Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1484/21.9T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
MATÉRIA DE FACTO
DESCARACTERIZAÇÃO DA DUPLA CONFORME
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DA RELAÇÃO
PROVA PERICIAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
REVISTA EXCECIONAL
RELEVÂNCIA JURÍDICA
INTERESSES DE PARTICULAR RELEVÂNCIA SOCIAL
Data do Acordão: 09/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA GERAL E REMESSA À FORMAÇÃO
Sumário :
I. Se o Tribunal da Relação procedeu a uma efectiva reapreciação da prova, tendo por referência os elementos de prova constantes nos autos e salientados pelos apelantes, não lhe pode ser assacada qualquer violação do disposto no art. 662º do CPC.

II. Saber se o Tribunal da Relação decidiu bem ou mal é matéria que não compete ao Supremo, por se reconduzir à eventual existência de erro de julgamento, que não é sindicável em sede de recurso de revista.

Decisão Texto Integral: Processo nº 1484/21.9T8GMR.G1.S1

Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


AA e mulher BB, intentaram a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra o MUNICÍPIO DE ... pedindo a condenação do réu a:

a) Reconhecer que o autor é dono e possuidor do prédio que identifica e que tinha antes das intervenções ali efetuadas pelo réu, a área total útil e disponível de 11267m2, destinada a construção;

b) Reconhecer que propôs ao autor a aquisição e integração no domínio público do terreno parte desse prédio necessário à construção do nó de ..., garantindo que as áreas sobrantes seriam reconhecidas legalmente como aptas para construção;

c) Reconhecer que ocupou ilegalmente e sem qualquer título legítimo 3398m2 do prédio do autor onde promoveu a construção do nó viário de ..., terreno esse que afetou definitivamente ao domínio público, não obstante essa falta de título;

d) Reconhecer que ocupou ilegalmente e sem qualquer título uma zona do mesmo prédio destinada a talude à margem da via ocupando a área de 829m2 e com uma rede ocupando mais 145m2 do mesmo prédio, áreas estas que também definitivamente integrou no domínio público;

e) Reconhecer que mercê das opções que consequentes à construção do nó rodoviário de ... as partes restantes do prédio do autor (representadas na planta junta sob o nº 6 sob as letras BB, DD e FF e com as áreas respetivamente de 2275m2, 500m2 e 4120m2) ficaram sem qualquer acesso direto à via pública, estando completamente isoladas, pelo que o autor ficou privado de a elas aceder ou as utilizar seja para que fim for, designadamente para fins construtivos;

f) Reconhecer que propôs ao autor por escrito a construção a expensas suas de um caminho no interior do nó, à custa da cedência pelo autor consentida de 861m2 do seu prédio, nos termos constantes nos documentados juntos, caminho esse indispensável a assegurar a manutenção da aptidão construtiva das zonas sobrantes do prédio do autor, e que se comprometeu a construi-lo;

g) Reconhecer que quando o autor contrapropôs, por escrito, algumas correções a essa proposta de compromisso, decidiu, por comunicações escritas de 22/4/2019 e 17/7/2019, emotivadamente e sem razão válida, pôr fim às negociações, declarando que perdera o interesse na construção do caminho e dando por encerrado processo de negociação, que assim rompeu unilateralmente e sem justificação capaz;

h) Pagar ao autor - contra a integração no domínio público da área global de 4572m2 -uma indemnização, a liquidar, correspondente ao valor real e corrente do mercado, no local, dessa área de terreno,

i) Construir o caminho público no interior do nó ocupando a área de 861m2 de terreno do autor, nos termos por este propostos e assegurando - por si ou em consequência de autorização por si requeridas - capacidade construtiva das áreas sobrantes do prédio designadas pelas letras BB e FF na planta junta;

j) Quanto à área sobrante do prédio do autor designada pela letra DD constituir a expensas suas uma servidão garantindo comunicação e o seu acesso direto à via pública, através de caminho com largura mínima de 4 metros, ou, em alternativa, e se isso não lhe for possível, pagar ao autor o valor desse terreno contra a entrega do mesmo ao domínio público, por preço a liquidar igualmente;

k) Pagar aos autores uma indemnização pelos danos não patrimoniais por eles sofridos no montante de 5.000,00 € a cada um deles;

l) Pagar as custas do processo, por lhe ter dado causa exclusiva. *

Regularmente citado, o réu contestou defendendo-se por exceção, com a integração no domínio público da parcela com a área de 3.398 m2, por dicatio ad patriam, invocando ainda o princípio da intangibilidade de obra pública, e, subsidiariamente, por aplicação do instituto do abuso de direito, impugnando a demais factualidade invocada pelos autores.

A final foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e em consequência, julgou procedente o pedido formulado sob a alínea a) no segmento em que pugna pela condenação do réu a reconhecer que o autor é dono e possuidor do prédio referido no art. 1º da petição inicial e que tinha antes das intervenções levadas a cabo pelo Réu, a área total e disponível de 11 267 m2.

No mais, julgou totalmente improcedentes os pedidos formulados pelos autores sob as alíneas b) a k).

As custas ficaram a cargo de autores e réu na proporção do decaimento, fixando-se 10/11 a cargo dos AA., e 1/11 a cargo do Réu, sem prejuízo da isenção de que beneficia.

Inconformados com a sentença, vieram os autores recorrer, pedindo a revogação da sentença.

Apreciado o recurso, o Tribunal da Relação julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida,

Irresignados, vêm os autores interpor recurso de revista, pugnando pala revogação do acórdão recorrido e pela sua substituição por acórdão que acolha as suas pretensões na íntegra.

Formulam as seguintes conclusões:

Ia - O acórdão recorrido enferma de irregularidades várias que não permitem que possa subsistir, em recurso de revista, irregularidades essas que assim se podem resumir:

a) Devendo pronunciar-se sobre um conjunto de questões que foram suscitadas pelos recorrentes (a saber: impossibilidade de se converter uma proposta feita pelo recorrente marido no âmbito de um processo de expropriação, não aceite pelo Município expropriante, numa doação modal ou até num contrato oneroso e comutativo, desde logo por absoluta falta de forma; impossibilidade de se considerar como forma de pagamento, por não o poder ser, a mudança de classificação de um terreno no âmbito de revisão do PDM para uma solução que apenas resulta da aplicação da lei; a violação do disposto nos art.°s 11.° e 12.° do Código das Expropriações, com preterição da regra constitucional que impõe um tratamento em pé de igualdade de todos os expropriados; impossibilidade de justificar a aquisição da propriedade pelo Município, quer à luz do princípio da "dicatio ad patriam", por este se referir apenas à constituição de servidões de uso público, quer à luz do princípio da "intangibilidade da obra pública", por a jurisprudência só o admitir se a transmissão da propriedade for acompanhada da condenação do expropriante no pagamento de uma indemnização), nem sequer abordou qualquer dessas questões, o que o faz incorrer na comissão de várias nulidades por omissão de pronúncia, cujo conhecimento importa a necessidade de serem supridas ou pelos próprios decisores, antes da subida dos autos ao tribunal superior, ou, já neste, em consequência do conhecimento e da remessa dos autos para a instância recorrida, a fim de as questões serem aí de novo julgadas;

b) Devendo reanalisar a matéria de facto que a primeira instância fixara, nos termos do art.° 662.° do CPC, relativamente aos factos que a Ia instância julgou provados sob os n.°s 28, 30, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 46, 48, 49, 50, 51, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67 e 71, à luz dos documentos juntos aos autos, dos depoimentos das testemunhas cuja gravação se transcreveu e do depoimento de uma testemunha que depôs sobre a mesma matéria que foi objeto de um arbitramento, e tendo obrigação de fundamentar a decisão, nos termos estabelecidos no art.° 205.° da Constituição (acórdão do STJ de 08/01/2015, no processo n.° 3719/10, em Sumário, janeiro de 2015 pág. 9), em tudo procedendo como se julgasse em primeira instância, apesar disso confinou a sua análise à mera enunciação das justificações avançadas pelo tribunal de Ia instância, sem enunciar as questões de facto a julgar, e sem qualquer análise crítica das provas, violando manifestamente a lei, o que terá como necessária consequência a anulação da decisão para de novo ser julgada no tribunal recorrido, expurgada daqueles vícios;

c) Pronunciando-se sobre o direito aplicável, também erradamente decidiu, pelo menos por aceitar sem qualquer reflexão os pressupostos fixados pela sentença, que não analisou criticamente, por não ter atribuído qualquer indemnização aos recorrentes, dizendo que o fazia na sequência de jurisprudência que bem pelo contrário e a exigiria, por conceituar como doação com cláusula modal uma proposta de transação que o autor fez e que não foi aceite, misturando o conceito dessa figura legal com a de retribuição devida num processo de expropriação.

2a - Na petição inicial, os autores pediram a condenação do réu Município de ...:

a) A pagar-lhes uma indemnização correspondente ao valor de uma parcela de terreno de sua propriedade irregularmente integrada no domínio público, para construção de um nó viário na freguesia de ... concelho de ..., uma vez que o Município manteve com eles negociações, no âmbito de um processo de expropriação, com vista à aquisição dessa parcela, desde meados de 2009, mas iniciou as obras em dezembro de 2018 e concluiu-as posteriormente sem pagar qualquer compensação aos autores por essa expropriação de facto, e sem a documentar sequer;

b) A condenação do réu a construir um caminho no interior do nó, por ele réu projetado e nos termos por ele réu propostos por escrito, e aceite pelo autor, bem como a reconhecer que, na parte que deveria complementar as condições de construção do caminho para o dotar de infraestruturas moderadamente exigíveis, rompeu inesperada e imotivadamente as negociações, declarando que perdera o interesse nessa construção;

c) A condenação do Município a pagar-lhes uma indemnização por danos não patrimoniais.

3a - A ação foi contestada pelo Município, alegando este:

a) Quanto ao pedido de indemnização por integração da parcela de terreno no domínio público, que esta não era devida por ter sido integrada nesse domínio por "dicatio ad patriam" e por "expropriação de facto por culpa do autor", alegando ainda que tinha adquirido a parcela por "usucapião", bem como por força da aplicação do princípio da "intangibilidade da obra pública", porque o Município recebera essa parcela na sequência de doação do autor, em contrapartida de a área restante ser classificada no PDM do Município como solo urbano - espaço residencial de nível 1, contrapartida essa que a Câmara cumpriu;

b) Quanto à proposta que fez da pretensão de que lhe fosse feita cedência gratuita de uma outra parcela de terreno do autor, destinada à construção de um caminho público, na zona sobrante do prédio, teve de retirá-la por causa das exigências complementares por este feitas (pagamento de uma indemnização alternativa de valor dito exorbitante, para o caso de a obra projetada não vir a ser licenciada, e execução de obras no caminho ditas bastante onerosas), não podia prosseguir nas negociações porque o processo negocial estava esgotado e inconsequente, devido às posições ditas extremadas do autor;

c) Quanto a danos não patrimoniais alegou que os autores nenhuns danos dessa natureza sofreram, porque o Município se limitou a agir com bom senso, conforme as suas competências e no respeito pelo interesse público.

4a - A ação foi julgada em Ia instância improcedente, salvo quanto ao pedido de reconhecimento da propriedade dos autores sobre a parte sobrante do prédio, porque se entendeu provado que o terreno foi verbalmente doado pelos autores, contra o compromisso de classificação pelo Município da parte sobrante do prédio como terreno de construção, na futura revisão do PDM, conforme proposta escrita, embora não tendo tido resposta alguma do Município, devendo a transmissão da propriedade do terreno embora intitulada, ser admitida, sem pagamento de qualquer indemnização, por força dos princípios da "dicatio ad patriam" e da "intangibilidade da obra pública".

