Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL ADVOGADO MANDATO FORENSE PERDA DE CHANCE JUÍZO DE PROBABILIDADE INCUMPRIMENTO DO CONTRATO PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO PERDA DO DIREITO DE RECORRER ILICITUDE CULPA NEXO DE CAUSALIDADE DANO LESADO ÓNUS DE ALEGAÇÃO ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 09/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDAS PARCIALMENTE AS REVISTAS E ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO | ||
Sumário : | I – Para o dano da perda de chance processual ser indemnizável tem o mesmo que ser um dano certo, ou seja, a chance perdida tem que ser “consistente e séria”, sendo que tal consistência e seriedade tem que ser apurada (no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance) no chamado “julgamento dentro do julgamento”, em que se indaga qual seria a decisão hipotética do processo (em que foi cometida a falta do mandatário) sem a falta do mandatário, tendo em vista, a partir e com base em tal decisão hipotética, poder concluir pela consistência e seriedade da “chance” e considerar preenchidos os requisitos do dano e do nexo causal. II – Daí que um A., no processo onde pede a indemnização pelo dano da perda de chance processual, tenha de fornecer/alegar (cfr. 342.º/1 do C. Civil) os elementos/factos que hão de permitir ao Tribunal apurar qual seria a decisão hipotética do processo sem a falta do advogado; tendo, a seguir, o Tribunal de os apurar, nisto se traduzindo – daí a expressão – o “julgamento dentro do julgamento”. III – Traduzindo-se a falta do mandatário em não haver recorrido tempestivamente da sentença proferida no processo (que dá origem ao dano da perda de chance), tem o Tribunal (do processo em que é pedida a indemnização) de fazer o que um Tribunal da Relação não pôde fazer no primeiro processo (por a apelação ter sido interposta fora de prazo), isto é, têm de apreciar o que se diz que seria suscitado na apelação (que não foi admitida), o que significa, impugnando-se a decisão de facto (constante da sentença do processo em que foi cometida a falta), que tem o Tribunal de reapreciar tal decisão de facto a partir dos depoimentos testemunhais gravados e demais prova produzida no primeiro processo, como o faria um Tribunal da Relação (não se podendo ficar pelo “mero controlo formal” da motivação da decisão de facto da sentença proferida no processo em que foi cometida a “falta”), tendo em vista indagar qual seria a decisão hipotética do processo (em que foi cometida a falta do mandatário) sem a falta do mandatário. IV – Efetivamente, a apreciação/decisão hipotética feito no “julgamento dentro do julgamento” é uma questão que é, não raras vezes, essencialmente uma questão de facto. | ||
Decisão Texto Integral: |
ACORDAM OS JUÍZES DA 7.ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - Relatório SALSICHARIA DA GARDUNHA, LDA., com os sinais dos autos, instaurou ação declarativa de condenação com processo comum contra AA, advogado, e contra SEGURADORAS UNIDAS, S.A. (anteriormente designada, COMPANHIA DE SEGUROS TRANQUILIDADE, S.A.), tendo sido admitida como interveniente ARCH INSURANCE COMPANY (EUROPE) LIMITED, todos melhor identificados nos autos, formulando a final os seguintes pedidos: “a) serem os Réus condenados a pagar à Autora o montante de €150.708,33 (cento e cinquenta mil, setecentos e oito euros e trinta e três cêntimos), correspondentes ao valor que a Autora teve de pagar à S..., Lda; b) cumulativamente, serem os Réus condenados a pagar à Autora o montante de € 36.290,56 (correspondente ao valor que a Autora deixou de receber da S..., Lda); c) subsidiariamente aos pedidos deduzidos em a) e b), serem os Réus condenados a pagar à Autora o montante que venha a ser doutamente arbitrado por este Tribunal, de acordo com um juízo de equidade, nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do C.C.” Para tanto, alegou, muito em síntese: No âmbito da sua atividade comercial, a A. celebrou, em 1998, com a S..., Lda um contrato de empreitada, tendo a S..., Lda, em razão de tal contrato de empreitada, instaurado ação declarativa contra a aqui A. (a qual correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial ..., sob o n.º 1315/03.1...), ação em que a S..., Lda pediu a condenação da ali Ré, e aqui A., no montante de 104.936,96 € referente a trabalhos, por si prestados, no âmbito de tal contrato de empreitada. Em tal ação, foi a aqui A. patrocinada pelo aqui 1.º R., advogado, vindo tal ação, na sentença ali proferida, a ser julgada totalmente procedente, tendo a ora A. (e ali R.) sido condenada no pedido contra si deduzido e a S..., Lda absolvida do pedido reconvencional que a A. formulara na contestação que entretanto havia deduzido. Após o que, tendo a A. instruído o 1.º R., seu mandatário judicial no âmbito da referida ação, para que este interpusesse recurso da decisão, não foi o recurso apresentado em tempo, não tendo por isso sido admitido. Ora, segundo a A. alega, caso o recurso tivesse sido tempestivamente interposto, teria sito apreciado favoravelmente – a ação teria sido julgada improcedente e a reconvenção teria sido julgada procedente – razão pela qual vem aqui reclamar dos Réus (sendo a 2.ª R. a seguradora da Responsabilidade Civil profissional dos Advogados) a indemnização correspondente ao que perdeu e que deixou de ganhar por o seu patrono no referido processo judicial (o aqui 1.º R.) não ter apresentado o recurso em tempo. Os RR. contestaram separadamente, alegando, identicamente e muito em resumo, que a A. não “demonstra” quer prejuízos passíveis de ser indemnizados quer a existência de nexo causal entre a “falta” do 1.º R. e os pretensos danos, sendo que a probabilidade de sucesso do recurso era diminuta e muito improvável; e terminam pedindo a improcedência da ação e as suas absolvições do pedido. Foi admitida a intervenção de ARCH INSURANCE COMPANY (EUROPE) LIMITED, que, na sua contestação, veio alegar que a apólice já havia cessado a sua vigência à data do sinistro, sustentando identicamente a ínfima probabilidade de procedência do recurso. Realizada a audiência prévia, procedeu-se à prolação de despacho saneador – em que se julgou a instância regular, estado em que se mantém – e a despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova. E, realizada a audiência de discussão e julgamento, o Exmo. Juiz proferiu sentença em que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os Réus e a Interveniente do pedido. Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação a A., tendo-se, por Acórdão da Conferência da Relação de Lisboa1, proferido em 8/02/2024, julgado o recurso parcialmente procedente e, revogando-se a decisão recorrida, decidiu-se: (i)Fixar em € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a indemnização devida à Apelante, pelo dano resultante da “perda de chance”, procedendo assim integralmente o pedido subsidiário formulado na petição inicial. (ii)Condenar o Réu AA a pagar, por conta dessa indemnização o valor de € 5 000,00 (cinco mil euros) (iii)Condenar os Réus AA e SEGURADOAS UNIDAS SA, solidariamente , a pagarem € 30.000,00 (trinta mil euros). (iv)Absolver ARCH INSURANCE COMPANY (EUROPE) LIMITED do pedido. (v)Aos valores em referência, acrescem os juros legais, vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento. Agora inconformados os RR. AA e Arch Insurance Company (europe) Limited interpõem os presentes recursos de revista, visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine o decidido na 1.ª Instância. Terminou o R. AA a sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) 1.ª In casu, existe fundamentação absolutamente diversa entre o acórdão recorrido e a sentença do Tribunal de 1ª instância e não existe dupla conforme, face à revogação da sentença proferida, pelo que o presente recurso deve ser aceite e apreciado, ex vi dos arts. 671º e 672º do CPC (cfr. art. 640º do CPC) - 2.ª O acórdão ora em crise, para a considerar a existência de “uma elevada probabilidade de êxito do recurso se tivesse sido apreciado” (v. Acórdão recorrido de 2024.02.08, p.p. 22) e considerar existir uma efetiva perda de chance, considerou 4 argumentos: a) 1ª ARGUMENTO: A DESNECESSIDADE DO CHAMADO “JULGAMENTO DENTRO DO JULGAMENTO” Nos presentes autos, “Não cabe aqui nesta sede, fazer uma reapreciação de toda a prova produzida. O chamado “julgamento dentro do julgamento”, não tem, a nosso ver, um alcance tão exigente.” (v. Acórdão de 2024.08.02 ora recorrido, pág. 40). Resumindo: Na tese do Tribunal a quo, a aferição do dano de perda de chance não implica o chamado “julgamento dentro do julgamento” ou seja, “relativamente ao qual o lesado deve fornecer os elementos para prova de qual teria sido o resultado do processo frustrado, enquanto ao tribunal cumpre fazer uma apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado desse processo frustrado” (v. Ac. STJ de 2019.03.14, Proc. 2743/13.0TBTVD.L1.S1, www.dgsi.pt). b) 2ª ARGUMENTO: A EMPREITADA “PER SE” COMO “INDÍCIO DE PROBABILIDADE DO RECURSO” “ A caracterização da relação contratual discutida naquele processo, por si só, já nos permite começar a concluir por alguma probabilidade de êxito ainda que parcial de um recurso da sentença proferida em primeira instância. (…) Assim, a complexidade e as características próprias do contrato de empreitada afigura-se-nos, só por si, legitimar a Autora, ora Apelante, a equacionar uma real perda de oportunidade de ver reapreciada, com algum êxito, ainda que parcial, a decisão que lhe foi desfavorável, caso tivesse sido recebido o recurso.” (v. Acórdão de 2024.08.02 ora recorrido, pág. 22). Resumindo: O Tribunal a quo refere que a relação jurídica subjacente – contrato de empreitada –, segundo as regras da experiência, constituí uma situação que, “per se”, leva a crer que um eventual recurso teria uma “oportunidade” de reapreciação com “algum êxito (…) ainda que parcial”. c) 3ª ARGUMENTO: A QUESTÃO DO VALOR NÃO PAGO € 29.179,67 VS € 35.500,00 “ Na verdade, quanto à quantia em dívida pela Ré, ora Autora, analisada a acta da audiência preliminar realizada em 16/01/2006, verificamos que consta das alíneas G) e H) dos factos dados como assentes o seguinte: “G)Do preço convencionado (esc. 58.000.000$00 a que correspondem €289.302,80 acrescido de IVA) a Ré já pagou a quantia de 62.010.000$00 (309.304,57), com IVA incluído. H) A Quantia de €29.179,67 não foi paga.” Porém, de forma inexplicável, analisada a “matéria de facto provada” da sentença proferida no Processo n.