Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
589/17.5T8ESP.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: SIMULAÇÃO DE CONTRATO
REQUISITOS
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
COMPROPRIEDADE
NULIDADE DO CONTRATO
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
LEGITIMIDADE PASSIVA
VENDEDOR
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
PROIBIÇÃO DE PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
PRESUNÇÃO JUDICIAL
PROVA POR DECLARAÇÕES DE PARTE
INADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 11/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Os acordos envolvidos na simulação são, sempre, necessariamente, pelo menos dois: o contrato simulado e o pacto simulatório.

II - O pacto simulatório é requisito essencial da simulação: sem o primeiro, não se verifica a última.

III - O pacto simulatório pode envolver pessoa diversa das partes do negócio simulado, mas os contraentes têm, necessariamente, que ser partes ou sujeitos quer do negócio simulado, quer do contrato simulatório.

IV - Se a nulidade do contrato de compra e venda, por simulação, for arguida, por via de excepção peremptória, na acção de divisão de coisa comum com o único objecto de perimir a situação jurídica de compropriedade alegada, constituída entre os compradores e o direito potestativo de um deles de exigir a divisão, não é necessária a intervenção, naquela acção, dos vendedores.

V - A parte que participou no pacto simulatório não deve ser admitida a fazer a sua prova por presunções, por testemunhas ou por declarações de parte, ainda que a nulidade do contrato, com fundamento na simulação, tenha sido alegada por terceiro.

VI - Age em venire contra factum proprium a parte que depois de no articulado de contestação reconhecer expressamente a existência da propriedade em comum alegada pelo autor da acção de divisão de coisa comum, pretende, posteriormente, prevalecer-se da excepção peremptória da nulidade do contrato de compra e venda, constitutivo da compropriedade, alegada por outro interessado.

Decisão Texto Integral:
Proc. 589/17.5T8ESP.P1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório.

AA, casada no regime da comunhão de adquiridos com BB propôs, no Juízo de Competência Genérica de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., contra CC, casada no regime da comunhão geral de bens com DD, EE, casado no regime da comunhão de adquiridos com FF, GG, divorciada, HH, casado no regime da comunhão de geral de bens com II e JJ, acção declarativa de divisão de coisa comum, com processo especial, pedindo que se declare por sentença que:

- A A. e RR. são donos e legítimos proprietários do prédio urbano, situado na rua ..., cidade e concelho de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...75 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob a descrição ...02 e com o valor patrimonial de € 69.900,00;

- O referido prédio urbano é indivisível jurídica e materialmente;

- Sejam fixadas as respectivas quotas;

- Seja o prédio urbano objecto dos presentes autos, porque jurídica e materialmente indivisível, adjudicado ou vendido com repartição do respectivo valor.

Fundamentou estas pretensões no facto de, com os demandados, ser comproprietária do prédio, que adquiriram por escritura pública, outorgada em ... de ... de 1985, e é indivisível, e de não pretender continuar em compropriedade.

Dos demandados, só a requerida GG ofereceu articulado de contestação, no qual, depois de invocar a excepção dilatória da sua ilegitimidade e da dos demais demandados, resultante da preterição de litisconsórcio necessário, por estarem desacompanhados dos respectivos cônjuges, e de afirmar que corresponde à verdade que o prédio urbano está em comum entre A. e RR. alegou a divisibilidade, material e jurídica do prédio.

Por despacho de 11 de Dezembro de 2019, admitiu-se a intervenção principal provocada de KK, ex-cônjuge da requerida contestante, interveniente que ofereceu articulado de contestação pedindo se declarasse nula, por vício da vontade, a escritura pública que serve de título á acção e a extinção desta por falta de título válido.

Alegou, para tanto, que LL, que estava separado do cônjuge, MM, com quem era casado em comunhão geral de bens e de quem tinha seis filhos, que figuram na escritura como mandantes, pretender conceder à sua parceira, NN, com quem vivia, casa enquanto viva fosse, que para manter o bom relacionamento com os filhos e ter a certeza que nem eles nem o seu cônjuge iriam retirar a NN o direito de habitação, utilizou dinheiro do casal para pagar o preço do imóvel, que nem os representados nem aquela pagaram qualquer preço e que a transmissão do imóvel feita pela escritura de compra e venda encobriu a doação que LL quis fazer e efectuou aos filhos e a NN, pelo que o negócio foi simulado, devendo ser declarado nulo, sem prejuízo de o negócio dissimulado poder vir a ser validado.

Os interessados AA, BB e HH responderam, designadamente, que MM tinha conhecimento da relação extraconjugal do marido e da aquisição da casa, tendo consentido que o pagamento do preço fosse realizado com dinheiro do casal, na condição de o imóvel ficar para os filhos de ambos, e concordado que o negócio se realizasse nos termos em que foi concretizado, pelo que não existiu qualquer negócio simulado e que a simulação, a existir, seria meramente relativa.

Por despacho de 21 de Setembro de 2020, decidiu-se que o interveniente não tinha legitimidade para invocar a simulação da compra e venda do prédio, decisão que, porém, foi revogada pelo Tribunal da Relação do Porto que, do mesmo passo, determinou que a instância prosseguisse para se apreciar a questão da nulidade do negócio por simulação.

Na audiência de discussão e julgamento, produziu-se prova testemunhal e por depoimento/declarações de parte de AA, CC, EE, JJ e KK – sem redução a escrito de qualquer confissão.

A sentença final da causa – com fundamento em que não resultando provado que a intenção de LL fosse outra que não a que consta da escritura, terá que improceder a invocada simulação – decidiu:

1.º-Julgar improcedente a excepção de simulação das compras e vendas resultantes da escritura pública, celebrada no dia ... de ... de 1985, lavrada a folhas 59 e seguintes do livro 94-B, do então Cartório Notarial...e, em consequência, julgar válidas as referidas compras e vendas em que EE ou OO, casado com FF no regime da comunhão de adquiridos; CC, casada com DD no regime da comunhão geral de bens; GG enquanto casada com KK no regime da comunhão de adquiridos, actualmente divorciada; AA casada com BB no regime da comunhão de adquiridos; JJ, ao tempo solteira, maior, atualmente viúva; HH, ao tempo solteiro, maior, actualmente casado com II, no regime da comunhão geral, são compradores, em comum e partes iguais, do prédio urbano, sito na Rua ..., composto de casa de rés-do-chão, andar e quintal com a área coberta de 111,5m² e 88,5m² de área descoberta, inscrito na matriz sob o artigo ...75, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...02da mesma freguesia de ..., que foi objecto de compras e vendas constantes da escritura pública, celebrada no dia ... de ... de 1985, lavrada a folhas 59 e seguintes do livro 94-B, do então Cartório Notarial ..., tendo como causa a compra a PP e mulher QQ, prédio esse entretanto reconstruído/remodelado.

2.º-Declarar o referido prédio insusceptível de divisão.

A requerida GG interpôs desta sentença recurso ordinário de apelação, no qual impugnou, com fundamento no erro na avaliação das provas pessoais produzidas na audiência final, os pontos de facto contidos no n.º 9 dos factos provados – no segmento no qual se declara provado que MM soube do negócio ainda antes da sua realização – e nas alíneas a) a e) dos factos declarados não provados.

Todavia, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 11 de Outubro de 2022 – com fundamento em que falta a alegação, a afirmação, da existência do pacto simulatório, que sem a alegação dos factos que integram o pacto simulatório não poderia o tribunal socorrer-se de presunções judiciais para colmatar essa falta de alegação, que ainda que assim não se entendesse que quem recorreu foi uma das simuladoras, pelo que não pode deixar de aplicar-lhe a referida proibição de prova (testemunhal e por presunção), não sendo possível provar o pacto simulatório por presunção e que, subsidiariamente, não estão reunidas as condições para a procedência pretensão da apelante – concluiu pela desnecessidade da reapreciação da matéria de facto e julgou o recurso improcedente.

É este acórdão que a requerida GG impugna através do recurso de revista, tendo rematado a sua alegação com as conclusões seguintes:

A. A Requerente GG inconformada com a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância dela interpôs Recurso de Apelação e conforme melhor resulta da Motivação de Recurso de Apelação (com a Referência via Citius ...04) apresentado pela ora Recorrente, a mesma impugnou a matéria de facto (nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC), tendo para tanto, respeitado os requisitos do nosso direito adjectivo para o efeito, entendendo que a impugnação referida, aliada à respectiva consideração, resultaria na revogação da decisão proferida pelo Digníssimo Tribunal de 1.ª Instância e, consequentemente pela procedência do Recurso de Apelação interposto.

B. Nas suas Alegações a Recorrente referiu de forma clara e inequívoca quais os concretos pontos da matéria de facto que considerou incorrectamente julgados, e também indicou os meios probatórios concretos e constantes das gravações, fazendo, inclusive, a transcrição dos Depoimentos das Testemunhas e quais os pontos mais pertinentes.

C. A Apelante no seu Recurso impugnou especificamente diversos pontos de facto cuja resposta pretendia ver alterada, tendo indicado para além das respostas pretendidas, os meios de prova que no seu entender, que determinavam as pretendidas alterações.

D. Nas suas Alegações a Recorrente pugna, e este é o ponto mais importante do seu Recurso, a reapreciação da matéria de facto dada como provada e da matéria de facto dada como não provada.

E. Na verdade, e atendendo a tudo quanto foi vertido no Recurso de Apelação apresentado, onde a ora Recorrente suscitou, desde logo, a impugnação da matéria de facto, pretendendo provar matéria instrumental, essencial e imprescindível para a descoberta da verdade material, nomeadamente para efeitos de preenchimento dos requisitos legais da figura da simulação, sempre deveria aquele Venerando Tribunal ter apreciado a matéria de facto.

F. A verdade é que, o presente recurso tem por objecto o douto acórdão proferido pela Relação, porquanto, apesar do respeito, que é muito, por opinião contrária, a Recorrente entende que aquela decisão não fez boa aplicação das normas jurídicas e estruturantes de todo o nosso ordenamento jurídico, e nem respeitou o que tem sido entendimento unânime do STJ e da doutrina em geral, sobretudo desde a Reforma do Código de Processo Civil levada a cabo em 1995.

