Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SOUSA PINTO | ||
Descritores: | CONTRATO DE MÚTUO PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS PRAZO DE PRESCRIÇÃO INCUMPRIMENTO VENCIMENTO ANTECIPADO FACULDADE JURÍDICA CREDOR EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO AMORTIZAÇÃO JUROS UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO DUPLA CONFORME RECURSO DE REVISTA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 03/21/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. O disposto no artigo 781.º do Código Civil aplica-se às prestações fraccionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objecto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente. II. Apesar da redacção equívoca do referido artigo 781.º, a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações. III. As prescrições de curto prazo das alíneas d) e e), do art.º 310º, do Código Civil, abrangem de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo. IV. Não é admissível o recurso de revista “normal” para o Supremo Tribunal de Justiça em situação em que se verifica a existência de dupla conforme e não se detecta que a decisão recorrida se mostre contra o estabelecido em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, mormente o AUJ n.º 6/2022, não estando, assim, a situação abrangida pela previsão do art.º 629.º, n.º 2, al. c) do CPC. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Relator[[1]]: Juiz Conselheiro Sousa Pinto Adjuntas: Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza Juíza Conselheira Fátima Gomes I. AA, deduziu embargos de executado, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe moveu a exequente Magnetiprovide Unipessoal, Lda., para haver dele (e de outros) a quantia de 276.834,76€, acrescida de juros de mora vincendos e imposto de selo, com fundamento num contrato de mútuo com hipoteca nos quais interveio o referido executado/embargante como mutuário, tendo alegado, em síntese, a prescrição, por respeitar o título dado à execução a contrato de mútuo celebrado em 2010, nos termos do qual foi acordada a restituição do capital mutuado em prestações, estando por isso o crédito exequendo sujeito ao prazo de prescrição estabelecido no art.º 310.º, n.º 1, al. e), do CC, prazo que já havia decorrido aquando da sua citação para a presente execução. Contestou a embargada/exequente, sustentando, em súmula, que ocorrendo, face ao incumprimento do mutuário, o vencimento imediato de todas as prestações em 2014, o prazo de prescrição aplicável é o prazo ordinário de 20 anos (do art. 309º do CC) e não o quinquenal estabelecido na alínea e), do n.º 1, do art.º 310.º do CC, mais invocando ocorrer a situação enquadrável no art. 311.º, n.º 1 do CC. Findos os articulados, foi dispensada a audiência prévia, após o que o Exmo. Juiz, considerando que o estado do processo permitia conhecer imediatamente do mérito da causa, proferiu saneador-sentença, em que conhecendo da questão da prescrição julgou parcialmente procedente a excepção da prescrição invocada pelo embargante e, em consequência, declarou prescritas as prestações vencidas (capital e juros) no âmbito do contrato de mútuo com hipoteca até 02 de Agosto de 2016. Inconformado com tal decisão, o indicado embargante recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, no qual foram apresentadas alegações e respectivas conclusões, de que se destacam, no que mais importará apreciar neste recurso de revista, as seguintes: «(…). 7) O prazo especial de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 310.º n.º 1 al. e) do Código Civil, visa proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida, que, de dívida de prazos periódicos mais curtos, se transformaria em dívida de montante suscetível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser exigido pelo credor de uma só vez, ao final de vários anos, situação que o legislador quis evitar, impondo sobre o credor, maior diligência na recuperação do seu crédito, estabelecendo um limite temporal para o efeito. 8) Se assim não fosse e estando a prescrição dependente do vencimento das demais prestações por um acto do credor, como parece ser o entendimento do Tribunal “a quo”, tal significaria que o devedor ficaria “preso” a essa dívida “ad eternum” e numa situação limite em que os juros poderiam suplantar o próprio valor do capital. 9) Vencidas cada uma das prestações periódicas acordadas e reportando-se o início do prazo especial de prescrição do art.º 310.º, n.º 1, al. e), do CC à data de vencimento de cada uma das prestações, o que ocorreu no caso concreto com o pagamento da última prestação confessada (Abril de 2014) – cfr. art.º 271º do C.C. - temos que, ultrapassado o prazo de prescrição de 5 anos relativamente a cada uma delas, sem que tenha ocorrido alguma causa interruptiva do mesmo, encontra-se o crédito exequendo prescrito na sua globalidade, contrariamente ao entendimento plasmado pelo Tribunal recorrido.» A recorrida apresentou contra-alegações, nas quais defendeu a manutenção da decisão da 1.