Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2481/20.7T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CONTRATO DE SEGURO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
CRITÉRIO DE QUANTIFICAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
Data do Acordão: 09/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DA RÉ E CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA DA AUTORA
Sumário :
I. Atendendo a que a lesada tinha 17 anos à data do acidente de viação, uma expectativa de vida de 66 anos (para uma esperança de vida de 83 anos), que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 35 pontos e que, com a sua futura licenciatura na área de Gestão, ganhará, futura e previsivelmente, uma remuneração mensal de cerca de €1.250,00, afigura-se adequada, equitativa e proporcional, uma indemnização de € 200.000 pelo dano biológico;

II. Considerando que frequentava o 11º ano de escolaridade, tendo reprovado um ano lectivo em consequência das lesões sofridas, que as lesões de que foi vítima do acidente em 4.6.2017 só atingiram a sua consolidação médico legal em 8.7.2019, período durante o qual foi operada e sujeita a várias sessões de fisioterapia e tratamento fisiátrico, tendo ficado como sequela uma cicatriz cirúrgica a nível da bacia do lado esquerdo com cerca de 20 cm de extensão, que o quantum doloris foi fixado em 5, numa escala crescente de 1 a 7; que a referida cicatriz na mesma escala crescente de 1 a 7, lhe confere um dano estético fixável no grau 4, que tem um prejuízo de afirmação pessoal de 2 (em 5), que as queixas, lesões e sequelas numa escala crescente de 1 a 7 lhe conferem uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7, que as lesões referidas lhe causam uma repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 2/7, que ficou com um défice funcional de 35 pontos, que implicam esforços suplementares e que necessita actualmente e necessitará no futuro de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de psiquiatria e fisiatria e de realizar tratamento fisiátrico, atribui-se a indemnização por danos não patrimoniais de € 90.000.

Decisão Texto Integral: Revista nº 2481/20.7T8BRG.G1.S1

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


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AA intentou contra a R. Ageas Portugal– Companhia de Seguros, S.A., acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que se condene a R. a: pagar-lhe uma indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pela mesma sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos e já quantificados, de montante nunca inferior a € 629.760,00; a pagar-lhe uma indemnização a acrescer à primeira e cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de incidente de liquidação ou execução de sentença, a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros: a) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da Autora de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Psiquiatria, Psicologia, Neuropsicológica, Neurologia, Neurocirurgia, Ortopedia, Fisiatria, Cirurgia Plástica e Ginecologia para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas; b) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da A., de realizar tratamento fisiátrico (duas/quatro vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões) para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas; c) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da A., de ajuda medicamentosa– antidepressivos, anti-inflamatórios e analgésicos – para superar as consequências físicas das lesões e sequelas; d) decorrentes da necessidade actual e futura, por parte da A., de se submeter a várias intervenções cirúrgicas e plásticas, a vários internamentos hospitalares, de efectuar várias despesas hospitalares, de efectuar vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, bem como de efectuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correcção das lesões e sequelas; e) montantes esses, atualmente impossíveis de concretizar, mas cuja total e integral concretização e quantificação se relega para posterior incidente de liquidação ou execução de sentença a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros; a pagar-lhe, a) pela não apresentação por escrito à A. de uma proposta razoável/consolidada e fundamentada de indemnização final por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, por parte da R./Seguradora à A./Lesada, nos prazos devidos (37.º, n.º 1 alínea c) DL n.º 291/2007) e conforme previsto no art. 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, deve ser a R. condenada no pagamento à A. dos juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre os montantes que vierem a ser fixados à A. na decisão judicial a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos no art. 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 22/07/2019 ou de 27/05/2020 (dado que o termo do prazo de 15 dias, contados após a data da alta clínica atribuída pela própria R. à A. em 08/07/2019 que teve assim lugar em 22/07/2019, bem como o termo do prazo de 45 dias a contar da data da formulação e recepção do pedido de indemnização formulado pela A. à R. em 13/04/2020 teve assim lugar em 27/05/20120), ou contados desde a data da citação da R., ou desde a data que vier a ser estabelecida na decisão judicial e até efectivo e integral pagamento, os quais a A. desde já peticiona da R., ou, b) deve ser a R. condenada no pagamento dos juros vincendos a incidir sobres as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação da R. e sempre até efetivo e integral pagamento, os quais a A. desde já peticiona da R.

Alega, para tanto, e em síntese, a ocorrência de um acidente de viação, causado por culpa do condutor do veículo segurado na R., e que sofreu, por força desse acidente, danos patrimoniais e não patrimoniais, que não estão ainda estabilizados.

A R., devidamente citada, responsabilidade, mas impugnando indemnizatório peticionado. contestou os danos alegados,.

Foi admitida a intervenção acessória provocada de BB, condutor do veículo automóvel interveniente no acidente.

Após audiência, foi proferida sentença, tendo-se decidido nos seguintes termos:

Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, decide:

condenar a Ageas Portugal Companhia de Seguros, S.A .a pagar à Autora AA a quantia de 331 231,06 (trezentos e trinta e um mil, duzentos e trinta e um euros e seis cêntimos), a que acrescem juros de mora calculados no dobro da taxa legal em vigor, desde a citação até efectivo e integral pagamento

condenar a a pagar à Autora os custos com as consultas de fisiatria e psiquiatria, fisioterapia e medicamentos (psicofármacos, analgésicos e anti-inflamatórios), a liquidar em ulterior incidente de liquidação;

absolver a do demais peticionado;

condenar Autora e no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido à Autora.

Registe e notifique.”

Inconformada com essa sentença, apresentou a R. Ageas Portugal– Companhia de Seguros, S.A. recurso de apelação pedindo a alteração do valor da indemnização fixada para ressarcir o dano biológico, tal como preconizado.

Notificada das alegações de recurso interposto pela R. Ageas Portugal– Companhia de Seguros, S.A., a A. AA interpôs recurso subordinado.

Conhecendo dos recursos interpostos (independente e subordinado), a Relação decidiu:

“-julgar procedente o recurso principal interposto pela R. e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte relativa ao montante da indemnização a pagar pela R. à A. pelo dano biológico, que se fixa em € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros);

- julgar parcialmente procedente o recurso subordinado interposto pela A. e, em consequência, para além do aditamento de três novas alíneas nos factos provados – RRR), SSS) e TTT) – e alteração do teor da alínea XX), revogar a sentença recorrida na parte relativa ao montante da indemnização a pagar pela R. à A. pelos danos não patrimoniais, que se fixa em € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros).

Custas do recurso principal a cargo da recorrida e do recurso subordinado a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.”

Não se conformou a autora que recorreu do acórdão formulando as seguintes conclusões:

“1) A Autora não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de “dano biológico”:

a) quer enquanto dano patrimonial (perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica 35 pontos que lhe foi fixado compatível com o exercício da actividade habitual, mas que implica esforços suplementares),

b) quer enquanto dano moral (para sua vida em geral e a própria saúde).

2) Em consequência do acidente, a Autora é portadora de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 35 pontos.

3) As sequelas de que a Autora é portadora, em consequência do acidente, são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

4) A Autora, à data da entrada da acção em Juízo, frequentava o 1º ano da Licenciatura de Gestão da Faculdade de ... em ... e atualmente à data da prolação da sentença frequenta o terceiro e último ano da mesma licenciatura.

5) A Autora, à data da entrada da ação em Juízo, frequentava o 1º ano da Licenciatura de Gestão da Faculdade de ... em ... e atualmente à data da prolação da sentença frequenta o terceiro e último ano da mesma licenciatura.

6) Com a sua futura licenciatura na área de Gestão, a Autora ganhará futura e previsivelmente uma remuneração mensal de cerca de €1.250,00.

7) A Autora em consequência do acidente dos autos, padece de graves sequelas -perda capacidade de concentração e está mais irritável; chorando com muita frequência, Dificuldade em conduzir, por queixas de dor no pé esquerdo, na anca esquerda e sensação de perna a tremer e perturbação persistente do humor com mais de dois anos de evolução, com moderada diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional-, encontrando-se assim em posição de desvantagem em relação a outros lesados no atual e exigente mercado de trabalho.

8) Esta posição de desvantagem é agravada pela circunstância da taxa de desemprego do cidadão deficiente ser especialmente elevada (pelo menos o dobro da restante população), porquanto os empregadores partem do pressuposto da sua inadaptação ao desempenho profissional.) Os elementos estatísticos demonstram que a taxa de pobreza das pessoas com deficiência é 70% superior à média, em parte devido a limitações no acesso ao emprego.

10) Em Portugal noticia-se que a taxa de desemprego entre os portadores de deficiência é cerca de duas a três vezes superior à dos restantes cidadãos.

11) Tendo a vítima ficado a padecer de graves sequelas, prejudicando substancialmente as suas oportunidades de escolha de outras profissões e de obter novo emprego, justifica-se a elevação do resultado obtido através das tabelas financeiras em cerca de 10%.