5a - E quanto à improcedência do pedido de indemnização pelo abandono das negociações pelo Município ela foi justificada porque, embora tendo o Município feito uma proposta, e o autor declarado aceitá-la fez exigências complementares ditas descabidas e o Município esforçou-se ao máximo para obter a cedência do terreno, para construção do caminho público, mas não o conseguiu porque os autores tentaram obter contrapartidas "impossíveis/incomportáveis " o que levou o Município a decidir que "nada mais tinha a negociar".

6a - Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação dessa sentença, por entenderem que o assim decidido é completamente inadmissível, porque injustificado em termos de direito, visto que a ação devia proceder, considerando os factos que se provaram e ainda que só estes fossem considerados, e porque nem sequer é sustentável em termos de facto, uma vez que quanto a um grande número destes tidos por provados ou não se fez qualquer prova, quanto a uns, ou, quanto a outros, que se provaram inequivocamente, contudo não foram considerados provados.

7a - Nesse recurso de apelação, sem prejuízo de o mesmo ter como fundamento a errada avaliação da matéria de facto, os recorrentes sustentaram que para a procedência da ação era suficiente a matéria de facto provada, uma vez que a sentença já dera por provada a generalidade dos factos que conduziriam necessariamente à procedência, a saber: a propriedade do autor sobre os terrenos identificados, a pretensão transmitida pela Câmara ao autor em sede de um processo de expropriação, de integrar no domínio público uma parcela desse prédio, assegurando que a parte restante e não destinada ao nó viário seria qualificada como terreno de construção, a ocupação pela Câmara Municipal de ... do terreno que entendeu necessário para a construção do nó viário, sem qualquer formalismo e sem pagamento de qualquer indemnização; que, mais tarde, o Município propôs ao autor a construção de um caminho, que seria público, no interior do seu prédio, em terreno nessa parte cedido gratuitamente, proposta que o autor aceitou, mas que se não concretizou porque o réu a retirou, argumentando que resolvera romper as negociações, por entender incomportáveis as condições que o autor complementarmente exigia (factos 1 a 9, 11 e 12, quanto ao pedido de pagamento de uma indemnização e factos 13 a 24, quanto à aceitação da proposta do Município e ao abandono das negociações), e a simples prova dessa matéria era quanto bastava para a ação ter de proceder, sem mais, salvo no que respeita aos pedidos das alíneas e), i), j) e k).

8a - E quanto à matéria de facto, eventualmente indispensável à procedência dos pedidos das alíneas e), i), j) e k), sustentaram que da prova efetuada resulta o suficiente para a mesma dever ser integralmente provada, não apenas porque a matéria de facto dada por provada e correspondente à contestação, ainda que se mantivesse não afastava a procedência da ação, como porque essa matéria foi dada por provada, sem produção de qualquer prova, uma vez que nuns casos não se provou de todo, noutros casos constitui apenas a reprodução do que estava alegado pelo réu, mas a que ninguém fez qualquer referência em julgamento (cfr. os factos 25 a 73).

9a - Assim, os autores, cumprindo integralmente os ónus impostos pelo art.° 640.° do CPC:

a) Aceitaram a que se mostra provada sob os números 1 a 24, 25, 26, 27, 29, 34, 38, 42, 43, 44, 45, 47, 52, 53, 54, 68, 69, 70, 72 e 73 confirmada quase totalmente pelos documentos juntos e pelos depoimentos das testemunhas que foram transcritos;

b) Não aceitaram, porque entenderam que não se provou, umas vezes de todo, outras vezes em parte, devendo ser eliminada do probatório, a matéria dos factos 28 (acerca do proclamado esforço negocial do réu), 30, 31, (acerca do conhecimento e consentimento da autora mulher, da pretensa intenção de doar e da contrapartida imaginada pela sentença e sustentada de modo absurdo pelo acórdão), 32 (acerca da pretensa consumação da posição negocial anterior), 33 e 35 (quer porque se não provou quer porque a referência ao autor é manifestamente errada, devendo ser feita ao Município), 36, 37, 39 a 41, 46, 48 a 51, 55 a 59, 60 a 67 e 71 (porque nenhuma prova se fez nem ao de leve sobre essa matéria, e porque nem legalmente seria admissível que a parcela se considerasse já integrada no domínio público);

c) Por outro lado, sustentaram ainda que teria de ser valorada a prova produzida através do depoimento, muito relevante, que está gravado, da testemunha Enga CC, que o tribunal desconsiderou de todo com o argumento verdadeiramente inadmissível de que sendo ela testemunha, não podia depor sobre questões que foram objeto do arbitramento realizado, assim violando os artigos 413.°, 495.° e 496.° do CPC e de um outro depoimento, este da testemunha DD que justificou ter-se provado a matéria alegada relativa a danos não patrimoniais.

10a - Para além disso, os autores requereram que fossem aditados os factos 54-A, 54-B e 74, nos termos preconizados nesse recurso.

11a - Para efeitos do recurso de apelação, os recorrentes, procurando concretizar sumariamente, as fontes que justificam essa pretendida alteração da matéria de facto, transcreveram:

a) Parcelas do depoimento de parte do autor AA (com saliência para a matéria que indicaram a negrito, em 00:02:33, 00:02:55, comprovando que entre as partes não houve negociações nenhumas, 00:06:50, comprovando que o Município acabou por nem sequer garantir a capacidade construtiva na parte restante, 00:07:01, 00:15:36, comprovando que nunca foi intenção dos autores doarem qualquer parcela de terreno);

b) Parcelas do depoimento da testemunha Enga CC (com saliência para a matéria que indicaram a negrito, em 00:02:06, 00:02:17, 00:02:40, 00:05:42, 00:09:35, 00:10:10, 00:10:25, 00:10:27, 00:11:35, 00:12:14, 00:13:02, 00:14:16, 00:19:01, 00:37:04, 00:37:28, 00:38:50, 00:39:04) de onde resulta claramente que a testemunha tem elevada competência técnica sobre a matéria e conhece bem o local, que avaliou o terreno, orientando-se pelo atual PDM, em vigor desde 7 de setembro de 2015, e que acolheu o pedido de reclassificação do prédio do autor apresentado em abril do mesmo ano, que antes do atual PDM o terreno estava classificado como espaço florestal de produção e que, conforme o atual PDM o terreno sobrante do autor, apesar de classificado como terreno de construção, não permite qualquer aproveitamento construtivo por estar onerado com uma servidão "non aedificandi", acrescentando-se que por determinação da julgadora a testemunha juntou aos autos o depoimento escrito e uma planta;

c) Parcelas do depoimento da testemunha DD, factos identificados no depoimento, designadamente a 00:06:47, 00:07:40, 00:07:55 e 00:08:51, de onde se concluiu inequivocamente que o comportamento do Município de ... causou aos autores danos não patrimoniais;

d) Parcelas do depoimento da testemunha Eng° EE (00:00:28, 00:00:49, 00:09:43, 00:11:09, 00:11:29, 00:12:09, 00:12:27, 00:12:53, 00:13:19, 00:13:52, 00:14:13, 00:15:16, 00:15:37, 00:16:24, 00:16:35, 00:18:18, 00:46:56, 00:47:32 e 00:51:01 de onde necessariamente decorre a prova de que esta testemunha técnico do Município, foi a única pessoa que negociou com o autor a aquisição do bem expropriado e a única pessoa que interpretou o único documento escrito subscrito pelo autor com o sentido de que este se propunha ceder o terreno gratuitamente, bem como a prova inequívoca do incumprimento das regras do processo de expropriação, a aceitação pelo autor da proposta do Município que pretendia receber por doação o terreno necessário para a construção do caminho público, e a confirmação plena do depoimento da testemunha Enga CC, no sentido de que o autor não pode construir no local o que quer que seja por força da servidão "non aedificandi");

12a - Para além de sustentarem a plena validade do depoimento prestado pela referida Eng.a CC, os recorrentes salientaram a surpresa com que receberam a decisão sobre esse conjunto de factos, depois de terem assistido à posição assumida pela magistrada que procedeu ao julgamento, e que por várias vezes pediu à testemunha que explicasse porque não tinha sido formalizado por escrito qualquer acordo chamando-lhe a atenção para o facto da Câmara e o dever de responder por escrito, (extratos da gravação a 00:07:47, 00:08:01, 00:08:11, 00:08:29, 00:09:16, 00:11:09, 00:11:29, 00:11:44, 00:12:16, 00:12:27, 00:12:53, 00:13:19, 00:13:33, 00:14:13, 00:16:24 e 00:17:08) chegando a mesma magistrada a comentar com a testemunha que não era admissível aquilo a que chamou "uma alteração do PDM a pedido", porque "essa atuação da Câmara no sentido da emissão de pareceres é uma questão que está sujeita a regras de legalidade imperativas, do domínio público (...) e não é para satisfação dos seus interesses egoísticos negociar num processo de expropriação" porque "eu também não posso propor a ninguém a procedência de uma ação no âmbito das minhas funções em contrapartida de uma coisa qualquer que me dê jeito" (conforme consta da gravação da prova que acompanhou o recurso de apelação e da transcrição feita nas respetivas alegações).

13a - Sempre no sentido de que nem as testemunhas justificaram o apuramento dos factos cuja eliminação se requereu (factos 32, 33, 36, 40, 41, 46, 48, 49, 50, 51, 55, 56, 59, 60, 61, 63, 64, 65, 66, 67 e 71) ou cuja alteração se pediu (factos 28, 30, 35, 37, 39, 57, 58 e 62) e de que nem as testemunhas depuseram por forma a justificar qualquer ideia de doação do terreno ao domínio público convocaram os recorrentes o que a própria sentença a tal respeito referiu, resumindo os depoimentos prestados pela Enga CC, autora de um documento relevante junto aos autos de folhas 179 a 184, do depoimento de parte do autor AA, do depoimento da testemunha FF, do depoimento da testemunha Eng.° EE (que, conforme resulta da sentença depôs no sentido de que, "a alínea e) do n.° 8 do artigo 32° da lei 34/2015 de 27 de abril veio impor uma zona de servidão "non aedificandi" do nó construído - que antes não existia - que corresponde a um circulo de 150 metros de raio centrado na inserção dos eixos das vias" (confirmando, assim, o depoimento da testemunha CC).

14a - Sem prescindir e ainda no que respeita à matéria de facto, os recorrentes sustentaram que, mesmo que só com a matéria de facto que se considerara provada, certo é que:

a) Não resultava do documento, nem, por isso, podia julgar-se provado que o autor tivesse tido qualquer propósito de doar o seu terreno ao Município, nem essa conclusão podia resulta de uma leitura escrupulosa do documento citado pela sentença e aceite acriticamente pelo acórdão (o autor numa exposição feita em 24 de abril de 2015 pediu à Câmara Municipal de... que o seu terreno fosse reclassificado como terreno de construção, concluindo esse pedido, com a seguinte declaração: "Aproveito (...) para propor ao Município a celebração de um acordo, visando a cedência de uma parcela do meu terreno para a construção do nó, em contrapartida da reclassificação da restante propriedade como área de construção") com a agravante de que o réu nunca deu qualquer resposta a semelhante proposta, mesmo quando o autor embargou as obras invocando precisamente o facto de não as autorizar enquanto não tivesse um compromisso formal do Município;

b) Não faria, de resto, qualquer sentido que se pudesse qualificar com o pagamento a decisão do Município de considerar o terreno sobrante do nó como apto para construção, porque isso não passava de uma mão cheia de nada: ou a classificação era feita conforme a lei, e o Município nada pagava e nenhum favor fazia, ou não era admissível em face da lei, e ainda que alterado o PDM, isso nada valia, como, aliás, sucedeu, porque, apesar de alterado o PDM e de formalmente o terreno ser de construção, certo é que não é possível nele construir por força da servidão "non aedificandi";

c) Estava- e está - provado que a expropriação levada a cabo pelo Município de ... violou manifestamente a lei, por desrespeitar frontalmente os artigos 11° e 12° do Código das Expropriações e o princípio constitucional da igualdade;

d) O acordo imaginado pelo réu e que a sentença subscreveu teria necessariamente para ser válido de revestir a forma de um contrato (artigo 1317° alínea a) do CC), que para ser válido teria de ser celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado (artigo 875° do CC) ou resultar de expropriação formal e regular, sem o que a apropriação pelo Município teria sempre de ser necessariamente seguida do pagamento de uma indemnização, precisamente em homenagem ao princípio da "intangibilidade da obra pública", e nunca do que foi chamado "dicatio ad patriam ".

