Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
317/12.1TBCPV.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I. — A Portaria n.º 377/2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, porque não poderia logicamente violar uma Portaria que não é vinculativa para os tribunais.
II. — Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro coisas: Em primeiro lugar, deve averiguar-se se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO

  1. AA e BB instauraram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Companhia de Seguros Tranquilidade, SA., pedindo que esta seja condenada a reconhecer que um seu segurado deu causa a acidente que lhes causou danos, sendo, em consequência, responsabilizada pela reparação dos mesmos e, portanto, a pagar-lhes 218 584 € sendo:

a) à Autora mulher, 161 998, 95 €:

- 14 400 € por perdas de rendimento durante o período de incapacidade temporária subsequente ao acidente.
- 8 400 € por valores pagos a terceira pessoa de cujo apoio necessitou por dezoito meses a que deve acrescer montante a fixar para assegurar idêntico apoio no futuro na medida do que se revelar necessário;
-  € 60 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais;
- 75 000 € para ressarcimento da preda de ganho decorrente da incapacidade permanente de que ficou a padecer;
- 3 080 € para suportar despesas com transportes e consultas e tratamentos médicos ainda não ressarcidos.
- 1109, 93 € para ressarcimento de danos decorrentes da perda de objectos e vestuário no momento do acidente.

b) ao Autor marido 57 000 € (embora indevidamente somado na petição inicial o valor total de 56 550 €):

- 2 100 € por perdas de rendimento durante o período de incapacidade temporária subsequente ao acidente;
- 20 000 € para ressarcimento da preda de ganho decorrente da incapacidade permanente de que ficou a padecer;
- 20 000 € a título de indemnização por danos não patrimoniais;
-10 000 € a título de ressarcimento pelo dano de privação da relação sexual com a sua esposa.
-3 380 para ressarcimento decorrente da privação do uso do seu veículo automóvel;
- 1 070 € para pagamento do aparcamento do referido automóvel desde o acidente e até que a seguradora Ré assumiu o pagamento dos danos na referida viatura;
- 250 € para suportar despesas com transportes a consultas e tratamentos médicos e 400 € para compensar despesas com transportes ao hospital em visita à Autora mulher durante o internamento desta.
- 200 € para pagamento dos danos decorrentes da perda de uns óculos destruídos no momento do acidente.
- indemnização a liquidar posteriormente para ressarcimento dos danos decorrentes das consultas e tratamentos de que previsivelmente ainda necessitará no futuro, em qualquer caso acrescidos de juros até efectivo pagamento e contados desde a citação.

  2. A Ré contestou, aceitando a responsabilidade pelo acidente, ainda que impugnando a natureza e a extensão dos danos.

   3. O Autor AA, em requerimento autónomo a fls. 725 e seguintes, veio ampliar o pedido alegando, quanto ao dano de privação da actividade sexual com a sua esposa que a situação descrita na petição inicial se agravou entretanto e pedindo, para a sua compensação, a quantia 25 000 €.

  4. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente.

  5. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor:

“Nos termos e fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência condeno a Ré a pagar aos Autores indemnização no valor total de 181 365 € e no valor a liquidar posteriormente relativo ao IVA incidente sobre o valor de 4 450 € na data em que venha a ser emitida a respectiva factura, assim discriminada:
1- À Autora mulher:
a) O valor de 38 723 € de indemnização por danos patrimoniais a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos desde a citação em 08-11-2012 até efectivo e integral pagamento;
b) O valor de 85 000 € de indemnização por danos não patrimoniais a que acrescem juros de mora vincendos desde a presente data e até efectivo e integral pagamento.
2 – Ao Autor marido:
a) O valor de 3 192 € de indemnização por danos patrimoniais a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos desde a citação em 08-11-2012 até efectivo e integral pagamento;
b) O valor de 4 450 € de indemnização por danos patrimoniais a que acresce o IVA a liquidar posteriormente e tendo e conta a data da facturação a emitir acrescidos juros de mora vencidos e vincendos desde a citação em 08-11-2012 até efectivo e integral pagamento;
c) O valor de 50 000 € de indemnização por danos não patrimoniais a que acrescem juros de mora vincendos desde a presente data e até efectivo e integral pagamento.
Absolvo a Ré do demais peticionado.
Custas por ambas as partes na proporção dos respectivos decaimentos (art. 527º do Código de Processo Civil).”

