Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7874/17.4T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

II. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade invers a).

III. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração que decorre da matéria de facto).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO


1. AA, instaurou ação contra, Banco BIC Portugal, SA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €215.693,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, ou, se assim não se entender, seja declarada nula a subscrição das 4 (quatro) obrigações SLN 2006, no montante de €200.000,00, condenando-se o Réu a restituir a indicada quantia ao Autor.

Articula, com utilidade, que o BPN, à data dos factos, era detido totalmente pela SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SA (SLN), sendo que o Autor, como era cliente BPN, e como tinha disponibilidade financeira, o gerente da respetiva conta, sempre o contactou no sentido de propor alguns produtos financeiros que o banco dispunha.

O Autor, sempre lhe manifestou que apenas investia em produtos de capital garantido e que não representassem qualquer risco.

Em 2005, o gerente contactou o Autor no sentido de este subscrever 3 obrigações de €50000,00 com a garantia de capital, o qual, veio a conseguir recuperar. Nessa altura o produto foi apresentado sempre com capital garantido, ressalvando a presença do BPN no mercado como salvaguarda. Em 2006, o Autor voltou a ser contactado sendo-lhe apresentado um produto em tudo semelhante àqueloutro, com as mesmas garantias e muito semelhante a um depósito a prazo que tinha a garantia de capital dada pelo BPN, sendo que  nunca o gestor apresentou qualquer prospeto ou documento sobre os produtos que aconselhava a subscrever, exibindo apenas uma pequena folha com uma breve descrição e a sua rentabilidade, o que, dada a relação de proximidade, entendeu o Autor ser suficiente para ter subscrito quatro obrigações SLN 2006 de €50.000,00 cada num total de €200.000,00.

Ainda assim, bem sabia o Autor que estava a subscrever obrigações da SLN de negócios tendo o indicado funcionário transmitido que estas obrigações eram exatamente iguais às anteriormente subscritas B... sendo que o capital era garantido pelo BPN, aliás, BPN e SLN aparentavam ser a mesma coisa.

Se o Autor soubesse que tais obrigações não tinham capital garantido nunca as teria subscrito, ainda que tivesse recebido até Abril de 2015, os juros previstos, mas, chegada a data do vencimento - 9 de maio de 2016 - não foi reembolsado do capital investido, tendo o Autor reclamado os tais créditos junto do processo de insolvência da G... SA SGPS.

Ademais, alega o Autor ter sido vitima de uma burla por parte do BPN e da sua acionista SLN, uma vez que esta usou o BPN para angariar avultados montantes a investidores, que eram informados pelas funcionários das agências, a mando da direção comercial, que se tratavam de investimentos seguros e garantidos pelo BPN que assegurava o reembolso do capital investido e juros. O Réu, à data BPN, fomentava junto dos seus funcionários a colocação destes produtos atribuindo aos mesmos prémios comerciais.

O Autor tentou reaver do Réu o seu capital, sendo certo que na compra do banco BPN pelo Réu, para além dos ativos também comprou as responsabilidades.

As obrigações SLN 2006 da forma como o BPN interveio à data, na respetiva comercialização, utilizando a força de vendas pelos seus funcionários para garantir a efetiva colocação deste produto e garantindo o reembolso é uma dessas responsabilidades, não podendo o Réu não assumir a mesma porque à data havia uma clara identificação entre BPN e SLN.

O Autor invoca ainda a nulidade da subscrição das quatro obrigações SLN 2006, no montante de €200.000,00, condenando-se a restituir a indicada quantia ao Autor, porquanto qualquer aplicação financeira tem como clausulas essenciais a liquidez, os prazos de reembolso e prazos de vencimento e retribuição, o que, in casu, não sucede, daí que, sendo as cláusulas nulas, nulo é o negócio.

2. Regularmente citado, o Réu apresentou contestação, invocando a exceção de prescrição do direito do Autor e impugnando no essencial a factualidade invocada, referindo que foi explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez.

O Autor, bem sabia, que não estava a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente, tendo sido informado que a única forma de obter liquidez antecipada seria através de cedência das obrigações a um terceiro.

O Autor recebeu sempre o extrato mensal no qual figuram as obrigações na sua carteira de títulos e recebeu os cupões de juros, nunca tendo efetuado qualquer reclamação, a par de que o banco, Réu nunca garantiu o pagamento da emissão das obrigações.

3. O Autor foi convidado a esclarecer quem adquiriu as obrigações, se à data era gerente do Réu, e se ainda o é, devendo juntar para o efeito certidão da matrícula da sociedade para o efeito, e ainda para responder por escrito à exceção.

4. Em audiência prévia relegou-se para a decisão final o conhecimento da exceção de prescrição, tendo sido enunciado o objeto do litígio e fixados os temas de prova.

