEIROS FALECIMENTO DE PARTE INTERPRETAÇÃO DA LEI LIVRANÇA AVAL BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO CONHECIMENTO PREJUDICADO | ||
Data do Acordão: | 11/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA E BAIXA DO PROCESSO | ||
Sumário : | I. Ao instaurar o incidente de habilitação de herdeiros, o exequente deve proceder à imediata junção do documento comprovativo do prévio pagamneto da taxa de justiça devida; II. Não o tendo feito, o incidente devia ter sido objecto de recusa por parte da secretaria nos termos do art. 558º, al.f), do CPC; III. E se a secretaria o tivesse feito, à exequente não lhe teria sido sonegado o benefício consagrado no art. 560º do CPC ( na redacção anterior à introduzida pelo DL nº 97/2019 de 26.7), ou seja, o direito de juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias e de fazer retroagir os efeitos decorrentes da instauração do incidente ao mmomento da entrega do primeiro requerimento; IV. Como assim, não pode a exequente ser prejudicada pela omissão da secretaria do tribunal no cumprimeto da obrigação legal contida no art. 55º, al. f) quando é certo, ainda, que, quando para tal foi notificada ( mais tarde), a exequente procedeu ao pagamento da taxa de justiça, juntando o documento comprovativo e, ainda, uma multa no prazo que lhe foi concedido. | ||
Decisão Texto Integral: | Revista nº 5482/14.0T8ALM-B.L1.S1 Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça: * No âmbito de uma acção executiva intentada por A…, S.A., contra T…, S.A., e AA (falecido antes da instauração da execução), vieram os herdeiros deste último executado, BB, CC e DD, deduzir embargos alegando a prescrição da acção e a consequente inexigibilidade da obrigação exequenda, bem como a incapacidade do avalista para prestar o aval, peticionando a extinção da execução. A exequente contestou, defendendo a improcedência da oposição, tendo sido posteriormente proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio e dos temas de prova, e realizada a audiência de discussão e julgamento. A final foi proferida sentença que julgou os embargos totalmente improcedentes e determinou o prosseguimento da execução. Os embargantes interpuseram recurso de apelação dessa sentença, o qual foi admitido e julgado procedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa que revogou a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgou procedente os embargos e determinou a extinção da execução. Inconformada, a embargada/exequente veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: “I. Constitui tema nuclear do presente recurso a questão de saber se o direito de acção está prescrito ou não, nomeadamente se ocorreu a causa interruptiva da prescrição prevista no art. 323º do Código Civil (CC). II. Defendem os Executados/Recorridos que não ocorreu qualquer facto interruptivo da prescrição, sendo que a falta de pagamento atempado da taxa de justiça se deveu a facto imputável à Exequente. III. A sentença proferida em primeira instância considerou, contrariamente ao Acórdão proferido, que a citação tardia dos Recorrentes, já após consumado o prazo prescricional, não se deveu a causa imputável à Exequente. IV. É o seguinte o teor do douto Acórdão de que se recorre: “(…) o exequente não podia ignorar que tinha de proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela instauração do incidente de habilitação e proceder à sua junção. Não o tendo feito e não tendo sanado essa falha no tempo certo, não podia ignorar as consequências dessa omissão na tramitação processual. Quer isto dizer que o exequente contribuiu de forma causal para o retardamento da citação, assim levando a que não se desse a interrupção da prescrição nos termos do art. 323º do CPC.” Concluindo pela prescrição do direito de acção do exequente e determinando a extinção da execução. V. Como facto interruptivo da prescrição, o Tribunal de Primeira Instância, decisão que não merece censura, aplicou a previsão legal constante do art. 323º do Código Civil (CC). VI. E entendeu ainda que a tardia citação dos embargantes não se deveu a causa imputável