  6. Inconformados, os Autores e a Ré interpuseram recurso de apelação.

  7. Os Autores finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

NO QUE RESPEITA À RECORRENTE BB
1.ª – A recorrente não se conforma com a indemnização que lhe foi atribuída pela sentença recorrida por via da incapacidade permanente que ficou a padecer:
2.ª - Da prova produzida resulta que a Autora apresenta sequelas das lesões sofridas em consequência do acidente, sendo estas causa directa de um défice funcional permanente da integridade física fixado em 28 pontos, compatível com o exercício de uma actividade profissional mas que implica esforços suplementares.
3.ª - Resultou provado que a Autora, à data do sinistro, exercia atividade doméstica no desempenho da qual confecionava e servia as refeições, na sua casa de residência, para si, para o seu marido e para os cinco filhos que consigo viviam.
4.ª - Lavava, limpava e arrumava a loiça, lavava e passava a roupa a ferro, dobrava e arrumava essa roupa, limpava o pó, varria e arrumava a sua casa de habitação.
5.ª - Além da atividade doméstica referida, exercia atividade agrícola, lavrando e gradando a terra do terreno junto à sua casa de habitação, onde semeava cereais e plantava as árvores, batatas e produtos hortícolas e saladas, cortava e colhia os cereais e demais produtos que cultivava e plantava.
6.ª - Cultivava e colhia, milho, batatas, vinho, cebolas, feijão, cenouras e toda a espécie de legumes, produtos hortícolas e saladas.
7.ª - Criava e engordava animais domésticos, designadamente galinhas e coelhos e gado para consumo doméstico.
8.ª - Executava todas as tarefas acima descritas e relativas às atividades doméstica e agrícola ao longo de um período de tempo nunca inferior a seis horas diárias pois a sua residência tem dois pisos e umas águas furtadas.
9.ª - Como resultado da sua atividade na agricultura, a Autora produzia géneros agrícolas e pecuários que para consumo dos elementos que compunham o seu agregado familiar, composto por seu marido e 5 filhos.
10.ª - A Autora deixou de executar as suas referidas tarefas de doméstica e de agricultora desde a data do acidente apenas realiza algumas atividades domésticas simples e de pequena duração.
11.ª - A Autora dedicava uma média não inferior a seis horas diárias a tarefas domésticas, agrícolas e pecuárias e, com elas, permitia a organização, higiene, alimentação e até sustento do seu agregado familiar composto por si, pelo seu marido e cinco filhos que com eles habitavam.
12.ª - Os produtos agrícolas que cultivava e os animais que criava destinavam-se ao consumo do referido agregado familiar e, com isso, tal agregado deixava de despender dinheiro na compra de hortícolas, cereais, ovos, leite, carne de aves, porcos e coelhos.
13.ª - Como aspetos importantes temos três vetores:
- a média diária de seis horas diárias – sete dias por semana - que o tribunal deu por provado que a mesma dedicava a essas atividades
- o facto de que estas beneficiavam o agregado familiar do casal e cinco filhos com eles residentes.
- a repercussão que as lesões e sequelas tiveram na sua vida, mormente na sua atividade profissional – doméstica e agricultora.
14.ª - Assim, ter-se-á de ponderar o seguinte:
- as lesões sofridas;
- o grau de incapacidade; a idade da vítima;
- o impacto que as lesões e as sequelas têm no seu estilo de vida, mormente em termos de disponibilidade.
15.ª - Na busca do tratamento paritário, no cálculo que efectue o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correcção, com base na equidade.
16.ª – Só assim será possível uniformizar minimamente o tratamento conferido aos lesados.
Lançando mão do critério habitualmente usado para o cálculo do dano patrimonial futuro, creio pois ser de adoptar uma solução de cálculo que tome por base um rendimento mensal médio de € € 943,00 (x 14) - salário médio nacional; a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida do lesado, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa);
17.ª - Ter-se-á que ter a idade da autora ao tempo do sinistro – 45 anos, o tempo de vida ativa que se pode situar nos 70 anos e também em atenção a esperança média de vida das mulheres nos 82 anos - (cfr. www.pordata.pt e https://www.ine.pt/ ).
18.ª - Mais deverão valorar-se fatores como a evolução dos rendimentos, a taxa de juro e do custo de vida.
19.ª - Tudo, obviamente, temperado com juízos de equidade, atenta a situação e o caso em concreto;
20.ª - Usando esta ponderação, deve fixar-se em € 50.000,00, a indemnização devida pelo dano biológico decorrente da IPP que ficou a padecer.
21.ª - Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 483º, 562º; 564º nºs. 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil.
22.ª – A recorrente também não se conforma com a fixação da indemnização decorrente da perda de rendimentos durante o período de incapacidade temporária subsequente ao acidente e relativamente ao apoio futuro, que ainda hoje mantém:
23.ª - Provou-se que desde a data do acidente e durante cerca de dois anos a Autora teve de ser auxiliada por terceira para efectuar todas as actividades de limpeza doméstica de sua casa- confecção de refeições, limpeza da casa, tratamento da roupa ao nível da sua lavagem e passagem a ferro e outras análogas -, além das acima referidas em 12) dos factos provados e que pagou a essa terceira pessoa a quantia 400,00 € por mês durante cerca de dezoito meses. Desde então e por mais cerca de seis meses a referida pessoa passou a realizar menos horas de trabalho diário e a auferir € 200,00 por mês por tais serviços.
24.ª - A ajuda da referida empregada mesma aos actos dados por provados em 12, todavia, apenas se iniciou aquando do regresso da Autora a casa após o acidente e internamento e durou apenas até 11 de Maio de 2012 (dezassete meses e meio).
25.ª - Sabe-se que o valor de 400 € mensais se destinou não só a retribuir o trabalho prestado pela terceira pessoa na higiene pessoal e alimentação da Autora mas, também e como já se assinalou, o trabalho doméstico por ela prestado em substituição da Autora.
26.ª - Não entendemos, como sufraga a sentença recorrida, que se deva estabelecer qualquer proporção do trabalho prestado a favor da Autora ao longo de dezassete meses e meio em 50% pelo que dos 7 000 € pagos (17, 5 x 400 €) se fixará o valor de 3 500 € como o devido pela ajuda de terceira pessoa à Autora.
27.ª - De facto, não resulta do elenco de factos dados como provados, algo que indicie alguma limitação referente ao pagamento efetuado, até porque resultou claramente como provado que a autora necessitou dessa ajuda.
28.ª - Deste modo, atenta a matéria de facto dada como provada, deveria o Tribunal recorrido ter condenado a Ré no pagamento de 8.400,00 euros, efetivamente pagos pela autora e decorrente da necessidade da autora, por via das lesões que lhe foram infligidas por via do presente acidente.
29.ª - Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 483º, 562º; 564º nºs. 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil.
30.ª - Da matéria de facto apurada, resulta provado que depois dos 18 meses e dos 6 meses seguintes a esses 18 meses, essa terceira pessoa que prestava auxílio à autora passou a prestar esse auxílio sem cobrar qualquer quantia mas com a promessa dos Autores que lhe pagariam logo que tivessem disponibilidade financeira para tal.
31.ª - A autora, na petição inicial, remeteu a liquidação desses pagamentos decorrentes do auxílio dessa terceira pessoa de forma permanente, para incidente posterior.
32.ª - Ora, está provado que:
71. Desde então, porque a referida pessoa passou a namorar e depois casou com um filho da Autora passou a prestar esse auxílio sem cobrar qualquer quantia mas com a promessa dos Autores que lhe pagariam logo que tivessem disponibilidade financeira para tal.
33.ª - Assim, a liquidação desses pagamentos futuros deveria ser relegada para decisão a proferir em sede de incidente de liquidação, pois o dano resultou provado.
34.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto nos art.ºs 562.°, 566.º e o n.º 3 do art.º 496.°. do Código Civil.
35.ª - Em jeito final, dir-se-á que se atendeu ao principio que o não podendo o tribunal ir além do pedido nos termos do artigo 609º do Código de Processo Civil, hoje é entendimento unanime que de acordo com o entendimento sufragado também pelo Supremo Tribunal de Justiça, entre outros no Acórdão de 04-11-2003, Ref. 5577/2003, in http://www.colectaneadejurisprudencia.com que o tribunal pode valorizar qualquer das parcelas em que se desdobra o pedido global de indemnização em montante superior ao indicado pelo próprio peticionante, mas o valor total alcançado não pode em caso algum ser superior ao pedido, pois, de outra forma, terá de ser reduzido para o valor do pedido”.
36.ª - Assim, caso venha o presente recurso, no que diz respeito à aqui autora, venha a ser julgado totalmente procedente e tendo em conta as outras indemnizações fixadas, a soma dos mesmo respeita o valor do pedido globalmente formulado.
NO QUE RESPEITA AO RECORRENTE AA:
37.ª - Não obstante o evidente cuidado colocado na douta sentença, pensamos que, apenas no segmento decisório que a seguir indicamos, a sentença enferma de erro de julgamento e interpreta defeituosamente a factualidade apurada, aplicando erradamente a Lei e as orientações jurisprudenciais, como infra se verá.
38.ª - São os seguintes os pontos da matéria de facto que foram incorretamente julgados, pois o Tribunal recorrido considerou tais factos como não provados:
q) À data do sinistro, o Autor encontrava-se desempregado, mas perspectivava uma colocação profissional na Clínica …, na área comercial na angariação de clientes de Medicina do Trabalho.
r) Onde iria a auferir um montante não inferior a € 700,00.
s) Iria iniciar funções em Novembro de 2010.
t) Devido às lesões decorrentes do acidente, o Autor não pode iniciar essa actividade profissional.
39.ª – De acordo com o depoimento da testemunha CC – Gravado no sistema informático “Habilus”, – com a duração de 20 minutos e 25 segundos, no dia 20/05/2019, das 15:58:23 às 16:18:47 e das declarações de parte de AA - Gravado no sistema informático “Habilus”, – com a duração de 34 minutos e 26 segundos, no dia 20/05/2019, das 10:33:25 às 11:06:53, foi evidenciado o seguinte:
40.ª – De acordo com a testemunha CC, este confirmou que em 2010, o autor pediu-lhe trabalho na … como angariador – prospetor, tendo aí trabalhado uns dias a ver se gostava e como gostou, acordou que iria iniciar funções após as vindimas desse ano – certamente porque, até lá, o autor encontrava-se ocupado.
41.ª - Confirmou que não iniciou funções, visto ter tido o acidente dos autos.
42.ª - Afirmou que o valor que ía obter a titulo de salários era de 700 euros, acrescido de subsidio de alimentação e uma comissão de 10% de cada contrato.
43.ª - Confirmou que conhecia bem o autor, que era um homem de muito “marketing” e com experiência na área das vendas.
44.ª - Certo que, na altura, o agregado familiar do autor era composto por este, pela sua esposa e por cinco filhos, sendo que três deles já se encontravam no mercado laboral.
45.ª - Ao contrário do considerado na sentença recorrida e quanto a esta questão – a alegada eminente inserção profissional do Autor – não vislumbramos qualquer inverosimilhança dos depoimentos a esse respeito prestados pelo próprio Autor e pela testemunha CC, legal representante da …, que é vizinho dos Autores que conhece há mais de 25 anos.
46.ª - Da mesma forma, não achamos ser anormalmente rigorosa a memória deste ao afirmar que o autor iria ser contratado pelo valor de 700 € mensais acrescidos de subsídio de alimentação diário de 6, 87, quando se trata de acordo alegadamente feito em 2010 e sem respaldo em documento escrito.
47.ª - Ora, cremos que a conjugação destes factos e da análise crítica da prova, impõe a revogação da decisão de facto atinente, devendo ser dada como assente a seguinte matéria de facto:
q) À data do sinistro, o Autor encontrava-se desempregado, mas perspectivava uma colocação profissional na Clínica …, na área comercial na angariação de clientes de Medicina do Trabalho.
r) Onde iria a auferir um montante não inferior a € 700,00.
s) Iria iniciar funções em Novembro de 2010.
t) Devido às lesões decorrentes do acidente, o Autor não pode iniciar essa actividade profissional.
48.ª - E em função dessa alteração, torna-se claro que devido às lesões advindas com o acidente aqui em crise e a todo o transtorno criado pelo sinistro aqui em crise, o Autor não pode iniciar essa atividade profissional, pelo que tendo em conta a Incapacidade Profissional de 90 dias tem direito a que lhe seja arbitrada a quantia de € 2.100,00 a título de perdas salariais, atento o pedido formulado na petição inicial.
49.ª - Deste modo, ao decidir nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 342.º, n.º 1, 373.º a 376.º e 483.º e seguintes do Código Civil, sendo manifesto o erro na apreciação da prova.
50.ª – O autor também não se conforma com a fixação pela sentença recorrida da indemnização decorrente da incapacidade permanente que ficou a padecer:
51.ª - Vejamos o que ficou provado:
76. As sequelas de que é portador dificultam a colocação profissional do Autor.
77. As sequelas de que o Autor é portador implicam esforços suplementares no exercício de atividade profissional.
78. O Autor teve, em consequência do acidente com um défice Funcional Temporário Total de 2 dias;
79. E Défice Funcional Temporário Parcial de 1 250 dias;
80. O Autor é portador de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 8 pontos de acordo com Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
52.ª - Provado ficou que o Autor teve um deficit temporário de 1 252 dias dos quais apenas dois de deficit temporário total.
53.ª - Assim, ter-se-á de ponderar o seguinte:
- as lesões sofridas;
- o grau de incapacidade; a idade da vítima;
- o impacto que as lesões e as sequelas têm no seu estilo de vida, mormente em termos de disponibilidade.
- o salário médio nacional - de € € 943,00 (x 14).
- a esperança de vida ativa que neste momento se situa dos 70 anos e a esperança média de vida que já chega aos 80 anos.
54.ª - Assim, e no entendimento já supra sufragado, na busca do tratamento paritário, no cálculo que efectue o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correcção, com base na equidade.
55.ª - Ter-se-á que ter a idade do autor ao tempo do sinistro – 51 anos, o tempo de vida ativa que se pode situar nos 70 anos e também em atenção a esperança média de vida das mulheres nos 82 anos - (cfr. www.pordata.pt e https://www.ine.pt/ ).
56.ª - Mais deverão valorar-se fatores como a evolução dos rendimentos, a taxa de juro e do custo de vida.
57.ª - Tudo, obviamente, temperado com juízos de equidade.
58.ª - Usando esta ponderação, deve fixar-se em € 20.000,00, a indemnização devida pelo dano biológico decorrente da IPP que ficou a padecer.
59.ª - Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 483º, 562º; 564º nºs. 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil.
Ainda,
60.ª - No que respeita ao apoio futuro decorrente de tratamentos e consultas: Aquando da petição inicial, a autora remeteu para liquidação posterior os danos decorrentes das consultas e tratamentos de que previsivelmente necessitará no futuro – vide art.ºs 390.º a 403.º da petição inicial.
61.ª - Resulta da matéria provada o seguinte:
94. O Autor vai ter necessidade se submeter, periodicamente, ao longo de toda a sua vida, a consultas médicas da especialidade de Estomatologia.
95. Para o que vai ter necessidade de se submeter a exames radiológicos e a ecografias, além de outros exames e meios de diagnóstico.
62.ª - Assim, a liquidação desses pagamentos futuros deveria ser relegada para decisão a proferir em sede de incidente de liquidação, pois o dano resultou provado.
63.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto nos art.ºs 562.°, 566.º e o n.º 3 do art.º 496.°. do Código Civil.
Nestes termos, deverá o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta Sentença recorrida de acordo com as Conclusões aduzidas.