12) A indemnização por dano biológico cobre:

a) esforço acrescido ou suplementar a que o sinistrado se vê obrigado no desempenho da sua actividade laboral, que mantém em posição profissional (categoria) similar à que antes do acidente detinha, bem como,

b) a perda de potencialidade para se alcandorar a um patamar superior de rentabilidade em relação à sua actual prestação, com reflexo necessário na diminuição de nível remuneratório a que poderia, noutras circunstâncias e com razoável probabilidade, ascender.

13)Atenta a matéria de facto constante dos factos julgados como provados na Douta Sentença e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir à Autora de indemnização pelo dano biológico” quer enquanto dano patrimonial (perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica 35 pontos que lhe foi fixado), quer enquanto dano moral (para sua vida em geral e a própria saúde), deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a €500.000,00 (Quinhentos Mil Euros), quantia essa cujo pagamento a Autora desde já peticiona da Ré e discriminada da seguinte forma:

a) €400.000,00 para indemnizar o dano biológico enquanto dano patrimonial (perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica 35 pontos que lhe foi fixado), e

b) €100.000,00 para indemnizar o dano biológico enquanto dano moral (para sua vida em geral e a própria saúde).

14)Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:

1. A Autora à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, tinha 17 (dezassete) anos de idade, já que nasceu em .../02/2000.

2. Em consequência do acidente, a Autora é portadora de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 35 pontos.

3. As sequelas de que a Autora é portadora, em consequência do acidente, são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

4. A Autora ficou a padecer das seguintes queixas, lesões e sequelas:

1. Uma cicatriz cirúrgica a nível da bacia do lado esquerdo com cerca de 20 cm de extensão;

2. Dificuldades nos deslocamentos em pisos irregulares e inclinados, por queixas de sensação de instabilidade e fraqueza no membro inferior esquerdo; não consegue correr, por sensação de choques nos pés;

3. Perdeu capacidade de concentração e está mais irritável; chora com muita frequência;

4. Na relação sexual tem queixas álgicas em várias posições e não se sente tão à vontade;

5. Dores na face lateral da anca, face anterior do joelho e face interna-plantar do pé esquerdo, agravados pela mudança do clima e marcha, após cerca de 10 minutos, sem demanda de medicação analgésica;

6. Sensação de hipostesia marcada situada à face antero-lateral da coxa, desde a virilha esquerda até ao joelho esquerdo;

7. Dificuldade em conduzir, por queixas de dor no pé esquerdo, na anca esquerda e sensação de perna a tremer;

8. Dificuldade em adormecer, acorda várias vezes ao longo da noite e tem pesadelos relacionados com o acidente;

9. Vai menos vezes à praia, optando por ir em meses menos movimentados e com familiares em vez dos amigos (por causa das dores ao andar na areia e da cicatriz que a incomoda);

10. Dificuldade na prática de desporto, tendo deixado de jogar voleibol;

11. Não sai à noite porque não se sente bem a dançar e não consegue usar sapatos de tacão;

12. Ficou com medo do parto depois do acidente;

13. Perturbação persistente do humor com mais de dois anos de evolução, com moderada diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional (limitada na sua mobilidade de praticar caminhadas, ginásio, correr, andar de bicicleta; as sequelas físicas impedem-na de retomar as suas actividades sociais, com alguma perda de autonomia individual e um desajustamento social, envolvendo no seu conjunto um sofrimento emocional com necessidade de estar acompanhada pela especialidade de psiquiatria e medicada com psicofármacos).

5. A Autora à data do acidente de viação frequentava o 11º ano de escolaridade, tendo reprovado um ano lectivo em consequência das lesões sofridas.

6. A Autora, à data da entrada da acção em Juízo, frequentava o 1º ano da Licenciatura de Gestão da Faculdade de ... em ... e atualmente à data da prolação da sentença frequenta o terceiro e último ano da mesma licenciatura.

7. Com a sua futura licenciatura na área de Gestão, a Autora ganhará futura e previsivelmente uma remuneração mensal de cerca de €1.250,00.

15) No calculo do valor indemnizatório a atribuir à Autora a titulo de danos patrimoniais na vertente do dano biológico decorrente da perda ou diminuição de capacidades funcionais em consequência do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 35 pontos, deve ter-se em conta, não exatamente a esperança média de vida ativa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida das mulheres já ultrapassa os 80 anos, e tem tendência para aumentar).

16) O Douto Acórdão, violou, entre outros que V.Exas mui doutamente suprirão, as seguintes disposições legais: os artigos 483º, 496º, 562º, 563º, 564º, nº1 n.º 2, 566.º, n.ºs1, 2, 3 todos Código Civil”

Pede, a final, a alteração do acórdão recorrido na medida do acima assinalado.

A Ré Ageas contra-alegou formulando as seguintes conclusões:

“1) Rejeitado o presente recurso de revista como revista excecional, avaliação preliminar que se impõe nos termos do disposto no artigo 672.º, n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Civil, há que ponderar do cumprimento do disposto no artigo 639.º, n.º 1, do mesmo diploma processual, que impõe ao recorrente que na motivação recursória indique concretamente as normas jurídicas violadas, exigindo-se ainda que exponha os fundamentos por que pede a revogação, alteração ou anulação da decisão em crise.

2) In casu, a A, ora recorrente, indica que o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães violou, entre outros, os artigos 483.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1 e n.º 2 e 566.º, todos do Código Civil.

3) Este foi também o fundamento do recurso de apelação. Da análise comparativa entre a motivação do recurso de apelação da A. e esta revista, concluímos ser exatamente a mesma a argumentação que foi aduzida para defender a alteração do sentenciado em primeira instância e a decisão que a este propósito foi proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

4) Constata-se, apenas, que na apelação a recorrente defendia a alteração da indemnização fixada pelo dano biológico, quer enquanto dano patrimonial quer enquanto dano moral, para quantia nunca inferior a 400.000,00€, defendendo agora a fixação de 500.000,00€, discriminando 400.000,00 € para a repercussão patrimonial e 100.000,00 € para a vertente de dano moral.

5) Impunha-se da recorrente, para além de peticionar a revogação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que indicasse concretamente o fundamento da revista, nos termos do previsto no artigo 674.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

6) A motivação do presente recurso ao reproduzir a argumentação que foi o fundamento da apelação, não permite concluir qual o erro de interpretação ou de aplicação da lei substantiva que é imputado ao Tribunal da Relação de Guimarães.

7) O facto de a recorrente não ter indicado concretamente o erro de interpretação ou de aplicação do Direito que vicia a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, prejudica a inteligibilidade do fim e do objeto do recurso e, em consequência, a possibilidade de um contraditório esclarecido. Desconhecendo o Supremo Tribunal de Justiça o fundamento da presente revista não pode exercer o seu poder de apreciação e de censura do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

8) O presente recurso de revista deve por isso ser julgado inadmissível, com fundamento no incumprimento do ónus da alegação constante do artigo 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

9) Caso assim se não entenda, o que por mero dever de patrocínio se admite, sempre se impõe a confirmação do decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães quanto à indemnização fixada para ressarcir o dano biológico.

10) Não se vislumbrando das alegações da recorrente quaisquer razões que justifiquem a alteração do decidido, muito menos para um valor que corresponde a mais do triplo daquele que foi justamente fixado.

11) Há que atender à realização da justiça relativa por comparação com as indemnizações já atribuídas no âmbito de acidentes rodoviários.

12) O dano físico determinante da incapacidade exige sempre do lesado um esforço suplementar físico e psíquico para obter o mesmo resultado.

Esse esforço é merecedor de reparação, mas tal valor deve ser inferior àquele que corresponderia a uma perda efetiva de rendimento.

13) Foi atendendo às particularidades do caso que a este propósito fixou-se o valor da indemnização em 150.000,00 €, decisão proferida que corresponde às soluções apresentadas pela jurisprudência em casos semelhantes, o que está refletido na douta motivação do acórdão em recurso.

14) Pelo que, ponderadas todas as circunstâncias, não resultando das doutas alegações qualquer fundamento que ponha em causa a argumentação utilizada pelo douto acórdão, só pode concluir-se pela justeza do valor fixado para indemnizar o dano causado em virtude do Défice Funcional Permanente.

Termos em que deve ser rejeitado o presente recurso de revista como revista excecional, por não se verificar uma situação de dupla conformidade.

De qualquer modo, admitido o presente recurso de revista nos termos gerais, deve o recurso ser rejeitado por absoluta falta de fundamentação.

Caso assim se não entenda, o que apenas por dever de cautela se admite, sempre deve a presente revista ser julgada improcedente, confirmando-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães que fixou em 150.000,00 € o valor arbitrado para ressarcir o dano biológico.”

Também a Ré Ageas interpôs recurso de revista formulando as seguintes conclusões:

“1. Ao liquidar o dano não patrimonial o Tribunal deve levar em conta os sofrimentos efetivamente padecidos pelo lesado, a gravidade do ilícito e os demais elementos do “fattispecie”, de modo a achar uma soma adequada ao caso concreto.

