Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
Descritores: | UNIÃO DE FACTO DIREITO DE REGRESSO EMPRÉSTIMO BANCÁRIO RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA SUBSIDIARIEDADE SUB-ROGAÇÃO OBRIGAÇÃO NATURAL INEXIGIBILIDADE ABUSO DO DIREITO ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA ARGUIÇÃO DE NULIDADES FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO CONDENAÇÃO EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO | ||
Data do Acordão: | 10/14/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
Sumário : | I. A invocação de vícios relativos à apreciação da matéria de facto não corresponde à arguição de qualquer nulidade da decisão, antes consubstancia a invocação de uma situação de erro de julgamento de facto, a ser apreciada, como tal, nos termos e com os limites em que esta é sindicável em sede de recurso de revista. II. As alegadas contradições entre a decisão de facto e a respectiva fundamentação encontram-se manifestamente excluídas da intervenção do STJ, na medida em que redundaria numa sindicância da fundamentação da convicção sobre a matéria de facto formada pelas instâncias, quando a intervenção do STJ se limita aos casos de contradição inerente à própria decisão de facto. III. Os direitos dos unidos de facto a que se refere o art. 8.º da Lei n.º 7/2001, de 11.05 são apenas os direitos elencados no art. 3.º do mesmo diploma, não compreendendo o dito art. 8.º todo e qualquer direito subjectivo em relação ao qual a união de facto e a dissolução da mesma se assumem como factos constitutivos do direito. IV. Não merece censura o entendimento do acórdão recorrido, a propósito do segundo empréstimo dos autos, que, considerando a formulação dos pedidos em principal e subsidiário, entendeu, em síntese, encontrarem-se preenchidos os pressupostos do direito de regresso a favor do autor por efeito da aplicação do regime de solidariedade da dívida assumida pelas partes, tendo condenado a ré a pagar a parte suportada pelo autor que lhe caberia na liquidação da dita dívida, ao abrigo do art. 524.º do CC. V. Em relação ao primeiro empréstimo, tendo ficado provado que foi o autor quem suportou a quase totalidade das prestações do empréstimo, sempre terá ele direito ao respectivo reembolso, seja por via do art. 644.º do CC, pois cumpriu a obrigação fidejussória sem que a ré tenha comprovado a excepção invocada de ter contribuído para a amortização das prestações, seja por via da liquidação da situação patrimonial decorrente da união de facto, com apelo ao instituto do enriquecimento sem causa, por ter ficado demonstrado um enriquecimento da ré à custa do autor, na parte correspondente à amortização do empréstimo contraído para aquisição da fracção habitacional. VI. Num agregado familiar com o dos autos, composto pelos unidos de facto, pelo filho de ambos e ainda pelos três filhos da ré, não pode sufragar-se a qualificação do contributo da ré para as despesas comuns como consistindo no cumprimento de obrigações naturais, consistindo antes, nos termos dos arts. 1879.º e 1889.º do CC, no cumprimento de verdadeiras obrigações civis. VII. A factualidade provada não permite dar como provado que tenha existido uma situação de desproporção entre os contributos que cada uma das partes foi dando para as despesas comuns do agregado familiar, pelo que se deve considerar não ser a ré titular de qualquer crédito judicialmente exigível sobre o autor a compensar com o crédito deste, resultante do pagamento das prestações dos empréstimos referidos nos pontos V. e VI. do sumário. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra BB pedindo a condenação da R.: - A título principal, com fundamento em direito de regresso: a) No pagamento da quantia de € 208.366,04 despendida pelo A. e nas quantias a despender na amortização do empréstimo contraído pela R. para aquisição de um apartamento e respectivas obras, empréstimo do qual o A. foi fiador e que foram integralmente liquidadas pelo A.; b) No pagamento da quantia de € 13.013,12 pelo pagamento de metade de todas as prestações de amortização do empréstimo contraído em comum para aquisição de uma garagem por parte da R. e que foram igualmente integralmente suportadas pelo A.; c) E ainda no pagamento da quantia de € 44.752,00 despendida pelo A. e nas quantias a despender relativamente a seguros obrigatórios associados a esses empréstimos bancários. - A título subsidiário, com fundamento em enriquecimento sem causa: a) No pagamento da quantia de € 204.082,72, correspondente ao empobrecimento do A. e correspectivo enriquecimento da R. pela aquisição do direito de propriedade do mencionado apartamento; b) A quantia de € 13.013,12, em que se saldou o empobrecimento do A. e correspondente enriquecimento da R., pela aquisição de ½ do direito de propriedade da mencionada garagem; c) A quantia de € 44.752,00, relativa ao empobrecimento do A. com o pagamento dos seguros obrigatórios indexados aos mencionados empréstimos. Em qualquer das situações, peticiona ainda a condenação da R. no pagamento dos respectivos juros de mora. Alegou, em síntese, ter vivido com a R. em união de facto durante cerca de vinte anos, tendo um filho em comum, para além dos filhos da R. de um anterior casamento, e que no decurso dessa relação, por decisão conjunta, a R. adquiriu um apartamento para casa de morada de família, sito na Rua …, em …., tendo sido acordado que ficaria apenas em nome desta por razões relacionadas com a vida profissional do A., ainda que a intenção fosse que ficasse a pertencer ao património do agregado familiar. Para tal, a R. contraiu um empréstimo bancário destinado à aquisição da fracção e realização de obras, empréstimo no qual o A. figurou como fiador; para além disso e como complemento à habitação, a R. adquiriu uma garagem, tendo A. e R. contraído um outro empréstimo para aquisição desta. Alega o A., em relação a ambos os empréstimos, ter sido sempre ele quem exclusivamente liquidou as correspondentes prestações de amortização e procedeu ao pagamento dos prémios de seguro, sem que a R. tenha contribuído para tal, uma vez que não auferia rendimentos estáveis e suficientes para fazer face a essas despesas. A R. deduziu contestação defendendo, em síntese, que sempre auferiu rendimentos provenientes da sua actividade profissional e que, ao longo dos anos, os depositou na conta na qual eram feitos os débitos das prestações em montante global não inferior a € 337.508,33, que o valor do empréstimo contraído para a aquisição da garagem apenas em cerca de metade foi utilizado para esse propósito e, bem assim, que contribuiu para o sustento do agregado familiar pagando sozinha diversas despesas comuns. No decurso dos autos, o A. veio ampliar os pedidos formulados, actualizando para € 214.031,25 (relativamente ao primeiro mútuo), para € 22.208,95 (relativamente ao segundo mútuo), e contabilizando os juros vencidos no montante total de € 34.981,60, em função das novas amortizações dos empréstimos que foi realizando, concluindo, assim, pelo pedido global de € 315.973,80. Por sentença proferida em 2 de Outubro de 2017 foi a acção julgada integralmente improcedente quanto aos pedidos principal e subsidiário formulados. Inconformado, interpôs o A. recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito. Em 9 de Julho de 2020 foi proferido acórdão, que, alterando a matéria de facto, revogou a decisão recorrida e decidiu: «A. Julgar parcialmente procedente o pedido principal, a título de direito de regresso, condenando a ré a pagar ao autor: - a quantia de € 22.208,95, referente às prestações do mútuo contraído parcialmente para aquisição da garagem, até 06-04-2016, bem como as quantias que, na proporção de metade, tenham sido ou venham a ser pagas, exclusivamente pelo autor, enquanto condevedor, a idêntico título de amortização (capital e juros), computada desde aquela data e até à sua total liquidação, e ainda os juros moratórios, vencidos e vincendos, sobre tais quantias já pagas, desde a citação e até integral pagamento; - a quantia que se liquidar em execução de sentença, relativamente a metade das quantias despendidas pelo Autor, com o(s) seguro(s) obrigatório(s) indexado(s) a tal empréstimo. B. Julgar parcialmente procedente o pedido subsidiário, fundado no enriquecimento sem causa, condenando a ré a pagar ao autor: - a quantia de € 211.599,87, por referência ao mútuo relativo à aquisição da fracção e realização das obras, respectivos juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, computados desde a citação e até integral pagamento - a quantia que se liquidar em execução de sentença, relativamente às quantias despendidas pelo Autor, com o(s) seguro(s) obrigatório(s) indexado(s) a tal empréstimo.» 2. Vem a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando conclusões que, pela sua extensão de cinquenta e sete páginas, aqui não se reproduzem, e nas quais se identificam, como questões objecto do recurso, saber se o acórdão recorrido: A. É nulo, designadamente, por falta de fundamentação e por condenar em objecto diverso, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e e), do CPC (cfr. conclusões 1 a 24 da revista); B. Enferma de erro na apreciação das provas, nos termos do art. 674.º, n.º 3, do CPC, e se a matéria de facto é contraditória e deve ser objecto de ampliação, nos termos do art. 682.º, n.º 3, do CPC (cfr. conclusões 25 a 53 da revista); C. Errou ao considerar inexigível peticionar a dissolução da união de facto para o exercício dos direitos pretendidos fazer valer na acção e que tal poderia ser suprido oficiosamente pela Relação (cfr. conclusões 54 a 66 da revista); D. Errou, de facto e de direito, ao considerar verificados os pressupostos do direito de regresso em relação ao empréstimo contraído, nomeadamente, para aquisição da garagem e, bem assim, quanto ao pagamento ao autor dos prémios de seguro (cfr. conclusões 67 a 74 da revista); E. Errou, de facto e de direito, ao considerar verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa em relação ao empréstimo contraído para aquisição da fracção para habitação, por não existir qualquer enriquecimento ou correlativo empobrecimento (cfr. conclusões 75 a 98 da revista); F. Errou ao aplicar o instituto do enriquecimento sem causa quando este tem natureza subsidiária e por o recurso a esta figura constituir abuso do direito (cfr. conclusões 99 a 104 da revista); G. Errou ao considerar que o contributo da R. para as despesas comuns do agregado familiar não é judicialmente exigível por corresponder ao cumprimento de uma obrigação natural, sendo a interpretação do acórdão violador do princípio constitucional da igualdade (cfr. conclusões 105 a 111 da revista); H. Devia ter considerado, mesmo que se verificassem os requisitos do enriquecimento sem causa, que o A. actuou em abuso do direito, tendo, com a presente acção, tido um comportamento contraditório violador da confiança suscitada na R.. (cfr. conclusões 112 a 130 da revista).
O Recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, com a manutenção da decisão do acórdão recorrido, e chamando à colação um facto jurídico ocorrido após a audiência final, que consiste na venda pela R. da fracção para habitação pelo preço de um milhão e quatrocentos mil euros, conforme escritura pública de que junta certidão.
3. Por acórdão da conferência de 3 de Dezembro de 2020 o tribunal a quo pronunciou-se no sentido da não verificação das invocadas nulidades do acórdão recorrido.
Cumpre apreciar e decidir.