G. Aliás, é com base no Reformado Código de Processo Civil que o Tribunal de Segunda Instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, para formar a sua convicção, e assim ser assegurado o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria e com a mesma amplitude e com os mesmos poderes da 1.ª Instância.

H. Na verdade, o julgamento da matéria de facto constitui o principal objectivo do processo civil declaratório. Só depois de analisada a matéria de facto, é que o poderá depender, num plano secundário, a integração desta factualidade na correcta integração jurídica e legal.

I. E, com os meios processuais consagrados no CPC, o Tribunal da Relação, em sede de apreciação do recurso sobre a decisão da matéria de facto, como é o caso, tendo acesso a todos os meios de prova que foram produzidos e aos que foram prestados oralmente (que, por isso, foram gravados, nos termos do art. 155º, nº 1, do CPC), deveria reapreciar a decisão e fazer o seu juízo probatório formulado relativamente aos factos principais.

J. “Esta possibilidade está agora praticamente garantida em todas as circunstâncias, na medida em que o art. 155º prescreve a gravação de todas as audiências finais, depois de o art. 422º garantir a gravação de todos os depoimentos antecipados ou por carta. O confronto com a generalidade dos meios de prova oralmente produzidos aproxima, K. assim, a Relação, da situação em que se encontrava o tribunal de 1ª instância quando proferiu a decisão recorrida. Repare-se que de entre os poderes que podem ser exercitados nem sequer se exclui o uso de presunções judiciais ou a sindicabilidade do uso de presunções.

L. Afinal, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.”

M. Esta tem sido a Jurisprudência maioritária do STJ, e que se enquadra nos presentes autos. E neste sentido citamos os seguintes Acórdãos deste Egrégio Tribunal:

Acórdão do STJ de 11-02-2016 tendo como Relator o Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt:

“1. Impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação (in casu, documentos particulares, testemunhas ou presunções), com cumprimento dos requisitos previstos no art. 640º do NCPC, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova e reflectir na decisão da matéria de facto a convicção que formar, nos termos do art. 662º.

2. Integra violação de direito processual susceptível de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do art. 674º, nº 1, al. b), do NCPC, o acórdão em que a Relação se limita a tecer considerações de ordem genérica em torno das virtualidades de determinados princípios, como o da livre apreciação das provas, ou a enunciar as dificuldades inerentes à da tarefa de reapreciação dessas provas, para concluir pela manutenção da decisão da matéria de facto.

3. Não tendo sido efectivamente apreciada a impugnação da decisão da matéria de facto nem reapreciada a prova que foi indicada pelo recorrente relativamente aos pontos de facto impugnados, deve o processo ser remetido à Relação para o efeito.” (negrito e sublinhado pela subscritora)

N. Mais recentemente o Acórdão de 27/10/2021 tendo como Relatora a Juiz Conselheira Paula Sá Fernandes, disponível em www.dgsi.pt:

a. “I- Analisando o corpo e as conclusões do recurso de apelação, verifica-se que os recorrentes indicam os pontos de facto que consideram incorretamente julgados bem como a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. (…)

b. IV- Se o Tribunal da Relação entendia que, ainda que a factualidade fosse alterada nos termos pretendidos pelos recorrentes, a decisão seria sempre a mesma, deveria tê-lo explicitado, pois não podia recusar-se a conhecer do pedido de reapreciação da matéria de facto com fundamento na falta de indicação do direito aplicável aos factos.” (negrito e sublinhado pela subscritora).

O. E os mais recentes, datados de 15/09/2022 em que foi Relatora a Juiz Conselheira Ana Paula Lobo, disponível em www.dgsi.pt:

“I. A rejeição do recurso em sede de impugnação da decisão de facto, ao abrigo do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, só deve ocorrer quando dos termos em que a pretensão recursória vem formulada não resulte a identificação dos juízos probatórios visados, o sentido da pretendida decisão a proferir sobre eles nem a indicação dos concretos meios de prova para tal convocados, o que é bem diferente do que seria já uma envolvência no plano da apreciação do mérito sobre o invocado erro de julgamento.

II. Uma coisa é a definição do objecto da impugnação deduzida e do alcance da alteração pretendida, bem como a indicação dos meios probatórios convocados, garantidas pela mencionada disposição legal; coisa diversa são as razões ou argumentos probatórios aduzidos nesse âmbito, seja qual for a sua densidade ou coerência, a apreciar, portanto, em sede de mérito.”

P. Finalmente o Acórdão de 27/10/2022 tendo como Relatora a Juiz Conselheira Ana Paula Lobo:

a. “I - A rejeição do recurso em sede de impugnação da decisão de facto, ao abrigo do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, só deve ocorrer quando dos termos em que a pretensão recursória vem formulada não resulte a identificação dos juízos probatórios visados, o sentido da pretendida decisão a proferir sobre eles nem a indicação dos concretos meios de prova para tal convocados.

b. II - O objectivo da indicação com exactidão a passagem da gravação em que se funda o recurso é evitar um desmesurado esforço de indagação ao recorrido e ao tribunal, sempre incompatível com curtas extensões de depoimentos, como acontece num depoimento de 30 minutos onde se integra já a identificação e informação sobre as ligações entre a testemunha e as partes, bem como o juramento legal.” (negrito e sublinhado pela subscritora).

Q. Contudo, o Tribunal da Relação decidiu primeiro analisar a matéria de direito, para depois a subsumir na matéria de facto, que foi totalmente ignorada e rejeita.

R. Aliás, na página 21 do Acórdão ora recorrido, o Venerando Tribunal da Relação do Porto, posiciona-se já pela “desnecessidade” da análise da matéria de facto, foi inclusivamente desvendada aquando da colocação das questões de recurso a apreciar, seja desde logo dada a conhecer que existe uma “desnecessidade de reapreciação da matéria de facto” (até porque se fosse uma questão a decidir, seria sempre colocada a questão pela “necessidade” e não da “desnecessidade”), portanto, não era uma questão a apreciar, mas sim uma questão que estava preliminarmente decidida.

S. Ora, analisado o Acórdão recorrido, sempre temos que, ao invés do que deveria ter sucedido, o mesmo não se pronuncia quanto à impugnação da matéria de facto, considerando como “desnecessária” uma tal análise – Cfr. ponto 3.3 do Acórdão Recorrido, página 31 e seguintes.

T. Contudo, não pode a Recorrente concordar com uma tal posição, por entender que tal entendimento é uma subversão do nosso sistema e ordenamento jurídico, ao ignorar um direito de qualquer recorrente, na apreciação da matéria de facto e que a respectiva procedência, culminaria no colhimento da posição avançada pela respectiva parte nas suas Alegações.

U. Donde, e com todo o devido e merecido respeito, sempre temos que, padece o Acórdão recorrido de NULIDADE, nos termos preceituados no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, porquanto o Venerando Tribunal da Relação não se pronunciou sobre questão que deveria ter apreciado, seja, não se pronunciou sobre a questão que especificamente lhe foi levantada pela então Apelante e ora Recorrente para a competente decisão, o que se pretende ver declarado.

V. Apesar de não ter sido elaborado o competente sumário na formulação do acórdão recorrido, como preceitua o art.º 663º, nº. 7 do CPC, de forma a estruturar os fundamentos e argumentos das presentes alegações, e consequentemente da discordância quanto ao mérito da decisão recorrida, considera-se que o entendimento vertido na decisão ora recorrida e com o qual discordamos, resume-se ao seguinte:

a. “a) Requisitos da simulação, em especial o pacto simulatório;

b. b) desnecessidade de reapreciação da matéria de facto”

W. E quanto à “desnecessidade de reapreciação da matéria de facto” limita-se APENAS E SÓ e invocar que a “reapreciação da matéria de facto constitui uma garantia das partes no sentido de ver reapreciado o julgamento por uma instância de recuso, assumindo natureza instrumental da decisão, e não um exercício académico…não se podendo desperdiçar recursos escassos em actividade inúteis.”

X. Ora, o Tribunal da Relação ao invocar e afirmar o princípio deveria, no âmbito dos seus poderes, assumir-se como um verdadeiro Tribunal de Instância e proceder à valoração dos meios de prova, apreciando a matéria de facto dada como provada e não provada e posta em crise nas Alegações da Recorrente, mas, sempre dentro dos parâmetros de ordem processual e substantiva.

Y. Assim, deverá o presente Recurso de Revista interposto pela Recorrente proceder, com a consequente revogação do Acórdão ora recorrido e ordenada a sua remessa para o Tribunal da Relação do Porto para ser apreciada a impugnação da matéria de facto, nos concretos pontos indicados pela ali Apelante, e aqui Recorrente, cujo conhecimento e apreciação foi liminarmente rejeitado, devendo essa apreciação, em caso de procedência, ser considerada pelo Tribunal a quo na decisão de mérito da causa, em virtude de poder esta vir a ser modificada, e analisada com base na VERDADE DOS FACTOS.

Z. Preceitua o artigo 608.º, nº2, do CPC que “o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

AA. Por conseguinte, a nulidade em causa, e que aqui se invoca sopesa no Requerimento apresentado pela Recorrente com a referência ...01 via Citius, e requerido pela Meritíssima Juíza Desembargada, por do douto Despacho com a Referência ...91.

BB. E analisando todo o Acórdão agora posto e crise, a verdade é que a Juiz a quo não se pronuncia sobre as questões que ali se encontram vertidas e que deveriam ser escrutinadas, verificando-se desta forma uma omissão de pronúncia nos termos do disposto no artigo 615, n.º 1 alínea d) do CPC.

CC. Aliás, como se referiu, o requerimento que aqui se invoca foi um pedido expresso da Juiz Desembargadora, e ao qual a aqui Recorrente não ignorou e respondeu, salvo o devido respeito por douta opinião contrária, de forma clara e invocando os seus argumentos e as suas pretensões.