2. Nos termos dos artigos 496º, nº 3 e 494º, do Código Civil, a compensação para ressarcir os danos não patrimoniais será fixada equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante às demais circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, bem como aos critérios geralmente adotados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda (cf. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra, 1991, págs. 484 e 485).

3. Sem embargo das dores, sofrimento intrínseco às limitações temporárias e aos constrangimentos e incómodos dos tratamentos, o que constitui até facto notório, o dano sofrido pela recorrida não assume a gravidade que é traduzida pelo valor indemnizatório fixado, isto atendendo às situações apreciadas e valorizadas pela jurisprudência mais recente.

4. O juízo de equidade impõe esta avaliação específica, pois só assim se alcançará um valor adequado, proporcional e justo, que deverá corresponder e dignificar o relativo quantum do sofrimento e a medida da sua atenuação.

5. Ponderando o princípio da igualdade, analisando comparativamente os valores arbitrados pelos nossos tribunais, conclui-se que o valor fixado – 85.000,00 € – é exagerado para compensar o dano sofrido.

6. Em situações que traduzem sequelas até mais graves do que aquelas de que a recorrida veio a padecer foram fixados valores para compensar os danos não patrimoniais muito próximos do montante arbitrado em primeira instância (a título exemplificativo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de janeiro de 2016, processo 2185/04.8TBOER.L1.S1, sendo relator FONSECA RAMOS, que se cita na presente motivação).

7. «(…) Recorde-se que de acordo com o que tem vindo a ser decidido pelos tribunais, a indemnização pela perda do bem vida, tem-se fixado entre € 50.000,00 e € 80.000,00 (conforme Ac. do STJ, de 10.07.2008 Processo nº 08P1853; Ac. do STJ, de 31.01.2012, Processo nº 875/05.7TBILH.C1.S1, Ac. do STJ, de 13.09.2012, Processo nº 1026/07.9TBVFX.L1.S1, Ac. do STJ, de 30.04.2015, Processo nº 1380/13.3T2AVR.C1.S1, e Ac. do STJ, de 18.06.2015, Processo nº 2567/09.9TBABF.E1.S1).

«Na realidade, embora se reconhecendo que o direito à vida é o valor supremo em si mesmo, há situações em que a sobrevivência a um acidente ou desastre corresponde a uma forma insidiosa de opressão contínua e de desfalecimento, cuja dor, pela sua persistência e gravidade se instala na vítima a tal ponto e por tanto tempo que a faz crer que a vida deixa de valer ou de fazer sentido, porque a depressão ataca profundamente e a vítima se sente morrer a cada dia que passa».

Foi considerando-o que a jurisprudência tem vindo «a atribuir indemnizações compensatórias por danos não patrimoniais a vítimas com graves sequelas ou incapacidades, consideravelmente superiores às compensações geralmente atribuídas pela perda do direito à vida» (Ac. do STJ, de 20.01.2010, Processo nº 60/2002.L1.S1).

5.3. No caso, a Autora pretende que o Tribunal fixe uma compensação de 45.000,00€ pelos apontados danos morais sofridos pela sua filha menor. Porém, a consulta de recente jurisprudência permite afirmar que, noutras situações de vítimas jovens, apenas foram arbitradas compensações semelhantes ao montante pretendido pela autora em situações cujos graus de afetação da integridade física não são comparáveis com os da B..., de que são exemplo os arestos invocados pela Apelante Autora e ainda os seguintes:

(i) Acórdão do STJ, de 07.04.2016, proferido no processo nº 237/13.2TCGMR.G1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 50.000,00, a jovem de 22 anos de idade, com internamento de três semanas, que ficou incontinente urinária, registou um quantum doloris de 4, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8% (compatível com o exercício da atividade habitual mas implicando esforços suplementares), registou um dano estético de 3, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer foi fixada em 1, sofreu angústia de poder vir a falecer, e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida, e inibida diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante;

(ii) Acórdão do STJ, de 28.01.2016, proferido no processo nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 40.000,00, a jovem de 17 anos, face a quatro operações, padecimento de dores intensas, antes e após as intervenções cirúrgicas a que foi submetido, internamento por longos períodos, necessidade efetuar tratamentos de reabilitação, submissão futura a mais duas operações, e cicatriz com 50cm de comprimento (o que lhe determinou a atribuição de um quantum doloris de grau 5, e de um dano estético de grau 4);

(iii) Acórdão do STJ, de 26.01.2016, proferido no processo nº 2185/04.8TBOER.L1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 45.000,00, a jovem de 20 anos, desportista, que ficou com várias cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento (quantum doloris de grau 5) e relevante dano estético;

(iv) Acórdão do STJ, de 21.01.2016, proferido no processo nº 1021/11.3TBABT.E1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 50.000,00, a jovem de 27 anos, com múltiplos traumatismos, sequelas psicológicas, quantum doloris de grau 5, dano estético de 2 pontos, incapacidade parcial de 16 pontos, repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 2, claudicação na marcha e rigidez da anca direita;

(v)Acórdão do STJ, de 04.06.2015, proferido no processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1- fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 40.000,00, a jovem de 17 anos, vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, alta mais de 4 anos depois do acidente, repercussões estéticas, quantum doloris de grau 6, e grave culpa da condutora do veículo causador do acidente.» (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10 de março de 2022, processo 00303/15.0BEBRG, sendo relator HELENA RIBEIRO).

8. Da análise das situações de facto que foram apreciadas pelos acórdãos citados na motivação do presente recurso, conclui-se que a douta sentença não aferiu com rigor os critérios de avaliação dos danos e desrespeitou os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

9. A decisão razoável, conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, impõe a alteração do decidido, computando-se a compensação para ressarcir os danos não patrimoniais da recorrida em não mais do que 50.000,00 €, tal como foi fixado em primeira instância.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o douto acórdão recorrido em harmonia com o preconizado nas conclusões.“

A autora contra-alegou formulando, por sua vez, as seguintes conclusões:

“1) O Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães na parte em que que julgou parcialmente procedente o recurso subsidiário interposto pela Autora e alterou a indemnização fixada a título de danos não patrimoniais para 85.000,00€, não merece qualquer tipo de reparo ou censura.

2) Conforme JURISPRUDÊNCIA EM DESTAQUE constante da página oficial do Supremo Tribunal de Justiça, mais concretamente: Acórdão do Tribunal da Supremo Tribunal de Justiça, datado de 26-06-2012, Processo n.° 631/1999.L1.S1, 6ª Secção Cível, Relatora SALAZAR CASANOVA:

IV - A situação de crise económica que se vive atualmente, e que está a conduzir a totalidade da população que vive do salário do seu trabalho por conta de outrem a níveis de empobrecimento não vistos há muitas dezenas de anos e a elevados níveis de desemprego, constitui fator que leva um sinistrado de acidente de viação, que fique afetado pelas lesões sofridas em incapacidade funcional, a sentir uma angústia mais intensa do que sentiria quanto ao seu futuro se, contrariamente ao que se verifica, vivesse num Estado com níveis de bem-estar e onde uma pessoa incapacitada não sentisse particulares dificuldades de obter emprego ou de manter o emprego ou atividade exercida.

3) O montante indemnizatório atribuído à Autora a título de danos não patrimoniais teve em linha de conta, os seguintes fatores:

1. A Autora à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, tinha 17 (dezassete) anos de idade, já que nasceu em.../02/2000.

2. Em consequência do acidente, a Autora é portadora de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 35 pontos.

3. As sequelas de que a Autora é portadora, em consequência do acidente, são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

4. A Autora como consequência direta e necessária do acidente de viação, sofreu ferimentos e lesões traumáticas, tendo sido transportada do local do acidente para o serviço de urgência do Hospital de ..., no próprio dia 04-06-2017, onde foi internada e examinada, apresentando o seguinte diagnóstico:

a) traumatismo crâneo encefálico com perda de conhecimento; b) traumatismo pulmonar (politraumatismo);

c) pneumotórax de pequeno volume à direita; d) dor à mobilização do lado esquerdo da anca; e) dor à apalpação da bacia do lado esquerdo;

f) fractura complexa da bacia esquerda;

g) fractura cominutiva complexa do osso ilíaco esquerdo com desalinhamento e atingimento do acetabulo e ramo isquio púbico, e

h) hematúria.

5. A Autora no Hospital de ..., efectuou os seguintes exames: a) RX à anca (fratura da bacia);

b) TAC articular;

c) RX tórax devido à existência de um pneumotórax de pequeno volume à direita sem derrame aparente;

d) RX à cervical, e

e) Dois TAC crânio (encefálico no dia 4 de junho e outro no dia 5 de junho).

6. A Autora foi transferida para Unidade de Cuidados Intensivos Pediátrica do Hospital ..., onde foi:

a) algaliada e ficou monitorizada, e

b) tratada à fractura cominutiva complexa do osso ilíaco esquerdo com desalinhamento e atingindo acetábulo e ramo esquio púbico, tendo-lhe sido colocado tração no membro inferior esquerdo com 3 quilos, isto para que não fizesse movimentos antes da operação tendo em conta que a mesma mexia devido a estar muito alterada.