ª instância. No Tribunal da Relação de Guimarães, veio a ser proferido acórdão, onde, a final se decidiu confirmar “in totum” a decisão proferida na 1.ª instância. Nesse acórdão da 2.ª instância pode ler-se em sede de fundamentação as seguintes passagens significativas: «(…). A questão que aqui importa apreciar é a da prescrição das quotas de amortização do capital pagáveis com juros no caso de, em razão do incumprimento de uma delas, ocorrer o vencimento de todas as quotas de amortização. Questão esta – saber se passa a ser aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos ou se continua a ser aplicável o prazo de prescrição de cinco anos do art.º 310.º/e) do C.Civil – que tem suscitado alguma divergência jurisprudencial. Sucede que, entretanto, no pretérito dia 30/06/2022, e conforme é dado notícia no AC do STJ de 12-07-2022 (colhido in dgsi - relator Dr. Barateiro Martins), o Supremo, em Pleno das Seções Cíveis, em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, ainda inédito (não publicado), tirado por unanimidade, clarificou a questão, fixando, no segmento uniformizador, a seguinte jurisprudência: “I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.” “II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” Aliás, crê-se que, conforme ali realçado, foi fixada jurisprudência no sentido da corrente jurisprudencial largamente dominante naquele Supremo, e diga-se, desde já, que foi seguida na decisão recorrida. A sentença recorrida abordou a questão da prescrição, resolvendo-a no sentido que consideramos correcto. A questão tem vindo a ser amplamente debatida na jurisprudência. Os argumentos que vêm sendo esgrimidos de um e outro lado são conhecidos, o que dispensa, neste momento, maior desenvolvimento, podendo facilmente ser revisitados no citado recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.06.2022 proferido em Pleno das Seções Cíveis, em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, ainda inédito (não publicado), que chamado a pronunciar-se sobre questão similar à do presente recurso (por haver jurisprudência divergente sobre a mesma questão de direito) veio a decidir por unanimidade no sentido a que a decisão sub judicio aderiu. A questão objecto do presente recurso é exactamente a mesma que foi apreciada e decidida no citado acórdão do STJ. Concordamos com esta jurisprudência uniformizadora do STJ e com os argumentos que a sustentam. Por outro lado e como é referido na decisão recorrida citando jurisprudência que fez vencimento posteriormente no citado acórdão uniformizador “às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas”. (…) o vencimento imediato de todas as prestações por via da falta de pagamento de uma delas, nos termos do art.º 781º do CCiv, implica apenas e tão só isso mesmo: o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo; não tem por efeito alterar a natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O que é devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida. E o facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros (cf. AUJ 7/2009, DR, I, 05MAI2009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere, em nosso modo de ver, com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.” E é exactamente este entendimento que está sustentado e fez unânime vencimento no AUJ, entretanto tirado, em 30/06/2022 (não publicado) e citado no AC do STJ de 12.07.2022 (este in dgsi.pt). Lê-se neste último aresto: “ocorrendo o vencimento antecipado, nos termos do art.º 781.º do C. Civil, das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, continua a aplicar-se às quotas assim antecipadamente vencidas o prazo de prescrição de 5 anos do art. 310.º/e) do C. Civil; prazo esse que se inicia e começa a correr, em relação a todas as quotas assim vencidas, na data em que ocorreu o vencimento antecipado (por ser nesta data que o direito passa a poder ser exercido – cfr. art. 306.º/1 do C. Civil). Efectivamente, para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas – continuam a ser quotas de amortização do capital – só se alterando o momento da sua exigibilidade, o que também significa que o aproveitamento da faculdade prevista no art. 781.º do C. Civil não equivale à resolução contratual, não se estando na relação de liquidação (mas ainda na acção de cumprimento) quando, ao abrigo do art. 781.º do C. Civil, se pede o pagamento de todas as prestações. O que ainda significa, no que aqui interessa, que, vencendo-se e tornando-se exigíveis todas as prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, a prescrição quinquenal não tem como termo inicial, em relação a cada uma das prestações, a data de vencimento (de cada uma dessas prestações) constante do plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes, mas sim que a prescrição quinquenal se reporta e conta em relação a todas as prestações a partir da data – termo inicial – em que foi exercida a faculdade prevista no art. 781.