º1315/03, apenas constam as alíneas A) a C) e J) , K). e L), estando em falta, não tendo sido transcritas, além das referidas alíneas G) e H), ainda as alíneas D) E) F) e I) que faziam parte do elenco dos factos assentes conforme acta da audiência preliminar. Em contrapartida, passou a constar do ponto 8 da “matéria de facto provada”, o seguinte: “ Dos ESC =67.860.000$00 referente aos trabalhos e materiais constantes do orçamento atrás referido a Ré não pagou à Autora o montante de €30.341,94 ao que acresce IVA a 17% no total de €35.500,00 ( trinta e cinco mil euros)”. Ora, este ponto 8 da matéria de facto contraria aquilo que já tinha sido dado como provado nas mencionadas alíneas G) e H), sendo certo que esses factos dados como assentes na audiência preliminar não podem ser pura e simplesmente abolidos na sentença. Donde se conclui que, perante este circunstancialismo, seria forte a probabilidade de, em recurso, o Tribunal da Relação proceder à correcção desta evidente incongruência da sentença em apreço.” Ou seja, da factualidade assente resultava que a quantia em dívida pela Ré, ora Autora, no concernente aos trabalhos inicialmente orçamentados, ascendia a € 29.179,67. É, de resto, o valor que se obtém, procedendo à operação aritmética, a partir dos valores constantes da alínea G).” (v. Acórdão de 2024.08.02 ora recorrido, pp. 38-39). Resumindo: De acordo com o aresto em causa, no Proc. 1315/03 da empreitada ficou provado em sede de audiência preliminar (hoje audiência prévia) que o valor em dívida era de € 29.17,67, pelo que não podia o tribunal do referido processo omitir tal facto assente e dar como provado em sede de sentença que, afinal, contraditoriamente, o valor era de € 35.500,00. d) 4º ARGUMENTO: FAX DO EMPREITEIRO ONDE CONSTA O SUPOSTO VALOR EM DÍVIDA € 34.915,85 No Proc. 1315/03 da empreitada “consta da alínea I) dos factos assentes, conforme acta da audiência preliminar o seguinte: “ A autora enviou á ré, por carta remetida via fax, o documento junto com a contestação sob o n.º6 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.” Sucede que mais uma vez ocorre a circunstância insólita de este facto ter “desaparecido” do elenco dos factos provados da sentença. Nesse documento, datado de 25-04-2002, a S..., Lda veio a remeter à Salsicharia, via fax, uma comunicação onde exige o “restante montante em dívida”, no valor de €34.915,85, acrescido de IVA a 17% , totalizando €40.851,54. Ora, para além de o Tribunal não ter transcrito para a sentença a alínea I) dos factos assentes, onde se fazia referência a tal documento, na verdade, o Tribunal do Fundão “não lhe atribui a mínima relevância, não tendo, em momento algum, apreciado o seu conteúdo, ou, o que se pensa que seria o mínimo, a sua existência!” (…) Ora, na sentença proferida no Processo 1315/03, está provado que “ a empreitada ficou concluída em Novembro de 1999”. E mais de dois anos decorridos, após o términus das obras, a Empreiteira solicita o pagamento do restante montante em dívida que é de € 34.915,85. (…) Afigura-se que a probabilidade de o Tribunal, antes de mais, proceder à necessária rectificação do elenco dos factos provados é elevadíssima. Seguidamente, não poderia deixar de analisar o documento cujo teor já tinha sido dado como provado e, necessariamente esclarecer a contradição entre o teor desse documento e o que consta do ponto 11.º dos factos assentes. Em face desta análise, afigura-se muito elevada a probabilidade de o recurso vir a ter provimento, pois a ter sido feita esta reapreciação, da mesma resultaria uma redução da quantia em que a Autora foi condenada.” (v. Acórdão de 2024.08.02 ora recorrido, pp. 38-39). Resumindo: Face a um Fax remetido pelo empreiteiro que referia que na sequência da conversa telefónica tida entre as partes em 2002.04.17, aguardava o envio dos cheques para regularização do montante em dívida no valor de 7.000.000$00 (€ 34.915,85) acrescido do IVA de 17%, o tribunal deveria ter considerado tal documento e dar como assente que tal montante era efetivamente o montante total em dívida – Cfr. texto nº 4; 3.ª In casu, quanto ao 1ª argumento do tribunal a quo, é absolutamente unânime na nossa doutrina e jurisprudência, que a aferição do elevado grau de probabilidade de procedência do recurso far-se-á através do chamado “julgamento dentro do julgamento”, pelo que: - seria necessário proceder a uma avaliação total do Proc. 1315/03.1... e respetiva prova efetivada no contexto da imediação da prova, com iniludível assento na prova testemunhal e documental apresentada e produzida, e, através de um juízo de prognose póstuma, aferir da elevada probabilidade do recurso em causa; - a realização de um “julgamento dentro do julgamento”, aliás suportada pelo referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste Venerando Supremo Tribunal nº 2/2022, é absolutamente necessária para a aferição do “elevado grau de probabilidade ou verosimilhança (da) pretensão”. - Contrariamente a decidido pelo Tribunal a quo e aresto ora em crise, era manifestamente necessário que “tal evidenciação da exigida probabilidade pressupõe a realização do chamado “julgamento dentro do julgamento” relativamente ao qual o lesado deve fornecer os elementos para prova de qual teria sido o resultado do processo frustrado, enquanto ao tribunal cumpre fazer uma apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado desse processo frustrado” (v. Ac. STJ de 2019.03.14, Proc. 2743/13.0TBTVD.L1.S1, www.dgsi.pt), o que, tal como o próprio tribunal a quo reconhece, o aresto ora em análise erradamente não fez em clara oposição com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 2/2022 deste Venerando Supremo Tribunal – Cfr. texto nºs 5 e 5.1; 4.ª No caso ora em análise, quanto ao 2ª argumento do tribunal a quo, é absolutamente evidente que a relação jurídica relativa ao contrato de empreitada –, não pode constituir, per se, um indício de que um eventual recurso teria uma “oportunidade” de reapreciação com “algum êxito (…) ainda que parcial” como de forma absolutamente errada refere o aresto ora em análise, pois, além do mais, o dano de perda de de chance processual que funda a pretenção da A. Recorrida “tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade" (v. DR I, nº 18, de 2022.01.26, p.p. 2, in https://files.dre.pt/1s/2022/01/01800/0002000042.pdf), e não pode resultar de meras regras da experiência de que as relações jurídicas de empreitada normalmente, em sede de reapreciação nas apelações, têm algum grau de êxito como de forma manifestamente inadmissível entende o tribunal a quo no aresto em causa – Cfr. texto nºs 5 e 5.2; 5.ª No caso sub judice, quanto ao 3º argumento do Tribunal a quo, é absolutamente manifesto que a modificação dos valores em dívida quanto aos trabalhos e serviços da proposta e orçamento iniciais de € 29.179,94 (constante dos factos assentes em sede de audiência preliminar) para € 35.500,00 (constante da Resposta à Matéria de Facto e Sentença), foi absolutamente legitima e licita, pois: a) “a indevida falta de inserção de certo facto na matéria “assente” não forma caso julgado negativo – no sentido de ficar definitivamente excluído como facto provado, facto que então já o estivesse – visto o citado art. 659º, nº 3 impor ao juiz a consideração, aquando da elaboração da sentença, dos factos admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e dos que o tribunal colectivo tenha dado como provados.” (v. Ac. RL de 2009.07.16, Proc. 5095/05.8YXLSB.L1-7, www.dgsi.pt; cfr. Acs. STJ de 2004.03.25, Proc. M02B4702 e de 2004.12.02, Proc. 04B3822 e Assento 14/94, DR, 1ª Série A, nº 230, p.p. 6072 e Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, CPC Anotado, 2ª ed., Coimbra Editora, p.p. 412-413); b) foi absolutamente legítima e licitamente realizada pelo respetivo Tribunal de acordo com produção de prova levada a cabo em sede de audiência de discussão e julgamento, tal como se lhe impunha, com base no contexto da imediação da prova e teve assim iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando a alteração da matéria de facto pretendida pela A. Recorrida e decidido pelo aresto ora em análise (v. arts. 607º, 635º, 637º, 639º, 640º e 662º do CPC); c) no âmbito do Proc. 1315/03.1... não existe assim qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão proferida, dado que a “contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 668º (…) verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente»”, o que não sucedeu in casu (v. Ac. STJ de 2013.05.30, Proc. 660/1999.P1.S1, www.dgsi.pt; cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Almedina, p.p. 671; cfr. art. 668º do CPC, na redação aplicável e art. 615º do NCPC) – Cfr. texto nºs 5 e 5.3; 6.ª Finalmente, quanto ao 4º argumento do tribunal a quo, contrariamente ao que decidiu o aresto ora em crise, a realidade é que do teor do Fax alegado pela A. Recorrida e de toda a matéria factual dada como provada nos autos, e considerando os princípios e regras interpretativas aplicáveis e segundo um declaratário normal e diligente, resulta inequivocamente que o montante à data em dívida que do mesmo poderia eventualmente retirar-se era apenas e tão só o montante relativo aos trabalhos e serviços prestados e concluídos no âmbito da proposta e orçamento iniciais (v. arts. 236º/1, 237º e 238º do C. Civil), pois, além do mais: a) conforme bem refere Abrantes Geraldes, “a decisão sobre a matéria de facto deve ser o resultado da livre convicção (do juiz)” tendo esse modo de decidir “subjacentes normas que asseguram a imediação entre o juiz e os meios de prova destinados a influir no resultado e que definem a concentração e continuidade da audiência, desde que se inicia até que termina, com a prolação da decisão de facto” (v. Temas da Reforma do Processo Civil, 2004, III/234). b) no âmbito do referido Proc. nº 1315/03.1..., a própria S..., Lda, na Réplica aí apresentada, impugnou expressamente o respetivo teor e valores do mesmo constantes, sendo certo que A. não fez qualquer prova em sentido contrário (v. Doc. 1 adiante junto – Art. 12º do referido articulado); c) no caso sub judice a decisão proferida sobre a matéria de facto no Proc. nº 1315/03.1... encontra-se devidamente fundamentada, tendo a convicção e decisão do Meritíssimo Juiz a quo sido formada com base nos depoimentos prestados e nos documentos apresentados nos autos pelas partes e pela própria A. Recorrida; d) in casu o referido Tribunal, apreciando livremente a prova, relativamente à concreta factualidade colocada em crise pela A., entendeu – e bem – dar como não provada a versão dos factos alegada pela A. e dar mais crédito à versão da S..., Lda, a qual foi a única que tentou fazer prova para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, fazendo-o de forma claramente fundamentada e amparado nos documentos e testemunhas apresentados por ambas as partes processuais e nas regras da experiência neste tipo de casos; e) a apreciação do Meritíssimo Juiz, efetivada no contexto da imediação da prova, teve assim iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando a alteração da matéria de facto pretendida pela A. (v. arts. 607º, 635º, 637º, 639º, 640º e 662º do CPC) – Cfr. texto nºs 5 e 5.4; 7.