  8. A Ré finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O recorrido AA ficou a padecer de sequelas de carácter permanente que foram graduadas em oito pontos.
2. Foi-lhe atribuído o grau de 4/7 de "quantum doloris" e o grau de 3/7 de dano estético.
3. A recorrida BB ficou com sequelas de caráter permanente graduadas em vinte e oito pontos, o grau de 5/7 de "quantum doloris" e o grau de 1/7 de dano estético.
4. A legislação mais recente prevê uma indemnização pelo dano biológico, encarado como ofensa à integridade física e psíquica.
5. Essa indemnização terá em conta a idade do lesado e o seu grau de desvalorização.
6. No caso do autor AA, considerando que tinha 51 anos e uma incapacidade permanente parcial de oito pontos, o dano biológico é calculado pelo valor de referência de 5.440,00 segundo as tabelas constantes da Portaria 679/2009, de 25/06.
7. Quanto à autora BB, tendo 47 anos e uma incapacidade parcial permanente de vinte e oito pontos, o dano biológico atinge 30.310,00 com base no mesmo critério.
8. Relativamente ao dano moral complementar, procura-se, na dita legislação, critérios mais objectivos, medicamente comprováveis, nomeadamente através da graduação do designado "quantum doloris”.
9. No caso do autor AA, o quantum doloris foi graduado em 4/7 e o dano estético em 3/7 e, segundo as referidas tabelas, o valor de referência do dano moral seria de 3.200,00.
10. Já quanto à autora BB, o quantum doloris foi graduado em 5/7 e o dano estético em 1/7, pelo que o valor de referência das tabelas quanto ao dano moral seria de 16.200,00.
11. O critério da chamada proposta razoável não contraria o estabelecido na lei civil sobre a matéria em causa, sendo de o aplicar nas decisões judiciais que, dessa forma, se tornam mais objectivas alcançando-se ainda os princípios da certeza e da segurança do direito.
12. Resulta, pois, para o autor AA um dano biológico de 5.440,00 e um dano moral complementar de 3.200,00, valores que somam o total de 8.640,00, que parece mais razoável.
13. E, para a autora BB, um dano biológico de 30.310,00 e um dano moral complementar de 16.200,00, valores que somam o total de 46.510,00, igualmente mais razoável.
14. A sentença recorrida sobreavaliou o dano biológico e o dano moral complementar, à luz dos critérios legais mais recentes, nas também pelos critérios da equidade estabelecidos na lei civil.
15. A douta sentença recorrida violou, pois, a Portaria 679/2009, de 25/06 e os art°s. 496°, n° 4, 564° e 566°, todos do Código Civil.
Nestes termos, dando provimento ao recurso e alterando a decisão recorrida no sentido do exposto, reduzindo a indemnização pela desvalorização biológica e por dano moral complementar para os valores globais de 8.640,00 para o autor AA e de 46.510,00 para a autora BB, V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA JUSTIÇA!