15a - Sustentaram ainda os recorrentes que estava já documentalmente comprovado que o Município rompeu imotivadamente as negociações que vinha mantendo com o autor para adquirir a este, gratuitamente, uma parcela de terreno destinada à construção de um caminho público e que o argumento do Município de que estavam esgotados os limites negociais face à demora na negociação é inconsequente e ridículo, porque a negociação foi iniciada, por iniciativa do Município, em janeiro de 2019 e fechada pelo mesmo Município logo a seguir, 22 de abril de 2019, ou seja três meses depois, do mesmo modo que ficou provado que o autor aceitou a proposta feita pelo Município no sentido de receber o terreno gratuitamente e infraestruturá-lo, para um caminho público, pelo que, nessa parte o Município teria de ser condenado a cumprir, porque o contrato se tornou perfeito, com aceitação da proposta pelo autor.

16a - O acórdão recorrido, pronunciando-se sobre essas questões, no que respeita à matéria de facto provada, e decidindo sobre a sua modificabilidade, argumentou simplesmente que:

a) o facto 28, relativo ao invocado esforço negocial feito pelo réu, é de manter porque "de todo o encadeamento dos acontecimentos, expresso na troca epistolar e assim relatado pelas testemunhas FF e EE surge evidente o esforço desenvolvido pelo Município com visto ao acordo negocial com o autor";

b) o facto 30, relativo ao consentimento da autora mulher, também é de manter (espanta-se semelhante explicação!) porque "o conhecimento e consentimento da esposa é facto que se pode presumir com meridiana segurança da atuação proativa do autor seu marido, assomado da circunstância de a mesma não ter manifestado mesmo tacitamente a sua discordância ou demostrado ter ignorado tais factos. ";

c) o facto 32, sobre a pretensa doação feita pelo autor, também é de manter porque " a descrição contida no documento conjugada com as diligências que haviam sido encetadas, autoriza a ilação de se estar perante o consumar de uma posição negocial anterior, resultando do próprio texto do documento que o fazia "em contrapartida da reclassificação da restante propriedade como área de construção ";

d) o facto 36, contendo um simples juízo de valor pessoal sobre a pretensa valorização do terreno do autor, é de manter porque "é a conclusão lógica resultante de simples cálculo aritmético ";

e) o facto 39, que contém um pré-juízo injustificado sobre uma pretensa contrapartida e o seu valor, é de manter "na medida em que a contrapartida foi atendida pelo Município";

f) os factos 40 e 41, sobre o conhecimento dos autores acerca da evolução da obra, a impugnação é de desentender por serem irrelevantes para a solução jurídica do caso;

g) o facto 46, sobre aquilo a que se chamou o pagamento da compensação pelo réu, "resulta demonstrado quer em razão dos documentos n.°s 3 e4 quer do depoimento das testemunhas FF e EE ";

h) os factos 49, 50, 51, 55 a 67 e 71, respeitantes aos pretensos benefícios que o autor recebeu, resultam "do conjunto dos depoimentos das testemunhas do réu que com clareza relataram que estão em causa três situações distintas, em cada uma das três parcelas do prédio rústico e o desenrolar dos acontecimentos quanto a cada uma delas ".

17a - E no que respeita à matéria de facto não provada, que os recorrentes entendiam dever ter sido provada (factos 54 A, 54 B, 74), decidiu que os dois primeiros desses factos não podem ser aceites porque resultam do testemunho da Engenheira CC que fez uma avaliação do terreno a pedido dos autores, porque "apresentado e escrutinado o relatório pericial não há fundamentos para o desatender " porque essa testemunha "não relatou factos do seu conhecimento direto, antes o resultado da avaliação que fez ao prédio enquanto perita avaliadora", acrescendo "o parecer técnico elaborado pela testemunha foi subtraído à intervenção das partes " e o seu depoimento "visou em exclusivo pôr em causa o resultado do relatório pericial" pelo que "nenhum relevo probatório lhe pode ser atribuído".

18a - As transcrições feitas, que constituem a única pronúncia sobre as questões postas, demonstram que o acórdão recorrido não respeitou, na fundamentação que adotou, às regras imperativas do art.° 607.° n.° 2 do CPC, não procedeu à reapreciação dos meios de prova pro forma a garantir um segundo grau de jurisdição no que respeita ao julgamento da matéria de facto, a que devia proceder como se julgasse em Ia instância, olvidando o dever de fundamentação que está constitucionalmente consagrado no art.° 205.° da Constituição, e excluiu a possibilidade do depoimento da testemunha Eng.a CC de modo ilegal, porquanto nem é verdade que "o parecer técnico elaborado pela testemunha foi subtraído à intervenção das partes" nem é verdade que esses depoimento "visou em exclusivo pôr em causa o relatório pericial" nem é verdade que, mesmo que assim fosse "nenhum relevo probatório lhe podia ser atribuído " .

19a - Esses vícios de julgamento da matéria de facto pela segunda instância, a que alude, por exemplo o acórdão do STJ de 09/12/2014, processos n.° 3614/09, Sumários 2014 pág. 670, assumem suficiente gravidade, designadamente pela falta de amplitude com que esse julgamento se fez, para uma intervenção corretora do Supremo, exigindo a reanálise dessa matéria na instância recorrida, não apenas porque as justificações dadas para a formulação daqueles factos não passam de visões subjetivas e algumas quase incompreensíveis dos julgadores (a referida ao consentimento da autora mulher é mesmo surreal), o que tudo impõe que o STJ, dentro dos poderes censórios que lhe são atribuídos pelos art.° 674.° n.° 3 do CPC, determine a anulação do julgamento para de novo essas questões serem julgadas na Relação, expurgadas que sejam dos apontados vícios.

20a - Não é mais feliz o acórdão recorrido ao passar a julgar sobre o mérito da sentença, porquanto não era possível considerar provado qualquer propósito do autor de doar o terreno em causa, não era possível considerar que a transformação de solo rural em solo de construção, na revisão do PDM, que está sujeita a regras legais, e que sempre constituiria um direito do autor, com ou sem expropriação, pudesse considerar-se uma contrapartida da perda do terreno, não é legítimo justificar a falta de forma de qualquer ato de transmissão com o argumento, verdadeiramente inadmissível de que ela é tolerável porque, como se argumentou, nas zonas rurais "não é pratica infrequente" a cedência de terrenos com a inobservância da forma legal, não era possível concluir que a autora mulher autorizara qualquer negócio, somente a partir daquilo a que se chamou a alegada "atitude proativa do autor" (sic), não era possível fundar a transmissão da propriedade do solo sem estabelecer uma indemnização, invocando-se o princípio da intangibilidade da obra pública, não era possível sustentar-se que a proposta do Município quanto à construção do caminho público no interior do nó não foi aceite pelo autor, porque foi expressamente aceite, não era possível sustentar que as exigências suplementares que o autor fez eram incomportáveis ou excessivas, uma vez que (facto 14) o autor se limitou a pedir que a Câmara assumisse a obrigação de dotar o caminho de infraestruturas básicas.

21a - A decisão recorrida é ainda uma peça chocante porque trata uma mesma realidade, em momentos distintos e em relação a entidades distintas, de forma completamente díspar, usando dois pesos e duas medidas ao, quando se refere ao autor, converter uma simples proposta por este feita, e não aceite pela contraparte num verdadeiro contrato, para mais de doação, quando disciplinou a questão do terreno irregularmente expropriado, mas quando se refere ao Município, inversamente julgou uma proposta por este feita a em relação ao caminho que o Município que pretendia construir, proposta que o autor aceitou, que afinal esta ainda podia ser rejeitada pelo proponente.

22a - Com efeito, nos termos do artigo 224.° n.° 1 do CC a proposta feita pelo autor, porque tinha um destinatário, tornou-se eficaz quando chegou ao seu poder, sendo o efeito dessa eficácia ter-se o contrato por celebrado, desde que o mesmo tenha revestido a forma exigida (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, pág. 450) o que significa que não tendo sido concluído o contrato na forma devida, nunca podia ter-se por verificada a aceitação da proposta do autor, e muito menos julgar-se formalizado e em regra um contrato como aquele que as instâncias pretendem.

23a - Por outro lado, e agora raciocinando em relação à proposta feita pelo réu ao autor, no sentido que este cedesse gratuitamente ao domínio público uma parcela de terreno destinada à construção de um caminho público, devidamente infraestruturado, proposta que o autor aceitou, daí resulta inequivocamente a consequência da produção total dos efeitos jurídicos do contrato porque um e outro desses comportamentos revelam a vontade inequívoca das partes assumirem as obrigações que reciprocamente se propuseram cumprir.

24a - Tendo o Município de ... (matéria de facto n.° 6) iniciado um processo de expropriação, começando por chamar todos os interessados pedindo-lhes que apresentassem propostas para o valor pretendido para uma expropriação amigável do terreno necessário para a construção do nó de ..., e, muitos anos mais tarde, celebrado no âmbito desse processo de expropriação várias escrituras de transmissão da propriedade do solo para o Município, com todos os proprietários envolvidos com exceção do autor (matéria de facto artigo 29), isso significa quer que o Município discriminou injustificadamente o autor, não celebrando com ele, como fez com os outros proprietários uma escritura formal de cedência quer que conduziu um processo de expropriação de facto, de modo absolutamente irregular.

25a - Com efeito, nos termos do artigo 11.° do Código das Expropriações o Município de ... deveria, mesmo antes de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação, diligenciar adquirir o terreno do autor pela via do direito privado, mas era-lhe imposto que fizesse uma proposta de aquisição, tendo como referência o valor constante de um relatório pericial, que previamente deveria ter mandado elaborar, seguindo-se, mas sempre de modo impostergável, a resposta do autor, no prazo de 20 dias, que podia ser acompanhada de uma contraproposta, e só se essa resposta não fosse recebida pela entidade expropriante é que esta poderia requerer a declaração de utilidade pública e posse administrativa da parcela, o que nada sucedeu, em violação clara da citada norma, bem como do artigo 12° n.° 1 alínea b) do mesmo Código e em clara violação do artigo 266.° n.° 2 da CRP.

26a - Por outro lado, não é sustentável a tese do Município de que adquiriu a parcela por usucapião, uma vez que não a possuiu, nem contando o prazo até hoje, pelo tempo suficiente para o efeito (15 ou 20 anos), nem obteve qualquer posse jurídica relevante, nem obteve a tradição formal nem pode justificar a aquisição com qualquer ideia de abandono por parte do proprietário, pelo que jamais podiam ser considerados os factos provados, que traduzem esses conceitos, apenas deles resultando que o autor autorizou o Município a fazer obras no terreno, do que não relevam quaisquer atos de posse, mesmo que meramente precária, pois de posse nunca se pode falar sem alegação e prova de "animus possidendi", que não existiu porque o Município nunca podia supor nem agir como verdadeiro proprietário, porque era o primeiro a saber que o não era.

27a - A transmissão da propriedade de um bem imóvel, ou de qualquer outro direito real por usucapião só poderia ter como pressuposto uma forma de aquisição originária, que é absolutamente incompatível com a verificação, como no caso, de uma entrega voluntária pelo proprietário ao possuidor - o que excluiu qualquer invocabilidade da usucapião porque a detenção do imóvel foi consequência de um ato positivo e voluntário de consentimento do proprietário anterior e não de qualquer ato do possuidor à revelia desse proprietário (Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, Vol. II, pág. 124).

