Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE GONÇALVES | ||
Descritores: | RECURSO PENAL VIOLAÇÃO ABUSO SEXUAL DE MENORES DEPENDENTES ALICIAMENTO DE MENOR PENA ÚNICA | ||
Data do Acordão: | 10/17/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : |
I - São pressupostos cumulativos do recurso direto para o STJ: a aplicação de pena superior a 5 anos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo; que o recurso vise exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou seja interposto com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3, do artigo 410.º, do CPP II – A pena única corresponde a uma pena conjunta, segundo um princípio de cúmulo jurídico, pelo qual a partir das penas parcelares que foram aplicadas a cada um dos crimes é construída a moldura penal do concurso, tendo como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas, sem, todavia, exceder os 25 anos de pena de prisão (artigo 77.º n.º 2, do Código Penal). III - Estando em causa não a determinação das penas parcelares, mas da medida concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios gerais contidos no artigo 71.º, n.º1, acresce um critério especial fixado no artigo 77.º, n.º1, 2.ª parte, do Código Penal: “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. IV - A determinação da pena única, quer pela sua sujeição aos critérios gerais da prevenção e da culpa, quer pela necessidade de proceder à avaliação global dos factos na sua ligação com a personalidade, não é compatível com a utilização de critérios matemáticos de fixação da sua medida. A convocação desses critérios apenas poderá ser entendida, porventura, como coadjuvante, e não mais do que isso, quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, tendo em vista as exigências dos princípios da proporcionalidade e proibição do excesso, mas sempre procurando a solução justa de cada caso concreto, apreciado na sua particular singularidade. V - Valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto todos os factos em presença, a sua relacionação com a personalidade do recorrente neles documentada e os fins das penas, não deixando de ter presente o referente jurisprudencial deste STJ para casos com alguma similitude, dentro da moldura abstrata aplicável à pena do cúmulo, não se surpreendem elementos que permitam justificar um juízo de discordância relativamente à pena única de nove anos de prisão aplicada, razão por que se entende não ser de efetuar qualquer intervenção corretiva na sua medida, que não peca por excessiva nem por desproporcionada. | ||
Decisão Texto Integral: |
RECURSO n.º 3/23.7PFALM.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1. O Ministério Público deduziu acusação, em processo comum, com intervenção de tribunal coletivo, contra AA, com os restantes sinais dos autos, pela imputada prática, em concurso real, de: - 7 (sete) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos artigos 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e n.º 3, 171.º, n.º 3, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal; - 1 (um) crime de violação, p. e p. pelos artigos 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e n.º 3, 164.º, n.º 1, alínea b), e 177.º, n.º 1, alínea b), e n.º 6, do Código Penal; - 5 (cinco) crimes de violação, p. e p. pelos artigos 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e n.º 3, 164.º, n.º 1, alínea b), e 177.º, n.º 1, alínea b), e n.º 6, do Código Penal; - 5 (cinco) crimes de violação, p. e p. pelos artigos 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e n.º 3, 164.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 177.º, n.º 1, alínea b), e n.º 6, do Código Penal; - 2 (dois) crimes de abuso sexual de menores dependentes, p. e p. pelos artigos 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e n.º 3, 172.º, n.º 1, alínea b), por referência ao artigo 171.º, n.º 1, e pelo artigo 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal; - 1 (um) crime de violação na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b), 23.º, n.º 1, 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e n.º 3, 164.º, n.º 2, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea b), e n.º 6, do Código Penal; - 1 (um) crime de violação, p. e p. pelos artigos 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e n.º 3, 164.º, n.º 2, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea b), e n.º 6, do Código Penal; - 6 (seis) crimes de importunação sexual, pp. e pp. pelos artigos 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e n.º 3, 170.º e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal; - 2 (dois) crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, pp. e pp. pelos artigos 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2, e 176.º-A, n.º 1, por referência ao artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal. Por acórdão de ... de ... de 2024, proferido pelo tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., o arguido foi condenado, de acordo com o dispositivo, nos seguintes termos que se transcrevem: «Tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, os Juízes que constituem este Tribunal Coletivo, decidem julgar a acusação parcialmente procedente e em consequência decidem: - Absolver o arguido AA da prática de 7 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e 3, 171.º, n.º 3, al a) e 177, n.º 1, al. b), do C.P.. - Absolver o arguido AA da prática de um crime de violação, p. e p. pelos arts. 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e 3, 164.º, n.º 1, al b) e 177, n.º 1, al. b) e n.º 6, do C.P.. - Absolver o arguido AA da prática de 5 crimes de violação, p. e p. pelos arts. 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e 3, 164.º, n.º 1, al b) e 177, n.º 1, al. b) e n.º 6, do C.P.. Absolver o arguido AA da prática de 5 crimes de violação, p. e p. pelos arts. 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e 3, 164.º, n.º 1, als. a) e b) e 177, n.º 1, al. b) e n.º 6, do C.P.. - Absolver o arguido AA da prática de um crime de violação, p. e p. pelos arts. 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e 3, 164.º, n.º 2, al a) e 177, n.º 1, al. b) e n.º 6, do C.P.. - Absolver o arguido AA da prática de 6 crimes de importunação sexual, p. e p. pelos arts. 69.º-B, n.º 2, 69.º-C, n.º 2 e 3, 170.º e 177, n.º 1, al. b), do C.P.. - Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violação agravada na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 1, al. b) e n.º 6, do C.P., na pena de 3 (três) anos de prisão; - Condenar o arguido AA pela prática de quatro crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 1, al. a), por referência ao art. 171.º, n.º 1 e 2 e 177.º, n.º 1, al. b), do C.P. (factos provados 6 e 7), cada um, na pena de quatro anos de prisão. - Condenar o arguido AA pela prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 1, al. a), por referência ao art. 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. b), do C.P. (facto provado 8) a pena de três anos de prisão. - Condenar o arguido AA pela prática de quatro crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 2, por referência ao art. 171.º, n.º 3, al. b) e 177.º, n.º 1, al. b), do C.P., cada um, na pena de 4 meses de prisão. - Condenar o arguido AA pela prática de dois crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelos arts. 176-A, n.