DD. E neste sentido refira-se a Jurisprudência deste Supremo Tribunal, vertida, a título de exemplo no Acórdão de 01/06/2022 que teve com Relator o Juiz Conselheiro Pedro Branquinho Dias, disponível em www.dgsi.pt :

a. “I- Verifica-se o vício da omissão de pronúncia, previsto no art. 615.º n.º 1 d), do C.P.C., gerador da nulidade da decisão, quando o tribunal deixe de conhecer qualquer questão colocada pelas partes ou que seja do conhecimento oficioso. (…) (negrito e sublinhado pela subscritora).

EE. Estando patente no corpo decisão do citado Acórdão que “Conforme é sabido, o vício da omissão de pronúncia, previsto no art. 615.º n.º 1 d), do C.P.C., verifica-se quando o tribunal deixe de conhecer questões colocadas pelas partes ou que sejam do conhecimento oficioso, constituindo uma das causas de nulidade da sentença (Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 4.ª Ed., pg. 737 e, entre outros, o acórdão do STJ de 28/10/2020, cujo relator é o Senhor Conselheiro José Feteira, no Proc. n.º 8491/18.7T8LSB.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt).” (…) (negrito e sublinhado pela subscritora).

FF. O Acórdão agora posto em crise na sua decisão constata que nos presentes autos ocorre ilegitimidade passiva – Vide fls 28/32. Reconhece que os vendedores não foram chamados ao processo como Réus.

GG. Ora, a ilegitimidade passiva é uma excepção dilatória, é de conhecimento oficioso e implica a absolvição da instância (artigos 288.º n.º1 d), 493.º n.º2, 494.º e), 495.º e 660.º nº1 do CPC), e neste concreto ponto, o Tribunal pode dela conhecer.

Termos em que, atendendo aos normativos legais supra enunciados, nomeadamente as normas contidas nos artigos 615.º, n.º 1 alínea d), 640.º, 662.º do CPC bem como à jurisprudência supra citada, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova e reflectir na decisão da matéria de facto a convicção que formar, devendo para o efeito o Acórdão recorrido ser revogado.

Em sua substituição, com a devida vénia, requer-se a V. Exas que, na procedência do presente recurso, seja proferido douto acórdão que ordene a baixa dos presentes autos para ser apreciada a impugnação da matéria de facto, quanto aos pontos indicados e que o Tribunal da Relação rejeitou analisar, e a nulidade da Pronuncia com as devidas e legais consequências, assim se assegurando a boa aplicação do direito à factualidade concretamente provada nos autos, desígnio com que se alcança a JUSTIÇA!

Não foi oferecida resposta.

Levado o processo à conferência, esta, por acórdão de 7 de Fevereiro de 2023, negou provimento à arguição, da apelante, da nulidade do acórdão que julgou o recurso de apelação, acórdão do qual aquela interpôs recurso de revista que, com fundamento na sua irrecorribilidade, foi rejeitado pela Sra. Juíza Desembargadora Relatora, decisão da qual aquela reclamou para este Tribunal Supremo. Neste Tribunal, o relator indeferiu a reclamação, decisão que a recorrente impugnou através de reclamação para a conferência; por acórdão de 3 de Janeiro de 2024, a conferência indeferiu a reclamação, confirmou a decisão do relator reclamada e manteve a decisão de rejeição do recurso.

2. Delimitação do âmbito objectivo da revista e individualização das questões concretas controversas que devem ser resolvidas.

Como o âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados nas instâncias, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação, as questões concretas controversas que importa resolver são as seguintes (art.ºs 635.º n.ºs 2, 1.ª parte, e 3.º a 5.º, e 639.º, n.º 1, do CPC):

- Se o acórdão impugnado se encontra ferido com o desvalor da nulidade substancial resultante de uma omissão de pronúncia;

- Se em consequência da não intervenção na acção dos vendedores do prédio cuja divisão é pedida se verifica a preterição de litisconsórcio necessário, determinante da absolvição dos requeridos e do interveniente principal, da instância:

- Se a não actuação pela Relação dos seus poderes de controlo relativamente à decisão da matéria de facto da 1.ª instância, no segmento em que foi objecto de impugnação no recurso de apelação é incorrecta;

A resolução da primeira questão, importa, naturalmente, a ponderação da causa de nulidade do acórdão representada pela omissão de pronúncia; da segunda, a determinação das consequências processuais da não intervenção na causa dos sujeitos que, no contrato de compra e venda arguido de nulo, por simulação, ocupam a posição jurídica de vendedores do prédio a cuja divisão se procede na acção; da última, o exame e determinação da competência funcional ou decisória do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão da quaestio facti das instâncias

No tocante à segunda das questões concretas controversas enunciadas colocadas pela recorrente à atenção deste Tribunal Supremo justificam-se, desde logo, dois esclarecimentos. O primeiro é o de que a questão da legitimidade passiva resultante da não intervenção dos vendedores do prédio na acção surge no acórdão recorrido como consideração meramente adjuvante ou subordinada do argumento que constitui a sua verdadeira ratio decidendi: a falta de alegação da existência do pacto simulatório - o que explica que não tenha concluído pela preterição de litisconsórcio necessário e, em coerência, pela verificação, em concreto, da excepção dilatória da ilegitimidade processual nem, muito menos, tenha proferido uma decisão de absolvição da instância. O segundo esclarecimento prende-se com a admissibilidade da alegação, na revista, da questão da ilegitimidade processual: apesar de o acórdão impugnado não ter apreciado em concreto aquela questão – e de não ter, quanto a ela, concluído por uma decisão de procedência ou improcedência, de absolvição ou não instância, dado que está em causa um pressuposto processual geral positivo – a matéria correspondente, por ser oficiosamente cognoscível, constitui objecto admissível da revista, uma vez que apesar de o sistema português de recursos se orientar claramente de harmonia com o modelo de reponderação, está sempre salvaguardada a possibilidade da alegação e da apreciação, em qualquer grau de recurso, de matéria de conhecimento oficioso1 que, nessa medida, constitui sempre objecto implícito do recurso.

3. Fundamentos.

3.1. Fundamentos de facto.

As instâncias estabilizaram os factos materiais da causa nos termos seguintes:

3.1.1. Factos provados.

1.º-No documento particular denominado “Procuração” foi exarado que “No dia ... de mil novecentos oitenta e cinco, neste cartório notarial de ..., perante mim, SS, ajudante do cartório, compareceram como outorgantes:

PRIMEIRO – AA, casada com BB, em comunhão de adquiridos, natural da freguesia de ..., concelho ..., residente nesta cidade de ..., na Avenida ....,

SEGUNDO –EE, casado com FF, em comunhão de adquiridos, natural da mesma de ..., onde reside no lugar da ...;

TERCEIRO – CC, casada com DD, em comunhão geral de bens, natural da dita freguesia de ..., residente com a primeira outorgante;

QUARTO – GG, casada com KK, em comunhão de adquiridos, natural da mesma de ..., onde reside no lugar da ...;

QUINTO: JJ, solteira, maior, natural da mesma de ..., onde mora no ...; e

SEXTO: HH, solteiro, maior, natural da mesma de ..., onde reside em .... Verifiquei a sua identidade por ser do meu conhecimento pessoal. E declararam que constituem seu bastante procurador seu pai, LL, casado, natural da mesma Freguesia de ..., residente nesta cidade de ..., na rua ..., ao qual com os de substabelecer, conferem poderes para comprar ou prometer comprar, em comum e partes iguais, a raiz ou nua propriedade do prédio urbano inscrito na matriz desta freguesia e concelho de ..., sob o número ...75, assinar a competente escritura, liquidar a respectiva sisa e proceder a actos de registo predial, provisórios ou definitivos, averbamentos ou cancelamentos, podendo apresentar quaisquer declarações complementares, praticando, requerendo, promovendo e assinando tudo quanto seja necessário para o efeito. Esta procuração foi lida e explicada no seu conteúdo aos outorgantes em voz alta e na presença simultânea de todos. Neste momento se rectifica que a terceira outorgante reside nesta cidade de ..., na dita Avenida ....”

2.º-Na escritura pública lavrada a folhas 59 e seguintes do livro 94-B celebrada no dia ... de ... de 1985, denominada “Compra e Venda”, foram identificados como outorgantes “primeiro PP (…) e mulher QQ, casados em comunhão geral de bens, residentes em ... (…)”, e como segundo outorgante “LL, casado, (…)” como procurador de AA casada na comunhão de adquiridos com BB (…), EE, também conhecido por OO, casado em comunhão de adquiridos com FF (…), CC, casada em comunhão geral de bens com DD (…), GG, casada na comunhão de adquiridos com KK (…), JJ, solteira, maior”, e como terceiro outorgante “NN, solteira, maior (…)”, tendo os primeiros outorgantes declarado que “vendem à terceira outorgante, NN o direito de habitação no prédio urbano, composto de casa de habitação com rés-do-chão, um andar e quintal, inscrito sob o artigo ...75(…), nesta freguesia e concelho de ..., rua ..., ângulo com a rua ..., descrito sob o número ...55, do livro B-sete, freguesia de ... (…). E que tendo recebido o indicado preço dão como efectuada a venda. Disseram ainda que, por esta escritura, vendem aos mandantes do segundo a RAIZ OU NUA PROPRIEDADE do mesmo imóvel por dois milhões e cem mil escudos. E que tendo também recebido este preço, dão como efectuada a venda.

Declararam os terceiros, por si, segundo, na qualidade invocada, que aceitam as correspondentes vendas.”.

3.º-À data da escritura pública identificada em 2.º, LL era casado na comunhão geral de bens com MM.

4.º-À data da escritura pública identificada em 2.º LL e MM estavam separados de facto.

5.º-À data da escritura pública identificada em 2.º, LL vivia com NN na Rua ... em comunhão de mesa e cama.

6.º-Os mandantes identificados na escritura descrita em 2.º, não pagaram o preço aos vendedores.

7.º-O preço da compra e venda e montante dos emolumentos notariais e do registo foram pagos por LL, mandatário e pai dos mandantes.

