Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
21966/15.0T8PRT.P2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
CONSENTIMENTO INFORMADO
DEVER DE INFORMAÇÃO
INTERVENÇÃO CIRÚRGICA
LEGES ARTIS
VIOLAÇÃO
ATO MÉDICO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ILICITUDE
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
ÓNUS DA PROVA
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
Data do Acordão: 11/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO À REVISTA
Sumário : I - O doente tem direito à informação médica necessária a decidir se quer ou não submeter-se ao acto médico, só sendo válido o consentimento livre e esclarecido;

II – A violação do dever de informação pode constituir o médico em responsabilidade civil;

II – Não viola o dever de informação o médico que não detalha ao doente os riscos associados à intervenção cirúrgica de verificação muito rara, num quadro em que o doente está a par da gravidade sua situação clínica, e em que foram observadas as regras da legis artis.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA, residente na Rua da …, nº .., no Lugar de …, freguesia de …. e concelho de …, intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra a Clínica Oftalmológica Rufino Ribeiro SA, com sede na Avenida …, ….,  pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de 605.000,00 euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, tudo acrescido dos juros de mora legais vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, com fundamento em responsabilidade civil por acto médico, do qual resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento peticiona nos autos.

A Ré contestou, reconhecendo ter realizado alguns dos actos médicos invocados pela autora, mas impugnando os demais factos por esta alegados, concluindo pela sua absolvição do pedido, por considerar que todos os actos por si praticados respeitaram a sua legis artis.

Na 1ª instância a acção foi julgada improcedente por não provada.


Por acórdão de 27-06-2018, a Relação do Porto anulou a decisão da matéria de facto, a fim de ser eliminada a obscuridade/deficiência do facto 20, desenvolvendo-se as diligências probatórias necessárias para o efeito, sem prejuízo da alteração de outros factos para evitar contradições, decidindo-se depois de direito em conformidade.

Foi junto aos autos Parecer do Conselho Médico-Legal e realizou-se audiência de julgamento.

A acção foi de novo julgada de improcedente e a ré absolvida do pedido, no essencial por se ter concluído que a autora não logrou demonstrar, como lhe competia, a violação, por parte da ré, das legis artis.


Da sentença foi interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, com um voto de vencido, confirmou a sentença de improcedência da acção.

Ancorou-se, para tanto e em sentido coincidente com a 1.ª instância, na circunstância de a autora não ter feito prova da violação, pela ré, das legis artis e de também não ter ficado demonstrado que tenha ocorrido violação do dever de informação, i.e., do consentimento informado. Em concreto e a este propósito, entendeu a Relação que, apesar de os tratamentos a que a autora foi sujeita poderem estar associados a algumas complicações, sendo as mesmas relativamente raras, não era exigível à ré que a elas fizesse referência de modo expresso e pormenorizado e daí que tenha concluído que a autora foi devidamente informada e esclarecida sobre os actos médicos a que ia ser sujeita.

Para o Sr. Juiz Desembargador que votou de vencido – que concluiu pela falta de consentimento livre e esclarecido e, consequentemente, pela obrigação da ré de indemnizar a autora – relevou o facto de apenas se saber que, no próprio dia das intervenções cirúrgicas e momentos antes destas, a autora assinou um documento, escrito e redigido de modo tabular pela ré, o que não permitiu o necessário período de reflexão.


Ainda inconformada, a Autora interpôs recurso de revista, nos termos do art. 671º, nºs 1 e 3, do CPC, e subsidiariamente a título de revista excepcional no qual formula as seguintes conclusões:

1ª. O contrato de prestação de serviços médicos e médico-cirúrgicos previsto no artigo 1154º do C.C. celebrado entre a autora e uma entidade privada não integrada no SNS, gera uma responsabilidade contratual regulada pelo artigo 762 e 798º do CC, quando existe um cumprimento defeituoso.

2ª. Cabia à ré fazer prova de que tinha atuado em conformidade com as boas práticas, diligência e cuidado, a que estava contratualmente obrigada. Porém, a ré reconheceu, como consta da factualidade dada como provada, que a perda de visão da autora resultou de uma intervenção médica, ocorrida nas suas instalações, tendo ordenado a deslocação da autora de urgência, quando esta telefonou a queixar-se de dores, para a submeter a uma intervenção cirúrgica urgente. E que a partir dessa data deixou de cobrar quaisquer quantias pelas consultas e tratamentos médicos que prestou à autora, assumindo um ato médico mal sucedido.

3ª. Resulta também dos factos considerados provados que a possibilidade de ocorrer complicações, como as que se verificaram na autora, têm uma probabilidade de ocorrer inferior a 3%.

4ª. A ré não fez prova de que tivesse atuado de acordo com as melhores práticas da ciência e da técnica. Porém, competia à ré fazer prova de que tinha atuado de acordo  com  as melhores práticas e de que não existiu um cumprimento defeituoso da obrigação. Ao não resultar provado que a ré tinha atuado de acordo com as melhores práticas, deveria o pedido formulado pela autora ser considerado procedente.