ª In casu, e quanto ainda 4º argumento do tribunal a quo, não se consegue descortinar, como é que o tribunal a quo, através do aresto ora em crise, não tendo realizado um “julgamento dentro do julgamento”, como admite, e sem qualquer acesso à integralidade de produção da prova realizada no Proc. 1315/03.1..., e sem acesso ao circunstancialismo da livre valoração de prova, resultante da concreta imediação entre o julgador e os elementos de prova carreados para os autos, dá aqui como provado que tal consubstanciava o total do valor em dívida – Cfr. texto nºs 5 e 5.4; 8.ª E, nesta sequência, contrariamente ao que decidiu o aresto ora em crise, do teor do Fax em causa remetido pelo empreiteiro que referia que na sequência da conversa telefónica tida entre as partes em 2002.04.17, aguardava o envio dos cheques para regularização do montante em dívida no valor de 7.000.000$00 (€ 34.915,85) acrescido do IVA de 17%, não resulta minimamente que tal declaração, de acordo com a livre apreciação de prova, imediação realizada entre o julgador e a prova carreada e realizada em sede de julgamento, era no sentido de que, de facto, o único e total valor em dívida, como erradamente o faz o tribunal a quo – Cfr. texto nºs 5 e 5.4; 9.ª A realidade é que do teor do Fax alegado pela A. Recorrida e de toda a matéria factual dada como provada nos autos, e considerando os princípios e regras interpretativas aplicáveis e segundo um declaratória normal e diligente, resulta inequivocamente que o montante à data em dívida que do mesmo poderia eventualmente retirar-se era apenas e tão só o montante relativo aos trabalhos e serviços prestados e concluídos no âmbito da proposta e orçamento iniciais, desconsiderando os outros montantes que estavam e acabaram por estar em dívida (v. arts. 236º/1, 237º e 238º do C. Civil) – Cfr. texto nºs 5 e 5.4; 10.ª In casu, a decisão em causa relativa à matéria de facto proferida pelo referido Tribunal no Proc. nº 1315/03.1... não podia assim ser sindicada em sede de recurso, como o alcance que a A. Recorrida pretende fazer crer e como foi decidido pelo tribunal a quo no aresto recorrido, tanto mais que não estão em causa, nem a ora A invocou ou demonstrou – como lhe competia (v. art. 342º do C. Civil) – quaisquer “erros evidentes” ou “excepcionais erros de julgamento” que impusessem decisão diversa (v. Ac. RL de 2004.10.07, Proc. 2010/04 – 8ª Secção e Ac. RL de 2007.12.13, Proc. 6054/2007-1, www.dgsi.pt; cfr. Ac. STJ de 2003.01.21, Proc. 02A4324, www.dgsi.pt) – Cfr. texto nºs 5 e 5.4; 11.ª No caso sub judice, atrevemo-nos a dizer e afirmar o seguinte: se o tribunal de 1ª instância que julgou o Proc. nº 1315/03.1... considerou a referida matéria provada na sua sentença como acertada, o mesmo sucedendo com o tribunal de 1ª instância dos presentes autos, que, depois de um “julgamento dentro do julgamento”, considerando a prova produzida naqueles autos (note-se que não foi produzida qualquer prova documental ou testemunhal contra essa mesma prova aqui nos autos), deu tal matéria como bem provada e como acertada, como pode aqui o tribunal a quo afirmar, perentoriamente, que o recurso que foi interposto pelo ora R. e não foi aceite por extemporâneo teria elevado grau de procedência? A conclusão, face ao supra exposto e como decidiu o tribunal de 1º instância é que não teria ou se tinha, “teria uma probabilidade ínfima se não mesmo nula de procedência” (v. Sentença de 2020.03.09, p.p.. 25-26) – Cfr. texto nºs 5 e 5.5; 12.ª Nos presentes autos, é de registar que de toda a matéria provada nos presentes autos não resulta um único facto concreto dado como provado do qual se extraia a tese do tribunal a quo e vertida no aresto ora em crise (repete-se: um único facto!), pelo que nesta mesma senda a Exma. Sra. Desembargadora Octávia Viegas, no seu voto de vencido do aresto ora em análise, afirmou de forma expressa e clara que “o nexo de causalidade entre o facto e o dano não ficou apurado nos autos, porquanto considerando a Recorrente que o recurso que não foi interposto pelo mandatário da decisão proferida tinha probabilidade de sucesso quanto à reapreciação da matéria de facto o que conduziria a uma alteração da mesma no sentido de serem considerados provados factos demonstrativos da existência dos defeitos da obra que alegou e a sua denúncia, tal não resulta dos factos apurados nestes autos, em que foi proferida a decisão recorrida.” (v. acórdão ora em análise de 2024.02.08, penúltima página) – Cfr. texto nºs 5 e 5.4; 13.ª A. Recorrida não alegou, demonstrou ou provou durante os presentes autos ou em julgamento, nem tal resulta inclusive dos factos dados como assentes nos presentes autos (como bem nota o voto de vencido da Exma. Sra. Desembargadora Octávia Viegas) a existência de qualquer Dano, consistente na “supressão ou diminuição duma situação jurídica favorável que estava protegida pelo Direito” (v. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, Vol. II, AAFDL, p.p. 283; cfr. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, 1944, 80), consubstanciado em perda de oportunidade ou de “chance” que fundamente a pretensão indemnizatória peticionada e que não foi sufragada pelo Tribunal de 1ª Instância, não tendo minimamente ficado provado ou sequer sido alegado uma probabilidade séria e elevada de procedência do recurso que foi apresentado extemporaneamente, inexistindo os pressupostos de que dependeria a responsabilidade do R. Julio Trindade Correia pelos pretensos danos e prejuízos invocados (v. arts. 9º, 342º, 473º e segs., 496º, 483º e segs., 562º a 566º, 570º, 592º e 798º e segs., do C. Civil) – Cfr. texto nºs 5 a 6; 14.ª In casu, o contrato de seguro da R. Seguradoras Unidas S.A. (ora Generali Seguros S.A., consubstanciado na apólice ........29), constitui um seguro de responsabilidade obrigatório de grupo e a favor de terceiro, pelo que a franquia de € 5.000,00 (v. facto 20 dos factos provados do aresto ora em análise) alegada é também inoponível aos terceiros lesados, pelo que terá de ser devidamente ressarcida pela R. Seguradora em caso de condenação do ora R. Recorrente, ex vi dos arts. 138º e 146º e segs. da LCS – Cfr. texto nºs 7 a 10; 15.ª Na verdade, a “ratio legis” das normas dos arts. 138º e 146º “isto é, o fim visado pelo legislador e as soluções que ele pretendeu alcançar com a norma produzida” (v. Proc. 3855/06; de 2007.05.17, Proc. 53/07; de 2006.05.03, Proc. 251/06; de 2001.11.22, Proc. 2724/01, todos in www.dgsi.pt) consiste na proteção dos terceiros lesados, apresentando-se por isso como imperativas, não admitindo convenção em sentido contrário – Cfr. texto nºs 7 a 10 16.ª A alegada exclusão da franquia de € 5.000,00 da apólice em causa (v. facto 20 dos factos provados do aresto ora em análise) é também ela totalmente inoponível aos terceiros lesados, pelo que a R. Seguradoras Unidas, S.A. (ora Generali Seguros, S.A.), sempre será obrigada a ressarcir a A. Recorrida na totalidade do valor indemnizatório em caso de eventual existência de responsabilidade civil nos autos, incluindo os € 5.000,00 da suposta franquia, ex vi dos arts. 138º e 146º e segs. da LCS e art. 99º do EOA – Cfr. texto nºs 7 a 10 17.ª O douto acórdão recorrido, enferma, além do mais, assim de manifestos erros de julgamento de facto e de direito, maxime, na parte em que decidiu que “a ora Apelante demonstrou que um recurso, a ter sido admitido, teria fortes probabilidades de conduzir à revogação pelo menos parcial da sentença inicialmente proferida” e na parte em que decidiu condenar o ora R. na franquia constante do contrato de seguro de seguro da R. Seguradoras Unidas S.A. no valor de € 5.000,00 (ora Generali Seguros S.A., consubstanciado na apólice ........29), tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 99º/1 do EOA arts. 137º e segs. da LCS (DL 72/2008), arts. 9º, 342º, 496º, 483º e segs., 512º e segs., 566º e 798º e segs. do C. Civil). (…)” Terminou a R. Arch Insurance Company (europe) Limited a sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) a. O douto Tribunal da Relação assentou, essencialmente, o douto Acórdão recorrido, mais não fez que reinterpretar – ao abrigo do julgamento dentro do julgamento (ainda que de forma seletiva, mas abordaremos seguidamente esse tópico) – os argumentos que motivaram a improcedência desta ação em primeira instância e decidir pelo seu contrário. b. O Acórdão recorrido, mais não fez que reinterpretar – ao abrigo do julgamento dentro do julgamento (ainda que de forma seletiva, mas abordaremos seguidamente esse tópico) – os argumentos que motivaram a improcedência desta ação em primeira instância e decidir pelo seu contrário c. De onde se concluí que o único fundamento material para o douto Acórdão recorrido sustentar a probabilidade elevada de sucesso de recurso da A., é a relevância dada ao Doc. 6 supra aludido; d. Recorde-se que os valores constantes desse documento, diziam apenas respeito ao valor em falta relativo aos trabalhos orçamentados; e. O próprio Acórdão recorrido dizer o seguinte “Como vimos, havia uma probabilidade forte de nesse recurso se alterar a condenação da ali Ré e ora Apelante para um valor de cerca de € 40.000,00”; f. Considerando – e bem – que haveriam valores em dívida relativos a trabalhos “extra”, devidamente, acordados entre as partes. g. No entanto, o valor em dívida desses trabalhos era de € 69.436,82 e foi isso que ficou provado em todas as instâncias, sem que tenha sido alterado. h. Não podem colher os fundamentos do douto Acórdão recorrido. i. De acordo com a doutrina da perda de chance, consagrada em variadíssima jurisprudência e uniformizada pelo Ac. Uniformizador 2/2022, tem-se entendido que a chance perdida deverá ter uma elevada probabilidade de verificação, não fora o desvio operado pela omissão culposa, neste caso, do 1º R.; j. O mérito do recurso que haveria de ter sido tempestivamente interposto, visava a consideração dos argumentos jurídicos supra expostos, no sentido de não dever o valor em que foi condenada à SEP – cerca de €104 mil Euros – e demonstrar a existência de defeitos de obra, procurando até ser indemnizada pelos mesmos. k. As hipóteses de sucesso da pretensão da A. e que figuraria no recurso que deveria ter sido apresentado tempestivamente, foram apreciadas e decidias como muito pouco prováveis pelo Tribunal de Comarca do Fundão, pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, pelo Tribunal da Relação de Lisboa em decisão singular e no voto de vencido ao Acórdão recorrido, pelo que não se compreende como se pode estabelecer que afinar teria uma chance elevada de proceder quando pelo menos 3 Juízes diferentes entenderam em sentido contrário a apenas 2. (…)” A A. respondeu, sustentando que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente as referidas pelos recorrentes, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. * II – Fundamentação de Facto As Instâncias fixaram os seguintes factos 1.º - A Autora é uma sociedade que se dedica, entre outras atividades, à transformação de carnes de suíno e posterior comercialização e talho. 2º O réu AA é Advogado há 20 anos, com inscrição ativa na Ordem dos Advogados desde ........1994, titular da cédula profissional n.