5. Calendarizada e realizada a audiência final foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “Em face do exposto, julga-se a ação improcedente e, em consequência, absolve-se o réu do pedido. Custas pelo autor.”

6. Inconformado, o Autor/AA recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão, com voto de vencido, em cujo dispositivo foi declarado: “Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida. Custas pelo apelante.”

7. Irresignado, o Autor/AA insurgiu-se contra a decisão proferida em 2.ª Instância, tendo interposto recurso de revista, aduzindo as seguintes conclusões:

“A) Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre a rectificação de erros materiais requerida, em razão do erro de escrita apontado ao artigo 22º do probatório, conforme alegado na 2ª conclusão da apelação e especificamente concretizado no caso concreto a págs. 18-19 das alegações da apelação, nos termos do artigo 614º, nº2, ex vi do artigo 666º, nº1 e 674º, nº1, al.ª c) do CPC;

B) A rectificação pode ter lugar ex officio e a todo o tempo – art. 614º, nº3 CPC;

C) Em consequência, deve proceder-se à sanação da invocada nulidade, por substituição, se necessário, através da rectificação da redação dada ao artigo 22º do probatório, passando a constar: “Se o A. soubesse que as obrigações poderiam não ser pagas, no prazo de vencimento, não as teria subscrito”.

D) Nos termos do artigo 614º, nº 2 ex vi do artigo 666º do CPC, requer-se, seja proferido despacho de rectificação do erro de escrita invocado nas conclusões anteriores, considerando-se tal despacho como integrante do acórdão recorrido.

E) Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido padece de erro na fixação de facto material da causa por violação da força probatória dos meios de prova invocados, passível de recurso de revista nos termos do artigo 674º, nº3 (in fine) CPC, designadamente, por omissão de selecção e julgamento do art. 37º da P.I., manifestamente relevante para a boa decisão da causa, alegado na conclusão 4ª da apelação e concretizado a pág. 15 das alegações; bem como o erro de julgamento do art. 24º da P.I., o qual, tendo sido selecionado, foi dado “não provado” [1.2-Factos Não Provados] decisão contra a qual o recorrente se insurgiu nas conclusões 3ª e 9ª (terceiro parágrafo) das alegações da apelação, mas que teria de ser dado provado “por acordo”, de acordo com a força probatória legalmente fixada no artigo 574º, nº2 do CPC, posto que os invocados arts 24º e 37º da P.I. respeitam a factos pessoais que não foram impugnados pelo R. na contestação.

F) É manifestamente relevante para a sorte da lide e boa decisão da causa que a decisão da matéria de facto recorrida apresente a matéria de facto completa e contextualizada, dentro dos limites materiais da força probatória do que foi alegado, o que não sucedeu, no que respeita ao acórdão recorrido.

G) A livre apreciação das provas não abrange os factos que estejam plenamente provados por acordo, porque não contestados, como sucede relativamente aos factos pessoais invocados nos arts. 24º e 37º da PI - art. 607º, nº5 (in fine) CPC.

H) Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido padece de erro metodológico e deficiente fundamentação da decisão de indeferimento em bloco de todo o recurso sobre a matéria de facto impugnada nas 2º a 9º conclusões da apelação, por violação do dever de fundamentação constante do artigo 607º, nº4 do CPC, aplicável ao recurso de apelação por força do artigo 663º, nº 2 do mesmo Código, fazendo tábua raza da “Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto” contante do ponto 1.3 da sentença, que impunha decisão diversa da recorrida.

I) Acontece que o acórdão recorrido não dá a conhecer se durante o julgamento do recurso foi ouvida (ou não) a prova gravada indicada (o que inculca que não foi), e sem que tenha procedido ao exame dos concretos pontos de facto impugnados, apesar da análise crítica dos meios de prova impugnados no recurso e o invocado ponto 1.3-Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto.

J) Na verdade, o acórdão recorrido limitou-se a indeferir em bloco todo o recurso da decisão sobre a matéria de facto provada, em clara violação do dever de fundamentação previsto no artigo 607º, nº4 do CPC, aplicável ao recurso de apelação por força do artigo 663º, nº 2 do mesmo Código, sendo inclusive fundamento de nulidade por falta de fundamentação nos termos do artigo 615º do nº1 alínea b) do CPC, aplicável à apelação por força do artigo 666º do mesmo Código.

K) Uma insuficiente, deficiente ou obscura fundamentação e decisão do recurso sobre a matéria de facto compromete fatalmente o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contende com o acesso à Justiça e à tutela efectiva, consagrado como direito fundamental no art. 20º da Constituição da República.

L) Embora do ponto de vista puramente formal o acórdão recorrido tenha fundamentado a decisão de indeferir o recurso da matéria de facto, nos termos telegráficos e em bloco como o fez, porém, não deu cabal cumprimento ao dever de fundamentação, com a análise e densificação que se impunha no caso concreto.

