Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3844/13.0TCLRS.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: ÁREA URBANA DE GÉNESE ILEGAL
ORGÃO DE GESTÃO
PERSONALIDADE JURÍDICA
DELIBERAÇÃO SOCIAL
NULIDADE
DOAÇÃO
DISPOSIÇÃO DE BENS ALHEIOS
COMPROPRIEDADE
ASSEMBLEIA DE COMPARTES
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS / PESSOAS COLECTIVAS / ASSOCIAÇÕES.
Doutrina:
- António José Rodrigues, Loteamentos Ilegais – Áreas Urbanas de Génese Ilegal – AUGI-2010, Almedina, p. 45;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil – Anotado, Volume III, 2.ª Edição, C. Editora, p. 347.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 157.º A 184.º
RECONVERSÃO DAS ÁREAS URBANAS DE GÉNESE ILEGAL, APROVADA PELA LEI N.º 91/95, DE 02-09, RESPECTIVAS ALTERAÇÕES LEI N.º 165/99, DE 14-09, LEI N.º 64/2003, DE 23-08, LEI N.º 10/2008, DE 20-02, LEI N.º 79/2013, DE 26-11 E LEI N.º 70/2015, DE 16-07.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 28-11-2006, PROCESSO N.º 5239/2006-7, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Visando o estabelecimento de um regime de conversão urbanística, de cariz excepcional, para áreas urbanas de génese ilegal (AUGI) foi publicada a Lei n.º 91/95, de 02-09, sucessivamente alterada pela Lei n.º 165/99, de 14-09, pela Lei n.º 64/2003, de 23-08, pela Lei n.º 10/2008, de 20-02, pela Lei n.º 79/2013, de 26-11 e pela Lei n.º 70/2015, de 16-07.

II - Os órgãos da administração conjunta da AUGI são: (i) a assembleia de proprietários ou comproprietários; (ii) a comissão de administração e; (iii) a comissão de fiscalização, não gozando a administração conjunta de personalidade jurídica.

III - Uma vez que o “activo patrimonial” da administração conjunta da AUGI integra os prédios abarcados pela AUGI e, entre o mais, os valores das comparticipações entregues pelos proprietários ou comproprietários desses mesmos prédios, esse “activo patrimonial” é constituído por bens próprios de tais membros e, bem assim, por bens de natureza comum, ou seja, pertencentes, em contitularidade, simultaneamente, a todos os ditos membros.

IV - Uma deliberação tomada pela assembleia de proprietários de uma AUGI que, por maioria de votos e com o voto contra dos aqui impugnantes, aprova uma proposta de proceder à devolução de uma quantia monetária à associação que preteritamente as cobrou como se fora a administração conjunta da AUGI (apenas posteriormente constituída), consubstancia uma doação de coisa ou bem alheio – na medida em que essas contribuições constituem um bem comum de tais donos, contitulares, comproprietários ou consortes em relação às quais não tem a administração conjunta poderes de disposição – pelo que se encontra inquinada do vício de nulidade, não podendo, como tal subsistir, e ser concretizada.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]



I – RELATÓRIO


1. AA e mulher BB intentaram a presente acção de anulação das deliberações tomadas em assembleia de proprietários ou comproprietários da Administração Conjunta da AUGI do Bairro do …, com processo comum sob a forma ordinária, contra a Administração Conjunta da AUGI do Bairro …, pedindo que sejam declaradas ilegais e, consequentemente, nulas e de nenhum efeito as seguintes deliberações da Assembleia de proprietários e comproprietários da referida AUGI, realizada em 10 de Março de 2013, nestes termos:

a) Sejam declarados ilegais e nulos os seguintes pagamentos e a assunção das obrigações inerentes aos mesmos:

1 - Despesas com o fornecedor CC — ar condicionado do Pólo Cívico, no montante de € 147.600,00 c/ IVA inc;.

2 - Despesas com o fornecedor DD — fornecimento e montagem de equipamento de cozinha, cafetaria e lavandaria do Polo Cívico do … no montante de € 56.302,78 + IVA, no total de € 69.252,41;

3 - Despesas com o fornecedor EE no montante de € 9.225,00 - elaboração das fichas dos imóveis do Bairro do …;

4 - Despesas com o fornecedor FF, Lda. no montante de € 17.197,50 - elaboração das fichas dos imóveis do Bairro do …;

b) Sejam declaradas ilegais e nulas as deliberações de aprovação do relatório e das contas referentes ao ano de 2012;

c) Seja declarada a ilegalidade e a consequente nulidade da constituição e realização da assembleia da Administração Conjunta da AUGI do Bairro do … e de todas as deliberações nela tomadas, por motivo em relação a todas, de:

- falta de afixação dentro do prazo legal do aviso convocatório na Junta de Freguesia de …;

- falta de publicação da convocatória num dos jornais de divulgação nacional;

- falta da disponibilidade do relatório de contas e de todos os documentos referentes às propostas aprovadas durante os 15 dias antecedentes à data de 10.3.2013;

- inexistência do parecer da Comissão de Fiscalização às contas anuais intercalares;

- inexistência da certificação prévia das contas por um revisor oficial de contas ou por uma sociedade de revisores, não entregues aos proprietários, nem depositados na Junta de Freguesia de …,

d) Seja declarada ilegal e nula a deliberação de alteração da ordem de trabalhos da assembleia, tomada apenas por maioria dos proprietários presentes, na decorrência da assembleia, que passou a constituir o ponto 1 na ordem de trabalhos;

e) Seja declarada ilegal e nula a deliberação de aprovação da perda de direito de participação nas assembleias de proprietários que tenham débitos referentes a alegadas comparticipações;

f) Seja declarada ilegal e nula a deliberação de aprovação da transferência de fundos financeiros da Administração Conjunta para a Associação GG no montante de € 17.975,00;

g) Seja declarada ilegal e nula a deliberação de aprovação da proposta de dação em pagamento do Lote 220-A em cumprimento das despesas de reconversão do Bairro do … a favor da GG e a consequente extinção de créditos de comparticipações que venham a recair sobre o lote 220-A, com todos os efeitos decorrentes da ilegalidade das referidas deliberações.

Para tal, alegaram diversa factualidade que, segundo os AA., determinaria a ocorrência dos vícios que apontaram às deliberações tomadas na predita Assembleia de proprietários e comproprietários da AUGI, tudo em violação do disposto nos artigos 1°, 3°, 4°, 8°, 9°, 10°, 12°, 15°, 16-c, 18°, 26°, 27°, 29° e 31° da Lei n.° 91/95, de 2 de Setembro, na sua actual redacção, com os inerentes efeitos.