  9. O Tribunal da Relação julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos Autores e totalmente improcedente o recurso interposto pela Ré.

  10. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Pelos fundamentos expostos, na improcedência do recurso da Ré e na parcial procedência do recurso interposto pelos Autores, condena-se a Ré a pagar:
1. À Autora:
a) A quantia de €143.423 (cento e quarenta e três mil duzentos e vinte e três euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados do seguinte modo:
- Sobre €18.423 desde a citação;
 - Sobre €85.000, desde a data da sentença proferida em 1ª instância (05-07-2019);
 - Sobre €40.000 desde a data do presente acórdão.
 b) As importâncias que a Autora venha a despender com o pagamento a uma terceira pessoa que realize as tarefas referidas no facto nº 56.
2. Ao Autor:
a) A quantia de €64.450,00 (sessenta e quatro mil quatrocentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, contados do seguinte modo:
— sobre €4.450 a que acresce IVA a liquidar posteriormente e tendo em conta a data da facturação a emitir, desde a citação;
— Sobre €50.000 a partir da data da sentença de 1ª instância;
— Sobre €10.000 a partir da data do presente acórdão;
b) as importâncias que o Autor venha a despender com consultas e tratamentos de estomatologia e oftalmologia, exames e meios de diagnóstico referentes a essas especialidades.

   11. Inconformada, a Ré Seguradoras Unidas, SA, interpôs recurso de revista.

   12. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Quanto ao A. AA, o montante da indemnização fixado pelo dano não patrimonial e pelo dano patrimonial decorrente da IPP de oito pontos é excessivo e não está conforme com os critérios legais fixados na Portaria 679/2009, de 25/06 e também nos art°s. 496°, n° 4, 564° e 566°, todos do Código Civil;
2. Aplicando aos factos provados o critério previsto na Portaria 679/2009, de 25/06, o valor da indemnização por danos morais é de fixar em 3.200,00 e da indemnização pela desvalorização biológica em consequência de IPP de oito pontos é de fixar em 5.440,00 no total de 8.640,00.
3. Quanto à A. BB, o montante da indemnização fixado pelo dano não patrimonial e pelo dano patrimonial decorrente da IPP de vinte e oito pontos também é excessivo e não está conforme com os critérios legais fixados na Portaria 679/2009, de 25/06 e também nos art°s. 496°, n° 4, 564° e 566°, todos do Código Civil;
4. Aplicando aos factos provados o critério previsto na Portaria 679/2009, de 25/06, o valor da indemnização por danos morais é de fixar em 16.200,00 e da indemnização pela desvalorização biológica em consequência de IPP de vinte enoito pontos é de fixar em 30.310,00 no total de 46.510,00.
5. Mas também pelos critérios da equidade estabelecidos na lei civil se alcança resultados semelhantes, já que as sequelas dos AA. AA e BB são compatíveis com o exercício da atividade habitual, embora impliquem esforços suplementares.
6. Assim, as indemnizações que se defende serem devidas a título de danos não patrimoniais e de danos patrimoniais futuros pelas IPP's são as de 8.640,00 para o A. AA (em vez de 60.000,00, como decidiu o acórdão recorrido) e de 46.510,00 para a A. BB (em vez de de 125.000,00 como decidiu o mesmo aresto).
7. A douta sentença recorrida violou, pois, a Portaria 679/2009, de 25/06 e os art°s. 496°, n° 4, 564° e 566°, todos do Código Civil.
NESTES TERMOS,
dando provimento ao recurso e alterando a decisão recorrida no sentido do exposto, reduzindo a indemnização por danos não patrimoniais e pela desvalorização biológica em consequência da IPP para 8.640,00 (A. AA) e para 46.510,00 (A. BB), respetivamente, a que acrescem outras quantias que se não contestam, V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA JUSTIÇA!

   13. Os Autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

  14. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questôes a decidir in casu são as seguintes:
      I. — se o acórdão recorrido violou a Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho;
     II. — se a indemnização atribuída ao Autor AA deve ser reduzida de 60 000 euros para 8640 euros, dos quais 5440 euros correspondam ao dano biológico (à “desvalorização biológica”) e 3200 euros correspondam a danos não patrimoniais;
     III. — se a indemnização atribuída à Autora BB deve ser reduzida de 125 000 euros para 46510 euros, dos quais 30 310 euros correspondam ao dano biológico (à “desvalorização biológica”) e 16 2000 euros correspondam a danos não patrimoniais.