28a - De facto, a consequência jurídica de os autores terem autorizado, nas condições descritas, o réu a ocupar aquela parcela de terreno com o fim de nela fazer obras para uma nova estrada, mais não é do que a prova evidente de que a posse do réu é em nome alheio, porque a posse efetiva continuou radicada em quem deu autorização para aquela ocupação (cfr. neste sentido, Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 254 e Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, Vol. II, pág. 57).

29a - De resto, a tradição, quando apenas de natureza verbal, não tem relevância jurídica para efeitos de aquisição por usucapião, nem esta pode resultar sequer da realização de quaisquer obras (acórdãos do STJ de 06.07.1976 e de 23.09.1993, BMJ 259,227 e 429,796) sendo certo que a entrega consequente ao consentimento do proprietário tem de qualificar-se como um ato de mera tolerância do titular do direito, de onde nenhum direito resulta para o beneficiário (Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1976, 70 e Vaz Serra, RLJ 114, 17), pelo que ela dá "lugar a que a posse não o seja no sentido rigoroso e próprio e não passe de uma simples detenção ou posse precária" (acórdãos do STJ de 29.06.1995, BMJ 448,313, e da Relação do Porto de 11.01.1999, Col. Jurisp. 1979,1,pág. 255).

30a - Só assim não seria se tivesse ocorrido inversão do título de posse, mas esta só poderia ter-se por verificada se o detentor precário passasse a comportar-se pública e abertamente com "animus dominii" ou exercer atos formais e ostensivos de oposição contra aquele em cujo nome possuir (acórdão do TRC de 16.07.1985, Col. Jurisp. 1985, IV, pág. 55), sendo ainda de considerar que, só após a inversão do titulo de posse poderia começar a contar-se o prazo da usucapião (acórdão do STJ de 21.02.1991, A.J., 15/16, pág. 32).

31a - Indispensável ainda a qualquer construção que defendesse a aquisição por usucapião daqueles bens pelo domínio público, seria alegar-se para se poder provar o abandono dos mesmos por parte dos autores, o que é também impossível, porque o abandono só pode resultar de um ato intencional do ante possuidor dirigido a pôr fim à posse (que não foi alegado sequer) seguido de um ato pelo qual a coisa possuída sai das mãos do possuidor, mas comprovadamente contra a sua vontade (Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1977, págs. 108 e 109, e acórdãos do TRC de 27.09.1988, BMJ 379,654, da TRL de 09.03.2010, em e Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, Vol. II, pág. 233) para além da posição frontal da doutrina que sustenta que em consequência do abandono só podem adquirir-se coisas móveis (neste sentido, acórdão TRL 08.02.1978, Col. Jurisp. III, 1, pág. 93, já citado).

32a - A posse pelo Município tão pouco se poderia justificar a partir de qualquer ideia de abandono, ou de desapossamento do autor, enquanto anterior proprietário, porque para (Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, 660), pois para uma ou outro sempre se exigem "atos de intenção suficiente para se afirmar que o novo possuidor colocou a coisa de baixo do seu poder" (Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 4a ed., 89/87), o que é impossível de configurar quando a constituição de posse ou apossamento resulta de um simples ato de autorização para fazer obras, como é o caso.

33a - Relativamente à pretensa justificação da aquisição da propriedade através da aplicação do instituto, estudado sobretudo na doutrina italiana, do que a sentença, a reboque do Município, chamou "dicatio ad patriam" importa referir que o instituto nem tem a virtualidade de permitir a transmissão da propriedade, uma vez que não justifica senão à constituição de uma servidão de uso público, e nunca mais do que isso, mas, ainda que assim não fosse, não apenas o instituto exigiria sempre uma situação de facto constituída ao serviço da coletividade, por inércia do proprietário, como o decurso de um prazo necessário para a aquisição por usucapião, de 20 anos, pelo menos, ou até, conforme alguma jurisprudência tem exigido, por tempos imemoriais, sendo manifestamente errada a doutrina que em contrário foi afirmada quer pela sentença recorrida, quer por alguns acórdãos com que pretende justificar-se (https://www.diritto.it/servitu-di-uso-pubblico-per-dicatio-ad-patriam-elementi-costitutivi-e-prova/).

34a - Com efeito, ao contrário do que se escreveu no acórdão do TRP de 20.05.2014, que a sentença citou, constitui um completo erro em termos jurídicos que a doutrina e a jurisprudência italianas definam a "dicatio ad patriam" como "um meio específico e autónomo de ingresso no domínio público, fundado na renúncia do particular à sua propriedade", como não é verdade tão pouco que, como nesse infeliz acórdão se escreveu que a palavra "dicatio" se traduza em português por "cedência" (a palavra "dicatio" significa em português literalmente, "dicação, dedicação"; "dicação" vem do verbo "dicar", que significa "tributar", "dedicar", "homenagear", "sacrificar" (cfr. Novo Dicionário da Língua Portuguesa, vol. IV, coordenado por José Pedro Machado, 1981 e Grande Enciclopédico Portuguesa e Brasileira, vol. VIII).

35a - A forma de ingresso no domínio público das parcelas do terreno propriedade do autor foi aceite e justificada pelos autores, na petição inicial, através do inequívoco reconhecimento da aplicação ao caso do princípio da "intangibilidade da obra pública" que as instâncias citam sem verdadeira consciência das consequências dessa construção, pois os autores aceitam que a boa doutrina é aquela que sustenta que "os direitos dos administrados em relação aos entes públicos estão constrangidos pela necessidade de ser respeitado o princípio geral da chamada "intan2ibilidade da obra pública" cuja aplicabilidade tem como consequência a necessidade de não ser inutilizado o resultado da intervenção do ente público, coberta pelo pressuposto de que agiu por forma a satisfazer interesses públicos, imediatos e prementes que, enquanto tais, pela sua premência ou urgência devem sobrepor-se aos direitos dos particulares " e por isso aceitam que "a condenação do réu na restituição do prédio deve ser substituída por uma condenação correspondente à reparação dos prejuízos causados, calculada pelas regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, conforme a teoria da diferença e as regras da equidade " (como decidiu, por exemplo, o acórdão do STJ de 05.02.2015 de que foi relator Abrantes Geraldes e o acórdão do mesmo STJ de 14.04.2015, do mesmo relator, nos processos, respetivamente 100/10, proc. 0TBVCD.P1.S1, 2239/10.1TVOAZ.P1.S2 da 2a Secção, o primeiro disponível em www.dgsi.pt e osegundoemgve.mj.pt).

36a - Simplesmente, como a jurisprudência tem inequivocamente defendido e o acórdão recorrido exclui sem sentido algum, a aplicação desse princípio visa salvar o que devia decorrer de uma expropriação de facto irregular (a condenação na entrega do bem ao particular lesado), substituindo essa consequência normal pelo "pagamento de uma indemnização ao proprietário" porque "o reconhecimento aos autores do direito de propriedade da parcela acompanhado na condenação do réu na sua devolução e no pagamento de uma indemnização representaria um resultado que o ordenamento jurídico não conseguiria absorver" (citados acórdãos), na linha, aliás, do que doutrinou Alves Correia: "a atribuição de uma indemnização (...) chancelará, na prática uma apropriação irregular ou uma expropriação indireta" (cfr. o que foi decidido precisamente contra o Município de Fafe, no proc. n.° 342/12.4TBFAF.G2.S2, acórdão do STJ de 11.10.2018, relator Fonseca Ramos).

37a - Ainda em relação ao incumprimento do Município, a sentença não se pronunciou, devendo fazê-lo, sobre a matéria da alínea e) do pedido (reconhecimento de que a parte sobrante do prédio do autor, depois de amputada das áreas destinadas à construção do nó, ficaram sem qualquer acesso assegurado à via pública) mas é devida pronúncia sobre essa matéria porquanto, por um lado os acesso pré-existentes, embora fisicamente mantidos, estão atualmente separados da via pública por um traço contínuo, o que aparentemente só pode significar a impossibilidade de o cruzar e, por outro lado, atualmente (desde a publicação da lei 2110 de 19.08.1961, designadamente por causa do disposto no seu artigo 62°), as serventias das propriedades confinantes com as vias municipais são sempre precárias, não tendo os particulares direito a qualquer indemnização se e quando as autarquias entenderem eliminá-las (neste sentido o acórdão do STA de 16 de maio de 1991, relator conselheiro Neto Parra, proc. n.° 029227, Ia Secção, do mesmo STA de 13 de janeiro de 2004, relator conselheiro Políbio Henriques, proc. n.° 040581, disponível em www.dgsi.pt , entre outros), o que implica e exige garantia expressa de estabelecimento desses acessos, aliás também como consequência do regime estabelecido para a própria expropriação, e, por isso a condenação do réu a assegurá-los.

38a - Por último, e no que respeita às consequências da aceitação pelo autor da proposta feita pelo Município de ..., por contrato escrito, visando a cedência pelo autor a título gratuito de um acesso destinado à construção de um caminho público, dúvidas não restarão de que, tendo o autor aceite essa cedência, formalmente e igualmente por escrito, o contrato nessa parte ficou concluído, e, tendo o autor contraproposto que o caminho público deveria ser dotado de determinadas características indispensáveis ao uso, o Município de ... não podia como fez encerrar as negociações e nada mais discutir, pelo que, nessa parte, deve reconhecer-se que o Município de... tem o dever de retomar as negociações que ilegitimamente abandonou.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por decisão que, mantendo o reconhecimento de que o autor marido é dono e possuidor do prédio rústico identificado nas alegações supra, determine a anulação dessa decisão com baixa dos autos à instância recorrida para aí de novo ser julgada a matéria de facto, ou, quando assim não se entenda, julgue desde já a ação inteiramente provada e procedente e condene o réu Município de ... a:

a) Reconhecer que propôs ao autor a aquisição e integração no domínio público de uma parcela de terreno desse prédio necessária à construção de um nó viário na freguesia de ..., assumindo o compromisso de que as áreas sobrantes do prédio passariam a ser legalmente reconhecidas como aptas para construção;

b) Reconhecer que ocupou ilegalmente e sem título legítimo parcelas do prédio do autor, que destinou à construção do referido nó viário e que afetou definitivamente ao domínio público, não obstante a falta de título;

c) Reconhecer que as partes restantes do prédio do autor, depois de subtraídas as áreas destinadas ao nó, ficaram sem garantia de qualquer acesso direto à via pública, e o autor sem lhes poder aceder, bem como, mercê da servidão "non aedificandi" resultante da construção do nó, sem qualquer potencialidade construtiva;

d) Reconhecer que o Município propôs ao autor por escrito a construção de um caminho público nas partes sobrantes do prédio deste, a expensas dele Município, caminho esse a ceder gratuitamente e que era indispensável para permitir a aptidão construtiva dessas partes sobrantes, proposta que o autor aceitou, pelo que o contrato nessa parte ficou concluído;

e) Reconhecer que, tendo o autor contraproposto algumas correções a essa proposta, referentes à pavimentação e características do caminho ele Município, por comunicações escritas de 22/04/2019 e de 17/07/2019, imotivadamente, e sem razões aparentes, rompeu as negociações declarando que perdera o interesse na construção e dando por encerrado o processo negocial, assim rompendo unilateralmente e sem justificação as negociações em curso, que devem, por isso ser retomadas;

f) Pagar ao autor uma indemnização global correspondente à integração no domínio público do terreno ocupado pelo Município, a liquidar posteriormente, correspondente ao valor real e corrente de mercado da área efetivamente ocupada; e

g) Construir no interior do nó o caminho público projetado conforme a proposta por si efetuada e garantindo, por si ou por entidades terceiras a quem o vier a propor ou sugerir, capacidade construtiva das áreas sobrantes do prédio; bem como construir a expensas suas uma servidão garantindo comunicação e acesso direto à via pública, através de caminho com uma largura mínima de 4 metros, ou, em alternativa, e para o caso de essa servidão não poder ser constituída pagar ao autor o valor do terreno efetivamente ocupado, igualmente a liquidar;

h) Pagar aos autores uma indemnização por danos não patrimoniais por eles sofridos, no montante de 5.000,00€ para cada um”.