º ...14L e tem domicílio profissional na Rua ... – ..., ..., no ... 3º A ré Seguradoras Unidas é uma sociedade anónima que tem por objeto social o exercício da atividade de seguro e de resseguro de todos os ramos e operações, salvo no que respeita ao seguro de crédito com garantia do Estado, podendo ainda exercer atividades conexas ou complementares da de seguro ou resseguro. 4º No âmbito de uma operação de fusão por transferência global de património, registada em 30.12.2016, nos termos da qual a 2.ª Ré, à data denominada “COMPANHIA DE SEGUROS TRANQUILIDADE S.A.”, incorporou as seguradoras AÇOREANA SEGUROS, S.A. (pessoa coletiva n.º .......48), SEGUROS LOGO, S.A. (pessoa coletiva n.º .......00) e T-VIDA - COMPANHIA DE SEGUROS S.A. (pessoa coletiva n.º .......86), a denominação social da 2.ª R. passou a ser “SEGURADORAS UNIDAS, S.A.” 5º A S..., Lda, veio a instaurar, em 30.06.2003, uma ação declarativa contra a aqui Autora, a qual correu os seus termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial ..., sob o n.º1315/03.1... 6º Na supra referida ação pediu a condenação da aqui autora no pagamento da quantia de €104.936,96; com fundamento no alegado na petição inicial junta de fls. 261 a fls. 263, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 7º Citada, a aqui autora e ali ré constituiu mandatário o réu AA, contestando a ação e deduzindo pedido reconvencional, com os fundamentos constantes do documento de fls. 270 verso a fls. 276, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 8º Na referida ação a S..., Lda apresentou réplica, contestando o pedido reconvencional, nos termos constantes do documento de fls. 284 verso a fls. 289, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 9º A aqui autora e ali ré apresentou tréplica, alegando o que consta do documento de fls. 290 verso a fls. 291, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 10 Em Audiência Preliminar realizada em 16.01.2006 foi proferido despacho saneador, selecionados os factos assentes e elaborada base instrutória, nos termos constantes da ata junta de fls. 292 verso a fls. 297, e cujo teor se dá por reproduzido. 11º Em 23.06.2010 realizou-se diligência de leitura de resposta aos artigos da base instrutória, e motivação da decisão de facto, conforme ata junta de fls. 297 verso a fls.303, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 12º Por sentença proferida em 19.03.2012 foi a aqui autora e ali ré condenada a pagar à S..., Lda as quantias peticionadas, sendo esta absolvida do pedido reconvencional, nos termos e com os fundamentos constantes do documento de fls. 303 verso a fls. 311, e cujo teor se dá por reproduzido. 13º Notificada, a sentença supra referida transitou em julgado em 11.04.2012. 14º A ré Seguradoras Unidas, S.A., segura nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) e designado Apólice n.º ........29, o risco decorrente de ação ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão. 15º A Apólice de Seguro de Responsabilidade Civil profissional em questão foi celebrada pela Ordem dos Advogados, o Tomador do Seguro, tendo como beneficiários todos os Advogados com inscrição em vigor na mesma. 16º Nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe PERÍODO DE COBERTURA, a apólice em causa vigora pelo período de 24 meses, com data de início de 01.01.2012 às 00h e vencimento às 00h de 01.01.2014. 17º De acordo com o Ponto 7 das Condições Particulares da apólice ora em análise, “A seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o Segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo Segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice”. 18º A apólice em análise consagra o princípio designado de “Claims made” nos termos da qual a Seguradora proporciona cobertura nas seguintes circunstâncias cumulativas: a. Se a primeira reclamação do Segurado, contra o Segurado ou Tomador de Seguro ocorrer no período de vigência da apólice em causa, ou seja, entre 01.01.2012 e 31.12.2013; e b. Se dos atos e omissões imputado ao Segurado e reclamados resultar dolo, erro, omissão ou negligência profissional. 19º A apólice tem como limite de indemnização o capital total de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) por reclamação e anuidade, sendo este o limite máximo indemnizável; 20º Tendo sido fixada uma franquia no montante global de €5.000,00 (cinco mil euros) por sinistro. 21º Nos termos do Ponto 12 do Artigo 1º das Condições Especiais da Apólice em causa, considera-se como Reclamação: “Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA (…) Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este à Seguradora (…)” 22º O 1.º Réu participou, juntamente com a Autora, o sinistro àquela Seguradora 2ª Ré. 23º A 2.ª Ré veio a declinar qualquer responsabilidade invocando que haveria pouca probabilidade de provimento do recurso em causa, não se encontrando reunidos, no seu entender, os pressupostos da responsabilidade civil e da consequente obrigação de indemnizar. 24º À data dos factos, o 1º Réu tinha em vigor um contrato de seguro de responsabilidade profissional de reforço com a Arch Insurance Company (Europe) Limited nos termos do qual e através da apólice EPA-...75-000-12-D, transferiu ainda a sua responsabilidade civil por atos e omissões resultantes da sua atividade profissional para esta seguradora, para os danos em excesso à Apólice ........29 da então Tranquilidade, e até ao limite de €100.000,00. 25º Nos termos definidos nas Condições Especiais da referida apólice EPA-...75-000-12-D, a Arch Insurance Company (Europe) Limited assumiu, perante o Tomador e Segurado, o 1º Réu, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade profissional desenvolvida pelo seu segurado, garantindo o eventual pagamento de indemnizações resultantes da responsabilização civil do segurado, em decorrência de erros e/ou omissões profissionais incorridas no exercício da sua atividade. 26º O período de vigência da apólice EPA-...75-000-12-D decorreu entre 01/01/2012 e 01/01/2013. 27º Nos termos do artigo 4º (Delimitação Temporal) das Condições Especiais da apólice EPA-...75-000-12-D, “…esta APÓLICE será competente exclusivamente para as RECLAMAÇÕES que sejam pela primeira vez apresentadas i) contra o SEGURADO e notificadas à SEGURADORA, ou ii) contra a SEGURADORA em exercício da ação direta, durante o PERÍODO SEGURO…” 28º Por notificação da Secretaria datada de 20.03.2012 foi a aqui autora notificada (na pessoa do 1º réu, seu mandatário constituído naqueles autos) da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca ... no âmbito da ação n.º1315/03.1... 29º A autora deu instruções ao 1º réu para que recorresse. 30º O 1º Réu deu entrada do requerimento de interposição de recurso em 17.04.2012, 31º Por mensagem de correio eletrónico datada de 04.07.2017 e dirigido a ..., o 1º Réu deu conhecimento de ter sido intentada a presente ação judicial e do valor do pedido, bem como do facto de em maio de 2012, no âmbito da ação n.º1315/03.1..., ter sido notificado da rejeição, por extemporaneidade, de um recurso de apelação. 32º Por carta registada com aviso de receção remetida em 24.05.2012 o 1º réu participou à 2ª ré o sinistro, isto é, que no âmbito da ação n.º1315/03.1..., e segundo instruções do seu constituinte, interpôs recurso de apelação da decisão final em 17.04.2012, o qual foi rejeitado por extemporaneidade em 04.05.2012. 33º A autora liquidou o montante do capital em que foi condenada, acrescido de juros e demais encargos, em valor que não é possível concretizar, no âmbito de ação executiva movida pela S..., Lda. * III – Fundamentação de Direito Versam os autos sobre um pedido de indemnização pelo chamado dano da perda de chance processual: o 1.º R., advogado, patrocinou a A. na ação 1315/03 da Comarca ... (melhor identificada nos factos provados), ação em que, em 20/03/2012, veio a ser proferida sentença totalmente desfavorável à A. (ré e reconvinte em tal ação), após o que o 1.º R., notificado de tal sentença, apresentou recurso da mesma fora de prazo, recurso que, por tal razão, não foi admitido. E, claro, a mera circunstância de o 1.º R. ter feito menção de recorrer e haver apresentado o respetivo requerimento de recurso fora de prazo2 revela só por si a falta de cumprimento de deveres profissionais por parte do 1.º R. e o preenchimento dos requisitos da ilicitude e da culpa, ou seja, toda a discussão nos autos – como é comum, quando está em causa um pedido de indemnização pelo chamado dano da perda de chance processual – se centra sobre os requisitos do dano e do nexo causal. Debrucemo-nos pois sobre tais dois requisitos. Uma vez que no “dano da perda de chance processual”, não se diz, em rigor, que, sem a falta do mandatário, o resultado final do processo seria favorável ao mandante, mas sim e “apenas” que este, em face da falta do mandatário, perdeu “chances/hipóteses” de ganhar o processo, quer a doutrina, quer a jurisprudência, começaram por ir no sentido de recusar o ressarcimento do dano da perda de chance (da perda da oportunidade de ganhar um processo). Para haver obrigação de indemnizar – argumentava-se – tem o dano a ressarcir que ser certo, o que não acontece na perda de chance, que tem como característica essencial haver uma incerteza, também no futuro, sobre a existência do dano, na medida em que não é possível determinar com segurança qual seria a situação hipotética do lesado que existiria caso não se tivesse verificado o evento lesivo; por outro lado – argumentava-se ainda – tal incerteza também não permite que se possa dizer que existe nexo causal entre o facto lesivo (no caso, a falta do advogado) e o resultado final desfavorável do processo (não se pode dizer que sem o facto lesivo o resultado final desfavorável não teria ocorrido). Argumentos que conduziam a que um mandatário que não agisse com a devida diligência (que não intentou a ação, que não a contestou, que não apresentou o rol ou que não apresentou recurso) escapasse à responsabilidade, razão pela qual se foram desenhando abordagens tendentes a evitar que tais eventos lesivos escapassem, de todo, às malhas da responsabilidade civil, não obstante a incerteza sobre o que teria acontecido (depois de tais eventos lesivos). É certo que as “chances” são algo que não existe “empiricamente” – não há mercado para as chances processuais e há até situações3 em que a única utilidade que pode retirar-se da “chance” é a resultante do desfecho final favorável – porém, em certos casos, são uma posição favorável na esfera jurídica do lesado e têm, fora de qualquer dúvida, valor, pelo que o modo abrangente como o art. 564.