A Ré contestou, sustentando que a pretensão dos AA. é absolutamente infundada e concluiu pela improcedência da acção, devendo consequentemente manter-se as deliberações tomadas e aprovadas na referida Assembleia.

Os AA. replicaram, tendo este articulado sido considerado não escrito nos termos constantes do despacho de fls. 591-592.

Proferiu-se despacho saneador, identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova, sem reclamações.


2. Realizada a audiência final, veio a ser proferida sentença, que, julgando a acção parcialmente procedente:

- Declarou a anulabilidade e consequentemente anulou as deliberações da Assembleia de proprietários e comproprietários da AUGI do … realizada no dia 10.3.2013, de aprovação do relatório e das contas referentes ao ano de 2012, de alteração da ordem de trabalhos da assembleia e de apenas poderem usar da palavra na assembleia geral os proprietários que hajam cumprido com a totalidade dos deveres de reconversão, designadamente com as quotizações deliberadas em Assembleia Geral integralmente pagas;

- Declarou ineficaz a deliberação de aprovação da proposta de cedência pelo - comproprietário HH à associação de proprietários do …, GG, da sua compropriedade, sob a forma de dação em cumprimento, pelo valor das quotizações em dívida deliberadas para o lote 220; e

- Absolveu a Ré do demais peticionado.


3. Inconformados com parte do assim decidido, os AA. interpuseram recurso de apelação para a Relação de …, que, por acórdão de fls. 874 e ss., a julgou improcedente, mantendo a sentença recorrida.


4. De novo inconformados, os AA. interpuseram o vertente recurso de revista, cujas alegações findam com as seguintes conclusões:

1. A Administração Conjunta da AUGI, nos termos e para os efeitos da Lei nº 91/95, de 2/9, é uma "associação forçada", e não, constituída ao abrigo do Princípio da Liberdade de Associação, estabelecido no artº 46º da Constituição da República Portuguesa, ao invés do que sucede com a Associação GG, em que podem ser associados quaisquer pessoas, quer sejam proprietários e/ou comproprietários do Bairro do ..., quer não sejam.

2. Os proprietários e comproprietários da AUGI do Bairro do ... não são automaticamente associados da Associação GG, podendo a sua admissão ser recusada se houver razões para tanto, não sendo, pois, os mesmos, ipso facto, associados, pelo mero facto de serem comproprietários.

3. Não resulta da matéria de facto provada nos autos a afirmação constante do último parágrafo de fls. 32 do Acórdão recorrido.

4. Por essa razão, não se aplicam as normas do regime jurídico do direito de associação do código civil, e sim as da Lei n^ 91/95 e no que na mesma não esteja especificamente regulado, aplicam-se as regras gerais da compropriedade (artºs 1403º e ss do Código Civil).

5. E também por esta razão, a Administração Conjunta é titular, e apenas, de meros poderes de administração do património comum, não dispondo de quaisquer, sejam quais forem, direitos de alienação ou de oneração do património comum.

6. A Administração Conjunta da AUGI não tem personalidade jurídica e, como tal, não tem património autónomo e independente do património comum de todos os comproprietários.

7. A Administração Conjunta da AUGI não pode dispor de quaisquer bens, em dinheiro ou de outra espécie, que não sejam para o efeito de atingir os fins e objectivos da Administração Conjunta.

8. Os órgãos da AUGI não podem utilizar comparticipações dos proprietários para, com elas, praticar doações e/ou liberalidades a favor e no interesse de terceiros.

9. Os órgãos da AUGI não podem proceder a actos de doação e/ou de liberalidades porque tal lhes está vedado pelas normas que definem as competências de um e outro, ao invés do que decidiu o Acórdão recorrido, em ostensiva violação dos artºs 10º e 15º da Lei nº 91/95.

10. A deliberação de transferência de comparticipações no montante de € 17.975,00 é absolutamente nula e de nenhum efeito, por violação das normas – artºs 10º e 15º - que regulam a competência dos órgãos da AUGI, na Lei nº 91/95, e, consequentemente, por vício de incompetência.

11. Tendo em conta o artº 46° da Constituição da República Portuguesa e o disposto no artº 1º. nº 1 da Lei 91/95, não é possível, nem admissível, o recurso à "analogia de situações" sobre a qual se baseou o Acórdão recorrido, em ostensiva violação do artº 11º do Código Civil, para legitimar "donativos" por parte dos órgãos da AUGI, para outros fins que não sejam para reconversão do solo (visto que a legalização das construções individualmente consideradas caberá a cada um dos proprietários, cfr. artº 32 nº 2 da Lei n°. 91/95, de 2/9).

12. O Acórdão recorrido contém vícios ao nível da análise crítica dos factos e das normas envolvidas (da Lei n2 91/95, de 2/9, Lei Civil e Constituição).

13. É totalmente inaceitável que se decida, como decidiu o Acórdão recorrido, que os órgãos da AUGI (cujas competências se encontram claramente definidas nos artºs 10º e 15º da Lei 91/95) possam praticar actos de doação e/ou liberalidades, por analogia ao regime jurídico que regula as Associações (analogia vedada ao Tribunal pelo artº 11º do Código Civil em virtude de a Lei 91/95 ser especial).

14. Doações e/ou liberalidades (que os Autores já praticaram múltiplas vezes) praticam-se com valores monetários próprios e não alheios, e muito menos quando esses valores têm, segundo o entendimento da Administração Conjunta, a natureza concreta e definida de comparticipações (cfr. artº 3º nºs 1 e 2 da Lei nº 91/95, de 2/9).

15. Mesmo que se entendesse ser necessário integrar uma "lacuna" da Lei n°- 91/95, de 2/9, o que não se concede, sempre se dirá que as normas aplicáveis seriam as regulam as figuras jurídicas da compropriedade (cfr. artºs 1403º a 1413° do Código Civil), e, similarmente da propriedade horizontal (cfr. art°s 1414º e ss do Código Civil), e não as normas a que se recorreu no Acórdão recorrido.

16. A deliberação legitimada pelo Acórdão recorrido é ilegal e constitui um abuso de poder por parte dos órgãos da AUGI.

17. O Acórdão recorrido aponta para uma apreciação imotivável e incontrolável, e, portanto, arbitrária, da prova produzida e das normas envolvidas.