ao exequente. VII. Nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), proferido na data de 12-1-2017, no processo nº 14143/14.0T8LSB.L1.S1, em http://www.dgsi.pt/,“O efeito interruptivo determinado no nº2 do art. 323º do CC assenta em três pressupostos: a) Que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação; b) Que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; c) Que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao A.” VIII. Acrescenta ainda que “A expressão legal “causa não imputável ao requerente” deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, não se verificando a interrupção da prescrição se existir nexo de causalidade adequada entre a conduta do A. e a não realização do ato interruptivo (citação ou notificação) no prazo de cinco dias após ter sido requerido.” IX. Da análise do caso em apreço, facilmente se conclui que se encontram preenchidos os três pressupostos, nomeadamente o que se encontra elencado em último lugar, senão vejamos: X. Está provado que a petição inicial do incidente de habilitação de herdeiros foi remetida, via citius, em 1-9-2016, pelo que a Exequente requereu a citação dos embargantes mais de quinze meses antes do termo do prazo de prescrição. XI. Por conseguinte, importa apenas apurar se o facto de os embargantes apenas ter sido citados em Julho de 2018 ocorreu por motivo imputável à Exequente. XII. Voltando à expressão legal “causa não imputável ao requerente”, e de forma a aclará-la, conforme consta do douto Acórdão aqui citado, é possível desconstruí-la da seguinte forma: “A interrupção da prescrição não se verificará se existir nexo de causalidade adequada entre a conduta do A. e a não realização do ato interruptivo (citação ou notificação) no prazo de cinco dias após ter sido requerido.” XIII. É verdade que aquando da apresentação em juízo do incidente de habilitação de herdeiros, o mesmo deveria ter sido acompanhado do prévio pagamento da taxa de justiça devida. XIV. Mas será que o não pagamento da taxa de justiça devida nos termos e prazos referidos impede a parte de a pagar em momento posterior? A resposta terá de ser forçosamente negativa! XV. O pagamento da taxa de justiça devida ainda é possível, nos termos e com a cominação prevista no nº 3 do art. 570º do CPC, pelo que a não observância do referido apenas faz a parte incorrer no pagamento de multa. XVI. Daqui se conclui que o facto de a Exequente apenas ter liquidado a taxa de justiça em momento posterior, não impedia que fosse ordenada e realizada a citação, uma vez que o pagamento poderia ocorrer posteriormente nos termos e com a cominação referidos. XVII. Será, assim, forçoso concluir que o não pagamento da taxa de justiça devida com a petição, não era impeditiva da citação, pelo que arredado se mostra o necessário nexo de causalidade adequada conducente ao afastamento do efeito interruptivo previsto no art. 323º, nº 2, do CC. XVIII. Não sendo o motivo da não realização até 11-12-2017, da citação requerida em 1-9-2016, imputável à Exequente, mas sim à secretaria judicial, conforme resulta da sentença proferida, tem-se a prescrição por interrompida no dia 6-9-2016. XIX. Em sentido semelhante, confrontar ainda o seguinte Acórdão proferido pelo STJ, na data de 20-6-2012, no processo nº 347/10.8TTVNG.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/, do qual se extrai, com interesse para a causa, a seguinte fundamentação: A citação tardia não imputável ao autor não o deveria prejudicar; E, tal como no caso sub judice no Acórdão citado, o que relevou para a boa decisão da causa não foi a data de apresentação dos documentos (por analogia a data do pagamento da taxa de justiça), mas sim o facto da peça efectivamente essencial ao início da acção ter sido apresentada antes da perfectibilização da prescrição. XX. Merece também leitura o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 15-2-2018, no âmbito do processo nº 2048/16.4T8STR.E1, que conclui que a incompletude da petição inicial apresentada não constituiu a causa objectivamente adequada para que a citação não se tenha feito no prazo