º do C. Civil apresenta os danos que são suscetíveis de ser indemnizados (incluindo o dano emergente e lucro cessante) não afasta a possibilidade da perda de chance poder ser qualificada como um dano, seja um dano em si (distinto do dano final) ou seja uma “fração” do dano final. Mas, ao mesmo tempo, também se reconheceu (nas abordagens tendentes a evitar que tais eventos lesivos escapassem às malhas da responsabilidade civil) que não é toda e qualquer perda de chance que pode/deve ser reconhecida como um dano indemnizável, ou seja, considerou-se que só uma perda de chance consistente e séria configura um dano (por perda de chance) indemnizável. Entendimento este que foi sufragado e “uniformizado” por este STJ, no AUJ 2/2022, de 05/07/2021, em cujo segmento uniformizador se estabeleceu: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade” Expendeu-se na fundamentação de tal AUJ4 e no que aqui interessa: “(…) A responsabilidade civil, como já se referiu, tem em vista “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (cfr. art. 562.º do C. Civil), visando, no caso, colocar o lesado/mandante na situação em que ele se encontraria se não fosse o ato lesivo do seu mandatário, razão pela qual, é pacífico, o dano causado pela perda de chance não poderá ser superior ao direito que o seu representado tinha originariamente, ou seja, caso este direito (do representado) não existisse ou não tivesse qualquer consistência, não haverá (não pode haver) qualquer dano pela perda de chance suscetível de ser indemnizado. E é aqui que, sendo a perda de chance caraterizada pela incerteza (sobre qual teria sido o desenrolar regular do processo), que mais se fazem sentir as críticas contra a indemnização pelo dano da perda de chance, na medida em que, argumenta-se, não respeitará nem a exigência de certeza que o dano indemnizável tem que revestir nem o “mínimo exigível” em termos de nexo de causalidade, antes aceitando, contra a doutrina da causalidade adequada (consagrada, entre nós, no art. 563.º do C. Civil), uma graduação probabilística do nexo de causalidade. Para um dano ser indemnizável, exige-se, concorda-se, que o mesmo seja certo e não meramente eventual, porém, observa-se, a certeza de que se fala e que deve ser exigida não é matemática ou absoluta, mas apenas uma certeza relativa, que se deve contentar com uma expetativa razoável. Se, como é o caso, em razão do comportamento indevido dum mandatário, o desenrolar e o desfecho normal dum processo não aconteceu e nem alguma vez acontecerá, não pode exigir-se que o dano decorrente de tal comportamento indevido seja objeto de uma certeza absoluta, ou seja, a certeza sobre a realidade hipotética do que não chegou a verificar-se tem sempre que se situar no domínio das probabilidades (das certezas relativas). A aferição dum tal dano exigirá sempre a comparação entre uma situação real, atual, e uma situação hipotética, igualmente atual, sendo a prognose sobre a evolução hipotética do processo comprometido que irá permitir determinar a certeza relativa do dano. E do “hipotético”, do que não aconteceu e nunca acontecerá, do que depende de diversas variáveis e imponderáveis, poderá sempre dizer-se que não há certezas, que se está a ficcionar e que um qualquer juízo de prognose será sempre aleatório, porém, não é este o plano em que o direito se move para validar um juízo de prognose, antes se bastando com a satisfação das exigências colocadas pela teoria da causalidade adequada. Em cuja consagração legal – constante do art. 563.º do C. Civil, em que sob a epígrafe “nexo de causalidade” se dispõe que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” – se usa até uma formulação que introduz um juízo de probabilidade ou verosimilhança, o mesmo é dizer de “flexibilidade”. Teoria da causalidade adequada cujo objetivo é excluir a imputação de danos que tenham ocorrido devido a um encadeamento de circunstâncias completamente invulgar e que, dum ponto de vista hipotético, não eram de esperar, a ponto de, como é sabido, no domínio da responsabilidade por factos ilícitos e culposos (como é o caso), ser considerada “preferível” a sua formulação negativa, o que significa que para a imputação objetiva dum dano à conduta do lesante será suficiente, em princípio, que a respetiva concretização não se encontre fora de toda a probabilidade. (…) Enfim, as exigências colocadas, em termos de nexo causal e de causalidade adequada, podem ter, atentas as características dos danos que estiverem em causa, diferentes níveis de intensidade, bastando-se com uma possibilidade séria e significativa quando, como é o caso, está em causa a imputação dum resultado hipotético, ou seja, dum resultado que não aconteceu nem alguma vez acontecerá. (…) É verdade que o Direito (a ciência jurídica) não é, na sua interpretação e aplicação, uma ciência exata e que não pode afirmar-se com certeza absoluta qual seria o resultado dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar ou que se desenrolou de modo “anormal”, porém, isso não significa que não se possa estabelecer/demonstrar, a partir de todos os elementos e circunstâncias disponíveis, que um concreto processo judicial (caso tivesse decorrido ou tivesse decorrido normalmente) tinha consistentes chances de vir a obter vencimento e que, por via disso, não se possa concluir que a chance perdida era, fora de qualquer dúvida, uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda se traduz num dano. E isto – esta demonstração – configura uma certeza relativa e conforma uma possibilidade séria/significativa que vai permitir imputar tal certeza relativa ao facto/evento lesivo (que fez com que o processo judicial não se desenrolasse ou que decorresse “anormalmente”). Poderá objetar-se, criticamente, que se substitui a prova dum prejuízo certo, traduzido no vencimento não conseguido do processo, pela demonstração da perda duma “chance” com determinada probabilidade de certeza relativa e que é tal probabilidade que acaba por afirmar ao mesmo tempo a existência do dano e o nexo de imputação do dano ao facto/evento lesivo. Mas não há outro modo de sair da “aparente contradição” que o dano da perda de chance coloca: não pode afirmar-se, por um lado, com certeza absoluta, qual seria o resultado dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar ou que se desenrolou de modo “anormal” (com o argumento de que todo o processo judicial tem um ineliminável e irredutível elemento de incerteza sobre o seu resultado), mas, por outro lado, demonstrando o lesado que se encontrava em situação fáctico-jurídica idónea a um resultado favorável do processo, fica-se com a certeza de que, caso se não tivesse verificado o evento lesivo, o lesado não teria perdido a esperança de vir a obter um ganho (ou evitar uma perda). (…) A certeza do dano e a imputação objetiva deste ao ato lesivo (nexo causal), requisitos exigíveis segundo os princípios e regras do nosso direito de responsabilidade civil, não dispensam que se apure, caso a caso, a suficiente probabilidade da consistência e seriedade da concreta “chance” processual comprometida. A verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo causal entre o facto lesivo e o dano, impõem, em linha com o que se referiu, que a “chance”, para poder ser indemnizável, seja “consistente e séria” e que a sua concretização se apresente com um grau de probabilidade suficiente e não com carácter meramente hipotético. Só assim a “chance” preencherá, num limiar mínimo, a certeza que é condição da indemnizabilidade do dano, só assim este pode ser considerado como objetivamente imputável ao ato lesivo e só assim se respeitará a regra (e a ideia de justiça) de que ao lesante apenas poderá ser imposto que responda pelos danos que causou. Significa isto que a toda a chance ou oportunidade perdida (a todo o ato lesivo e a todo processo perdido) não se segue, como que automaticamente e sem mais, uma indemnização por dano da perda de chance: a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar. Assim como se argumenta, para recusar o dano da perda de chance, que o desfecho dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar é uma certeza indemonstrável, também há quem afirme, no polo oposto, que um processo judicial não se acha perdido de antemão e que a mera pendência processual constitui um fator de pressão sobre a contraparte, pelo que, independentemente das circunstâncias concretas de tal processo e da sua prova, sempre, ocorrendo ato lesivo, haveria que conceder indemnização por dano da perda de chance. Mas, com todo o respeito, não pode ser: à luz das regras e princípios vigentes de responsabilidade civil, só uma “chance” com um mínimo de consistência pode aspirar a exprimir a certeza (“relativa”) do resultado comprometido (pelo ato lesivo) ser considerado provável. Não há indemnização civil sem dano e este tem de ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito e ser indemnizado) está exatamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida. Uma “chance” puramente abstrata e especulativa – isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade – não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as “perdas de chance” que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida. Concretizando um pouco mais, para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência. (…) Significa e impõe o que vem de dizer-se que, colocando-se num processo (…) a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade – o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou “chance” processual que foi comprometida – tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em “dano certo” e sem este não pode haver indemnização. Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental – o já chamado “julgamento dentro do julgamento” – a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance “consistente e séria”) e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo. Apreciação/decisão hipotética em que, sendo assim, se procurará, num juízo de prognose póstuma, reconstituir, para efeitos da possível indemnização do dano da perda de chance, o desenrolar e a decisão que o processo (onde foi cometida a falta do mandatário) teria tido – na perspetiva do tribunal que o teria que decidir – sem tal falta do mandatário, com o que, concluindo-se que o processo teria tido uma suficiente (no referido limiar mínimo) probabilidade de sucesso, se estará também a concluir ter sido o evento lesivo conditio sine qua non (requisito mínimo da causalidade jurídica) do dano. Apreciação/decisão hipotética que acabará também por relevar para o quantum indemnizatório, uma vez que a indemnização deve corresponder ao valor da chance perdida e este valor será o reflexo do grau de probabilidade da perda de chance em relação à vantagem que se procurava e se perdeu em definitivo. Assim, visando-se com tal apuramento estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil (dano e nexo causal), estão em causa (no subsequente processo, em que se pede a indemnização pelo dano da perda de chance) elementos/factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pelo lesado/mandante, sendo este – face ao encargo que o ónus da prova, quando aos requisitos da responsabilidade civil, lhe coloca (cfr. 342.