8.º-O dinheiro utilizado para pagar o preço da compra e venda identificada em 2.º e valor dos emolumentos era comum do casal formado por LL e MM.

9.º-Quer os mandantes quer MM tinham conhecimento de que se iriam realizar negócios de compra e venda identificados em 2.º.

10.º-Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...02 da mesma freguesia, o prédio urbano, sito na Rua ..., composto de casa de rés-do-chão, andar e quintal com a área coberta de 111,5 m² e 88,5 m²de área descoberta, inscrito na matriz sob o artigo ...75.

11.º-Sobre a descrição identificada em 10. incidem as inscrições:

AP. 6 de 1987/06/02 – Aquisição a favor de EE ou OO e mulher FF casados no regime da comunhão de adquiridos; CC e marido DD casados na comunhão geral de bens; GG e marido KK casados na comunhão de adquiridos; AA e marido BB casados no regime da comunhão de adquiridos; JJ, solteira, maior; HH, solteiro, maior, tendo como causa a compra a PP e mulher QQ;

AP. 6 de 1987/06/02 – Direito de Habitação a favor de NN, solteira, maior, tendo como causa a compra a PP e mulher QQ.

12.º-NN morreu no dia ... de ... de 2002.

13.º-O prédio identificado na escritura referida em 2.º foi sujeito a obras de reconstrução ou modificação feita por LL, com dinheiro do casal constituído por este e por MM.

3.1.2. Factos não provados.

a)- O objetivo de LL com a celebração da escritura de compra e venda descrita em 2.º, foi o de afastar MM de qualquer interesse sobre o imóvel e garantir à companheira NN o direito de habitação;

b)- LL comprou em nome dos filhos a raiz ou nua propriedade do prédio descrito em 2.º para manter bom relacionamento com os mesmos e para ter a certeza de que nem eles, nem a sua esposa iriam retirar tal direito de habitação a NN, mesmo que ele falecesse antes de todos;

c)- LL com a escritura de compras e vendas descrita em 2.º requeria doar aos filhos o prédio identificado na mesma escritura;

d)- LL com a escritura de compras e venda descrita em 2.º requeria comprar para si próprio o prédio identificado na mesma escritura;

e)- A referida Emília não pagou qualquer preço com a aquisição do direito de habitação do prédio identificado na escritura referida em 2.º.

3.2. Fundamentos de direito.

3.2.1. Nulidade substancial do acórdão recorrido.

O valor jurídico negativo da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia resulta da abstenção, injustificada, de conhecimento de questões suscitadas pelas partes ou de pedidos por elas formulados. O tribunal deve, realmente, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução encontrada para outras (art.ºs 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal deve, pois, examinar toda a matéria de facto e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou dos pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. A nulidade que o recorrente assaca ao acórdão impugnado resulta da infracção deste dever (art.º 615.º, n.º 1, c), 1.ª parte, ex-vi art.º 666.º, n.º 1, do CPC).

Mas a propósito desta causa de nulidade da decisão há que ter presente o seguinte: não existe omissão de pronúncia, mas um error in iudicando, se o tribunal não aprecia uma qualquer questão com o argumento, por exemplo, de que ela não foi invocada, ou de que não tem o dever de sobre ela se pronunciar ou de que a sua apreciação é inútil: aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento – e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão. Efectivamente, uma coisa é o tribunal deixar de se pronunciar sobre uma questão, outra, bem diferente, é invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. Além disso – como este Supremo Tribunal tem reiterado, firme e consistentemente – há que fazer um distinguo entre questão que deve ser decidida e considerações, argumentos ou razões produzidas pelas partes para sustentar o seu ponto de vista: desde que decida a questão posta, o tribunal não tem de se ocupar nem está vinculado a apreciar os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão2.

No caso do recurso de apelação que tenha por objecto, principal ou concorrente, a impugnação da decisão da matéria de facto da 1.ª instância, por erro em matéria de provas, o Tribunal da Relação deve proceder, no tocante a cada um dos enunciados de facto que o recorrente reputa de mal julgados, à reapreciação das provas que, segundo o impugnante, foram erroneamente valoradas ou apreciadas – reapreciação que pressupõe o conhecimento do seu conteúdo, a determinação da sua relevância e a sua valoração (art.ºs 640.º, n.º 1, a) a c), e 662.º, n.º 1, do CPC).

Todavia, o exercício pela Relação dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto da 1.ª instância só deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Se o facto ou factos que se reputam de mal julgados não se mostrarem relevantes segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção, a reponderação deve ter-se - por aplicação do princípio da utilidade a que deve subordinar-se toda a actividade jurisdicional - mesmo por proibida (art.º 130.º do CPC)3.

No caso, o desvalor da nulidade por omissão de pronúncia, assenta, no ver da recorrente, na circunstância de a Relação não se pronunciar quanto à impugnação da matéria de facto, melhor se diria, não ter conhecido do segmento do recurso de apelação no qual se impugnava a decisão daquela matéria, dado que, patentemente, não actuou os seus poderes de controlo de correcção da decisão da matéria de facto, no segmento em que foi objecto de adequada impugnação. O acórdão recorrido adiantou, porém, para essa abstenção a razão seguinte - que para a questão do desvalor da nulidade por omissão de pronúncia, não interessa saber se é correcta ou incorrecta: a reapreciação da – decisão - da matéria de facto é inútil. Ora, como se observou, esta atitude do acórdão impugnado não se resolve numa omissão de pronúncia, dado que esta consiste numa abstenção não fundamentada de julgamento – e não numa fundamentação, ainda que errada, para não conhecer de certa questão. Concluindo-se pela incorrecção do fundamento invocado pelo acórdão contestado para se abster de conhecer do objecto do recurso representado pela impugnação da decisão da quaestio facti, o caso é de error in iudicando e não de error in procedendo, como é caracteristicamente aquele em que se resolve o valor negativo da nulidade substancial do acórdão, assente numa omissão – injustificada – de pronúncia.

Do valor negativo da nulidade substancial do acórdão impugnado por uma omissão de pronúncia é coisa de que, em boa verdade, não se pode falar.

Maneira que há que concluir pela improcedência deste fundamento do recurso.

3.2.2. Excepção dilatória da ilegitimidade processual dos requeridos por preterição de litisconsórcio necessário.

Segundo a recorrente, verificar-se-ia, no caso, uma ilegitimidade passiva, resultante da circunstância de os vendedores do prédio, que se diz comum, contraentes do contrato de compra e venda arguido de nulo por simulação, não terem intervindo na acção. A falta daquele pressuposto processual positivo referido às partes decorreria, portanto, da preterição de um litisconsórcio necessário. Mal vale perder uma palavra para tornar patente a falta de bondade do argumento.

De harmonia com a orientação jurisprudencial sobre o litisconsórcio natural, este também se impõe quando a presença em juízo de todos os interessados seja necessária para garantir uma decisão uniforme entre eles, i.e., quando a ausência de qualquer dos interessados possibilite uma nova acção sobre a mesma relação e possa originar decisões contraditórias entres eles4 (art.º 33.º, n.º 2, do CPC). De harmonia com esta concepção, a acção, v.g., de declaração de nulidade por simulação da alienação de um lote de acções deve ser proposta contra todos os simuladores5. Esta orientação jurisprudencial é de duvidosa conjugação com a definição legal, porque segundo esta, o que releva é que a decisão entre as partes da acção, quaisquer que elas sejam, não possa ser afectada por uma outra proferida numa outra causa – e não que todos os interessados devam estar em juízo ou que entre eles tenha de verificar-se uma decisão uniforme6. Depois, uma tal orientação pode defrontar-se com algumas dificuldades práticas, v.g., no caso de possibilidade de conhecimento oficioso de certas matérias. Se, por exemplo, o tribunal suscita oficiosamente a questão da nulidade do acto jurídico, numa acção em que não são partes todos os interessados, de acordo com a orientação jurisprudencial, essa nulidade só pode ser apreciada, mesmo oficiosamente, com a presença de todos os interessados, o que cria um dilema de difícil solução: ou o tribunal deixa de apreciar essa nulidade por falta de intervenção de algum interessado na acção, o que se traduz numa importante restrição dos seus poderes de conhecimento – ou tribunal convida as partes a promover a intervenção dos interessados ausentes o que significa deixar na mão delas a apreciação efectiva de uma matéria de conhecimento oficioso.

Como quer que seja, no caso do recurso, há boas razões para concluir que não se impõe a presença em juízo dos sujeitos que, no contrato de compra e venda constitutivo da compropriedade, arguido de nulo por simulação, ocupam a posição de vendedores.

A prova dos pressupostos estruturais da simulação vincula, naturalmente, quem pretende prevalecer-se da nulidade consequente (art.º 342.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil)7. Mas essa nulidade pode, nos termos gerais, ser invocada por acção ou por via de excepção. Neste último caso, porém, não há que chamar à acção todos os contraentes, se se pretender, limitadamente, apenas uma defesa e não obter uma decisão erga omnes8. Não é outro o caso do recurso.