II. — FUNDAMENTAÇÃO

            OS FACTOS

   15. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

I. — já julgados assentes aquando do saneamento da causa:

A. No dia 26 de Outubro de 2010, pelas 15 horas, circulava, pelo IC …, ao Km 2,300, em …, freguesia de …, concelho e comarca de …, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula LQ-...-..., marca Opel, modelo …, conduzido pelo Autor AA.
B. Em data anterior o Autor havia adquirido tal veículo a DD.
C. Em nome de quem o LQ-...-... ainda se encontrava registado à data do sinistro.
D. O Autor conduzia o LQ-...-... no sentido Castelo de Paiva – Entre-os-Rios, pela hemi-faixa de rodagem destinada a esse sentido de circulação.
E. Conduzia atenção ao trânsito que aí se processava e a uma velocidade não superior a 40 Km horários;
F. O piso encontrava-se seco.
G. Em sentido contrário seguia o motociclo, de matrícula ...-...-MO, marca Honda, modelo …, de EE e por ele conduzido.
H. O ...-...-MO circulava a uma velocidade superior a 150 Kms horários.
I. Os veículos interceptaram-se numa curva com visibilidade superior a 30 metros.
J. O condutor do ...-...-MO perdeu o controlo da viatura passando a circular completamente fora da via de trânsito destinada ao seu sentido de circulação e ocupando a via oposta à sua.
K. Nada impedia a sua circulação na sua hemi-faixa de rodagem.
L. O condutor do LQ-...-... ao deparar com o aparecimento do ...-...-MO ainda tentou travar e desviar-se, o que não logrou.
M. Nada pôde fazer o Autor AA de modo a evitar o embate.
N. O condutor do ...-...-MO seguia sem atenção ao trânsito que circulava naquela via àquela hora;
O. Não tendo sido capaz de travar em segurança no espaço visível à sua frente.
P. O embate deu-se entre os dois veículos, na faixa de rodagem ocupada pelo condutor do LQ-...-... e destinada ao seu sentido de circulação.
Q. Ocorreu entre as partes da frente dos veículos envolvidos.
R. Com a violência do impacto, o LQ-...-... ficou destruído e encostado ao rail do lado direito, atento o seu sentido de marcha.
S. O proprietário do veículo ...-...-MO tinha a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, relativamente a danos causados a terceiros com a circulação daquele veículo, transferida para a Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, SA mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0002…1.
T. A Companhia de Seguros Tranquilidade, SA. já assumiu de forma integral perante os Autores a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos decorrentes do acidente acima descrito.
U. A Autora nasceu em … de Março de 1965.
V. No sentido de avaliar a sua situação clínica – ao nível neurológico, oftalmológico, estomatológico e ortopédico, a Autora deslocou-se aos serviços clínicos da seguradora Ré nos seguintes dias:
· 3 de Fevereiro de 2011 – Companhia de Seguros Tranquilidade – serviços clínicos sitos na Rua D… na cidade …;
· 8 de Fevereiro de 2011 – Clínica do …, Lda., sita na Rua …, … – na especialidade de Cirurgia Maxilo-facial, Clinica Geral, Estomatologia e Fisioterapia;
· 11 de Fevereiro de 2011 – Clínica Oftalmológica … - consultas de visão, sita na Rua … …, na cidade … .
· 14 de Fevereiro de 2011 – Clínica Oftalmológica … - consultas de visão, sita na Rua … …, na cidade ….
· 24 de Fevereiro de 2011 – Clínica do …
· 24 de Março de 2011 – Clínica do …
W. Em Junho de 2011, a A tinha visões de 10/10 para longe em ambos os olhos sem correcção, e de 10/10 em ambos os olhos para perto com correcção de +1,50.
X. No sentido de avaliar a situação clínica – ao nível neurológico, oftalmológico, estomatológico e ortopédico, a Autora, novamente por solicitação da Ré, deslocou-se aos seus serviços clínicos nos seguintes dias:
· 19 de Setembro de 2011 – Clínica do …, na especialidade de Cirurgia Maxilofacial, Clínica Geral, Estomatologia e Fisioterapia
· 30 de Setembro de 2011 – Clínica do …;
· 7 de Outubro de 2011 – Companhia de Seguros Tranquilidade – serviços clínicos sitos na Rua … na cidade …;
· 28 de Outubro de 2011 – Clínica do …
· 31 de Outubro de 2011 – Clínica do …
· 8 de Novembro de 2011 - Clínica do …
· 15 de Novembro de 2011 – Companhia de Seguros Tranquilidade – serviços clínicos sitos na Rua … na cidade …;
· 16 de Novembro de 2011 – Clínica do …
· 23 de Novembro de 2011 – Porto Companhia de Seguros
· 24 de Novembro de 2011 – Companhia de Seguros Tranquilidade – serviços clínicos sitos na Rua … na cidade …;
· 28 de Novembro de 2011 – Clínica do …
· 29 de Novembro de 2011 – Companhia de Seguros Tranquilidade – serviços clínicos sitos na Rua de …, na cidade …;
· 9 de Dezembro de 2011 – Companhia de Seguros Tranquilidade – serviços clínicos sitos na Rua … na cidade ..;
· 12 de Dezembro de 2011 – Companhia de Seguros Tranquilidade – serviços clínicos sitos na Rua … na cidade …;
· 15 de Dezembro de 2011 – Clínica Oftalmológica da Rotunda - consultas de visão, sita na Rua …, na cidade ….
· 22 de Dezembro de 2011 – Companhia de Seguros Tranquilidade – serviços clínicos sitos na Rua … na cidade …;
- 31 de Janeiro de 2012 – Companhia de Seguros Tranquilidade – serviços clínicos sitos na Rua … na cidade …;
· 15 de Março de 2012 – ….;
· 29 de Março de 2012 – …;
· 24 de Abril de 2012 – …;
· 11 de Maio de 2012 - Companhia de Seguros Tranquilidade – serviços clínicos sitos na Rua … na cidade … .
Y. As consultas de 15 e 29 de Março e de 24 de Abril de 2012 foram de cirurgia maxilo-facial, consistindo na substituição de peças dentárias partidas e colocação de próteses dentárias.
Z. Aquando da alta clínica, a Ré atribuiu à Autora uma IPP de 17 pontos.
AA. A Ré pagou já à Autora 124, 70 € a título e despesas de deslocação para os tratamentos efectuados.
BB. Em Março de 2011, o Autor, por indicação da Ré, deslocou-se à Clínica do …, Lda., na cidade …, na especialidade de Medicina Dentária, tendo sido efectuada o seu acompanhamento clínico.
CC. O Autor deslocou-se cerca de 15 vezes à Clínica do …, para tratamento dentário, dada a quebra e perda de peças dentárias, conforme supra se alegou.
DD. Foi submetido a diversas cirúrgicas maxilo-faciais, com vista à extração de peças dentárias e a colocação das respetivas próteses.
EE. O Autor nasceu no dia … de Fevereiro de 1959
FF. O Autor viu danificado o LQ-...-... em consequência do sinistro.
GG. O valor dos danos ocorridos no veículo foram pagos pela Ré em Janeiro de 2011.11
HH. O Autor enviou o contrato de aluguer de veículo automóvel para a Ré mas esta recusou o seu pagamento alegando que a Auto FF não tinha legitimidade para efectuar aluguer de veículos.
II. O Autor enviou para a Ré a certidão permanente da Auto FF onde consta no seu objecto social o aluguer de veículos automóveis.
JJ. Ao que a Ré, até hoje, nada respondeu.
KK. A Ré pagou já ao Autor o valor de 312 € a título de despesas com deslocações.