º/1 do C. Civil) – que terá que fornecer os elementos que irão permitir apurar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometida a falta do advogado (ou seja, os factos que irão permitir apurar que o processo comprometido tinha uma suficiente, no referido limiar mínimo, probabilidade de sucesso ou, dito por outras palavras, que a chance perdida era consistente e séria). Não se ignora que tal apuramento – tal “julgamento dentro do julgamento” – nem sempre será fácil, havendo casos em que, traduzindo-se (…) a falta do mandatário na não interposição de recurso de apelação, poderá ser relativamente acessível averiguar, com elevada probabilidade, o desfecho que o processo teria tido sem tal falta do mandatário; e havendo casos em que, traduzindo-se (como no Acórdão fundamento) a falta na não apresentação tempestiva do requerimento probatório, será bem menos acessível estabelecer o desfecho que o processo (dependente de prova que não foi produzida) teria tido sem a falta do advogado. Tanto mais que, repete-se, no incidental “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose póstuma que é, o que se pretende alcançar é a prova da decisão hipotética que o processo teria tido sem a falta do mandatário (tendo em vista reconstruir a situação hipotética que, sem tal falta, existiria), ou seja, o tribunal da ação de indemnização deve adotar a perspetiva do tribunal que teria que decidir o processo e não exatamente o seu prisma de decisão, uma vez que, insiste-se, o que está verdadeiramente em causa, em termos de configuração jurídica, é a reconstituição do curso hipotético dos acontecimentos sem o evento/facto lesivo (reconstituição de que a decisão hipotética do processo, na perspetiva do tribunal que teria decidido o processo, é instrumental) Não sendo isto iludível (a dificuldade em averiguar, em certos casos, a decisão hipotética), o certo é que o respeito pelas regras e princípios que regem a responsabilidade civil – a certeza do dano, a doutrina da causalidade adequada, a função essencialmente reparatória/ressarcitória da responsabilidade civil e a proibição do enriquecimento sem causa do lesado – não podem ser afastados, ainda que tal obste a uma responsabilidade generalizada das perdas de chance processual. (…) Questão diferente e a jusante da prova da existência de dano (da prova da consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), é a já referida questão da avaliação e fixação do quantum indemnizatório devido em caso de perda de chance consistente e séria. (…) devendo, todavia, reconhecer-se a dificuldade da prova do montante do dano da perda de chance, a dificuldade em quantificar a exata probabilidade de sucesso da chance/oportunidade de ganho do processo, o que por certo levará a que, em muitos casos, haja lugar à fixação equitativa, nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil, dum montante indemnizatório pelo dano da perda de chance; reparação por recurso à equidade que, no seguimento de tudo o que se referiu, só poderá acontecer – enfatiza-se especialmente, uma vez que é exatamente neste ponto que está o fulcro da divergência e contradição jurisprudenciais – após, no seguimento/termo do incidental “julgamento dentro do julgamento”, se ter concluído pela consistência e seriedade da perda de chance, ou seja, após ter-se considerado provada a probabilidade suficiente (no referido limiar mínimo) de existência dum dano de chance indemnizável (sabido que a indemnização equitativa dum dano pressupõe que o dano está provado, ou seja, no caso, que a consistência e seriedade do dano da perda de chance está previamente provada, apenas se desconhecendo o valor exato do mesmo). Probabilidade suficiente de verificação do resultado favorável que se perdeu (a tal chance consistente e séria), que há de extrair-se da factualidade alegada e provada pelo lesado, pelo que, sem tal factualidade, fica o tribunal (que julga o pedido de indemnização com base na perda de chance) sem elementos para poder concluir pela existência do dano da perda de chance, não podendo/devendo sequer passar ao momento seguinte respeitante à quantificação da indemnização. (…) Assim, em casos como o do Acórdão fundamento, após o incidental “julgamento dentro do julgamento”, concluindo-se que “se não pode estabelecer (no caso) o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, sem afastar, inclusive, a sua improcedência”, a conclusão imediata e “automática” será a de, então, dizer que não se provou a consistência e seriedade da perda de chance, ou seja, que não se provou um dano de perda de chance suscetível de indemnização, não se podendo assim passar, justamente por não se ter provado o requisito (da responsabilidade civil) do dan, à fixação duma indemnização com base na equidade (nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil). (…)” Pois bem e em síntese, para o dano da perda de chance processual ser indemnizável tem o mesmo que ser um dano certo, ou seja, a chance perdida tem que ser “consistente e séria”, sendo que tal consistência e seriedade tem que ser apurada (no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance) no chamado “julgamento dentro do julgamento”, em que se indaga qual seria a decisão hipotética do processo (em que foi cometida a falta do mandatário) sem a falta do mandatário, tendo em vista, a partir e com base em tal decisão hipotética, poder concluir pela consistência e seriedade da “chance” e considerar preenchidos os requisitos do dano e do nexo causal. Daí que um A. (lesado/mandante), no processo onde pede a indemnização pelo dano da perda de chance processual, tenha de fornecer/alegar (cfr. 342.º/1 do C. Civil) os elementos/factos que hão de permitir ao tribunal apurar qual seria a decisão hipotética do processo sem a falta do advogado, ou seja, tenha de fornecer/alegar os factos/elementos que hão de permitir ao tribunal apurar que o processo comprometido tinha uma suficiente probabilidade de sucesso ou, o mesmo é dizer, que a chance perdida era consistente e séria. Enfim, num processo como o presente, um A/lesado tem de fornecer/alegar tais elementos/factos e o tribunal tem de os apurar, nisto se traduzindo – daí a expressão – o “julgamento dentro do julgamento” (faz-se o julgamento do processo em que ocorreu a falta do mandatário dentro do julgamento do processo em que é pedida a indemnização pelo dano da perda de chance). Ora, foi isto (o “julgamento dentro do julgamento”) que, nos autos, não foi devidamente feito pelas Instâncias, sendo certo – o que impede uma decisão de mérito da presente revista – que a aqui A. havia alegado a factualidade que, sendo provada, permitiria/á ao tribunal poder concluir pela existência dum dano indemnizável da perda de chance. Observa a primitiva desembargadora relatora, no seu voto de vencido, que na ação “devem ser alegados e provados os pressupostos da obrigação de indemnizar, facto ilícito, culpa (neste caso presumida por incumprimento de obrigação decorrente de contrato de mandato), dano e nexo de causalidade entre facto e o dano”; acrescentando que “o nexo de causalidade entre o facto e o dano não ficou apurado nos autos, porquanto considerando a A. que o recurso que não foi interposto (…) tinha probabilidade de sucesso quanto à reapreciação da matéria de facto, o que conduziria a uma alteração da mesma no sentido de serem considerados provados factos demonstrativos da existência dos defeitos da obra que alegou e a sua denúncia, tal não resulta dos factos apurados nestes autos, em que foi proferida a decisão recorrida.” É exato que dos factos considerados como provados pelas Instâncias, acima transcritos, nada – rigorosamente nada – consta, em termos factuais, que revele a seriedade e consistência da chance perdida e que preencha os requisitos do dano e do nexo causal. Mas – é o ponto – nada consta, repete-se, porque nada foi apurado pela 1.ª Instância e não por a A. não o haver alegado, pelo que o desfecho da apelação não podia ser, como se conclui no voto de vencido, a “confirmação da sentença recorrida”, mas sim a sua revogação e a sua substituição por decisão a anular a sentença e a ordenar o prosseguimento do processo na 1.ª Instância para a indispensável ampliação da matéria de facto (cfr. art. 662.º/2/c)/in fine do CPC). Importa notar que a apreciação/decisão hipotética feita no “julgamento dentro do julgamento” é uma questão que é, não raras vezes, essencialmente uma questão de facto e as Instâncias não a configuraram como questão de facto. Repare-se: A A., na sua PI, atribui 3 tipos de erros (tendo em vista demonstrar a séria probabilidade de provimento do recurso, o mesmo é dizer, a consistência e seriedade da chance perdida) à sentença de que o 1.º R. não recorreu tempestivamente (preenchendo com tal “falta” os requisitos da ilicitude e da culpa): - contradição entre os fundamentos de facto; - desconsideração da força probatória do documento 6 junto com a contestação; e - errada resposta aos quesitos 2.º, 6.º e 13.º, 23.º, 25.º e 26 e 11.º a 18.º da Base Instrutória. Pois bem, este último fundamento (errada resposta a quesitos) é, no âmbito da presente ação de indemnização pelo dano da perda de chance processual, claramente uma questão de facto, pelo que, em linha com o devidamente alegado/pedido pela A. (veja-se tudo o que é por ela invocado entre os arts. 70.º a 125.º da PI e o que explicitamente a A. “pede” nos arts. 82.º e 83.º, 98.º e 121.º a 123.º da PI), tinham as Instâncias que apurar, em sede factual (fazendo constar o que apurassem dos factos provados e/ou não provados), a partir da prova produzida no processo 1315/03 (abundantemente invocada/transcrita ao longo dos arts. 70.º a 125.º da PI), se as “respostas” à Base Instrutória dadas no processo 1315/03 foram erradas como a A. invoca e se as “certas” são as pretendidas/alegadas pela aqui A.. Tinham de apurar em sede factual, insiste-se, e não do modo como foi feito nos autos. É patente da sentença de 1.ª Instância, mais exatamente da respetiva motivação da decisão de facto, que a prova produzida no processo 1315/03 não foi apreciada, sendo certo que era/é a partir de tal prova (assim como da prova documental produzida em tal processo) que a “bondade” das respostas aos quesitos 2.º, 6.º e 13.º, 23.º, 25.º e 26 e 11.º a 18.º da Base Instrutória tinha/tem de ser apreciada. É certo que, após os factos considerados provados, a sentença de 1.ª Instância menciona que “não resultaram provados quaisquer outros factos”, porém, é muito evidente do conteúdo global da sentença de 1.