5ª. Estamos perante uma obrigação de meios, não estando vinculado a ré vinculada a um determinado resultado, mas apenas a uma boa prática clínica. Porém, uma boa prática clínica não pode agravar, de forma substancial, o estado de saúde da autora. Ela não contratou os serviços da ré para perder a visão. A ré deveria ser responsabilizada pelo insucesso total do tratamento médico-cirúrgico, quando no estado atual da ciência médica, a possibilidade de insucesso era muito diminuta.

6ª. Os profissionais da ré estavam vinculados a atuar de acordo com legis artis, sendo a culpa apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso nos termos do artigo 487º, 2 e artigo 799º, nº 2 e 1154º CC.

7ª. O douto acórdão recorrido interpretou de forma errónea os artigos 487º, nº 2, 799º, nº 2 e 1154º do CC e fez uma deficiente submissão dos factos considerados provados a estes normativos. Com efeito, uma interpretação adequada destas normas concluiria existência de conduta ilícita, resultante da violação da legis artis e da falta de diligência e de um nível de atuação aquém de um profissional médio. Esta conduta ilícita e pouco diligente foi adequada a causar no corpo e na saúde da autora. Pelo que deveria o pedido formulado pela autora ser considerado procedente.

8ª. A autora/recorrente não prestou um consentimento esclarecido para realização dos tratamentos médico-cirúrgicos a que foi submetida. A intervenção médica não era urgente, sendo a conduta da ré ilícita, existindo dever de indemnizar.

9ª. O consentimento da paciente para a intervenção do tratamento médico-cirúrgico tem a natureza de um direito fundamental (artigo 3º, nº 2 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia; artigo 16º, nº 1 e 26º, nº 1 da CRIP e CDHB, nº 2).Tal consentimento tem de ser livre e esclarecido. Quando o consentimento não existe ou é ineficaz, a atuação do médico é ilícita, por violação do direito à autodeterminação, existindo responsabilidade por todos os danos derivados de uma intervenção médico-cirúrgica não autorizada.

10ª. Tal consentimento tem de ser livre e esclarecido. Quando o consentimento não existe ou é ineficaz, a atuação do médico é ilícito, por violação do direito à autodeterminação, existindo responsabilidade por todos os derivados de uma intervenção médico-cirúrgica não autorizada.

11ª. A autora não esclarecida, sobre o tratamento concreto a que iria ser submetida, bem como das vantagens e riscos que dele poderiam advir, com informação suficiente para refletir e decidir. A intervenção médica da ré foi programada, não se tratou de uma urgência. E a doente tinha todas as faculdades mentais e físicas para decidir em consciência.

12ª. O ónus da prova sobre o consentimento informado cabia à ré, cabendo-lhe provar que: a) forneceu à paciente/autora toda a informação; b) que a paciente não recusou o tratamento médico-cirúrgico depois de devidamente informada; c) dos riscos que poderiam advir da intervenção médico-cirúrgica.

13ª. Havendo falta de consentimento a intervenção médico-cirúrgica foi ilícita (artigo 156º, nº 1 do CP). Pois de acordo com esta norma o consentimento só é eficaz, quando o paciente tiver sido livremente esclarecido sobre o diagnóstico, a índole, o alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção e do tratamento.

14ª. Por sua vez o nº 5 da CDHB que a intervenção no domínio da saúde só pode ser efetuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido. Esta pessoa deve receber previamente a informação adequada quanto ao objetivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos, a pessoa em questão pode em qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento.

15ª. O artigo 38º do Estatuto da Ordem dos Médicos estipula que o médico deve fornecer a informação adequada ao doente e dele obter o seu consentimento livre e esclarecido.

16ª. A Jurisprudência do TEDH em entendido que a violação de direito humano pode advir de um ato médico não consentido, em virtude de este representar uma intromissão na integridade física ou psíquica de uma pessoa (cf voto de vencido, 5º)

17ª. Nos termos do artigo 342º do CC, cabia à ré demonstrar que foi prestado o consentimento livre e informado.

18ª. De todos os factos considerados provados resultou que a autora, ora recorrente, em algum momento tivesse prestado um consentimento livre e esclarecido, onde fosse informada do ato médico-cirúrgico a que seria submetida.

19ª. Foi apresentado à autora um tabular consentimento informado, ou seja, estando o mesmo previamente elaborado e escrito pelo médico ou pela entidade prestadora de serviços, estamos perante uma cláusula contratual sem prévia negociação individual, limitando-se a pessoa sujeita a intervenção ou tratamentos médico a subscrever e a aceitar tal escrito. As cláusulas deveriam ter sido comunicadas e explicadas aos aderentes que se limitem a aceitá-las. O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabia ao contratante que submeta a outem as cláusulas contratuais gerais (artigo 5º, nº 2 e 3 DL 220/95).