Na espécie da revista, a nulidade, com fundamento na simulação, do contrato de compra e venda que constitui o título constitutivo da compropriedade cuja dissolução é pedida na acção, foi arguida, pelo interveniente principal, a título de excepção peremptória, portanto, com o fito de destruir aquele acto negocial e um dos efeitos que produziu: a constituição da situação jurídica de compropriedade e do consequente direito potestativo dos comproprietários de pedir a divisão da coisa comum (art.º 576.º, n.ºs 1 e 3, do CPC). O objectivo da oposição da excepção peremptória não é, comprovadamente, o de constituir entre – todos - os contraentes daquele contrato oneroso a relação de liquidação consequente à declaração da sua nulidade – i.e., a restituição de tudo o que tiver sido prestado em execução do negócio declarado nulo - mas, limitadamente, o de obstar aos efeitos pretendidos pela requerente com a acção, o de perimir o direto potestativo que através dela actua: o de pedir a cessação ou a extinção da indivisão do prédio comum (art,º 289.º, n.º 1, do Código Civil). E para a produção desse efeito extintivo não é, de todo, necessária a intervenção na acção dos sujeitos que ocupam, no contrato de compra e venda, a posição jurídica de vendedores, que, aliás, em nada são prejudicados com a decisão da acção de divisão de coisa comum, uma vez que, como reflexo do princípio do contraditório, os terceiros não podem ser prejudicados, nem beneficiados, pelo caso julgado de uma acção em que não participaram, nem foram chamados a intervir9. Desde que a arguição sobre a nulidade do contrato de compra e venda por simulação tem por única finalidade, não fazer regressar à esfera jurídica dos vendedores, o direito real sobre o prédio transmitido ou tornar oponível àqueles um qualquer caso julgado que se forme sobre a decisão que reconheça e declare aquela invalidade aos alienantes da coisa imóvel comum – mas apenas operar extinção do direito potestativo de pedir a divisão da coisa em compropriedade invocado pela requerente, a presença daqueles vendedores não é necessária, para assegurar a legitimidade das partes presentes em juízo ou sequer para permitir a apreciação ou conhecimento da apontada excepção peremptória.

Por este lado, o recurso também não dispõe de bom fundamento.

3.2.3. Elementos estruturais da simulação, provas admissíveis para a sua demonstração e poderes de controlo do Supremo no tocante à decisão da matéria de facto das instâncias.

3.2.3.1. Elementos estruturais da simulação.

Há compropriedade, ou propriedade comum quando duas ou mais pessoas detêm simultaneamente o direito real de propriedade sobre a mesma coisa (art.º 1403.º do Código Civil).

A situação jurídica de cada um dos comproprietários ou consortes é qualitativamente igual, sendo indiferente que o seja ou não sob o ponto de vista quantitativo. Contudo, salvo indicação contrária do título constitutivo quanto à participação de cada um dos comproprietários na coisa comum, presume-se a igualdade (art.º 1403.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

Discute-se a natureza jurídica da compropriedade. Segundo alguma doutrina, a compropriedade redundaria na titularidade de partes intelectuais da coisa comum10; outra defende que nela existe um único direito real, com dois ou mais titulares11. Finalmente, sustenta-se – posição que corresponde à doutrina dominante entre nós – que na compropriedade existe um conjunto de direitos sobre a totalidade da coisa que reciprocamente se autolimitam no seu exercício12. Há, portanto, uma situação de concurso entre direitos reais da mesma espécie – v.g., de propriedade - em que direitos iguais recaem, em simultâneo, sobre uma mesma coisa, atingindo-a na totalidade. E sendo esta a verdadeira natureza da compropriedade, facilmente se intui, com precisão, o que seja a quota. Esta é a medida ideal de cada direito coexistente, por exemplo, em determinada compropriedade, que serve o propósito de resolver o conflito potencial entre, v.g., os comproprietários, no tocante ao exercício de poderes e deveres que assumam uma feição quantitativa, mas que não constitui o próprio objecto do direito real nem define uma porção da coisa que fique afecta aquele direito (art.º 1402.º, n.º 2, do Código Civil).

Seja como for, vale, no tocante à compropriedade, considerados os patentes inconvenientes da propriedade em comum, o princípio geral de que nenhum comproprietário será obrigado a permanecer na indivisão e, poderá, a todo o tempo, requerer a sua cessação. Os comproprietários não podem renunciar ao direito – potestativo - de exigir a divisão, mas é-lhes lícito convencionar que a coisa se conserve indivisa por certo espaço de tempo, contanto que o prazo não exceda cinco anos, embora lhes seja autorizado renovar esse prazo por nova convenção (art.º 1412.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

Quando o direito potestativo de exigir a dissolução da compropriedade que a lei reconhece aos comproprietários é actuado judicialmente, o autor deve alegar a propriedade em comum da coisa de tais e tais interessados – mas não precisa sequer de indicar a origem da compropriedade: é suficiente a alegação de que a coisa a dividir, materialmente ou em valor, é propriedade em comum das pessoas mencionadas; se a alegação não for exacta a qualquer dos citados incumbe contestar a compropriedade v.g., alegando a invalidade do título da sua constituição, alegação que, nitidamente, se resolve numa excepção peremptória extintiva dado que tem por efeito destruir a situação jurídica da compropriedade e, consequentemente, os direitos reais dos comproprietários e logo, também, o direito potestativo de exigir a divisão (art.º 576.º. n.ºs 1 e 3, do CPC)..

E da qualificação da invocação da nulidade do título constitutivo da compropriedade como excepção peremptória derivam, além da já apontada, duas outras consequências expressivas. A primeira é a de que, de harmonia como o princípio da concentração da defesa, deve ser invocada – como, aliás, qualquer defesa do réu - na contestação, pelo que a falta de alegação da excepção naquele articulado implica a sua irremediável preclusão (art.º 573.º, n.º 1, do CPC); a segunda consiste nisto: embora a propósito das excepções invocadas pelo réu como meio de defesa e em especial das excepções peremptórias não seja habitual falar de causa de pedir mas de fundamentos das excepções, a verdade é que a causa de pedir e fundamento da excepção são realidades funcionalmente equivalentes: têm de ser alegadas – e de modo concludente - em regra pelo réu, dado que se traduzem em factos e estes, por força princípio da disponibilidade privada do objecto do processo, só são tomados em consideração quando alegados nos articulados (art.ºs 5.º, n.º 1, e 576.º, n.º 3, do CPC).

No caso de pluralidade de réus, o efeito preclusivo da omissão da alegação da excepção peremptória dá-se relativamente a qualquer deles, o que é especialmente relevante no caso de litisconsórcio natural, como é indiscutivelmente aquele que se verifica na acção de divisão de coisa comum13.A necessidade do litisconsórcio na acção de divisão de coisa comum impõe-se pela circunstância de devendo a coisa ser repartida entre os vários interessados, a divisão só ser definitiva se todos estiverem presentes na mesma acção, seja na posição de requerentes, seja na de requeridos. A actio communi dividendo configura, aliás, um caso nítido de litisconsórcio natural necessário unitário recíproco – e inicial - dado que importa mais do que uma oposição entre as partes, visto que os interesses de cada um dos comproprietários são opostos aos de qualquer outro: quanto mais um receber menos receberá qualquer um dos outos. É certo que qualquer dos demandados pode, em princípio, prevalecer-se da excepção peremptória alegada por outro. Diz-se em princípio, por esta razão: a faculdade de um dos réus ou requeridos poder prevalecer-se da excepção alegada por outro deve considerar-se excluída se essa prevalência for contraditória com a atitude processual anteriormente tomada pelo demandado não excipiente, dado que, nesta hipótese, o aproveitamento da alegação da excepção se resolve num verdadeiro venire contra factum proprium e, como tal abusiva, abuso que implica - como é característico do venire - a inibição do exercício de poderes jurídicos ou direitos, ainda que puramente processuais, em contradição com a conduta processual anterior. Em qualquer caso, na prova da excepção deve tomar-se em linha de conta as eventuais proibições ou restrições de prova que atinjam o demandado que não alegou a excepção, mas que queira prevalecer-se da alegada por outro e pretenda produzir a prova dos factos correspondentes, ainda que essas proibições ou limitações não sejam aplicáveis a este último.

No caso, o fundamento alegado, pelo interveniente, da extinção da compropriedade e do direito potestativo dos comproprietários de pedir a divisão do imóvel comum é nulidade, por simulação, do contrato de troca que a constituiu: o contrato de compra e venda, no qual os comproprietários – todos os comproprietários - figuram na qualidade jurídica de compradores.

A simulação – que consiste numa divergência intencional enganosa entre a vontade real e a declarada – é causa de nulidade do negócio simulado, se no acto concorrerem os requisitos seguintes: um acordo entre o declarante e o declaratário; uma divergência entre a declaração e a vontade das partes; ordenada para enganar terceiros (art.º 240.º do Código Civil).

São, portanto, três os elementos estruturais da simulação: um acordo entre as partes ordenado para criar uma falsa aparência de negócio, o denominado pactum simulationis;; a divergência entre a vontade exteriorizada e a real, i.e., entre a aparência criada – negócio exteriorizado – e a realidade negocial – o negócio efectiva ou realmente concluído; o intuito ou a finalidade de enganar terceiros. De todos os elementos estruturais da simulação o crucial é, decerto, o pacto simulatório, acordo cuja natureza jurídica é objecto de controvérsia, embora, de harmonia com a orientação que se julga preferível, se lhe deva assinalar a natureza de contrato modificativo, dado que se trata de um acordo com efeitos jurídicos para as partes conformes ao seu significado, considerando que a inexistência da sua obrigatoriedade não exclui a sua natureza contratual, mas apenas o efeito obrigacional. Como quer que seja, o pacto simulatório – que, de resto, é o elemento que permite distinguir a simulação do negócio indirecto e da reserva mental, também denominada simulação unilateral - é requisito essencial da simulação: sem o primeiro, não se verifica a última14.

Realmente, os acordos envolvidos na simulação são, sempre, necessariamente, pelo menos dois: o contrato simulado e o pacto simulatório. A simulação é admissível nos negócios unilaterais, v.g., no negócio testamentário, que é um negócio jurídico unilateral, mortis causa, não receptício, pessoal, individual, formal e revogável. Mas mesmo no tocante a estes negócios é necessário, para haver simulação, a existência do pacto simulatório: embora não exista uma contraparte negocial – existe, porém, um destinatário com o qual é concluído, necessariamente, sob pena de não haver simulação, o pacto simulatório (art.º 2200.º do Código Civil). O que mostra, aliás, que o pacto simulatório pode envolver pessoa diversa dos contraentes do negócio simulado, como sucede, caracteristicamente na simulação subjectiva, i.e., na interposição fictícia de pessoas, em que divergência voluntária incide sobre as próprias partes e em que o terceiro, não é contraente do negócio simulado – mas é parte do pacto simulatório. Em contrapartida, os contraentes têm, necessariamente, que ser partes ou sujeitos quer do negócio simulado, quer do contrato simulatório.