º 1, do C.P., cada um, na pena de 4 meses de prisão. - Em cúmulo jurídico das penas antecedentes condena-se o arguido AA na pena única de nove anos de prisão. - Condena-se, ainda, o arguido AA, nos termos do art. 69.º-B, n.º 2, do C.P. na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores pelo período de nove anos; - Condena-se, ainda, o arguido AA, nos termos do art. 69.º-C, n.º 2, do C.P., na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores também pelo período de nove anos. - Condeno o arguido AA no pagamento à menor BB a quantia de €10.000 (dez mil euros) a título de reparação pelos prejuízos àquela causados, que será tida em conta em eventual ação que venha a conhecer de pedido de indemnização civil, nos termos do art. 82.°-A do C.P.P. (…).» 2. O arguido interpôs recurso do referido acórdão para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões (transcrição): a) O Recorrente AA vem condenado: - pela prática de um crime de violação agravada na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 1, al. b) e n.º 6, do C.P., na pena de 3 (três) anos de prisão; - pela prática de quatro crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 1, al. a), por referência ao art. 171.º, n.º 1 e 2 e 177.º, n.º 1, al. b), do C.P. (factos provados 6 e 7), cada um, na pena de quatro anos de prisão; - pela prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 1, al. a), por referência ao art. 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. b), do C.P. (facto provado 8) a pena de três anos de prisão; - pela prática de quatro crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 2, por referência ao art. 171.º, n.º 3, al. b) e 177.º, n.º 1, al. b), do C.P., cada um, na pena de 4 meses de prisão; - pela prática de dois crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelos arts. 176-A, n.º 1, do C.P., cada um, na pena de 4 meses de prisão; Em cúmulo jurídico das penas acima referidas foi o Recorrente condenado na pena única de nove anos de prisão. b) O Recorrente admitiu parte da prática dos ilícitos criminais pelos quais vinha e veio a ser condenado; c) O Recorrente mostra-se profissional e familiarmente inserido, sendo que sofre de um problema de consumo de estupefaciente grave, que não justifica o seu comportamento, mas que permite perceber o meio de vivência do Recorrente. d) O Recorrente está familiar e socialmente integrado não existindo na comunidade local, atitudes de rejeição ou animosidade face à pessoa do arguido, demonstrando a ausência de antecedentes criminais uma vida fiel ao direito e encontrava-se a trabalhar à data em que foi submetido à prisão preventiva. e) Conforme se pode ler do relatório social: “(…) No plano profissional, o arguido trabalhava no Ministério ..., em ..., sendo primeiro marinheiro. Segundo o próprio, era responsável pela preparação e execução dos diversos serviços (confeção de alimentos, tratamento de roupa) a prestar ao Chefe do Estado-Maior da Armada. (…) Não apresenta contactos anteriores com o sistema de justiça penal e, no presente processo, mantém um comportamento na generalidade, compatível com as regras inerentes à medida de coação em curso de cumprimento institucional. Mantem no E.P. o acompanhamento médico especializado, na área da psiquiatria e psicologia, no ... em ..., cumprindo com o tratamento farmacológico diário e a administração do injetável (para tratamento de situações psicóticas), que faz de quatro em quatro semanas. (…) Em sede de entrevista, AA deixou transparecer ansiedade associada ao seu estatuto coativo, manifestando alguma apreensão, face ao seu desfecho, identificando um impacto negativo emocional na sua pessoa. O mesmo foi verbalizado pelos pais, que mantêm confiança no sistema judicial e esclarecimento cabal da situação, manifestando total disponibilidade para apoiar o filho. Em relação ao comportamento criminal que está na base no presente processo judicial, no abstrato, AA reconhece a existência de vítimas e os efeitos que as suas ações podem provocar, revelando capacidade critica. Em meio livre, o arguido perspetiva ir residir para junto dos pais, em ... e retomar as suas funções profissionais, considerando que não irá ter consequências a este nível. (…)” f) Importa, ainda, o facto de o Recorrente não ter antecedentes criminais, o que também milita a seu favor. g) Na determinação da medida concreta da pena decidiu o Tribunal “a quo” aplicar ao Recorrente a pena única de 9 anos de prisão, mostrando-se essa pena desajustada, excedendo a medida da culpa. h) E, por esse motivo, o Recorrente entende que a condenação não poderia ter dado lugar a condenação tão grave como deu; i) Sendo justa e suficiente a aplicação de pena única (em cúmulo jurídico) não superior a 6 anos. j) A determinação da medida da pena obedece ao critério geral que consta do artigo 71.º n.º 1 do Código Penal: «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». k) A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal). l) Na determinação da medida concreta da pena ter-se-á ainda em conta o disposto no artigo 71.º n.º 2 do Código Penal, ou seja, o Tribunal deve atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido. A medida da pena concreta aplicada pelo Tribunal “a quo” ao Recorrente afigura-se excessiva perante o quadro de circunstâncias tidas em conta, em clara violação com o disposto nos artigos 40.º, 70.º, 71.º, do C.P., bem como o nº 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa. Assim e por todo o exposto deverão V. Exas conceder provimento ao presente recurso sendo, por efeito do mesmo, substituído o Douto Acórdão recorrido por um outro nos termos da antecedente motivação, sendo aplicado ao Recorrido a pena única não superior a 6 (seis) anos de prisão. 3. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido de que o acórdão recorrido deve ser confirmado, concluindo (transcrição das conclusões): 1.ª – Não merece qualquer reparo o douto acórdão sobre recurso, devendo o mesmo ser mantido na íntegra. 2.ª – Contra o Recorrente depõem severamente circunstâncias como o grau de ilicitude dos factos, praticados com dolo direto, (elevadíssimo quanto aos crimes de violação agravada na forma tentada, bem como quanto aos vários crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado, de em função da natureza dos atos sexuais que a ofendida foi constrangida a praticar com o Recorrente, a assinalável gravidade das suas consequências para a ofendida, a ausência de verdadeiro arrependimento ou autocensura, as fortíssimas exigências de prevenção geral e as não despiciendas necessidades de prevenção especial; 3.ª – Ainda assim, as penas concretamente cominadas para os crimes praticados, situam-se ainda sensivelmente aquém do ponto médio da moldura respetiva, revelando que foram ponderadas, na sua justa medida, todas as circunstâncias susceptíveis de beneficiar o Recorrente; 4.ª – Igualmente equilibrada e justa se mostra a pena única encontrada pelo tribunal a quo (situada ainda aquém do ponto médio da moldura aplicável ao concurso de crimes), reflectindo uma correcta ponderação global dos factos julgados provados e da personalidade do Recorrente; 5.ª – Na determinação da medida das penas parcelares e da pena única o tribunal a quo fez adequada aplicação dos critérios estabelecidos nos arts. 71.º, n.ºs 1, e 2, e 77.º, n.ºs 1, e 2, do C.P. e ponderou judiciosamente as finalidades das penas consagradas no art.º 40.º, n.