º, ou seja, a partir da data em que se venceram e tornaram exigíveis todas as prestações.”[[2]] No caso sub judicio, como bem se observa na decisão recorrida, “considerando que a dívida em discussão seria paga em “300 prestações mensais e sucessivas de capital e juros”, facilmente se conclui que aquando da presumida interpelação do embargante para liquidar esta dívida, ocorrida no passado dia 2 de Agosto de 2021 [note-se que não foi apresentada sequer qualquer prova da resolução contratual ou interpelação antes da instauração desta execução], já tinha decorrido mais de 5 anos da última prestação confessadamente paga. Acontece que dado o período de vigência desse contrato (25 anos – até ao ano de 2034), é notório que apenas se pode aplicar os doutos ensinamentos supra evidenciados às prestações vencidas e não pagas até 5 anos antes da presente interpelação judicial do embargante, como é óbvio. Neste cenário, verificando-se a presumida citação do embargante ocorreu no passado dia 02 de Agosto de 2021 - cfr. artigo 323.º, n.º 2, do C.C -, facilmente ajuizamos que (apenas) estão prescritas as prestações do confessado mútuo vencidas e não pagas até ao dia 02 de Agosto de 2016. Ainda sobre os efeitos da citação, escusado será realçar que a citação judicial determinou o vencimento de todas as prestações vincendas conforme determina o disposto no artigo 781.º, do C.C. – cfr. neste sentido douto Ac. do S.T.J., datado de 14-12-2021, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c3754e8143cccaea8025876f004a2ccb?OpenDocument . Pelo exposto, à luz do regime supra evidenciado, é forçoso concluir que a obrigação do devedor (executado) em apreço está prescrita apenas quanto às prestações vencidas até 5 anos antes da sua presumida citação, ou seja, apenas estão prescritas as prestações vencidas e não pagas até ao dia 02 de Agosto de 2016.”, conduzindo – com o que se concorda, como se antecipou – à parcial procedência dos embargos. Ora, não se encontrando razões de natureza jurídica para divergirmos do entendimento maioritário do nosso mais alto Tribunal Superior, afigura-se-nos que é esse que é aqui de sufragar, o qual por sua vez é seguido na decisão recorrida. Tal como é realçado por Abrantes Geraldes (in “Uniformização de Jurisprudência”), a respeito da uniformização da jurisprudência, “malgrado a ausência de um efeito vinculativo extraprocessual, não seria coerente um sistema em que, admitindo uma tão solene forma de julgamento, não previsse mecanismos que lhe atribuíssem, ao menos, um carácter persuasivo. Assim, ante a publicitação de uma solução uniformizadora emanada do Supremo, sem embargo de situações-limite em que outra solução seja justificada pelas circunstâncias, só uma incompreensível teimosia poderá justificar, na generalidade dos casos, o não acolhimento pelas instâncias da jurisprudência fixada.” Assim, remetendo para os fundamentos que fizeram vencimento, no citado acórdão uniformizador de 30-06-2022 e citado no AC do STJ de 12.07.2022 (in dgsi), o qual aborda exactamente a questão alegada em recurso, julga-se improcedente o recurso.»[[3]] II. Do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, veio o embargante apresentar recurso de Revista excepcional, à luz do disposto no art.º 672.º, n.º 2, al. c), do CPC. Invocou, para tanto: «Foi o recorrente notificado do douto acórdão recorrido, o qual considerou não julgar prescrita a totalidade do crédito exequendo, confirmando a decisão proferida em 1.ª instância, e nesse sentido declarou apenas “… prescritas as prestações vencidas (capital e juros) no âmbito do contrato de mútuo com hipoteca até 02 de Agosto de 2016”. Entende porém o recorrente, que o tribunal recorrido fez uma errada aplicação do art.º 310º al. e) do C.C., estando tal decisão em manifesta contradição com vasta jurisprudência, inclusive com aquela que mais recentemente tem versado sobre a mesma questão fundamental de direito, como sucede com o mais recente acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 6/2022, proferido no âmbito do processo n.º 1736/19.8T8AGS-B.P1.S1, já devidamente transitado em julgado e cuja certidão em anexo se junta.» Perante este quadro, o ora relator proferiu despacho onde concluiu que se verificava uma situação de dupla conforme, tendo determinado a remessa do processo à Formação a que alude o art.º 672.º, n.º 3 do CPC, atento o disposto no art.º 672.º, n.º 1, al. c) do CPC (contradição entre o decidido no acórdão recorrido e o decidido no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2022), conforme havia sido requerido pelo recorrente. No seio da Formação, foi proferido acórdão, onde se determinou a devolução dos autos ao presente relator por se ter entendido que a situação em apreço seria passível de ser apreciada em sede de admissibilidade, ou inadmissibilidade, de revista normal, à luz do disposto no art.º 629.