20ª. A jurisprudência mais recente do STJ tem entendido que o consentimento prestado de forma genérica não preenche, só por si, as condições do consentimento devidamente informado, sendo, além disso, necessário, em caso de repetição de intervenções, que tais esclarecimentos sejam atualizados, tendo em conta designadamente, que os riscos se podem agravar com a passagem do tempo.

21ª. Dos elementos considerados provados não resulta que a ré tenha prestado à autora os esclarecimentos necessários para a existência de um consentimento livre e informado da autora. Resultou provado que a autora, no próprio dia das intervenções assinou um documento escrito e redigido de modo tabular pela ré Clínica Oftalmológica. E que a assinatura ocorreu no próprio dia e momentos antes da intervenção cirúrgica, que foi programada, não sendo por isso urgente, não permitindo o necessário período de reflexão.

22ª. O douto acórdão recorrido fez uma interpretação errónea das normas contidas nos (artigo 3º, nº 2 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia; artigo 16º, nº 1 e 26º, nº 1 da CRP e CDHB, nº 2), (artigo 156º, nº 1 do CP) O artigo 38º do Estatuto da Ordem dos Médicos, 342º do CC e762º e 798º e 799º e 1453º do CC e do(artigo 5º, nº 2 e 3 DL 220/95). Uma adequada interpretação destas normas levaria o tribunal a quo a concluir pela inexistência de um consentimento livre e esclarecido, pela existência de uma conduta ilícita e culposa da ré, da qual resultaram danos. Assistindo à autora o direito a ser indemnizada, nos termos em que peticionava.

23ª. Ora não tendo a ré provado a existência de um consentimento livre e esclarecido, mal andou o Tribunal da Relação do Porto, ao não considerar a intervenção médica ilícita por falta de consentimento e deveria ter condenado a ré a indemnizar a autora, ora recorrente.

24ª. O ato médico-cirúrgico praticado pela ré foi adequado a causar os danos sofridos pela autora, estando preenchidos todos os elementos da responsabilidade civil, assistindo-lhe o direito a ser indemnizada pelos danos sofridos, conforme peticionava.

Pelo que deve o recurso ser julgado procedente, revogado o douto acórdão recorrido, condenando-se a ré a indemnizar a autora, nos termos peticionados.


A Recorrida contra alegou, pugnando pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença.


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Estamos perante um recurso de revista dita normal (art. 671º, nº1 do CPC), uma vez que tendo o acórdão da Relação, confirmatório da sentença, sido tirado com um voto de vencido, não se verifica a dupla conforme impeditiva da revista nos termos do nº3 do citado art. 671º.

Aliás, a revista excepcional (art. 672º), foi interposta a título subsidiário, prevenindo o caso de se entender que do acórdão da Relação do Porto não cabia recurso de revista normal.


O objecto do recurso resume-se à questão de saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil, por acto médico, com base na: i) violação da legis artis; ii)   na violação de dever de informação.


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Fundamentação.

Vêm provados os seguintes factos:

1. A ré Clínica Oftalmológica Rufino Ribeiro SA, é uma clínica médica de capitais privados que se dedica à prática de actos médicos, na especialidade médica de oftalmologia, tendo ao seu serviço profissionais desta especialidade médica e é reconhecida pelas autoridades de saúde competente e pela Ordem dos médicos;

2. Entre os serviços que a ré publicita e faculta aos seus pacientes está a realização de consultas médicas e a realização de tratamentos médico cirúrgicos no âmbito da especialidade médica de oftalmologia;

3. A autora já tinha sido observada nas instalações da ré em 03.08.2011, sendo-lhe recomendada uma angiografia fluoresceínica que não chegou a realizar;

4. Posteriormente, a autora foi consultada nas instalações da ré em Fevereiro de 2013, tendo sido consultada por um profissional médico da especialidade médica de oftalmologia;

5. Nessa data, Fevereiro de 2013, a autora, nascida a 13.05.1953, apresentava diminuição da acuidade visual em ambos os olhos, sendo mais acentuado à direita, e retinopatia diabética proliferativa;

6. À data dessa consulta, a autora deslocava-se periodicamente entre Portugal e Suíça;

7. Na consulta de Fevereiro de 2013, à autora foram examinados ambos os olhos e foi aconselhada a iniciar um tratamento médico cirúrgico a ambas as vistas, no sentido de preservar a visão;

8. Entre Fevereiro de 2013 e Dezembro de 2014 a autora foi atendida nos serviços da ora ré em cerca de três dezenas de consultas e tratamentos médico-cirúrgicos na especialidade médica de oftalmologia;

9. Em 29 de Agosto de 2013 a autora deslocou-se à ré, tendo realizado tratamento médico-cirúrgico com injecção intravítrea de antiangiogénico no olho direito;

10. No dia 01.09.2013 a autora contactou um médico da ré queixando-se de dores no olho direito, tendo-lhe sido dito para se deslocar de imediato às instalações da ré, o que fez;