O recorrido apresentou contra-alegações.

Cumpre decidir.

Estão provados os seguintes factos:

“1 - O Autor marido, casado com a Autora mulher no regime da comunhão de adquiridos, é dono e possuidor como bem próprio seu do seguinte imóvel, sito no lugar de ..., da freguesia de..., ..., do concelho de ...: Prédio rústico denominado Sorte da ... a confrontar de Norte com Loteamento do ..., de Sul com GG, de Nascente com a Rua ..., e do Ponte com a Coutada do Capitão de GG, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...69- ... e inscrito na matriz rústica sob o artº ...77.

2 - Tal prédio foi-lhe adjudicado e ficou pertencendo por escritura de partilhas celebrada em 27 de Agosto de 2004 e retificada por escritura de 9 de Abril de 2013, ambas perante a Notária daquela cidade de ..., Dra. HH, partilhas essas através das quais o Autor, sua mãe, II e suas irmãs, GG e JJ puseram termo à comunhão hereditária consequente ao óbito de, KK, falecido no dia ... de Julho de 2004, marido e pai dos outorgantes.

3 - O prédio em causa é o que está identificado sob a verba nº 20 da Relação de Bens que foi elaborada para integrar as referidas escrituras e está registado na Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito na matriz respetiva em nome do Autor.

4 - O autor por si e antepossuidores, está na posse do prédio acima descrito desde há mais de 20 e 30 anos, posse essa adquirida sem violência alguma, e assim sempre mantida, à vista de toda a gente, na convicção de exercer direito próprio e de não lesar direitos de outrem, de modo contínuo e ininterrupto, sem oposição de ninguém e com ânimo de quem usa e frui coisas próprias e no próprio nome do exercitante.

5 - De facto, o Autor e antepassados, desde sempre, desde há mais de 20 e 30 anos, com exclusão de outrem, usaram e fruíram esse prédio, roçando mato e limpando-o com regularidade, cortando árvores e aproveitando lenha e os pastos para produção de ervas para o gado e amanho de frutos silvestres.

6- Ora, em meados de Julho de 2009, o Autor foi convocado, conjuntamente com outros proprietários vizinhos, pela Câmara Municipal de ... esta então representada pelo respetivo ... Dr. LL, para uma reunião que teve lugar nos Paços do Concelho, e em que lhe foi pedido que apresentasse uma proposta do valor pretendido para uma indemnização pela cedência de parte do seu referido prédio, necessária para a construção do nó rodoviário projetado e a executar pela Câmara na freguesia de ....

7- Para o efeito, foi-lhe mostrada uma planta do local, onde estavam representadas a zona do seu prédio pretendida e, eventualmente, a expropriar e duas “zonas de proteção” da obra a empreender, zonas essas situadas na parte sobrante.

8- Dias após essa reunião, em 17 de Agosto de 2009, o Autor, requereu à Câmara Municipal de ... que lhe fosse certificada qual era a extensão concreta das referidas “zonas de proteção”, a fim de lhe permitir avaliar a compensação a propor.

9- Em 24 de Abril de 2015, o Autor, assinou a seguinte declaração dirigida ao Exmo. ... da Camara Municipal de ...: “Na sequência do pedido de discussão publica da proposta de revisão do PDM deste Município, venho por este meio requerer a reapreciação da classificação do meu terreno. Este terreno é confinante com via publica e com zona de construção. No entanto, a atual proposta de revisão do PDM classifica-o como solo rural - Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal. No meu entender esta classificação vem contrariar a atual característica desta propriedade e da sua envolvente. Esta situação fica ainda mais evidente com a proposta (patente na planta de ordenamento desta revisão) de construção de um nó de saída da via rápida F... - G..., já que o território ficará drasticamente alterado quanto à sua topografia e ao nível de impermeabilização do solo. Assim sendo, pretendo que este Município reveja a classificação do meu terreno. Aproveito ainda esta exposição para propor ao Município a celebração de um acordo, visando a cedência de uma parcela do meu terreno para a construção do nó, em contrapartida da reclassificação da restante propriedade como área de construção”.

10 - Em Setembro de 2017, o Autor marido foi, de novo, convocado para comparecer na Câmara Municipal de ..., o que fez, sendo-lhe então transmitido pelo Engº EE, ... da Divisão de Gestão Urbanística, e pelo ... Dr. MM que, a fim de honrar um compromisso assumido com a irmã do autor, a Câmara precisava de construir em parte das zonas sobrantes um caminho de acesso à rua, confinante a Norte com o nó de ..., pelo que se tornava necessário que o A. cedesse gratuitamente ao domínio público uma parcela de terreno da área sobrante com a área de 861 m2, nos termos de uma planta que a Câmara elaborou e lhe foi entregue então.

11 - Em Dezembro de 2018, as obras de construção do nó foram iniciadas e, compareceu no local o autor e, na presença de duas testemunhas, proibiu quaisquer trabalhos, “embargo” que foi respeitado e os trabalhos foram suspensos, embora não haja sido judicialmente ratificado.

12 - No entanto, chamado de novo à Câmara, para desbloquear a situação, o Autor acabou por não se opor a que as obras prosseguissem, como de facto, prosseguiram.

13 - Em 21 de Janeiro de 2019, o Autor foi convocado para a Câmara onde pelo Eng EE lhe foi entregue uma “minuta do contrato de cedência”, que submete à apreciação do autor, nos termos da qual o autor e esposa cederiam a título gratuito e para a execução de um acesso confinante a norte com o Nó de ..., a parcela de terreno com a área de 861 m2 e, como contrapartida daquela cedência, o Município de ... se compromete a propor às infraestruturas de Portugal e ao Instituto de Mobilidade e Transportes, a aprovação e um plano de alinhamento de forma a viabilizar na parcela sobrante a realização de uma operação urbanística conforme o estudo anexo ao presente contrato, bem como à execução de um acesso e respetiva pavimentação com 4,00 metros de largura, confinante com o limite sul da parcela e compreendido entre este limite e o limite da plataforma do nó de .... Ficou ainda a constar da clausula quarta da minuta que o Município de ... entrará de imediato na posse das parcelas supra referidas na clausula segunda, podendo destiná-las ao fim pretendido.

14. Com data de 11 de Fevereiro de 2019, o autor remeteu ao Município de ... uma contra-proposta na qual declara que “aceita as condições inscritas na planta anexa por si rubricada, desde que incluídos na minuta do contrato todos os requisitos (e serviços por vós providenciados, que passa a enumerar:

- iluminação do futuro caminho publico; - saneamento e águas pluviais;

- canalização de águas;

- decapagem (30 cm) e desmatação na parte sobrante do artigo 377;

- Atividades económicas (AE) contemplando a possibilidade de 2 pisos de altura (10 – 12 m) em futura construção no confronto com a Rua ..., possibilidade de R/C (comércio/serviços) e 2 pisos para habitação com respetivas garagens.

- Relativamente à parcela sobrante no interior do nó declara não ter interesse na mesma, pelo que propõe valor de atribuição de 30 000,00 euros.

- Deixa ainda clara a ideia de que, ainda que a camara Municipal de ... subscreva todos os requisitos enumerados, só poderá assinar contrato após autorização superior das entidades competentes “infraestruturas de Portugal e Instituto de Mobilidade Terrestre”.

15- Nessa proposta de contrato, o autor afirmou a “disponibilidade e vontade de dialogar com V, Exa.” (o ... da Câmara) - diálogo esse que foi retomado, uma vez que o Autor foi convocado para uma reunião com o ... da Câmara, a ter lugar, como teve, no dia 14 de Fevereiro de 2019, nos Paços do Concelho.

16- Na reunião, o ... da Câmara Municipal de ... sugeriu para ultrapassar a dificuldade posta pelo autor que a proposta de contrato se mantivesse nas suas linhas gerais, mas estabelecendo-se que no caso de não ser aprovada a solução urbanística, proposta e sancionada pela Câmara, esta indemnizaria o A. em termos que iriam ser objeto de avaliação, tudo como condição de que a obra prosseguisse livremente e sem quaisquer suspensões ou demoras.

17- E o Município de ..., em princípios de Março de 2019 enviou ao autor a minuta correspondente à proposta do contrato onde no fundo e de novo, constava apenas que:

- se a solução urbanística prevista não fosse autorizada, a Câmara pagava ao Autor 35.000,00 €;

- a Câmara se obrigava a proceder à terraplanagem da parcela sobrante.

18 - Considerando inaceitável o assim proposto, o autor transmitiu essa não aceitação e contrapropôs, por sua vez e por escrito que o contrato de cedência tivesse o seguinte clausulado, representando os compromissos recíprocos (o segundo outorgante é o Município de ...):

“CLÁUSULA PRIMEIRA

- Os primeiros outorgantes, na qualidade de únicos proprietários do prédio supra identificado cedem para a execução de um futuro caminho público confinante a Norte com o Nó de ..., uma parcela de terreno com a área de 755,50 m2 denominada parcela “E” e que se encontra delimitada a vermelho na planta topográfica anexa, a qual, depois de assinada pelos outorgantes, fica a fazer parte do presente contrato.

- A zona sobrante de terreno pertencente aos primeiros outorgantes ficará com acesso direto ao referido caminho público, obrigando-se o segundo outorgante a assegurar esse acesso.

CLÁUSULA SEGUNDA

- O segundo outorgante em contrapartida da cedência referenciada na cláusula primeira, compromete-se a construir e pavimentar o caminho público dotando-o de iluminação, saneamento, águas pluviais e águas canalizadas.

- O segundo outorgante obriga-se, ainda, a requerer às Infraestruturas de Portugal e ao Instituto da Mobilidade e Transportes, I.P. a aprovação de um Plano de Alinhamento de forma a viabilizar a realização de uma operação urbanística na parcela sobrante, conforme o estudo anexo ao presente contrato, nos termos legais e regulamentares aplicáveis.

CLÁUSULA TERCEIRA

- Caso não se mostre viável a aprovação da solução urbanística referida na cláusula anterior, o segundo outorgante compromete-se a indemnizar os primeiros outorgantes no valor de 120.000€ (cento e vinte mil euros) correspondente à perda de rentabilidade por não concretização das atividades económicas que seriam realizadas na parcela sobrante.

- Constitui, ainda, obrigação do segundo outorgante proceder à terraplanagem com a retirada das “raizeiras” da parcela sobrante do prédio objeto da cedência, mesmo que o projeto relativo às atividades económicas que os primeiros outorgantes pretendem não seja aprovado.

- O segundo outorgante, que já iniciou a obra no local, reconhecendo que o talude na confinância entre o novo caminho e o terreno sobrante se encontra construído por forma a exceder o limite resultante do citado documento n.º 1, obriga-se a proceder à retificação desse limite, por forma que este fique no ponto constante do citado documento n.º 1, quando proceder à terraplanagem.

CLÁUSULA QUARTA

O segundo outorgante desde já assegura aos primeiros outorgantes a concessão do necessário licenciamento para execução de edifícios de habitação e comércio na zona sobrante, concretamente com utilização de Rés-do-Chão para comércio e serviços e de dois pisos para habitação com respetivas garagens, bem com acesso direto ao novo caminho.

CLÁUSULA QUINTA

O presente contrato apenas produzirá efeitos após a aprovação do Plano de Alinhamento por parte das entidades competentes, nomeadamente das “Infraestruturas de Portugal e Instituto de Mobilidade Terrestre, I.P.”, e desde que seja aprovado o licenciamento da construção para atividades económicas.

CLÁUSULA SEXTA

- Caso não seja emitido documento bastante que assegure o licenciamento de construção de 4 frações para atividades económicas no prazo de 90 dias, contados de hoje, o presente contrato de cedência fica sem efeito.