7. A Autora no Hospital de ..., em 08/06/2017, foi submetida a uma operação à bacia com anestesia geral com duração de 4 horas, operação essa com redução aberta da fratura osteossíntese do ilíaco esquerdo com placas, à sínfise com placa e à osteossíntese percutânea do acetábulo esquerdo e sacroilíaca direita, tendo sido suturada com 38 pontos.

8. No pós-operatório foi diagnosticado à Autora pé pendente por provável lesão de estiramento da raíz L5 esquerda.

9. A Autora fez eletromiografia que confirmou lesão parcial.

10. A Autora esteve internada durante 52 dias no Hospital de ..., tendo alta hospitalar para o seu domicílio no dia 26 de julho de 2017.

11. A Autora, após a sua alta hospitalar e durante o primeiro mês, tinha medo de andar de carro, não se segurava nas muletas e apenas saía para os tratamentos.

12. A Autora após a sua alta hospitalar e durante o primeiro mês teve necessidade de ajuda de terceira pessoa para se vestir, para tomar banho, para andar, para descer as escadas e para subir à ambulância, mais concretamente da sua família e bombeiros.

13. A Autora após a sua alta hospitalar e durante o primeiro mês, em deslocações maiores, para se locomover tinha necessidade de usar a cadeira de rodas.

14. A Autora em Setembro de 2017 largou a primeira muleta, sendo que nessa altura ainda necessitava de ajuda de terceira pessoa para tomar banho, principalmente para entrar e sair da banheira.

15. A Autora apenas em Janeiro de 2018 começou a andar sem qualquer apoio. 16. A Autora no ano letivo 2017/2018, como tinha aulas no 2º piso, tinha de se deslocar de elevador, pois não conseguia fazê-lo com as muletas.

17. A Autora em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, após a sua alta hospitalar, a partir de 05/09/2017 e até 08/07/2019 passou a sem acompanhada e prosseguiu os tratamentos médicos por conta, a mando e expensas da Ré nos seus serviços clínicos no Hospital de ..., no ..., onde foi observada por Ortopedia e Neurocirurgia, tendo efectuado os seguintes exames:

a) 2 eletromiografias,

b) 2 ressonâncias magnéticas,

c) 2 TAC’s,

d) 1 RX, e

e) 1 eletromiografia.

18. A Autora em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação, ainda durante o período de internamento hospitalar efectuou várias sessões de fisioterapia as quais começaram no final do mês de Junho (ainda deitada na cama) e a partir de meados de Julho na clínica do hospital, as quais continuaram até meados de Setembro de 2017.

19. A Autora em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação, por conta, a mando e expensas da Ré realizou tratamento fisiátrico, na Esfera Saúde Clínica Fisiátrica de..., de segunda a sábado, e hidroterapia (2 vezes por semana), simultaneamente, com interrupções apenas nos feriados, desde meados de Setembro de 2017 e até ao dia 8 de Julho de 2019.

20. A Autora teve alta dos serviços clínicos da Ré em 08/07/2019.

21. As lesões sofridas pela Autora em consequência do acidente de viação atingiram a consolidação médico legal em 08/07/2019.

22. A Autora ficou a padecer das seguintes queixas, lesões e sequelas:

n) Uma cicatriz cirúrgica a nível da bacia do lado esquerdo com cerca de 20 cm de extensão;

o) Dificuldades nos deslocamentos em pisos irregulares e inclinados, por queixas de sensação de instabilidade e fraqueza no membro inferior esquerdo; não consegue correr, por sensação de choques nos pés;

p) Perdeu capacidade de concentração e está mais irritável; chora com muita frequência;

q) Na relação sexual tem queixas álgicas em várias posições e não se sente tão à vontade;

r) Dores na face lateral da anca, face anterior do joelho e face interna-plantar do pé esquerdo, agravados pela mudança do clima e marcha, após cerca de 10 minutos, sem demanda de medicação analgésica;

s) Sensação de hipostesia marcada situada à face antero-lateral da coxa, desde a virilha esquerda até ao joelho esquerdo;

t) Dificuldade em conduzir, por queixas de dor no pé esquerdo, na anca esquerda e sensação de perna a tremer;

u) Dificuldade em adormecer, acorda várias vezes ao longo da noite e tem pesadelos relacionados com o acidente;

v) Vai menos vezes à praia, optando por ir em meses menos movimentados e com familiares em vez dos amigos (por causadas dores ao andar na areia e da cicatriz que a incomoda);

w) Dificuldade na prática de desporto, tendo deixado de jogar voleibol;

x) Não sai à noite porque não se sente bem a dançar e não consegue usar sapatos de tacão;

y) Ficou com medo do parto depois do acidente;

z) Perturbação persistente do humor com mais de dois anos de evolução, com moderada diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional (limitada na sua mobilidade de praticar caminhadas, ginásio, correr, andar de bicicleta; as sequelas físicas impedem-na de retomar as suas actividades sociais, com alguma perda de autonomia individual e um desajustamento social, envolvendo no seu conjunto um sofrimento emocional com necessidade de estar acompanhada pela especialidade de psiquiatria e medicada com psicofármacos).

23. A Autora necessita actualmente e necessitará no futuro de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Psiquiatria e Fisiatria.

24. A Autora necessita actualmente e necessitará no futuro de realizar tratamento fisiátrico.

25. A Autora necessita actualmente e necessitará no futuro de ajuda medicamentosa – antidepressivos, anti-inflamatórios e analgésicos

26. A Autora, antes e à data da ocorrência do acidente de viação era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora.

27. Era também uma pessoa alegre, confiante, cheia de projetos para o futuro, cheia de vida, possuidora de vontade e alegria de viver, sendo uma pessoa calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.

28. O Quantum Doloris apresenta um grau 5/7, numa escala crescente de 1 a 7.

29. A referida cicatriz numa escala crescente de 1 a 7 confere à Autora um Dano Estético fixável no grau 4/7.

30. As queixas, lesões e sequelas numa escala crescente de 1 a 7 conferem à Autora uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7.

31. As lesões referidas causam à Autora uma Repercussão Permanente na Actividade Sexual fixável no grau 2/7.

32. O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável em 47 dias.

33. O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 718 dias.

34. Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é fixável em 47 dias.

35. O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial é fixável em 718 dias.

4) O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais, porque não visa propriamente ressarcir ou tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativo, e não meramente simbólica.

5) Trata-se de pagar a dor com prazer, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando aquelas dores, desgostos, contrariedades com o prazer derivado da satisfação das necessidades referidas.

6) Segundo o nº1 do artigo 496º do Código Civil, “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

7) Acrescenta-se, no seu nº3, que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do mesmo código, designadamente ao grau da culpa do agente, à situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

8) A este propósito, diz Antunes Varela, in “Das obrigações Em Geral”, Vol. 1º, 9ª Edição, págs. 636 e seguintes, que os danos não patrimoniais, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposto ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.

9) Assim, na sequência do acima exposto, vem-se entendendo que a indemnização por danos não patrimoniais para além de ser calculada com o recurso à equidade deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja culpa ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como, por exemplo, o valor actual da moeda.

10) O valor da indemnização deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, tendo por finalidade proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva.

11)Vejamos alguns valores que têm sido fixados pela prática jurisprudencial em sede de valores atribuídos a título de danos não patrimoniais em situações análogas à dos presentes autos:

1. acórdão do STJ de 21/06/2022 (proc. nº 1991/15.2T8PTM.E1.S1, relator António Magalhães), que fixou em € 85.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um lesado de 30 anos, que ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 39 pontos, um quantum doloris de grau 5 numa escala crescente de 7 graus, um dano estético de grau 3 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2;

2. acórdão do Tribunal da Relação de 28/02/2019 (proc. nº 216/14.2TCGMR.G1, relatora Maria Cristina Cerdeira), que fixou em €100.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a uma lesada de 21 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 33 pontos, um quantum doloris de grau 6 e um dano estético de grau 5;

3. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/03/2023 (proc. nº 3166/19.2T8VIS.C1, relator Vítor Amaral), que fixou em €90.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um lesado de 37 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 53 pontos, um quantum doloris de grau 6 e um dano estético de grau 5.

12) Improcedem assim, todas as Alegações e Conclusões vertidas nos pontos n.ºs 1 a 9 formuladas pela Ré, com o seu Douto Recurso de Revista interposto, em 26/09/2023 com a ref.ª citius ...34.

Pede a improcedência do recurso de revista interposto pela ré.

Cumpre decidir.

A Relação deu como provados os seguintes factos:

A) No dia 04 de Junho de 2017, cerca das 08 horas e 15 minutos, na Estrada Nacional n.º ..., na freguesia de ..., concelho de ..., distrito de ..., no sentido de marcha B.../P..., BB tripulava o veículo de matrícula ..-BZ-.., no qual a A. era transportada gratuitamente como ocupante/passageira.

B) O condutor do veículo ..-BZ-.. imprimia ao mesmo uma velocidade superior a 90/100 Km/horários.