11. Aí, foi observada e avaliada por médicos da ré, constatando exame oftalmológico sinais de hipópion (inflamação da câmara anterior do olho) e pan-uveite, sendo operada de urgência, tendo sido realizada vitrectomia com biopsia de exsudato vítreo;

12. Após a intervenção cirúrgica a autora regressou a casa, tendo nos dias seguintes continuado o tratamento nos serviços médicos da ré;

13. Após a intervenção cirúrgica a ora autora continuou os tratamentos e frequentou várias consultas da especialidade médica de oftalmologia nos serviços médicos da ré, na espectativa de recuperar a visão do olho direito;

14. Pelas consultas e tratamentos realizados de seguida a esta intervenção médica, os serviços da ré não lhe cobraram qualquer quantia, até Dezembro de 2014;

15. Após essa data a autora continuou em tratamentos à sua visão, noutras instituições médicas;

16. Não obstante, a autora não recuperou na visão no olho direito e a visão no olho esquerdo mostra-se estável;

17. As alterações oftalmológicas em ambos os olhos estão estabilizadas e irreversíveis, não passíveis de melhoria, mantendo seguimento de consulta a retinopatia do olho esquerdo;

18. Ao nível do olho esquerdo, não se verificou agravamento da função visual, após a intervenção de Agosto e Setembro de 2013;

19. Em relatório médico realizado pelo médico oftalmologista BB, realizado em 19 de Fevereiro de 2015, a autora apresentava o seguinte exame objectivo:

Acuidade visual OD - <1/10 (vultos a 30cm) com óculos de correcção) Acuidade visual OE - 3/10 com óculos de correcção

Biomicrospia - olho direito: afaquia cirúrgica olho esquerdo: catarata incipiente

Tensão ocular: olho direito: 7 mm Hg Olho esquerdo: 14 mm Hg

Fundo ocular: olho direito: descolamento total da retina

Olho esquerdo: Sinais de retinopatia diabética e sinais de fotocoagulação laser;

20. As complicações desenvolvidas no olho direito da autora examinadas em 01.09.2013, poderão ter resultado da administração intravítrea da substância farmacológica Bevacizumab, que era o tratamento considerado adequado à sua situação clínica, sendo que associado a uma injecção intravítrea de um antiangiogénico, independentemente do fármaco injectado, existe um risco, embora pequeno, de desenvolvimento de complicações, em que se inclui a infecção intraocular, também chamada de endoftalmite, que é acompanhada quase sempre de dor ocular e baixa súbita de visão;

21.  Em consequência da perda de visão, apesar de já reformada por invalidez, a autora deixou de exercer a actividade profissional que exercia nas suas deslocações à Suíça e teve gastos com despesas médicas, medicamentosas e de deslocações;

22.  A autora deslocava-se às instalações da ré em carro particular conduzido por familiares ou amigos e também de táxi;

23.  A residência da autora dista cerca de 50km dos serviços da ré;

24.  Quando na Suíça, do seu trabalho, auferia uma quantia mensal de cerca de 1.00,00 euros;

25. A autora consultou os serviços clínicos da ré, pela primeira vez, em 03.08.2011 e nessa consulta apresentava e declarou:

a) Baixa de visão de ambos os olhos;

b) Ter feito uma angiografia fluoresceínica havia três, aproximadamente, noutro centro;

c) Ter sido submetida a tratamento com raios laser na sequência desse exame;

d) Ser diabética desde 1992 tratando-se com comprimidos e insulina;

e) Ter tensão arterial elevada;

Na consulta verificou-se que a autora:

f) As visões com correcção eram de 3/10 no olho direito e 5/10 no olho esquerdo;

g) Evidenciava alterações do fundo ocular por retinopatia diabética que justificavam essa baixa visão,

h) Apresentava cicatrizes de tratamento com raios lazer conforme tinha referido;

i) Trazia uns óculos com a graduação de OD: 90° -1.25 +0.75 e OE: 90° -+0.50 para visão de longe e com adição de +3 dioptrias para perto o que é obrigatório numa pessoa de 60 anos mesmo que não tivesse óculos para longe;

j) Na clínica foram-lhe receitados novos óculos que eram ligeiramente mais graduados.