18. E que, pelo que se verifica, nem sequer viola o princípio constitucional, geral, que prevê a defesa da propriedade privada (artº 62º da CRP).

19. Os vícios identificados constituem causas previstas da lei, para que seja declarada a sua nulidade ou, a sua revogabilidade.

20. Deve ser revogado o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ... proferido no âmbito do processo n 3844/13.OTCLRS.LI, e substituído por outro que declare ilegal e, consequentemente, inválida, o débito do valor monetário de € 17.975,00 da conta da AUGI para crédito desse valor a favor de terceiros.

21. O montante de € 17.975,00 deve ser restituído e reintegrado no activo da AUGI para o efeito de ser aplicado na reconversão do Bairro, se e/ou quando a Câmara Municipal de ... vier a determinar.

22. O Acórdão recorrido violou as seguintes disposições legais: artºs 1º, 3º, 10º e 15º da Lei 91/95, o artº n°, 1403º a 1413° (e, especificamente, os artºs 1404° e 1408°), e ainda os Artºs 1414º e ss (e especificamente o art. 1422º), todos do Código Civil, e o artº 46º e 62º da Constituição da Republica Portuguesa.

Concluem no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso e, consequentemente, revogado o Acórdão recorrido com as legais consequências, nomeadamente, ser anulada a deliberação tomada na Assembleia da AUGI do Bairro do ... de efectuar a referida "liberalidade".


5. Não foram apresentadas contra-alegações.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


II – FACTOS

A) - No acórdão recorrido foram inscritos como Provados os seguintes:

1) - Antigamente constituído essencialmente por áreas verdes, áreas de protecção, leitos de cheias e uma encosta de grande declive e/ou com solos geologicamente instáveis, há cerca de 60-50 anos, ocorreu no Bairro do …, freguesia e concelho de ..., um processo de ocupação muito rápido, intenso e desordenado - quer ao nível das áreas de construção, quer ao nível da altura das construções - dessas áreas, então livres, da periferia da cidade de Lisboa, que conduziram ao desenvolvimento de loteamentos e construções de génese ilegal.

2) - No dia 7.11.1997 foi constituída por escritura pública a Associação denominada GG - Associação de Moradores do …, com sede na Rua … um, lote 2, no Bairro do … (doc. n°18 junto pela R. a fls. 648 e segs.).

3) - Essa associação tinha, por objecto social estatutário, na essência, o seguinte:

a) A curto prazo, levar a efeito a recuperação urbanística do Bairro, com vista à sua legalização perante as autoridades instituídas, nomeadamente as infra-estruturas básicas para melhoria das condições de vida e habitação dos seus associados ou obtenção de habitação própria, em estreita cooperação com a Junta de Freguesia, Câmara Municipal e outras entidades, e

b) A médio e longo prazos, promover e realizar iniciativas de ordem social, cultural, recreativa e desportiva e outras actividades previstas na lei, as quais a direcção da Associação apoiará na medida das suas possibilidades.

c) Quaisquer actividades deverão ser praticadas sem quaisquer fins lucrativos, assim como os cargos desempenhados, excepto despesas efectuadas em benefício do Bairro.

d) Poderão ser associados todos os indivíduos de ambos os sexos, maiores de 18 anos de idade, de qualquer credo ou religião, de qualquer ideologia política e nacionalidade, desde que possuam reconhecido comportamento moral e se disponham a cumprir os estatutos e regulamentos internos da Associação.

e) Os associados que lesarem a Associação poderão ser expulsos por deliberação da assembleia geral, sob proposta do conselho executivo.

f) Nos casos de maior gravidade pode a direcção, sem consultar a assembleia geral, recorrer ao poder judicial (doc. de fls. 696 e segs.).

4) - Enquanto não foi constituída a administração conjunta da AUGI aqui referenciada, a GG agiu como se de uma Administração Conjunta de AUGI se tratasse e chegou a cobrar verbas para o efeito de se conseguir a desejada legalização do Bairro do ....

5) - Em 31/10/2002, a Câmara Municipal de … delimitou o Bairro do … como Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI).

6) - Sem, porém, definir qual a modalidade de reconversão.

7) - Em 8.12.2002 teve lugar a assembleia constitutiva da administração conjunta da Área Urbana de Génese Ilegal denominada Bairro do … (doc. n°1 junto pela R. a fls. 389 e segs.).

8) - A verba de 17.975,00 € que a GG tinha recebido e que tinha em saldo em Dezembro de 2002, proveniente dos proprietários para o efeito de comparticipação na futura reconversão do Bairro do …, foi transferida para a Administração Conjunta da AUGI do Bairro do ….

9) - O Autor é sócio da mencionada Associação GG desde a sua constituição, no pleno uso dos seus direitos e deveres.

10) - Os AA. adquiriram a título oneroso:

a) 160/27771 avos do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n° 25…9 (a que corresponde o lote com o n° 4 provisório), por escritura pública no dia 2/3/1988;

b) 00/75120 Avos do prédio rústico Descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n° 13…7 (a que corresponde o lote com o n° 227 provisório), por escritura pública no dia 21/2/1983;

c) prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n° 27…6 (a que corresponde o lote com o n° 144 provisório), por escritura pública no dia 12/1/1983 e

d) prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n° 27…5 (a que corresponde o lote com o n° 150 provisório), por escritura pública no dia 6/3/1990, e têm inscritos a seu favor os respectivos direitos de propriedade na Conservatória do Registo Predial de … (certidões do registo predial juntas como docs. n°s 35 a 38 a fls. 278 e segs., 303 e segs., 376-377 e 378-379).

11) - Os prédios de que os AA. são comproprietários estão integrados na atrás identificada AUGI do Bairro do … e dentro do perímetro da Área Urbana de Génese Ilegal delimitada pela Câmara Municipal de ….

12) - Por carta datada de 22/2/2013, o A. foi convocado para a Assembleia Geral da Administração Conjunta da AUGI do Bairro do …, a realizar no dia 10/3/2013, pelas 10h30, no … — …. — Odivelas, com a seguinte ordem de trabalhos:

1° - Discussão, votação e aprovação do Relatório e Contas relativo ao ano de 2012;

2° - Eleição da Comissão de Fiscalização;

3° - Fixação da quota de comparticipação;

4° - Outros assuntos de interesse para o Bairro,

constando da mesma convocatória que, se à hora marcada não se encontrassem presentes o número de comproprietários suficientes para validamente deliberar, ficava marcada segunda assembleia para as 11h00, no mesmo dia e local, nos termos do artigo 1432° n° 4, do C. C., deliberando-se com o número de proprietários presentes (doc. n°3 junto pelos AA. a fls. 63).