Por esta razão – e ressalvada sempre a unção devida a quem sustente ponto de vista diverso – não se tem por correcto o entendimento que prescinde, para haver simulação, de um acordo em que seja parte o declarante, sustentado no acórdão do Supremo de 3 de Dezembro de 2015 (2936/07) – citado pela recorrente – desde logo porque esta conclusão nem sequer é harmónica do pressuposto de que, no mesmo acórdão, se partiu: a necessidade de um acordo simulatório que provém de um conluio entre o declarante e o declaratório15. No pactum simulationis pode participar quem não seja contraente do contrato simulado; mas, para haver simulação, os contraentes – o declarante o declaratório - têm necessariamente de participar também na colusão, i.e., no contrato simulatório.

Descritivamente, a simulação pode ser fraudulenta ou inocente, consoante visa ou não prejudicar outrem, absoluta, se as partes não pretendem celebrar qualquer negócio, ou meramente relativa, se sob o negócio simulado, exista um outro que as partes verdadeiramente pretendem – negócio dissimulado que, em princípio, é válido – e objectiva se incide sobre o objecto ou conteúdo do negócio simulado (artº 241.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

Na simulação relativa, segundo a orientação corrente, existem dois negócios – o negócio simulado e o negócio dissimulado - embora pareça mais correcto dizer-se que, uma vez que a simulação se caracteriza por uma falsa aparência negocial, intencionalmente criada, que sob esta aparência, não existem verdadeiramente dois negócios, pelo que na simulação relativa há um negócio – o dissimulado – e na simulação absoluta, não há mesmo – com excepção do pacto simulatório - nenhum negócio, mas apenas uma aparência.

Como quer que seja, a lei, fazendo prevalecer a realidade sobre a aparência, é terminante na declaração de que o negócio simulado é nulo, mas o dissimulado é válido, como se tivesse sido concluído sem simulação, desde que, sendo formal, tiver sido observada a forma exigida por lei, requisito que se deve por cumprido – embora isto esteja longe de ser isento de dúvidas – se a forma exigida por lei para a validade do negócio dissimulado tenha sido observada no negócio aparente, dissimulado, independentemente da parte do negócio que tenha sido oculta e do regime formal que, em si mesmo, justificaria a razão de ser da exigência legal de forma (art.ºs 240.º, n.º 2, e 241.º, nºs 1 e 2 do Código Civil).

Substancialmente, o negócio dissimulado seguirá o regime que lhe é próprio, nomeadamente quanto à sua validade e, nos termos gerais, pode ser um negócio gratuito ou oneroso. O negócio será oneroso quando envolver para cada uma das partes uma atribuição patrimonial e um correlativo sacrifício patrimonial; é gratuito quando só para uma das partes há atribuição patrimonial e só para outra, sacrifício patrimonial. Dentro dos actos gratuitos avultam, como categoria primária, as liberalidades, i.e., os actos de que resulta intencionalmente para outrem um enriquecimento. O principal tipo de liberalidade, inter vivos, é, naturalmente, a doação (art.º 940 e ss. do Código Civil)16.

3.2.3.2. Provas admissíveis para a demonstração da simulação.

A prova em juízo nunca é fácil e é, por certo, muito mais difícil, quando o seu objeto são actos ou comportamento ordenados, concertada, dolosa e finalisticamente, para criar uma aparência, uma ilusão, como sucede, comprovadamente, com a simulação contratual em que os intervenientes criam, de modo cúmplice, propositadamente, para iludir ou ludibriar terceiros, uma aparência dum negócio que na realidade não querem, ficcionando uma realidade com o preciso objetivo de cobrir, de esconder, os seus verdadeiros desígnios, tornando, assim, particularmente difícil a terceiro a apreensão dos verdadeiros contornos do acto e, consequentemente, a sua prova. Para ultrapassar esta dificuldade, justifica-se uma utilização intensiva de regras de experiência e de critérios sociais – do id quod plerumque accidit, daquilo que normalmente sucede17 - e, mesmo, em última extremidade, de uma prova prima facie, i.e. de uma prova em que a tipicidade da inferência probatória é de tal modo forte que só cede perante dúvidas fundadas, quer dizer, perante uma contraprova também ela prima facie ou perante a prova do contrário18.

Os simuladores são dotados de legitimidade para arguir a simulação. Simplesmente, para a demonstração não é admissível a prova testemunhal nem a prova por presunções judiciais, excepto se, de harmonia com uma interpretação restritiva corrente da norma que consagra aquela proibição, houver um princípio de prova escrita - contanto que este documento torne plausíveis ou verosímeis os factos que qualificam a simulação: neste caso, a prova testemunhal é admissível como complemento do princípio de prova disponibilizado por aquela prova escrita ou documental (art.ºs 351.º e 394.º. n.º 2 do Código Civil)19.

A mesma solução deve valer para a prova por declarações de parte: o fundamento que justifica a proibição da prova testemunhal – os riscos inerentes a este meio de prova – vale, por maioria da razão, para a prova por declarações de parte, dado o perigo, ainda mais evidente, de parcialidade que, pela natureza das coisas, lhe é inerente. De resto, as declarações de parte não serão, em qualquer caso admissíveis se tiverem por objecto factos criminosos ou torpes de que o declarante seja arguido, o que sucederá com alguma probabilidade quando provenham do simulador e tenham por objecto os factos relativos ao artifício fraudulento característico da simulação que, mesmo que não sejam criminosos, são por regra, torpes (art.º 454.º, n.º 2, ex-vi, art.º 466.º, n.º 2 do CPC). Admite-se, porém, a prova por confissão (art.ºs 352.º do CC). Todavia, nos termos gerais, para que tenha força probatória plena contra o confitente a confissão judicial há-de ser escrita; a confissão judicial que não seja escrita – v.g., a feita no depoimento de parte prestado oralmente perante o tribunal, é livremente apreciada pelo juiz (art.ºs 463.º, n.º 1, do CPC, e 358.º, n.ºs 1 e 4, do Código Civil). Ponto que no caso do recurso é relevante dado que as actas da audiência final, não documentam a redução da escrito de qualquer confissão. Além disso, uma eventual confissão feita por qualquer parte sempre seria ineficaz, dado que os interessados são litisconsortes necessários (art.º 352.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil).

A apontada proibição de prova não é, porém, aplicável a terceiros (art.º 394.º, n.º 3, do Código Civil). E, por terceiro, deve entender-se, como a doutrina e a jurisprudência, assinalam, una voce, com exactidão, aquele que não interveio no acordo simulatório, nem representa quem nele participou, embora possa figurar como parte representada no negócio simulado20. Ou noutra formulação: terceiro é aquele que é alheio ao acordo simulatório e não necessariamente, ao contrato simulado. O critério determinante é, assim, o da ignorância e da não participação no conluio simulatório e não tanto a ausência de intervenção no negócio concluído de modo simulado21. Para que, para o efeito considerado, se seja considerado terceiro é suficiente que se não tenha tido intervenção no pacto simulatório, que se seja alheio ao conluio e não, necessariamente, ao negócio22.

Tal como sucede com a fundamentação da sentença, na fundamentação do acórdão a Relação pode extrair os factos presumidos com base nos factos probatórios (art.º 607.º. n.º 4, ex-vi art.º 663.º, n.º 2, in fine, do CPC). Em concreto: se dos factos assentes ou da fundamentação sobre a matéria de facto constarem factos probatórios donde se possa concluir outros por presunção – de facto, de direito ou judicial – o juiz deve tirar essa conclusão e considerar provado o facto ou o direito presumido. Portanto, nada obsta a que a Relação, independentemente de qualquer controlo, possa, através de presunções judiciais, baseadas nos factos apurados na 1.ª instância, deduzir outros factos (art.ºs 349.º e 351.º do Código Civil). A única coisa lhe não é lícita é, excepto no caso de erro de julgamento, por recurso a essas presunções, dar como provado um facto que a 1.ª instância julgou não provado23.

As presunções são ilações que a lei ou o juiz tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.º 349.º do Código Civil). As presunções podem ser legais, se estabelecidas pela lei, ou judiciais. Estas últimas – únicas que para o caso do recurso interessam – dizem-se também de facto ou hominis ou simples. As presunções hominis são afloramento nítido do princípio da livre apreciação da prova e a circunstância de só serem possíveis nos casos em que é admissível a prova testemunhal, mostra a fragilidade com que as ilações em que se resolvem são encaradas pela lei (art.º 351.º do Código Civil). O juiz, na base do id quod plerumque accidit – do que normalmente sucede – ou prima facie – na primeira aparência – infere conexões normais ou sequências típicas de factos. Mais precisamente: a presunção é a inferência ou processo lógico, mediante o qual, por via de uma regra de experiência - id quod plerumque accidit – se conclui, verificado certo facto, a existência de outro facto que, em regra, é consequência necessária daquele. O facto conhecido, de que se infere o outro, é a base ou o sopé da presunção.

As presunções judiciais, de facto ou hominis ou simples presunções são afinal o produto de regras de experiência: o juiz valendo-se de certo facto e de regras de experiência, conclui que aquele denuncia a existência de outro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede, então, mediante presunção ou regra de experiência ou, se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência24.

As regras de experiência são normas para a apreciação de factos e, com isso, para a aquisição deles, permitindo concluir de um facto pela existência de outro. E, na verdade, a cada passo, o juiz tem de socorrer-se de regras de experiência para a fixação dos factos ou da conexão causal entre dois eventos, sem as quais, portanto, lhe seria impossível decidir a questão de direito. No seu funcionamento, a presunção produz um efeito materialmente idêntico à exclusão do ónus da prova, embora se não confunda com este. Na verdade, a presunção não fornece a demonstração do facto, mas dá por admitida a sua realidade antes de toda e qualquer demonstração, com base na experiência comum de como certos factos normalmente se verificam – quod plerumque accidit – sem esperar o exercício da prova. Justamente no valor de credibilidade que, de per se, apresenta a regra de experiência está o fundamento racional da presunção e na medida desse valor assenta o seu grau de rigor. A presunção pode, assim, ser o único meio em que o juiz baseia a sua convicção, podendo até fazer prevalecer a presunção em detrimento de outras provas produzidas e mesmo recorrer a ela ainda que o facto questionado possa ser apurado por outro meio relativamente mais seguro. De outro aspecto, nada exclui que na base da presunção se situe um único facto: o que é necessário é que ele seja inequívoco, i.e., que faça aparecer como necessária a existência do facto desconhecido. No entanto, para que a presunção se aplique é indispensável a prova do facto que constitui a sua base.