- O prazo de conclusão no terreno de todas as condições referidas neste contrato, com a legalização integral da obra e seu acabamento é de 150 dias contados de hoje, embora possa ser prorrogado por prazo não superior a outros 150 dias, desde que ocorra qualquer imprevisto”.

19- Recebida essa contra-proposta, a Câmara Municipal de ...decidiu, porém, recusar sequer discuti-la, rompeu toda a negociação e informou o autor, por escrito de 22/4/2019 que “esta autarquia não pode aceitar o contrato de cedência nos termos da minuta remetida, tendo em conta que os valores são exagerados e as obrigações daí resultantes para o Município não dependem só de si, isto para além das isenções que são da competência do órgão Assembleia Municipal”.

20- O Autor ainda procurou que a Câmara mantivesse de pé o negócio para o que sugeriu que fizesse uma contra-proposta correspondente ao valor que lhe parecia adequado e assumisse desde já os compromissos que por si podia assumir sem interferência de terceiros.

21- A Câmara Municipal de ..., por comunicação escrita de 17/07/2019, informou que “face à demora na negociação/decisão (do autor) e tendo em conta o estado adiantado da empreitada em causa, este Município deixou de ter qualquer interesse na construção do pretenso caminho público e, em consequência, dá por encerrado o processo de negociação / contrato de cedência que envolvia (…) AA”.

22- Em 25 de Setembro de 2019, o Autor, através do seu advogado dirigiu à Câmara Municipal de ..., uma carta na qual qualificava de grave a situação criada por esse fecho das negociações, e emprazava-a a que prosseguissem, atendendo a que:

- O Município de ... já utilizara e integrara informalmente, no domínio público, sem pagar um centavo e sem título idóneo de transmissão, 3.398 m2 de terreno propriedade do Autor, e essa aquisição não podia subsistir, sem mais;

- o rompimento unilateral e imotivado das negociações em curso implicaria responsabilidade do Município, à luz do disposto nos artigos 164, 165 e 501º do Código Civil, por não ser comportável por regras de boa fé negocial.

23- Não foi, porém, possível fazer reverter a situação porque o Município de ... se manteve irredutível na posição de que o assunto estava encerrado.

24- A obra está atualmente completamente acabada e afetada ao uso público.

25 - A construção do designado “Nó de ...” envolveu a negociação de quatro parcelas de terreno, melhor identificadas sob as letras A, B, C e D na planta topográfica;

26 - A parcela A, com a área de 11 267,00 m2, era propriedade da herança de KK, que foi partilhada por escritura celebrada, no dia nove de Abril de dois mil e treze, tendo sido aí adjudicado ao Autor marido, filho do autor da herança, o prédio rústico da verba 20 correspondente ao prédio rústico melhor identificado no artigo 1º da petição inicial;

27- Antes de requerer a declaração de utilidade pública, o Município de ... diligenciou no sentido de adquirir as quatro referidas parcelas, necessárias à execução do designado “Nó de ...”, encetando as necessárias negociações para o efeito;

28- Em resultado desse esforço negocial, todas as parcelas foram adquiridas para o domínio público municipal, que as afetou à construção do referido “Nó de ...”, já aberto ao trânsito público;

29- Os respetivos proprietários receberam contrapartidas em dinheiro, celebrando as competentes escrituras públicas de compra e venda, à exceção dos Autores;

30- Assim, o Autor marido, enquanto proprietário, com o conhecimento e consentimento da esposa, sempre se dispôs a ceder ao Município de ... a parcela a desanexar do seu prédio rústico, com a área de 3.398 m2, melhor identificada sob o doc. 2, mediante a contrapartida de a parte restante do seu identificado prédio rústico transitar, na próxima Revisão do PDM do Município de ..., de “Solo Rural”, na categoria de “Espaço Florestal” para “Área de Construção”;

31- Em 24 de Abril de 2015, no âmbito da “Discussão Pública da Revisão do Plano Diretor Municipal de ...”, o Autor marido reclamou a classificação como Área de Construção da parcela sobrante do seu prédio rústico – cfr. doc. 3, que se junta e cujo teor, por brevidade, aqui se dá como integrado e reproduzido;

32- Nos exatos termos da parte final da referida reclamação, o Autor marido, afirma, expressamente, o seguinte, assim consumando a sua posição negocial anterior: “Aproveito ainda esta exposição para propor ao Município a celebração de um acordo, visando a cedência de uma parcela do meu terreno (para a construção do nó) em contrapartida da reclassificação da restante propriedade como área de construção” (itálico nosso) – cfr. doc. 3;

33- Até então, designadamente até à partilha celebrada, em 9 de Abril de 2013, pela escritura pública que é o doc. 1 junto com a petição inicial, o Autor limitou-se a intervir, como herdeiro, em relação a toda a parcela A, que integrava a herança indivisa do seu falecido pai, a desanexar de artigos diversos;

34- Intervindo, nessa qualidade, na reunião a que alude nos artigos 7º e 8º da petição inicial e nos requerimentos que apresentou antes da partilha, tendo por objeto toda a área da parcela A integrante da referida herança;

35 - As demais parcelas que o réu (lapso da sentença que fez constar autor) negociou com os respetivos proprietários, que estavam integradas no Regulamento do PDM de ... como “Solo Rural”, na categoria de “Espaço Florestal”, foram negociadas à razão de valores compreendidos entre €2.83/m2 e 10,72/m2, enquanto os Autores, com a contrapartida por si proposta, com a cedência de menos de um terço da área do seu prédio rústico (3.398 m2), conseguiam, no mínimo, decuplicar o valor de mais de dois terços da área sobrante (7.878,17 m2) – cfr. folhas 3/10 e 4/10 do doc. 3;

36- O que, na prática, significava uma contrapartida de valor substancialmente superior à que foi negociada com os demais proprietários de terrenos ocupados com a construção do referido nó-viário;

37- Com estes pressupostos negociais, propostos pelo Autor marido e aceites pelo Município Réu, no pressuposto de que a contrapartida podia ser dada, este propôs à Comissão de Revisão do PDM de ... a classificação da parte sobrante do prédio rústico propriedade do Autor marido como “Solo Urbano”, na categoria de “Espaço Residencial de Nível 1”, proposta essa que foi aceite, como resulta do Regulamento do PDM de ... revisto, tornado público pelo Aviso nº ...98/2015, publicado no DR, 2ª Série, nº ...74, de ... de Setembro, tendo-se assim o contrato por concluído – cfr. doc. 4, que se junta e cujo teor, por brevidade, aqui se dá como integrado e reproduzido;

38 - A construção do designado “Nó de ...” e a respetiva localização e implantação no terreno foi do conhecimento dos Autores e do público em geral, mediante a colocação de um painel de grandes dimensões na confluência da Estrada Nacional ... com a Rua ..., que se desenvolve na sequência da Rua ..., que margina o prédio rústico dos Autores, do lado nascente;

39- O Réu, paga a contrapartida proposta pelo proprietário do terreno a ceder, deu como assente a cedência da parcela em causa, com a área de 3.398 m2, necessária à implantação da parte norte do referido nó-viário;

40- Daí que, com o conhecimento dos Autores, que passam na referida Rua ... quase diariamente, foram colocadas estacas, a demarcar a parcela a desanexar do prédio do Autor marido, com os limites que resultam das plantas que conheciam e se mostravam afixadas no referido painel, antes de a obra se iniciar;

41 - Adjudicada a empreitada para execução da referida obra pública, as máquinas da sociedade adjudicatária iniciaram e praticamente concluíram a mobilização do terreno da parcela cedida, a contento dos Autores, que continuaram a passar por lá, sem qualquer reclamação, desde que as mesmas começaram, o na 2ª quinzena de Novembro de 2018;

42 - A parcela de terreno envolvida na construção do “Nó de ...”, com a implantação, a verde, na planta junta como doc. 2, com a área de 3.398 m2, seria a necessária para a implantação do nó e das faixas de rodagem propriamente ditas e ainda para a construção de um talude, a norte, que resultou da implantação da via, que corre a cota inferior à do solo da parte sobrante do prédio dos Autores;

43- Porém, estava previsto que o referido talude, para que pudesse conter-se na área cedida, e também por razões de segurança, deveria ter um socalco a meia encosta;

44- Quando os Autores se aperceberam que o talude, após o desaterro das áreas destinadas às faixas de rodagem, estava a ser regularizado, com a implantação do referido socalco, opuseram-se a que assim fosse;

45- O que obrigou a empreiteira a fazer um plano de adaptação do talude, sem o referido socalco intermédio, e, consequentemente, a extravasar a área de cedência prevista, sem oposição dos Autores, que permitiram que as obras do talude prosseguissem;

46- Os Autores cederam a parcela em causa ao domínio público, com a área de 3.398 m2, e com a implantação melhor assinalada, a verde, na planta que é o doc. 2 supra, para a construção do designado “Nó de ...”, mediante a contrapartida, já obtida, de a parte sobrante do prédio rústico de onde foi desanexada passar a ser classificado como “Solo Urbano” no Regulamento do Plano Director Municipal de ... revisto – cfr. doc.s 3 e 4;

47 - A parcela cedida foi devidamente demarcada, tendo sido executadas, no âmbito da referida empreitada de obras públicas, todos os trabalhos constantes do caderno de encargos, para a abertura dos troços do nó que se desenvolvem na parcela em causa, sua pavimentação, construção de taludes e guardas metálicas, que permitiram a sua afetação ao trânsito viário público, no designado “Nó de ...”, há muito inaugurado;

48 - A referida afetação ao uso público, mediante o trânsito permanente de veículos automóveis na parcela cedida, foi assim consentida pelos Autores, que por lá passam quase diariamente para visitar as propriedades do Autor marido;

49 - Beneficiando o proprietário, entretanto, da classificação, em zona de construção, da parcela sobrante, o que se traduz em uma vantagem significativa e substancialmente superior ao do valor da parcela cedida com a aptidão anterior à revisão do PDM do concelho de ...;

50- No tocante à parcela, com a área de 3.398 m2, a ocupação da parcela cedida foi autorizada, sem quaisquer outras contrapartidas, tendo a posse da parcela sido transferida para o Município de ..., de forma titulada, ainda que não formalizada, mediante a celebração de um acordo de cedência, consensualizado, de forma reiterada;

51- Ao ceder a identificada parcela de terreno, com a área de 3.398 m2, da sua propriedade, entretanto utilizada para a implantação da infraestrutura viária do designado “Nó de ...”, perdeu o Autor marido a posse sobre tal parcela de terreno;

52 - Da sua área inicial global de 11.267m2 (representada entre as letras A, B, C e D), o Município ocupou e inutilizou com a construção do “Nó de ...” a área de 2.957 m2 que inclui:

- zona AA representada no documento nº 6;

- zona destinada a talude à margem da via, com rede, ocupando uma área de 829 m2 o talude e 145 m2 a rede (zona representada no documento sob a letra CC);

- área sobrante a sul (interior do nó) com a área de 430 m2 ( zona representada no documento sob a letra DD),

53 - Tudo, no total de 3 387 m2, que corresponde sensivelmente à área cedida pelos autores.

54 - Restou, pois, a zona sobrante norte com a área de 7 880 m2 - zonas representadas no documento sob as letras BB e FF.