26. Face ao quadro clínico supra, foi aconselhada a repetir o exame de angiografia fluoresceína, exame base para a decisão do tratamento a fazer e que se previa necessário;

27. A Autora só regressou à Clínica ré no dia 18.02.2013 e, nessa altura, apresentava ao exame oftalmológico uma acuidade visual com correcção do olho direito de 0.1 e no olho esquerdo de 0.3; após realização de angiografia fluoresceínica detectou-se retinopatia diabética proliferativa em ambos os olhos;

28. No dia 30.08.2013 foi avaliada como habitualmente no pós-operatório nada havendo de especial a referir;

29. No dia 01.09.2013, a autora comunicou à ré via telefone queixas de dor e perda de visão, deslocando-se à clínica nesse mesmo dia e sendo operada após observação, apresentando hipopion e pan-uveíte no olho direito; foi feita operação de extracção do cristalino, vitrectomia e lavagem com antibióticos intravítreos;

30. No dia da operação (29.08.2013), a doente assinou o consentimento informado para o acto médico-cirúrgico;

31. O mesmo acontecendo em relação à intervenção realizada em 01.09.2013;

32. No dia 03.09.2013, dois dias depois da cirurgia de urgência foi novamente operada por se entender que o problema da inflamação não estava totalmente resolvido, continuando a ser acompanhada pela ré até ao dia 29.11.2013;

33. Após essa data, apenas compareceu novamente a consulta em 18.02.2014, invocando um acidente de viação;

34. Nessa data, 18.02.2014, apresentava um descolamento da retina direita, com atingimento macular e proliferação vítreo-retiniana, sendo informada da necessidade de efectuar cirurgia de vítrectomia ao olho direito, o que não fez;

35. A autora continuou a ir a consultas da ré durante esse ano, tendo feito uma angiografia fluoresceínica para continuar a avaliação do olho esquerdo em 22.04.2014;

36. Foi aconselhada a fazer tratamento com raios laser no olho esquerdo, que aceitou fazer em 08.05.2014;

37. A autora pediu um relatório com o ponto da situação em Agosto de 2014, que lh

38. A perda de visão ocasionou desgosto na autora.


Foram considerados como não provados os seguintes factos:

- Que, à data da primeira e segunda consultas da autora na clínica ré, não tivesse quaisquer problemas de visão, tratando-se de meras consultas de rotina e destinadas a uma avaliação da sua acuidade visual;

- Que quando a autora ali se deslocou tivesse uma óptima visão de ambos os olhos, não necessitando de qualquer medicação, pretendendo apenas acautelar eventuais problemas de visão que lhe pudessem surgir no futuro;

- Que a após a intervenção médico cirúrgica realizada na vista direita, a autora logo sentisse um forte ardor, de que tenha de imediato informado os serviços clínicos da ré;

- Que os serviços clínicos da ré tenham reconhecido terem agido com negligência no tratamento médico realizado em 29 de Agosto de 2013 e actuado com más práticas;

- Que a autora ainda mantenha ardor na vista, agravando-se com a luz do dia, o que a impede de sair a rua e de executar as suas actividades diárias;

- Que o produto medicamentoso aplicado nos olhos da autora tenha sido causa directa da perda total da visão do olho direito e de agravamento da visão do olho esquerdo;

- Que não fosse medicamente recomendável a intervenção cirúrgica à vista da autora;

- Que os tratamentos e as intervenções médico-cirúrgicas realizados pelos serviços médicos da ré tenham sido causa adequada a causar lesões nos olhos da autora que determinaram a perda de visão;

- Que os serviços médicos da ré não tenham informado autora dos riscos a que estava sujeita sobre aqueles tratamentos;

- Que a autora tivesse compensado financeiramente os seus acompanhantes em deslocações à ré e a outras instituições médicas;

- Que a autora não tenha condições físicas para realizar as suas tarefas diárias e necessite do acompanhamento de terceira pessoa;

- Que a título de despesas médicas e medicamentosas futuras e de necessidade de acompanhamento de terceira pessoa, a autora venha a ter um acréscimo de encargos não inferior a 100.000,00 euros;

-Que os serviços médicos da ré não tenham informado devidamente a autora sobre os tratamentos a efectuar, riscos que corria e benefícios que poderia obter desses tratamentos, por forma a que pudesse fazer uma escolha consciente e desse um consentimento informado.


O direito.

O acórdão recorrido absolveu a Ré do pedido  por ter considerado, embora com um voto de vencido, que não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar por a Autora não ter provado que a Ré agiu ilicitamente na execução do contrato de prestação de serviços médicos, nem se mostrar que a Ré incorreu em responsabilidade por defeito do consentimento. Outro foi o entendimento do Senhor Desembargador vencido para quem os factos não demonstram que a Autora tenha prestado consentimento livre e informado devendo, por isso, a Ré ser condenada a indemnizá-la.

No recurso de revista para este Tribunal, em que pede a revogação do acórdão para que seja proferida decisão que condene a Ré nos termos peticionados, a Autora reitera a responsabilidade da Ré, alegando que esta “não fez prova de que tivesse actuado de acordo com as melhores práticas da ciência e da técnica”, além de a não ter esclarecido devidamente sobre o acto médico a que iria ser sujeita.

Vejamos se o recurso merece provimento.


Estamos situados no âmbito da responsabilidade contratual como entenderam as instâncias, sendo também assim que a Autora/Recorrente perspectiva a questão ao imputar à Ré o cumprimento defeituoso de um contrato de prestação de serviços médicos.