13) - Os AA. encontraram-se representados na referida assembleia.

14) - O aviso da convocatória foi publicado no Diário de Noticias, na edição de 22.2.2013 (doc. n°2 junto pelos RR. de fls. 194-195).

15) - O envio da convocatória para a Junta de Freguesia de …, tal como para os AA., ocorreu em 22/02/2013 (doc. n°3 junto pela R. a fls. 196-198).

16) - O aviso convocatório da referida assembleia foi afixado na sede da Junta de Freguesia de …, em 25.2.2013 (doc. n°2 junto pelos AA. a fls. 113 e doc. de fls. 666).

17) - Em 5/3/2013 a Exma. mandatária dos AA. solicitou ao Presidente da Comissão de Administração Conjunta a consulta de todos os documentos respeitantes aos assuntos a submeter à apreciação da assembleia, tendo sido os documentos consultados pela Exma. mandatária dos AA. no dia 8.3.2013, na sede da Administração Conjunta (docs. n°s 4 e 59 juntos pelos AA. a fls. 64 e 545 e segs.).

18) - Até 5.3.2013 o relatório de contas não esteve disponível na Junta de Freguesia de … para consulta.

19) - Com data de 8.3.20113 foi elaborada "Certificação Legal das Contas" (docs. 11%7 e 3 juntos pela R. a fls. 217 e 728).

20) - No dia 10/3/2013, pelas 11 horas, reuniu no referido local - … - … - Odivelas, a Assembleia de Proprietários da Administração Conjunta da AUGI do Bairro do … (doc. n°1 junto a fls. 94 e segs. com a p.i. e n°2 junto a fls. 404 e segs.).

21) - No decorrer da assembleia, os proprietários presentes deliberaram, por maioria, com os votos contra de alguns proprietários, nomeadamente os AA. aprovar a proposta de aditamento de um novo ponto 1. à ordem de trabalhos, com o seguinte conteúdo: "1° - Deliberar sobre a proposta: Somente poderão usar da palavra na Assembleia Geral os proprietários ou comproprietários que hajam cumprido com a totalidade dos deveres de reconversão, designadamente com as quotizações deliberadas em Assembleia Geral integralmente pagas;

22) - Depois dessa deliberação, a ordem de trabalhos passou a ter 5 pontos, a seguir renumerados:

1° - Deliberar sobre a proposta: Somente poderão usar da palavra na Assembleia Geral os proprietários ou comproprietários que hajam cumprido com a totalidade dos deveres de reconversão, designadamente com as quotizações deliberadas em Assembleia Geral integralmente pagas;

2° - Discussão, votação e aprovação do relatório e contas relativo ao ano de 2012;

3° - Eleição da Comissão de Fiscalização;

4° - Fixação da quota de comparticipação;

5° - Outros assuntos de interesse para o Bairro.

23) - No decorrer da assembleia, os proprietários presentes deliberaram, por maioria, com os votos contra de alguns proprietários, nomeadamente os AA.

Aprovar designadamente:

No âmbito do ponto 1 da nova ordem de trabalhos, a proposta de perda do direito de usar da palavra na Assembleia da Administração Conjunta dos proprietários com quotizações em atraso;

No âmbito do ponto 2 da nova ordem de trabalhos constante da convocatória, o Relatório e Contas da Administração Conjunta da AUGI relativo ao ano de 2012;

No âmbito do ponto 3 da nova ordem de trabalhos, a eleição da Comissão de Fiscalização da Administração Conjunta da AUGI;

No âmbito do ponto 4 da referida Ordem de Trabalhos, não fixar qualquer quotização para o ano de 2013;

No âmbito do ponto 5 da nova ordem de trabalhos consta a seguinte deliberação: "Pela CAC foi lida a comunicação do comproprietário a que há-de corresponder lote 220-A, em que este pretende ceder à associação de proprietários do Vale do Forno, GG a sua compropriedade, sob a forma de dação em cumprimento, pelo valor das quotizações deliberadas para aquele lote, quotizações essas em dívida. Assim, a cedência daquela compropriedade será em singelo, não obtendo qualquer recebimento. Submetido a votação, foi aprovado por maioria dos presentes, somente com as abstenções dos lotes 57, 4, 144, 150, 227, 250 e 299."

Ainda no âmbito do ponto 5 da ordem de trabalhos, "Foi também pela CAC proposta a devolução do valor de €. 17.975,00 (dezassete mil novecentos e setenta e cinco euros), valor este que correspondia ao saldo da GG à data de 31 de Dezembro de 2002, o qual foi transferido para a Administração Conjunta em Janeiro de 2003, sendo que este valor era resultante da cobrança de quotas de sócios daquela Associação, pelo que se entende ser aquele montante uma receita da Associação e não uma receita no âmbito do processo de reconversão.

Submetido a votação, foi aprovado por maioria, com os votos contra dos lotes 4, 144, 150, 227, 250, 299 e as abstenções do lote 59 e do artigo 52-L (Courelas)." (acta junta como doc. n°1 a fls. 94 e segs. com a p.i. e n°2 junto a als. 404 e segs.).

24) - Na assembleia, no âmbito do segundo ponto da ordem de trabalhos alterada, foi distribuído aos presentes um documento contendo o resumo das contas do ano de 2012 (doc. n°5 junto pelos AA. a fls. 65).

25) - O parecer da comissão de fiscalização e a certificação das contas relativas ao ano de 2012 por revisor oficial de contas não foram remetidos à Junta de Freguesia de … (doc. de fls. 666).

26) - Os AA. juntaram declarações de voto (doc. n°6 junto a fls.66-69).

27) - A AUGI, através da sua Administração Conjunta, desde que a mesma foi constituída e registada em 26.01.2003, tem através da sua Comissão de Administração efectuado aos comproprietários integrantes da AUGI, cobranças de importâncias monetárias várias, respeitantes a importâncias necessárias, segundo a Administração Conjunta da AUGI, para assegurar a legalização do Bairro e inerentemente de cada um dos lotes e construções.

28) - E que eram no início de 2012 pelo menos € 2.185.618,32 de acordo com o saldo inicial do chamado Resumo das Contas do ano de 2012 e no montante de € 1.851.163,91 de acordo com o saldo final do Resumo de Contas do ano de 2012, montantes esses dos quais a Administração Conjunta da AUGI é depositária (doc. n°5 junto pelos AA. a fls. 65).