As presunções sejam judiciais ou de facto ou legais, não são, propriamente, meios de prova – mas somente meios lógicos ou mentais de descoberta de factos e firmam-se mediante regras de experiência. Rigorosamente são, portanto, operações probatórias, tendo por base as regras de experiência resultantes do curso normal dos factos25: como se salientou no acórdão recorrido, tem, porém, de existir uma relação entre o facto probatório e o facto probando, de harmonia com a inferência para a melhor explicação, i.e., sempre que o primeiro constitui a melhor explicação do segundo.26

Resta dizer, que a existência do acordo simulatório, assim como a vontade real e a vontade declarada e o intuito de enganar terceiros constitui matéria de facto 27– a demonstrar, como se observou, por quem pretende prevalecer-se da simulação.

3.2.3.3. Poderes de controlo do Supremo sobre a decisão da matéria de facto das instâncias.

O Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista e, portanto, não controla a decisão da questão de facto e não revoga por erro de facto, controlando apenas a decisão de direito e só revogando por erro de direito, limitação que é justificada pela função de harmonização jurisprudencial sobre a interpretação e aplicação da lei que é característica e própria dos tribunais supremos (art.ºs 46.º da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, e 682.º, n.º 1, do CPC). Por isso que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não constitui objecto idóneo do recurso de revista, salvo os casos de ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, portanto, exceptuados os casos de prova necessária, i.e., em que a lei exige certo meio de prova para se poder demonstrar o facto probando, ou de prova legal ou tarifada, quer dizer, em que a lei impõe ao juiz a conclusão que há-de tirar do meio de prova, respectivamente (art.ºs 364.º, 393.º do Código Civil, 568.º, d), 574.º, n.º 2, in fine, 607.º, n.º 5, 2.ª parte, e 674.º, n.º 3, do CPC).

O Supremo Tribunal de Justiça está, pois, vinculado aos factos fixados pelas instâncias e, como consequência dessa vinculação, está adstrito a uma obrigação negativa: a de não poder alterar, salvo em casos excepcionais, essa matéria (art.º 682.º, n.º 2, do CPC). Estas vinculações implicam que não pode controlar a apreciação da prova, porque uma vinculação à matéria de facto averiguada nas instâncias e a proibição de a alterar, implicam, necessariamente, a impossibilidade – e mesmo a desnecessidade – de controlar a sua apreciação. Em especial, o Supremo não pode controlar a prudência ou a imprudência da convicção das instâncias sobre a prova produzida, sempre que se trate de provas submetidas ao princípio da liberdade de apreciação, i.e., que assenta na prudente convicção que o tribunal tenha adquirido das provas produzidas (art.º 607.º, n.º 5, 1.ª parte, do CPC). Trata-se de jurisprudência absolutamente firme ou acorde28.

O Supremo dispõe, porém, de competências de controlo sobre o uso – ou uso incorrecto - ou não uso pela Relação dos seus poderes específicos sobre a matéria de facto: o poder de correcção da decisão recorrida; o poder de controlo dos meios de prova; o poder de anulação da decisão recorrida (art.º 662, n.ºs 1, a), e 2, a), c) e d), do CPC). Em concreto, são em regra apresentados como casos típicos de uso incorrecto – ou de mau uso – pela Relação dos seus poderes de controlo da correcção da decisão da matéria de facto aqueles em que rejeita indevidamente o recurso no segmento em que se impugna a decisão da matéria de facto, v.g., com fundamento na inobservância do ónus dessa impugnação a que o recorrente está adstrito; aqueles em que não aprecia, com completude exigível, toda a matéria de facto impugnada ou todas as provas que, segundo o recorrente, foram erroneamente avaliadas; aqueles em que não fundamenta, com a completude exigível, toda a decisão sobre matéria de facto objecto da impugnação, em termos que não permitem, objetivamente, compreender o percurso intelectivo subjacente à (re)análise da prova que o apelante reputa de valorada em erro29. No caso da revista, o mau uso pela Relação dos seus poderes-deveres relativos à correcção da decisão da matéria de facto que a recorrente assaca ao acórdão recorrido tem a primeira das causas indicadas: a abstenção indevida da utilização daqueles poderes. Cremos, porém, que o acórdão impugnado é correcto e que a razão está do lado da Relação.

3.2.3.4. Concretização.

A excepção peremptória – que não foi alegada pela recorrente, no seu articulado de contestação, mas pelo interveniente no articulado próprio em que deduziu a sua defesa – oposta ao direito potestativo da requerente de pedir a divisão da coisa comum, consiste, declarada e comprovadamente, na nulidade do contrato de compra e venda em que PP e cônjuge, QQ, figuram nas posições jurídicas de vendedores e NN por um lado, e a requerente e os requeridos EE, CC, GG, JJ e HH – representados pelo seu pai, LL – por outro, nas posições jurídicas de compradores do direito de habitação e da raiz ou nua propriedade do prédio urbano que se pede que seja dividido, respectivamente (art.º 874.º do Código Civil). Nulidade deste contrato de troca para a transmissão de direitos mediante um preço que resultaria da sua simulação: apesar de os contraentes que ocupam a posição de compradores naquele contrato de troca terem declarado comprar, por um preço, aqueles direitos reais, essa declaração negocial não corresponde à verdade – desde logo, porque não pagaram qualquer preço - tendo-a emitido com o intuito de enganar um terceiro: o cônjuge do seu representante voluntário, LL, e mãe, designadamente da requerente e da recorrente. Aparência negocial assim criada a que corresponde – alega-se - um negócio verdadeiro – a doação, negócio dissimulado – que os adquirentes e o representante voluntário da requerente e dos apontados requeridos ocultaram e que verdadeiramente quiseram. Simula-se o contrato de compra e venda, dissimulando-se o contrato de doação, com o propósito de prejudicar um terceiro: o cônjuge do representante voluntário e mãe dos representados. E é aquele contrato e não qualquer acto jurídico que se alega que foi simulado.

Simplesmente, como linearmente decorre da alegação da excepção pelo interveniente, em lado nenhum invoca que um dos contraentes do contrato de compra e venda – os vendedores – tenham participado no conluio ou na colusão, que aquela parte no contrato de compra e venda tenho sido simultaneamente parte ou contraente do pacto simulatório. Como na simulação se exige, para além do negócio simulado – no caso a compra e venda – o pacto simulatório concluído entre, pelo menos, os contraentes do contrato aparente, o que decorre, para a procedência da excepção peremptória da nulidade, invocada pelo interveniente é meramente consequencial.

E na falta de uma alegação completa ou concludente dos factos constitutivos da excepção peremptória da nulidade do contrato de compra e venda constitutivo da situação jurídica real de compropriedade – no caso, do pacto simulatório, um dos elementos estruturantes da simulação – não se coloca, logicamente, o problema da sua prova, v.g. por presunção, ou por qualquer meio probatório, uma vez que a primeira exigência para que a parte seja admitida a provar um facto é, naturalmente, a de que ele tenha sido alegado.

O princípio da economia processual, que se orienta por um critério de eficiência do processo, considerado num plano individual – i.e., no plano de cada acto processual – proíbe a prática de actos objectivamente inúteis ou supérfluos (art.ºs 130.º e 534.º, n.º 1, do CPC). A economia processual fundamenta, por isso, a irrelevância virtual de um acto, i.e., a irrelevância de um acto que, apesar de admissível, é considerado supérfluo antes mesmo de ser praticado. È isso que sucede no tocante ao recurso de apelação no segmento em que tem por objecto a impugnação da decisão da matéria de facto: desde que o excipiente omitiu a alegação dos factos integrantes do pacto simulatório – a participação dos vendedores nesse acordo - e, por força dessa omissão, a excepção peremptória da nulidade do contrato de compra de que emergem os direitos reais dos comproprietários nunca poderá proceder, o exercício pela Relaçáo dos seus poderes-deveres de controlo da correcção da decisão da matéria de facto da 1.ª instância – através da reapreciação das provas e da formação de um convicção autónoma e fundamentada assente nessas provas – é, de todo inútil e, consequentemente, proibida. O acórdão impugnado ao concluir pela desnecessidade de apreciação da prova é, pois, correcto.

Como é correcto também quando observa que, em qualquer caso, i.e., mesmo que o acordo simulatório tivesse sido alegado, a recorrente não deveria ser admitida a fazer a prova, por testemunhas ou por presunção – tanto do contrato simulado como do pacto simulatório. Comprovadamente, a recorrente foi parte no conluio ou na conclusão invocada dado que – como resulta inequivocamente dos factos incontroversamente adquiridos para o processo – tinha perfeita consciência de que, nem ela nem os demais adquirentes da nua propriedade do imóvel pagou qualquer preço, que este, e os encargos associados do contrato de compra e venda, foram pagos pelo seu pai e representante voluntário, que estava separado de facto do cônjuge, sua mãe, vivendo, em condições análogas à dos cônjuges, com a adquirente do direito real menor de habitação, contraente que também não desembolsou qualquer preço.