Como é sabido, são requisitos da responsabilidade civil contratual: o dano, a ilicitude do acto danoso, o nexo de causalidade entre ambos e a culpa do autor desse acto.  (arts. 798º e ss do Cód. Civil).

Na responsabilidade contratual compete ao autor a alegação e prova: i) da existência de vínculo contratual; ii) do incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato; iii) da verificação dos danos; iv) o nexo de causalidade entre a violação e os danos.

No entanto, por força da presunção de culpa do art. 799º, não compete ao lesado  provar a culpa do lesante. Mas deve provar os restantes requisitos, todos eles constitutivos do direito em questão. Só a culpa foge a esta regra, em virtude do disposto no art. 344º/1 do CCivil, que determina que a presunção inverte o ónus da prova (cf. Acórdãos do STJ de 22.09.2011, e de 01.10.2015, in CJ AcSTJ, 2011, 3º, pag. 50, e ano 3º, pag. 76).

Importa saber se se verifica o requisito de ilicitude.

Na responsabilidade contratual, a ilicitude resulta da desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado.

A ilicitude resulta sempre da violação de um dever jurídico, em regra, no caso de cumprimento defeituoso, no âmbito dos deveres secundários ou acessórios de conduta que acompanham o cumprimento do adequado da prestação principal.

Como violação de um dever que tem ínsito um juízo de reprovação – por se ter omitido, podendo fazer-se, o que era devido – a ilicitude do acto pressupõe, necessariamente, a existência desse dever e uma actuação diferente da que o dever impõe.

A execução defeituosa, ou ilicitude, objectivamente considerada, consiste, então, numa omissão do comportamento devido, consubstanciado na prática de actos diferentes daqueles a que se estava obrigado (cfr. Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, pag. 69)

Na actividade médica a ilicitude revela-se na infracção aos procedimentos adequados, quando o agente não tenha actuado em conformidade com as boas práticas, diligência e cuidados a que estava obrigado, isto é, ser o acto praticado com violação da legis artis.

Em regra, a obrigação do médico traduz-se numa obrigação de meios e não de resultado, pois que a sua obrigação é de tratamento não da cura (Ac. STJ de 22.09.2011)

Trata-se de jurisprudência constante do STJ, de que é exemplo o Acórdão de 18.09.2007 CJ AcSTJ, tomo 3, pag.54:

I - Ressalvados os casos em que o médico garante a obtenção de um resultado, a obrigação a que o médico se vincula perante o paciente é a de lhe proporcionar os melhores e mais adequados cuidados aos seu alcance, em conformidade com os conhecimentos científicos actualizados e comprovados;

II - Num contrato de prestação de serviços médicos recai sobre o que requer a prestação de serviços o ónus da prova de que o tratamento ou intervenção foram omitidos ou que os meios utilizados foram deficientes ou errados;

III - Só depois de verificada a prova da existência de cumprimento defeituoso da obrigação assumida funciona a presunção de culpa sobre o prestador de serviço.

Neste sentido decidiram, entre outros, os Acórdãos de 22.09.2011 e de 15.11.2011, CJ. AcSTJ, 3º, pag. 51 e 163, e de 21.02.2019, de 26.04.2016 (Silva Salazar), de 21.02.2019, (Oliveira Abreu), e de 06.01.2020 (Rosa Ribeiro Coelho), disponíveis em www.dgsi.pt.

A este propósito, escreveu Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7ª edição, pag. 101:

“É ao credor que incumbe a prova do facto ilícito do não cumprimento. Se, em lugar de não cumprimento da obrigação, houver cumprimento defeituoso, ao credor compete fazer a prova do defeito verificado, como elemento constitutivo do seu direito à indemnização (…).

Nas obrigações chamadas de meios não bastará, neste aspecto, a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para se considerar provado o não cumprimento. Não basta alegar a morte do doente ou a perda da acção para se considerar em falta o médico que tratou o paciente ou o advogado que patrocinou a acção. É necessário provar que o médico ou o advogado não realizaram os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão.”

Posto isto, recordemos o que se provou:

A Autora consultou os serviços da Ré, pela primeira vez, em Agosto de 2011, onde lhe foi diagnosticado alterações do fundo ocular por retinopatia diabética que justificavam a baixa visão de que se queixava;

A partir de Fevereiro de 2013, as consultas passaram a ser mais intensas (cerca de trinta até Dezembro de 2014),  culminando na intervenção do dia 29 de Agosto de 2013 quando foi tratada com injecção intravítrea de antiangiogénico no olho direito;

Três dias depois a Autora queixou-se de dores no olho direito, foi avaliada por médicos da Ré que constataram sinais de hipópion (inflamação da câmara anterior do olho) e pan-uveite, foi operada de urgência, tendo sido realizada vitrectomia com biopsia de exsudato vítreo;

A Autora continuou os tratamentos na clínica Ré até Dezembro de 2014, mas o que é facto é que não recuperou a visão no olho direito, sendo irreversível a sua situação oftalmológica. (pontos 12 a 17 da matéria de facto).