ª Instância que a alegação factual (é disso que se trata) da A. a propósito das erradas respostas aos requisitos não é, na sentença, configurada e tratada como alegação factual, razão pela qual a sentença relega a apreciação de tal alegação da A. (tendente à prova da seriedade e consistência da chance e ao preenchimento dos requisitos do dano e do nexo causal) para a fundamentação de direito, onde se expendeu o seguinte: “(…) Da análise de todas as peças processuais resulta à saciedade que a ali ré e aqui autora não logrou provar a existência de quaisquer defeitos para além daqueles que a ali autora eliminou, e os descriminados no quesito 19. No entanto, não se tendo logrado provar a denúncia de tais defeitos, é notório que o pedido reconvencional nunca poderia proceder sendo, nesse ponto, acertadíssima a sentença proferida e a fundamentação ali expendida. Entende a aqui autora que existiu erro na apreciação da prova, e que relativamente à matéria de facto que foi dada como provada ou não provada poderia, em sede de recurso, ser a mesma reapreciada e ser dada nova resposta aos quesitos, designadamente, dando como provados os defeitos elencados pela ali ré, como também a respetiva denúncia. Se é verdade que em sede de recurso a parte pode requerer a reapreciação da matéria de facto, tal não constitui garante de que a instância superior altere a mesma. Com efeito, e conforme resulta da já supra mencionada motivação da decisão de facto, foi desconsiderada parte substancial da prova produzida pelas testemunhas da ali ré e aqui autora por não merecerem credibilidade, ou porque não tinham conhecimento direto dos factos. A apreciação e valoração da prova testemunhal feita pelo juiz julgador, beneficiando do contexto de imediação na produção da prova, tem vindo a ser entendida pela jurisprudência e doutrina maioritária como merecedora de tal consideração que apenas poderá ser abalada em face de contradições notórias, flagrantes, ou desconsideração de outros meios de prova que possam abalar a convicção criada. Acresce dizer que, no que respeita aos depoimentos transcritos pela autora na petição, dos mesmos não se retira que houve denúncia de defeitos para além daqueles respeitantes ao silicone, que foi reparado; sendo tais depoimentos vagos quanto à denúncia dos alegados demais defeitos existentes e aliás dados como provados. Do exposto resulta que não se pode concluir com a necessária segurança que a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso conduziria a uma alteração em moldes de ser dada como provada a denúncia dos defeitos. Assim sendo, considera-se que a possibilidade de, em sede de recurso de matéria de facto, vir a ser dada como provada a denúncia dos defeitos enunciados no quesito 19º seria diminuta, se não mesmo ínfima. No que respeita à questão da quantia em dívida pela ali ré à autora, a título de remanescente das obras efetivamente orçamentadas e realizadas, entende a aqui autora e ali ré haver contradição entre o facto dado como assente na alínea H) (relativo a não ter sido paga a quantia de €29.179,67) e a matéria provada sob os quesitos 8 (relativo a ainda estar em dívida a quantia de €30.341,94 a que acresceria IVA) e a autora ter enviado à ré o documento nº6 da contestação. Faz-se notar que da certidão junta pela aqui autora não consta tal documento junto sob o nº6 com a contestação. Sem embargo, este foi junto pela autora a fls. 96, sendo certo que o mesmo constitui carta da S..., Lda à aqui autora e ali ré, na qual se informa que no seguimento de conversa telefónica tida em 17.04.2002 aguardam o envio de cheques para regularização do montante em dívida no valor de 7.000.000$00 / €34.915,85 acrescido do IVA de 17%. As conclusões que a este respeito a autora elabora, nos artigos 38º e seguintes da petição não merecem acolhimento, salvo o devido respeito por opinião contrária. Vejamos. Entende a aqui autora que o teor de tal comunicação constitui confissão quanto ao montante total em dívida pela aqui autora e ali ré. Não se acompanha tal posição, pelo que se passa a expor. Sendo certo que constitui confissão a admissão de qualquer facto desfavorável à parte (art.º 352º do CC), o facto de em determinada missiva a ali autora reclamar o pagamento da quantia de 7.000.000$00 não constitui admissão de que apenas essa quantia era a devida, nem tal de pode extrair do teor do documento, e isto ainda que o mesmo seja de data posterior à fatura em que são cobrados os trabalhos a mais, (cf. fls. 269 vº). com efeito, não provou a aqui autora e ali ré que tal documento foi elaborado por quem tinha poderes para confessar, (art,º353º nº1 do CC), e a declaração em causa não é inequívoca, por não mencionar sequer as faturas a que se refere (art,º 357º nº1 do CC). Aliás, a própria autora impugna tal versão dos factos, apesar de aceitar a confissão da ali ré de que era devedora da quantia de, pelo menos, €29.179,67; mas apenas quanto ao valor em dívida relativo a obras orçamentadas. (…)”. Ora, como é evidente, todo este raciocínio padece desde logo de um vício congénito: neste momento, ao contrário do que é referido, não há jurisprudência, sequer minoritária, que entenda que “a apreciação e valoração da prova testemunhal feita pelo juiz julgador, beneficiando do contexto de imediação na produção da prova, (…) apenas poderá ser abalada em face de contradições notórias, flagrantes, ou desconsideração de outros meios de prova que possam abalar a convicção criada. No atual “estado da arte” processual é totalmente pacífico, na jurisprudência, que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa e envolve apenas a correção de pontuais, concretas e excecionais erros de julgamento, na medida em que a Relação, quando aprecia as provas – e pode para tal atender a quaisquer elementos probatórios (cfr. art. 712.º/2 do CPC) – faz um novo julgamento da matéria de facto, vai à procura da sua própria convicção, assegura o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto (ou seja, a atividade da Relação não se circunscreve a um mero controlo formal da motivação efetuada na 1.ª Instância). E foi apenas tal “mero controlo formal” da motivação de facto da sentença de 20/03/2012 que foi feito na sentença de 1.ª Instância aqui proferida, sucedendo que num processo indemnizatório como o presente – em que a falta do mandatário se traduziu em não recorrer tempestivamente da sentença proferida no processo – o tribunal (seja a 1.ª Instância, seja a Relação) desempenha e está no “papel” do Tribunal da Relação que julgaria o recurso da sentença de 20/03/2012 (caso o recurso da mesma tivesse sido apresentado tempestivamente)5, não podendo assim o tribunal do presente processo ficar-se pelo “mero controlo formal” da motivação da sentença proferida no processo em que foi cometida a “falta”. Na longa transcrição do expendido no AUJ 2/2022 observou-se que o “julgamento dentro do julgamento” nem sempre será fácil, porém, acrescentou-se que, “havendo casos em que, traduzindo-se (…) a falta do mandatário na não interposição de recurso, poderá ser relativamente acessível averiguar, com elevada probabilidade, o desfecho que o processo teria tido sem tal falta do mandatário”. É o caso: aqui o “julgamento dentro do julgamento” equivale, na prática e encurtando razões, ao julgamento do recurso de apelação que não foi conhecido por não ter sido oportunamente interposto; aqui, o Tribunal (seja a 1.ª Instância, seja a Relação) tem de, a partir das provas produzidas no primeiro processo (dos depoimentos que ali foram gravados, dos documentos e das posições assumidas nos respetivos articulados), fazer um novo julgamento dos factos (tem de proceder à reapreciação que o Tribunal da Relação faria) que a aqui A. alega terem sido erradamente julgados no primeiro processo. É isto que tem de ser feito e que ainda não foi feito, sendo a partir do que resulte de tal julgamento de facto e do que se vier a verter em termos de factos provados e não provados (insiste-se, trata-se de uma questão de facto e tal julgamento tem de ser vertido em sede factual) que, depois, em sede de direito, se concluirá ou não pela seriedade da chance perdida e se apreciarão os requisitos do dano e do nexo causal. Efetivamente, têm os aqui recorrentes razão no que invocam para divergir da argumentação que fez vencimento no Acórdão recorrido e que conduziu a considerar séria e consistente a perda de chance da aqui A. e a indemnizá-la, segundo a equidade, no montante de € 35.000,00. Argumentou-se no Acórdão recorrido que “a caracterização da relação contratual discutida naquele processo, por si só, já nos permite começar a concluir por alguma probabilidade de êxito ainda que parcial de um recurso da sentença proferida em primeira instância. Na verdade, sendo um contrato de empreitada um contrato de execução continuada, pela própria natureza das coisas, e de acordo com os dados da experiência comum, o próprio decurso do tempo, necessário à execução da obra, leva a modificações e vicissitudes que, só por si, propiciam o estabelecimento de relações complexas, que potenciam os litígios e desentendimentos entre as partes. Entre essas modificações e vicissitudes, poderão referir-se, por exemplo, só para citar as mais comuns, alterações dos trabalhos inicialmente acordados, realização de trabalhos a mais, atrasos na obra por razões várias, etc. Nesta medida, quanto mais prolongada é a relação contratual, mais complexidade é introduzida na mesma e mais difícil se torna a apreciação da prova dos factos que se vão sucedendo no tempo. E, assim, mais expectável se torna que uma reapreciação de toda essa complexa malha de factos, sobretudo elaborada por um tribunal de recurso, colegial, composto por três juízes, possa conduzir a uma alteração da decisão inicialmente proferida pelo Tribunal singular. Assim, a complexidade e as características próprias do contrato de empreitada afigura-se-nos, só por si, legitimar a Autora, ora Apelante, a equacionar uma real perda de oportunidade de ver reapreciada, com algum êxito, ainda que parcial, a decisão que lhe foi desfavorável, caso tivesse sido recebido o recurso.” Argumentação com que, com todo o respeito, não se pode concordar. A partir da apreciação genérica e abstrata de um litígio – sem o tribunal se debruçar sobre o concretamente alegado e discutido, sem apreciar as provas apresentadas e produzidas e sem convocar as regras de direito aplicáveis – não é jurídico-processualmente possível fazer um qualquer juízo sobre a sua probabilidade de êxito6: um tal juízo, como se explicou, num caso como o presente, só pode ser feito num efetivo “julgamento dentro do julgamento”. Argumentou-se também no Acórdão recorrido que a sentença (de 20/03/2012) proferida no processo 1315/03 tem erros patentes que seriam corrigidos pela Relação, correções que, ainda segundo o Acórdão recorrido, se repercutiriam numa decisão pecuniariamente favorável à aqui A.. Estamos de acordo que tal sentença tem erros, mas sem a “reapreciação” da prova produzida não podemos dizer que existam erros com repercussão sobre a decisão (sobre os montantes em que a aqui A. foi condenada). Repare-se (debruçando-nos sobre o primeiro processo): No processo 1315/03, a ali autora (S..., Lda) invoca um contrato de empreitada celebrado com a ali R e aqui A., tendo em vista ser paga quer da parte do preço em falta de tal contrato (€ 35.500,00) quer dos “trabalhos a mais” (€ 69.436,82) que diz ter executado; a ali R e aqui A. contestou, onde, muito em resumo, impugna os “trabalhos a mais” (alega que já faziam parte do contrato) e diz que, do preço do contrato, só deve € 29.179,67, montante que não pagou “por causa dos gravíssimos defeitos” da obra, defeitos que diz ter denunciado oportunamente e que não foram reparados, daqui partindo para os vários pedidos reconvencionais que deduziu. Aos articulados, seguiu-se a seleção dos factos assentes e a base instrutória, peça/seleção essa, reconhece-se, pouco rigorosa e que, justamente por isso, deu lugar aos equívocos que a aqui A. configura como erros com repercussão no montante em que foi condenada. Mas, como é sabido – era assim à época e continua hoje a ser assim – o que, na referida peça/seleção, se diz estar provado a partir das posições assumidas pelas partes nos articulados não faz caso julgado formal; aliás – era assim à época e continua hoje a ser assim – o juiz (no que se incluem a Relação e o Supremo), quando elabora a sentença/acórdão, tem de analisar criticamente as provas (antigo 659.