º 1 do mesmo compêndio normativo, não violando qualquer comando legal. 4. Neste Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ), o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo, em consequência, ser confirmado o acórdão recorrido. 5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer. Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do CPP, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, constituindo entendimento constante e pacífico que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso. Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, a única questão suscitada é a da determinação da medida da pena única conjunta resultante do cúmulo jurídico. 2. Do acórdão recorrido 2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): 1. A partir de outubro de 2021, o arguido AA passou a viver, como se de marido e mulher se tratasse, com CC, primeiro na ... e depois em ..., residindo com ambos, aos fins de semana, férias e em situação de doença da avó, a filha desta última, BB, nascida em ...-...-2008. 2. Durante a semana a menor residia em casa de sua avó na ... por ser mais próximo da escola que frequentava. 3. Desde o início da relação com DD, o arguido manteve uma relação de proximidade com BB, acompanhando-a aos treinos de futebol da mesma, por vezes indo buscá-la à escola, e dando-lhe dinheiro para compras ou outros gastos que a mãe não conhecia, ganhando sobre ela ascendência numa relação de companheirismo. 4. Pelo menos a partir de ... e pelo menos até meados de ... o arguido enviou a BB, em pelo menos três circunstâncias de tempo distintas, as seguintes mensagens escritas através do telemóvel: "Na sala cheio de pica. Depois bora picarnos", "Ainda andas com pica? Hoje aqueles calções de licra ficavam-te a matar", 5. O arguido também lhe disse pessoalmente “és toda boa” e “comia-te toda”. 6. Em data não concretamente apurada, mas quando BB já tinha 14 anos, na residência comum sita em ..., o arguido foi junto de BB quando esta se encontrava sentada com as pernas cruzadas no sofá da sala, descruzou as pernas da mesma e pôs a sua mão dentro dos calções e, de seguida, dentro dos bóxeres da menor e, de imediato, introduziu dois dos seus dedos na vagina da mesma, conduta que cessou quando BB se afastou e foi para o seu quarto. 7. Após o assim sucedido e até ..., aos fins de semana, quando DD saía para trabalhar e BB ficava aos cuidados do arguido na residência comum, este voltou a introduzir os seus dedos na vagina da menor, contra a vontade da mesma, o que sucedeu pelo menos mais três vezes, e em, pelo menos um desses episódios, o arguido também lambeu a vagina da menor. 8. Em data não concretamente apurada, mas em ..., no interior do veículo automóvel no qual se deslocavam, o arguido introduziu a sua mão no interior das cuecas de BB e acariciou a sua vagina, sem introduzir os seus dedos. 9. Em data não concretamente apurada, mas no mesmo período decorrido entre ... e ..., o arguido entrou no quarto de BB, perguntou-lhe se podia ficar ali a ver televisão ao lado dela na cama, ao que aquela respondeu que sim. 10. Então, o arguido, com as mãos afastou as pernas de BB, enquanto dizia “és toda boa”, tendo BB tentado fechar as suas pernas, o que não conseguiu face à força exercida pelo arguido. 11. De imediato o arguido puxou os calções da mesma para baixo e também baixou os seus calções e os seus bóxeres e investiu o seu pénis ereto na direção da vagina de BB para aí o introduzir, o que não conseguiu porque esta se desviou e saiu do quarto. 12. Ainda no período decorrido entre ... e ... o arguido, a partir do seu telemóvel e da rede WhatsApp, enviou a BB, pelo menos em três circunstâncias de tempo distintas, fotografias do seu corpo onde exibia o seu pénis e bem como filmes de pessoas a manterem relações sexuais, imagens que aquela recebeu e viu. 13. Na mesma altura, o arguido enviou uma mensagem a BB dizendo "Temos de combinar uma sena os 3", convidando-a a manter relações sexuais, consigo e com uma amiga da mesma, EE. 14. O arguido conheceu EE, nascida em ...-...-2007, por intermédio de BB, dado tratar-se de colegas e amigas e encontrarem-se quando o arguido ia buscar esta última à escola, na .... 15. Em data não concretamente apurada, mas entre ... e ..., o arguido soube do perfil de FF nas redes WhatsApp e Instagram, pediu-lhe amizade e, aceite, passou a enviar-lhe mensagens do telemóvel, dizendo-lhe nomeadamente "estás linda" e "és boa". 16. Nesse período, pelo menos por duas vezes e por esses meios, o arguido enviou mensagens a FF, e esta recebeu-as, dizendo-lhe para ir consigo para o motel ..., estando com isso a convidá-la para consigo manter relações sexuais de cópula num local a tanto associado, tal como esta assim o entendeu. 17. Como FF não lhe respondesse, e o arguido percebesse a sua recusa a manter consigo atos sexuais, o arguido perguntava-lhe se tinha amigas que quisessem ir com ele. 18. O arguido agiu com o propósito, conseguido de, através das referidas mensagens, vídeos, fotografias e ao proferir as expressões referidas em 5), propor a BB a prática de atos de natureza sexual e com isso satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo que a mesma contava então com 14 anos de idade, que atuava contra a sua vontade e que atentava contra a liberdade e autodeterminação sexual da mesma, ciente que estava da conotação sexual dos seus atos. 19. Ao adotar as condutas descritas, o arguido quis manter atos de natureza sexual com BB contra a vontade desta, sujeitando-a aos seus comportamentos ou usando violência física na situação referida em 9) a 11), obrigando-a a sujeitar-se à introdução dos seus dedos e ao coito oral, não tendo logrado concretizar o coito vaginal por circunstâncias alheias à sua vontade, bem sabendo que não era essa a sua vontade e que desse modo a subjugava à sua pretensão, bem como que esse relacionamento sexual era adequado a molestar a sua autodeterminação e a sua liberdade de auto conformação da vida sexual. 20. Sabia o arguido que coabitava com BB, participava no quotidiano, na educação e no provimento das necessidades da mesma, e por isso estava consciente de que sobre ela tinha ascendente e uma posição de dominância, fatores de que se prevaleceu para agir da forma dada como provada em supra. 21. O arguido atuou querendo exibir o seu órgão genital a BB e constrangê-la a presenciar atos de natureza sexual e com isso satisfazer os seus instintos libidinosos, o que alcançou, bem sabendo que atuava contra a sua vontade e que atentava contra a liberdade sexual da mesma. 22. Atuou o arguido sempre consciente da idade de BB, de que se tratava da filha da sua companheira e dos deveres que por isso se lhe impunham, bem como que, perante tais circunstâncias e aproveitando-se da situação de coabitação, as condutas descritas são objeto de forte reprovação social e censura ética. 23. Sabia o arguido que utilizava tecnologias de informação e de comunicação para, sendo maior de idade, levar EE, que sabia contar 14 ou 15 anos de idade, a encontrar-se consigo e a praticar consigo atos de natureza sexual no local que lhe sugeriu, designadamente cópula, bem como que atuava contra a sua vontade e que, com isso, prejudicava a sua liberdade e autodeterminação sexual e o desenvolvimento da sua personalidade, como sucedeu. 24. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que, ao atuar das formas descritas, praticava atos proibidos e punidos por lei penal. Mais se provou que: 25. Em consequência das condutas do arguido sobre BB sentiu revolta e triste, pensamentos intrusivos e teve comportamentos auto lesivos. 26. Não beneficiou de acompanhamento psicológico após a prática dos factos dados como provados. Das condições económicas e sociais do arguido: 27. À data dos factos AA vivia maritalmente (desde ... de ... de 2021) com DD, de 37 anos, fazendo parte do agregado BB, de 13 anos. 28. O agregado inicialmente residiu em ... e, posteriormente, passaram a residir numa moradia arrendada, constituída por dois pisos, de tipologia 3, situada na localidade de .... 29. O casal tem uma filha, nascida a ... de ... de 2023. 30. Em consequência da denúncia dos factos dados como provados o arguido saiu dessa habitação (...) e do agregado e passou a pernoitar no seu local de trabalho (Ministério ...), mantendo contactos telefónicos com a ex-companheira e visitando a filha em comum, quando BB não se encontrava em casa. 31. No plano profissional, o arguido trabalhava no Ministério ..., em ..., sendo primeiro marinheiro. 32. Era responsável pela preparação e execução dos diversos serviços (confeção de alimentos, tratamento de roupa) a prestar ao Chefe do Estado-Maior da Armada. 33. A companheira trabalhava no Posto de Combustível BP e a menor (vítima nos autos) era estudante. 34. No plano escolar, o arguido concluiu o curso de formação profissional de gestão, na ..., que lhe permitiu obter o 12º ano e certificação profissional. 35. Com 19 anos ingressou na ..., tendo sido afeto ao ..., ficando responsável pelos serviços de alimentação e de alojamento do Chefe do Estado Maior. 36. Em ... foi colocado na ..., onde permaneceu cerca de três anos, data em que terminou o contrato de seis anos com a .... 37. Contudo, passado poucos meses, reintegrou este ramo das ..., através de concurso para os quadros permanentes. 38. Regressou à ..., registando períodos embarcado. 39. À data dos factos dados como provados, o vencimento do arguido era no valor de 1.050,00 euros. 40. No presente, e até decisão judicial, mantém a mesma remuneração, pese embora, se encontre penhorada, por dívida a entidade bancária, recebendo apenas 647,00 euros mensais. 41. Como despesas mensais tem o valor da pensão de alimentos aos dois filhos, no total de 225,00 euros. 42. Durante o período em esteve destacado nos ..., iniciou um relacionamento afetivo, tendo contraído matrimónio em ... com GG, enfermeira do serviço de ... do .... 43. Desta relação, o arguido tem um filho de 4 anos. 44. Após uma fase de relativa estabilidade, a relação conjugal passou a ressentir-se dos consumos, entretanto iniciados pelo arguido, de substância psicoativa – cocaína, que contribuiu para o divórcio em ..., e seu regresso ao ... com colocação no Ministério ..., em .... 45. Desde essa altura, que não vê o filho, mantendo apenas contactos telefónicos ou por vídeo chamadas. 46. Passou a ser acompanhado no ..., psiquiatria e psicologia, registando comportamentos psicóticos, com internamentos hospitalares para desintoxicação, sendo que o último ocorreu em .... 47. AA encontra-se em prisão preventiva, desde ... de ... de 2023, no .... 48. À data da sua prisão preventiva, o arguido estava considerado desertor para a ..., por não comparência ao serviço desde .... 49. Estava numa fase ativa de consumos, tendo regressado a casa dos pais. 50. Não apresenta contactos anteriores com o sistema de justiça penal e, no presente processo, mantém um comportamento na generalidade, compatível com as regras inerentes à medida de coação em curso de cumprimento institucional. 51. Mantem no E.P. o acompanhamento médico especializado, na área da psiquiatria e psicologia, no ... em ..., cumprindo com o tratamento farmacológico diário e a administração do injetável (para tratamento de situações psicóticas), que faz de quatro em quatro semanas. 52. Na sequência da atual situação jurídica, decorre um processo disciplinar na ..., a aguardar a presente decisão judicial. 53. O arguido beneficia do apoio dos seus pais. 54. Em meio livre, o arguido perspetiva ir residir para junto dos pais, em ... e retomar as suas funções profissionais, considerando que não irá ter consequências a este nível. Dos antecedentes criminais do arguido: 55. O arguido não possui antecedentes criminais registados. 2.2. Quanto a factos não provados ficou consignado no acórdão recorrido (transcrição): a) O arguido atuou da forma referida em 6) pelo menos 10 vezes. b) Em data não concretamente apurada, mas no mesmo período decorrido entre ... e ..., na sala da residência comum, o arguido chegou junto de BB quando esta estava sentada no sofá da sala, disse-lhe "és uma gostosa", pôs-se de joelhos de frente para a menor, puxou os calções e as cuecas da mesma para baixo, bem com as suas cuecas, puxou com força BB para o seu colo e introduziu o seu pénis na vagina da mesma, o que repetiu pelo menos uma outra vez, até que BB o empurrou e cessou tal conduta. c) O arguido enviou para BB pelo menos cinco vezes vídeos do seu corpo que produzia na residência comum, nos quais figurava despido, dizendo que tinha consumido cocaína e estava com tesão e exibindo o seu pénis ereto. 2.3. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição): O tribunal formou a sua convicção quanto aos factos dados como provados nas declarações que o arguido prestou em sede de primeiro interrogatório e em sede de audiência de julgamento, no depoimento que a menor BB levou a cabo em sede de declarações para memória futura e em sede de audiência de julgamento, nas declarações que a menor FF levou a cabo em sede de declarações para memória futura, bem como no depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento e, ainda, na prova pericial e documental junta aos autos. Assim, no que diz respeito aos factos 1) a 3) os mesmos foram confessados pelo arguido, sendo que este confessou a relação de proximidade que tinha com a menor BB, bem como o facto de por vezes lhe dar algum dinheiro para gastos pequenos que a sua mãe não tinha conhecimento, sendo que referiu que o fazia porque a mãe não tinha condições para o fazer e porque estavam em causa quantias pequenas. As declarações do arguido foram, nesta parte, confirmadas pelas declarações da menor BB que confirmou a relação próxima que tinha com o arguido, espelhadas no tipo de mensagens que trocavam onde a menor contava as suas experiências, bem como relatou como era o arguido que tratava de si e do seu irmão aos fins de semana quando a sua mãe estava a trabalhar, sendo que aos sábados a sua mãe trabalhava. Também referiu que por vezes era o arguido que a ia buscar aos treinos ou mesmo à escola, facto que o arguido acabou por confessar. Também confessou que quando a avó de BB esteve doente e foi internada a menor passou uma temporada a viver diariamente com eles, sendo que destas declarações resulta que na ausência da mãe da menor era o arguido que acabava por cuidar de facto da menor. Igualmente teve-se em conta a ficha do registo civil a fls. 37 e 237 quanto à idade das menores BB e HH. Quanto à de mais factualidade o arguido apenas confessou aquilo que não o podia negar – envio das mensagens cujos prints constam a fls. 6-29 e de onde decorre o crescente interesse sexual do arguido por BB – sendo que confirmou o teor das mesmas. O arguido apenas referiu que estas foram enviadas numa única circunstância de tempo e lugar – quando a mãe de BB se encontrava na maternidade. Ora, ainda que não se logre da análise dos prints de tais mensagens retirar em que dia concreto tais mensagens foram enviadas das mesmas logra-se retirar que foram enviadas pelo menos em três dias distintos, sendo que a testemunha II, primo de BB em 2.