M) Apesar do evidente erro metodológico e deficiente fundamentação da decisão de indeferir em bloco todo o recurso sobre a matéria de facto, o acórdão recorrido termina por confirmar a decisão da sentença de 1ª instância, aí se incluindo, evidentemente, o ponto 1.3-Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto.

N) Nessa medida, para efeitos deste recurso de revista, o Recorrente prescinde de arguir a nulidade por falta de fundamentação do recurso sobre a matéria de facto, posto que se conforma, nesta parte, com o sentido do julgamento da matéria de facto, quando completado com a devida fundamentação, exteriorizada no ponto 1.3-Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto da sentença, considerado essencial para a boa solução da matéria de direito objecto da causa.

O) Por outro lado, o acórdão recorrido padece de erro metodológico e deficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de direito, porquanto o acórdão recorrido limitou-se a transcrever determinados excertos tirados de outros acórdãos, para os quais simplesmente remete, mas que não constituem jurisprudência uniforme e reiterada (tanto que mereceu um voto de vencido), sem que tivesse apreciado concretamente os detalhes do caso sub judice (designadamente os arts. 7º, 8º, 13º 15º, 16º, 21º e 22º do probatório, devidamente contextualizados de acordo com a leitura e reprodução da “Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto” contante do ponto 1.3 da sentença), e sem que se verificassem os requisitos exigidos pelo artigo 656º do CPC, que se considera violado.

P) O que serve para colocar ainda mais em evidência o desacerto da decisão.

Q) Em face da oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão deste STJ de 06/06/2019, no proc. nº 3195/16.8T8LRA.L1-2 (disponível em dgsi.pt) em cujas razões se baseou o Exmo. Desembargador António Valente para votar de vencido, deverá prevalecer a orientação deste último acórdão fundamento.

R) Com efeito, o acórdão recorrido padece de erro de julgamento da matéria de direito, quanto à questão da ilicitude pressuposto da responsabilidade do banco R. enquanto intermediário financeiro, por violação direta dos deveres de informação e de evitar conflitos de interesse a que se encontrava obrigado, previstos desde logo no considerando (86) e nos artigos 23º, nº1 e 24º, nº1 da Directiva 2014/65/EU e correspondentes artigos 7º, nº1, 304º, 309º, 312º, 314º, 321º, nº2 e 389, nº1, al.ª a) do CVM (na redação do DL 486/99, em vigor à data dos factos), o artigo 12º-C do CVM/99 (aditado pelo DL 52/2006) e os arts. 77º e 77º-E do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

S) Face aos circunstancialismos de facto provados (os acima invocados arts. 2º, 3º, 4º, 7º, 9º, 10º, 11º, 13º, 14º, 15º, 16º, 22º do probatório, acrescidos dos invocados arts. 24º e 37º da P.I. que devem ser dados como “provados”, devidamente enquadrados e contextualizados de acordo com o ponto “1.3-Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto” da sentença de 1ª instância e com a exposição de motivos da Lei n.º 62-A/2008, de 11/11 (nacionalização do BPN) constante da Proposta de Lei n.º 230/X, é forçoso concluir que o banco Réu violou os princípios de atuação de forma honesta, equitativa e profissional e a obrigação de atuar de forma correta, clara e não enganosa nas suas relações com o A. enquanto consumidor, em clara violação dos artigos 23º, nº1 e 24º, nº1 e da Directiva 2014/65/EU e dos correspectivos deveres de informação previstos no ar-tigo 312º CVM/99 e dos deveres de evitar conflito de interesses previstos no artigo 309º/99 do CVM/99, a que se encontrava obrigado.

T) Como acima melhor desenvolvido, a informação prestada banco réu, enquanto intermediário financeiro ao A. não foi atual, não foi objectiva, não foi completa, não foi verdadeira, não foi clara e induziu o Autor em erro, nas circunstâncias descritas em que o A. foi induzido a subscrever as obrigações em causa, no quadro da relação de confiança com o gerente de conta Sr. BB, que o convenceu tratar-se de um produto semelhante a um depósito a prazo (que não é), asseverando “ser produto seguro e de grande liquidez”.

U) Ficou demonstrado que se o A soubesse que as obrigações não seriam pagas, no prazo do vencimento, não as teria subscrito (art. 22º do probatório), o que só por si é incompatível com um depósito a prazo, sendo certo que o banco Réu não podia ignorar a essencialidade para o A. deste aspecto do negócio, traduzido no direito à restituição do valor correspondente no fim do prazo acordado (art. 1185º do C.C.), tendo induzido o A. em erro (art. 247º do CC).