º/3 do CPC), no que se insere analisar se o que antes foi dado como provado a partir das posições assumidas pelas partes nos articulados foi bem dado como provado (como o inverso, ou seja, analisar se deve ser dado como provado algo que, antes, assim não foi dado como provado). É por isto que o que se deu como provado na alínea H) – em que se disse que “a quantia de €29.179,67 não foi paga” – não constituía qualquer obstáculo a que se desse como provado que a quantia em dívida era superior; aliás, como é muito evidente dos articulados do processo 1315/03, tal alínea H) corresponde ao que foi confessado pela ali R. com estando em dívida, mas, dizendo a ali A. que a dívida era superior, apenas se podia considerar e dar como provado que “pelo menos, a quantia de € 29.179,67 não foi paga”, sendo que, depois, na elaboração da sentença, em função do que se viesse a provar da alegação da ali A. (sobre a dívida ser superior), tal alínea/facto H) seria incorporada no que se viesse a provar (isto é, seria incorporada no caso de se provar ser a dívida superior). Enfim, a redação da alínea H) não era a formalmente correta, sem que, todavia, tal tivesse tido qualquer repercussão sobre a substância da decisão e sem que impedisse a ali A. de provar que a quantia em dívida era na quantia superior que alegava e que peticionava na PI.. E o mesmo se passa com a argumentação construída a partir da alínea I) dos factos assentes, em que consta que “a (ali) autora enviou à (ali) ré, por carta remetida via fax, o documento junto com a contestação sob o n.º6 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido”; documento esse, datado de 25-04-2002, remetido pela S..., Lda à aqui A. em que exige o “restante montante em dívida”, no valor de € 34.915,85, acrescido de IVA a 17%, totalizando € 40.851,54. Resulta, é certo, da sentença proferida no processo 1315/03 que tal facto (para além de ter sido omitido na fundamentação de facto da sentença) não foi, na sentença, objeto de qualquer tipo de apreciação/valoração, quer em sede factual, quer em sede de direito substantivo, o que evidentemente encerra um erro cometido pela sentença, porém, sem a “reapreciação” de toda a prova produzida no processo 1315/03, não podemos dizer que estamos perante um erro com repercussão sobre o montante em que a ali R. foi condenada. Observa-se, a tal propósito, no Acórdão recorrido que, “na sentença proferida no Processo 1315/03, está provado que a empreitada ficou concluída em Novembro de 1999”. E mais de dois anos decorridos, após o términus das obras, a empreiteira solicita o pagamento do restante montante em dívida que é de € 34.915,85. Não faz sentido argumentar que, nessa data, não fosse solicitado o pagamento de todo o valor que estivesse em dívida e apenas uma parte dele. Não se compreende também como é que no ano seguinte, na data da propositura da ação, em 30-06-2003, a quantia peticionada passe a ser de €104.936,96, quantia que o Tribunal do Fundão vem a dar como provado ser devida (…)” Faz sentido, reconhece-se, o raciocínio constante de tal observação do Acórdão recorrido, porém, não tem de ser forçosamente assim e, acima de tudo, se é assim ou não, é questão cujo momento e sede própria de apreciação/decisão é nos factos, com os contributos e a apreciação conjugada de todas as provas produzidas no processo 1315/03. Aliás – impõe-se não o omitir – a propósito da alínea I) dos factos assentes e do doc. 6 da contestação, a aqui A. suscita uma outra questão, mais exatamente, o erro de direito (da sentença proferida no processo 1315/03) decorrente de tal doc. 6 encerrar, segundo a aqui A., uma confissão da S..., Lda, ou seja, a S..., Lda, em tal documento reconhecia/confessava que a dívida da aqui A. resultante do contrato de empreitada não ultrapassava o valor de € 34.915,85 (pelo que nunca a sentença poderia ter dado como provado e condenado a aqui a A. a pagar €104.936,96). Entende-se por confissão, de acordo com o art. 352.º do C. Civil, “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”, ou seja, a confissão tal como resulta da lei civil, só pode incidir sobre factos, “sendo indubitável que não constitui o facto a que se refere o art. 352.º do C. Civil um direito ou outra situação jurídica”7. E sendo admissível a utilização na declaração confessória de conceitos jurídicos simples e facilmente compreensíveis da linguagem corrente como elementos de identificação do objeto da confissão, o certo é que o doc. 6 não é inequívoco quanto ao objeto da confissão: no documento 6 fala-se em “restante montante em dívida”, podendo tal declaração ser interpretada quer no sentido de dizer respeito à totalidade dos trabalhos executados quer no sentido de só dizer respeito aos trabalhos executados no âmbito do contrato inicial; e para chegar a esta segunda interpretação – é o que aqui releva – não é inadmissível a produção de prova testemunhal, na medida em que as regras dos n.º 1 e 2 do art. 393.º do C. Civil “não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento” (cfr. 393.º/1 do C. Civil). Enfim, a sentença proferida no processo 1315/03 não podia “passar ao lado” do doc. 6 da contestação: tinha de lhe conferir relevância, incorporando o que resultasse da apreciação/interpretação do mesmo no julgamento dos factos provados (ou, caso fosse seguido o entendimento da A., não permitindo que se produzisse prova testemunhal contra a força probatória plena dele decorrente-arts 355.º/4 e 358.º/2 do C. Civil), porém – é o que aqui mais uma vez interessa salientar – só apreciada toda a prova produzida no processo 1315/03 é que se pode dizer e concluir que, sem tal erro (sem o “passar ao lado” de tal documento), os factos provados seriam outros e diferentes e que foi cometido um erro com repercussão sobre o montante em que a ali R. foi condenada. Em conclusão – vimos dizendo o mesmo de várias maneiras – a chance perdida pela aqui A, para ser indemnizável, tem que ser “consistente e séria” e, no caso, tal consistência e seriedade tem que ser apurada no chamado “julgamento dentro do julgamento”, ou seja, as Instâncias têm, no caso, de fazer o que um Tribunal da Relação não pôde fazer no primeiro processo (por a apelação ter sido interposta fora de prazo), isto é, têm de apreciar o que a aqui A. alega que seria suscitado na apelação (que não foi admitida), o que significa, suscitando-se a reapreciação da decisão de facto (da sentença em que foi cometida a falta), que têm as Instâncias que reapreciar a decisão de facto (a partir dos depoimentos testemunhais gravados e demais prova produzida no processo 1315/03, como o faria um Tribunal da Relação), tendo em vista indagar qual seria a decisão hipotética do processo (em que foi cometida a falta do mandatário) sem a falta do mandatário, para, depois e finalmente, a partir e com base em tal decisão hipotética, se poder concluir pela consistência e seriedade da “chance” e poder considerar preenchidos os requisitos do dano e do nexo causal. Ora, como tal reapreciação da decisão de facto não foi feita, encontra-se nos autos controvertida matéria de facto juridicamente relevante (alegada pela aqui A.) para o “julgamento dentro do julgamento”, o que impede uma decisão de mérito das revistas (prejudica o conhecimento de todas as questões de mérito suscitadas), impondo-se revogar o Acórdão recorrido, que se substitui por decisão a anular a sentença proferido na 1.ª Instância (cfr. 662.º/2/c)/in fine e 682.º/3 do CPC), para onde o processo deve desde já regressar e prosseguir para julgamento, tendo em vista a ampliação da matéria de facto, designadamente, a apreciação factual do que a A. alegou/invocou nos arts. 70.º a 125.º da PI (seguindo-se a restante e atinente tramitação processual e respeitando-se no que vier a ser decidido o disposto no art. 635.º/5 do CPC). * IV - Decisão Nos termos expostos, decide-se conceder parcialmente as revistas e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido que se substitui por decisão a anular a sentença proferido na 1.ª Instância, onde o processo deve prosseguir para julgamento, tendo em vista a ampliação da matéria de facto, designadamente, a apreciação factual do que a A. alegou nos arts. 70.º a 125.º da PI.. Custas dos recursos (apelação e revistas) em partes iguais. * Lisboa, 19/09/2024
António Barateiro Martins (relator) Nuno Pinto de Oliveira Nuno Ataíde das Neves ________
1. A Exma. Relatora, por decisão singular, havia confirmado a decisão recorrida, tendo a A. reclamado para a Conferência, que não manteve tal decisão singular. 2. A que se seguiu o acionamento, junto da 2.ª R., do seguro obrigatório de responsabilidade civil por parte do 1.º R.. 3. O que é muito evidente noutros grupos de casos em que a doutrina da perda de chance se tem colocado, como, v. g., no caso dum trabalhador que, num concurso de promoção, é ilicitamente afastado ou prejudicado. 4. Relatado pelo aqui relator. 5. Tendo em vista, claro está, dizer qual seria a decisão hipotética do processo (em que foi cometida a falta do mandatário) e não afirmar com certeza a decisão do processo. 6. Como se escreveu a dado passo da fundamentação do AUJ 2/2022: “Assim como se argumenta, para recusar o dano da perda de chance, que o desfecho dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar é uma certeza indemonstrável, também há quem afirme, no polo oposto, que um processo judicial não se acha perdido de antemão e que a mera pendência processual constitui um fator de pressão sobre a contraparte, pelo que, independentemente das circunstâncias concretas de tal processo e da sua prova, sempre, ocorrendo ato lesivo, haveria que conceder indemnização por dano da perda de chance. Mas, com todo o respeito, não pode ser: à luz das regras e princípios vigentes de responsabilidade civil, só uma “chance” com um mínimo de consistência pode aspirar a exprimir a certeza (“relativa”) do resultado comprometido (pelo ato lesivo) ser considerado provável. (…)”, 7. A confissão no direito probatório, Lebre de Freitas, pág. 66. |