º grau, foi claro ao referir que na primeira vez que viu as mensagens no telemóvel de BB as mais antigas eram de .... Por outro lado, a menor BB ainda que não lograsse concretizar em que dias foram enviadas tais mensagens a mesma referiu, em sede de audiência de julgamento, que todas as mensagens e até imagens e vídeos foram enviados pelo arguido quando esta tinha já 14 anos, sendo que confirmou que o arguido lhe dizia pessoalmente as expressões referidas em 5), o que mereceu credibilidade deste tribunal, uma vez que este tipo de expressões mostra-se de acordo e na mesma linha das expressões que o arguido confessou que enviou para a menor. Quanto à conotação sexual e à intenção do arguido ao proceder ao envio de tais mensagens, vídeos e fotografias, bem como ao proferir as expressões “és toda boa” e “comia-te toda”, resulta flagrante do seu teor, tendo-se dado como provado o facto constante em 18). Assim, deu-se como provado o facto constante em 4) e 5). O arguido também confirmou que enviou várias vezes vídeos com teor pornográfico à menor, mas negou que tenha enviado fotos suas em que exibia o seu pénis ereto. Mais uma vez as suas declarações foram infirmadas pelas declarações da menor que referiu cabalmente que para além dos vídeos com teor pornográfico o arguido enviou-lhe, pelo menos 3 vezes, fotos suas em que estava despido da cintura para baixo, exibindo o seu pénis. A menor foi clara ao referir que as fotos eram do arguido porque eram tiradas na casa de sua mãe, tendo esta reconhecido o local onde estas eram tiradas. Por outro lado, o próprio arguido confessou que mandava para a menor vídeos com teor pornográfico onde surgiam atores a terem relações sexuais. Tal facto aliado com o tipo de mensagens que o arguido confessou que enviou à menor, bem como a desinibição sexual que o arguido assume que sentia quando consumia cocaína, levam a que o tribunal tenha dado credibilidade à menor, pois quem atua desta forma dizem-nos as regras de experiência comum que acaba por partilhar fotos em que exibe os seus órgãos sexuais até para, como refere o arguido em uma das mensagens que envia à menor, “apimentar” as conversas, “trocar palavras e envio de conteúdo”, ou seja, “apimentar” a relação, facto que o arguido procurava não só com o tipo de conversa que tinha com a menor, bem como o tipo de atos que praticou na mesma. Assim, deu-se como provado os factos constantes em 12), 21) e 22). Já quanto ao envio de vídeos por parte do arguido em que este surge com o seu pénis ereto nenhuma prova foi feita quanto a tal factualidade, já que a menor apenas confirmou o envio de fotos em que o arguido surge retratado e vídeos de conteúdo pornográfico em que surgem atores a manterem relação sexuais. Assim, deu-se como não provado o facto constante em c). Quanto à de mais factualidade e que se encontra relacionado com o envolvimento sexual físico que o arguido manteve com BB o arguido negou a prática dos factos, sendo que o arguido referiu que BB estava a inventar tal factualidade para tentar esconder ou justificar a sua vivência sexual que mantinha na escola e que segundo o arguido era extensa. Nesta parte as declarações do arguido não mereceram a mínima credibilidade uma vez que as mesmas foram infirmadas pelo depoimento da menor BB, depoimento esse que mereceu credibilidade por parte deste tribunal. Na verdade, assim como ocorreu junto das técnicas que elaboraram a perícia psicológica à menor e que consta dos autos a fls. 271-307 a quando da reinquirição da menor em sede de audiência de julgamento esta apresentou uma postura cabisbaixa e retraída, estava visivelmente emocionada e com notória dificuldade em manter o contato visual, bem como apresentava sinais de nervosismo e ansiedade. A menor relatou os factos tais como os mesmos resultaram provados e ainda que não tenha conseguido concretizar datas concretas, o que se compreende tendo em conta o tempo decorridos desde a prática dos factos e a repetição dos atos por parte do arguido utilizando muitas vezes o mesmo tipo de atos, logrou, ainda assim, ser clara ao referir que todos estes atos ocorreram após a mesma perfazer 14 anos, bem como descreveu, até com algum detalhe a interação do arguido para consigo. Ainda que da já citada perícia psicológica conste a fls. 298 que o relato efetuado por esta menor nessa sede tem um nível de credibilidade indeterminado, uma vez que contextualizou apenas de forma genérica os episódios em causa nestes autos, certo é que em sede de audiência de julgamento e mesmo em sede de declarações para memória futura a menor logrou concretizar minimamente tais episódios, como veremos em infra. Além disso dessa mesma perícia resulta que a menor apresenta indicadores sintomatológicos compatíveis com a exposição a eventos traumáticos, com presença de pensamentos intrusivos, comportamentos auto lesivos e tentativas de suicídio, sintomatologia tipicamente presente em vítimas de violência como a relatada pela menor. Até mesmo os sentimentos antagónicos que sente – de tristeza e de revolta – são sentimentos ambivalentes que muitas vezes são encontrados em vítimas de agressão sexual. Além disso, a menor nada tinha em ganhar ao inventar tais factos, pelo contrário já que não havia diferendos entre a menor e o arguido antes destes factos e toda esta situação provocou um diferendo profundo entre a menor e sua mãe, que exercendo um direito que lhe assiste decidiu não prestar o seu depoimento em sede de audiência de julgamento, sendo que quer o arguido, quer a menor foram claros ao referir que a mãe de BB manteve pelo menos contatos telefónicos com o arguido mesmo após estes factos e o próprio arguido referiu que quando a menor não se encontrava a residir com a mãe estes mantinham contato físico. Da postura desta menor retira-se que esta parece também se sentir, de certa forma, culpada, pelos factos que foram praticados pelo arguido, sendo que não deveria sentir assim, porque era o arguido que era o adulto. A menor respondia às mensagens que o arguido enviava e foi tolerando esta relação íntima com o arguido (até porque segundo a menor a mãe estava feliz com este relacionamento), relatava-lhe as suas experiências, pedir-lhe dinheiro para os seus gastos e daí o seu constrangimento e até alguma dificuldade em falar sobre estes factos, sendo clara a carência afetiva desta menor que acabou por encontrar na atenção dada pelo arguido um porto de abrigo e alguém que a tornou o centro das atenções, fazendo-a sentir valorizada e importante o que é essencial nesta idade, o que resulta da experiência comum, sendo certo que o pai de BB assumia uma participação afetivamente pouco investida. Acresce que a sua mãe havia acabado de dar à luz e a própria menor foi clara ao referir que apagava as mensagens que eram trocadas entre si e o arguido para que ninguém descobrisse, facto que a testemunha II presenciou, uma vez que quando viu as mensagens no telemóvel da menor pela segunda vez a mesma já havia apagado as mensagens mais antigas que havia visto na primeira vez que viu o telemóvel da menor. Por outro lado, não foi a menor que denunciou esta situação, sendo