V) O banco Réu omitiu os riscos associados ao produto, nomeadamente quanto ao risco de perdas, nas circunstâncias provadas em que se tratava de obrigações emitidas pela SLN sócia única do ramo não financeiro do banco R., cujas imparidades levaram à sua ruína, sem que tivesse sido explicada a verdadeira situação financeira da emitente SLN (que os legais representantes do R. não podiam ignorar, independentemente da consciência ou não do funcionário do banco).

W) E tendo em conta a detecção da prática de ilegalidades que vieram a dar lugar a averiguações e à instauração de vários processos de contraordenação e denúncia junto da Procuradoria-Geral da República, (veja-se a exposição de motivos da Lei n.º 62-A/2008, de 11/11 contante da Proposta de Lei n.º 230/X), culminado com a condenação do banco Réu no processo 21/2010 de contraordenação da CMVM devido às práticas agressivas e violação clara dos deveres de informação na transação das mesmas obrigações SLN aqui em causa, culminado com a sua nacionalizado pela Lei n.º 62-A/2008, de 11/11 e com a aplicação de penas efectivas de prisão ao ex-presidente do grupo, o que é facto notório de conhecimento público e funcional do TRL e STJ.

X) Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido padece de erro de julgamento da matéria de direito, quanto à questão da repartição do ónus da prova e à apreciação de culpa, por errada interpretação e aplicação do nº 2 do artigo 314º, do CVM/99 e demais requisitos da responsabilidade civil.

Y) Ao contrário do acórdão recorrido, é sobre o intermediário financeiro (que não sobre o cliente) que recai o ónus de alegar provar que uma eventual conduta ilícita e danosa não lhe é subjectivamente imputável a título de dolo ou negligência, tendo em consideração os “elevados padrões de diligência” referidos no nº 2 do art. 304º, do CVM/99, e a presunção de culpa constante do nº 2, do art. 314º, que se estende à responsabilidade pré-contratual e se aplica, automaticamente, no caso de violação dos deveres de informação – como bem referido no invocado acórdão deste STJ de 06/06/2019, proc. nº 3195/16.8T8LRA.L1-2, em cujas razões se fundou o voto de vencido, que seguimos.

Z) Quanto ao dano indemnizável na responsabilidade por informações, não há dúvidas de que abrange o interesse contratual negativo, ou seja, aos danos que o lesado não teria sofrido se não lhe fosse prestada a informação deficiente.

AA) Quanto ao nexo de causalidade, ao contrário do que defende o acórdão recorrido, para efeitos de imputação dos danos, a doutrina vem entendendo que o nº2 do artigo 304º contém igualmente uma presunção de causalidade - Menezes Cordeiro estende tal presunção não só ao nexo de causalidade, mas igualmente à ilicitude (“Manual de Direito Bancário”, 3ª ed., Coimbra, pp.395-397), no mesmo sentido o Ac. STJ de 06/06/2019 e o Ac. TRL de 06-12-2017, entre outros.

BB) Ora o banco R. não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelo Recorrente.

CC) Temos assim, uma conduta ilícita do R., intermediário financeiro, consistente na deficiente prestação de informação, que era devida ao A./ cliente, nas circunstâncias fáctico-jurídicas acima melhor desenvolvidas, no quadro do evidente conflito de interesses, com grave violação dos deveres que sobre o R. impendiam sobre tal, conduta omissiva essa que causou prejuízo do A. ao não reembolso das obrigações adquiridas, presumindo-se a culpa, uma vez que aquele prejuízo foi originado pela violação de deveres de informação.

DD) A conduta do Banco foi assim causal do prejuízo (não reembolso do capital) sofrido pelo A. – evidenciando-se, assim, o dano e o nexo de causalidade entre a violação dos deveres a que o R. estava adstrito e o prejuízo sofrido.

EE) O banco Réu, enquanto intermediário financeiro é responsável civilmente perante o A. nos termos do artigo 314º, nºs 1 e 2 do CVM/99 e a forma de indemnizar decorre do artigo 562º do Código Civil, segundo o qual quem estiver obrigado a reparar o dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obrigação da reparação (reconstituição natural), entregando-lhe o valor correspondente ao capital investido na obrigação «SLN», determinante da condenação do banco Réu a pagar ao A. o montante peticionado.

FF) Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido padece de erro de julgamento da matéria de direito, quanto a questão da prescrição, por errada interpretação e aplicação do artº 324º nº 2 do CVM/99 e violação do art. 309º CC, cujo ónus da prova do decurso do prazo prescricional impende sobre o réu, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 342.º do CC, na medida em que o acórdão recorrido confirmou a sentença de 1ª instância, sem excepção, não tendo declarado prejudicada esta questão face à solução do pleito.

GG) Ao contrário da sentença de 1ª instância, confirmada pelo acórdão recorrido, demonstrou-se que a atuação do banco Réu é qualificável como dolosa ou pelo menos de culpa grave, o que constitui uma excepção ao prazo curto fixado no art. 324.º, n.º 2 do CVM, e remete-nos para o prazo geral de prescrição mais alargado (art. 309.º do CC), pelo que não prescreveu o direito do A.