29) - A comissão de fiscalização emitiu relatório e parecer favorável com data de 7.3.2013 à aprovação do relatório e contas anuais apresentados pela comissão de administração (docs. nos 5 e 1 juntos pela R. a fls. 201 e 712).

30) - Foram elaborados documentos intitulados "Demonstrações Financeiras do Período Findo em 31 de Dezembro de 2012", "Balanço Individual em 31 de Dezembro de 2012" e "Balancete Geral" (doc. n°6 juntos pela R. a fls. 202 e segs. e 713 e segs.).

31) - No âmbito da "Discussão, votação e aprovação do relatório e das contas relativo ao ano de 2012", o A. votou contra a aprovação do relatório e das contas do ano de 2012.

32) - A Administração conjunta da AUGI suportou designadamente as seguintes despesas:

- Despesas com o fornecedor CC — ar condicionado do Pólo Cívico - facturas nos 13832/2012 e 13871/2012 = € 147.600,00 c/ IVA inc. (docs. n°s 1 e 2 juntos pela R. a fls. 608 e segs.);

- Despesas com o fornecedor DD — fornecimento e montagem de equipamento de cozinha, cafetaria e lavandaria do Polo Cívico do … = 56.302,78 + IVA = € 69.252,41 (docs. n°s 4 a 6 juntos pela R. a fls.617 e segs.);

- Despesas com o solicitador EE - €9.225,00 respeitantes à elaboração das fichas dos imóveis do Bairro do … (doc. n°7 junto pela R. a fls. 626-627).

- Despesas com o fornecedor FF, Lda. - € 17.197,50 (docs. IN 8 a 10 juntos pela R. a fls. 628-636) por prestação de serviços referentes ao acompanhamento do plano de urbanização e programa de acção territorial da vertente sul — … referente ao bairro do ... nos meses de Janeiro a Dezembro de 2012 e elaboração de fichas de caracterização dos lotes sitos no bairro Vale do Forno (docs. IN 8 a 10 juntos pela R. a fls. 628-636).

33) - Em 2012 a Câmara Municipal de … iniciou as obras de construção de um edifício denominado Polo Cívico e Comunitário do …, para o efeito de prestar cuidados básicos, designadamente à população mais jovem e mais idosa do Bairro do …, com conclusão prevista para 2013.

34) - A Associação GG é a entidade que vai explorar o Polo Cívico construído pela Câmara Municipal de ... e, designadamente, aí desenvolver a sua actividade.

35) - Actividade essa que só poderia desenvolver se e quando dotasse as instalações do Polo Cívico, designadamente de equipamentos de climatização, de lavandaria, cozinha, etc.;

36) - Com os custos e encargos financeiros associados aos referidos investimentos, custos esses que foram suportados pela administração conjunta da AUGI e, assim, pelos proprietários da AUGI.

37) - Até à data da assembleia geral de constituição da AUGI, em 8 de Dezembro de 2002, foi a GG que conduziu o processo de legalização e reconversão do Bairro ... e que cobrou as quotas fixadas no pacto social, destinadas a constituir fundos e património para a associação.

38) - No projecto estudo de loteamento, ao comproprietário HH correspondia o lote 220-A.

39) - A Associação GG também é comproprietária no Bairro do ….

40) - Ainda não foi emitido título de reconversão pela CM ….

41) - Existe em curso o processo de reconversão e de legalização do Bairro …;

42) - No âmbito das obras de urbanização contratou a Administração Conjunta com a Câmara Municipal de … a execução de parte das obras de urbanização na AUGI do Bairro … (conforme publicação no Boletim Municipal n° 1-2012, Ano XIII, de 24.1. 2012,pág.12), encontrando-se o contrato tripartido publicado no Boletim Municipal n° 4, ano XIII, de 6 de Março de 2012 (págs. 27 a 31) - (docs. n°s 3 a 6 juntos pela R. a fls. 433-453).

43) - Por escritura pública de dação em cumprimento celebrada no dia 18.2.2015 entre HH e mulher (primeiros outorgantes) e a Associação GG — Associação de Moradores do … (segundo outorgante), declarou aquele ser "dono e legítimo possuidor de trezentos barra setenta e cinco mil cento e vinte avos indivisos do prédio rústico composto de terra de cultura arvense, mato, horta com árvores de fruto e oliveiras, sito em …, freguesia e concelho de … (...)" e pelos segundos outorgantes (na qualidade de representantes daquela associação) que "detêm créditos sobre o primeiro outorgante marido no montante global de seis mil e quinhentos euros, proveniente de dívida à Associação de Moradores, tendo o primeiro outorgante marido dito ainda "Que em seu nome dá aos credores, a representada dos segundos outorgantes em cumprimento da referida responsabilidade, os referidos avos indivisos, pelo valor global de seis mil e quinhentos euros" e "Que a referida dação em cumprimento é feita com o propósito de extinguir as obrigações acima referenciadas" (documento n°4 junto pela R. a fls. 682 e segs.).

B) - E como Não Provados os seguintes:

- A matéria de facto alegada nos artigos 124°-A, 124°-C a G, 129°, 130, 152°, 158, 270°A, als. b),c),d), 270-B, 272°, 276°, 281°,b),c),d) e 281°-B, 281-C°, 297° a 299°, 313° da petição inicial;

- Que não tenham sido prestados serviços justificativos dos pagamentos efectuados ao solicitador EE e à sociedade FF, Lda.;

- Não se provaram outros factos com interesse para a decisão, não tendo sido considerada a matéria conclusiva alegada por ambas as partes e/ou contendo apreciações subjectivas.


III – DIREITO


1. Como é sabido, e flui do disposto nos arts. nos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC, o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução deferidos a uma(s) poderá tornar prejudicada a apreciação de outra(s).

    De tal sorte, e tendo em mente esse conjunto de finais proposições com que os AA./Recorrentes ultimam as respectivas alegações, surge que apenas a uma se circunscreve a questão em tal contexto suscitada, qual seja, saber:

     - se a deliberação levada a efeito, a 10.03.2013, pela Assembleia de Proprietários da Administração Conjunta da Augi do Bairro do …, aprovando a transferência para a Associação “GG” da quantia de €17.975,00, transferência essa consubstanciadora de uma doação, está ferida de nulidade, por ilegitimidade e/ou incompetência dos órgãos da Augi para a prática de tal acto.