Mais se provou que o tratamento a que a Autora foi sujeita no dia 29.08.2013, em que lhe foi administrada a substância farmacológica Bevacizumab, era o “considerado adequado à sua situação clínica” (nº20).

E julgou-se não provado que “o produto medicamentoso aplicado nos olhos da autora tenha sido causa directa da perda total da visão do olho direito e de agravamento da visão do olho esquerdo”, nem que “os tratamentos e as intervenções médico-cirúrgicas realizadas pelos serviços da ré tenham sido causa adequada a causar lesões nos olhos da autora que determinaram a perda de visão.”

Deste acervo factual não vemos que possa imputar-se à Ré a violação da legis artis.

Com efeito, a Autora não logrou provar que a Ré tenha errado no tratamento, que o mesmo não era o adequado à sua situação clínica, ou que a Ré tenha negligenciado nos deveres a que estava obrigada.

Pela sua pertinência não resistimos a transcrever o já citado acórdão deste Tribunal de 22.09.2011, com apoio no que escreveu Gómez Rivero, “La responsabilidade penal del médico, Madrid, 2003), “não há que olvidar que a actividade médica é caracterizada pela circunstancialidade, o que significa que o êxito do resultado depende de vários factores, endógenos e exógenos, tais como o estado de saúde do paciente, antecedentes genéticos, factores imunológicos, aspectos de idiossincrasia, reações alérgicas, como factores internos e da perícia do médico, observância das leges artis, meios ao dispor no consultório ou local onde o acto médico foi levado a efeito, etc., como  factores externos.”

Vale isto por dizer que não se pode retirar do facto de a intervenção não ter tido sucesso, que a Ré cumpriu defeituosamente a sua prestação, isto é, que actuou em desconformidade com a leges artes, ou seja, ilicitamente.

Faltando a prova da ilicitude, não é possível responsabilizar a Ré com base no erro médico, como decidiu o acórdão recorrido.


E poderá a responsabilidade da Ré assentar na violação do dever de informação, tal como sustenta a Recorrente?

A Autora na petição inicial alegou que “os serviços médicos da ré não a informaram devidamente sobre os tratamentos que corria e sobre os benefícios que poderia obter desse tratamento, para que pudesse fazer uma escolha consciente.”

Vejamos.

Este Tribunal tem reiteradamente decidido que o doente tem direito à informação médica necessária a decidir se quer ou não submeter-se ao acto médico, e que o consentimento só é válido se for livre e esclarecido.

E também que a  acção de responsabilidade civil médica pode fundar-se quer em erro médico, quer na violação do consentimento informado (Acórdãos do STJ de 02.11.2017 (Maria dos Prazeres Beleza), de 22.03.2018 (Maria Graça Trigo) e de 24.10.2019 (Acácio das Neves), todos disponíveis em www.dgsi.pt.)

Direito à informação também no sentido de permitir ao doente decidir se quer correr o risco da intervenção cirúrgica, concreto dano consistente na perda de oportunidade de decidir, que também pode fundar o direito à indemnização (Acórdão de 02.11.2017, CJ AcSTJ, 3º, pag. 77.

O consentimento para um acto médico é exigido pela Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, pelo Código Civil (arts. 70º e 81º), pelo art. 157º do Código Penal, em ligação com o Estatuto da Ordem dos Médicos (art. 135º), aprovado pelo DL nº 282/77 de 05.07, republicado em anexo à Lei nº 117/2015 de 31.08, (“o médico deve fornecer a informação adequada ao doente e dele obter o seu consentimento livre e esclarecido).

Refere o Professor Teixeira de Sousa, in “O ónus da prova  nas acções de responsabilidade civil médica”, em “Direito da Saúde e Bioética, edição da AAFDL,  que “a obrigação médica envolve um dever principal – o dever de promover ou restituir a saúde ao doente, suavizar os sofrimentos e prolongar a vida do doente – que é acompanhada por vários deveres acessórios”, entre os quais, o de esclarecer o doente e de obter o seu consentimento, sendo que o desrespeito de qualquer destes deveres constitui o médico em responsabilidade civil.

Quanto ao conteúdo do dever de informação, cita-se o que propósito se escreveu no acórdão deste Tribunal de 09.10.2014:

O conteúdo do dever de informação é elástico, não sendo, nomeadamente, igual para todos os doentes na mesma situação. Abrange, salvo ressalvas que aqui não interessam,  e além do mais, o diagnóstico e as consequências do tratamento. Estas são integradas pela referência às vantagens prováveis do mesmo tratamento e aos seus riscos; não se exigindo, todavia, uma referência à situação médica em detalhe; nem a referência aos riscos de verificação excepcional ou muito rara, mesmo que graves ou ligados especificamente àquele tratamento.”