HH) Mal andaram as instâncias, tendo incorrido em erro de julgamento quanto a questão da prescrição, por errada interpretação e aplicação do artº 324º nº 2 do CVM/99 e violação do art. 309º CC (conclusões 48º e 49º da apelação).

II) Termos em que deve ser revogado o acórdão recorrido que confirmou a sentença de 1ª instância e a excepção de prescrição ser declarada improcedente.

JJ) Face a tudo o exposto, é forçoso concluir que o acórdão recorrido é merecedor de censura, devendo prevalecer a orientação perfilhada sobre as mesmas questões de direito no invocado voto de vencido e jurisprudência firmada pelo ac. deste STJ de 06/06/2019, no proc. nº 3195/16.8T8LRA.L1-2 (in dgsi.pt), determinante da procedência da acção e da condenação do Réu no pedido formulado

KK) Deve ser revogada a decisão quanto a custas e as mesmas ficarem a cargo da contraparte que lhes deu causa, em ambas as instâncias - art. 527º do CPC.

LL) Ao não ter julgado de acordo com as antecedentes conclusões, o douto acórdão recorrido violou as sobrecitadas disposições legais.

NESTES TERMOS, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o acórdão recorrido e, em substituição, ser a acção julgada totalmente procedente e a Ré condenada no pedido, conforme peticionado como é de DIREITO e de JUSTIÇA!”

8. O Recorrido/Banco BIC Portugal, SA, apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência da presente revista, e por via dela, pela manutenção da decisão recorrida.

9. Este Tribunal ad quem entendeu justificar-se a baixa do processo para que fosse proferido o despacho a que alude o art.º 617º n.º 1 do Código de Processo Civil, a incidir sobre a invocada nulidade do acórdão, suportada em argumentação assente em diversas alíneas do art.º 615º do Código de Processo Civil, discreteada ao longo das conclusões recursivas.

10. Entretanto, foi proferida decisão pela Relação, cujo teor se transcreve: “Em obediência ao decidido, passa a proferir-se despacho, nos termos do art. 617º, nº1, do C.P.Civil.

Nas conclusões referentes ao recurso de apelação, não qualifica o apelante, como correcção de erro de escrita, a requerida alteração à redacção do ponto 22 da matéria de facto provada - pelo que não haveria que, como tal, a apreciar no acórdão proferido.

Assim sendo, improcede a arguida nulidade, no tocante à pretendida rectificação.

Quanto à demais matéria, e como decorre das suas conclusões no recurso de revista, o recorrente, embora invocando-a, prescindiu expressamente da arguição de nulidade, conformando-se com o respectivo julgamento.

Subam, de novo, os autos.”

11. Por decisão singular deste Tribunal ad quem, foram os autos suspensos até ao trânsito em julgado dos autos para pendentes para uniformização de jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via de recurso admitidos no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.

12. Os autos para uniformização de jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via de recurso admitido no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. já transitaram em julgado.

13. Foram dispensados os vistos.

14. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Autor/AA, consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos Provados:

1° Banco Bic Português, SA., R., é um banco comercial, que girava anteriormente sob a denominação BPN Banco Português de Negócios, SA.

2° Até à nacionalização do BPN - Banco Português de Negócios, S.A. (operada pela Lei n.º 62-N2008, de 11/11), a totalidade do seu capital social era detida pela sociedade então denominada SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA.

3° BPN - Banco Português de Negócios, SA., até à data da nacionalização do seu capital, era, simultaneamente, uma instituição de crédito e um intermediário financeiro.

4° O A. foi cliente do BPN desde o seu início, quer pessoalmente, quer como gerente na R... Lda. na agência de ..., ....

5° A SLN — Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, emitiu 1000 obrigações subordinadas, sob a forma escriturada, ao portador, com o valor nominal de 50.000 €, com reembolso a 10 anos, amortização ao par, de uma só vez em 8/5/2016.

6° A operação foi lançada em Abril de 2006.

7° Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.

8° O funcionário do balcão em que o A. tinha depositadas as suas quantias acreditava que as Obrigações SLN 2006 que vendiam era produto seguro e não oferecia risco para os subscritores.

9° A R..., Lda, detinha depositado no R. em 2006, €200.000.

10° O A., enquanto legal representante da R... Lda. deu, em 18/4/2006, uma ordem de subscrição de 4 Obrigações SLN 2006, no valor de €50.000, cada, totalizando €200.000.