C) O condutor do veículo ..-BZ-.., encontrando-se na altura fatigado, sonolento e sob a influência do álcool e substancias psicotrópicas, ao descrever uma curva para a sua direita, ao Km 29,300, junto ao n.º de polícia ...82, não diminuiu a velocidade que então imprimia ao veículo, perdendo o domínio e controlo do mesmo, o qual seguiu sempre em frente, entrando em despiste, saindo da sua meia faixa de rodagem (mão de trânsito) direita, transpondo o eixo da via (linha longitudinal contínua) da EN n.º ...,

D) O veículo ..-BZ-.. invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem contrária àquela que competia à sua mão de trânsito e logo de seguida em acto contínuo acabou também por invadir a própria berma esquerda da E.N. n.º ... atento o seu sentido de marcha (B.../P..., embatendo com toda a sua parte lateral esquerda da frente e parte frontal esquerda num muro de pedra delimitador de uma propriedade particular existente na berma esquerda da Estrada Nacional n.º ..., mais concretamente num muro de vedação da habitação n.º ...82º da Rua ..., ..., ..., propriedade de CC.

E) O veículo de matrícula ..-BZ-.. imobilizou a sua marcha totalmente dentro da berma esquerda da E.N. n.º ... atento o seu sentido de marcha (B.../P..., na perpendicular em relação à E.N. n.º ... e com a sua parte frontal direcionada para a E.N. n.º ... e a sua parte traseira virada para o muro de vedação da habitação n.º ...82º da Rua ..., atento o seu sentido de marcha (B.../P....

F) O veículo ..-BZ-.. imobilizou-se totalmente dentro da berma esquerda, atento o seu sentido de marcha B.../P..., a uma distância de 9,50 metros da sua roda da frente do lado direito e a uma distância de 8,95 metros da sua roda da frente do lado esquerdo, ambas as distâncias em relação a um sinal vertical C1-4ª existente na berma direita da EN n.º ... e atento o seu sentido de marcha (B.../P..., a uma distância de cerca de 2,50 metros da sua traseira em relação ao muro de vedação da habitação n.º...82º da Rua ..., a uma distância de 1,55 metros entre o eixo da sua roda da frente esquerdo e um sinal C1-4ª existente na berma esquerda da EN n.º ..., atento o seu sentido de marcha (B.../P....

G) Entre o início dos rastos de derrapagem do rodado esquerdo do veículo ..-BZ-.. e o muro de vedação da habitação n.º ...82º da Rua ..., no qual veio a embater, havia uma distância de 2,20 metros.

H) Entre o início dos rastos de derrapagem do rodado direito do veículo ..-BZ-.. e o muro de vedação da habitação n.º ...82º da Rua ..., no qual veio a embater, havia uma distância de 3,80 metros.

I) Entre o fim dos rastos de derrapagem do rodado direito do veículo ..-BZ-.. e o muro de vedação da habitação n.º ...82º da Rua ... havia uma distância de 3,10 metros.

J) Entre o fim dos rastos de derrapagem do rodado esquerdo do veículo segurado ..-BZ-.. e a linha da berma esquerda atento o sentido de marcha do mesmo havia uma distância de 0,90 metros.

K) Antes de embater (lateral e frontalmente) contra os muros de vedação, o rodado direito do veículo ..-BZ-.. deixou um rasto de travagem no piso betuminoso da Estrada Nacional n.º ... com cerca de 16,20 metros de extensão, e o rodado esquerdo do mesmo veículo deixou um rasto de travagem no piso betuminoso da Estrada Nacional n.º ... com cerca de 9,10 metros de extensão.

L) O veículo ..-BZ-.. ficou com toda a sua parte lateral esquerda e parte frontal destruídas.

M) A Estrada Nacional n.º ..., no dia, hora e local onde ocorreu o acidente de viação dispunha de uma faixa de rodagem com dois sentidos de trânsito devidamente delimitados entre si por uma linha longitudinal contínua devidamente marcada no pavimento e de cor branca, com marcação de vias e bermas e com bastante iluminação pública de carácter permanente.

N) A Estrada Nacional n.º ..., no dia, hora e local onde ocorreu o acidente de viação tinha uma faixa de rodagem, que em toda a sua largura media cerca de 6,00 metros, dispondo assim cada hemi faixa de rodagem de uma largura de 3,00 metros.

O) A berma esquerda da Estrada Nacional n.º ..., no dia, hora e local onde ocorreu o acidente de viação e atento o sentido de marcha do veículo ..-BZ-.. (B.../P..., dispunha de uma largura de 6,60 metros.

P) A Estrada Nacional n.º ..., no dia, hora e local onde ocorreu o acidente de viação atento o sentido de marcha do veículo ..-BZ-.. constituía uma acentuada e extensa curva para a sua direita com mais de 100 metros de extensão, tendo o acidente ocorrido em plena curva.

Q) A Estrada Nacional n.º ..., no dia, hora e local onde ocorreu o acidente de viação atento o sentido de marcha do veículo ..-BZ-.. encontrava-se devidamente sinalizada, constituindo uma localidade densamente povoada, com tráfego de veículos automóveis, ladeada e marginada de ambos os lados por edificações, com saídas directas para a mesma.

R) A Estrada Nacional n.º ..., no dia, hora e local onde ocorreu o acidente de viação possuía uma placa indicativa de que se tratava de uma localidade, sendo a velocidade máxima permitida por lei no local de 50 km/horários.

S) No dia, hora e local onde ocorreu o acidente de viação o piso betuminoso/alcatroado da Estrada Nacional n.º ... encontrava-se regular, em bom estado de conservação e seco em face das boas condições climatéricas que se faziam sentir na altura (tempo limpo, seco e com sol).

T) À hora e no local onde ocorreu o acidente de viação já era dia (08 horas e 15 minutos).

U) A Autora na indicada qualidade de passageiro (pessoa transportada gratuitamente como ocupante do veículo ..-BZ-..) fazia-se transportar no banco da rectaguarda e usava o cinto de segurança.

V) Na sequência do despiste seguido dos embates, o condutor do veículo ..-BZ-.. foi submetido a uma colheita de sangue no Hospital ..., S.A., em ..., e enviada ao INMLCF, análises essas que acusaram 1,29 gr./litro de álcool no sangue e um valor positivo de substâncias psicotrópicas em THC-COOH de 42 ng/ml e em THC 2.1ng/ml.

W) O condutor do veículo ..-BZ-.. sabia que não podia conduzir, como efetivamente conduziu, um veículo a motor com aquela TAS de 1,29 gr./litro de álcool e valor positivo de substâncias psicotrópicas no sangue.

X) O condutor do veículo ..-BZ-.. sabia que nesse estado não se encontrava em condições de conduzir com segurança e que desse modo colocava em perigo a vida ou integridade física daqueles que transitassem nas vias por onde circulasse bem como dos ocupantes do veículo por si conduzido matrícula ..-BZ-.., designadamente da Autora, como colocou, sendo que representou que esse perigo fosse possível sem que tal o demovesse a conduzir o veiculo em causa.

Y) O condutor do veículo ..-BZ-.. conhecia o carácter proibido e punível da sua conduta e o efeito desinibidor que o álcool ingerido e as substâncias psicotrópicas têm sobre o organismo, designadamente, a diminuição da rapidez dos reflexos, a capacidade visual e de raciocínio e ainda assim, deliberada e conscientemente conduziu o mesmo veículo ..-BZ-.. na via pública.

Z) A Autora como consequência direta e necessária do acidente de viação, sofreu ferimentos e lesões traumáticas, tendo sido transportada do local do acidente para o serviço de urgência do Hospital de ..., no próprio dia 04-06-2017, onde foi internada e examinada, apresentando o seguinte diagnóstico:

a) traumatismo crâneo encefálico com perda de conhecimento;

b) traumatismo pulmonar (politraumatismo);

c) pneumotórax de pequeno volume à direita;

d) dor à mobilização do lado esquerdo da anca;

e) dor à apalpação da bacia do lado esquerdo;

f) fractura complexa da bacia esquerda;

g) fractura cominutiva complexa do osso ilíaco esquerdo com desalinhamento e atingimento do acetabulo e ramo ísquio púbico, e

h) hematúria.

AA) A Autora no Hospital de ..., efectuou os seguintes exames:

a) RX à anca (fratura da bacia);

b) TAC articular;

c) RX tórax devido à existência de um pneumotórax de pequeno volume à direita sem derrame aparente;

d) RX à cervical, e

e) Dois TAC crânio (encefálico no dia 4 de junho e outro no dia 5 de junho).

BB) A Autora foi transferida para Unidade de Cuidados Intensivos Pediátrica do Hospital de ..., onde foi:

a) algaliada e ficou monitorizada, e

b) tratada à fractura cominutiva complexa do osso ilíaco esquerdo com desalinhamento e atingindo acetábulo e ramo esquio púbico, tendo-lhe sido colocado tração no membro inferior esquerdo com 3 quilos, isto para que não fizesse movimentos antes da operação tendo em conta que a mesma mexia devido a estar muito alterada.