º, n,º 2, al. c) do CPC, por a decisão recorrida alegadamente poder estar em contradição com o estabelecido no AUJ 6/2022. III. Em face da posição assumida pela Formação, importa agora apurar se será de admitir a revista “normal”, com fundamento na alegada contradição entre o decidido no acórdão recorrido e o decidido no AUJ n.º 6/2022, à luz do apontado art.º 629.º, n.º 2, al. c) do CPC. IV. Nas instâncias deram-se como provados os seguintes factos: 1.- No exercício da sua atividade creditícia, o Barclays celebrou com o(s) Executado(s) AA e BB um contrato de mútuo com hipoteca, no montante de 270.000,00 €, conforme escritura pública e documento complementar juntos com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 2.- Para garantia das obrigações assumidas, foi constituída hipoteca voluntária sobre o prédio sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na CRP ... sob o n.º 1338 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4734. 3.- Hipoteca esta que foi registada na referida Conservatória do Registo Predial através da Ap. ...16, de 27/01/2010, conforme respectiva certidão predial permanente. 4.- No Documento Complementar anexo à Escritura supra mencionada, ficou convencionado que o pagamento do valor mutuado seria efectuado em 300 (25 anos) prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros. 5.- Os Executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante em Abril de 2014. 6.- E apesar de interpelados para o respectivo pagamento, não o efectuaram. Resulta ainda dos autos que o requerimento executivo foi submetido à distribuição no passado dia 28 de Julho de 2021, o que significa, à luz do art.º 323.º, n.º 2, do Código Civil, que se tem a citação do embargante como ocorrida em 02 de Agosto de 2021, dado que não ocorreu em data anterior a esta. V. Vejamos então, se a decisão recorrida se mostra proferida no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Lisboa. No caso, ficou provado que os executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante em Abril de 2014 e que, apesar de interpelados para o respetivo pagamento, não o efetuaram. O Tribunal de 1.ª Instância, após sublinhar ser aplicável o prazo de prescrição de 5 anos, previsto no artigo 310º, al. e), do Código Civil, às prestações vencidas na sequência da interpelação judicial, considerou que o mesmo só deveria ser aplicável às prestações vencidas e não pagas até 5 anos antes da presente interpelação judicial do embargante, concluindo nos seguintes termos: “neste cenário, verificando-se que a presumida citação do embargante ocorreu no passado dia 02 de Agosto de 2021 - cfr. artigo 323.º, n.º 2, do C.C-, facilmente ajuizamos que (apenas) estão prescritas as prestações do confessado mútuo vencidas e não pagas até ao dia 02 de Agosto de 2016.” Acrescentou a decisão de primeira instância que “ainda sobre os efeitos da citação, escusado será realçar que a citação judicial determinou o vencimento de todas as prestações vincendas.” Esta posição foi sufragada pelo acórdão recorrido que chegou a observar o seguinte: “vencendo-se e tornando-se exigíveis todas as prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, a prescrição quinquenal não tem como termo inicial, em relação a cada uma das prestações, a data de vencimento (de cada uma dessas prestações) constante do plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes, mas sim que a prescrição quinquenal se reporta e conta em relação a todas as prestações a partir da data – termo inicial – em que foi exercida a faculdade prevista no art. 781.º, ou seja, a partir da data em que se venceram e tornaram exigíveis todas as prestações.” Entenderam, assim, as instâncias que o prazo quinquenal teve o seu início a partir do momento em que o exequente interpelou o executado para o pagamento de todas as prestações, o que terá acontecido com a citação presumida, ocorrida em 02 de Agosto de 2021. Ora, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, proferido em 30-06-2022, no âmbito da Revista n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 fixou a seguinte uniformização de jurisprudência: “I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.” “II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” Analisando o teor de tal uniformização, bem como a fundamentação que lhe subjaz, com o decidido no acórdão recorrido, não vislumbramos qualquer contradição entre ambos os arestos, sendo certo que nos encontramos efectivamente perante o domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito – apurar do prazo prescricional das quotas de amortização do capital pagáveis com juros no caso de, em razão do incumprimento de uma delas, ocorrer o vencimento de todas as quotas de amortização. Efectivamente o acórdão recorrido seguiu o mesmo entendimento perfilhado no AUJ – tendo considerado que o prazo prescricional no caso era de cinco anos, estando em causa um contrato de mútuo onde ficou estabelecido que a amortização do capital mutuado e juros seria pago em quotas, prazo esse aplicável à situação de vencimento antecipado decorrente do disposto no art.