11° As 4 obrigações SNL2006 foram transmitidas ao A. pessoalmente, em 2007, pela necessidade de liquidez por parte da sociedade R..., Lda

12° Foi explicado ao A. que poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação SLN 2006 a terceiros, o que o A. fez relativamente à sociedade R..., Lda

13° O A, foi informado pelo funcionário do R. que a Obrigação seria remunerada a uma taxa de juro anual nominal bruta de 4,5% no primeiro semestre, e à taxa Euribor a 6 meses mais 1,15% nos nove cupões seguintes e à taxa Euribor mais 1,5% nos restantes cupões.

14° A SLN pagou os juros referentes às Obrigações SLN 2006 até Abril de 2015, mas não reembolsou o capital na data do vencimento, a 9/52016.

15° Nas conversas tidas com o Sr. BB, gerente de conta da R., não foi apresentado nenhum prospecto ou documento sobre os produtos que aconselhou a subscrever.

16º Mas era apresentada uma folha com uma breve descrição com prazo de emissão, e a sua rentabilidade e formas de obtenção de liquidez antecipada, que era suficiente para o A. decidir sobre os investimentos a efectuar, dada a relação de confiança com o Sr. BB.

17° Na altura, o produto SLN2006 tinha muita procura por os juros serem superiores aos dos depósitos a prazo.

18° O A. bem sabia que estava a subscrever obrigações da Sociedade L..., SGPS, tendo o funcionário do BPN dito que estas obrigações eram semelhantes às subscritas BPN 2005.

19° O A. é sócio-gerente da R..., Lda

20° O A. investia em produtos com maior rentabilidade diferentes de depósitos a prazo.

21° O A. subscreveu a Obrigação SLN 2006, por se tratar de produto seguro e bem remunerado e se tratar da proprietária do Banco.

22° Se o A. soubesse que as obrigações não seriam pagas, no prazo do vencimento, não seriam pagas.”

Factos Não Provados.

“- Que as administrações do BPN e da SLN se confundissem;

- Que foi elaborado um plano pelos dirigentes do banco com vista ao apossamento de grande parte das quantias que os seus clientes tinham depositadas;

- Que tenham sido dadas instruções à direcção comercial do Banco para através das suas agências colocarem junto de clientes e investidores estas obrigações e para retransmitir aos mesmos que se tratava de investimento seguro e garantido pelo BPN que assegurava o reembolso do capital investido e respectivos juros.

- Que a R. à data BPN fomentava junto dos funcionários a colocação destes produtos atribuindo aos mesmos prémios comerciais significativos.

- Que o funcionário do banco tivesse assegurado ao A. que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco”.


II. 3. Do Direito


O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano? (1)

Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo, perante a facticidade demonstrada nos autos concluiu, no segmento decisório, com voto de vencido, pela confirmação da decisão proferida em 1ª Instância que absolveu o Réu/Banco BIC Portugal, SA. do pedido.

O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo.

Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta pelo Autor/AA, o Tribunal recorrido proferiu aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo posto em crise com a interposição da presente revista.

Elaborando o enquadramento jurídico que a facticidade demonstrada exige, diremos que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de atividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, são atividades de intermediação financeira: a) Os serviços de investimento em valores mobiliários; b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento; c) A gestão de instituições de investimento coletivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições, sublinhando, outrossim, que os serviços de investimento compreendem: a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.

O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

Subsumida a facticidade adquirida processualmente, não temos dificuldade em reconhecer, aliás, pacificamente aceite pelas partes, a celebração de um negócio jurídico, qualificado como contrato de intermediação financeira.

Sendo, pois, incontroversa, a qualificação jurídica do ajuizado negócio, impõe-se saber e decidir, se o Banco/Réu violou deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição do produto financeiro articulado, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu é responsável pela pretensão jurídica arrogada nestes autos.

Neste particular, sublinhamos, desde já, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.

Colhemos do Código dos Valores Mobiliários que os intermediários financeiros, enquanto entidades que exercem, a título profissional, atividades de intermediação financeira, estão sujeitos a múltiplos deveres de informação, sejam deveres comuns ou específicos do serviço de investimento/auxiliar que em cada caso concreto esteja em causa.

Enunciamos, de seguida, os preceitos legais que importam aos princípios que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respetiva atividade; os deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo; os preceitos legais atinentes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

O art.º 304º do Código dos Valores Mobiliários estabelece os princípios que devem orientar a atividade dos intermediários financeiros:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.”

O art.º 312º do Código dos Valores Mobiliários, estatui, acerca dos princípios gerais do intermediário financeiro, concretamente os deveres de informação:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

Ainda quanto ao dever de informação, o art.º 7º do Código dos Valores Mobiliários, preceitua no seu n.º 1:

“1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.”

De igual modo, refira-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários, relaciona os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes, deve pôr à disposição destes os valores mobiliários pelo mesmo preço por que os adquiriu.”