de cinco dias depois da apresentação da petição inicial. Em suma, tendo o apelante interposto a acção antes do decurso do prazo prescricional, a citação da apelada não foi realizada dentro do prazo de cinco dias depois de ter sido requerida por questões de índole processual e de orgânica judiciária, ou seja, a citação tardia não resultou de causa imputável ao apelante, pelo que o apelante beneficia da interrupção da prescrição prevista no nº 2 do artigo 323º do CC. XXI. Face ao que antecede, o douto Acórdão de que se recorre deve ser revogado e substituído por um que mantenha a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância e julgue verificada a interrupção da prescrição prevista no art. 323º nº 1 e nº 2 do CC Termos em que deverá ser revogada a decisão recorrida, com todas as consequências legais.”. Os embargantes/executados responderam ao recurso pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Cumpre decidir. Estão provados os seguintes factos: “1. No dia 12 de Outubro de 2010, a T..., S.A. subscreveu e AA (doravante AA) avalizou – no verso escrevendo “Bom por aval à firma subscritora” e após assinando o seu nome – uma livrança, de que a exequente é portadora, com a data de vencimento de 10 de Outubro de 2014 e com o valor de 212.826,84 euros. 2. No dia 12 de Outubro de 2010, a T..., S.A., representada no acto por AA, outorgou escritura notarial de constituição de hipotecas. 3. À data de 12 de Outubro de 2010, AA tinha doença de Alzheimer e não tinha capacidade de entender e querer o aval por si prestado na livrança. 4. No dia ... de Agosto de 2012, AA faleceu. 5. No dia 19 de Novembro de 2014, a exequente propôs a acção executiva apensa, com fundamento na livrança, contra T..., S.A. e AA. 6. No dia 01 de Setembro de 2016, a exequente deduziu incidente de habilitação dos embargantes como sucessores de AA. 7. No dia 28 de Dezembro de 2017, a exequente foi notificada para pagar a taxa de justiça devida pelo incidente e a multa até dia 16 de Janeiro de 2018, data em que comprovou tê-lo feito. 8. No dia 25 de Maio de 2018, foi determinada, por despacho judicial, a citação dos requeridos do incidente, o que foi concretizado a 27-07-2018 (AA), 30-07-2018 (BB) e 06-08-2018 (DD).” Factos não provados: “Ao propor a acção executiva, a exequente sabia que AA tinha falecido e que os embargantes eram os seus sucessores. À data de 12 de Outubro de 2010, a incapacidade de entender e querer de AA, designadamente, de entender e querer prestar o aval era notória e visível.”. O Direito. Atendendo às conclusões formuladas pela recorrente, o objecto do recurso consiste, unicamente, em saber se ocorre a excepção de prescrição invocada pelos embargantes ou se o respectivo prazo se interrompeu no fim do prazo de cinco dias após a instauração da acção executiva, nos termos previstos no nº 2 do art. 323º do CC, centrando-se a discussão à volta da interpretação do segmento “por causa não imputável ao requerente” do referido preceito. Como se verifica dos autos, a presente execução foi instaurada com base numa livrança subscrita e avalizada pelos executados, vencida em 10.10.2014, tendo a acção sido intentada em 19.11.2014. Na referida data em que a exequente propôs a acção executiva, o executado AA já tinha falecido em ….8.2012, não se provando, porém, que a exequente tivesse conhecimento desse decesso e de que os ora embargantes fossem os seus sucessores. Da factualidade provada resulta apenas que no dia 1.9.2016, a exequente deduziu incidente de habilitação dos embargantes como sucessores de AA, não estando provado o motivo pelo qual se verificou esse hiato prolongado entre a instauração da acção executiva (19.11.2014) e a dedução do referido incidente (1.9.2016), pelo que não pode, nessa parte, ser imputada à exequente qualquer falta, determinante da demora da citação. Verifica-se, no entanto, que a exequente não juntou ao seu requerimento inicial do incidente de habilitação o documento comprovativo de pagamento da taxa de justiça devida, tendo a secretaria do tribunal, só no dia 28.12.2017, notificado a exequente para pagar a taxa