esta descoberta por II que depois transmitiu as mensagens (cujos prints extraiu) à mãe da menor e que depois manifestou o desejo de procedimento criminal contra o arguido. Diga-se, também, que a menor no seu depoimento não exacerbou o seu relato, foi clara ao referir que o arguido nunca lhe penetrou com o pénis, apenas encostou pénis na sua vagina e que tal situação apenas ocorreu no seu quarto. Também explicou que apesar de se ter tentado afastar dos contatos físicos do arguido quando os mesmos ocorriam que nunca verbalizou ao arguido que não queria e que o arguido depois dos mesmos sempre pedia desculpa pelo sucedido. Referiu, igualmente, que estes atos eram praticados pelo arguido quando este estava sob o efeito de estupefaciente. Toda esta postura da menor demonstra imparcialidade e que o seu objetivo não era prejudicar o arguido a qualquer preço. Por fim, o teor das próprias mensagens que o arguido assume que enviou à menor sustentam, elas próprias, a credibilidade do depoimento da menor. Das mesmas extrai-se que existia um relacionamento íntimo e totalmente desadequado, entre um adulto e uma jovem de 14 anos, em que o arguido incitava conversas de índole sexual. Veja-se a mensagem que o arguido enviou a BB (vide fls. 7-9). A referida conversa inicia-se com um pedido de dinheiro de BB ao arguido para fazer uma tatuagem e esta refere que irá fazer a tatuagem no mesmo indivíduo que lhe havia feito o piercing e em resposta o arguido diz “haha ele vai te comer kkkkk também”, tendo a menor respondido “ainda bem” e o arguido continua “tens de o picar nas conversas (…) tens de te libertar mais porque podes apimentar com conversas E top trocar palavras e envio de conteúdo”. Também a fls. 11 consta que o arguido questiona BB onde a mesma se encontra porque lhe pretende enviar uma foto que a menor confirma que era de teor pornográfico e o que se encontra com o que o arguido diz “era para não estar a enviar merda e correr mal. Abre as senas com cuidado.” Logo após enviar a referida foto refere “Fogo estou com uma vontade kkk”. A fls. 25-26 retira-se que o arguido envia a BB as seguintes mensagens “Na sala cheio de pica. Depois bora picarnos haha”. As referidas mensagens de teor claramente sexual, bem como o envio de vídeos pornográficos (que o arguido confessa que enviou à menor) conferem sustentáculo às declarações da menor uma vez que para além do teor das mensagens ser explícito quanto à vontade do arguido foi ele próprio que referiu que quando consumia cocaína ficava altamente excitado, com a libido elevada e, como tal, tendo em conta até o tipo de relacionamento próximo entre o arguido e a menor este não se refrearia, ficando apenas por palavras e mensagens. Assim, e apesar de algumas inconsistências no depoimento da menor quanto às datas da prática dos factos, bem como ao número de vezes que os mesmos aconteceram, o seu depoimento, pelas razões referidas em supra, mereceu credibilidade por parte deste tribunal. Face ao referido quanto aos factos referidos em 6) e 7) os mesmos foram confirmados pela menor BB, sendo que a mesma quer em sede de declarações para memória futura, quer em audiência de julgamento explicou, com detalhe (a ponto de se recordar a série que estava a ver na “Netflix” e que era sobre canibalismo), toda a referida factualidade, tendo descrito toda a atuação do arguido ao descruzar as suas pernas e ao meter a sua mão dentro da sua roupa interior, tendo introduzido dois dedos na vagina da mesma, conduta que apenas cessou porque BB logrou se afastar e ir para o seu quarto. A menor foi clara ao referir que não queria aquilo, mas que não exprimiu a sua recusa, tendo apenas se afastado. Também foi clara ao referir que não soube como reagir já que em causa estava o companheiro da sua mãe e por isso a sua reação foi apenas de se afastar. Pelos motivos que referimos em supra entende-se que a ofendida mereceu credibilidade, sendo que ninguém se recordaria da série que estava a ver num momento temporal tão distante se tal momento temporal não estivesse ligado a um episódio absolutamente traumático como o descrito pela menor. Que o arguido sabia que a menor não queria estes atos tal resulta do facto do arguido no dia seguinte à prática destes atos e quando já não estava sob o efeito do consumo de estupefacientes pedia desculpa à menor, sendo que o silêncio da menor não pode ter sido valorado pelo arguido como assentimento, tendo até em conta a repulsa da menor ao afastar-se da atuação do arguido em todas as situações dadas como provadas. Note-se que a menor tinha apenas 14 anos e o arguido era companheiro da sua mãe, partilhavam a habitação quando esta estava na casa da sua mãe e este tinha com ela um relacionamento próximo, sendo que o arguido ia por vezes levar e buscar a menor aos treinos. Acresce que das mensagens trocadas entre o arguido e BB verifica-se que BB confiava no arguido e lhe confidenciava experiências que vivia, facto que foi confessado pelo arguido. Ora, tendo em conta o supra referido inexistem dúvidas que o arguido sujeitou esta menor a tais atos aproveitando-se da relação de confiança que criou com a menor fruto de ser ele também quem de facto assumia o papel de cuidados da menor conjuntamente com a mãe da menor, da sua idade e o facto de residirem na mesma habitação, bem como do facto desta menor estar a descobrir a sua sexualidade. Por fim, a menor foi clara ao referir que esta conduta do arguido ocorreu, pelo menos, mais três vezes e que em uma das situações o arguido lambeu a sua vagina. Assim, foi com base nas declarações da menor que se deram como provados os factos constantes em 6), 7) e 20), não existindo prova legalmente admissível que este tipo de comportamento do arguido ocorreu pelo menos 10 vezes, uma vez que tal foi infirmado pela menor, tendo-se dado como não provado o facto constante em a). Quanto ao facto 8) o mesmo também foi confirmado pela menor em sede de audiência de julgamento, sendo que esta foi perentória ao afirmar que nessa situação o arguido não introduziu os dedos na sua vagina, mas apenas tendo acariciado a sua vagina por dentro da sua roupa. Mais uma vez a menor deixou claro que tal ato foi feito pelo arguido contra a sua vontade, mas que não teve capacidade de reação, sendo que o mesmo cessou a sua conduta quando a menor disse para o mesmo parar, tendo este acatado tal ordem e pedido desculpa. Esta atitude do arguido ao pedir desculpa demonstra que não só o arguido sabia que o que estava a fazer era errado, como sabia que agia contra a vontade da menor que tinha apenas 14 anos, sendo certo que sempre que o arguido atuou sobre o corpo da menor a mesma acabava por pedir para o mesmo parar ou esquivava-se o que levaria, necessariamente, a que o arguido soubesse que agia contra a vontade desta menor que, como referimos, estava particularmente vulnerável pelo facto do arguido ser o companheiro da sua mãe e pelo facto de, também ele exercer de facto o papel de cuidador desta menor, o que provocava um ascendente do arguido sobre ela e pela relação de proximidade que o arguido cultivou com o intuito de praticar tais atos. Aliás, qualquer consentimento desta menor seria considerado viciado e não livre face à posição de vulnerabilidade em que esta menor se encontrava relativamente ao arguido que, de facto, exercia atos típicos das responsabilidades parentais. Assim, também por estes fundamentos deu-se como provada a