CC) A Autora no Hospital de ..., em 08/06/2017, foi submetida a uma operação à bacia com anestesia geral com duração de 4 horas, operação essa com redução aberta da fratura osteossíntese do ilíaco esquerdo com placas, à sínfise com placa e à osteossíntese percutânea do acetábulo esquerdo e sacroilíaca direita, tendo sido suturada com 38 pontos.

DD) No pós-operatório foi diagnosticado à Autora pé pendente por provável lesão de estiramento da raiz L5 esquerda.

EE) A Autora fez eletromiografia que confirmou lesão parcial.

FF) A Autora esteve internada durante 52 dias no Hospital de ..., tendo alta hospitalar para o seu domicílio no dia 26 de julho de 2017.

GG) A Autora, após a sua alta hospitalar e durante o primeiro mês, tinha medo de andar de carro, não se segurava nas muletas e apenas saía para os tratamentos.

HH) A Autora após a sua alta hospitalar e durante o primeiro mês teve necessidade de ajuda de terceira pessoa para se vestir, para tomar banho, para andar, para descer as escadas e para subir à ambulância, mais concretamente da sua família e bombeiros.

II) A Autora após a sua alta hospitalar e durante o primeiro mês, em deslocações maiores, para se locomover tinha necessidade de usar a cadeira de rodas.

JJ) A Autora em Setembro de 2017 largou a primeira muleta, sendo que nessa altura ainda necessitava de ajuda de terceira pessoa para tomar banho, principalmente para entrar e sair da banheira.

KK) A Autora apenas em Janeiro de 2018 começou a andar sem qualquer apoio.

LL) A Autora no ano letivo 2017/2018, como tinha aulas no 2º piso, tinha de se deslocar de elevador, pois não conseguia fazê-lo com as muletas.

MM) A Autora em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, após a sua alta hospitalar, a partir de 05/09/2017 e até 08/07/2019 passou a ser acompanhada e prosseguiu os tratamentos médicos por conta, a mando e expensas da Ré nos seus serviços clínicos no Hospital de ..., no ..., onde foi observada por Ortopedia e Neurocirurgia, tendo efectuado os seguintes exames:

a) 2 eletromiografias,

b) 2 ressonâncias magnéticas,

c) 2 TAC’s,

d) 1 RX, e

e) 1 eletromiografia.

NN) A Autora em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação, ainda durante o período de internamento hospitalar efectuou várias sessões de fisioterapia as quais começaram no final do mês de Junho (ainda deitada na cama) e a partir de meados de Julho na clínica do hospital, as quais continuaram até meados de Setembro de 2017.

OO) A Autora em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação, por conta, a mando e expensas da Ré realizou tratamento fisiátrico, na Esfera Saúde Clínica Fisiátrica de ..., de segunda a sábado, e hidroterapia (2 vezes por semana), simultaneamente, com interrupções apenas nos feriados, desde meados de Setembro de 2017 e até ao dia 8 de Julho de 2019.

PP) A Autora teve alta dos serviços clínicos da Ré em 08/07/2019.

QQ) As lesões sofridas pela Autora em consequência do acidente de viação atingiram a consolidação médico legal em 08/07/2019.

RR) A Autora em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação, no dia 08/07/2019, foi observada e submetida a um Relatório Final de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil pelos Serviços Clínicos da Ré elaborado e subscrito pelo Dr. DD, do qual constam, entre outras, as seguintes conclusões:

1) Lesões resultantes do acidente:

• Fractura fechado do acetabulo da bacia; • Fractura da bacia.

2) Exames complementares, relatórios e respetivas datas:

• EMG- Eletromiografia: 25/1072017;

• RMN da Bacia: 25/10/2017;

• Fisioterapia (Bloco 12 sessões): 28/11/2017;

• Fisioterapia (Bloco 8 sessões): 21/03/2018;

• RMN da Bacia: 29/08/2018;

• Fisioterapia (Bloco 5 sessões): 19/10/2018,

3) Data da consolidação médico-legal das lesões: 08/07/2019;

4) Quantum Doloris: 5/7;

5) Incapacidade Permanente Geral (IPG):

• Sistema Musculo Esquelético - Bacia, Código Mc1105: 12 pontos; • Sistema Nervoso - Neurologia, Código Na0229: 17,60 pontos;

• Há lugar a Dano Futuro.

6) Dano Estético: 4/7;

7) Prejuízo de Afirmação pessoal: 2/5;

8) Prejuízo Sexual: 2/5

SS) A Autora ficou a padecer das seguintes queixas, lesões e sequelas:

Uma cicatriz cirúrgica a nível da bacia do lado esquerdo com cerca de 20 cm de extensão; Dificuldades nos deslocamentos em pisos irregulares e inclinados, por queixas de sensação de instabilidade e fraqueza no membro inferior esquerdo; não consegue correr, por sensação de choques nos pés;

Perdeu capacidade de concentração e está mais irritável; chora com muita frequência; Na relação sexual tem queixas álgicas em várias posições e não se sente tão à vontade;

Dores na face lateral da anca, face anterior do joelho e face interna-plantar do pé esquerdo, agravados pela mudança do clima e marcha, após cerca de 10 minutos, sem demanda de medicação analgésica;

Sensação de hipostesia marcada situada à face antero-lateral da coxa, desde a virilha esquerda até ao joelho esquerdo;

Dificuldade em conduzir, por queixas de dor no pé esquerdo, na anca esquerda e sensação de perna a tremer;

Dificuldade em adormecer, acorda várias vezes ao longo da noite e tem pesadelos relacionados com o acidente;

Vai menos vezes à praia, optando por ir em meses menos movimentados e com familiares em vez dos amigos (por causadas dores ao andar na areia e da cicatriz que a incomoda);

Dificuldade na prática de desporto, tendo deixado de jogar voleibol;

Não sai à noite porque não se sente bem a dançar e não consegue usar sapatos de tacão;

Ficou com medo do parto depois do acidente;

Perturbação persistente do humor com mais de dois anos de evolução, com moderada diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional (limitada na sua mobilidade de praticar caminhadas, ginásio, correr, andar de bicicleta; as sequelas físicas impedem-na de retomar as suas actividades sociais, com alguma perda de autonomia individual e um desajustamento social, envolvendo no seu conjunto um sofrimento emocional com necessidade de estar acompanhada pela especialidade de psiquiatria e medicada com psicofármacos).

TT) A Autora necessita actualmente e necessitará no futuro de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Psiquiatria e Fisiatria.

UU) A Autora necessita actualmente e necessitará no futuro de realizar tratamento fisiátrico.

VV) A Autora necessita actualmente e necessitará no futuro de ajuda medicamentosa – antidepressivos, anti-inflamatórios e analgésicos.

WW) A Autora à data do acidente de viação frequentava o 11º ano de escolaridade, tendo reprovado um ano lectivo em consequência das lesões sofridas.

XX) A Autora, à data da entrada da acção em Juízo, frequentava o 1º ano da Licenciatura de Gestão da Faculdade de ... em ....

YY) Com a sua futura licenciatura na área de Gestão, a Autora ganhará futura e previsivelmente uma remuneração mensal de cerca de €1.250,00€.

ZZ) A Autora por forças das lesões sofridas em virtude do acidente de viação teve necessidade de ajuda medicamentosa e técnica, na qual despendeu a quantia de €231,06.

AAA) A Autora, antes e à data da ocorrência do acidente de viação era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora.

BBB) Era também uma pessoa alegre, confiante, cheia de projetos para o futuro, cheia de vida, possuidora de vontade e alegria de viver, sendo uma pessoa calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.

CCC) O Quantum Doloris apresenta um grau 5/7, numa escala crescente de 1 a 7.

DDD) A referida cicatriz numa escala crescente de 1 a 7 confere à Autora um Dano Estético fixável no grau 4/7.

EEE) As queixas, lesões e sequelas numa escala crescente de 1 a 7 conferem à Autora uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7.

FFF) As lesões referidas causam à Autora uma Repercussão Permanente na Actividade Sexual fixável no grau 2/7

GGG) O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável em 47 dias.

HHH) O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 718 dias.

III) Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é fixável em 47 dias.

JJJ) O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial é fixável em 718 dias.

KKK) Em 18/08/2017, a Ré enviou ao mandatário da Autora um e-mail, subscrito pelo seu gestor de processo de nome EE e Direção de Gestão de Sinistros, na qual sob a epígrafe “Sinistro: ...91 V/ REF Lesada AA”, a Ré comunicou e informou expressamente a Autora do seguinte: “Em resposta informamos que assumimos a responsabilidade pela produção do aludido evento.”

LLL) A Ré procedeu ao pagamento das despesas hospitalares junto das entidades hospitalares que prestaram tratamento médico e hospitalar à Autora, designadamente ao Hospital de ..., ao Hospital de ... no ... e Esferasaúde Clínica Fisiátrica de ....