de justiça devida pelo incidente e a multa até ao dia 16.1.2018, data em que aquela comprovou o pagamento. No dia 25.5.2018, foi determinada, por despacho judicial, a citação dos requeridos do incidente, que foi concretizada em 27.7.2018 (AA), 30.7.2018 (BB) e 6.8.2018 (DD). É incontroverso que, nos termos dos arts. 70º e 77º da LULL, a presente acção executiva prescrevia no prazo de três anos a contar do vencimento da livrança, pelo que tal prazo (que se iniciou em 11,10.2014 e findava apenas em 11.10.2017) ainda se encontrava a decorrer quando a presente acção executiva foi instaurada em 19.11.2014. O que se discute é apenas a interrupção da prescrição por efeito do disposto no nº 2 do art. 323º do CC, pois que, quando os executados habilitados foram citados em Julho e Agosto de 2018, já há muito tinha decorrido o prazo de três anos acima referido. Em concreto, a questão consiste em saber se foi a falta de pagamento da taxa de justiça por parte da exequente que atrasou a realização da citação, fazendo com que a mesma só tivesse lugar após o decurso integral do prazo de prescrição ou se, pelo contrário, esse atraso não é imputável à exequente. A 1.ª instância entendeu que se mostra preenchida a previsão do nº 2 do art. 323º do CC, uma vez que a citação dos executados se não realizou no prazo de cinco dias a contar da instauração da execução, por causa não imputável à exequente, entendendo, por isso, que a excepção improcedia. Pelo seu lado, a Relação decidiu de forma totalmente oposta, considerando que, ao instaurar o incidente de habilitação de herdeiros, a exequente devia ter procedido à junção, que não efectuou, do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida, sendo que a exequente sabia que os autos apenas poderiam prosseguir com a junção do aludido comprovativo de pagamento, sob pena de recusa do requerimento inicial. Concluiu, assim, que “não o tendo feito e não tendo sanado essa falha no tempo certo, [a exequente] não podia ignorar as consequências dessa omissão na tramitação processual”, pelo que “contribuiu de forma causal para o retardamento da citação, assim levando a que não se desse a interrupção da prescrição nos termos do art. 323º do CPC.” Insurge-se a recorrente contra esta argumentação, alegando que o facto de a exequente apenas ter liquidado a taxa de justiça em momento posterior (em 16.1.2018) não impedia que fosse ordenada e realizada a citação, uma vez que o pagamento poderia ocorrer posteriormente nos termos e com a cominação prevista no nº 3 do art. 570º do CPC. Conclui que o não pagamento da taxa de justiça devida com a petição não era impeditiva da citação, pelo que arredado se deve mostrar o necessário nexo de causalidade adequada conducente ao afastamento do efeito interruptivo previsto no art. 323º, nº 2, do CC. Vejamos. De acordo com o disposto no art. 323º, n.º 1 do CC: “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. Nos termos do nº 2 do mesmo artigo: “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”. O STJ tem entendido uniformemente que o segmento da norma do nº 2 “por causa não imputável ao requerente” deve ser interpretado em termos de causalidade objectiva, isto é, quando se possa concluir que a conduta do requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto de citação (cfr. no mesmo sentido, e entre vários acórdãos, o Ac. STJ de 3.2.2011, proc n.º 1228/07.8TBAGH.L1.S, o Ac. STJ de 19.12.2012, proc. nº 3134/07.7TTLSB.L1.S1 e o Ac. STJ de 19.6.2019, proc. nº 3173/17.0T8LOU-A.P1.S, em www.dgsi.pt) Como se refere no citado acórdão de 3.2.2011:“o que é essencial para a aplicação, em seu benefício, do regime da citação «ficta» em 5 dias é que a sua conduta não haja implicado qualquer violação culposa de normas procedimentais ou adjectivas, radicando nessa infracção objectiva – e só nela – a preclusão do benefício emergente do referido nº2 do art. 323º. Radica este entendimento, desde logo, em prementes necessidades de certeza e objectividade na aplicação prática do regime da citação «ficta», dificilmente conciliáveis com uma apreciação casuística do andamento