A recorrente não alegou, no seu articulado de contestação, a excepção peremptória da nulidade assente na simulação do contrato de compra e, o que é mais, reconheceu explícita ou expressamente a propriedade em comum do prédio, alegada como causa petendi pela requerente, compropriedade que tem ínsito o direito potestativo da última de requerer a divisão do prédio. Ainda que se deva entender que não se deu, no tocante à recorrente, a inevitável preclusão de alegação daquela excepção peremptória – por ter sido alegada por um outro interessado – a recorrente, ao contrário do que ocorre com o interessado que alegou a excepção - por comprovadamente ter participado no contrato alegadamente simulado e, portanto, na colusão - não é terceiro e, por isso, não lhe é licito fazer a prova da simulação invocada por testemunhas e por presunção e, segundo a orientação que se tem por correcta, por declarações de parte – inibição que, aliás, o acórdão impugnado foi terminante em sublinhar. Todavia, é com essas provas que a recorrente – como patentemente resulta da alegação do seu recurso de apelação – se propõe fazer a prova da simulação e relativamente às quais alega o erro de apreciação ou de valoração no qual fundamentou a impugnação da decisão da matéria de facto, error in iudicando que pretendia que a Relação, através da sua reponderação ou reapreciação daquelas mesmas provas, corrigisse.

As partes devem actuar em juízo de boa fé, pelo que o processo, ainda que dominado pelo princípio do dispositivo, encontra-se submetido, por inteiro, a um princípio da boa fé que constitui um limite aquele outro princípio (art.º 8.º do CPC). Princípio da boa fé que proíbe o comportamento contraditório que se verifica, designadamente quando a parte actua em venire contra factum proprium, i.e., quando assume, no processo pendente, um comportamento contraditório com aquele que lhe era exigível30.

Ora, no caso é patente a contradição da conduta ou da estratégia processual da recorrente: depois de, num primeiro momento ou num momento inicial, contra se pronuntiatio, ter confessado expressamente que o prédio cuja divisão se pede era comum, num momento posterior - subtraindo-se à preclusão resultante de não ter alegado, no seu articulado de contestação, a excepção peremptória da nulidade, por simulação do contrato de compra e venda constitutivo da compropriedade, através do aproveitamento da alegação dessa excepção peremptória produzida por outro interessado - sustenta, tanto no recurso de apelação, como de revista que, afinal, não existe, por força daquela nulidade, a compropriedade alegada como fundamento do pedido de divisão. Este comportamento processual da recorrente – pela lívida colisão ou contradição das duas condutas sucessivas que o integram – constitui um verdadeiro venire contra factum proprium, a que se deve associar este efeito jurídico-processual: a inibição de se fazer prevalecer da apontada excepção peremptória, alegada por outro interessado (art.º 334.º do Código Civil).

Todas as contas feitas, a derradeira conclusão a tirar é a da correcção do acórdão impugnado e, consequentemente, a da improcedência da revista.

Do percurso argumentativo percorrido extraem-se, como proposições conclusivas mais salientes, as seguintes:

- Os acordos envolvidos na simulação são, sempre, necessariamente, pelo menos dois: o contrato simulado e o pacto simulatório;

- O pacto simulatório é requisito essencial da simulação: sem o primeiro, não se verifica a última;

- O pacto simulatório pode envolver pessoa diversa das partes do negócio simulado, mas os contraentes têm necessariamente, que ser partes ou sujeitos quer do negócio simulado, quer do contrato simulatório;

- Se a nulidade do contrato de compra e venda, por simulação, for arguida, por via de excepção peremptória, na acção de divisão de coisa comum com o único objecto de perimir a situação jurídica de compropriedade alegada, constituída entre os compradores e o direito potestativo de um deles de exigir a divisão, não é necessária a intervenção, naquela acção, dos vendedores;

- A parte que participou no pacto simulatório não dever ser admitida a fazer a sua prova por presunções, por testemunhas ou por declarações de parte, ainda que a nulidade do contrato, com fundamento na simulação, tenha sido alegada por terceiro;

- Age em venire contra factum proprium a parte que depois de no articulado de contestação reconhecer expressamente a existência da propriedade em comum alegada pelo autor da acção de divisão de coisa comum, pretende, posteriormente, prevalecer-se da excepção peremptória da nulidade do contrato de compra e venda, constitutivo da compropriedade, alegada por outro interessado.

A recorrente sucumbe no recurso. Esta sucumbência torna-a objectivamente responsável pelas respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se a revista.

Custas pela recorrente.

2024.11.12

Henrique Antunes (Relator)

Anabela Luna de Carvalho

Manuel Aguiar Pereira

_____________________________________________


1. Ac. do STJ de 23.03.1996, CJ, 96, II, pág. 86.↩︎

2. Por último – e por todos – o Ac. do STJ de 08.02.2024 (995/20).↩︎

3. Acs. do STJ 09.02.2021 (26069/18), 30.09.2020 (4420/18) e 14.03.2019 (8765/16).↩︎

4. Ac. do STJ de 09.02.1993, CJ, 93/I, pág. 143.↩︎

5. Acs. do STJ de 16.07.1985, BMJ n.º 349, pág. 405, e 27.11.2012 (752/2001).↩︎

6. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 163.↩︎

7. Acs. do STJ de 19.05.2002 (02B511), 14.02.2008 (08B180), 14.09.2010 (4432/03) e 14.09.2021 (1307/16).↩︎

8. Ac. da RL de 07.07.1992, CJ, XVII (1992), 4, págs. 192 e 193.↩︎

9. Acs. do STJ de 30.04.2020 (257/17), 26.11.2020(7597/15), 20.03.2019 (6659/08), 24.22.2019 (6906/11) e de 13.09.2018 (687/17).↩︎

10. Mota Pinto, Direitos Reais, Almedina, 1979, págs. 256 e 257; Manuel Rodrigues, A Compropriedade no Direito Civil Português, pág. 20.↩︎

11. Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, 1969, pág. 246 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, Coimbra Editora, 1987, pág. 313.↩︎

12. Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, Coimbra Editora, 1983, pág. 246, Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Reprint, Lisboa, Lex, , 1993, pág. 618, Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Iuris, 1997, págs. 322 e 323, e José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2008, págs. 385 a 391.↩︎

13. Ac. da RP de 08.07.82, CJ, 82, IV, pág. 205, João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL, 2022, págs. 364 e 365, Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II, Reimpressão, Coimbra, 1982, pág. 41, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, cit., pág. 387, e Luís Filipe Pires de Sousa, Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Coimbra Editora, pág. 73.↩︎

14. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2008, 5.ª edição, pág. 682, e Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, V, Invalidade, 2.ª edição, Almedina, pág. 100;↩︎

15. Para um argumentação concludente da falta de bondade da solução sustentada no acórdão, cfr. Mafalda Miranda Barbosa, Falta e Vícios da Vontade: Uma Viagem pela Jurisprudência, disponível em https://www.cidp.pt//revistas/rjlb/2018/06/2018.06_2391_2446.pdf, e Simulação subjectiva, interposição fictícia de pessoas vs. Interposição real de pessoas. A propósito do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de dezembro de 2015, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Cândido de Oliveira, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 717- 728.↩︎

16. Mota Pinto, “Onerosidade e gratuitidade das garantias de dívidas de terceiro na doutrina da falência e da impugnação pauliana”, RDES, Ano XXV, nº 3-4, págs. 236 e 237, e Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, Lisboa, AAFDL, 1995, págs. 481 e 482.↩︎

17. Juan Montero Aroca, Valoración de la prueba, regras legales, Quaderni de “Il giusto processo civile”, 2, Stato di diritto e garanzie processualli, a cura di Franco Cipriani, Atti delle II Giornate internazionali de Diritto processualle civile, Edizione Scientifiche Italiene, 2008, págs. 44 e 45; Acs. do STJ de 22.05.2012 (82/04) e de 19.01.2017 (841/12).↩︎

18. Para a prova da simulação por indícios – necessitas, affectio, habitus, e interpositio – Luís Filipe Pires de Sousa, Prova da Simulação, Julgar, número especial, 2013, págs. 71 a 88, e Acs. da RP 23.03.2020 (17.5T8VFR.P1) e da RG 09.07.2020 (10458/15).↩︎

19. Acs. do STJ de 04.06.2019 (2375/11) e da RG de 16.12.2021 (1544/21.).↩︎

20. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 2.ª edição, Lisboa, Lex, 1996, pág. 245, e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 481; Acs. do STJ 24.09.2013 (1965/04) e de 20.05.2007 (07A1334), e da RG de 15.01.2015 (557/10).↩︎

21. Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCP, 2014, pág. 554, e Ac. da RP 11.01.2021 (589/17).↩︎

22. Ac. do STJ 22.03.2018 (2810/13)↩︎

23. Acs. do STJ de 06.04.2000, www.dgsi.pt., 25.11.1988, BMJ n.º 381, pág. 606, 08.11.84, BMJ n.º 341, pág. 388, e de 21.05.1995, CJ (STJ), III, pág. 15, e Antunes Varela, RLJ Anos 122, pág. 180, e 123, pág. 49.↩︎

24. Vaz Serra, Provas, BMJ n.º 110, pág. 190.↩︎

25. João de Castro Mendes, Do Conceito de Prova, 1961, pág. 251. Duvidoso é também saber se a presunção é uma indução ou uma dedução. Sustentando que se trata de prova por indução, cfr. Manuel de Andrade Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra editora, 1976, pág. 215.↩︎

26. Deve, portanto, existir um enlace preciso e directo entre o facto adquirido e o desconhecido, uma conexão, coerência e congruência entre o primeiro e o segundo, de harmonia com a regra de experiência – mas não é necessário que entre o facto-base e o facto presumido exista um vínculo de absoluta e exclusiva necessidade causal, sendo suficiente uma relação de dependência lógica entre o facto conhecido e o desconhecido. Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2012, pág. 48.↩︎

27. Acs. do STJ de 14.11.2006 (063B3584), 07.05.2009 (08B1170), 18.12.2003 (03B3794), 08.10.2009 (4132/06) e 16.10.2012 (649/04).↩︎

28. V.g., Acs. do STJ de 14.07.2023 (19645/18), 03.11.2021 (4096/18), 14.12.2016 (2604/13), 12.07.2018 (701/14) e 12.02.2019 (882/14).↩︎

29. Acs. do STJ de 16.01.2023 (10979/19) e de 05.04.2022 (1916/18).↩︎

30. João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, cit., pág. 107.↩︎