factualidade constante em 20). Quanto aos factos descritos em 9) a 11) os mesmos foram descritos pela menor com precisão, quer em sede de declarações para memória futura, quer em sede de audiência de julgamento, sendo que também aqui as suas declarações mereceram credibilidade uma vez que, mais uma vez, a mesma não exacerbou o comportamento do arguido, tendo referido perentoriamente que o arguido não inseriu o seu pénis na sua vagina, mas apenas encostou o mesmo. A menor descreveu a abordagem do arguido quando esta estava sentada na sua cama e a força que este exerceu para abrir as suas pernas enquanto dizia “és toda boa”, expressão que utilizava sempre que iniciava contatos físicos de ordem sexual com BB, tendo logrado puxar os calções que trajava para baixo e puxado os seu também para baixo. Enquanto isso a menor foi clara ao referir que tentou fechar as suas pernas, mas não conseguiu porque o arguido as segurou e as manteve afastadas enquanto investia o seu pénis na direção da vagina da menor, tendo encostado o pénis à vagina, mas não tendo chegado a inserir o mesmo. A menor descreve que tal factualidade ocorreu aos pés da sua cama e que o arguido apenas não inseriu o pénis na sua vagina porque ela logrou desviar-se e com esse movimento o arguido acabou por ir embora. Mais uma vez o arguido no dia seguinte e quando já não estava sob o efeito de estupefaciente pediu desculpa pela sua atuação, o que indica que o arguido sabia que agia contra a vontade da menor. Aliás, nesta situação o arguido teve que usar de violência para manter as pernas da menor abertas, o que leva que se dê como provado que o arguido agiu contra a vontade da menor ao tentar manter com a mesma atos sexuais de relevo, consubstanciados em cópula vaginal, tendo-se dado, também quanto a esta factualidade, provado o facto constante em 19). A menor descreve, assim, com precisão, a violência exercida pelo arguido ao agarrar as suas pernas para as manter afastadas para assim lograr concretizar o ato de cópula vaginal, o que apenas não conseguiu porque a menor se desviou e o arguido acabou por ir embora do quarto da menor. Este ato não pode deixar de ser encarado com um ato de violência apto a subjugar a menor à prática de atos sexuais tendo até em conta a desproporção de forças entre uma jovem de 14 anos e o arguido que é homem e é militar da .... Os factos constantes em 13) a 17) e 23) resultaram provados da conjugação das declarações das menores BB e HH. O facto 13) foi confirmado por BB e resulta da análise do print da mensagem a fls. 22, sendo que o intuito do encontro ser para a prática de atos sexuais resulta da própria sequência da conversação onde o arguido imediatamente antes de escrever “Temos de combinar uma sena os 3” escreveu que andava “aflito” porque durante 40 dias não podia ter relações sexuais com a mãe de BB que acabara de ser mãe, também referiu “quando cheiro fico doido”, na sequência do que BB relata que experimentou com HH, sendo que imediatamente depois BB adverte o arguido que HH tem namorado. HH, em sede de declarações para memória futura e BB descreveram como o arguido conheceu HH e como obteve o contato de HH – através de de um “story” que ambas partilharam na rede social .... HH também descreveu como o arguido a contatou através de mensagens e respondia aos seus “Storys” com expressões como “estás linda”, sendo que HH reenviou tais mensagens para BB que confirmou, em sede de audiência de julgamento, para além da expressão “estás linda”, também usou a expressão “és toda boa”. O arguido confessa que manteve conversas com HH, via Whatsapp, bem como sabia que a mesma teria sensivelmente a mesma idade que BB, mas tais conversas limitavam-se ao facto de HH lhe pedir droga. Ora, esta versão do arguido não tem qualquer sustentáculo probatório e foi infirmada de forma consentânea pelos depoimentos de HH e de BB. HH confirmou que mais do que por mais do que uma vez (como tal pelo menos duas vezes), o arguido enviou-lhe mensagens via whatsapp referindo para esta se encontrar com ele no motel “...”, sendo o seu intuito manter relações sexuais com ela, o que resulta do próprio local escolhido pelo arguido para se encontrarem e que é conhecido por ser utilizado para esse tipo de encontros. Como esta não respondia a tais mensagens o arguido ainda lhe perguntava se ela não teria amigas que aceitassem ir com ela para tal motel. Também referiu que após enviar tais mensagens o arguido envia outra mensagem a pedir desculpa e a dizer que quando as enviou estava bêbado. Por fim, foi o próprio arguido que em mensagens que trocou com BB e referindo-se a HH referiu “temos de combinar uma sena os 3” que, como vimos, pressuponha um encontro de cariz sexual. No que diz respeito ao facto 24) o mesmo resultou provado do que já se referiu em supra, sendo que do relatório de psiquiatria a fls. 492-495 verso que o arguido apesar de ser portador de uma dependência de cocaína e de sofrer de psicose por drogas este conhece bem os efeitos das substâncias psicoativas no seu organismo porque já as consumia há muito tempo e por isso possui uma consciência clara e livre sobre a ilicitude dos factos que praticavam, sendo como tal considerado imputável. No que diz respeito aos factos constantes em 25) e 26) os mesmos resultaram das declarações de BB e da análise do relatório pericial a fls. 272-307. Quanto às condições económicas e sociais do arguido atendeu-se aos depoimentos de JJ e KK., militares da marinha, que descreveram que o arguido era considerado um bom profissional e t8inha brio nas funções que exerciam, tendo um futuro promissor pela frente, futuro esse que foi estilhaçado pela problemática aditiva do arguido que levou a que este fosse considerado desertor em ... pela ... pelo facto do mesmo ter faltado injustificadamente mais de 10 dias ao trabalho. Ambas as testemunhas também referiram que o arguido pediu ajuda para tratar a sua dependência, mas os seus consumos escalaram, tendo culminado na sua situação de deserção. Também a testemunha LL, amiga do arguido, descreveu o seu caráter como sendo um bom amigo, mas também falou da dependência do arguido quanto ao consumo de estupefacientes. Teve-se, igualmente, em conta o relatório social do arguido a fls. 469-473 cujo teor o arguido confirmou. Atendeu-se ao teor do certificado de registo criminal do arguido a fls. 457 verso. Quanto à matéria dada como não provada em b) a mesma resultou da total falta de prova. O arguido negou a referida factualidade e a menor BB infirmou a mesma sendo que esta foi perentória ao afirmar que o arguido nunca chegou a penetrar a sua vagina com o pénis, quer em sede de declarações para memória futura, quer em sede de audiência de julgamento. * 3. Apreciando 3.1. O presente recurso direto para o STJ tem por objeto o acórdão proferido pelo tribunal coletivo que condenou o arguido/recorrente nos termos supra indicados. Dispõe o artigo 432.º, sob a epígrafe “Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”: «1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º; d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores. 2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º» São pressupostos cumulativos do recurso direto para o STJ: - A aplicação de pena superior a 5 anos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo; - Que o recurso vise exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou seja interposto com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º. Nos termos do AFJ n.