 2. No douto acórdão recorrido, entendeu-se responder negativamente a essa questão, e, portanto, pela validade de tal deliberação, na medida em que se traduzindo também a aludida doação ou liberalidade dela objecto num acto válido e eficaz.

        Para tanto, no aludido aresto teve-se em conta e fundamento douta argumentação da qual se afigura pertinente coligir as passagens seguintes:

  - “A Administração A Administração Conjunta da AUGI, embora sujeita a inscrição no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, não é, de pleno direito, uma pessoa colectiva devidamente enquadrada em termos legais. No n.° 6 da Lei n.° 91/95, de 2 de Setembro, na redacção da 2ª alteração a este diploma (Lei n.° 64/2003, de 23/8) constava expressamente que a CAC da AUGI "não goza de personalidade jurídica". Com a 3ª alteração ao referido diploma foi modificado o n.° 6, eliminando-se aquela expressão.

Definindo-se com um substrato organizacional, sem personalidade jurídica, que não tem por fim o lucro económico dos seus associados, antes prossegue um relevante interesse social (o urbanismo), a Administração Conjunta da AUGI deve, pela analogia das situações, ser encarada como se de uma associação se tratasse.

Das associações se ocupam os artigos 167° a 184° inclusive do Código Civil.

Importa considerar, ainda, que, por virtude do disposto no artigo 157° do Código Civil, as disposições do mesmo diploma relativas às pessoas colectivas (artigos 158° a 166°) são igualmente aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados.

            […]

        Como é sabido, as duas grandes categorias de vícios das deliberações são constituídas pela nulidade e pela anulabilidade.

            […]

       Embora os Recorrentes não esclareçam nas alegações de recurso e nas respectivas conclusões donde promana a nulidade que invocam, atribuindo-a meramente ao acto da AG que autorizou a Administração Conjunta da AUGI a restituir à associação estamos em crer que […] por entenderem, ao invés do entendimento perfilhado na sentença recorrida, que o acto que impugnam configura uma doação que afronta as disposições da Lei n.° 91/95, de 2 de Setembro, que estabelece o regime excepcional para a reconversão das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), em particular os seus artigos 10° e 15° que versam sobre as competências da assembleia e da comissão de administração (órgão executivo da administração conjunta).

Não estando tal matéria prevista na Lei n.° 91/95, de 2 de Setembro, temos de nos socorrer, como se disse, atenta a analogia das situações, ao regime legal previsto no Código Civil para as associações.

No artigo 160° do Código Civil, aplicável às associações (cf. artigo 157°), define-se a capacidade de gozo das pessoas colectivas (leia-se associações) a partir de um elemento positivo e de dois elementos negativos. A partir do primeiro elemento, que se contém no n.° 1 do preceito, a capacidade de gozo das pessoas colectiva compreende «os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins».

Os elementos negativos vêm referidos no n.° 2 e excluem dessa capacidade: a) «os direitos e obrigações vedados por lei»; os direitos e obrigações «que sejam inseparáveis da personalidade singular».

      Consagra-se, neste normativo, o princípio da especialidade, mas com uma larga atenuação do seu rigor, já que se admite que a pessoa colectiva pratique actos convenientes à prossecução dos seus fins, actos esses que podem afastar-se, quanto ao seu objecto, dos fins da pessoa colectiva, como seja, «a organização duma festa com o fim de angariar fundos para a colectividade.

          […]

        É entendimento que também perfilhamos, pelo que reputamos legítima a prática esporádica de doações por uma sociedade ou associação, a favor de terceiros, determinada por fundamentos de solidariedade social, contanto que os donativos ou liberalidades sejam adequados à capacidade económica da própria sociedade ou da associação.

Ora, no caso que nos ocupa, atendendo ao expendido e às circunstâncias que relevam dos pontos n.°s 2, 3, 23, 33, 34, 35, 36 e 43 dos factos que emergiram provados, só podemos concluir pela legitimidade e consequente validade do acto de liberalidade a favor da GG, aprovado, por maioria de votos, por deliberação na AG da AUGI de 10 de Março de 2013.

Tal liberalidade, tendo em conta a existência de uma certa comunhão entre o fim e o objecto social da Administração Conjunta da AUGI e o fim e o objecto social da associação de moradores GG (também proprietários e comproprietários na AUGI) só pode ser vista como sendo necessária e conveniente à prossecução desse fim social comum.

Em boa verdade, o que se depreende dos factos provados é que a verba de €17.975,00 que foi deliberado transferir para a GG será aplicada por esta associação na promoção e realização de iniciativas de ordem social, cultural, recreativa e desportiva e outras actividades previstas na lei e, desde logo, na exploração e funcionamento de um equipamento de significativa relevância social para o Bairro do Vale do Forno: o Polo Cívico e Comunitário do …, que irá prestar cuidados básicos, designadamente à população mais jovem e mais idosa do Bairro do ….


   3. Insurgindo-se contra esta linha argumentativa e consectária decisão, os AA./Recorrentes aduzem, no fundamental, o leque de razões que segue:

- A Administração Conjunta da AUGI não tem personalidade jurídica e, como tal, não tem património autónomo e independente do património comum de todos os comproprietários

Por essa razão, não se aplicam as normas do regime jurídico do direito de associação do Código Civil, e sim as da Lei nº 91/95, e, relativamente ao que nesta não esteja especificamente regulado, aplicam-se as regras gerais da compropriedade [arts 1403.º e ss. do Código Civil].

E também por esta razão, a Administração Conjunta da AUGI é titular, e apenas, de meros poderes de administração do património comum, não dispondo de quaisquer, sejam quais forem, direitos de alienação ou de oneração do património comum.

A Administração Conjunta da AUGI não pode pois dispor de quaisquer bens, em dinheiro ou de outra espécie, que não sejam para o efeito de atingir os fins e objectivos da Administração Conjunta.

E, por isso, os órgãos da AUGI não podem utilizar comparticipações dos proprietários para, com elas, praticar doações e/ou liberalidades a favor e no interesse de terceiros.

A deliberação de transferência de comparticipações no montante de € 17.975,00 é absolutamente nula e de nenhum efeito, por violação das normas da sobredita Lei n.º 91/95 – arts. 10.º e 15.º -que regulam a competência dos órgãos da AUGI, e, consequentemente, por vício de incompetência.

            Que dizer? Vejamos.

   4. Visando o estabelecimento de um regime de reconversão urbanística, de cariz excepcional, para as áreas urbanas de génese ilegal [AUGI] foi, como sabido, publicada a Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, sucessivamente alterada pelas Leis n.ºs 165/99, de 14 de Setembro, 64/2003, de 23 de Agosto, 10/2008, de 20 de Fevereiro, 79/2013, de 26 de Novembro e 70/2015, de 16 de Julho.