II. — resultantes da instrução da causa:

1. A Autora sofreu susto no momento da ocorrência do acidente e nos instantes que se seguiram.
2. Após o embate a Autora ficou impossibilitada de sair do carro.
3. O ...-...-MO começou a incendiar-se logo após o embate.
4. A Autora foi retirada do LQ-...-... pelos Bombeiros munidos de material de desencarceramento.
5. Dado o seu estado foi transportada de heli-ambulância para o Hospital de …, na cidade … .
6. O seu transporte foi feito com imobilização total, através de um plano duro e de um colar cervical.
7. Antes do acidente, a Autora era uma pessoa sã, escorreita, saudável e nunca havia sofrido qualquer acidente ou enfermidade.
8. Antes da ocorrência do acidente, a Autora desempenhava todas as tarefas inerentes à função de doméstica e de agricultora, sem qualquer limitação ou sacrifício.
9. Fazia força, sopesava e transportava facilmente todo o tipo de objectos com os seus membros superiores.
10. Era uma pessoa forte, robusta e dinâmica, com alegria de viver.
11. Era bem-disposta, extrovertida e com facilidade para as relações sociais.
12. Desde 02-12-2010 (data em que teve alta do Centro Hospitalar do …) e até 11 de Maio de 2012 a Autora teve que ser auxiliada por terceira pessoa para prover às suas necessidades de alimentação e higiene pessoal para o que aquela a ajudava a levantar-se, a tomar as refeições, a fazer as necessidades biológicas e a lavá-la.
13. A Autora passou, por causa das lesões sofridas com o acidente e dos tratamentos que elas lhe determinaram, a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante a vida.
14. Refugia-se, amiúde, no seu quarto a chorar em virtude de não poder levar a vida que levava antes do acidente.
15. É hoje uma pessoa triste, sisuda e com tendências para o isolamento.
16. Queixa-se de dores nas partes do corpo que foram lesionadas.
17. As actividades que desenvolve exigem-lhe actualmente muito mais esforço do que outrora.
18. Chega ao fim de um dia bastante mais cansada do que antes do sinistro.
19. Lamenta-se bastante com o que lhe sucedeu.
20. Perdeu a auto-estima.
21. Tornou-se uma pessoa facilmente irritável e irascível.
22. Desde a alta a Autora mantém as consultas médicas, mantendo-se medicada e acompanhada.
23. Sente transtorno na esfera sexual porque já não consegue ter intimidade com o marido.
24. Esteve, depois do acidente, mais de um ano sem conseguir ter qualquer tipo de intimidade amorosa com o marido por causa das lesões e das sequelas de que ficou portadora.
25. Por causa das lesões e sequelas de que é portadora a Autora passou a não ter qualquer tipo de relacionamento sexual com o Autor porque tal relacionamento determinava à mesma grande esforço e sofrimento por parte da Autora.
26. A ausência de líbido e de intimidade com o marido em muito desgosta a Autora.
27. E levou já a que falassem entre si em divórcio.
28. Antes do acidente, os Autores eram um casal com muito afecto e carinho vivendo bem com sua intimidade.
29. A Autora sofre de cefaleias e tonturas que aliviam parcialmente com os medicamentos.
30. Sente intensas "picadelas na cabeça, à frente do ouvido".
31. Sofre de tonturas frequentes, associadas a "visão nebulada".
32. Não consegue tolerar o barulho toma medicação para dormir.
33. Tem perturbações de memória (amnésia para factos recentes).
34. Sofre de perturbações do sono,
35. Está em estado de hiperalerta.
36. Revela ansiedade marcada.
37. Mantém reacções de evitamento, dificuldades relacionais e dificuldades no seu funcionamento a nível familiar e social
38. Tem dificuldades de concentração, choro fácil e terrores nocturnos;
39. Sente-se revoltada com a situação que ficou a padecer.
40. À data do sinistro, a Autora exercia actividade doméstica.
41. No desempenho da sua actividade de doméstica, a Autora confeccionava e servia as refeições, na sua casa de residência, para si, para o seu marido e para os cinco filhos que consigo viviam.
42. A Autora, no desempenho dessa sua actividade de doméstica, lavava, limpava e arrumava a loiça, lavava e passava a roupa a ferro, dobrava e arrumava essa roupa.
43. Limpava o pó de todos móveis da sua casa de residência, varria e arrumava a sua casa de habitação.
44. A Autora exercia, à data ocorrência do acidente, e além da actividade doméstica referida, actividade agrícola, lavrando e gradando a terra do terreno junto à sua casa de habitação.
45. Semeava os cereais e plantava as árvores, batatas e produtos hortícolas e saladas, cortava e colhia os cereais e demais produtos que cultivava e plantava.
46. A Autora cultivava e colhia, milho, batatas, vinho, cebolas, feijão, cenouras e toda a espécie de legumes, produtos hortícolas e saladas.
47. E criava e engordava animais domésticos, designadamente galinhas e coelhos e gado para consumo doméstico.
48. Executava todas as tarefas inerentes à actividade doméstica e agrícola ao longo de um período de tempo nunca inferior a seis horas diárias pois a sua residência tem dois pisos e umas águas furtadas.
49. Como resultado da sua actividade da agricultura, a Autora produzia géneros agrícolas e pecuários que para consumo dos elementos que compunham o seu agregado familiar.
50. A Autora deixou de executar as suas referidas tarefas de doméstica e de agricultora desde a data do acidente até pelo menos, Maio de 2012, conseguindo apenas realizar algumas actividades domésticas simples e de pequena duração.
51. As sequelas de que a Autora agora é portadora, resultantes das lesões ocorridas no acidente, determinam-lhe de acordo com a tabela nacional de incapacidades em direito civil uma Incapacidade Permanente Geral de 28 pontos compatível com o exercício de uma actividade profissional mas que implica esforços suplementares.
52. A Autora sofreu e sofre dores decorrentes das lesões e sequelas de que foi e é portadora, avaliadas no grau 5 numa escala de 1 a 7 de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
53. Esteve 38 dias com défice funcional temporário total e 526 dias com défice funcional temporário parcial.
54. Sofreu dano estético avaliado em grau 1 numa escala de 1 a 5 de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
55. Sofre de repercussão permanente da actividade sexual fixada no grau 5 numa escala de 1 a 7 de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
56. A Autora continuará a necessitar de apoio de terceira pessoa para realização das tarefas domésticas e de se sujeitar a acompanhamento médico e medicamentoso.
57. Desde a data do acidente e durante cerca de dois anos a Autora teve de ser auxiliada por terceira para efectuar todas as actividades de limpeza doméstica de sua casa.
58. A mesma exercia actividades ligadas com o trabalho doméstico – confecção de refeições, limpeza da casa, tratamento da roupa ao nível da sua lavagem e passagem a ferro e outras análogas -, além das referidas em 12.
59. Durante cerca de dezoito meses, a Autora pagou a essa terceira pessoa a quantia 400,00 € por mês.
60. Desde então e por mais cerca de seis meses a referida pessoa passou a realizar menos horas de trabalho diário e a auferir € 200,00 por mês por tais serviços.
61. Desde então, porque a referida pessoa passou a namorar e depois casou com um filho da Autora passou a prestar esse auxílio sem cobrar qualquer quantia mas com a promessa dos Autores que lhe pagariam logo que tivessem disponibilidade financeira para tal.
62. A Autora deslocava-se de táxi ou em veículo conduzido pelo seu marido para as consultas e tratamentos médicos
63. A Autora custeou tratamentos médicos decorrentes das lesões sofridas em consequência do acidente dos autos, efectuados na “…”, no valor de 1145, 50 €, conforme facturas cujo teor é o de fls. 108 a 112 e aqui se dá por integralmente reproduzido.
64. Em consequência do sinistro a Autora viu danificados/perdidos um fato de treino, um par de sapatilhas e um fio de ouro cujo valor não foi possível apurar.
65. As lesões decorrentes do acidente provocaram dores ao Autor.
66. Sentiu pânico perante o risco de explosão do motociclo tendo receado pela vida da mulher e pela sua.
67. Ainda hoje recorda o medo sentido no momento do acidente e nos momentos que se lhe seguiram
68. Os tratamentos e cirurgias ocasionados pelas lesões foram dolorosos para o Autor.
69. O Autor sofreu e sofre dores fixadas no grau 4 numa escala de 1 a 7 de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
70. Sofre dores nas regiões do seu corpo atingidas pelas lesões decorrentes do acidente quando faz esforço e nas mudanças climatéricas.
71. Tomou medicamentos analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos
72. Foi submetido a tratamentos dolorosos.
73. Era antes do sinistro um homem forte, robusto, saudável, ágil e sem qualquer defeito físico.
74. As cicatrizes de que o Autor é portador importam dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7 de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
75. O Autor sente grande transtorno na esfera sexual, por não conseguir ter intimidade com a sua esposa com quem nunca mais conseguiu relacionar-se com a intimidade e afectividade que tinham antes do acidente e com quem não mantém qualquer relacionamento sexual porque a mesma não o deseja e encara como uma obrigação.
76. As sequelas de que é portador dificultam a colocação profissional do Autor.
77. As sequelas de que o Autor é portador implicam esforços suplementares no exercício de actividade profissional.
78. O Autor teve, em consequência do acidente com um défice Funcional Temporário Total de 2 dias;
79. E Défice Funcional Temporário Parcial de 1 250 dias;
80. O Autor é portador de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 8 pontos de acordo com Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
81. O Autor e o seu respectivo agregado familiar tinham necessidade de utilização de viatura automóvel para fazer compras, levar e buscar o filho mais novo à escola.
82. O Autor tinha necessidade de um carro, depois do acidente, para ir visitar a Autora enquanto esteve internada no Hospital de São João e depois no Hospital de Penafiel.
83. E para transporte do próprio Autor aos tratamentos médicos.
84. O Autor recorreu ao aluguer de um veículo desde 28 de Outubro a 31 de Dezembro de 2010, data em que a seguradora Ré tomou posição quanto aos danos a assumir na viatura.
85. O aluguer da viatura foi celebrado com a sociedade Auto FF – Manutenção e Reparação Automóveis, Unipessoal, Lda., por um valor diário de € 52,00 + IVA.
86. O Autor já foi interpelado para efectuar o pagamento do montante devido pelo aluguer do veículo.
87. O LQ-...-... esteve nas instalações da Auto FF desde o dia 28 de Outubro de 2010 até ao dia 11 de Fevereiro de 2011, data em que a mesma foi levantada.
88. A Auto FF vai debitar o aparcamento do LQ-...-... nas suas instalações, no montante diário de € 10,00 mais IVA num total de 1070 € mais IVA.
89. Em consequência do sinistro, o Autor viu danificados uns óculos cujo valor não foi concretamente apurado.
90. Após ter alta clínica o Autor foi diariamente visitar a sua esposa enquanto a mesma esteve internada, primeiro no Hospital de …, na cidade …, e depois no Hospital de … .
91. O Autor pagou portagens e gasolina nas deslocações feitas para os tratamentos e para visitar a Autora.
92. Bem como pagou o aparcamento da viatura nessas deslocações.
93. O Autor beneficiaria de continuação de tratamento dentário no maxilar inferior.
94. O Autor vai ter necessidade se submeter, periodicamente, ao longo de toda a sua vida, a consultas médicas da especialidade de Estomatologia.
95. Para o que vai ter necessidade de se submeter a exames radiológicos e a ecografias, além de outros exames e meios de diagnóstico.