º 781.º do CC, sendo o termo inicial considerado a partir da data de tal vencimento. No AUL pode ler-se: «A Exequente/Embargada chamou em seu proveito de alegação o disposto no art.º 781.º do Código Civil, segundo o qual “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”. Como é doutrina comum e maioritária, este preceito legal não prevê um vencimento imediato, apelidado por alguns “em sentido forte”, das prestações previstas para liquidação da obrigação, designadamente da obrigação de restituição inerente a um contrato de mútuo com hipoteca, acrescido de um outro contrato de mútuo, como no caso dos autos – constitui antes um benefício que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato toda a obrigação, em consequência manifestando o credor a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui – assim Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., 1997, pg.54, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., 2009, pgs. 1017 a 1019, Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, I (75/76), pg. 317, e Menezes Cordeiro, Tratado, Direito das Obrigações, IV (2010), pg. 39. A obrigação fica assim apenas exigível, ou, como alguns entendem, exigível “em sentido fraco”. Note-se que a norma do art.º 781.º do Código Civil não se constitui como norma imperativa, mas existindo, como existe, nos contratos de mútuo dos autos uma cláusula no sentido de que à credora fica reconhecido o direito de “considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato”, concedia-se à mutuante a possibilidade de actuar o vencimento do direito à totalidade das prestações convencionadas pelo simples facto de intentar acção executiva contra os mutuários, como intentou. Não existe, desta forma, nos contratos dos autos, qualquer cláusula de vencimento automático, apenas a reprodução do esquema de vencimento das prestações que a doutrina associa ao disposto no art.º 781.º do Código Civil. (…)» [[4]] Tal entendimento foi precisamente o que foi seguido no caso em apreço pelas instâncias, designadamente no acórdão recorrido. Com efeito, entendeu-se que o vencimento da totalidade das quotas de amortização da dívida só se terá verificado com a interposição da acção executiva, e com a citação do executado (posto que da matéria de facto não consta outro momento a atestar tal circunstancialismo), daí se tendo concluído que seria a partir da data da citação presumida deste que se contaria o prazo prescricional, daí derivando que se encontrariam prescritas as prestações que fossem para além de 02-08-2016. Não se descortina, assim, que nos deparemos face a uma situação em que a decisão recorrida – o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães – se mostre contra o estabelecido no AUJ n.º 6/2022. Desta forma, teremos de concluir que a revista que nos foi apresentada não se mostra abrangida pela excepção constante da alínea c) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC, não podendo por isso beneficiar da extensão de admissibilidade que se mostra prevista em tal normativo. Ora, a ser assim, e tendo presente que nos deparamos perante uma situação de dupla conforme (aliás desde logo reconhecida como existente, por parte do recorrente) impeditiva da revista normal, que se preenche com a confirmação, pela Relação, da decisão da 1.ª Instância, sem voto de vencido (no caso, não houve) e sem fundamentação essencialmente diferente (art.º 671.º, n.º 3, do CPC), há que concluir não poder a revista ser admitida e conhecida por este Supremo. VI. Sumário a que alude o art.º 663.º, n.º 7 do CPC I. O disposto no artigo 781.º do Código Civil aplica-se às prestações fraccionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objecto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente. II. Apesar da redacção equívoca do referido artigo 781.º, a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações. III. As prescrições de curto prazo das alíneas d) e e), do art.º 310º, do Código Civil, abrangem de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo. IV. Não é admissível o recurso de revista “normal” para o Supremo Tribunal de Justiça em situação em que se verifica a existência de dupla conforme e não se detecta que a decisão recorrida se mostre contra o estabelecido em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, mormente o AUJ n.º 6/2022, não estando, assim, a situação abrangida pela previsão do art.º 629.º, n.º 2, al. c) do CPC. VII. Por todo o exposto, não se admite a revista, atento o circunstancialismo de se registar uma situação de dupla conforme (art.º 671.º, n.º 3 do CPC) e não se estar perante situação em que a decisão recorrida se revele contra jurisprudência uniformizada deste Supremo Tribunal de Justiça (art.º 629.º, n.º 2, al. c) do CPC). Custas pelo recorrente. Notifique. Lisboa, 21-03-2023 José Maria Sousa Pinto (Relator) Maria dos Prazeres Beleza Fátima Gomes ______ [1] O relator adopta a escrita anterior ao A.O.. |