     Nos termos do n.º 1, do art. 8.º, dessa Lei 91/95[2], “O prédio ou prédios integrados na mesma Augi ficam sujeitos a administração conjunta, assegurada pelos respectivos proprietários ou comproprietários”, uns e outros a quem, segundo o estipulado no n.º 1, do art. 3.º, foi imposto o dever da reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas na AUGI respectiva.

     De conformidade com o n.º 2, desse art. 8.º, os órgãos da administração conjunta prevista no número antecedente são a assembleia de proprietários ou comproprietários, a comissão de administração e a comissão de fiscalização, dispondo, por seu turno, o subsequente n,º 6 que a “ A administração conjunta fica sujeita à inscrição no Registo Nacional das Pessoas Coletivas para efeitos de identificação” e, finalmente, o n.º 7 que “A administração conjunta detém capacidade judiciária, dispondo de legitimidade activa e passiva nas questões emergentes das relações jurídicas em que seja parte.”

      Tendo em conta o estatuído neste n.º 7, e em face do constante dos n.ºs 1 e 2, do art. 11.º, do CPC, não restam dúvidas que – como vimos expendido em sede do douto acórdão ora sob censura e secundado, também, pelos Recorrentes‑, a administração conjunta da AUGI não goza de personalidade jurídica; como, aliás, expressamente se referia no n.º 6, do art. 8.º, da Lei n.º 91/95 [na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 64/2003][3], referência que, dada – pelo que se deixa mencionado – a sua manifesta redundância, a alteração levada a efeito pela seguinte Lei n.º 10/2008 definitivamente – e bem‑ suprimiu[4].

     Preceituando sobre a “competência da assembleia”, textua, por seu turno, o art. 10.º que:

“1. Compete à assembleia acompanhar o processo de reconversão e fiscalizar os atos da comissão de administração, sem prejuízo das competências atribuídas à comissão de fiscalização.

2 - Compete ainda à assembleia:

a) Deliberar promover a reconversão da AUGI;

b) Eleger e destituir a comissão de administração;

c) Eleger e destituir os representantes dos proprietários e comproprietários que integram a comissão de fiscalização;

d) Aprovar o projeto de reconversão a apresentar à câmara municipal, na modalidade de pedido de loteamento;

e) Avaliar a solução urbanística preconizada, na modalidade de reconversão por iniciativa municipal;

f) Aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º;

g) Aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, os orçamentos apresentados pela comissão de administração para a execução das obras de urbanização;

h) Aprovar o projeto de acordo de divisão da coisa comum;

i) Aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, as contas anuais e intercalares, da administração conjunta;

j) Aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, as contas finais da administração conjunta.

3 - As competências da assembleia de proprietários e comproprietários são indelegáveis.

4 - A assembleia de proprietários e comproprietários não pode constituir mandatário para o exercício das funções da comissão de administração, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 55.º

5 - A fotocópia certificada da ata que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo.”

Por sua vez, a respeito das “competências da comissão de administração”, o art. 15.º prescreve:

“1. Compete à comissão de administração:

a) Praticar os atos necessários à tramitação do processo de reconversão em representação dos titulares dos prédios e donos das construções integrados na AUGI;

b) Celebrar os contratos necessários para a execução dos projetos e das obras de urbanização e fiscalizar o respetivo cumprimento;

c) Elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações e cobrar as comparticipações, designadamente para as despesas do seu funcionamento, para execução dos projetos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização;

d) Elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os orçamentos para execução das obras de urbanização, o relatório da administração conjunta e as contas anuais, intercalares, relativas a cada ano civil, e as contas finais;

e) Submeter os documentos a que se referem as alíneas do n.º 1 do artigo 16.º-B a parecer da comissão de fiscalização;

f) Constituir e movimentar contas bancárias;

g) Representar a administração conjunta em juízo;

h) Emitir declarações atestando o pagamento das comparticipações devidas pelos proprietários ou comproprietários para efeito da emissão da licença de construção, ou outros atos para as quais as mesmas se mostrem necessárias, nomeadamente para efeito do disposto no artigo 30.º-A;

i) Representar os titulares dos prédios integrados na AUGI perante os serviços de finanças e conservatórias do registo predial, para promover, designadamente, as necessárias retificações e alterações ao teor da matriz e da descrição e o registo do alvará de loteamento, podendo fazer declarações complementares;

j) Representar os titulares dos prédios integrados na AUGI no ato notarial para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 38.º;

l) Dar cumprimento às deliberações da assembleia;

m) Prestar a colaboração solicitada pela câmara municipal, designadamente entregando documentos e facultando informações.

2 - As contas anuais, intercalares e finais, previstas na alínea d) do número anterior, devem ser elaboradas de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade, com as necessárias adaptações, e subscritas também por um técnico oficial de contas, a designar pela comissão de administração.

3 - A aprovação das contas anuais, intercalares, cujo movimento do respetivo exercício exceda (euro) 50 000 e a aprovação das contas finais da administração dependem da certificação prévia por revisor oficial de contas ou por uma sociedade de revisores, igualmente a designar pela comissão de administração.”

5. Frente a tudo o que fica plasmado – e atalhando caminho ‑, desde logo é dado concluir que, integrando o “activo patrimonial” da administração conjunta da AUGI – que, insista-se, não goza de personalidade jurídica, por isso não dispondo, como salientado pelos Recorrentes, de património autónomo e independente dos seus membros – os prédios abarcados pela AUGI e, entre o mais, os valores das comparticipações entregues pelos proprietários ou comproprietários desses mesmos prédios[5], é dado concluir – dizíamos – que esse “activo patrimonial” é, afinal, constituído por bens próprios de tais membros [exclusivamente a estes pertencentes] e, bem assim, por bens de natureza comum, ou seja, pertencentes, em contitularidade, simultaneamente, a todos os ditos membros.

Assim sendo, como é, estamos perante um caso em que – conforme anotam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela[6] ‑, “os direitos concorrentes incidem, não apenas sobre uma coisa comum [como sejam as ditas comparticipações], mas também sobre coisas distintas e autónomas da mesma coisa [os prédios integrantes]”.

Um caso, pois – e outrossim no dizer desses insignes Mestres- de condomínio[7].