MMM) A Autora em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas com o acidente de viação, após a sua alta hospitalar, a partir de 05/09/2017 e até 08/07/2019 passou a ser acompanhada e prosseguiu os tratamentos médicos por conta, a mando e expensas da Ré nos seus serviços clínicos no Hospital de ..., no ..., onde foi observada por Ortopedia e Neurocirurgia.

NNN) A ocorrência do acidente de viação em discussão nos presentes autos, foi comunicada à Ré pelo seu segurado dentro do prazo de 08 dias a contar do dia da ocorrência do mesmo.

OOO) A Autora através do seu mandatário, por e-mail enviado para a Ré Seguradora em 13/04/2020 pelas 19 horas 01 minutos e pela mesma recepcionado na mesma data, apresentou por escrito à Ré Seguradora uma proposta consolidada, ou seja, um pedido de indemnização final por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela Autora, nos seguintes termos: “(…) na sequência do sinistro acima referenciado, incumbiu-me a minha constituinte AA de apresentar junto dos vossos serviços um pedido de indemnização final por conta dos danos corporais (danos patrimoniais e não patrimoniais) sofridos pela mesma em consequência do acidente de viação em epígrafe, em cumprimento do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto, nos seguintes valores:

1. Danos patrimoniais: Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. de 50 pontos: previsível rendimento anual de 17.500,00€ (1.250,00€ x 14 meses) x 50 pontos de Défice Funcional = 8.750,00€ x 59 Anos Esperança Média de Vida (80 – 21 (conclusão da licenciatura de gestão)) = 516.250,00€;

2. Danos não patrimoniais: 100.000,00€;

3. Perdas salariais/Perda de chance/Perda de um ano Lectivo: 17.500,00€;

4. Perda da bolsa de mérito: 220,00€ x 11 meses x 3 anos= 7.260,00€;

5. Despesas médicas: 2.500,00€;

6. Despesas com deslocações: 2.500,00€;

7. DANO FUTURO a liquidar em futuro incidente de liquidação:

a) futuro agravamento do défice funcional permanente da integridade física;

b) necessidade atual e futura de acompanhamento médico periódico nas Especialidades Médicas de Psiquiatria, Psicologia, Neuropsicológica, Neurologia, Neurocirurgia, Ortopedia, Fisiatria, Cirurgia Plástica e Ginecologia;

c) necessidade atual e futura de realizar tratamento fisiátrico (duas/quatro vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões);

d) necessidade atual e futura de ajuda medicamentosa (antidepressivos, anti-inflamatórios e analgésicos);

e) necessidade atual e futura de se submeter a várias intervenções cirúrgicas e plásticas, a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar a vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas;

f) necessidade atual e futura de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas.

ELEMENTOS DE CÁLCULO:

a) A data da consolidação Médico-Legal das lesões é fixável em 08/07/2019;

b) Período de Repercussão Temporária Total na Actividade Profissional Total fixável em 765 dias;

c) As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, exigindo contudo esforços acrescidos;

d) Quantum Doloris fixável no grau 5/7;

e) Dano Estético Permanente fixável em grau 4/7:

f) Repercussão nas actividades de Desporto e de Lazer fixável em grau 2/5;

g) Prejuízo Sexual: fixável em grau 2/5;

h) Perda de 1 ano Letivo para a conclusão da Licenciatura de Gestão;

i) Habilitações Literárias/Atividade profissional: Frequenta atualmente o 1ª ano da Licenciatura de Gestão da Faculdade de ... em ...;

j) Salário Médio Nacional: 1.250,00€;

k) Esperança média de vida: 63 anos tendo em conta a idade de 17 anos (80 – 17);

l) Idade expetável para acabar a Licenciatura de Gestão não fosse o acidente: 21 anos;

m) A lesada durante o Período de Repercussão Temporária Total na Actividade Profissional Total compreendido desde 04/06/2017 (dia da ocorrência do acidente dos autos) e até 08/07/2019 (dia da consolidação médico legal das lesões) num total de 765 dias, em face da gravidade das lesões sofridas com o acidente de viação em discussão nos presentes autos, esteve totalmente impossibilitada de acabar os seus estudos pelo período de 1 ano, bem como de exercer posteriormente durante um ano a sua profissão dentro da sua área da sua preparação técnico profissional (licenciatura em Gestão) bem como de posteriormente procurar qualquer tipo de emprego dentro da sua área da sua preparação técnico profissional;

n) Nota: Segundo dados do INE o salário médio em Portugal fixou-se nos €1.220,00 no ano de 2019 (…)”.

PPP) A Ré, decorridos que foram os 15 dias contados após a data da alta clínica atribuída pelos serviços clínicos da própria Ré à Autora em 08/07/2019, bem como decorridos que foram os 45 dias contados após a data da formulação e receção do pedido de indemnização formulado pela Autora à Ré em 13/04/2020, não apresentou à Autora por escrito e devidamente fundamentada qualquer proposta razoável de indemnização por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para a Autora em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos.

QQQ) A responsabilidade civil emergente de acidente de viação do veículo automóvel com a matrícula ..-BZ-.. encontrava-se, à data do acidente, transferida para a R. por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...11.”

FACTOS NÃO PROVADOS

“1- A Autora necessita actualmente e necessitará no futuro de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Psicologia, Neuropsicológica, Neurologia, Neurocirurgia, Ortopedia, Cirurgia Plástica e Ginecologia para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões.

2- A Autora terá necessidade no futuro de se submeter a várias intervenções cirúrgicas e plásticas, a vários internamentos hospitalares, de efectuar várias despesas hospitalares, bem como de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para correção das lesões e sequelas.

3- Autora em virtude das lesões sofridas e da irreversibilidade das sequelas atuais e permanentes causadas pelo acidente de viação descrito nos presentes autos, padece actualmente de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 50 pontos, com futuro agravamento do défice funcional permanente da integridade física.

4- A A. tem receio que com o passar do tempo e com a elasticidade que possa vir a ter que a cicatriz se torne maior e deformada.

5- A Autora ficou a padecer definitivamente e em função das lesões politraumáticas sofridas com o acidente de viação das seguintes queixas, lesões e sequelas atuais, permanentes e irreversíveis:

1) Bacia: Dores e instabilidade da sínfise púbica e da articulação sacro-ilíaca associadas com alteração estática da bacia e compromisso da marcha;

2) Membro inferior: Afectação do nervo ciático comum com parésia;

3) Dificuldade em se calçar e se vestir;

4) Uma cicatriz cirúrgica a nível da bacia do lado esquerdo com cerca de 30 cm de extensão e que lhe provoca medo em relação ao seu futuro como mãe, assim como disfarçar a cicatriz pois que tem medo/receio que com o passar do tempo e com a elasticidade que possa vir a ter, que a cicatriz se torne maior e deformada;

6) Alterações da sensibilidade e toque a nível do lado esquerdo do seu corpo, designadamente quando vai arranjar os pés, quando vai tomar banho e a água se encontra fria ou demasiado quente, sendo que a água fria lhe provoca mais choque. Quando faz a depilação com cera na perna esquerda não aguenta à dor em relação à perna direita, e como faz muita força para resistir à dor acaba por sair o músculo e parar constantemente;

9) A parte direita do seu corpo descai para o lado esquerdo, o que implica que para se sentir “direita” a maior parte do seu corpo tenha que estar inclinada para o lado direito, fazendo uma maior carga para esse lado, o mesmo acontecendo quando se senta numa cadeira;

10) Em relação a movimentos com as duas pernas em simultâneo acaba por perder facilmente a força na perna esquerda devido a ter menos resistência (e ao tentar que ambas funcionem bem em simultâneo, as dores aparecem nas costas e principalmente do lado direito juntamente com a dor no ombro).

6- A Autora por forças das lesões sofridas em virtude do acidente de viação teve necessidade de ser submetida a tratamentos, internamentos hospitalares, de recorrer a consultas médicas, de ajuda medicamentosa, de efetuar vários exames clínicos, nas quais despendeu até à presente data a quantia, ainda não liquidada pela Ré, de cerca de €2.500,00.

7- A Autora por forças das lesões sofridas em virtude do acidente de viação teve necessidade de efetuar várias deslocações em táxi, transporte público e transporte próprio a hospitais e a clínicas, nas quais despendeu, até à presente data, uma quantia, ainda não paga pela Ré, na ordem dos €2.500,00.

8- A Autora em face da gravidade das lesões sofridas com o acidente de viação em discussão nos presentes autos, por ter reprovado um ano lectivo, perdeu também uma bolsa de mérito na Universidade ... no montante mensal de €220,00 e durante um período de tempo de onze meses, o que perfez assim um prejuízo de €7.260,00 (€220,00 x 11 meses x 3 anos= €7.260,00).

9- A Autora na altura do acidente sofreu angústia de poder vir a falecer.

10- Em consequência das referidas lesões, queixas e sequelas, a Autora padece de diminuição da libido.

11- Em consequência das referidas lesões, queixas e sequelas, a Autora no futuro, poderá ter graves problemas durante a gravidez e num futuro parto, o qual não poderá ser parto normal.