de cada processo até ao acto de citação, de modo a realizar uma distinção, problemática e geradora de incerteza, entre os comportamentos do autor – todos eles processualmente lícitos – que lhe seriam ou não exigíveis, como forma de alcançar uma especial «aceleração» do processo, até se consumar o acto de citação. O que , deste modo, releva decisivamente na aplicação do dito regime legal é o eventual cometimento pelo autor de uma infracção a regras procedimentais a que estava vinculado e que tenham sido causais da demora na consumação do acto de citação”. De acordo com o disposto no art. 1º, nº 1, do RCP, “todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento”, dispondo o n.º 2 do mesmo preceito que, para efeitos desse diploma, “considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.” Ainda de acordo com o art. 7º, nº 4, do mesmo Regulamento, “a taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento.” Resulta, assim, das normas legais acima referidas e do teor da tabela II anexa ao Regulamento, que o incidente de habilitação de herdeiros é um processo autónomo para efeitos de sujeição ao pagamento de custas processuais, sendo a taxa de justiça devida a fixada na tabela II para os “outros incidentes” entre 0,5 e 5 UC’s. Estando a taxa de justiça devida prevista na tabela II anexa ao Regulamento, nos termos do art. 13º, nº 2, a contrario, a taxa deve ser paga numa única prestação, a qual, nos termos do art. 14º, nº 1, deve ser paga “até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo: a) Nas entregas eletrónicas, ser comprovado por verificação eletrónica, nos termos da portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Civil; b) Nas entregas em suporte de papel, o interessado proceder à entrega do documento comprovativo do pagamento.” Por sua vez, de acordo com o disposto no art. 145º, nº 1, do CPC, na redacção em vigor à data em que foi instaurado o incidente de habilitação de herdeiros (anterior à alteração introduzida pelo DL nº 97/2019 de 26.7): “Quando a prática de um ato processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.” Dispõe o n.º 3 do mesmo preceito que: “Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º.” Estabelece, ainda, o art. 530º, nº 1, do CPC que “a taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.” Segundo o art. 552º, nº 3, do CPC, na redacção em vigor à data da instauração do incidente: “O autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.”, dispondo o n.º 4 do mesmo preceito que “quando a petição inicial seja apresentada por transmissão eletrónica de dados, o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º.” Do exposto resulta, assim, que, como foi entendido pelo tribunal recorrido, ao instaurar o incidente de habilitação de herdeiros, a exequente deveria ter procedido de imediato à junção do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida, junção que não efectuou. Estando em causa a falta de junção do referido documento com a apresentação do requerimento inicial de um incidente de habilitação de herdeiros, no âmbito de uma acção executiva já instaurada, cremos que tal requerimento se deve equiparar a uma petição inicial, concordando-se nesta matéria com Salvador da Costa que em “As Custas Processuais”, 8.ª ed., 2021, a pág. 45, sustenta o seguinte: “Quanto ao pagamento da taxa de justiça relativa aos incidentes, propendemos a considerar no sentido de que à referente ao requerimento inicial se aplica o regime previsto para a petição inicial das acções, e que, à relativa ao instrumento de oposição, é aplicável o regime próprio da contestação das ações, em qualquer caso com as necessárias adaptações.” Assim, e aplicando-se o regime aplicável à petição inicial das acções, devia o requerimento inicial do incidente de habilitação de herdeiros ter sido objecto de recusa por parte da secretaria nos termos do art. 558º, al. f), do CPC. E se a secretaria o tivesse feito, a exequente não teria ficado privada da possibilidade de juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, que lhe era concedida pelo art. 560º do