55- Os Autores pretendem agora tirar proveito de uma situação por si criada, em prejuízo do Réu, depois de colhida a contrapartida por si exigida para a cedência gratuita da parcela;

56- O Autor marido, não só transmitiu a posse sobre a parcela de terreno necessária para a implantação do designado “Nó de ...”, como consentiu na atuação do Réu sobre aquela parcela de terreno, transformando-a profundamente com as obras e trabalhos na mesma realizados e que consistiram na construção do referido nó-viário, uma obra bilateral, de entrada e de saída na e da via-circular a ..., com grande envergadura económica e financeira;

57- Quanto à parcela com a área de 861 m2, foi o Réu quem propôs ao Autor marido a cedência de uma parcela, contígua e localizada a norte da parcela anteriormente cedida para a construção do “Nó de ...”, integrada já no domínio público, parcela essa com a área de 574 m2, melhor implantada, a vermelho, na planta junta como doc. 2, para aí implantar um caminho de acesso à “Quinta de ...”, com a largura de 4 metros, como havia sido acordado aquando da negociação com a irmã e cunhado do Autor marido – cfr. doc. nº 5, cujo teor, por brevidade, aqui se dá como integrado e reproduzido;

58- O Município Réu pretendia construir o referido caminho de acesso, para reposição do caminho pré-existente, que havia sido suprimido com a construção do nó-viário, melhor implantado na planta junta como doc. 2 e na planta de folha 3/10 do doc. 3;

59- Porém, o Autor marido, mais uma vez, intentou tirar mais vantagens negociais a situação, dispondo-se a ceder, também gratuitamente, não os 574 m2 para a construção de um acesso privado à “Quinta de ...”, mas 861 m2, depois reduzidos a 755,50 m2, para implantar um caminho público, que servisse de infraestrutura urbanística da parcela sobrante do seu prédio, agora destinado a construção urbana;

60 - Mediante a contrapartida da viabilidade construtiva potenciada, que o Réu não poderia garantir, porque não dependia só de si, mas de outras entidades, prevendo uma indemnização alternativa de valor exorbitante, bem como a execução de obras bastante onerosas, como se pode ver da proposta e do proposto contrato de cedência que são os doc.s 8 e 11 juntos com a petição inicial;

61- Com a vantagem de transformar um caminho de acesso particular a favor da citada propriedade da irmã, por onde não teria serventia, em caminho público, infraestruturante da operação urbanística que pretende fazer na parcela sobrante do seu prédio rústico;

62- O Município de ... Réu esforçou-se ao máximo para obter a cedência do terreno necessário à implantação do acesso particular à “Quinta de ...”, cumprindo a obrigação assumida em escritura pública com os respetivos proprietários, propondo dois contratos de cedência, que os doc.s 7 e 10 juntos com a petição inicial consubstanciam;

63- Os Autores, sabendo da premência do Município Réu, tentaram obter contrapartidas impossíveis e/ou incomportáveis, propondo-se, inclusive, vender à Câmara a área de terreno no círculo interior da rotunda norte, inicialmente cedida, integrando já o domínio público, por €35.000,00;

64- Motivo por que o Município Réu, esgotados os seus limites negociais, com as sobreditas propostas, que foram recusadas pelo declaratário das mesmas, nada mais tinha a negociar, passada, entretanto, a janela de oportunidade, com a próxima finalização dos trabalhos da empreitada de “Construção de Acesso à Zona Industrial de M... / G...

65 - O Município Réu terá agora que encontrar um acesso particular alternativo à “Quinta de ...”, depois de, face à demora na negociação/decisão por parte do Autor

marido, ter deixado de ter qualquer interesse na construção do pretenso caminho público, que deixou de poder fazer no prazo da empreitada de construção do designado “Nó de ...”;

66- O Município Réu não tinha assim que continuar um processo negocial, que se mostrava esgotado, inconsequente, devido às posições estremadas adotadas pelos Autores;

67- Sendo certo que a parte sobrante do prédio rústico propriedade do Autor marido, apta para construção urbana, confronta com a Rua..., sendo possível, sem prejuízo das valetas, manter o acesso que sempre teve à via pública;

68 - O prédio do Autor marido, melhor identificado sob o artigo 1º da petição inicial, constituído agora apenas pela área da parcela sobrante, localizada a norte da parcela inicialmente cedida para a construção do “Nó de ...”;

69- Parcela sobrante essa que confronta, como confrontava toda a área do prédio, antes da construção do referido nó, com a designada Rua ..., uma via pública municipal que liga a freguesia de ... à de ..., ambas do concelho de ...;

70 - A referida parcela sobrante do referido prédio corresponde à soma das alegadas parcelas BB e FF da planta que é o doc. 6 junto com a petição inicial;

71- Parcelas essas que são contínuas e que não se mostram discriminadas por qualquer operação urbanística, tendo assim acesso direto à Rua ...;

72- No que respeita à alegada parcela DD, no círculo interior da rotunda norte do nó, a mesma integra a área cedida, como se vê na planta junta como doc. 2 e na planta 4/10 do doc. 3;

73- Parcela essa cuja área integra a área de 3.398 m2 inicialmente cedida, apesar de apenas ter sido integrada no domínio público a área de 3 387 m2 (menos 11 m2 do que a área cedida).”

Foram dados como não provados os seguintes factos:

“74- O autor aceitou iniciar negociações e, como ato prévio, pediu à Câmara que o informasse sobre se era possível alterar o PDM (onde o prédio se situava em zona exclusivamente agrícola) por forma a que a zona passasse a ser de construção, após a ablação da área a utilizar para o domínio público, uma vez que o preço que tencionava propor variaria conforme a zona sobrante mantivesse apenas aptidão agrícola ou passasse a ter aptidão construtiva, e, neste caso, pretendia também saber que tipo de construção (área de construção, número de pisos, destino da construção, acessos) seria permitido.

75- A Câmara comprometeu-se a prestar essas informações posteriormente por escrito, mas nunca até hoje transmitiu ao autor o que quer que fosse.

76- Assim ficaram as coisas até Setembro de 2017, mais de 2 anos depois do último contacto, sem resposta alguma da Câmara e sem quaisquer outros contactos ou iniciativas de um ou de outro lado.

77- O autor informou que concordaria em fazer a cedência, desde que a Câmara assumisse a obrigação de proceder à pavimentação do novo caminho e à sua iluminação, lembrando ainda que continuava a aguardar que lhe fossem prestados os esclarecimentos complementares quanto à área concreta a integrar no domínio público e a das zonas sobrantes atrás referidas, o que aqueles responsáveis se comprometeram a comunicar, embora nunca o tivessem feito.

78 - Essas áreas de terreno não ocupadas pela estrada ficaram sem qualquer acesso direto à via pública, completamente encravadas, e, por isso, de nada serve pertencerem ainda ao Autor, porque ele não pode usá-las, servir-se e ocupá-las, nem lhes tem acesso sequer, pois:

79 - A área sobrante (letra FF) a Norte-Poente (4120m2) e a área sobrante a Norte- Nascente junto à Rua ... (2275m2) (letra BB) teriam como único acesso possível o caminho público que acabou por não ser construído;

80- A área sobrante a Sul (cerca de 500 m2 - letra DD) ficou sem qualquer acesso isolada, pois a Norte, Poente e Nascente ficou a via pública sem entradas nem saídas e a Sul o prédio de uma vizinha, GG (letra EE) para onde essa área não tem, porque nunca teve, qualquer acesso.

81- O prédio do Autor dispunha antes das obras em toda a sua extensão de acesso franco, direto e cómodo à via pública, ao longo de várias dezenas de metros e ficou dele privado, na totalidade,

82 - E essas zonas não foram dotadas pela autarquia de qualquer acesso direto à via pública.

83 - Quer a zona BB, quer a zona FF só podiam ter acesso pelo caminho que a Câmara propôs construir mas não construiu (representado a vermelho nessa planta).

84 - Do projeto camarário que deu lugar ao nó de ..., já concluído e entregue ao uso pelo público em geral, não constam quaisquer acessos da via pública às zonas sobrantes.

85 - Ao tomarem consciência progressivamente e ao longo de vários anos dos atropelos aos seus direitos, passaram inúmeras noites sem dormir, sofreram inúmeros incómodos e arrelias sem conta.”

Admissibilidade do recurso:

Como se deixou escrito no despacho proferido em apenso de reclamação apresentada ao abrigo do disposto no art. 643º do CPC, tendo em consideração o valor da causa, da sucumbência (superior a € 15.000,00), a legitimidade dos recorrentes e o teor do acórdão recorrido, não se colocam obstáculos gerais à admissibilidade do recurso principal interposto pelos autores/recorrentes.

Como se observou, verifica-se, no caso, uma situação de dupla conformidade decisória impeditiva da admissibilidade do recurso de revista normal.

Contudo, tendo em consideração que os recorrentes imputam ao tribunal da Relação a violação do disposto no art. 662º do CPC, deve aquela dupla conformidade considerar-se descaracterizada, de acordo com a jurisprudência pacífica deste STJ.

Como assim, deve o recurso de revista ser admitido com o respectivo objecto limitado à parte em que imputa ao Tribunal da Relação a violação do disposto no art. 662º do CPC.

Os recorrentes invocam, ainda, a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, por considerarem que o Tribunal da Relação de Guimarães não se pronunciou sobre questões de direito por eles suscitadas em sede de apelação.

Como assim, a nulidade invocada não se encontra relacionada com a invocada violação por parte do Tribunal da Relação do disposto no art. 662º do CPC, devendo ser conhecida apenas em caso de admissão de recurso de revista excepcional.

Da violação do art. 662º do CPC:

Os recorrentes imputam ao Tribunal da Relação erro de julgamento, por considerarem que a Relação se “limitou…a debitar sobre cada um deles considerações vagas, de mero suporte pessoal, e até, em alguns casos, ininteligíveis, como é o caso da referência às razões pelas quais se entendeu que a autora mulher consentiu no negócio, e sem qualquer suporte nos depoimentos gravados nem nos documentos juntos (…)”.

Como se sabe, a intervenção do STJ no âmbito da matéria de facto visa garantir, essencialmente, o cumprimento de normas de direito probatório material, sendo as decisões da Relação, tomadas ao abrigo dos nºs 1 e 2, do art. 662º do CPC, irrecorríveis (cfr. art. 662º, n.º 4, do CPC).

Porém, como explica Abrantes Geraldes , em Recursos em Processo Civil, 5ª edição, pág. 312, “esta delimitação não é totalmente rígida. Com efeito, é admissível recurso de revista quando sejam suscitadas questões relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjectivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, maxime quando seja invocado pelo recorrente o incumprimento de deveres previstos no art. 662º” ou quando se trate de “sindicar a decisão da matéria de facto nas circunstâncias referidas no art. 674º, nº 3, e apreciar criticamente a suficiência ou insuficiência da matéria de facto provada e não provada em conexão com a matéria de direito aplicável, nos termos do art. 682º, nº 3.” Este tem sido, de resto, o entendimento que tem vindo a ser expresso de forma reiterada e constante pelo STJ (cfr. por exemplo, o Ac. do STJ de 3.11.2021), sendo certo, no entanto, que o poder de apreciar o cumprimento das regras adjectivas atinentes à reapreciação da matéria de facto não se confunde com a sindicância do percurso probatório percorrido pelo Tribunal da Relação, nem tão pouco com a consistência da argumentação levada a cabo pelo tribunal recorrido. De facto, “não cabe ao tribunal de revista intrometer-se na apreciação do mérito da análise probatória realizada nem tão pouco na aferição da sua consistência. (…) compete assegurar a legalidade processual do método apreciativo efetuado pela Relação, mas não sindicar o eventual erro desse julgamento nos domínios da apreciação e valoração da prova livre nem da livre e prudente convicção do julgador.” (Ac. STJ, de 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Recuando ao recurso de apelação, verifica-se que os recorrentes impugnaram a matéria, pugnando:

1 - Pela eliminação (no todo ou em parte) dos factos n.ºs 28, 30, 32, 33, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 46, 48, 49, 50, 51, 55 a 67, 71, da matéria de facto provada (nos termos que se mostram explanados a págs. 47 e ss. do recurso de revista e págs. 18 e ss. do recurso de apelação);

2 – Pelo aditamento dos seguintes factos:

54 A – Previamente à ocupação do terreno pelo réu, o prédio dos autores estava assim classificado:

a) No interior do nó: 1405,00 m2 como solo urbano, com um índice de construção de 1,5; 2533 m2 como solo rural (floresta de produção);

b) Na parcela sobrante norte: 7329 m2 como solo urbano (espaços residenciais de nível 1).