Pois bem

6. Havendo a Assembleia de Proprietários da Augi de …, realizada no dia 10.03.2013, deliberado, apenas por maioria de votos – e designadamente com o voto contra dos aqui AA./Recorrentes – aprovar proposta apresentada pela respectiva CAC no sentido de se proceder à devolução à Associção GG da quantia de €17.975,00, a qual era resultante das verbas preteritamente cobradas por tal Associação como se fora Administração Conjunta de AUGI – Ponto de facto n. 4-, devolução representativa assim – e consoante pacífico entendimento por parte do ora enfocado acórdão ‑, de uma verdadeira doação reconduzível, por isso, ao estipulado nos arts. 940.º e ss. do CC], ocorre ora perguntar:

- poder-se-á considerar tal deliberação como válida, a Assembleia dela aprovadora como, para tal efeito, dotada da necessária legitimidade?


7. Como antes exarado, no acórdão recorrido propendeu-se no sentido afirmativo, porquanto, sendo de considerar – segundo o mesmo ‑ aplicável à Administração Conjunta da AUGI, por analogia, o disposto nos arts. 158.º a 166.º do CC, a mencionada liberalidade evidencia-se – presente o constante do n.º 1, do art. 160.º desse mesmo Diploma ‑ como um acto necessário e conveniente para a prossecução dos fins sociais e comuns a tal entidade e à Associação donatária, pois – e parafraseando de novo tal aresto – “[…] a verba de €17.975,00 que foi deliberado transferir para a GG será aplicada por esta associação na promoção e realização de iniciativas de ordem social, cultural, recreativa e desportiva e outras actividades previstas na lei e, desde logo, na exploração e funcionamento de um equipamento de significativa relevância social para o Bairro do …: o Polo Cívico e Comunitário do …, que irá prestar cuidados básicos, designadamente à população mais jovem e mais idosa do Bairro do ….”

Os aqui Recorrentes vão em sentido diametralmente oposto, dizendo que a Administração Conjunta da AUGI não tem personalidade jurídica e, como tal, não tem património autónomo e independente do património comum de todos os comproprietários, sendo que é titular, e apenas, de meros poderes de administração do património comum, não dispondo os seus órgãos - Assembleia e Comissão de Administração -, atento o respectivamente disposto nos arts. 10.º e 15.º, de quaisquer direitos de alienação ou de oneração do património comum, pelo que é-lhes vedado utilizar comparticipações dos proprietários seus membros para, com elas, praticar doações e/ou liberalidades a favor e no interesse de terceiros.

Assim - concluem – a deliberação ora em causa é absolutamente nula e de nenhum efeito.

E salvo sempre o muito respeito – desde já se antecipe ‑ cremos que lhes assiste razão.

Sendo que, a este conclusivo, nada importa, em nosso modesto ver, a consideração de a aludida atribuição patrimonial gratuita, objecto da ora ajuizada deliberação, se poder reputar ou não como necessária/conforme aos fins prosseguidos pelas duas entidades em jogo, designadamente, a Administração Conjunta da AUGI de ….

É que, independentemente [ou indiferentemente] a esse condicionalismo, o certo é que tal quantia a transferir, representando o produto de comparticipações prestadas pelos donos dos prédios da AUGI para assegurar a legalização do Bairro, traduz-se num bem comum de tais donos, contitulares, comproprietários ou consortes no tocante à mesma.

Deste modo, a deliberada gratuita disposição sobre essa mesma quantia, ainda que se pudesse figurar como em consonância ou adequação com os fins prosseguidos pela Administração Conjunta da AUGI – e, portanto, até em não contravenção com o previsto nos preditos arts. 10.º e 15.º - apenas mediante a aprovação/assentimento de todos os membros da mesma poderia ser licitamente efectivada, consoante o proclamado no n.º 1, do art. 1404.º do CC.

Assim não tendo – como sabemos – acontecido, tal deliberação consubstanciou-se, afinal, numa [proposta de] doação de coisa ou bem alheio, a qual, nos termos do art. 956.º, n.º 1, do CC, se acha inquinada de nulidade, não podendo como tal subsistir e ser concretrizada.


7. Como avançámos, pois, a posição aqui sustentada pelos AA./Recorrentes merece, em suma, sufrágio, o que dita a revogação do acórdão por eles adversado.

      Pelo que, tudo visto, finda-se com a seguinte


    IV – DECISÃO


     Termos em que, concedendo-se a revista, decide-se revogar o acórdão recorrido e, consequentemente, declarar nula e de nenhum efeito a deliberação tomada, por maioria, a 10.03.2013, pela Assembleia de Proprietários da Administração Conjunta da Augi do Bairro ..., aprovando a transferência da quantia de €17.975,00 para a Associação “GG”.

    Custas a cargo da Recorrida.

                                                                       *

                                                                       *

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Setembro de 2018


Helder Almeida (Relatora)

Maria dos Prazeres Beleza

Oliveira Abreu

_________

[1] Rel.: Helder Almeida
   Adjs.: Exm.ª Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e
              Exm.º Conselheiro Oliveira Abreu.
[2]A que respeitam, na sua actual redacção, os demais preceitos doravante a citar sem menção de proveniência.
[3] Nas anteriores redacções de tal Lei n.º 91/95, o texto desse n.º 6, do art. 8.º, constituía o n.º 4, deste mesmo artigo.
[4] Em consonância – não dispor a administração conjunta da AUGI de personalidade jurídica -, vide o Ac. da R.L. de 28.11.2006, proferido no Proc. n.º 5239/2006-7, acessível in dgsi.pt, e, também, António José Rodrigues, in “Loteamentos Ilegais – Áreas Urbanas de Génese Ilegal – AUGI-2010”, Almedina, p. 45, nota IV, na qual é dado ler que “[a] expressão “personalidade jurídica”, eliminada do n.º 6, justifica-se na medida em que a administração conjunta não era, de pleno direito, uma pessoa colectiva devidamente enquadrada em termos legais, embora estivesse sujeita a inscrição no RNPC.”
[5] Veja-se al. f), do reproduzido art. 10.º e al. c), do também transcrito art. 15.º; e no que tange, em concreto, à AUGI dos autos, os Pontos de facto n.ºs 27 e 28.
[6] Cfr. “Código Civil – Anotado”, Vol. III, 2.ª Ed., C. Editora, p. 347.
[7] Veja-se nessa mesma obra e local, a diferenciação entre esta figura, a compropriedade, o concurso de direitos e, bem assim, a comunhão de direitos, com especial referência à comunhão de mão comum ou propriedade colectiva.