Ademais, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º, a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das atividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respetiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso, proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Merecendo, a este propósito ser sublinhado o art.º 77.º, n.º 1, do consignado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que estatui:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

Dos enunciados normativos importa reter que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objetiva, completa, verdadeira, atual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

Doutrina e Jurisprudência reconhecem, pacificamente, resultar dos enunciados preceitos legais, impor-se ao intermediário financeiro, para além do dever de informação, clara e relevante para a opção que pretende tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do investidor, cliente, sendo certo que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta, ao cabo e ao resto, no dever de agir de boa-fé, neste sentido, Agostinho Cardoso Guedes, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, Gonçalo Castilho dos Santos, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018.

Conforme decorre da lei, o dever de informação exigido ao intermediário financeiro inclui um dever de recolha de informação (sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento), um dever de avaliação da adequação do investimento proposto ao cliente.

No que tange à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor por violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, estabelece o art.º 314º do Código dos Valores Mobiliários:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Necessariamente esta responsabilidade pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a demonstração do facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Para o caso trazido a Juízo releva especialmente o facto de ter sido uniformizada jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que, a respeito do pressuposto da ilicitude, consignou a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”

Outrossim, a propósito do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao exigido nexo de causalidade entre o facto e o dano, decorre do enunciado acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que a demonstração desse nexo de causalidade constitui ónus do investidor, ainda que não qualificado, como resulta do ponto 1 do sumário do consignado AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respetiva resposta uniformizador, cujo teor adiante se declara:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” 

Daqui se colhe a firme orientação segundo a qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, ficando clarificado, não poder aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude.

Elaborada a caracterização e enquadramento jurídico, relembremos a decisão da matéria de facto relevante para daí podermos conhecer da alegada violação dos deveres de informação, por parte Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, impondo-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostas ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação.

Relembremos os factos adquiridos processualmente.

“1° Banco Bic Português, SA., R., é um banco comercial, que girava anteriormente sob a denominação BPN Banco Português de Negócios, SA.

2° Até à nacionalização do BPN - Banco Português de Negócios, S.A. (operada pela Lei n.° 62-N2008, de 11/11), a totalidade do seu capital social era detida pela sociedade então denominada SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA.

3° BPN - Banco Português de Negócios, SA., até à data da nacionalização do seu capital, era, simultaneamente, uma instituição de crédito e um intermediário financeiro.

4° O A. foi cliente do BPN desde o seu início, quer pessoalmente, quer como gerente na R... Lda. na agência de ..., ....

5° A SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, emitiu 1000 obrigações subordinadas, sob a forma escriturada, ao portador, com o valor nominal de 50.000 €, com reembolso a 10 anos, amortização ao par, de uma só vez em 8/5/2016.

6° A operação foi lançada em Abril de 2006.

7° Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.

8° O funcionário do balcão em que o A. tinha depositadas as suas quantias acreditava que as Obrigações SLN 2006 que vendiam era produto seguro e não oferecia risco para os subscritores.

9° A R..., Lda, detinha depositado no R. em 2006, €200.000.

10° O A., enquanto legal representante da R... Lda. deu, em 18/4/2006, uma ordem de subscrição de 4 Obrigações SLN 2006, no valor de € 50.000, cada, totalizando € 200.000.

11° As 4 obrigações SNL2006 foram transmitidas ao A. pessoalmente, em 2007, pela necessidade de liquidez por parte da sociedade R..., Lda

12° Foi explicado ao A. que poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação SLN 2006 a terceiros, o que o A. fez relativamente à sociedade R..., Lda

13° O A, foi informado pelo funcionário do R. que a Obrigação seria remunerada a uma taxa de juro anual nominal bruta de 4,5% no primeiro semestre, e à taxa Euribor a 6 meses mais 1,15% nos nove cupões seguintes e à taxa Euribor mais 1,5% nos restantes cupões.

14° A SLN pagou os juros referentes às Obrigações SLN 2006 até Abril de 2015, mas não reembolsou o capital na data do vencimento, a 9/52016.

15° Nas conversas tidas com o Sr. BB, gerente de conta da R., não foi apresentado nenhum prospecto ou documento sobre os produtos que aconselhou a subscrever.

16º Mas era apresentada uma folha com uma breve descrição com prazo de emissão, e a sua rentabilidade e formas de obtenção de liquidez antecipada, que era suficiente para o A. decidir sobre os investimentos a efectuar, dada a relação de confiança com o Sr. BB.

17° Na altura, o produto SLN2006 tinha muita procura por os juros serem superiores aos dos depósitos a prazo.

18° O A. bem sabia que estava a subscrever obrigações da Sociedade L..., SGPS, tendo o funcionário do BPN dito que estas obrigações eram semelhantes às subscritas BPN 2005.

19° O A. é sócio-gerente da R..., Lda

20° O A. investia em produtos com maior rentabilidade diferentes de depósitos a prazo.