54 B – A parcela sobrante norte devido à zona de servidão “non aedificandi” do nó construído, que corresponde a um círculo de 150 metros de raio centrado na interceção dos eixos das vias, de acordo com a alínea r) n.º 8 do artigo 32 da Lei 34/2015 de 27 de abril, apesar de classificada pelo PDM como solo urbano, ficou sem capacidade construtiva.

3 – Pela prova do seguinte facto:

74 – Os autores, em consequência do comportamento do réu, e ao tomarem consciência progressivamente e ao longo do tempo dos sucessivos atropelos aos seus direitos sofreram incómodos e arrelias, de que deram conta a pessoas conhecidas.

Sobre esta matéria o Tribunal da Relação pronunciou-se da seguinte forma:

“Quanto ao facto 28, consideram os impugnantes que ninguém referiu nem está documentado qualquer esforço negocial feito pelo réu, pelo que essa expressão deve ser eliminada.

Não lhes assiste razão.

De todo o encadeamento dos acontecimentos, expresso na troca epistolar e assim relatado pelas testemunhas FF e EE surge evidente o esforço desenvolvido pelo município com vista ao acordo negocial com o autor.

Quanto ao facto 30, entendem os impugnantes que ninguém referiu que o autor marido alguma vez tenha agido “com conhecimento ou consentimento da esposa” ou que “sempre se dispôs a ceder ao Município de ... qualquer parcela de terreno” ou que negociou ou apontou qualquer “contrapartida”, pelo que essas referências devem ser eliminadas do texto correspondente.

Também aqui não têm razão.

O conhecimento e consentimento da esposa é facto que se pode presumir com meridiana segurança da atuação proactiva do autor seu marido, assomado da circunstância de a mesma não ter manifestado mesmo tacitamente a sua discordância ou demonstrado ignorar tais factos, o demais relativo à cedência e respetiva contrapartida resulta do depoimento das testemunhas FF e EE.

No facto 32, a descrição contida no documento conjugada com as diligências que haviam sido encetadas, autoriza a ilação de se estar perante o consumar de uma posição negocial anterior, resultando do próprio texto do documento que o fazia “em contrapartida da reclassificação da restante propriedade como área de construção”.

O facto 33º, mantém-se, desde logo, porque admitido pelo próprio autor.

O facto 35º, além do manifesto lapsus linguae, onde consta autor quis-se dizer réu, o mais consta do documento que se cita.

O facto 36º, é a conclusão lógica resultante de simples cálculo aritmético.

Facto 37º, a alteração da classificação do PDM como decorre, aliás, de toda a documentação, foi resultante do proposto pelo autor e aceite pelo réu, resultando indubitavelmente do documento nº3 a proposta do autor, em termos de contrapartida, e do documento nº4 a sua aceitação por parte do município que nessa conformidade propôs à Comissão de Revisão do PDM de ... a classificação da parte sobrante do prédio rústico na categoria de “Espaço Residencial de Nível 1”, proposta essa que foi aceite, como resulta do Regulamento do PDM de ... revisto, tornado público pelo Aviso nº ...98/2015, publicado no DR, 2ª Série, nº ...74, de... de Setembro.

Não têm razão os recorrentes na impugnação do facto 39º, na medida em que a contrapartida foi atendida pelo município.

Factos 40º e 41º a desatender a impugnação por irrelevante para a solução jurídica do caso.

Facto 46º, resulta demonstrado quer em razão dos documentos nºs 3 e 4 quer do depoimento das testemunhas FF e EE.

Quanto aos factos 49º, 50º, 51º, 55º a 67º, 71º, a sua demonstração resultou do conjunto dos depoimentos das testemunhas do réu, que com clareza relataram que estão em causa três situações distintas, em cada uma das três parcelas do prédio rústico, e o desenrolar dos acontecimentos quanto a cada uma delas.

Assim, quanto a esta parte da impugnação, não lhes assiste razão.

Consideram ainda os impugnantes que devem ser aditados os seguintes factos:

54 A – Previamente à ocupação do terreno pelo réu, o prédio dos autores estava assim classificado:

a) No interior do nó: 1405,00 m2 como solo urbano, com um índice de construção de 1,5; 2533 m2 como solo rural (floresta de produção);

b) Na parcela sobrante norte: 7329 m2 como solo urbano (espaços residenciais de nível 1).

54 B – A parcela sobrante norte devido à zona de servidão “non aedificandi” do nó construído, que corresponde a um círculo de 150 metros de raio centrado na interceção dos eixos das vias, de acordo com a alínea r) n.º 8 do artigo 32 da Lei 34/2015 de 27 de abril, apesar de classificada pelo PDM como solo urbano, ficou sem capacidade construtiva.

74 – Os autores, em consequência do comportamento do réu, e ao tomarem consciência progressivamente e ao longo do tempo dos sucessivos atropelos aos seus direitos sofreram incómodos e arrelias, de que deram conta a pessoas conhecidas.

Os pontos enumerados em 54º A e B, assentam no testemunho da Engª CC, que a pedido dos autores fez uma avaliação das parcelas, o ponto enumerado em 74, com essencialidade no depoimento de DD.

Sobre a classificação e o valor real e corrente do mercado do prédio do autor, considerando as várias parcelas em que o mesmo se decompõe, o tribunal a quo baseou-se no Relatório Pericial de fls. 106 a 119, do qual resulta que o Sr. Perito procedeu à avaliação de 3 áreas de terreno, a saber:

- a zona “sobrante norte”, com a área de 7880 m2, à qual o Exmo. Perito atribuiu o valor parcial de 259 252,00 euros, correspondente a 32,90 euros/m2 (avaliando esta parcela como terreno apto ou destinado a construção, de acordo com o PDM em vigor);

- a zona ocupada pela via, com a área de 2957 m2, à qual o Exmo. Perito atribuiu o valor parcial de 6 653,25 Euros, correspondente a 2,25 Euros/m2 (avaliando esta parcela como Solo Rural - Espaços Florestais -Espaços Florestais de Produção);

- a zona “sobrante sul”, com a área de 430 m2, à qual o Exmo. Perito atribuiu o valor parcial de 967,50 Euros, correspondente a 2,25 Euros/m2.

Nos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito, a fls. 127 a 131, 140 a 143, este esclarece que:

- a área sobrante norte, tem acesso direto à via publica, confrontando do lado nascente com a Rua ...;

- a área de 2957 m2, ocupada pela via inclui a zona destinada a talude e à rede, demarcando-a da parte sobrante a norte com a área de 7880 m2;

- a área ocupada pela via, incluindo talude e rede é de 2 957,00 m2 e, portanto inferior à área cedida de 3 398,00 m2. Admite que a área referida ( 3 398,00 m2) inclua a área ocupada pela via ( 2 957,00 m2) e a parcela no interior do nó (430 m2), que dá uma área de 3 387,00 m2, sensivelmente igual à área cedida;

- se a parcela sobrante a norte fosse avaliada de acordo com a anterior classificação - Solo Rural, na categoria de Espaço Florestal - o valor avaliativo seria 2, 25 Euros/m2. Apresentado e escrutinado o relatório pericial, não há fundamentos para o desatender. Ouvido na íntegra o depoimento da testemunha CC, é inegável o caracter “pericial” do mesmo, no sentido em que a testemunha não relatou factos do seu conhecimento direto, antes o resultado da avaliação que fez ao prédio enquanto perita avaliadora.

Na verdade, o depoimento não incidiu sobre factos de que a testemunha tivesse conhecimento direto, mas redundaram na apreciação técnica dos factos em causa, pretendendo contrariar os cálculos avaliativos efetuados no relatório pericial, pois que do parecer técnico por si elaborado resultam cálculos avaliativos completamente diversos dos constantes do relatório pericial.

(…)

Acresce que, no caso, o parecer técnico elaborado pela testemunha foi subtraído à intervenção das partes na definição do seu objecto e na fiscalização da sua fundamentação.

Em suma, porque este depoimento visou, em exclusivo, pôr em causa o resultado do relatório pericial, nenhum relevo probatório lhe pode ser atribuído.

Quanto aos incómodos e arrelias e suas causas, ressalvado o devido respeito, nem do trecho do depoimento da testemunha DD extraído pelos impugnantes tais danos resultaram demonstrados.

Daí que os factos que se pretendem ver aditados, não devam ser atendidos. Resulta, pois, do exposto, que não houve uma desconsideração da prova produzida no que se refere à factualidade impugnada, mas sim uma correta apreciação da mesma, improcedendo a impugnação da decisão da matéria de facto.”.

Ora, analisadas as alegações do recurso de revista e interpretada a pretensão dos recorrentes (cfr. páginas 51 e ss. das alegações de recurso), verifica-se que estes discordam, essencialmente, da forma como o Tribunal da Relação apreciou a prova testemunhal, desconsiderando os depoimentos de CC, DD, EE, AA, as declarações de parte do autor e, no que concerne aos danos não patrimoniais, os depoimentos das testemunhas NN, DD e OO.

Ora, do confronto do recurso de apelação com o teor do acórdão recorrido resulta que o Tribunal da Relação reavaliou, como lhe competia, os meios de prova disponíveis e invocados pelos recorrentes e ponderou todas as questões de facto suscitadas, apreciando a prova testemunhal e pericial de acordo com a sua livre convicção.

Com efeito, e percorrendo a prova indicada em sede de apelação, o Tribunal da Relação afirmou que a prova produzida não permitia alcançar a conclusão pretendida pelos recorrentes, tendo, para o efeito, e em consonância com os elementos probatórios salientados pelos recorrentes em sede de apelação, analisado os depoimentos de FF, EE, CC e DD, destacado a prova pericial produzida nos autos e apreciado os depoimentos das testemunhas do réu.

Com maior ou menor desenvolvimento, o Tribunal da Relação procedeu, assim, como lhe competia, a uma efectiva reapreciação da prova, tendo por referência os elementos de prova constantes nos autos e realçados pelos apelantes, não lhe podendo ser assacada, por isso, qualquer violação do disposto no art. 662º do CPC. Saber se o Tribunal da Relação decidiu bem ou mal é matéria que não compete a este Supremo Tribunal, por se reconduzir à eventual existência de erro de julgamento, que não é sindicável em sede de recurso de revista.

Deve, por isso, improceder o recurso de revista normal circunscrito à violação do disposto no nº 1 do art. 662º do CPC.

Relativamente à matéria de direito, os recorrentes/autores interpuseram (subsidiariamente) recurso de revista excepcional,, alegando o seguinte:

“Sem prescindir, a não serem julgadas pertinentes as razões que se referem para procurar justificar a admissão do recurso como de revista regra, afigura-se manifesto que o recurso deverá ser sempre admitido, então como revista excecional, nesse caso nos termos do art.° 672.° do Código de Processo Civil, porquanto:

a) Está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (falta de forma legal da pretensa doação, inobservância das regras legais da expropriação, imposição de uma cedência ao domínio público sem qualquer retribuição, contrariando a lei ordinária e a Constituição - art.° 62.° n.°s 1 e 2);

b) estão em causa interesses de particular relevância social (uma vez que os autores se viram privados sem qualquer retorno do que legitimamente lhes pertencia, ao arrepio de qualquer regra legal, e até da jurisprudência);

c) o acórdão recorrido, repetindo as citações feitas pelos apelantes no seu recurso de apelação, embora sem referir que é dos apelantes autoria dessas citações, não hesita em contradizê-las, designadamente o que foi decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que adiante será individualizado, transitado em julgado, produzido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sem que tenha sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”

Neste âmbito, devem os autos ser remetidos à Formação para apreciação dos pressupostos de que depende a admissibilidade da revista excepcional.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em negar a revista normal/regra e determinar a remessa dos autos à Formação, para os efeitos do art. 671º, nº 3 do CPC.

As custas do recurso ficarão pela recorrente, se a revista excepcional não for admitida.


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Lisboa, 17 de Setembro de 2024

António Magalhães (Relator)

Jorge Arcanjo

Maria João Vaz Tomé