O ónus da prova do consentimento deve recair sobre o médico ou a instituição de saúde, uma vez que o consentimento funciona como causa de exclusão da ilicitude e a adequada informação é pressuposto da sua validade, logo matéria de excepção, como facto impeditivo (nº2 do art. 342º do CC), (cf. André Dias Pereira, “O consentimento informado na Relação Médico-Paciente, pag. 194 e segs., e os Acórdãos do STJ de 02.06.2015, CJ AcSTJ, 2º, pag.103 e de 22.03.2018 (Maria Graça Trigo).

Posto isto.

Saber se a Autora foi devidamente informada sobre a sua doença e qual o tratamento mais adequado, não pode ser avaliado apenas pela singela declaração de “Consentimento Para acto médico” que assinou no dia 29.08.2013, o dia da intervenção cirúrgica, constante de fls. 122, que é do seguinte teor:

“(…) declara que foi devidamente informada sobre a sua situação, e que autoriza a prática de todos os actos apropriados, designadamente a realização de exames complementares de diagnóstico ou terapêutica médica e intervenção cirúrgica, e que tomou conhecimento das eventuais complicações e riscos inerentes. Procedimento médico/cirúrgico ou de diagnóstico: INJECÇÃO DE SUBSTITUTO DE VÍTREO.”

É que, pelo menos desde Fevereiro daquele ano, a Autora era conhecedora da gravidade da sua situação quando começou a ser seguida mais intensamente na Ré.

Recorde-se aqui o que consta do parecer do Instituto de Medicina Legal, elaborado pelo Professor Doutor CC, junto aos autos:

“Quando a doente iniciou os tratamentos oftalmológicos nos serviços do réu, em Fevereiro de 2013, a sua melhor acuidade visual era de 1/10 no olho direito e 3/10 no olho esquerdo, apresentando na angiografia, retinopatia diabética proliferativa e maculopatia bilateral. Trata-se de uma situação clínica logo à partida muito grave que eventualmente se não fosse tratada com as terapêuticas adequadas, progrediria para uma ainda maior perda de acuidade visual.

Referindo-se à adequação do tratamento à gravidade da situação oftalmológica da Autora, escreveu-se no mesmo parecer:

“As terapêuticas sugeridas à doente para tratamento da sua retinopatia diabética proliferativa associada a edema macular nos dois olhos, nomeadamente as injeções intravítrea de antiangiogénico e panfotocoagulação laser nos dois olhos, são os tratamentos atualmente considerados adequados e de primeira linha na abordagem destes casos. Apesar destes tratamentos poderem estar associados a algumas complicações, elas são relativamente raras e podemos afirmar que a generalidade da comunidade oftalmológica considera que os benefícios destas terapêuticas compensam largamente os riscos das mesmas. Quanto aos tratamentos efetuados para o controle da infeção após a primeira injeção, nomeadamente aa imediata intervenção cirúrgica (vitrectomia), associada a antibioterapia, procedimentos que foram repetidos após aproximadamente 48 h, foram na nossa opinião, os adequados para lidar com este tipo de complicação.”

De tudo isto pode concluir-se o seguinte:

A Autora apresentava um quadro oftalmológico grave, do qual estava obviamente ciente;  a intervenção médico-cirúrgica feita no dia 29.08.2013 era a adequada à sua situação e necessária para tentar parar a degradação da visão; havia o risco de “poderem ocorrer complicações”, mas diminuto, a Recorrente refere na 3ª conclusão do recurso  “que a probabilidade de ocorrerem complicações como as verificadas é inferior a 3%” .

Sendo o risco de “ocorrerem complicações” tão baixo não era exigível à Ré que o detalhasse à Autora, bastando o alerta para a existência de riscos, que são, aliás, inerentes a qualquer intervenção cirúrgica. É que a intensidade do dever de informação/esclarecimento não é o mesmo em todos ao actos médicos, sendo maior nas cirurgias de elevado risco, ou, por exemplo, nas de natureza estética (Ac. STJ de 02.06.2015).

Tendo tudo isto presente, é de concluir que a informação prestada à Autora cumpriu o mínimo indispensável à tomada da decisão, não se verificando, pois, violação do dever de informação e que o consentimento não haja sido informado.

Com o que improcedem na totalidade as conclusões do recurso.

           

Do exposto poderá extrair-se que:

I - O doente tem direito à informação médica necessária a decidir se quer ou não submeter-se ao acto médico, só sendo válido o consentimento livre e esclarecido;

II – A violação do dever de informação pode constituir o médico em responsabilidade civil;

II – Não viola o dever de informação o médico que não detalha ao doente os riscos associados à intervenção cirúrgica de verificação muito rara, num quadro em que o doente está a par da gravidade sua situação clínica, e em que foram observadas as regras da legis artis.


Decisão.

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 26.11.2020


Ferreira Lopes (Relator)

Manuel Capelo

Tibério Silva

Nos termos do art. 15º-A do DL nº10-A de 13.03, aditado pelo DL nº 20/20 de 01.05, o relator declara que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este colectivo.