4. A factualidade dada como provada, no seguimento das modificações e aditamentos realizados pela Relação, é a seguinte: 1. Autor e Ré viveram como marido e mulher desde data não anterior a 1992 nem posterior a Março de 1994 e até Setembro de 2010. 2. Por escritura pública outorgada no … Cartório Notarial … a 10.10.96, foi celebrado contrato de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra «C» que corresponde ao primeiro andar do prédio urbano situado na Rua ..., números ...e ...., em ..., descrito na … Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …96 da freguesia da ... e inscrito na correspondente matriz predial urbana sob o artigo …87, pelo qual a Ré adquiriu tal imóvel (adiante designado por apartamento da Rua ...) a CC, pelo preço de vinte e cinco milhões de escudos (€124.699,47). 3. Pelo mesmo instrumento notarial, foi celebrado um contrato de mútuo em que intervieram o Banco de Investimento Imobiliário, SA. [do grupo Millennium BCP] na qualidade de mutuante, a Ré, na qualidade de mutuária e o Autor na qualidade de fiador e principal pagador, em virtude do qual foi emprestado à Ré, com a obrigação de restituição, o montante de vinte e oito milhões e quinhentos mil escudos (correspondentes a €142.157,40), sendo vinte e cinco milhões de escudos (correspondentes a €124.699,47) destinados ao pagamento da aquisição da fracção acima referida e os restantes três milhões e quinhentos mil escudos (correspondentes a € 17.457.93) destinados ao pagamento de obras de beneficiação na mesma fracção. 4. Nos termos do disposto na cláusula quarta do documento complementar anexo à escritura, estipulou-se que o empréstimo seria concedido por dezassete anos a contar de 15 de Outubro de 1996 e seria amortizado em duzentas e quatro prestações mensais, de capital e juros, tendo a primeira vencimento no dia 15 de Novembro de 1996. 5. O pagamento das prestações de amortização da dívida, capital e juros atinentes a tal empréstimo foi sempre efectuado por débito directo da conta titulada pelo Autor no Banco Millennium BCP, com o número .....505, a qual passou a ser conjuntamente titulada por A. e Ré a partir de 27.05.1996. 6. Por escritura pública celebrada no Cartório Notarial a cargo do Notário DD, a 10.07.08 a Ré adquiriu a fracção autónoma designada pela letra «U» que corresponde à garagem em estacionamento coberto correspondente ao prédio urbano sito na Rua ..., número …, em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº … da freguesia ... e inscrito na correspondente matriz predial urbana sob o artigo …99, o que fez pelo preço de € 36.375,00. 7. Pelo mesmo instrumento notarial, o Banco Comercial Português, SA, na qualidade de mutuante, emprestou à Ré e ao Autor, na qualidade de mutuários, com obrigação de restituir, o montante de setenta e cinco mil euros (€75.000,00). 8. Nos termos do disposto na cláusula segunda do documento complementar anexo à referida escritura, o empréstimo foi concedido pelo prazo de cento e noventa meses a contar do dia 30 de Julho de 2008 e seria amortizado em cento e noventa prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento a 30 de Agosto de 2008 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes. 9. Em cumprimento destes mesmos mútuos datados de 10.10.96 e 10.07.08, respectivamente, foram pagas por débito directo da conta identificada em 5 no Banco Millennium BCP as seguintes importâncias: a) Mútuo de 10.10.96: Em 1996 e 1997, o montante de € 20.297,84 b) Mútuo de 10.10.96: Em 1998, o montante de € 14.983,97 c) Mútuo de 10.10.96: Em 1999, o montante de € 13.515,79 d) Mútuo de 10.10.96: Em 2000, o montante de € 13.702,41 e) Mútuo de 10.10.96: Em 2001, o montante de € 14.077,17 f) Mútuo de 10.10.96: Em 2002, o montante de € 13.274,12 g) Mútuo de 10.10.96: Em 2003, o montante de € 12.737,07 h) Mútuo de 10.10.96: Em 2004, o montante de € 12.483,36 i) Mútuo de 10.10.96: Em 2005, o montante de € 11.288,43 j) Mútuo de 10.10.96: Em 2006, o montante de € 11.389,27 k) Mútuo de 10.10.96: Em 2007, o montante de € 11.710,66 l) Mútuo de 10.10.96: Em 2008, o montante de € 11.823,65 m) Mútuo de 10.07.08: Em 2008, o montante de € ……….. n) Mútuo de 10.10.96: Em 2009, o montante de € 11.305,68 o) Mútuo de 10.07.08: Em 2009, o montante de € 11.305,68 p) Mútuo de 10.10.96: Em 2010, o montante de € 11.157,78 q) Mútuo de 10.07.08: Em 2010, o montante de € 11.305,68 r) Mútuo de 10.10.96: Em 2011, o montante de € 11.182,70 s) Mútuo de 10.07.08: Em 2011, o montante de € 11.305,68 t) Mútuo de 10.10.96: Em 2012, o montante de € 11.176,47 u) Mútuo de 10.07.08: Em 2012, o montante de € 11.305,68 v) Mútuo de 10.10.96: Em 2013, o montante de € 1.859,66 w) Mútuo de 10.07.08: Em 2013, o montante de € 11.305,68 9.1. A última prestação do mútuo datado de 10.10.96 foi debitada em 16.09.13, tendo, até essa data, sido pago o montante global de €214,031,2 a título de capital e juros. 9.2. Relativamente ao mútuo datado de 10.07.08, com terminus a 30 de Maio de 2024, por referência à data de 06.04.16, foi pago o montante global de €44.417,89, a título de capital e juros. 10. Da quantia mutuada pelo Banco Comercial Português, foi aplicado na aquisição da garagem mencionada no ponto 6 deste elenco o valor de €36.375,00, tendo sido o remanescente integrado a conta do BCP identificada no ponto 5 deste elenco. 11. Na conta bancária com o NIB ......505 no Banco Millennium BCP, de onde eram debitadas as prestações referentes aos apontados encargos, o Autor recebia o seu vencimento e outros rendimentos. 12. A Ré apenas passou a ser cotitular da conta solidária do Millennium BCP a partir de Maio de 1996, sendo, no entanto, que, a débito, apenas a movimentava com o uso de cartão de crédito associado e que, a crédito, apenas a movimentou nos termos infra descritos nos pontos 27 a 28 deste elenco. 13. A decisão de adquirir um apartamento foi tomada pelo Autor e pela Ré na pendência da vida em comum, como se fossem casados, e o mesmo serviria, como serviu, de habitação dos dois, do filho de ambos e dos três filhos da Ré. 14. Pese embora a intenção das partes de que o imóvel ficasse a integrar o património do agregado familiar, pelo facto de o Autor querer proteger o património familiar do risco inerente à sua actividade empresarial, foi decidido que o apartamento da Rua ... seria adquirido em nome da Ré. 15. Antes de conhecer o A., a R. residia num apartamento na Rua …, em .... 16. Em Março de 1994, a Ré celebrou um contrato de arrendamento que tinha por objecto o apartamento da Rua ... (que viria a adquirir em 10.10.1996 nos termos apontados em 2.), pela renda de trezentos e trinta mil escudos por mês mas com um compromisso de obras no valor de seis milhões de escudos, mais ficando acordado que, até à conclusão das obras por esse valor, seriam abatidos mensalmente cem mil escudos do valor da renda. 17. Apesar de se encontrar separado, o A. era ainda casado, tendo vindo a divorciar-se em 13.11.00, facto pelo qual a fracção identificada em 2. foi adquirida apenas em nome da Ré, figurando o Autor na qualidade de fiador do mútuo mencionado em 3., já que o Banco exigia tal garantia. 18. Tal fracção foi habitação permanente do Autor e da Ré. 19. A. e Ré passaram ainda a ser titulares em conjunto da conta nº …/…15 CS, do BBVA-Bilbao Vizcaya Argentaria, até aí apenas titulada pela Ré. 20. Não obstante ser solidária, tal conta do BBVA apenas era movimentada a débito pela Ré, tendo-a o A. movimentado a crédito apenas nos termos infra descritos no ponto 36 deste elenco. 21. A Ré exercia actividade quando conheceu o Autor e fê-lo durante o período em que viveram juntos. 22. O A. conheceu a R. quando esta integrava a …… do BCI e fora mandatada para a compra de espaços comerciais que viriam a ser utilizados como balcões bancários, altura em que auferia mensalmente, em ordenado e comissões, cerca de um milhão de escudos. 23. O A. era o engenheiro nomeado pela empresa E…, encarregue da fiscalização e direcção das obras nos espaços comerciais. 24. Quando o BCI deixou de pagar as remunerações, a R. processou o BCI com ganho de causa, tendo recebido vinte e um milhões de escudos a título de indemnização, quantia que depositou na aludida conta do BBVA. 25. Entre 1993 e Setembro de 1994, a Ré trabalhou como mediadora na sociedade C… Lda., com o NIPC …, tendo, em 16 de Setembro de 1994 adquirido 50% do capital social da empresa e, mais tarde, em 1997, adquirido o restante capital social. 26. Como gerente da C… a R. auferia rendimento mensal bruto de €1.500,00, o que apenas se alterou em Março de 2002, quando a Ré foi acometida de doença oncológica e submetida a tratamento. 27. A Ré depositou na conta solidária do BCP os seguintes valores: a) €1.246,99 (duzentos e cinquenta mil escudos) em 13.03.95; b) €2.743,39 (quinhentos e cinquenta mil escudos) em 16.09.93; c) €25.874,83 (cinco mil, cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e trinta e oito escudos) em 10.05.95; d) €9.975,96 (dois milhões de escudos) em 10.08.95. 27.1. Foram transferidos por EE para a conta do BCP €105.562,50 em 31.10.05, data em que quantia idêntica foi igualmente transferida pelo mesmo para a conta do BBVA. 27.2. A R. pagou ao anterior proprietário da fracção da R. da ... o montante de € 7.481,96 através da sua conta pessoal do BBVA. 27.3. O Autor, após disponibilização do montante do mútuo referenciado nos factos 3 e 4, emitiu e entregou à Ré um cheque sacado sobre a conta identificada em 5, datado de 14/10/1996, no valor de 7.500.000$00 (contravalor de 37.409,84 €), que esta depositou na conta do BBVA – Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, identificada em 19. 27.4. A quantia referenciada em 27.1, transferida para a conta do BCP identificada em 5, era pertença do Autor. 28. Foram ainda depositados na mesma conta do BCP os seguintes valores resultantes do arrendamento da fracção da R. da ..., a saber: Ø € 31.500,00 – referentes a rendas pagas pelo arrendatário no valor mensal de € 2244,60 (à data 450.000$00), entre Abril de 2001 e Fevereiro de 2003; Ø € 17.500,00 – referentes a rendas pagas pelo arrendatário no valor mensal de € 1.750,00, entre Agosto de 2004 e Julho de 2005; Ø € 63.800,00 – referentes a rendas pagas pelo arrendatário no valor mensal de € 2.000,00 de renda de casa e € 200,00 de renda da garagem, entre Agosto de 2005 e Dezembro de 2007; Ø € 47.000,00 – referentes a rendas pagas pelo arrendatário no valor mensal de € 2.350,00, entre Dezembro de 2007 e Julho de 2009. 29. Através da conta do BBVA, entre 1992 e 2010, a Ré pagou despesas do agregado familiar com mobiliário, decoração, empregados, arrendamentos de casas de férias e outros encargos correntes, no valor global de €295,901,25, dos quais, €71.782,93 se destinaram a pagar, entre 1994-2000 e 2007-2010, encargos mensais com empregadas domésticas – item que implicou um custo médio mensal não inferior a €500,00-; consumos de electricidade - item que implicou um custo médio mensal não inferior a €100,00 -; colégio do filho comum(nascido em 1995) - item que implicou um custo médio mensal não inferior a €400,00 -; alimentação - item que implicou um custo médio mensal não inferior a €500,00 -; e renda de casa - item que implicou um custo médio mensal não inferior a €600,00. 30. O empréstimo no valor de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), fora concedido a pensar na compra de duas garagens, cada uma no valor de € 37.500,00. 31. O Autor suportava as rendas de casa da filha fruto de casamento anterior. 32. A aquisição do automóvel ... foi adquirido pelo Autor em 2008 com recurso a leasing contraído junto do BPI, cujo vencimento ocorreu em 14.04.11. 33. Em 1993, a Ré vendeu um apartamento do Autor e abdicou da sua comissão de €1.646,00. 34. O Autor nunca foi chamado ao pagamento do empréstimo para aquisição da fracção identificada em 2., a título de fiador, posto que a conta da qual as prestações eram debitadas teve sempre cobertura. 35. O Autor pagou as despesas com o casamento da filha da Ré, FF, através da emissão de um cheque no montante de € 3.750.00 registado com o n.º …….05 e descontado no extracto do mesmo documento na data 10.12 - depositado pela Ré na sua conta do BBVA no mesmo dia –; e de um outro o cheque registado com o n.º …81 no montante de € 10.000.00 descontado no mesmo extracto na data de 10.28 referente ao primeiro reembolso que o Autor fez à sociedade (E...) que adiantou o pagamento do jantar. 36. Através de cheques passados à Ré que a mesma veio a depositar na aludida conta do BBVA de transferências para a mesma conta e pelo creditar nesta da totalidade do reembolso do IRS concretizado em 2007, o Autor provisionou o respectivo saldo com o montante global de € 70.008,44, entre 2003 e 2010 (entre 2003 e 2007, tal valor fixou-se em 52.358,44 €). 37. EE era, por herança pela morte do seu pai, o senhorio da casa que o agregado familiar arrendou na Rua …., quando pela primeira vez, Autor e Ré, decidiram sair da fracção da Rua ... para uma casa maior e com estacionamento para os carros, no início de 2001. 38. Em 2005, o senhorio (EE) informou o Autor e a Ré que tinha decidido mudar todos os seus negócios para Espanha e tinha por isso decidido também a vender alguns activos que tinha em Portugal e consultou o Autor e a Ré sobre o seu interesse em comprar a casa por um preço que, necessariamente indexado à renda que recebia, era naturalmente abaixo do provável valor de mercado da casa. 39. No âmbito dessas negociações ficou acordado que a Ré trataria, porque era a sua actividade, de promover a venda da casa no mercado e que o valor obtido, naquilo que excedesse o valor que o senhorio tinha proposto à Ré e ao Autor para lhe comprarem a casa, fosse dividido em duas partes iguais, 50% para o senhorio e 50% para os inquilinos, nas pessoas do Autor e da Ré. 40. A casa foi vendida por mais € 422.250,00 do que inicialmente proposto ao Autor e Ré. 41. Assim, € 211.125,00 foram para o senhorio, que no próprio dia em que recebeu o dinheiro da venda perguntou ao Autor como queria fazer com os € 211.125.00. 42. O Autor informou o ex senhorio que deveria depositar esse valor, dividido em duas partes iguais, nas contas do Autor (BCP) e da Ré (BBVA). 43. O montante de € 12.500 proveniente do filho da Ré (GG) resultou do reembolso que o mesmo tinha que fazer ao Autor no âmbito de um adiantamento daquela quantia feita àquele pelo último. 44. Relativamente a um veículo ..., o valor de € 6.900,00 depositado em 17.09.07 na conta do BCP em 17.09.07, resulta de uma decisão tomada pelo Autor e pela Ré quando a última recebeu da seguradora a indemnização por perda total do veículo (acidentado) da sua filha HH. 45. Nessa data – 17.09.07 -, a Ré tinha a sua conta do BBVA com um saldo na ordem de cerca de duzentos euros, incrementado logo a seguir com o valor da totalidade de reembolso de IRS - € 5.533,44, resultante da declaração conjunta apresentada. 46. Por essa razão, a Ré pediu ao Autor que a ajudasse a completar o dinheiro necessário para comprar um novo carro para uso da filha HH. 47. Duas possibilidades se puseram relativamente ao destino a dar ao dinheiro do seguro (indemnização): 1) entregava-se os € 6.900,00 ao stand e pagava-se o restante em modalidade a acordar, ou 2) a Ré entregava esse dinheiro ao Autor e este celebrava um contrato de leasing no valor global do carro novo. 48. Feitas as contas, o Autor optou pela segunda hipótese e depositaram-se os € 6.900,00 na conta do BCP mas, em contrapartida, foi pago um leasing no total de €10.200,00. 49. Assim, o Autor suportou, na aquisição de um novo ... de Matrícula ...-EB-..., para a filha da Ré (HH) mais €3.300,00 além do dinheiro recebido da Seguradora, a título de indemnização. 50. Relativamente aos montantes de €10.500,00 e de €24.704,66 a que se reporta o [sic], os mesmos resultaram da venda de carrinhas ... que eram os carros familiares que o Autor pagou directamente ou através das empresas de grupo de que era sócio. 51. O que sucedia era que, no final dos planos de financiamento (leasing), os automóveis eram registados em nome da Ré. 52. Os depósitos de €1.500.00 e €6.000.00 da filha da Ré (FF) constituíram o pagamento de uma divida de €7.500.00 que a mesma – FF – e o seu marido, II, tinham para com o Autor. 53. Aqueles pediram ao Autor o dinheiro numa altura de aflição da empresa que geriam com o compromisso de o pagarem no espaço de um ou dois meses sendo, no entanto, que FF e o marido demoram praticamente um ano a devolver o dinheiro ao Autor. 54. O Autor e a Ré concordaram, em determinada altura, mudar de casa porque a família, com os três filhos da R. a ficarem adultos e o filho comum ainda criança, mas a crescer, começou a ter outras exigências de espaço e porque queriam ter um ou dois lugares para os 4 carros que já existiam na família. 55. Até Junho de 2009, as rendas recebidas pelo arrendamento (a terceiros) do apartamento da Rua ..., creditadas na conta BCP (identificada em 5), ascendeu a o valor de €207.789,00 e as rendas suportadas em idêntico período, debitadas na mesma conta, ascendeu ao montante de €265.236,00. 56. A partir de Janeiro de 2012, o Autor parou de provisionar a conta referida no art.º 17º da petição inicial, sendo que a conta bancária não tem – actualmente – praticamente nenhum movimento além das prestações da fracção da Rua ..., da garagem e do Seguro de Saúde da Ré e do filho de ambos, tendo o A. aberto uma nova conta bancária, no mesmo banco, de onde, ainda hoje, providencia esses suprimentos. 57. No mês de Julho de 2007, no que respeita a manutenção de casa de férias, o A. suportou o vencimento da empregada doméstica JJ - €261,00; do jardineiro - €325,00; no mês de Setembro de 2007, suportou o de JJ - €216,00 -, e do caseiro, LL - €592,00; em Outubro Novembro e Dezembro 2007, novamente o do caseiro – respectivamente, €374,00; €722,00; €640,00; e para o jardineiro €500,00. 58. Relativamente à moradia de férias ..., o Autor suportou os seguintes valores: em 04.11.03, €4.936,00; 05.05.04, €4.904,55; em 11.08 €4.489,18; 11.10 €444,21; e em 24.02 €358,79. 59. Nos meses de Maio a Outubro de 2007, entre outros, o Autor suportou despesas de alimentação mensais oscilantes entre cerca de €400,00 e €1.000,00, através do cartão de crédito associado à conta do BCP. 60. Quando o agregado familiar voltou a viver na Rua ..., em 2009, ficou acertado que aquela garagem ficaria para a Ré utilizar e que para o Autor, que tinha um carro de grandes dimensões, se procuraria uma solução com o recurso a um arrendamento vindo, nesta sequência, a ser arrendada uma garagem na Rua …, que o Autor usou e pagou enquanto habitou na fracção da Rua ..., e que chegou igualmente a servir para o filho da R. guardar a sua motorizada. 61. A E... é uma sociedade da qual o Autor era sócio na altura, juntamente com outras três pessoas. 62. Todos os adiantamentos que a E... fazia aos seus sócios eram objecto de acerto de contas no final de cada ano, obrigando os sócios que tivessem beneficiado desses adiantamentos às respectivas devoluções, caso às mesmas houvesse lugar. 63. As viagens de avião (para 6 pessoas) rumo ao ..., no fim de ano de 2009, foram adiantadas pela empresa E..., tendo o Autor suportado, durante a estadia, a festa do Fim do Ano no Hotel ..., bem como os extras Hotel ..., com os valores de €900,00 e de €229,86, bem como outros encargos, de valor global não inferior a €300,00. 64. Em Julho de 2009, a Ré deu uma contribuição para arrendar, na ..., a casa de férias no ... nesse ano, tendo, contudo, o Autor suportado €9.415,00. 65. O Autor suportou igualmente as despesas com as férias na neve para grupos que chegaram a ser de nove pessoas, entre 2006 e 2009, nos valores de € 7.417,85; € 4.021,46 e € 2.902,85. 66. O Autor suportou os custos de obras feitas no apartamento da Rua ... em 2009, no valor global de cerca de €63.000,00. 67. O Autor pagou médicos e despesas de saúde bem como o colégio do filho de ambos, mais provisionando a conta do BCP, pelo menos, até 2012 – salvo nos meses em que a Ré o fez, até 2010, pedindo apenas algumas das correspondentes facturas à R. 68. O Autor suportou ainda um seguro de saúde para a Ré e para o filho de ambos através da conta solidária que ainda se mantém no BCP e que foi provisionando à medida dos compromissos que se mantiveram indexadas a essa conta (empréstimo da fracção, empréstimo da garagem, seguros dos empréstimos e seguros de saúde da R. e do filho comum). 69. O Autor suportou despesas de electricidade, gás, água e telefone salvo nos meses em que a Ré o fez. 70. A partir da altura em que a Ré passou a ter um cartão de crédito da conta solidária do BCP, as compras de supermercado começaram a ser pagas pela Ré também por essa via. 71. O que a R. continuou a fazer até cerca de dois anos após a separação. 72. Em 2010, o Autor foi confrontado com facturas por liquidar emitidas à Ré, que esta não pagou e que vieram a ser pagas pelo primeiro.
Ao abrigo do art. 611.º, n.º 1 do Código de Processo Civil deve, ainda, atender-se ao seguinte facto superveniente: em 28 de Janeiro de 2019, a R. vendeu a terceiro a fracção autónoma descrita no ponto 2. dos factos provados pelo preço de € 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros), que declarou ter recebido (facto provado por certidão do Registo Predial junta pelo A. com as contra-alegações do recurso de revista, documento que se admite nos termos previstos no art. 423.º, n.º 3, do CPC). Foi dado como não provado: 1. Foi sempre o Autor quem procedeu ao pagamento das prestações a que se reportam os pontos 5 e 8 dos Factos Provados, com dinheiro seu. 2. A garagem a que se reporta o ponto 6 dos Factos Provados foi adquirida pelo Autor e pela Ré. 3. O remanescente do empréstimo contraído em 2008 foi utilizado para reforço do orçamento familiar, nomeadamente, para pagamento de despesas extraordinárias como foram férias de Inverno da neve e férias de Verão no .... 4. Apesar dos filhos da Ré serem maiores e não serem filhos do Autor, foi sempre o último que, só por si, as suportou para a família toda. 5. Enquanto viveu com o Autor, a Ré nunca obteve qualquer rendimento regular pelo que foi sempre o Autor quem suportou todas as despesas com os empréstimos supra referidos, bem como com a quase totalidade dos encargos decorrentes da convivência em união de facto, com o filho de ambos bem como com os três filhos de dois casamentos anteriores da Ré. 6. Apesar de a conta do BCP ser solidária, nunca a R. a movimentou a crédito, ou seja, nunca depositou ou transferiu para a mesma conta qualquer montante. 7. Não obstante ser solidária, a conta do BBVA apenas era movimentada pela R., sendo a única a creditar dinheiro na mesma, para pagamento dos encargos familiares. 8. A R. suportava sozinha todas as despesas relativas aos seus filhos, nomeadamente Colégios, Faculdade e outras despesas destes. 9. Quando recebeu a aludida indemnização do BCI, a R. transferiu para a conta solidária do BCP dois milhões e quinhentos mil escudos. 10. Por conta da Ré, foram depositados na c.c. do BCP os seguintes valores: - € 12.500,00 em 10.01.2008 de conta bancária do filho da R., GG; - € 6.900,00 em 17.09.2007 pela seguradora Ocidental referente a indemnização por perda total do carro, propriedade da Ré, de marca ... com a matrícula ...-...- RH; - € 10.500,00 em 26 de Setembro de 2003, relativos à venda de um carro ... A4, propriedade da Ré a MM; - € 1.500,00 em 22.12.2003 de conta bancária da filha da R., FF; - € 6.000,00 em 22.12.2003 de conta bancária da filha da R., FF; - € 24.704,66 (4.952.840$00) em 25.02.2000, referente à venda de um carro de marca ..., propriedade da Ré, a NN. 11. Era a R. quem pagava, através da sua conta no BBVA, supra identificada, todas as despesas com mobiliário, decoração, empregada, arrendamentos das casas de férias em ... e .... 12. A garagem identificada no ponto 8 dos Factos Provados era utilizada essencialmente pelo A., para estacionamento do seu carro, sendo que a R. praticamente não a utiliza pois, atentos os seus problemas de saúde, nomeadamente respiratórios, tem muita dificuldade em subir a pé a rua que vai desde a garagem até à sua habitação. 13. A diferença de € 1.125,00 entre o valor da garagem pago e o montante peticionado ao Banco corresponde à comissão da R. no negócio e que a mesma deixou creditada na conta solidária do BCP. 14. A. e Ré faziam acerto de contas muitas vezes, directamente, até à separação de ambos, em Outubro de 2010. 15. Quando foi viver com a R., o A. apenas levou consigo a sua roupa e um elevado acumular de dívidas que foi a R., com a sua actividade, que ajudou a liquidar. 16. O montante de € 105.562,50 supra mencionado é dinheiro do Autor. 17. Nunca o Autor utilizou a garagem adquirida pela Ré nem teve chave nem qualquer meio de acesso à mesma. 5. Tal como supra enunciado, o presente recurso tem como objecto (cfr. art. 635.º, n.º 4 do CPC) as seguintes questões: A. Saber se o acórdão recorrido é nulo, designadamente, por falta de fundamentação e por condenar em objecto diverso, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e e), do CPC (cfr. conclusões 1 a 24 da revista); B. Saber se o acórdão recorrido enferma de erro na apreciação das provas, nos termos do art. 674.º, n.º 3, do CPC, e se a matéria de facto é contraditória e deve ser objecto de ampliação, nos termos do art. 682.º, n.º 3, do CPC (cfr. conclusões 25 a 53 da revista); C. Saber se o acórdão recorrido errou ao considerar inexigível peticionar a dissolução da união de facto para o exercício dos direitos pretendidos fazer valer na acção e que tal poderia ser suprido oficiosamente pela Relação (cfr. conclusões 54 a 66 da revista); D. Saber se o acórdão recorrido errou, de facto e de direito, ao considerar verificados os pressupostos do direito de regresso em relação ao empréstimo contraído para aquisição da garagem e, bem assim, quanto ao pagamento ao A. dos prémios de seguro (cfr. conclusões 67 a 74 da revista); E. Saber se o acórdão recorrido errou, de facto e de direito, ao considerar verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa em relação ao empréstimo contraído para aquisição da fracção para habitação, por não existir qualquer enriquecimento ou correlativo empobrecimento (cfr. conclusões 75 a 98 da revista); F. Saber se o acórdão recorrido errou ao aplicar o instituto do enriquecimento sem causa quando este tem natureza subsidiária e por o recurso a esta figura constituir abuso do direito (cfr. conclusões 99 a 104 da revista); G. Saber se o acórdão recorrido errou ao considerar que o contributo da R. para as despesas comuns do agregado familiar não é judicialmente exigível por corresponder ao cumprimento de uma obrigação natural, sendo a interpretação do acórdão violadora do princípio constitucional da igualdade (cfr. conclusões 105 a 111 da revista); H. Saber se o acórdão recorrido devia ter considerado, mesmo que se verificassem os requisitos do enriquecimento sem causa, que o A. actuou em abuso do direito, tendo, com a presente acção, tido um comportamento contraditório violador da confiança suscitada na R.. (cfr. conclusões 112 a 130 da revista). 6. Para melhor se poderem compreender e apreciar as questões suscitadas pela Recorrente, afigura-se conveniente sintetizar os termos em que, de forma circunstanciada e desenvolvida, se pronunciou o acórdão recorrido: - Começando por apreciar a questão prévia da eventual necessidade de declarar judicialmente a dissolução da união de facto, concluiu em sentido negativo; - Apreciando a impugnação da matéria de facto, alterou a decisão de facto; - Reapreciando a decisão de direito – e, no que se refere às relações entre as partes em consequência do primeiro contrato de mútuo bancário (Empréstimo I), celebrado em 10-10-1996, para aquisição de fracção destinada a habitação, tendo a R. como mutuária e o A. como fiador – entendeu o tribunal a quo que, não obstante ter sido provado que foi o A. a suportar as prestações de amortização do empréstimo bancário, não se encontra este numa situação de sub-rogação ou de direito de regresso em relação à R., na medida em que, não tendo havido qualquer incumprimento das obrigações para com o banco mutuante, não foi o mesmo A. chamado a assumir qualquer encargo enquanto fiador; - Assim sendo, a pretensão do A. apenas poderia ser analisada na perspectiva do enriquecimento sem causa, correspondente ao pedido subsidiário, uma vez que se provou ter a fracção sido adquirida na vigência da união de facto e que as partes acordaram na sua aquisição para casa de morada de família (tendo a aquisição ficado inscrita em nome da R. devido ao risco inerente à actividade profissional do A.); - Quanto às relações entre as partes em consequência do segundo contrato de mútuo bancário (Empréstimo II), contraído em 10-07-2008, para aquisição de uma garagem, tendo a A. e o R. como mutuários, reconheceu ao A. direito de regresso sobre as quantias pagas que excedem a comparticipação em partes iguais na dívida, a que acresce, com o mesmo fundamento, o direito do A. a metade das despesas com seguros a liquidar em “execução de sentença”, na medida em que se provou ter sido ele quem suportou integralmente as prestações do empréstimo; - Passando depois a apreciar o pedido subsidiário fundado no enriquecimento sem causa decorrente da cessação da união de facto, e tendo feito o enquadramento doutrinal e jurisprudencial da questão, concluiu ter sido provado que foi o A. a suportar a quase totalidade das prestações do empréstimo contraído para aquisição da fracção destinada a habitação (Empréstimo I); pagamento esse que ascende ao montante de € 211.599,87, o que corresponde ao valor do enriquecimento da R., que deve ser restituído ao A., acrescido de juros de mora desde a citação, a que acrescem as despesas a liquidar “em execução de sentença” com os seguros indexados a esse empréstimo; - Finalmente, considerou que a decisão em causa tinha subjacente o entendimento de que as diversas despesas suportadas pela R. com os encargos da vida comum correspondem ao cumprimento de obrigações naturais, pelo que, de acordo com o regime do enriquecimento sem causa, não há lugar à sua restituição; - Considerou ainda não se verificar, por parte do A., qualquer situação de abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, diversamente do que entendeu a 1.ª instância, na medida em que aquele continuou a liquidar as prestações bancárias após o fim da união de facto porque no empréstimo figurava como fiador e porque continuara a suportar despesas comuns, uma vez que se encontrava obrigado a prestar alimentos ao filho comum. Com especial relevância para a apreciação do objecto do presente recurso de revista, assinale-se a metodologia seguida pela Relação na apreciação e decisão das questões de direito substantivo: - Num primeiro nível, apreciou o pedido principal do A. – decorrente do pagamento por este feito das prestações dos mútuos bancários (Empréstimo I e Empréstimo II) – em função da posição que A. e R. ocupam na relação jurídica com a respectiva entidade mutuante, assim como do fundamento para os pagamentos realizados; - No que se refere ao Empréstimo II, no qual A. e R. são devedores solidários, considerou aplicável, no plano das relações internas, o regime do direito de regresso (art. 524.º do Código Civil), reconhecendo ter o A. direito a ser reembolsado pela parte por si suportada que caberia à R. na liquidação do valor das prestações que pagou ao banco; - No que se refere ao Empréstimo I, no qual a R. é devedora e o A. fiador, entendeu não ser aplicável o regime da sub-rogação previsto no art. 644.º do Código Civil, na medida em que o pagamento das prestações pelo A. não foi feito na qualidade de fiador; - Tendo assim concluído, passou a apreciar, num segundo nível, do pedido subsidiário a respeito das relações entre as partes resultantes do pagamento pelo A. das prestações do Empréstimo I, considerando verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa e condenando a R. a restituir ao A. o valor do enriquecimento. 7. Relativamente à questão das invocadas nulidades do acórdão recorrido [questão A)], sustenta a Recorrente não ter o acórdão recorrido fundamentado de forma cabal, de facto e de direito, a desnecessidade de o A. formular pedido de reconhecimento da dissolução da união de facto, pressuposto da procedência dos pedidos principal e subsidiário formulados, o que constituiria uma nulidade do acórdão por falta de fundamentação, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC. Para além disso, entende ter o acórdão recorrido condenado em objecto diverso do pedido ao considerar desnecessário proceder a esse pedido pelo facto de tal poder ser reconhecido por mera declaração do tribunal recorrido, o que constituirá uma nulidade por condenação em objecto distinto, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC. Acrescenta ainda que a nulidade do acórdão recorrido resulta também de a Relação não ter fundamentado, de forma lógica e cabal, a alteração de determinados pontos da matéria de facto (v.g. facto provado 27. e facto não provado 16.), quando existe prova documental, não impugnada nos autos, que demonstra o contrário do entendimento expresso no aresto a esse respeito, sem que tal tenha sido devidamente fundamentado. Finalmente, argumenta existir contradição entre o facto não provado 16., relativo ao depósito do valor de uma venda, e a alteração da matéria de facto efectuada pela Relação, alongando-se a respeito da apreciação dos meios de prova efectuada, a esse respeito, pelo acórdão recorrido para sustentar que existe, nessa parte, falta de fundamentação. Vejamos. Considera-se que, conforme sublinha o Recorrido, não invoca a Recorrente nem está aqui em causa qualquer falta de fundamentação, a qual apenas ocorre quando, de acordo com a orientação reiterada da jurisprudência deste Supremo Tribunal, «falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito da decisão» (nas palavras do acórdão de 05-02-2019, proc. n.º 14767/16.0T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Tampouco se verifica condenação em objecto diverso, porquanto a questão prévia da necessidade de formulação do pedido de reconhecimento da dissolução da união de facto não foi objecto de qualquer pedido, nem integrou qualquer segmento decisório, tendo antes sido apreciada enquanto pressuposto ou questão prévia ao conhecimento do objecto da acção, ou seja, como questão de direito a apreciar em sede de recurso. No mais, as alegações recursórias a respeito do erro na apreciação da matéria de facto – designadamente da alegada falta de ponderação de documentos e das alegadas contradições da decisão de facto – não invocam qualquer vício da decisão susceptível de ser enquadrado no regime das nulidades previstas nas alíneas do n.º 1 do art. 615.º do CPC. Com efeito, conforme vem entendendo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, a invocação de vícios relativos à apreciação da matéria de facto não corresponde à arguição se qualquer nulidade da decisão, antes consubstancia a invocação de uma situação de erro de julgamento de facto, a ser apreciada, como tal, nos termos e com os limites em que esta é sindicável em sede de recurso de revista (cfr., neste sentido, e a título exemplificativo, os acórdãos de 23-03-2017, proc. n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1, de 10-12-2020, proc. n.º 4390/17.8T8VIS.C1.S1, e de 26-01-2021, proc. n.º 3004/10.1TBVFX.L2.S1, consultáveis em www.dgsi.pt). Conclui-se, assim, pela não verificação das invocadas nulidades do acórdão recorrido. 8. A respeito da questão do erro na apreciação das provas [questão B)], sustenta a Recorrente constarem do processo factos relevantes (nomeadamente, diversos depósitos efectuados numa conta do BCP, fruto do trabalho por si exercido ao longo de diversos anos, no valor total de €510.551,10, cujos documentos comprovativos não foram impugnados e que foram considerados no despacho saneador), que, alega, não foram atendidos pelas instâncias, pelo que deve ser determinada a ampliação da matéria de facto nos termos do art. 682.º, n.º 3, do CPC. Mais alega que tal se deveu a mero lapso, fruto da extensão da matéria de facto, e defende ser este o primeiro grau de recurso, razão pela qual não invocou o dito lapso anteriormente. Defende também que o acórdão incorre em contradição no que se refere à matéria de direito provada e aos seus fundamentos, uma vez que a Relação retirou duas alíneas do facto provado 27. por não terem sido juntos os documentos comprovativos, quando a Recorrente apresentou esses documentos subsequentemente à contestação, em requerimento autónomo por o Citius não comportar a sua totalidade, pugnando pela repristinação da resposta dada a esse ponto na sentença recorrida através da baixa dos autos à Relação para corrigir a mencionada contradição. Da mesma forma, sustenta que, em relação ao facto não provado 16., relativo ao depósito da venda do imóvel de EE, incorreu a Relação em contradição (ao alterar esse facto para provado no facto 27.), sendo a fundamentação «manifestamente contraditória entre si, além de ser totalmente ilógica, incoerente e até diremos pouco racional», porquanto resulta da prova que o dinheiro recebido por essa venda era remuneração do trabalho da Recorrente, não fazendo sentido o raciocínio da Relação ao entender que seria uma indemnização aos arrendatários, tudo isto justificando a baixa dos autos à Relação para suprir a contradição. O Recorrido, em sede de contra-alegações, para além de manifestar dificuldade na identificação do vício em causa, argumenta que a Recorrente apenas invoca a contradição entre a matéria de facto e a sua fundamentação, o que equivale à impugnação da matéria de facto que, no caso concreto, se mostra inviável por não caber ao Supremo Tribunal de Justiça proceder à sua sindicância. Vejamos. Tendo em conta os limitados poderes de cognição deste Supremo Tribunal no que se refere à sindicância da matéria de facto, constata-se que, apesar da referência feita pela Recorrente à previsão do art. 674.º, n.º 3, do CPC, não se descortina em que medida terá o acórdão recorrido violado regras de direito probatório cujo cumprimento seja sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que a mesma Recorrente apenas se refere a prova documental sujeita ao princípio da livre apreciação. Com efeito, a circunstância de os documentos por si apresentados não terem, alegadamente, sido impugnados, e terem, inclusive, sido mencionados no despacho saneador, não implica qualquer valor probatório reforçado desse meio de prova, nem constitui qualquer juízo confessório, uma vez que este respeita à factualidade alegada e não aos respectivos meios de prova. No mais, a referência a ter havido um lapso por parte das instâncias no que concerne à falta de valoração de documentos que terão sido juntos na fase dos articulados e que demonstrariam outros rendimentos da Recorrente que não foram contabilizados, não justifica, por si só, a ampliação da base instrutória, nos termos do art. 682.º, n.º 3, do CPC, a qual tem como primeiro fundamento o entendimento de que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito. No caso, essa necessidade não se identifica, antes se afigura pretender a Recorrente que se aprecie um alegado erro na valoração da prova, o qual não é sindicável pelo Supremo Tribunal nem constitui fundamento para a baixa do processo à Relação. Acresce que, ao contrário do que afirma a Recorrente, poderia tal alegado vício na apreciação da prova pela 1.ª instância ter sido, por si, suscitado na fase da apelação, nomeadamente por meio da ampliação do âmbito do recurso nos termos do art. 636.º, n.º 2, do CPC. Finalmente, no que se refere aos demais fundamentos invocados para a pretendida baixa dos autos à Relação, com assento no disposto no art. 682.º, n.º 3, do CPC, invoca a Recorrente diversas contradições com respeito à matéria de facto que, conforme assinala o Recorrido, não se referem a “contradições na matéria de facto”, mas antes a alegadas contradições entre esta e a respectiva fundamentação. Ora, tal encontra-se manifestamente excluído da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que redundaria numa clara sindicância da fundamentação da convicção sobre a matéria de facto formada pelas instâncias, quando a intervenção do Supremo se limita aos casos de contradição inerente à própria decisão de facto. Com efeito, conforme tem entendido a jurisprudência deste Supremo Tribunal: «[A] contradição entre factos dados como provados capaz de inviabilizar a decisão jurídica do pleito e, por isso, relevante para efeitos do disposto no art. 682.º, n.º 3 do CPC, é aquela que traduz a existência entre eles de uma relação de exclusão, no sentido de estarmos perante factos inconciliáveis» (acórdão de 23-04-2020, proc. n.º 6640/12.8TBMAI.P2.S1).[1] Não podendo «o STJ, enquanto tribunal de revista, pronunciar-se sobre questões relativas a eventuais contradições, obscuridades ou deficiência da matéria de facto, que não lhe compete averiguar» (acórdão de 08-02-2018, proc. n.º 756/13.0TVPRT.P1.S2), disponível em www.dgsi.pt[2]. Ou, conforme se refere no sumário do acórdão de 13-02-2013 (proc. n.º 3559/07.8TBMTS.P2.S1), consultável em www.stj.pt: «I - A contradição a que se refere o art. 729.º, n.º 3, do CPC [actual art. 682.º, n.º 3] – contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito –, é a que possa existir entre os factos provados, uns em relação a outros, e mesmo apenas relativamente a factos essenciais, mas não se refere a contradições que possam existir entre os mesmos factos e a prova em que a verificação dos mesmos se fundamentou. II - Esta última contradição corresponde a uma impugnação da decisão da matéria de facto por erro de julgamento, a sindicar nos termos gerais dos recursos e, como tal insusceptível de ser levantada no recurso de revista, salvo nos casos excepcionais previstos na 2.ª parte do n.º 2 do art. 722.º do CPC. [actual art. 674.º, n.º 3, 2.ª parte] (…)». Conclui-se, assim, pela improcedência da pretensão da sindicância da decisão de facto. 9. Relativamente à questão da prévia declaração judicial de dissolução da união de facto [questão C)], alega a Recorrente que o acórdão recorrido errou ao considerar não ser necessária tal declaração para o exercício dos direitos pretendidos fazer valer na presente acção. Entende, neste sentido, que, não tendo o A. promovido a declaração judicial da dissolução da união de facto, nos termos previstos no art. 8.º, n.º 3, da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, não pode pretender fazer valer os direitos invocados com a propositura da presente acção por se encontrarem dependentes do reconhecimento dessa dissolução. Acrescenta que a falta de tal declaração não pode ser suprida pelo tribunal, uma vez que o A. nada alegou nem provou a respeito da cessação da união de facto. Conclui que, não tendo o A. feito um pedido autónomo quanto à dissolução judicial, e muito menos intentado qualquer acção autónoma, e não tendo o tribunal de 1.ª instância ou da Relação emitido a declaração de dissolução, não pode o Supremo proferir a referida declaração sob pena de nulidade. Vejamos. Em sede de questão prévia ao conhecimento da acção, o acórdão recorrido pronunciou-se no sentido de ser inexigível tal declaração judicial de dissolução da união de facto, pois os direitos pretendidos fazer valer a título principal não dependem daquela dissolução, e que apenas se impõe proferir essa declaração quando esteja em causa a pretensão de fazer valer direitos que a lei confere ou atribui aos companheiros de uma união de facto já dissolvida. Acrescentou, no mais, que, ainda que assim não se entendesse, não estaria o A. obrigado a deduzir tal pedido, uma vez que o tribunal não estaria impedido de conhecer dos pedidos formulados na acção, declarando o pressuposto de que dependeria o seu conhecimento, colmatando oficiosamente a omissão por se estar perante uma mera declaração certificativa de um pressuposto de pretensões decorrentes da cessação da união de facto. Quid iuris? Prescreve o n.º 2 do art. 8.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio: «A dissolução prevista na alínea b) do número anterior [dissolução da união de facto por vontade de um dos seus membros] apenas terá de ser judicialmente declarada quando se pretendam fazer valer direitos da mesma dependentes, a proferir na acção onde os direitos reclamados são exercidos, ou em acção que siga o regime processual das acções de estado». Este Supremo Tribunal teve já oportunidade de se pronunciar, ainda que num caso com contornos distintos do presente caso, a respeito da exigência prévia de declaração judicial da união de facto, tomando posição no sentido de que os direitos a que se refere o art. 8.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio são apenas os direitos elencados no art. 3.º do mesmo diploma, não compreendendo o dito art. 8.º todo e qualquer direito subjectivo em relação ao qual a união de facto e a dissolução da mesma se assumem como factos constitutivos do direito. Assim, conforme resulta do sumário do acórdão do STJ de 10-12-2019 (proc. n.º 305/16.9T8EVR.E1.S1) , in www.stj.pt: «(…) II- A exigência de declaração judicial de dissolução da união de facto, prevista no n.º 3 do art. 8.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05, deve ser cumprida quando esteja em causa algum dos direitos taxativamente previstos no art. 3.º e ss. da mencionada lei. (…)». Esses direitos, são, nos termos taxativamente previstos no art. 3.º, n.º 1, da mencionada Lei: «a) Protecção da casa de morada de família, nos termos da presente lei; b) Beneficiar do regime jurídico aplicável a pessoas casadas em matéria de férias, feriados, faltas, licenças e de preferência na colocação dos trabalhadores da Administração Pública; c) Beneficiar de regime jurídico equiparado ao aplicável a pessoas casadas vinculadas por contrato de trabalho, em matéria de férias, feriados, faltas e licenças; d) Aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens; e) Protecção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei; f) Prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, por aplicação dos regimes jurídicos respectivos e da presente lei; g) Pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, por aplicação dos regimes jurídicos respectivos e da presente lei.» Pode ler-se na fundamentação do aresto: «Com efeito, fortes razões podem ser apresentadas neste sentido, desde logo, por só nesses casos se justificar a exigência legal da contemporânea declaração judicial do reconhecimento da dissolução da união de facto, já que, assim, se obtém o grau de segurança e certeza jurídica necessária ao reconhecimento do pressuposto do direito que se pretende ver reconhecido (v.g. a protecção da casa de morada de família, especificamente regulada no art. 4.º da Lei n.º 7/2001). Em todos os outros casos, nomeadamente, em situações como a presente que se poderão reconduzir às consequências patrimoniais da dissolução da união de facto, não tendo o legislador pretendido regulamentar a respectiva disciplina, incoerente seria que exigisse esse pedido e a respectiva declaração para efeitos do exercício de direitos que se reconduzem exclusivamente a interesses da esfera patrimonial de privados». [negrito nosso] Assinale-se que, no acórdão deste Supremo Tribunal de 14-07-2016 (proc. n.º 2637/04.0TBVCD-L.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt, que a Recorrente invoca em favor da sua posição, a referência à mencionada exigência de declaração judicial de dissolução surge a propósito de uns embargos de terceiro em que estava em causa a questão da atribuição da casa de morada de família, que é (precisamente) um direito previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 3.º da Lei n.º 7/2201, não podendo pois extrair-se desse acórdão qualquer orientação válida para o caso sub judice. Deste modo, e em conformidade com a propugnada interpretação do n.º 2 do art. 8.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, fica afastada a necessidade de ser requerida ou decretada, ainda que oficiosamente, por parte do tribunal, a dissolução da união de facto, a qual, em qualquer caso, surge confessada (cfr. pontos 1. e 71. da matéria de facto provada e arts. 1.º, 15.º e 30.º da p.i. e arts. 4.º e 19.º da contestação) e de modo algum questionada pelas partes face às pretensões deduzidas nos autos. 10. Resolvidas as questões recursórias anteriores, cumpre apreciar as questões de direito substantivo invocadas pela Recorrente, por esta ordem: D. Saber se o acórdão recorrido errou, de facto e de direito, ao considerar verificados os pressupostos do direito de regresso em relação ao empréstimo contraído, nomeadamente, para aquisição da garagem e, bem assim, quanto ao pagamento ao A. dos prémios de seguro (cfr. conclusões 67 a 74 da revista); E. Saber se o acórdão recorrido errou, de facto e de direito, ao considerar verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa em relação ao empréstimo contraído para aquisição da fracção para habitação, por não existir qualquer enriquecimento ou correlativo empobrecimento (cfr. conclusões 75 a 98 da revista); F. Saber se o acórdão recorrido errou ao aplicar o instituto do enriquecimento sem causa quando este tem natureza subsidiária e por o recurso a esta figura constituir abuso do direito (cfr. conclusões 99 a 104 da revista); G. Saber se o acórdão recorrido errou ao considerar que o contributo da R. para as despesas comuns do agregado familiar não é judicialmente exigível por corresponder ao cumprimento de uma obrigação natural, sendo a interpretação do acórdão violador do princípio constitucional da igualdade (cfr. conclusões 105 a 111 da revista); H. Saber se o acórdão recorrido devia ter considerado, mesmo que se verificassem os requisitos do enriquecimento sem causa, que o A. actuou em abuso do direito, tendo, com a presente acção, tido um comportamento contraditório violador da confiança suscitada na R.. (cfr. conclusões 112 a 130 da revista). 11. Recorde-se que, como se viu supra, no ponto 6. do presente acórdão, a sequência pela qual a Relação apreciou e decidiu as questões de direito substantivo: - Num primeiro nível, apreciou o pedido principal do A. – decorrente do pagamento por este feito das prestações dos mútuos bancários (Empréstimo I e Empréstimo II) – em função da posição que A. e R. ocupam na relação jurídica com a respectiva entidade mutuante, assim como do fundamento para os pagamentos realizados; - No que se refere ao Empréstimo II, no qual A. e R. são devedores solidários, considerou aplicável, no plano das relações internas, o regime do direito de regresso (art. 524.º do CC), reconhecendo ter o A. direito a ser reembolsado pela parte por si suportada que caberia à R. na liquidação do valor das prestações que pagou ao banco; - No que se refere ao Empréstimo I, do qual a R. é devedora e o A. fiador, entendeu não ser aplicável o regime da sub-rogação previsto no art. 644.º do CC, na medida em que o pagamento das prestações não foi feito pelo A. na sua qualidade de fiador; - Tendo assim concluído, passou a apreciar, num segundo nível, do pedido subsidiário a respeito das relações entre as partes resultantes do pagamento das prestações do Empréstimo I, considerando verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa e condenando a R. a restituir ao A. o valor do enriquecimento. 12. Feitas estas considerações, passemos a apreciar a questão de saber se o acórdão recorrido errou, de facto e de direito, ao considerar verificados os pressupostos do direito de regresso em relação ao empréstimo contraído para aquisição da garagem (Empréstimo II) e, bem assim, quanto ao pagamento ao A. dos prémios de seguro correspondentes [questão D)]. Entende a Recorrente ter a Relação incorrido em erro ao considerar verificados os pressupostos do direito de regresso em que se fundou a condenação parcial no pedido principal formulado nos autos, com referência às relações entre as partes, quanto ao empréstimo bancário por estas contraído, em parte, para aquisição de uma garagem adquirida apenas pela R. (Empréstimo II) e ao pagamento dos respectivos prémios de seguro indexados a este empréstimo. Defende, neste sentido, e apoiando-se em grande medida na fundamentação vertida na sentença da 1.ª instância, ter ficado provado que, ao longo do tempo, fez a A. contribuições para a conta bancária onde eram feitos os débitos dos empréstimos, contribuições essas de valor muito superior ao dos pedidos, pelo que, no contexto da união de facto que existia entre as partes, não ocorria qualquer relação de garante, não sendo aplicáveis as regras do direito de regresso previsto no art. 524.º do Código Civil, mas, eventualmente e apenas, as regras do enriquecimento sem causa; sendo certo, porém, que, no caso, o A. foi quem ficou com a quase totalidade do empréstimo. No mais, sustenta, ser desconhecido o valor que será pago a mais por o empréstimo apenas findar em 2024 e, relativamente aos prémios de seguro, valer igualmente o demonstrado a respeito do depósito de valores muito superiores. O Recorrido, em sede de contra-alegações, argumenta que os depósitos na conta bancária em causa, a que a Recorrente se refere, não ficaram demonstrados nem se provou corresponderem a fundos seus, tendo ambas as partes contribuído para as despesas comuns do agregado familiar, ainda que o A. em maior medida; e tendo continuado o A. a efectuar a amortização das prestações para não ser imediatamente responsabilizado pelo incumprimento. Neste ponto, e com referência a este empréstimo (Empréstimo II), importa, antes de mais, atender à factualidade relevante, que se pode resumir aos pontos 5., 6., 7., 8., 9., 9.2., 10., 11., 12., 27., 28., 30. e 60. da matéria de facto. Vejamos. Desta factualidade decorre terem o A e a R., na constância da união de facto, em 2008, pensado em comprar duas garagens e contraído, para esse efeito, um empréstimo no valor de € 75.000,00, junto do BCP, do qual se constituíram mutuários. Na mesma data da celebração do empréstimo, em 10-07-2008, a R. adquiriu uma garagem, sita na Rua …, na ..., em ..., no valor de € 36.375,00, tendo a parte restante do empréstimo sido depositada na conta do BCP, acabando em 2009, quando o agregado familiar voltou a viver na Rua ..., por ficar acertado que aquela garagem ficaria para a R. utilizar e que, para o A., que tinha um carro de grandes dimensões, se procuraria uma solução que passou pelo arrendamento de uma garagem na Rua …. Em relação aos factos provados respeitantes à movimentação da conta do BCP, inicialmente titulada pelo A. e na qual sempre depositou os seus rendimentos, e que veio, em 1996, a ser co-titulada pela R., ficaram provados diversos movimentos a crédito e a débito, sendo de destacar que a maior parte se refere ao período anterior à celebração do empréstimo de 2008 pelo que assumem reduzida relevância para a questão ora em apreciação. O acórdão recorrido, a propósito deste Empréstimo II, e considerando a formulação dos pedidos em principal e subsidiário, entendeu, em síntese, encontrarem-se preenchidos os pressupostos do direito de regresso a favor do A. por efeito da aplicação do regime de solidariedade da dívida assumida pelas partes, tendo condenado a R. a pagar a parte suportada pelo A. que caberia àquela na liquidação da dita dívida, ao abrigo do art. 524.º do Código Civil, uma vez que entendeu ter ficado provado ter sido o A. a liquidar, até 06-04-2016, as prestações do empréstimo no valor de € 44.417,89 a título de capital e juros. Entendeu, ainda, não ter a R. logrado provar, como excepção, ter efectuado pagamentos de igual montante ou que existisse acordo, expresso ou tácito, de que só o A. deveria suportar o encargo de tal dívida, isto é, de que nas relações passivas internas ocorria afastamento da regra da solidariedade. Independentemente de se apurar se a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, pretendida pela Recorrente, resultaria numa redução do valor que a R. teria de pagar ao A. – o que se afigura não ser líquido –, perante a natureza subsidiária de tal instituto e a existência de um regime próprio que rege as relações entre os devedores de dívidas solidárias, deve concluir-se pela não verificação do invocado erro de direito. E sendo de assinalar que o direito de regresso invocado pelo A. sempre existiria independentemente da relação de união de facto. 13. Passemos agora a apreciar a questão de saber se o acórdão recorrido errou, de facto e de direito, ao considerar verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa em relação ao empréstimo contraído para aquisição da fracção (Empréstimo I), por não existir qualquer enriquecimento ou correlativo empobrecimento [questão E)]. Os pressupostos desta fonte das obrigações, previstos nos arts. 473.º e 474.º do Código Civil, podem agrupar-se em pressupostos positivos e pressupostos negativos, assim enunciados pela doutrina (ver, por todos, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, págs. 491 a 505): São pressupostos positivos: (i) o enriquecimento; (ii) o suporte do enriquecimento por outrem; (iii) e correlação entre o enriquecimento e o suporte do enriquecimento por outrem. São pressupostos negativos: (i) a ausência de causa justificativa; (ii) a ausência de outro meio de o credor ser indemnizado ou restituído; (iii) e a ausência de norma que negue o direito à restituição ou atribua outros efeitos ao enriquecimento. Nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscitou a Recorrente, antes de mais, a questão da falta de verificação dos pressupostos positivos (a dita questão E)) e, subsequentemente, a questão da falta de verificação do pressuposto negativo correspondente à índole subsidiária do instituto. Apenas por razões de clareza de sistematização, manteremos esta distinção, relegando a apreciação do respeito pela índole subsidiária do instituto para o ponto seguinte do presente acórdão. Quanto aos pressupostos positivos, entende a Recorrente ter o acórdão recorrido errado, de facto e de direito, por, em relação ao empréstimo contraído para aquisição da fracção, não existir qualquer enriquecimento da sua parte (pressuposto positivo (i)) ou correlativo empobrecimento por parte do A. (pressupostos positivos (ii) e (iii)). Defende, neste sentido, que a fundamentação do acórdão recorrido assume que a R. não fez quaisquer contributos para a amortização do empréstimo em causa (Empréstimo I), o que, mesmo que se aceitasse a modificação da matéria de facto, alega não corresponder à verdade, pondo, no mais, em causa os cálculos efectuados pela Relação que concluiu ter o A. contribuído com o valor total de € 214.031,20, ao qual apenas haveria que deduzir os contributos da Recorrente em € 2.431,33. Considera que tal conclusão fez tábua rasa de todos os rendimentos por si auferidos, assim como dos contributos feitos para a vivência em comum ao longo de dezasseis anos, incluindo a parte da remuneração pela venda de um imóvel e depósitos feitos na conta em causa e que ascenderam a um total de € 257.885,13, montante que seria mais do que suficiente para liquidar os empréstimos contraídos, e que, inclusive, supera o valor dos contributos feitos pelo A. que, nessa medida, não terá ficado empobrecido. Mais argumenta que, sendo a fracção propriedade sua, teria o A. de suportar rendas pelo período em que viveu na mesma, tendo a R. sobre este um crédito no valor de €96.000,00, montante que deve ser contabilizado como seu contributo para as despesas comuns, a que acrescem os montantes por si auferidos como comissões de mediação imobiliária, que não foram incluídos na matéria de facto, e que estariam demonstrados pelos documentos não impugnados, referindo-se ainda às diversas despesas comuns que foram sendo suportadas pelas partes e remetendo, no mais, para a fundamentação da sentença da 1.ª instância, que entende ter analisado e concluído correctamente no sentido da não verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa. O Recorrido, em sede de contra-alegações, após afirmar que a matéria de facto efectivamente provada não coincide com a invocada nas alegações de revista, reconheceu terem ambas as partes contribuído para as despesas do agregado familiar (ainda que em maior medida da sua parte), mas, nos autos, estar exclusivamente em causa a aquisição de um imóvel pela Recorrente quando o respectivo custo de aquisição foi suportado pelo Recorrido, tendo o imóvel ficado inscrito (apenas) em nome daquela por razões relacionadas com o risco decorrente da actividade profissional do A., sendo essa a razão e a medida do enriquecimento da mesma R.. Neste ponto, e com referência a este empréstimo (Empréstimo I), importa atender à totalidade da factualidade dada como provada, podendo, de todo o modo, salientar-se os pontos 1., 2., 3., 4., 5., 9., 9.1., 11., 12., 13., 14., 16., 17., 18., 20., 27., 28. e 55. da matéria de facto. Cumpre ainda destacar as consequências da alteração à matéria de facto introduzidas pela Relação que, em substância, eliminaram da factualidade provada pontos de acordo com os quais a R. teria depositado na conta do BCP, em datas anteriores à própria celebração do empréstimo, os valores de €279.939,89 e de €24.939,89, bem como o aditamento de que a quantia depositada nessa conta por EE no valor de €105.562,50, em 31-10-2005 era pertença do A.. Da factualidade assente decorre, em termos gerais, terem A. e R., na constância da união de facto, em 1996, pensado em adquirir a fracção autónoma, sita na Rua ..., na qual já residiam e que tinha sido anteriormente arrendada pela R., tendo para aquele efeito e para a realização de obras, contraído um empréstimo no valor de € 142.157,40, junto do Banco de Investimento Imobiliário, pelo período de dezassete anos, do qual apenas a R. se constituiu mutuária e do qual o A. ficou fiador. A decisão de adquirir a fracção foi tomada por ambos para servir, como serviu, de habitação do agregado familiar, tendo o imóvel ficado registado apenas em nome da R. devido ao risco da actividade empresarial do A. e por este, à data, ainda ser casado. As prestações de amortização do empréstimo foram, até ao seu terminus, debitadas na conta do BCP titulada pelo A., da qual a R. passou a ser co-titular ainda antes da celebração do contrato de mútuo, sendo que era nesta conta que o A. recebia os seus vencimentos e outros rendimentos, tendo a R. movimentado aquela conta praticamente apenas a débito; e sendo que mesmo as rendas auferidas no período em que a fracção foi arrendada a terceiros tiveram como contrapartida o débito, em valor superior, das rendas do imóvel em que nesse período A. e R. foram residir. No que se refere à fundamentação do acórdão recorrido, para além do extenso enquadramento doutrinal e jurisprudencial aí exposto a propósito das figuras da união de facto, do enriquecimento sem causa, e dos efeitos patrimoniais da cessação da união de facto e das obrigações naturais, considerou a Relação, no caso concreto e com referência ao pedido subsidiário, ser aplicável o regime do enriquecimento sem causa em relação ao empréstimo contraído para a aquisição da fracção para habitação (Empréstimo I). Da subsunção dos factos a este regime jurídico, concluiu ser de reconhecer ao A. o direito à restituição da quantia de €211.599,87, uma vez que considerou demonstrado ter sido essencialmente ele quem provisionou com os seus rendimentos a conta onde eram feitos os débitos, tendo os valores depositados pela R. antes da própria celebração do empréstimo na conta em causa sido reembolsados pelo A. à R. praticamente na sua integralidade (com excepção de €2.431,33), sendo pois aquela a medida do empobrecimento do A.. Resulta assim da factualidade provada a circunstância de a fracção habitacional adquirida pela R., no contexto da união de facto mantida com o A., se destinar a casa de morada de família e ter sido adquirida com a intenção de integrar o património do agregado familiar, apenas tal não tendo sucedido devido ao propósito de proteger o património familiar do risco inerente à actividade profissional do A., tendo sido essa a razão para ter sido decidido que apenas seria adquirida em nome da R.. A aquisição em causa foi feita com recurso a um empréstimo bancário do qual a R. se constituiu mutuária e o A. fiador, sendo certo que, da factualidade provada, resulta que as prestações ao longo do prazo de duração do empréstimo foram sendo amortizadas por débito numa conta na qual o A. depositava os seus vencimentos e rendimentos, sem que a R., em termos líquidos – entre o que debitou e creditou nessa conta – tenha contribuído de forma relevante para a amortização do empréstimo. No que ao Empréstimo I diz respeito, é assim, de subscrever o juízo da Relação quanto ao enriquecimento da R., já que esta adquiriu, em exclusivo para si, a fracção autónoma em causa nos autos (entretanto vendida pelo valor de € 1.400.000,00 - um milhão e quatrocentos mil euros) à custa do A. que foi quem, no essencial, suportou as despesas (capital, juros e prémios de seguro) decorrentes da amortização do empréstimo bancário contraído para esse fim. Saber se a existência desta situação releva, como entendeu o acórdão recorrido, para efeitos de aplicação do regime jurídico do enriquecimento sem causa dependerá da resolução das duas questões subsequentes: (i) Saber se a lei faculta ao A. outro meio de ser indemnizado ou restituído (cfr. art. 474.º do CC), isto é, se foi ou não respeitada a natureza subsidiária do instituto; (ii) Saber se, no contexto global das relações entre as partes ao longo dos anos em que durou a união de facto, os contributos da R. para as despesas comuns do agregado familiar integram um crédito judicialmente exigível sobre o A., que justifica ou compensa o dispêndio da quantia que foi sendo suportada por este na amortização das prestações do empréstimo para aquisição do imóvel. 14. Entende a Recorrente que o acórdão recorrido errou ao enquadrar a situação correspondente ao empréstimo contraído para aquisição da fracção (Empréstimo I) no enriquecimento sem causa, atenta a natureza subsidiária deste instituto e uma vez que, de acordo com a matéria de facto provada e os valores em causa, poderia ter procedido à sua liquidação e invocar uma situação de sub-rogação. Mais invoca ser abusiva a invocação do enriquecimento sem causa. Vejamos. No acórdão recorrido entendeu a Relação que o direito do A. exercido na presente acção, no que se refere à pretensão referente ao empréstimo para aquisição da fracção autónoma não encontra tutela nos mecanismos do direito de regresso ou da sub-rogação. Adiantando em relação a esta última figura, e após proceder ao seu enquadramento nos termos dos arts. 592.º e 644.º do Código Civil, que, embora, certamente, à assunção de responsabilidade no pagamento por parte do A. não tenha sido alheia a sua qualidade de garante na satisfação do mútuo contraído, não seria de enquadrar a situação na sub-rogação, mas antes no enriquecimento sem causa objecto do pedido subsidiário, uma vez que o pagamento das prestações devidas perante a entidade credora, não decorreu de o A. ter sido demandado enquanto fiador, isto é, em consequência de uma situação de incumprimento pela devedora (a aqui R.). Este entendimento, expresso no acórdão recorrido, não se afigura isento de dúvidas, na medida em que não se tem por evidente que, da letra do art. 644.º do Código Civil, resulte que o direito de sub-rogação legal do fiador em relação ao credor dependa do incumprimento da obrigação por parte do devedor. Com efeito, refere-se o preceito ao «fiador que cumprir a obrigação», o que apenas parece pressupor a exigência de que o fiador tenha cumprido a obrigação fidejussória, sendo que, na polémica a respeito de saber se o não cumprimento da obrigação principal é pressuposto ou condição de exigibilidade da obrigação fidejussória, há quem defenda ser a resposta negativa (cfr. a síntese apresentada por Evaristo Mendes, na anotação ao artigo 644.º, in Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, pág. 795). Importa, porém, ter em conta que a tomada de posição sobre tal questão apenas relevará para a resolução do caso dos autos se, porventura, se vier a concluir que uma eventual alteração do fundamento do reconhecimento do direito do A. – considerando-se este sub-rogado nos direitos da entidade bancária mutuante perante a R. mutuária, em vez de, como entendeu a Relação, lhe ser reconhecido o direito a exigir a restituição por enriquecimento sem causa – terá consequências ao nível do cálculo do montante da condenação. Vejamos. De acordo com o regime da sub-rogação (arts. 592.º e 644.º do CC), com o pagamento das prestações do empréstimo bancário, opera-se a transmissão do crédito para o A., na medida da satisfação do mesmo. Quer dizer que ao A. seria de reconhecer o direito a exigir da devedora (a aqui R.) o valor das prestações do Empréstimo I por aquele pagas, valor esse que, de acordo com a factualidade dada como provada pela Relação, ascende a € 211.599,87. Quanto à determinação da obrigação de restituição segundo o enriquecimento sem causa, prescreve o n.º 1 do art. 479.º do Código Civil: «A obrigação de restituir fundada no enriquecimento causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente». No caso dos autos – e não obstante as múltiplas controvérsias em torno da interpretação deste preceito, conjugado com o n.º 2 do mesmo art. 479.º que, por sua vez, há que conjugar com o previsto nas alíneas do art. 480.º do Código Civil – estando em causa uma situação em que a R. enriqueceu à custa do A. por este ter cumprido obrigação pecuniária a que aquela se encontrava adstrita, o valor do enriquecimento corresponderá ao valor monetário que a devedora teria despendido se tivesse sido ela a cumprir a obrigação, isto é, €211.599,87, valor que equivale ao valor do empobrecimento do A.. Temos assim que, seja qual for o caminho trilhado – regime da sub-rogação ou regime do enriquecimento sem causa – a solução não será distinta da decisão da Relação, pois, tendo ficado provado que foi o A. quem suportou, quase na totalidade, o pagamento das prestações do Empréstimo I, terá ele direito ao respectivo reembolso. Seja por via do art. 644.º do CC, pois cumpriu a obrigação fidejussória, sem que a R. tenha comprovado a excepção invocada de ter contribuído para a amortização das prestações, seja por via da liquidação da situação patrimonial decorrente da união de facto, com apelo ao instituto do enriquecimento sem causa, por ter ficado demonstrado um enriquecimento da R. à custa do A., na parte correspondente à amortização do empréstimo contraído para aquisição da fracção habitacional. Finalmente, não se vê que, neste particular, e em relação à invocação subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, se verifique qualquer situação de abuso do direito por ser manifesto não estarem reunidos os respectivos pressupostos. 15. Passemos, em seguida, a apreciar a questão da inexigibilidade do cumprimento das obrigações naturais e sua inconstitucionalidade [questão G)]. Entende a Recorrente que o acórdão recorrido errou ao considerar que o contributo da R. para as despesas comuns do agregado familiar não consubstancia um contra-crédito judicialmente exigível ao A., por tal contributo corresponder antes ao cumprimento de uma obrigação natural, sendo ademais a interpretação do acórdão violadora do princípio constitucional da igualdade ao não qualificar do mesmo modo o contributo do A. para as despesas comuns. Defende, neste sentido, que ainda que o esforço, trabalho, serviço doméstico por si prestado, bem como a prestação de alimentos para o agregado familiar, possa configurar o cumprimento de uma obrigação natural, tal não sucede em relação aos cerca de € 700.000,00 de rendimentos que aportou para as contas conjuntas e que permitiu pagar quase € 300.000,00 em despesas com educação, vestuário, alimentação, empregadas domésticas, garagens, e que no fundo permitiram ao A. ter uma vida mais desafogada, comprar um carro topo de gama, investir no mercado de acções, etc. O Recorrido, em sede de contra-alegações, argumentou resultar da matéria de facto terem ambas as partes contribuído para as despesas comuns, sem prejuízo do agregado familiar ser ainda composto por um filho comum e por três outros filhos apenas da R., fruto de relações anteriores; e que aquilo que está em causa nos autos é exclusivamente a aquisição de um bem imóvel pela R. quando o custo de aquisição foi suportado apenas pelo A. e não as contribuições de cada um para o agregado familiar. Vejamos. Trata-se de apreciar se, no contexto global das relações entre as partes, ao longo dos anos em que durou a união de facto, as contribuições da R. para as despesas comuns do agregado familiar correspondem ou não ao cumprimento de obrigações naturais. Ainda que se se afigure admissível que, nas relações familiares existentes no âmbito de uma união de facto, surjam situações de cumprimento de obrigações naturais, tal consideração não dispensa a apreciação da verificação dos respectivos requisitos. Dispõe o art. 402.º do Código Civil: «A obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça». Temos assim que, para que nos encontremos perante uma verdadeira e própria obrigação natural, é necessário: que o cumprimento da obrigação não seja judicialmente exigível, porque, se o for, estará em causa uma obrigação civil; que a obrigação se funde num dever moral ou social, cujo cumprimento corresponde a um dever de justiça, porque, se assim não for, estaremos perante uma liberalidade. Torna-se necessário começar por apreciar se os contributos da R. (assim como do A.) para as despesas comuns do agregado familiar eram judicialmente exigíveis. Neste ponto, afigura-se não ter o acórdão recorrido atendido, de forma inteiramente precisa, aos contornos do caso concreto, entre os quais avulta a estrutura do agregado familiar dos autos, que, recorde-se, era composto pelos unidos de facto, A. e R., pelo filho de ambos e ainda pelos três filhos da R., fruto de anteriores relações desta. No período de tempo em consideração, o filho comum era menor e, na maior parte desse período, também os filhos da R. eram menores ou encontravam-se a completar a sua formação escolar. Assim sendo, nesse período a R. encontrava-se civilmente obrigada a prestar alimentos aos seus três filhos, enquanto, no que ao sustento do filho comum respeita, tanto a R. como o A. se encontravam civilmente obrigados (cfr. arts. 1879.º e 1889.º do Código Civil). Deste modo, não pode sufragar-se o entendimento de que o cumprimento de tais obrigações seria o cumprimento de obrigações naturais. Quanto ao contributo dos membros da união de facto para o sustento um do outro, se, em abstracto, são configuráveis situações de cumprimento de obrigações naturais, não se afigura que tal ocorresse no caso dos autos, uma vez que, estando provado que tanto o A. como a R. exerciam actividade profissional, sem que qualquer deles se encontrasse numa situação fáctica particular de dedicação à família, de idade avançada ou de saúde delicada, não estando, pois, em causa o respeito por um dever moral ou social cujo cumprimento corresponda a um dever de justiça. Pura e simplesmente, deve considerar-se que cada uma das partes, A. e R. se encontrava, perante a outra, obrigada a sustentar-se a si própria. Aqui chegados, somos levados a concluir que, assistindo razão à Recorrente ao vir pôr em causa a qualificação de obrigações naturais, já não lhe assiste razão ao pretender que os contributos para as despesas comuns do agregado familiar não correspondiam ao cumprimento de quaisquer obrigações, nem tampouco, como veremos de seguida, ao invocar que, em qualquer caso, tais contributos sempre teriam de ser “igualizados” com os contributos do A.. Na verdade, e dada a referida composição do agregado familiar, verifica-se que, num universo de seis pessoas, a R. estava civilmente obrigada a contribuir com uma parcela correspondente ao necessário para o sustento de três pessoas e para 50% do sustento de uma quarta pessoa, assim como a assegurar o seu próprio sustento; enquanto o A. estava civilmente obrigado a contribuir com uma parcela correspondente ao necessário para 50% do sustento de uma pessoa e, bem assim, a assegurar o seu próprio sustento. No contexto global das relações entre as partes ao longo do período de tempo em que durou a união de facto, a prova de que os contributos da R. para as despesas comuns fariam nascer, a seu favor, um contra-crédito, a compensar com o crédito do A., derivado do pagamento das prestações dos empréstimos dos autos, não se basta com a (eventual) prova do valor superior de tais contributos em comparação com o dos contributos do A., antes exige a prova de que o montante dos contributos da R. foi significativamente superior (mais do que três vezes superior) ao montante das contribuições do A.. Não se vislumbra que esta conclusão, fundando-se, como se funda, no regime jurídico inerente às responsabilidades parentais (cfr. arts. 1879.º e 1889.º do Código Civil) do A. e da R., que, naturalmente, variam em função do número de filhos de cada um, possa configurar qualquer violação do princípio constitucional da igualdade. Vejamos. Relativamente ao montante dos contributos da R. para as despesas comuns, da factualidade provada, e sem prejuízo da prova de alguns outros contributos pontuais (cfr., exemplificativamente, o ponto 64., primeira parte, dos factos provados), resulta essencialmente o que consta do ponto 29. Dos factos provados: - Através da conta do BBVA, entre 1992 e 2010, a Ré pagou despesas do agregado familiar com mobiliário, decoração, empregados, arrendamentos de casas de férias e outros encargos correntes, no valor global de €295,901,25, dos quais, €71.782,93 se destinaram a pagar, entre 1994-2000 e 2007-2010, encargos mensais com empregadas domésticas – item que implicou um custo médio mensal não inferior a €500,00-; consumos de electricidade - item que implicou um custo médio mensal não inferior a €100,00 -; colégio do filho comum(nascido em 1995) - item que implicou um custo médio mensal não inferior a €400,00 -; alimentação - item que implicou um custo médio mensal não inferior a €500,00 -; e renda de casa - item que implicou um custo médio mensal não inferior a €600,00. Quanto aos contributos do A. para as despesas comuns, relevam os factos provados nos pontos 35., 36., 49., 50., 57., 58., 59., 63., 64. (segunda parte), 65., 66., 67., 68. e 69.: - O Autor pagou as despesas com o casamento da filha da Ré, FF, através da emissão de um cheque no montante de € 3.750.00 registado com o n.º …..05 e descontado no extracto do mesmo documento na data 10.12 - depositado pela Ré na sua conta do BBVA no mesmo dia –; e de um outro o cheque registado com o n.º ….81 no montante de € 10.000.00 descontado no mesmo extracto na data de 10.28 referente ao primeiro reembolso que o Autor fez à sociedade (E...) que adiantou o pagamento do jantar. - Através de cheques passados à Ré que a mesma veio a depositar na aludida conta do BBVA de transferências para a mesma conta e pelo creditar nesta da totalidade do reembolso do IRS concretizado em 2007, o Autor provisionou o respectivo saldo com o montante global de € 70.008,44, entre 2003 e 2010 (entre 2003 e 2007, tal valor fixou-se em 52.358,44 €). - (...) o Autor suportou, na aquisição de um novo ... de Matricula ...-EB-..., para a filha da Ré (HH) mais €3.300,00 além do dinheiro recebido da Seguradora, a título de indemnização. - Relativamente aos montantes de €10.500,00 e de €24.704,66 a que se reporta o [sic], os mesmos resultaram da venda de carrinhas ... que eram os carros familiares que o Autor pagou directamente ou através das empresas de grupo de que era sócio. - No mês de Julho de 2007, no que respeita a manutenção de casa de férias, o A. suportou o vencimento da empregada doméstica JJ - €261,00; do jardineiro - €325,00; no mês de Setembro de 2007, suportou o de JJ - €216,00 -, e do caseiro, LL - €592,00; em Outubro Novembro e Dezembro 2007, novamente o do caseiro – respectivamente, €374,00; €722,00; €640,00; e para o jardineiro €500,00. - Relativamente à moradia de férias ..., o Autor suportou os seguintes valores: em 04.11.03, €4.936,00; 05.05.04, €4.904,55; em 11.08 €4.489,18; 11.10 €444,21; e em 24.02 €358,79. - Nos meses de Maio a Outubro de 2007, entre outros, o Autor suportou despesas de alimentação mensais oscilantes entre cerca de €400,00 e €1.000,00, através do cartão de crédito associado à conta do BCP. - As viagens de avião (para 6 pessoas) rumo ao ..., no fim de ano de 2009, foram adiantadas pela empresa E..., tendo o Autor suportado, durante a estadia, a festa do Fim do Ano no Hotel ..., bem como os extras Hotel ..., com os valores de €900,00 e de €229,86, bem como outros encargos, de valor global não inferior a €300,00. - Em Julho de 2009, a Ré deu uma contribuição para arrendar, na ..., a casa de férias no ... nesse ano, tendo, contudo, o Autor suportado €9.415,00. - O Autor suportou igualmente as despesas com as férias na neve para grupos que chegaram a ser de nove pessoas, entre 2006 e 2009, nos valores de € 7.417,85; € 4.021,46 e € 2.902,85. - O Autor suportou os custos de obras feitas no apartamento da Rua ... em 2009, no valor global de cerca de €63.000,00. - O Autor pagou médicos e despesas de saúde bem como o colégio do filho de ambos, mais provisionando a conta do BCP, pelo menos, até 2012 – salvo nos meses em que a Ré o fez, até 2010, pedindo apenas algumas das correspondentes facturas à R. - O Autor suportou ainda um seguro de saúde para a Ré e para o filho de ambos através da conta solidária que ainda se mantém no BCP e que foi provisionando à medida dos compromissos que se mantiveram indexadas a essa conta (empréstimo da fracção, empréstimo da garagem, seguros dos empréstimos e seguros de saúde da R. e do filho comum). - O Autor suportou despesas de electricidade, gás, água e telefone salvo nos meses em que a Ré o fez. - Em 2010, o Autor foi confrontado com facturas por liquidar emitidas à Ré, que esta não pagou e que vieram a ser pagas pelo primeiro. Constata-se que a tarefa de escalpelização da vida financeira do agregado familiar constituído pelo A. e R., o filho comum de ambos e os filhos da R., ao longo de quase duas décadas, com sucessivas mudanças de casa, despesas diversas, negócios realizados e tudo o mais que foi sendo trazido aos autos e que se encontra espelhado de forma necessariamente parcial na matéria de facto provada, não permite dar como provado que tenha existido uma situação de desproporção entre os contributos que cada uma das partes foi dando para as despesas comuns. Tendo-se concluído, como concluiu, que, face à composição do agregado familiar em causa, a existir, tal situação de desproporção apenas seria relevante se as contribuições da R. fossem de valor desproporcionadamente superior ao valor das contribuições do A., deve considerar-se não ser aquela titular de qualquer crédito judicialmente exigível sobre o A. a compensar com o crédito deste, resultante do pagamento das prestações dos empréstimos dos autos. 16. Por fim, consideremos a questão do invocado abuso de direito na propositura da acção [questão H)]. Entende a Recorrente que, mesmo que se verifiquem os requisitos do enriquecimento sem causa, actuou o A. em abuso do direito, tendo, com a presente acção, tido um comportamento contraditório violador da confiança suscitada na R.. Sustenta, para tanto, nunca ter o A. interpelado a R. para devolver os valores depositados ou notificado a mesma R. de que iria deixar de pagar as prestações, tendo inclusive, continuado a proceder a tal pagamento depois de cessada a união de facto e ainda no decurso da presente acção, criando na R. uma situação de confiança em que nada lhe seria exigido e deixando chegar perto do fim o prazo de prescrição do crédito fundado em enriquecimento sem causa, não possibilitando à Recorrente exercer outras opções no que se refere à gestão do seu património. O Recorrido, em sede de contra-alegações, defendeu não existir qualquer comportamento contraditório, conforme decorre da fundamentação do acórdão recorrido, sendo certo que, recentemente, a R. alienou o imóvel por um valor muito superior ao peticionado nos autos – um milhão e quatrocentos mil euros – pelo que manifestamente não existe qualquer situação de abuso do direito. Consideremos os termos em que o acórdão recorrido apreciou a questão: «(...) não logramos corroborar o entendimento de que, preenchidos os pressupostos/requisitos do enriquecimento sem causa, existe abuso de direito por parte do Autor, na modalidade de venire contra factum proprium, atento o aludido comportamento contraditório deste. O que inoperacionalizava o exercício deste direito. Vejamos. [...] Após esta breve resenha doutrinária e jurisprudencial, a questão a demandar clarificação elenca-se nos seguintes termos: poderá afirmar-se que a conduta do ora Apelante/Recorrente/Autor é imbuída de abuso de direito ao vir reclamar, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, o pagamento das quantias relativamente às quais empobreceu, com consequente enriquecimento da Ré, em consequência da cessação da causa que legitimava tal deslocação patrimonial? A nossa resposta só pode ser negativa. Com efeito, não descortinamos qualquer comportamento contraditório do Autor convivente. Ora, e desde logo, o facto do mesmo ter continuado a assumir o pagamento das prestações relativas ao mútuo bancário concedido à Ré para a aquisição do imóvel, mesmo após 2005, tem uma explicação perfeitamente plausível e lógica, pois tal decorria da perduração da relação de união de facto que vivenciava, tendo aquele imóvel constituído, durante algum tempo, a residência dos unidos e respectivos filhos da Ré e filho comum. Todavia, para além disso, não se pode igualmente olvidar que a tal pagamento, que se prolongou até á última prestação do mútuo, datada de 16/09/2013 – facto 9.1 -, ou seja, até data posterior á própria cessação da união de facto, datada de Setembro de 2010 – facto 1 -, não foi igualmente certamente alheio o facto do Autor figurar em tal mútuo na posição de fiador e principal pagador. Pelo que, eventual incumprimento na satisfação do mesmo não deixaria de ter repercussões na posição patrimonial deste, bem como lateralmente no seu crédito junto da instituição bancária mutuante (e, reflexamente, junto das demais). Pelo que, da perduração de tal pagamento não se podem retirar as consequências e efeitos consignados na sentença apelada, sendo que a presente acção foi instaurada no mesmo ano em que tal pagamento cessou (e quando as prestações referentes ao demais mútuo ainda se encontravam a pagamento, o que, ademais, ainda sucede presentemente, pois o seu terminus só ocorrerá em 2024, sendo que o eventual incumprimento do Autor relativamente às mesmas acarretará responsabilidade acrescida, atenta a sua qualidade de condevedor solidário – factos 7 e 9.2). Desta forma, não se entende como é possível concluir-se no sentido de tal conduta do Autor ter logrado criar na Ré a aludida situação objectiva de confiança relativamente a um determinado futuro comportamento seu, e no qual a mesma Ré teria compreensivelmente confiado, pois inexiste qualquer atitude ou comportamento provado que traduza contradição com o antecedente, ou que fosse pertinente a ser interpretado pela mesma Ré no sentido de que o Autor nunca reclamaria o pagamento das quantias que havia suportado no pagamento do mútuo bancário. Esta conclusão não é, minimamente abalada pela prova de que o Autor, mesmo após a cessação da união de facto, tenha continuado a suportar, para além das prestações dos créditos, o seguro de saúde da Ré e do filho comum, médicos e despesas de saúde, bem como o colégio do mesmo filho e ainda as compras de supermercado até cerca de dois anos após a separação – factos 56, 67, 68, 70 e 71. Ora, no que concerne às despesas do filho comum, mais não estamos do que perante o efectivo cumprimento da sua obrigação de alimentos, cumprindo um dever de assistência legalmente imposto, relativamente ao qual seria totalmente incongruente, no mínimo, a retirada de outras ilações, em seu desfavor. Nomeadamente, a de que tal comportamento traduza ou revele que não encarou a ruptura da união de facto como a cessação da causa que justificava o seu contributo para aquele agregado, ou que se tenha comportado como se, no seu animus, o agregado em que se encontrava o seu filho fosse (continuasse a ser) família que o mesmo devesse proteger e ajudar, ou seja, comportou-se como se a causa da sua contribuição se mantivesse. E que, vindo posteriormente exercer o direito à requerida restituição, que nada tem a ver com aqueles contributos, legalmente impostos no que ao filho concerne, e perfeitamente entendíveis (e mesmo louváveis) relativamente à progenitora do filho, atenta a natureza das despesas, tenha revelado uma contraditoriedade comportamental, susceptível de paralisar ou neutralizar o exercício do direito à restituição fundada no enriquecimento sem causa. Ademais, não se olvide, ainda, que tendo a Ré sido acometida de doença de natureza oncológica em Março de 2002 – facto 26 -, a eventual cessação do seguro de saúde dificultaria, se é que não inviabilizava, a posterior contratação de um outro. Pelo que, sem outras delongas, que se nos afiguram dispensáveis, concluímos pela inexistência de qualquer abuso de direito por parte do Autor no exercício do invocado direito, fundado no enriquecimento sem causa.» Aqui chegados – e independentemente da relevância a atribuir à alienação do imóvel, na pendência do recurso de apelação, por um valor, que reverteu a favor da R. proprietária, cerca de sete vezes superior ao valor da amortização do Empréstimo I pelo qual o A. pretende ser reembolsado – adere-se à fundamentação do acórdão recorrido que, sustentadamente e contrariando a sentença da 1.ª instância, concluiu não se verificar qualquer abuso do direito pelo facto de o A. ter invocado na acção o instituto do enriquecimento sem causa quando continuou a liquidar as prestações do empréstimo, sendo válidas as razões apresentadas que excluem a existência de qualquer comportamento contraditório do A. ou a necessidade de assegurar a tutela da confiança alegadamente criada na R.. 17. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido. Custas pela Recorrente. Lisboa, 14 de Outubro de 2021 Maria da Graça Trigo (relatora) Maria Rosa Tching Catarina Serra ________ [1] Relatado pela Conselheira Rosa Tching, 1.ª Adjunta no presente acórdão. |