Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3832/21.2T8VLG.P1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 07/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :

I- As nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como este Supremo Tribunal tem reiteradamente declarado


II- A nulidade a que se reporta o art. 615.º, n.º 1, b), do CPC, só ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito da decisão.


III- Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º, do CPC], questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma).


IV- A nulidade por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d)], sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer “questões temáticas centrais”, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções.


V- Especificamente em sede de recurso, o tribunal deve conhecer de todas e apenas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 3832/21.2T8VLG.P1.S1 (revista excecional)


MBM/JG/RP


Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1. Proferido acórdão pela Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, a não admitir o recurso de revista excecional, veio a Autora/recorrente, AA, arguir a nulidade da decisão, invocando falta de fundamentação e omissão de pronúncia.


2. A parte contrária não respondeu.


II.


3. Entre as causas de nulidades da sentença, enumeradas taxativamente no artigo 615.º, n.º 1, do CPC1, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 686).


Na verdade, como se sabe, as nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como este Supremo Tribunal tem reiteradamente declarado (v.g. Ac. do STJ de 10.12.2020, proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, 7.ª Secção).


Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º], questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3).


Vale dizer que o tribunal não tem o dever de responder a todos os argumentos, tal como não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes.


Assim, a nulidade por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d)], sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais2, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções; e, reciprocamente, o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conheça de matéria diversa desta.


Especificamente em sede de recurso, o tribunal deve conhecer de todas e apenas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo(s) recorrente(s) – arts. 663.º, n.º 2, e 679º.


4. In casu, a única questão a decidir consistia em aferir da invocada invocando contradição entre o acórdão recorrido e o Acórdão do TRP de 17.11.2014, Proc. n.º 739/12.8TTMTS-A.P1, questão que se mostra cabalmente abordada no acórdão reclamado, tanto mais que a decisão atinente à verificação dos pressupostos específicos da revista excecional é sumariamente fundamentada e definitiva, não sendo suscetível de reclamação ou recurso (art. 672º, nº 4)


Tendo ainda presente que a nulidade das decisões judiciais a que se reporta o art. 615.º, n.º 1, b), do CPC, só ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação, vício que manifestamente não se verifica no caso vertente, improcedem, pois, as arguidas nulidades.


III.


5. Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedentes as arguidas nulidades.


Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.


Lisboa, 03 de julho de 2024


Mário Belo Morgado (Relator)


Júlio Manuel Vieira Gomes


Ramalho Pinto





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1. Como todas as demais disposições legais citadas sem menção em contrário↩︎

2. Nas palavras de Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, 2015, p. 371.↩︎