           O DIREITO

    16. A primeira questão suscitada pelo Recorrente consiste em determinar se o acórdão recorrido violou a Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho.

  17. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado constantemente que as tabelas constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, não são vinculativas para os tribunais [1].

   18. Como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Janeiro de 2019 — processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1 —,

[é] pacífico e reconhecido, há tempo, que aqueles factores funcionam apenas como uma orientação para o cálculo da indemnização, não sendo, em caso algum, susceptíveis de dispensar ou substituir o juízo de equidade que cabe ao julgador nesta hipótese”.

           
19. Em consonância com a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, a resposta à primeira questão só pode ser negativa — o acórdão recorrido não violou a Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, porque não poderia logicamente violar uma Portaria que não é vinculativa para os tribunais.

    20. A segunda e a terceira questões — se a indemnização atribuída ao Autor AA deve ser reduzida de 60 000 euros para 8640 euros, dos quais 5440 euros correspondam ao dano biológico (à “desvalorização biológica”) e 3200 euros correspondam a danos não patrimoniais e se a indemnização atribuída à Autora BB deve ser reduzida de 125 000 euros para 46510 euros, dos quais 30 310 euros correspondam ao dano biológico (à “desvalorização biológica”) e 16 2000 euros correspondam a danos não patrimoniais — devem resolver-se por aplicação exclusiva das disposições do Código Civil sobre a reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais.

   21. Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização [2] deve concentrar-se em quatro coisas: Em primeiro lugar, deve averiguar-se se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade [3]. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável [4].

    22. O recurso à equidade tem de qualquer forma um sentido de todo em todo distinto, consoante estejam em causa danos patrimoniais ou danos não patrimoniais. 
      Em relação aos danos patrimoniais, designadamente aos danos patrimoniais futuros, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com os princípios e com as regras dos arts. 562.º ss. do Código Civil. A equidade funciona como último recurso, “para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo”, designadamente do direito a uma indemnização, “quando o valor exacto dos danos não foi apurado” [5]. Em relação aos danos não patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º, n.º 4, do Código Civil) [6]. A equidade funciona como único recurso,

“ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar, a saber: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (por exemplo, a natureza e a intensidade e da lesão infligida)” [7] [8].

    23. Estando em causa os danos patrimoniais e, em particular, os danos patrimoniais futuros, os pressupostos do recurso à equidade para a fixação da indemnização estavam preenchidos.

   24. O cálculo dos danos patrimoniais futuros reveste-se de “grande complexidade”:
“… obriga a uma previsão dificilmente fundamentável em termos objectivos sobre danos que, naturalmente, se destinam a compensar perdas patrimoniais apenas futuramente concretizadas e, consequentemente, apenas futuramente quantificáveis” [9].

    25. O Supremo Tribunal de Justiça tem admitido o recurso à equidade para a fixação da indemnização — como se disse, p. ex., no acórdão de 23 de Maio de 2019, proferido no processo n.º 1046/15.0T8PFN.P1.S1

“I. — É reconhecido o melindre da fixação do valor indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda de capacidade aquisitiva futura, na medida em que se funda em parâmetros de incerteza, nomeadamente, quer quanto ao tempo de vida do lesado, quer quanto à própria evolução salarial que a vítima teria ao longo da sua vida, evolução que hoje, mais do que nunca, é de uma imprevisibilidade evidente, inclusive, a própria manutenção do emprego, cada vez mais incerta, outrossim, os próprios índices de inflação, entre outros.
II. — Não podendo ser quantificado, em termos de exactidão, o prejuízo decorrente da perda de capacidade aquisitiva futura, impondo-se ao Tribunal que julga equitativamente”.

   26. Em consequência, “[a] determinação de indemnizações por dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade, assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum […] [10].

   27. O acórdão recorrido chama a atenção para que há um conjunto de valores que foram fixados pela 1.ª instância e que não foram impugnados — relacionados com a perda de objectos, com a perda de rendimentos, com as despesas de deslocação da Autora, com os tratamentos médicos e com a remuneração de terceira pessoa, em consequência do acidente — para concluir que o problema deve restringir-se aos danos patrimoniais associados ao esforço acrescido e às despesas futuras, com as remunerações a pagar a terceira pessoa e com os tratamentos médicos

    28. Considerando os critérios da Portaria n.º 377/2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009 como critérios orientadores, o acórdão distinguiu os casos do Autor AA e da Autora BB.

    29. Em relação ao Autor AA, o acórdão recorrido considerou como pontos de referência o salário mínimo mensal e a esperança média, por se tratar de uma incapacidade que “acompanhará o Autor para sempre, constituindo uma limitação às normais capacidades físicas”, para fixar a indemnização pelo dano patrimonial associado ao esforço acrescido em 10000.

   30. Condenou ainda a Ré a suportar as despesas com os tratamentos médicos futuros.

    31. Em relação à Autora BB, o acórdão recorrido considerou como pontos de referência o salário mínimo mensal, a regra de que o salário é pago 14 vezes por ano e a esperança média de vida de 80 anos, para fixar a indemnização pelo dano patrimonial associado ao esforço acrescido em 40 000 euros.