CPC, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de Julho, em vigor na data dos factos, e que previa o seguinte: “O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a ação proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.” Na verdade, o art. 560º do CPC consagra um benefício a favor do autor, neste caso do requerente do incidente, ou seja, concede-lhe o direito de juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, no prazo de dez dias, e de fazer retroagir os efeitos decorrentes da instauração do incidente ao momento da entrega do primeiro requerimento, ou seja, a 1.9.2016. Ora, retroagindo os efeitos da propositura do incidente a 1.9.2016, não se pode considerar que a causa do retardamento da citação dos embargantes, que apenas veio a ocorrer em 2018, após o termo do prazo de prescrição, seja imputável à exequente. Se é verdade que a exequente violou inicialmente as normas legais processuais que obrigam à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, já não lhe poderá ser imputável a omissão da recusa do requerimento pela secretaria, que dispunha do prazo de 5 dias a contar da apresentação do requerimento inicial em 1.9.2016 para esse efeito, nos termos previstos no art. 162º, nº 1, do CPC). As partes devem cumprir os ónus processuais que lhes sejam legalmente impostos, suportando as consequências do respectivo incumprimento, mas tal deve supor igualmente o cumprimento por parte do tribunal e respectiva secretaria das normas legais que atribuem direitos às partes. Assim, todo o atraso na normal tramitação dos autos não deve ser imputada à exequente, mas ao tribunal que apenas notificou a exequente para pagar a taxa de justiça em falta no dia 28.12.2017, ou seja, mais de um ano depois da data em que o deveria ter feito e já depois de se completar o prazo de prescrição em curso. Constitui jurisprudência pacífica e constante do STJ que “a citação efectivada depois de decorridos os cinco dias após a apresentação do respectivo requerimento pelo credor não é imputável a este quando tal se fique a dever a razões inerentes à orgânica e funcionamento do tribunal, ou a razões de natureza processual e ou referentes à parte contrária” (Ac. STJ de 23.1.2014, proc. nº 8021/04.8YYLSB-A.L1.S1; e também, o supra citado 19.12.2012 e o Ac. STJ de 24.1.2019, proc. 524/13.0TBTND-A.C1.S1). Podemos, pois, concluir que não pode a exequente ser prejudicada pela omissão da secretaria do tribunal no cumprimento da obrigação legal contida no art. 558º, al. f) do CPC (na redacção indicada), quando é certo, ainda, que, quando para tal foi notificada, a exequente procedeu ao pagamento da taxa de justiça, juntando o documento comprovativo e, ainda, uma multa no prazo que lhe foi concedido. Não podendo a demora na citação dos executados ser imputável à exequente, estão preenchidos os requisitos de aplicação do nº 2 do art. 323º do CC, interrompendo-se a prescrição nos termos aí previstos. Deve, assim, improceder a excepção de prescrição. Tendo a Relação considerado prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas em sede de alegações de recurso de apelação, nomeadamente, no que respeita à invalidade do aval prestado, à luz do disposto no art. 679º do CPC que excepciona a aplicação do art. 665.º ao recurso de revista, devem os autos baixar à Relação para apreciação das demais questões suscitadas nessa apelação (cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, págs. 425-426 e 440-441; e, entre outros, os Acs. STJ de 2.6.2020, proc. nº 1944/17.6T8FAR.E1.S1, de 6.4.2021, proc. nº 1116/18.2T8PRT.P1.S1, de 4.6.2024, proc. nº 1989/20.9T8PNF.P1.S1 e de 20.9.2023, proc. nº 214/21.0YRCBR.S1, todos em www.dgsi.pt) Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em conceder a revista, revogar o acórdão recorrido, julgando improcedente a excepção da prescrição e ordenar a baixa dos autos à Relação para apreciação das demais questões suscitadas no recurso de apelação e cujo conhecimento foi considerado prejudicado. Custas pelos recorridos. * Lisboa, 12 de Novembro de 2024 António Magalhães (Relator) Jorge Arcanjo Manuel Aguiar Pereira |