12- O recurso a uma ou várias operações plásticas à referida cicatriz não eliminará na totalidade a mesma.

Indemnização por dano biológico:

A Relação atribuiu a indemnização por dano biológico a indemnização de € 150.000, reduzindo, assim, a indemnização de € 281.000 fixada pela sentença.

Pretende agora a autora/recorrente que lhe seja fixada a indemnização de € 400.000.

No caso de dano biológico, “a solução seguida pela jurisprudência do STJ é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando a expectativa de vida activa não confinada à idade-limite para a reforma” (Ac. STJ de 6.12.2017, proc. 1509/13.1TVLSB.L1.S1)

Como se viu, a autora, que tinha 17 anos, à data do sinistro, ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 35 pontos - considerando-se que as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares - de um dano estético permanente fixável no grau 4/7, tendo em conta a cicatriz, de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7, de repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 2/7. Ficou, ainda, assente que a autora, à data da entrada da acção em juízo, frequentava o 1º ano da Licenciatura de Gestão da Faculdade de ... em ..., que, à data da prolação da sentença, frequentava o terceiro e último ano da mesma licenciatura, e que, com a sua futura licenciatura na área de Gestão, ganhará, futura e previsivelmente, uma remuneração mensal de cerca de €1.250,00.

Para aferir da indemnização mais ajustada à situação importa que se assinalem, previamente, alguns acórdãos deste Supremo que se reportaram a lesados menores ou estudantes, ainda não inseridos no mercado de trabalho.

Assim, no Ac. STJ de 18.1.2018, proc. 223/15.8T8CBR.C1.S1, à lesada, de 22 anos de idade, estudante de enfermagem e com défice funcional permanente de 11%- considerando-se, ainda, que as sequelas de que ficou a padecer, embora compatíveis com a actividade profissional de enfermagem, implicariam esforços acrescidos, e que apresentava algumas limitações físicas para as actividades quotidianas - foi atribuída uma indemnização de € 55.000,00 a título de dano biológico na sua vertente patrimonial.

A um lesado de 6 anos, com 50 pontos de incapacidade, o Ac. STJ de 6.4.2021, proc. 2908/18, arbitrou uma indemnização de € 300.000 pelo dano biológico.

Em 20.4.2021, no proc. 1751/15, a um lesado de 10 anos com uma incapacidade de 31 pontos (Doloris 7/7; estético 3/7) o Supremo fixou a indemnização por danos patrimoniais futuros de € 150.000.

A outro lesado, de 23 anos, em formação universitária, que ficou com uma incapacidade de 62 pontos (doloris 6/7; estético 5/7), atribuiu, em acórdão de 19.10.2021, 7098/16, in www.dgsi.pt, a indemnização de € 300.000.

No acórdão de 10.4.2024, no proc. 987/21.0T8GRD.C1.S1, a um jovem de 15 anos que, em consequência do acidente sofreu múltiplas fracturas e lesões, foi alvo de três intervenções cirúrgicas, teve um longo período de convalescença e de recuperação, no qual teve de andar apoiado em canadianas, necessitando de reiterados tratamentos e consultas médicas, sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7, sofreu um dano estético permanente de grau 2 em 7, ficou com uma perna mais curta que a outra em 2 centímetros e passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7,317 pontos, com existência de possível dano futuro, sofrendo uma repercussão permanente nas actividades desportivas lazer de nível 4, numa escala de 7, ficando com sequelas que implicam esforços acrescidos nas suas atividades habituais, o Supremo atribuiu uma indemnização de € 150.000.

Ainda em relação aos critérios que devem estar presentes no apuramento das indemnizações, relacionados com a futura capacidade económica dos lesados, pode ver-se, também, o Ac. STJ de 22.6.2017, proc. 104/10.1TBCBC.G1.S1: “ (…) II. O facto de o lesado ter apenas 14 anos de idade, de frequentar a escolaridade obrigatória e de, por tudo isso, não exercer ainda qualquer profissão, nem ter qualquer habilitação profissional ou académica não determina que, (i) como pretende a Seguradora, a indemnização seja calculada pelo valor da remuneração mínima garantida ou que, (ii) como decidiu a Relação, seja calculada pelo valor do salário mínimo nacional. III. Em tais circunstâncias é mais ajustado ponderar o valor do salário médio nacional, como elemento objectivo que sustenta o recurso à equidade; no Ac. STJ de 06-02-2024, proc. 2012/19.1T8PNF.P1.S1 foi entendido que “I-O dano biológico integrado por défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, compatível com o exercício de atividade profissional mas que implica esforços suplementares para o exercício da mesma, é indemnizável sob uma vertente patrimonial, como dano patrimonial futuro que tem em conta a expressão daquele défice; II- Tratando-se de calcular um quantitativo indemnizatório que traduza o capital de que o lesado se veja privado para o futuro em virtude do défice funcional sofrido, para tal há que ter em conta o período de tempo que, considerando a idade do lesado aquando da data da consolidação médico-legal das lesões (pois é a partir desta que fica definido o défice funcional), tem em conta a sua esperança média de vida, e a consideração do salário médio mensal nacional dos trabalhadores por conta de outrem por referência ao ano da consolidação médico-legal das lesões, isto no caso de o lesado ser estudante, pois neste caso não existe qualquer elemento que indicie que o mesmo se iria situar no patamar mais baixo de uma carreira profissional ou que iria conformar-se com o recebimento do salário que qualquer empresa é obrigada a pagar independentemente das habilitações ou da profissão exercida pelo trabalhador.” Nesta medida, não se pode ignorar, assim, a penalização da capacidade económica do lesado, sendo que, no caso vertente, se provou até que a autora ganhará futura e previsivelmente (depois de 2024, ano em que termina a formação escolar superior) uma remuneração mensal de cerca de €1.250,00.

Assim, atendendo a que a lesada tinha 17 anos à data do acidente, uma expectativa de vida de 66 anos (para uma esperança de vida de 83 anos), que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 35 pontos e que com a sua futura licenciatura na área de Gestão, ganhará futura e previsivelmente uma remuneração mensal de cerca de €1.250,00, afigura-se-nos adequada, equitativa e proporcional, uma indemnização de € 200.000.

Indemnização por danos não patrimoniais:

A Relação atribuiu a indemnização por danos não patrimoniais de € 85.000.

Pretende agora a recorrente/autora que lhe seja fixada a indemnização de € 100.000, pugnando a ré/recorrente, por sua vez, por uma compensação de € 50.000,00, tal como foi fixado em primeira instância.

Com relevo, verifica-se que: à data do acidente, a autora frequentava o 11º ano de escolaridade, tendo reprovado um ano lectivo em consequência das lesões sofridas; que as lesões da autora, que foi vítima do acidente em 4.6.2017 só atingiram a sua consolidação médico legal em 8.7.2019, período durante o qual foi operada e sujeita a várias sessões de fisioterapia e tratamento fisiátrico, tendo ficado como sequela uma cicatriz cirúrgica a nível da bacia do lado esquerdo com cerca de 20 cm de extensão; que o quantum doloris foi fixado em 5, numa escala crescente de 1 a 7; que a referida cicatriz na mesma escala crescente de 1 a 7, lhe confere um dano estético fixável no grau 4; que tem um prejuízo de afirmação pessoal de 2 (em 5); que as queixas, lesões e sequelas numa escala crescente de 1 a 7 lhe conferem uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7; que as lesões referidas lhe causam uma repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 2/7: que ficou com um défice funcional de 35 pontos, que implicam esforços suplementares; que necessita actualmente e necessitará no futuro de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de psiquiatria e fisiatria e de realizar tratamento fisiátrico.

No Ac. STJ de 21.06.2022, proc.1991/15.2T8PTM.E1.S1, fixou-se em € 85.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um lesado de 30 anos que ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 39 pontos, um quantum doloris de grau 5, numa escala crescente de 7 graus, um dano estético de grau 3 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 4.

Comparando com a situação dos autos, verifica-se que, apesar de ter ficado afectada de défice funcional (um pouco) mais baixo (35 pontos) e de lhe ter sido fixada uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer em grau ligeiramente inferior (grau 2/7), a lesada, que teve um quantum doloris igual (5/7), tinha apenas 17 anos de idade, tendo, para além disso, ficado a padecer de um dano estético superior (4/7) e de um prejuízo sexual (2/5), o que tudo justifica, em nosso entender, a elevação da indemnização por danos não patrimoniais para € 90.000.

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista da recorrente da seguradora/ré, conceder parcialmente a revista da recorrente/ autora, alterar o acórdão da Relação e fixar a indemnização total no montante de € 290.000 (duzentos e noventa mil euros), no mais se mantendo o acórdão recorrido.

Custas da revista da recorrente autora, na proporção de 2/3 para a autora e 1/3 para a ré.

Custas da revista da recorrente ré pela própria.


*


Lisboa, 17 de Setembro de 2024

António Magalhães (Relator)

Nelson Borges Carneiro

Jorge Leal