    32. Condenou ainda a Ré a reembolsar totalidade das despesas já feitas pela Autora, com as remunerações pagas a terceira pessoa, em consequência do acidente, e a suportar as despesas que a Autora terá de fazer no futuro, com as remunerações a pagar a terceira pessoa e com os tratamentos médicos.

    33. Em relação ao Autor AA, o acórdão recorrido considerou como pontos de referência o salário mínimo mensal e a esperança média, por se tratar de uma incapacidade que “acompanhará o Autor para sempre, constituindo uma limitação às normais capacidades físicas”, para fixar a indemnização pelo dano patrimonial associado ao esforço acrescido em 10000.

    34. Os resultados estão dentro dos limites fixados pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para graus de incapacidade comparáveis, em pessoas com idades semelhantes às dos Autores [11]vide, p. ex., o acórdão de 25 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1

    35. Estando em causa os danos não patrimoniais, o n.º 1 do art. 496.º do Código Civil determina que, “[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e o n.º 4 determina que “[o] montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que resultem dos factos apurados [12].

    36. O acórdão recorrido considerou os critérios de avaliação dos danos não patrimoniais que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados e respeitou os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

   37. Em primeiro lugar, considerou, como devia, o grau de culpabilidade do agente, chamando a atenção para que que a culpa “… recai exclusivamente sobre o condutor do veículo seguro na Ré, por conduzir fora da via de trânsito ao mesmo destinada e a uma velocidade excessiva, em violação do disposto nos artigos 13º, nº 1 e 24º, nº 1 e 27º, nº 1, todos do Código da Estrada, provocando o embate no veículo do Autor”.

    38. Em segundo lugar, considerou, como devia, as circunstâncias do caso e, em especial, a extensão dos danos da Autora e do Autor para confirmar a decisão da 1.ª instância. 
Em relação à Autora BB deve ter-se em atenção sobretudo os factos dados como provados sob os n.ºs 52, 54 e 55:

52. A Autora sofreu e sofre dores decorrentes das lesões e sequelas de que foi e é portadora, avaliadas no grau 5 numa escala de 1 a 7 de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil. […]]
54. Sofreu dano estético avaliado em grau 1 numa escala de 1 a 5 de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
55. Sofre de repercussão permanente da actividade sexual fixada no grau 5 numa escala de 1 a 7 de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.

   39. Em relação ao Autor AA, deve ter-se sobretudo em atenção os factos dados como provados sob os n.ºs 69, 74 e 75:

69. O Autor sofreu e sofre dores fixadas no grau 4 numa escala de 1 a 7 de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil. […]
74. As cicatrizes de que o Autor é portador importam dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7 de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
75. O Autor sente grande transtorno na esfera sexual, por não conseguir ter intimidade com a sua esposa com quem nunca mais conseguiu relacionar-se com a intimidade e afectividade que tinham antes do acidente e com quem não mantém qualquer relacionamento sexual porque a mesma não o deseja e encara como uma obrigação.

   40. Ora, como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2016 — processo n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1 —,

“[o] ‘juízo de equidade’ das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade — muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade”.

   41. Os resultados alcançados pelo acórdão recorrido contêm-se dentro da margem de discricionaridade consentida pelo art. 496.º do Código Civil, não divergindo ou, em qualquer caso, não divergindo de modo substancial dos critérios admitidos e reconhecidos pela jurisprudência — a compensação de 85 000 para a Autora afigura-se comparável à fixada, para um dano estético mais grave, para um quantum doloris semelhante e para uma repercussão permanente na actividade sexual menos grave, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 3643/13.9TBSTB.E1.S1, e a compensação de 50 000 euros para o Autor afigura-se é comparável à fixada, ainda que para uma pessoa muito mais jovem, ara um quantum doloris semelhante e para uma repercussão permanente na actividade sexual muito menos grave, no acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2018 — processo n.º 418/13.9TVCDV.L1.S1.


III. — DECISÃO

      Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.
       Custas pela Recorrente Seguradoras Unidas, SA.
Lisboa, 12 de Novembro de 2020
Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza


     Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade da Exma. Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e do Exmo. Senhor Conselheiro José Maria Ferreira Lopes.

_________

[1] Vide, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2018 — processo n.º 952/12.8TVPRT.P1.S1 —, de de 18 de Outubro de 2018 — processo n.º 3643/13.9TBSTB.E1.S1 —, ou de 8 de Janeiro de 2019 — processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1.

[2] Sobre o recurso à equidade, vide designadamente António Castanheira Neves, Curso de Introdução ao estudo do direito (policopiado), Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1971-1972, pág. 244; ou Manuel Carneiro da Frada, “A equidade ou a justiça com coração. A propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 653-687.

[3] Vide, por último, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2018, no processo n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1, e de 6 de Dezembro de 2018, no processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2.

[4] Vide, por último, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2018, no processo n.º 245/12.0TAGMT.G1.S1, de 17 de Maio de 2018, processo n.º 952/12.8TVPRT.P1.S1, de 18 de Outubro de 2018, no processo n.º 3643/13.9TBSTB.E1.S1, e de 6 de Dezembro de 2018, processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2.

[5] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2018, no processo n.º 661/16.9T8BRG.G1.S1.

[6] Está em causa o “arbitramento de uma quantia monetária, cujo montante resulta da ponderação de critérios de equidade e que toma em conta, tanto a gravidade objectiva dos factos geradores do dano e do dano em si, como os contornos subjectivos desse mesmo dano” — cf. Mário Tavares Mendes / Joaquim de Sousa Ribeiro / Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017”, in: Diário da República, 2.ª série, de 30 de Novembro de 2017 — págs. 27202(4) a 27202 (7) = In: Revista da Faculdade de Direito e de Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, n.º 10 (2017), págs. 135-147.

[7] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Janeiro de 2019, no processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1.

[8] Sobre a compensação dos danos não patrimoniais, vide Maria Manuel Veloso Gomes, “Danos não patrimoniais”, in: Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma Manuel Carneiro da Frada, “Nos 40 anos do Código Civil português. Tutela da personalidade e dano existencial”, in: Themis — Edição especial: Código Civil português: Evolução e perspectivas de reforma, 2008, págs. 47-68 = in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 289-313; Rui Soares Pereira, A responsabilidade por danos não patrimoniais do incumprimento das obrigações no direito civil português, Coimbra Editora, Coimbra, 2009; João Mendonça Pires da Rosa, “Cálculo da indemnização pelos danos não patrimoniais”, in: Centro de Estudos Judiciários, O dano na responsabilidade civil, Outubro de 2014, págs. 45-62; e Rute Teixeira Pedro, “Da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no direito português: A emergência de uma nova expressão compensatória da pessoa — Reflexão por ocasião do quinquagésimo aniversário do Código Civil”, in: Estudos comemorativos dos 20 anos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 637-665.

[9] Mário Tavares Mendes / Joaquim de Sousa Ribeiro / Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017”in: Revista da Faculdade de Direito e de Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, cit., pág. 144.

[10] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2019 — processo n.º 3710/12.6TJVNF.G1.S1.

[11] Vide, p. ex., para a Autora, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2017 — processo n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1 — e, para o Autor, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2020 — processo n.º 370/16.9T8BGC.G1.S1 — em que, para uma pessoa com uma idade inferior à do Autor e com uma remuneração média mensal cerca de três vezes mais elevada se fixou uma indemnização cinco vezes mais elevada.

[12]Vide por último o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Janeiro de 2019 — processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1.