21° O A. subscreveu a Obrigação SLN 2006, por se tratar de produto seguro e bem remunerado e se tratar da proprietária do Banco.

22° Se o A. soubesse que as obrigações não seriam pagas, no prazo do vencimento, não seriam pagas.”

De igual modo, os Factos Não Provados.

“- Que as administrações do BPN e da SLN se confundissem;

- Que foi elaborado um plano pelos dirigentes do banco com vista ao apossamento de grande parte das quantias que os seus clientes tinham depositadas;

- Que tenham sido dadas instruções à direcção comercial do Banco para através das suas agências colocarem junto de clientes e investidores estas obrigações e para retransmitir aos mesmos que se tratava de investimento seguro e garantido pelo BPN que assegurava o reembolso do capital investido e respectivos juros.

- Que a R. à data BPN fomentava junto dos funcionários a colocação destes produtos atribuindo aos mesmos prémios comerciais significativos.

- Que o funcionário do banco tivesse assegurado ao A. que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco”.

Daqui decorre ser o Autor/AA titular de quatro obrigações subordinadas, adquiridas por transmissão da sociedade, R..., Lda, primitiva titular das obrigações ajuizadas, de que era sócio-gerente e representante legal, e que outorgou com o BPN, ora Réu/Banco BIC Portugal, SA. a sua aquisição e posterior transmissão para a sua esfera patrimonial, pela necessidade de liquidez por parte da sociedade R..., Lda, tendo sido informado, pelo funcionário do BPN, ora Réu/Banco BIC Portugal, SA. sobre a remuneração do produto financeiro em causa, a par de lhe ser apresentada uma folha com uma breve descrição com prazo de emissão, e a sua rentabilidade e formas de obtenção de liquidez antecipada, que era suficiente para o Autor decidir sobre os investimentos a efetuar, dada a relação de confiança com aludido funcionário do BPN, bem sabendo o Autor que estava a subscrever obrigações da Sociedade L..., SGPS, tendo o funcionário do BPN dito que estas obrigações eram semelhantes às já subscritas BPN 2005, apurando-se também que o Autor investia em produtos com maior rentabilidade diferentes de depósitos a prazo, tendo subscrito as articuladas obrigações subordinadas por se tratar de produto seguro e bem remunerado, não sendo despiciendo observar estar indemonstrado que o funcionário do banco tivesse assegurado ao Autor que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco.

Está, pois, adquirido processualmente que o Autor possuía conhecimentos sobre os diversos tipos de produtos financeiros, concretamente, as obrigações subordinadas, e sabia avaliar, por isso, os riscos da aplicação neste produto financeiro, sendo certo que estava convencido de que a subscrição do produto era igual aqueloutra já levada a cabo no ano de 2005, sendo que o Autor investia em produtos com maior rentabilidade diferentes de depósitos a prazo, daí que as ajuizadas obrigações subordinadas foram subscritas por estar convencido de que se tratava de produto seguro e bem remunerado, sendo que não se apurou nos autos que o seu retorno estivesse assegurado ou garantido pelo próprio Banco, Réu.


Esta facticidade condizente à conduta do BPN, ora Réu/Banco BIC Portugal, SA., deverá ser compreendida à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais - art.º 236º do Código Civil - donde, só poderá significar que o Autor bem sabia os riscos que corria, estando ajustadamente informado sobre o produto, aliás, não era a primeira vez que o Autor procedia a investimentos desta natureza. É isto que decorre das regras da normalidade do acontecer e da relação de confiança com uma instituição bancária que não pode deixar de ser ponderada no interesse do próprio sistema financeiro.

O BPN, ora Réu/Banco BIC Portugal, SA. cumpriu o compromisso assumido de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do Autor, enquanto investidor e cliente, de tal sorte que se impõe reconhecer que agiu conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, que lhe eram impostos, enquanto intermediário financeiro, tudo isto, no interesse legítimo do seu cliente, aqui Autor, procedendo com boa-fé, fornecendo as informações de que dispunha, e tudo se desenhava para que o investimento fosse rentável.

Inverificada a ilicitude da conduta do BPN, ora Réu/Banco BIC Portugal, SA., na violação do arrogado dever de informação, enquanto pressuposto basilar da responsabilidade civil contratual, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira, torna-se despiciendo discutir aqueloutros argumentos esgrimidos, em especial os demais pressupostos exigíveis à responsabilidade civil.

Em face da facticidade demonstrada, a subsumir juridicamente, nos termos consignados, não reconhecemos à argumentação aduzida pelo Recorrente/Autor/AA virtualidade bastante no sentido de alterar a decisão recorrida, merecendo esta a aprovação deste Tribunal ad quem.


III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, negando-se a revista, mantendo-se, consequentemente, o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente/Autor/AA.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 27 de outubro de 2022

                                                         

Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes