Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANA PAULA LOBO | ||
Descritores: | EXCEÇÃO DE CASO JULGADO AUTORIDADE DO CASO JULGADO PRESSUPOSTOS MATÉRIA DE FACTO AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM CONTRATO DE MÚTUO NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL COMPROPRIEDADE PEDIDO CAUSA DE PEDIR EXCEÇÃO DILATÓRIA SOCIEDADE IRREGULAR ESTABELECIMENTO COMERCIAL BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO REVISTA EXCECIONAL | ||
Data do Acordão: | 10/03/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Sumário : | I – Não se verifica a excepção de caso julgado numa acção de divisão de coisa comum quando anteriormente foi decidida uma acção que exigia o reembolso de uma quantia que o autor alegava ter mutuado aos réus para adquirirem em regime de compropriedade o bem a dividir. II - A decisão proferida sobre a matéria de facto na primeira acção não pode ser importada para a acção de divisão de coisa comum por aquela não ter a virtualidade de formar caso julgado. | ||
Decisão Texto Integral: |
Recorrente: AA, autor Recorridos: BB, CC, réus
* I – Relatório I.1 – AA intentou recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 13 de Dezembro de 2023 que confirmou a decisão proferida pelo Juízo Local Cível de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu proferida em 23 de Março de 2023, na acção especial de divisão de coisa comum, por ele instaurada contra BB e CC, que fixou o quinhão de cada um dos interessados em partes iguais, de 1/3 para cada. O recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões: PRESSUPOSTOS DA ADMISSIBILIDADE DA PRESENTE REVISTA EXCEPCIONAL – ART.º 672.º, n.º 1 do CPC 1. Salvo o devido respeito, que é muito, o Acórdão proferido enferma de erro de julgamento, devendo por isso ser revogado, uma vez que interpreta/aplica erradamente os art.ºs 580.º 581.º do CPC e ainda o conceito de autoridade de caso julgado. 2. Encontram-se também reunidos os requisitos previstos no art.º 672.º, n.º 1 do CPC, que determinam a admissão do presente recurso de revista excepcional, nos termos seguidamente expostos. 3. O Recorrente AA instaurou os presentes autos de ação especial de divisão de coisa comum, contra BB e CC, pedindo que, relativamente a um determinado imóvel adquirido pelos três e em cuja escritura de aquisição ficou a constar que tal aquisição era em comum e partes iguais, na proporção de 1/3 para cada um deles, fossem fixadas as quotas-partes correspondentes a cada comproprietário, nos termos que refletissem os efetivos pagamentos que cada um efetuou, do seguinte modo: - O A. AA pagou o valor de 74.109,28€ (10.000,00€+32.920,00€+12.500,00€+14.500,00€+2.076,44€+2.112,84€), pelo que teria direito a uma quota de 86%; - O R. BB pagou o valor de 12.500,00€, pelo que teria direito a uma quota de 14%; - O R. CC não pagou qualquer valor, pelo que a sua quota seria de 0%. 4. Mais pediu que, considerando a indivisibilidade do referido prédio, se decidisse pela divisão, por adjudicação ou venda do prédio, com a repartição do respectivo valor, nessa circunstância. 5. Os Recorridos contestaram, defendendo-se com a excepção perentória do caso julgado, por entenderem que a questão em apreço nestes autos já havia ficado decidida na sentença transitada em julgado proferida no processo n.º 772/18.6..., pelo que, entendem que se deverá determinar que a quota parte do Requerente e de cada um do 1º e 2º Requeridos corresponde a 1/3 do direito de propriedade da fracção objecto dos autos. E, em 1.ª instância, foi decidido no despacho saneadora procedência da força de caso julgado material ou, assim não se entendendo, da sua autoridade de caso julgado e, em consequência, fixou-se o quinhão de cada um dos interessados em partes iguais, de 1/3 para cada. 6. Assim, o Recorrente apresentou recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra pugnando para que fosse o Despacho Saneador substituído por outro que declarasse improcedente a exceção de caso julgado arguida pelos Recorridos e, em consequência, que fossem determinadas as respetivas quotas-partes do Recorrente e dos Recorridos, mediante os pagamentos feitos. 7. Nestes termos, o objeto do presente recurso é o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida tanto quanto à verificação da exceção de caso julgado quer quanto à autoridade de caso julgado. 8. A admissão do presente recurso de revista justifica-se pela necessidade de melhor aplicação do Direito, não só ao caso concreto, mas também a outros processos, quanto à aplicação dos artigos 580.º e 581.º CPC mas também quanto ao entendimento sobre a autoridade de caso julgado. 9. No que toca à exceção dilatória de caso julgado, trata-se de matéria relacionada com interpretação e aplicação dos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil pelo que, o esclarecimento que vier a surgir com o Douto Acórdão a proferir, contribuirá para a concretização da segurança e da certeza jurídicas inerentes ao Estado de Direito Democrático, quer para os aplicadores legais e operadores judiciários, quer para os cidadãos e interessados que procuram tutela junto dos Tribunais, ultrapassando os limites do interesse para o presente caso, já que pode e será certamente suscitada em inúmeros casos concretos de teor análogo e que, por isso, entende que seria de todo pertinente esclarecer e clarificar. 10. Por outro lado, no que concerne à alegada exceção perentória de autoridade do caso julgado, também considerada procedente quer pela 1.ª instância quer pela Relação, sempre se dirá que o legislador ignorou qualquer referência expressa à figura da autoridade do caso julgado e a autoridade caso julgado tem sido muito pouco referida na doutrina. Têm, nomeadamente, sido ignorados os seus contornos, quando, sendo entendimento constante a dispensabilidade dos requisitos da exceção, fica aberto um caminho demasiado largo, cujos limites importa ir fixando. 11. Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 2377/12.6 TBABF.E1.S1, datado de 22-06-2017, disponível in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cd80a13e9c befe9a802581d000586ec1?OpenDocument : “Mas tem sido, amiúde, levantada nos tribunais, onde se vem dando conta da fluidez e insegurança dos seus contornos (cfr-se, por todos, em www.dgsi.pt, o Ac. deste Tribunal de 4.6.2015, processo n.º 177/04.6TBRMZ.E1.S1) E estamos em domínio muito sensível da vida judicial, respeitante ao alcance das decisões dos tribunais, sendo certo que a figura do caso julgado tem mesmo matriz constitucional, assente, quer no disposto no n.º3 do artigo 282.º, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, emergente do artigo 2.º, ambos da Constituição (cfr-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 15/2013, de 17.6, com texto disponível no sítio do próprio Tribunal). Por tudo, cremos estar preenchido o pressuposto da alínea a) do n.º1 do artigo 672.º do referido código”. 12. O artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelos Tribunais da Relação possa haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal de Justiça quando “Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, ou seja trata-se de um recurso excepcional, considerando como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos. 13. A primeira instância indeferiu os fundamentos e questões levantadas pelo aqui Recorrente, enquanto o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a decisão da 1ª instância, pelo que daí advém um prejuízo anormal, extraordinário ou, no dizer da lei, gravemente prejudicial para o interesse privado gerador de consequências lesivas claramente desproporcionais para os interesses envolvidos. 14. A nosso ver estas questões a esclarecer justificam a admissão da revista, pelo que se justifica admitir o recurso de revista, face à sua fulcral relevância jurídica e aos interesses em causa. 15. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo errou na interpretação que fez da lei, o que condicionou, obviamente, a decisão que proferiu e que está em reapreciação no presente recurso, daí que, sempre ressalvado o devido respeito por opinião distinta, se justifique a admissão do mesmo atendendo à fulcral relevância jurídica e aos interesses em causa. DA NÃO VERIFICAÇÃO DA EXCEÇÃO DILATÓRIA DE CASO JULGADO 580.º E 581.º CPC 16. Os requisitos da exceção do caso julgado prendem-se com a ideia de repetição de uma causa, com vista a evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 580.º do CPC) e com a ideia da tripla identidade – dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir (artigo 581.º do CPC). 17. De acordo com Antunes Varela “a excepção de caso julgado (...) consiste na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário”, visando-se não só evitar o dispêndio desnecessário de tempo, de dinheiro e de esforços, mas principalmente o de “evitar duplicações inúteis da atividade jurisdicional”, conforme nos diz Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, pps. 242 e seguintes. 18. O artigo 580.º do CPC define o conceito de caso julgado como pressupondo “… a repetição de uma causa; … se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado …” (n.º 1), sendo que a aludida excepção tem “… por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior …” (n.º 2) enquanto que o artigo 581.º do CPC concretiza os respectivos requisitos referindo que se repete “ … a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir …” (n.º 1), sendo que há “… identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica …” (n.º 2), há “… identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico …” (n.º 3) e há “… identidade de causa de pedir quanto a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico …” (n.º 4). 19. Para que se verifique a exceção de caso julgado é necessário estar perante uma tríplice identidade: sujeitos, causa de pedir e pedido. Sendo certo que no presente caso em análise, segundo resulta da fundamentação recorrida quanto a este quesito aqui em análise, estará em causa se se verifica, a identidade de pedido e causa de pedir entre ambas as acções, por um lado a presente acção por outro o processo n.º 772/18.6... 20. A causa de pedir consiste no facto concreto ou composto factual concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, consubstanciando-se numa indicação de factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir (cfr. artigo 581.º n.º 4 do CPC), a causa de pedir não consiste na categoria legal invocada, no facto jurídico abstrato configurado pela lei, mas, antes, nos concretos factos da vida a que se virá a reconhecer, ou não, força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo Autor, ou seja, a causa de pedir traduz-se nos acontecimentos da vida em que aquele apoia a sua pretensão. 21. Por sua vez, e de acordo com Ana Prata o pedido é “… a enunciação do direito que o autor quer fazer valer em juízo e da providência que para essa tutela requer …” 22. A acção identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstrata da lei, mas pelos elementos de facto que convertem em concreto a vontade legal. 23. Para que o tribunal reconheça ao autor o direito que o mesmo invoca há de este alegar factos susceptíveis de gerar esse direito, segunda a ordem jurídica constituída. E esses factos, postos em contato com a ordem jurídica, é que constituem a causa de pedir, o fundamento ou fundamentos da ação. 24. A exceção dilatória de caso julgado pressupõe a repetição da acção em dois processos diferentes, visando-se com a mesma evitar que o Tribunal se possa debruçar, duplamente, sobre a mesma pretensão correndo o risco desprestigiante, de se contradizer, tornando, dessa forma, precário o valor da segurança e certeza do direito, pelo que a mesma determina que o Réu ou o Requerido seja absolvido da instância no segundo processo. 25. O pedido que o aqui Recorrente fez na ação que correu termos sob o número de processo n.º 772/18.6... é diverso do invocado pelo Recorrente nos presentes autos e o objetivo pretendido é também ele diferente. 26. No processo n.º 772/18.6..., que correu os seus termos no Juízo Central Cível de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu e que teve o seu início com a petição inicial apresentada por AA, aqui Recorrente, contra CC e mulher e contra DD e mulher o aqui Recorrente alegava que ele e os Réus haviam adquirido em comum uma fração autónoma e que o valor da compra e venda havia sido de €80.000,00 (oitenta mil euros) e que efetuou ele próprio o pagamento total de €84.187,28, que correspondia ao preço da fração mais as despesas inerentes à compra, e que ficou acordado entre Autor e Réus que estes iriam pagar, em partes iguais ao Autor, o valor por este despendido na compra da referida fração autónoma. 27. Mais alegou que até àquele momento, os Réus não lhe haviam pago as suas partes apesar de, de vez em quando, lembrar os Réus do facto de nunca lhe ter sido pago o valor referente à aquisição da fração, manifestando estes a vontade de pagar, mas adiando tal pagamento. 28. Ou seja, a Petição Inicial do referido processo n.º 772/18.6..., conforme configurada pelo Autor, tinha por base um contrato de mútuo, conforme resulta do excerto infra, retirado da petição inicial: “41º A qual é devida ao Autor enquanto empréstimo por si adiantado para a aquisição do imóvel e nunca reembolsado pelos Réus. 42º Sempre se dirá que o contrato celebrado foi um contrato de mútuo, no qual não foram convencionados juros e que (…)” 29. No processo n.º 772/18.8..., o pedido era a restituição das quantias mutuada aos Recorridos: “Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exª suprirá, deverá ser a presente acção ser recebida e julgada procedente por provada e, em consequência, serem os Réus condenados a restituir solidariamente ao Autor a quantia mutuada de €56.124,86(Cinquenta e Seis Mil Cento e Vinte e Quatro Euros e Vinte e Seis Cêntimos). A assim não ser entendido devem os Réus ser condenados a pagar a quantia acima referida a título de enriquecimento sem causa. Num caso e noutro, à quantia devem acrescer juros a contar da citação até efectivo e integral pagamento. Para tanto, requer-se de V. Exª se digne mandar citar os Réus, para querendo, contestarem, seguindo-se os ulteriores termos regulares e legais até final.” (negrito e sublinhado nosso). 30. Enquanto que nos presentes autos o que verdadeiramente está em causa é a determinação da quota-parte de cada comproprietário mediante a prova do respectivo pagamento: “NESTES TERMOS, deve a presente ação ser julgada procedente por provada, determinando-se a quota-parte de cada comproprietário, e, considerando a indivisibilidade do referido prédio, decida pela divisão, por adjudicação ou venda do prédio urbano melhor identificado, com a repartição do respectivo valor, nessa circunstância. PARATANTO, digne-se V. Exa. ordenar a citação dos Réus para contestarem, querendo, seguindo-se o mais do art.º 926.º do CPC.” 31. Ou seja, a finalidade dos presentes autos é precisa e unicamente a fixação das quotas-partes de cada um dos comproprietários inclusivamente mediante a prova já feita do respetivo pagamento por parte do Recorrente e dos Recorridos. 32. A pretensão do Recorrente numa e noutra ação não é a mesma, os pedidos formulados em ambas as ações não correspondem, nem têm na sua base a mesma factualidade, não se podendo por isso considerar que se verifique uma situação de caso julgado. 33. Na petição inicial dos presentes autos, o Recorrente traz nova factualidade, diferente da fundamentação invocada pelo Autor/Recorrente ao abrigo do processo n.º 772/18.8... 34. Aqui discute-se a determinação da quota-parte de cada comproprietário em função da prova dos pagamentos feitos enquanto que naquele outro processo não foi peticionada a determinação da quota-parte de cada comproprietário nem, considerando a indivisibilidade do prédio, a divisão por adjudicação ou venda, com a repartição do respetivo valor que cabe a cada comproprietário. 35. Assim como é bom de ver os pedidos formulados numa e noutra acção não são coincidentes, nem tão pouco a causa de pedir, pelo que não se verifica qualquer exceção de caso julgado 36. Não existe fundamento para julgar procedente e mantida a excepção de caso julgado, pelo que mal andou o Acórdão recorrido, ao manter a decisão proferida na Sentença de 1ª instância, quanto à procedência da exceção de caso julgado, e julgando improcedente o erro de julgamento invocado pelo Recorrente. 37. Tanto a Sentença da 1ª instância, como o Acórdão recorrido enfermam de erro de julgamento, e tal erro resulta da aplicação do direito, concretamente dos artigos 580.º e 581.º do CPC de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica e normativa. DA AUTORIDADE DE CASO JULGADO 38. O Douto Acórdão recorrido considerou que mesmo que não se verifique a exceção de caso julgado, nem por isso a presente ação poderia prosseguir, “por se impor, então, operar, já não o efeito negativo do caso julgado a que esteve a fazer referência mas o efeito positivo do caso julgado.”. 39. Contudo, quer o Acórdão recorrido quer também já anteriormente o Tribunal de 1.ª instância, fizeram no caso concreto uma errada aplicação da vertente positivo do caso julgado, a autoridade do caso julgado. 40. Estabelece o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 355/16.5T8PMS.C1, datado de 11.06.2019, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/1c797d1145 a6801a8025843500352b26?OpenDocument :que “o caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão). Ao contrário do que acontece com a excepção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir.” 41. E “(…) ensina Miguel Teixeira de Sousa que se deve distinguir os dois conceitos da seguinte forma: "... Quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade do caso julgado material do processo subsequente; quando a apreciação do objecto processual antecedente é repetida no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como excepção do caso julgado... E acrescenta: … A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior. Quando vigora a autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando da acção ou proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo de decisão antecedente... ", Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15-03-2011, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl1.nsf/0/7869716f5b3d0b138025788c0039082b?OpenDocument 42. Por outro lado, sempre se dirá que o caso julgado, como excepção e autoridade, não abrange apenas a parte decisória da decisão, abrangendo também os fundamentos (de facto e de direito) pressuposto da parte dispositiva. Conforme diz Teixeira de Sousa “…não é a decisão, enquanto silogismo judiciário que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo no seu todo....”. 43. Uma vez que a autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exacta correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu. 44. Nos presentes autos, apesar de a sentença da 1.º instância ter decidido “fixar o quinhão de cada um dos interessados em partes iguais, de 1/3 para cada”, a fundamentação da sentença aponta em sentido diverso uma vez que resultaram provados os seguintes factos: “5.10 - Em 12 de novembro de 2005, como sinal e princípio de pagamento no âmbito do acordo verbal de compra e venda celebrado com o vendedor EE, o autor emitiu à ordem de EE o cheque nº ......11, sacado sobre a sua conta de DO nº ...........00 da Caixa Geral de Depósitos, no valor de € 10.000,00 (artigo 7.º da petição inicial); 5.11 - No dia da escritura, em 4 de janeiro de 2006, da mesma conta de depósitos à ordem, o autor emitiu um outro cheque visado pela respetiva instituição de crédito, à ordem de FF, no valor de € 32.920,00 (artigo 8.º da petição inicial); 5.12 - Nesse mesmo dia, e também sacado sobre a mesma conta, o autor emitiu o cheque nº ......19 à ordem do Cartório Notarial de ... no valor de € 2.076, 44 (artigos 9 e 12.º da petição inicial); 5.13 - No dia anterior, através do cheque nº .......16, da mesma conta de depósitos à ordem, o autor havia pago o IMT na competente repartição de finanças, no valor de € 2.112,84 (artigos 11º e 12º da petição inicial)”. 45. E, ainda de acordo com os factos provados da referida sentença “o réu BB efetuou o pagamento da quantia global de € 25.000,00 mediante a emissão e entrega a EE de dois cheques no valor nominal de € 12.500,00 cada, ambos datados de 10/11/2005, com os nºs ........02 e ........01 sacados sobre a conta do Banco Santander Totta SA, agência de ... com o nº ..............31, por ele titulada e pelo autor”. (negrito e sublinhado nosso) 46. E, de acordo com a fundamentação de facto da referida sentença, metade desses 25.000,00€ pertenciam ao Autor uma vez que foram retirados de uma conta titulada pelo Autor e pelo Réu: 47. “Já o pagamento da quantia de € 25.000,00 a que o réu BB procedeu por meio da emissão de dois cheques de € 12.500,00 cada, na altura em que ocorreu, foi aceite pelo autor, apesar de os cheques terem sido emitidos de conta conjunta deste e do autor.”, 48. Mais resulta da fundamentação de facto que “o pagamento em dinheiro da quota parte que cabia ao réu CC mediante a entrega de quantia de €27.500 não resultou de qualquer meio de prova objetivo e seguro que corroborasse, de forma inequívoca, a sua verificação”, pelo que foi forçosamente concluído que a prova produzida não permitia a afirmação de tal pagamento com um nível de certeza exigível para o seu apuramento. E resultou ainda que “o mesmo se dirá quanto ao pagamento pelo Réu BB da quantia de €2.500,00 que alegou ter entregue em numerário ao Autor. Efetivamente, tal entrega sempre envolveria a existência de documento de quitação, não obstante o clima de franca confiança que à data existiria entre o Autor e o referido Réu”. 49. Ou seja, naquele autos, por sentença transitada em julgada, e portanto com autoridade de caso julgado, e não obstante a decisão parecer apontar em sentido diverso, ficou provado que o Recorrente, por conta do negócio objeto daqueles autos procedeu a um pagamento total de 74.109,28€ (10.000,00€+32.920,00€+12.500,00€+14.500,00€+2.076,44€+2.112,84€), que o Réu Recorrido BB pagou o valor de 12.500,00€; e que o Réu Recorrido CC não pagou qualquer valor. 50. Pelo que, não se trata nestes autos de discutir o que foi pago ou não pelo Recorrente e Recorrido, mas antes, mediante o decidido no processo n.º 772/18.6... e as provas dos respetivos pagamentos ali feitas, proceder à determinação da quota-parte de cada comproprietário, e, considerando a indivisibilidade do referido prédio, decidir pela divisão, por adjudicação ou venda do prédio urbano melhor identificado, com a repartição do respectivo valor. 51. Mediante os pagamentos feitos, ao Recorrente deve ser atribuída uma quota de 86%, ao Recorrido BB uma quota de 14%, e ao Recorrido CC uma quota de 0%. 52. Os presentes autos têm precisamente a finalidade de fixação das respetivas quotas de cada um dos comproprietários, mediante os factos já dados como provados e com autoridade de caso julgado. 53. Com o efeito positivo de um ato processual anterior (concretamente, a fundamentação da sentença proferida no processo n.º 772/18.6...) pretende-se determinar o sentido de um ato processual decisório posterior (a fixação da quota-parte de cada comproprietário. A desconsideração do primeiro processo redundaria na prolação de efeitos que seriam lógico ou juridicamente incompatíveis com esse teor. 54. O Acórdão recorrido enferma de erro de interpretação no que respeita à autoridade de caso julgado, pelo que se nos afigura assistir razão ao aqui Recorrente, no que toca à vertente positiva do caso julgado material, a autoridade de caso julgado. Termos em que, e nos do douto suprimento de Vossas Excelências, se requer que: a) Uma vez admitida a presente revista excepcional por se encontrarem preenchidos os pressupostos; b) Seja dado provimento ao presente recurso; c) Seja revogado o Acórdão recorrido; d) E revogada a Sentença proferida em 1ª Instância Os recorridos apresentaram contra-alegações que culminam com as seguintes conclusões: 1. Inconformado com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, vem o recorrente, AA, dele interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela sua revisão, atento o carácter excecional que lhe atribui. 2. Não merece, porém, provimento o recurso, uma vez que, por um lado, não estão reunidas as condições da sua admissibilidade, e, por outro lado, fenece a pretensão recursiva do recorrente de fundamentação de facto e de direito que sustente a sua procedência. 3. Não se encontram, in casu, verificados pressupostos da melhor aplicação do direito e da relevância jurídica da questão, previstos al. a), do nº 1, do art. 672º do CPC e invocados pelo recorrente para a revista excecional, pelo que não deve o recurso ser admitido. 4. Quanto à melhor aplicação do direito, pressupõe o fundamento da revista excecional constante do predito normativo que se esteja em face de uma questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo, por isso, conveniente a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo Supremo para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam recair, o que não é, manifestamente, o caso decidindo. 5. A pretensão do recorrente de fundamentar ao excecionalidade do seu recurso nas figuras do caso julgado relativamente à da autoridade do caso julgado mereceu já aturado estudo e reflexão por parte deste Supremo Tribunal de Justiça, fruto da dificuldade e complexidade que lhe eram jurisdicional e doutrinalmente atribuídos, sendo, atualmente, pacífica as orientações daquele provenientes para os tribunais inferiores, pelo que não preenche a pretensão recursiva em apreço os requisitos legalmente impostos para a sua admissão. 6. São várias as decisões que versam sobre as preditas figuras jurídicas do “caso julgado” e da “autoridade do caso julgado”, conectadas com a discussão em apreço nos autos e das decisões recorridas, indicando-se, exemplificativamente, o Acórdão do STJ de 21 de junho de 2022, Proc. 43/21.0YHLSB.L1-A.S1 e Ac. do STJ de 12.07.2011, Proc. 129/07.4BPST.S1, da 1ª Secção. 7. A questão suscitada pelo recorrente não é nova, não se revelando suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, pelo que não obriga a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando, por isso, a sua apreciação por este Supremo Tribunal de Justiça com a finalidade de evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam recair. 8. A decisão recorrida traduz-se na aplicação jurisdicional dos pacificamente aceites conceitos jurídicos do “caso julgado” e da “autoridade do caso julgado”, sobre as quais este Supremo Tribunal de Justiça já se debruçou, por exemplo, no seu douto Aresto de 13.012.2018, Proc. 642/14.7T8VCT.G1.S1, da 7ª Secção. 9. Quanto à relevância jurídica, tem sido entendimento da Formação o de que uma questão é relevante, se, para além de integrar um tema importante em termos da aplicação do direito, é também objeto de um debate doutrinal e jurisprudencial que aconselha a prolação reiterada de decisões judiciais em ordem a uma melhor aplicação da justiça. 10. Tem vindo a ser entendimento do STJ, que a relevância jurídica da questão aludida na al. a), do nº 1, do art. 672º do CPC, pressuposto de admissibilidade de recurso de revista excecional, se afere pelo debate doutrinal e jurisprudencial acerca da mesma, que aconselha a prolação reiterada de decisões judiciais em ordem a uma melhor aplicação da justiça. 11. Neste sentido, entre outros, o Ac. STJ de 10.11.2016, Proc. 501/14.3T8PVZ.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt. 12. Incumbe ao recorrente, o ónus de indicar as razões da relevância jurídica que entende sustentarem o seu recurso. 13. No caso, pese embora tenha o recorrente discorrido sobre o que o motiva a instaurar o recurso, a sua alegação é omissa no que concerne à indicação da(s) razão(ões) da relevância em causa. 14. Dizer que existe no presente caso “(…) necessidade de melhor aplicação do Direito, não só ao caso concreto, mas também a outros processos, quanto à aplicação dos artigos 580.º e 581.º CPC mas também quanto ao entendimento sobre a autoridade de caso julgado”, sem fundamentar explicativamente essa pretensão, não é indicar as razões pelas quais a apreciação da questão por si suscitada é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 15. Dizer que “(…) no que toca à exceção dilatória de caso julgado, porque se trata de matéria relacionada com interpretação e aplicação das normas jurídicas (…) o esclarecimento que vier a surgir com o Douto Acórdão a proferir, para a concretização da segurança e da certeza jurídicas inerentes ao Estado de Direito Democrático, quer para os aplicadores legais e operadores judiciários, quer para os cidadãos e interessados que procuram tutela junto dos Tribunais (…), e que “A questão em discussão, (…), trata uma problemática que ultrapassa os limites do interesse para o presente caso, já que pode e será certamente suscitada em inúmeros casos concretos de teor análogo e que, por isso, entende que seria de todo pertinente esclarecer e clarificar”, sem alinhar as teses doutrinais e decisões judicias contraditórias sobre tal matéria, não é, também, cumprir o ónus a que se reporta o nº 2, do art. 672º do CPC. 16. Alegar que “(…) a autoridade caso julgado tem sido muito pouco referida na doutrina. Têm, nomeadamente, sido ignorados os seus contornos, quando, sendo entendimento constante a dispensabilidade dos requisitos da exceção, fica aberto um caminho demasiado largo, cujos limites importa ir fixando” e que “A primeira instância indeferiu os fundamentos e questões levantadas pelo aqui Recorrente, enquanto o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a decisão da 1ª instância(…), Pelo que daí advém um prejuízo anormal, extraordinário ou, no dizer da lei, gravemente prejudicial para o interesse privado gerador de consequências lesivas claramente desproporcionais para os interesses envolvidos” não é fundamentar a excecionalidade da pretensão recursiva em apreço nos autos, pois que infundada a dicotomia dialética, jurisprudencial e doutrinal, da figura jurídica do caso julgado e da autoridade do caso julgado. 17. É pacífica a jurisprudência deste STJ no que a estas figuras jurídicas concerne, sendo que a discussão doutrinal foi com aquelas pacificada, como resulta, exemplificativamente dos Arestos de 05.12.2017, Proc. 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 e 12.04.2023, Proc. 979/21.9T8VFR.P1.S1, ambos da 1ª Secção, e 13.09.2028, Proc. 687/17.5T8PNF.S1 e 08.11.2018, Proc. 478/08.4TBASL.E1.S1, da 2ª Secção, todos consultáveis em www.dgsi.pt. 18. O recorrente, pura e simplesmente, reputa a questão por si suscitada de juridicamente relevante, mas não cumpre o ónus previsto no nº 2, do art. 672º do CPC, pelo que o recurso não deve ser admitido com esse fundamento. 19. In casu a alegação do recorrente é, como o revelam os “fundamentos” do recorrente supra transcritos, completamente omissa a este respeito, sendo certo que, pelo que dissemos, não é suficiente considerar a simples relevância jurídica da questão. 20. A dita relevância jurídica não pode ser atendida neste recurso, que deve, também por esta razão, ser inadmitido, solução pela qual pugnam os recorridos. 21. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que confirmou a sentença proferida pela Primeira Instância, não enferma de erro de interpretação no que respeita à verificação, no caso decidindo, da exceção dilatória de caso julgado (arts. 580º e 581º do CPC), nem à autoridade de caso julgado, devendo, por isso, manter-se inalterado. 22. No que tange à exceção do caso julgado, encontram-se verificados os pressupostos legalmente exigíveis para o seu decretamento, quais sejam a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. De facto, 23. No Processo Nº 772/18.6... e neste processo verifica-se absoluta identidade de sujeitos, pois que o A. e os RR. coincidem, quer na respetiva identidade, quer na respetiva posição processual e nestes autos. 24. O efeito jurídico pretendido pelo A. naquela e nesta ação equivale-se, na medida em que naquela o A. pede diretamente a condenação dos RR. A pagarem-lhe 2/3 da quantia que dispendeu para tornar possível aos três, em função a compra do imóvel, o negócio que todos perspetivaram e quiseram, e, nesta ação, pede que venha a ser inteirado do valor que despendeu nesse negócio através do montante que seja obtido com a adjudicação ou venda do indivisível imóvel, operada que seja a repartição desse montante em função das quotas que define, ou seja, peticiona correspondentemente o mesmo que naqueloutra ação. 25. Para a definição da identidade do pedido ou da pretensão material deduzida nas duas ações sucessivamente propostas o que releva é a exata delimitação do efeito jurídico pretendido pelo demandante, pela definição da forma de tutela que pretende obter, tendo-se, para tal, em conta não propriamente e a qualificação jurídica de tal pretensão, num plano puramente normativo, mas o efeito prático jurídico a alcançar. O que importa é, em suma, que as pretensões deduzidas pelo A. Materialmente se equivalham, como é o caso em apreço. 26. O efeito jurídico que o A. pretende numa e noutra das citadas ações, qual seja, ser reembolsado da quantia que desembolsou para comprar a fração autónoma que potenciaria a exploração económica que pretendiam levar a efeito no desenvolvimento da sociedade irregular já entre eles existente, é o mesmo. 27. Também a causa de pedir é a mesma, numa e noutra ação, pois que o A. está, nestes autos, a cobrar a mesma dívida que pretendeu cobrar no Processo 772/18.6..., sendo absolutamente irrelevante que, para por em causa essa identidade, tenha oi recorrente acrescentado factos destinados especificamente à finalidade divisória dos presentes autos. 28. Na verdade, o A. pretende, nesta ação, uma decisão com idêntico efeito jurídico para o mesmo bem jurídico consubstanciado no negócio de compra e venda da fração objeto da pretendida divisão. 29. Como, e bem, o exara o douto acórdão recorrido, se se fizesse prosseguir a presente ação, a potencial decisão a proferir poderia implicar a consecução do resultado jurídico que na antecedente ação, perante o mesmo facto jurídico, lhe foi negado, pelo que há que impedir nesta ação que o tribunal fique colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir, no todo ou em parte, a sentença proferida na antecedente ação, nãos e admitindo o conhecimento do pedido, com recurso à exceção do caso julgado. 30. Visando a autoridade do caso julgado obstar a que a situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, mesmo que se não confinasse a situação em apreço nestes autos na figura do caso julgado, sempre teria de se aplicar aqui a autoridade do caso julgado. 31. O que está em causa nesta ação e na do Processo Nº 772/18.6... é a mesma relação jurídica, ou seja, o contrato de compra e venda da fração objeto da divisão peticionada e a comparticipação dos sujeitos passivos dessa relação no pagamento do preço do mesmo. 32. O A. utiliza nesta segunda ação a mesma causa de pedir que utilizou no Processo Nº 772/18.6... para justificar que as quotas entre os condóminos não corresponde às que resultam do contrato de compra e venda, não invocando para esta situação qualquer outra causa diferente da invocada na anterior ação, qual seja o mútuo não cumprido, que não logrou provar. 33. Tendo sido julgada improcedente a primeira ação, julgar esta procedente, com os fundamentos invocados, seria admitir a produção de efeitos jurídicos juridicamente incompatíveis com essa improcedência, pelo que bem andou o Tribunal da Relação de Coimbra em confirmar a sentença da Primeira Instância e negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente, considerando a verificação das exceções em referência. 34. Deve, pois e ante o exposto, não ser o recurso interposto admitido, e, na eventualidade de o ser, negar-lhe provimento, confirmando o Acórdão recorrido e mantida a sentença proferida na Primeira Instância, assim se fazendo a almejada JUSTIÇA. * I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso O recurso de revista foi admitido por acórdão da formação a que se refere o art.º 672.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. * I.3 – O objecto do recurso Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão: 1. Excepção de caso julgado, 2. Autoridade de caso julgado, entre esta acção e a precedente no Proc 772/18.6... * I.4 - Os factos O acórdão recorrido não fixou factos provados, indicando apenas que: A factualidade a ter em consideração para o conhecimento do recurso emerge do circunstancialismo fáctico processual acima referido, não se vendo necessidade de aqui se referir a matéria de facto julgada provada no Proc 772/18.6..., por se entender, como se verá, que a decisão do recurso não passa por essa decisão” O referido circunstancialismo fáctico processual foi expresso da seguinte forma: “AA, intentou ação especial de divisão de coisa comum, contra BB e CC, pedindo que, relativamente a um determinado imóvel adquirido pelos três e em cuja escritura de aquisição ficou a constar que tal aquisição era em comum e partes iguais, na proporção de 1/3 para cada um deles, fossem fixadas as quotas-partes correspondentes a cada comproprietário, nos seguintes termos: O A. AA pagou o valor de 74.109,28€ (10.000,00€+32.920,00€+12.500,00€+14.500,00€+2.076,44€+2.112,84€), pelo que teria direito a uma quota de 86%; O R. BB pagou o valor de 12.500,00€, pelo que teria direito a uma quota de 14%; O R. CC não pagou qualquer valor, pelo que a sua quota seria de 0%, tendo concluído que se determinasse a quota-parte de cada comproprietário nos temos referidos e, considerando a indivisibilidade do referido prédio, se decidisse pela divisão, por adjudicação ou venda do prédio, com a repartição do respectivo valor, nessa circunstância. Alegou, em suma, que, por escritura de 4/1/2006, ele e os RR. adquiriram determinada fracção autónoma destinada a comércio, ficando a constar dessa escritura a aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito. Haviam acordado na aquisição dessa fracção e do estabelecimento comercial nela instalado, em comum e em partes iguais, na proporção de 1/3 para cada um deles, concordando que caberia a cada um pagar aos vendedores a quantia de 27.500,00€. Apesar de ter sido declarado na escritura que o valor da compra e venda foi o de 32.505,00, o valor real dessa compra e venda e do trespasse foi o de 82.187,28€, valor a que acresceu o de despesas de 2.076,44€ e de impostos de 2.112,84€, perfazendo o valor global de 86.609,28€. Os pagamentos relativos ao negócio, despesas e impostos inclusive, foi realizado em parcelas. Em 12 de Novembro de 2005, como sinal e princípio de pagamento, o A. emitiu à ordem do vendedor cheque no valor de 10.000,00€. O R. Francisco realizou o pagamento da quantia global de € 25.000,00€, mediante a emissão e entrega ao vendedor de dois cheques, datados de 10/11/2005, no valor nominal de 12.500,00€ cada, sacados de conta titulada por ele e pelo A., daí resultando o pagamento de 12.500,00€ por parte de um e de outro. O A. entregou ainda ao vendedor a quantia de 14.500,00€, através de cheque emitido em 5/1/2006, e no dia da escritura, emitiu outro cheque, à ordem de FF, no valor de 32.920,00€, e também, na mesma data, e igualmente sacado sobre a mesma conta, outro cheque no valor de 2.076,44€. No dia 3/1/2006, pagou o IMT no valor de 2.112,84€. E é em função dos pagamentos que refere que pretende a fixação das quotas correspondentes a cada comproprietário nos termos acima referidos, «tendo presente o que já foi decidido no Processo nº 772/18.6...». Os RR. contestaram, defendendo-se, entre o mais, aqui não relevante, com a excepção do caso julgado, por entenderem que a questão em apreço nesta acção ficou decidida na sentença transitada em julgado proferida no processo n.º 772/18.6..., pelo que, entendem que se deverá determinar que a quota parte do Requerente e de cada um do 1º e 2º Requeridos corresponde a 1/3 do direito de propriedade da fracção objecto dos autos. O A. respondeu à referida excepção defendendo a sua não verificação. Juntos os articulados produzidos no aludido processo n.º 772/18.6..., foi decidido no despacho saneador a procedência da referida excepção e, em consequência, fixou-se o quinhão de cada um dos interessados em partes iguais, de 1/3 para cada.” * * * II - Fundamentação 1. Excepção de caso julgado No processo n.º 772/18.6... o aqui recorrente AA era A. e alegou que sendo irmão do R., CC, e tio do R., BB, constituíram os três, entre si, uma sociedade irregular para exploração de uma padaria. Em face do sucesso dessa exploração, decidiram explorar um estabelecimento comercial de talho - o “...”- acordando para o efeito adquirir o trespasse do mesmo e o imóvel onde o mesmo estava instalado, fazendo-o em comum e em partes iguais, na proporção de 1/3 para cada deles, cabendo a cada um pagar aos vendedores a quantia de € 27.500,00. A aquisição da fracção veio a ser formalizada por escritura outorgada em 4/1/2006, tendo dela ficado a constar como preço, o de € 32.505,00, sendo o real o de 80.000,00, estando a aquisição em causa registada na proporção de 1/3 a favor de BB, casado com GG no regime de comunhão de adquiridos, na proporção de 1/3 a favor de CC, casado com HH no regime da comunhão de adquiridos, e na proporção de 1/3 a favor de AA, aqui A. Alegou também que o pagamento do custo da fracção e dos impostos inerentes ao negócio foram realizados apenas por ele e em parcelas, no que despendeu a quantia global de 56.124,86, e que «ficou acordado entre A. e RR. que estes (réus) iriam pagar, em partes iguais, ao Autor, a seu tempo, o valor por este despendido na compra da propriedade e respectivo estabelecimento acima identificados, o que até à presente data não aconteceu» (arts 13 e 14), tendo-se, entretanto, desentendido uns com os outros. Em consequência, pediu a condenação dos RR. a restituírem-lhe, solidariamente, a quantia mutuada de € 56.124,86 e, a não ser assim entendido, a condenação dos mesmos a pagarem-lhe a referida quantia a título de enriquecimento sem causa, num caso e noutro, devendo acrescer à referida quantia, juros a contar da citação até integral pagamento. O A. Alega a celebração entre as partes de um contrato de mútuo, admitindo a sua nulidade por falta de forma. A acção foi julgada improcedente, em 1.ª instância, tendo o Tribunal da Relação mantido a decisão. Nesta acção de divisão de coisa comum o recorrente para além da divisão em substância, venda ou adjudicação do imóvel, requer que sejam fixados os quinhões de cada um dos comproprietários, em desconformidade com o que consta na certidão de registo predial, nos seguintes termos: - para o autor AA uma quota de 86% porque pagou o valor de € 74.109,28 (10.000,00€+32.920,00€+12.500,00€+14.500,00€+2.076,44€+2.112,84€); - para o réu BB uma quota de 14% porque pagou o valor de 12.500,00€; - para o réu CC uma quota de 0%, porque não pagou qualquer valor. O Tribunal recorrido considerou verificar-se a excepção de caso julgado e confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância. Nos termos do disposto no art.º 580.º do Código de Processo Civil a excepção de caso julgado pressupõem a repetição de uma causa e têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. A repetição da causa ocorre quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, definindo ainda o artº 581.º do Código de Processo Civil que a identidade de pedido se verifica quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico ao passo que, a identidade de causa de pedir ocorre quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Na situação em análise cremos ser claro não estarem reunidos os pressupostos legais para a verificação da excepção de caso julgado. Sendo embora duas acções propostas pelo mesmo autor contra os mesmos réus, os pedidos de uma e outra são manifestamente divergentes: - no processo n.º 772/18.6... o recebimento da quantia mutuada, por repetição de tudo o que tinha sido prestado, com fundamento em nulidade, por vício de forma, do invocado contrato de mútuo; - nesta a cessação da compropriedade com a fixação das quotas dos comproprietários, em percentagens diversas das que se encontram mencionadas no registo predial. Ainda que as relações negociais estabelecidas entre as partes sejam as mesmas, o A. invoca em ambas as acções que pagou do preço do imóvel e demais despesas de aquisição do mesmo em montante que exceda a parte que lhe competia, tendo em conta a quota-parte de proprietário que constam do registo predial quanto a esta situação de compropriedade do imóvel, e coincidente com o que havia sido acordado entre todos. A causa de pedir no processo n.º 772/18.6... é a nulidade do contrato de mútuo e, nesta acção é a situação de compropriedade a que ele quer por termo, a par da incorrecção, na sua perspectiva, das quota-parte de proprietário que a cada um dos comproprietários compete. O pedido no processo n.º 772/18.6... era de condenação solidária dos réus a restituírem-lhe a quantia de € 56 124,86, acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento enquanto, neste processo, pede divisão da fracção autónoma que sendo substancialmente indivisível, se realizará por adjudicação ou venda do referido prédio, com repartição do valor, de acordo com os quinhões de cada consorte, estes a corrigir por referência ao que se mostra inscrito no registo predial. A circunstância de ele invocar em ambas as acções que pagou a totalidade ou parte dos encargos da aquisição do imóvel que competiam aos réus, repetida em ambas as acções não basta para podermos concluir que o decidido no processo n.º 772/18.6... responde integralmente ao pedido aqui formulado. Nesta acção especial de divisão de coisa comum não se passou ainda da fase inicial – art.º 925.º do Código de Processo Civil - de fixação das respectivas quotas que o autor entende divergentes das constantes do registo predial. Cremos, pois, terem incorrido as instâncias em erro de direito ao considerarem verificada a excepção de caso julgado. 2. Autoridade de caso julgado O acórdão recorrido, secundando a posição declarada pelo Tribunal de 1.ª instância indicou que,” (…) se, porventura, e contrariamente ao que se defendeu, se entendesse não coincidirem os pedidos e ou as causas de pedir numa e noutra acção, nem por isso esta acção poderia prosseguir, por se impor, então, operar, já não o efeito negativo do caso julgado a que se esteve a fazer referência, mas o efeito positivo do caso julgado. (…) E o A., como a propósito do caso julgado se referiu, utiliza nesta segunda acção a mesma causa de pedir que utilizou na acção anterior para justificar que as quotas entre os condóminos não correspondam às que resultam do contrato de compra e venda. Sendo inegável que o faz, pois que ele próprio alega, «tendo presente o que já foi decidido no processo nº 772/18.6... do Juízo central Cível de ... – Juiz 3 », com isso não motivando de forma diversa de que modo pretende que, ao contrário do que resulta daquele titulo, aqui se conclua que as quotas de compropriedade no imóvel não são idênticas. Quer dizer, não invocando para essa situação qualquer outra causa, a causa de pedir que utiliza é ainda o invocado mútuo não cumprido pelos RR., que não conseguiu provar. Tendo aí sido julgada improcedente a acção, se aqui não se julgasse igualmente improcedente a acção, estar-se-ia a admitir a produção de efeitos que seriam juridicamente incompatíveis com essa improcedência, impondo-se a consideração da sentença já transitada.” Entende o recorrente que o Acórdão recorrido e o Tribunal de 1.ª instância, fizeram uma errada aplicação da vertente positiva do caso julgado, a autoridade do caso julgado explicando que, em seu entender: «52. Os presentes autos têm precisamente a finalidade de fixação das respetivas quotas de cada um dos comproprietários, mediante os factos já dados como provados e com autoridade de caso julgado. 53. Com o efeito positivo de um ato processual anterior (concretamente, a fundamentação da sentença proferida no processo n.º 772/18.6...) pretende-se determinar o sentido de um ato processual decisório posterior (a fixação da quota-parte de cada comproprietário. A desconsideração do primeiro processo redundaria na prolação de efeitos que seriam lógico ou juridicamente incompatíveis com esse teor..». Na invocação do erro de direito o recorrente considera que a decisão proferida no proc. n.º 772/18.6... efectivamente goza de autoridade de caso julgado nestes autos e, por isso, em vez de impedir o prosseguimento desta acção, como entenderam as instâncias, define totalmente o sentido desta acção no que à determinação das quotas de cada comproprietário diz respeito, dado que naquela acção ficaram provados pelo menos alguns dos fluxos monetários que o recorrente invoca como sendo determinantes para a determinação destas quotas. Ou seja, o recorrente pretende que as acções são diversas quanto ao pedido e a causa de pedir impedindo a verificação da excepção de caso julgado mas quer ser dispensado, nesta acção de provar os fundamento que invoca pretendendo aproveitar o esforço probatório que empreendeu nessa outra acção - proc. n.º 772/18.6... - que considera absolutamente estranha a esta. A figura de autoridade do caso julgado, supõe que exista uma anterior decisão que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em acção posterior, isto é, cujo objecto se inscreva no objecto de uma acção posterior, assim impedindo que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. A primeira decisão é uma questão prejudicial para a segunda decisão. Neste caso seria necessário que aquele contrato de mútuo, que não ficou provado, fosse a única razão invocada e possível para a determinação das quotas dos comproprietários em valor diverso do que se mostra inscrito no registo predial e é até suportado por uma presunção legal – art.º 1403, n.º 2 do Código Civil -. Ter ou não ter existido um mútuo do autor em favor dos réus, objecto do proc. n.º 772/18.6... não é uma questão prejudicial relativamente à determinação quantitativa das quotas dos comproprietários. Tais quotas podem ser quantitativamente diferentes porque diferentes foram as participações dos comproprietários para a aquisição do bem sem que tenha sido o autor a mutuar qualquer quantia aos réus. Nesta acção o autor não invoca qualquer mútuo, mas apenas a realização dos pagamentos do montante devido para a aquisição do bem, que terá de provar não só pela sua materialidade, mas também pelo resultado que deles quer extrair de que participou na aquisição do bem em valor superior a 1/3. Mas tal prova terá de ser realizada neste processo não havendo qualquer possibilidade de transportar para estes autos uma prova produzida noutra acção. A decisão proferida sobre a matéria de facto não é susceptível de formar caso julgado porque, dada a sua natureza instrumental de suporte da decisão jurídica, não é um juízo que define o direito e dirime o conflito constante da relação material controvertida presente a juízo. O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se neste mesmo sentido como a título exemplificativo recolhemos nos acórdãos de 13-04-2021, Revista n.º 2395/11.1TBFAF.G2.S1, de 11-11-2021, Revista n.º 1360/20.2T8PNF.P1.S1 e de 04-07-2023, Revista n.º 142/15.8T8CBC-C.G1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt. A decisão recorrida que julgou verificada a excepção de caso julgado, enferma, pois, de erro de direito, como analisado, bem como a hipotética autoridade de caso julgado teorizada pelas instâncias, sendo que também não poderão ter-se por assentes nesta acção os factos provados e não provados no processo n.º 772/18.6... , como pretendia o recorrente, o que implica a revogação da decisão recorrida devendo os autos voltar à fase de despacho saneador em que se encontravam, expurgada da decisão de procedência da excepção dilatória de caso julgado, prosseguindo, depois os seus termos. *** III – Deliberação Pelo exposto acorda-se em conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e determinar que os autos voltem à fase de despacho saneador, prosseguindo os seus normais trâmites. Custas pelo vencido a final. * Lisboa, 3 de Outubro de 2024 Ana Paula Lobo (relatora) Paula Leal Carvalho Fernando Baptista de Oliveira |