º 5/2017 (Diário da República n.º 120/2017, Série I de 2017-06-23, páginas 3170 – 3187): «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.» No caso em apreço, o objeto do recurso é um acórdão condenatório, proferido por um tribunal coletivo, em que foi aplicada ao recorrente uma pena única de 9 (nove) anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico de diversas penas parcelares, sendo certo que o recorrente circunscreve o recurso à determinação da pena do cúmulo, pugnando para que não seja superior a 6 (seis) anos de prisão. Por conseguinte, o recurso circunscreve-se ao reexame de matéria de direito, da competência do STJ [artigos 432.º, n.ºs 1, al. c), e 2, e 434.º do CPP], sem prejuízo do disposto na parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, segundo o qual se pode recorrer com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3, do artigo 410.º, que não foram invocados pelo recorrente e que, a partir da decisão de facto e da respetiva motivação, também não se evidenciam. 3.2. O tribunal recorrido condenou o arguido: pela prática de um crime de violação agravada na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 1, al. b) e n.º 6, do Código Penal (doravante, CP), na pena de 3 (três) anos de prisão; pela prática de quatro crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 1, al. a), por referência aos artigos 171.º, n.º 1 e 2 e 177.º, n.º 1, al. b), do CP (factos provados 6 e 7), cada um, na pena de quatro anos de prisão; pela prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 1, al. a), por referência aos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. b), do CP (facto provado 8) a pena de três anos de prisão; pela prática de quatro crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado, p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 2, por referência aos artigos 171.º, n.º 3, al. b) e 177.º, n.º 1, al. b), do CP, cada um, na pena de 4 meses de prisão; pela prática de dois crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelo artigo 176-A, n.º 1, do CP, cada um, na pena de 4 meses de prisão. Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de nove anos de prisão. A pena única corresponde a uma pena conjunta, segundo um princípio de cúmulo jurídico, pelo qual a partir das penas parcelares que foram aplicadas a cada um dos crimes é construída a moldura penal do concurso, tendo como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas, sem, todavia, exceder os 25 anos de pena de prisão (artigo 77.º n.º 2, do Código Penal). No caso, a moldura do concurso é de 4 (quatro) anos (parcelar mais elevada) a 24 (vinte e quatro) anos de prisão (soma de todas as penas parcelares e não, como consta do acórdão recorrido, por eventual lapso, “24 anos e 2 meses de prisão”). A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial). Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes). Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena. Estabelece o artigo 71.º, n.º1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. Estando em causa não a determinação das penas parcelares, mas da medida concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios gerais contidos no artigo 71.º, n.º1, acresce um critério especial fixado no artigo 77.º, n.º1, 2.ª parte, do Código Penal: “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso. Refere Cristina Líbano Monteiro (A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) que o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. Como se diz no acórdão do STJ, de 31.03.2011, proferido no Processo 169/09.9SYLSB.S1 (disponível em www.dgsi.pt), a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes. Em suma, para a determinação da medida concreta da pena conjunta é decisivo que se obtenha uma visão de conjunto dos factos que tenha em vista a eventual conexão dos mesmos entre si e a relação com a personalidade de quem os cometeu. As conexões ou ligações fundamentais, na avaliação da gravidade do ilícito global, são as que emergem do tipo e número de crimes; da maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; da igualdade ou diversidade de bens jurídicos protegidos violados; da motivação subjacente; do modo de execução, homogéneo ou diferenciado; das suas consequências e da distância temporal entre os factos – tudo analisado na perspetiva da interconexão entre todos os factos praticados e a personalidade global de quem os cometeu, de modo a destrinçar se o mesmo tem propensão para o crime, ou se, na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, devendo a pena conjunta refletir essas singularidades da personalidade do agente. A revelação da personalidade global emerge essencialmente dos factos praticados, mas também importa ponderar as condições pessoais e económicas do agente e a sua recetividade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, elementos particularmente relevantes no apuramento das exigências de prevenção. No caso em apreço, temos de reconhecer que a fundamentação da determinação da pena única, constante do acórdão recorrido, não se mostra particularmente desenvolvida, como seria desejável, mas ainda assim é minimamente suficiente, uma vez integrada pelo que se ponderou, de forma globalizada e algo indistinta, relativamente à punição dos crimes em causa (de algum modo combinando critérios de ponderação da determinação das penas parcelares e única). Refere-se: «Há que ponderar: o conjunto de circunstâncias internas e externas relacionadas com os acontecimentos, nomeadamente; o seu dolo direto; a reiteração da conduta do arguido, as consequências na vida desta menor – sentiu revolta, tristeza, pensamentos intrusivos e teve comportamentos auto lesivos -, sendo que viu a sua sexualidade afetada para sempre. Acresce que há que ter em conta a idade da menor – com apenas 14 anos na data da prática dos factos, fator que pode ser valorado em termos de medida da pena uma vez que a agravação utilizada para encontramos a moldura penal do crime de violação agravada tentada foi a coabitação e nos termos do art. 177.º, n.º 8.º, a idade da menor pode ser valorada em sede de medida concreta da pena. Contra si temos, também, as exigências de prevenção geral que se mostram elevadas neste tipo de crime, bem como o tempo que esta menor esteve sujeita a estes atos do arguido. Note-se que nem mesmo o arguido sabendo que a sua companheira, mãe da ofendida se encontrava internada na maternidade para ter o filho de ambos e que este estava responsável pelos filhos da mesma obstou que o arguido refreasse os seus intentos libidinosos. Contra o arguido temos a sua dependência à cocaína. Ao contrário de muitos arguidos este arguido teve apoio e oportunidades de se livrar desta dependência, tendo a ... disponibilizado tratamento médico adequado. No entanto, o arguido voltou a recair nos seus consumos, prejudicando a sua saúde e até o seu trabalho, indo ao ponto de ser considerado desertor. É certo que o arguido era conhecido por ser um bom profissional na área que laborava e até perspetivasse um futuro promissor para o mesmo, mas o arguido fruto da dependência de que não se livrou apesar do tratamento a que se sujeitou não só faltou com as suas obrigações profissionais, como, bem mais grave delinquiu da forma dada como provada, destruindo a sexualidade de uma adolescente, bem sabendo o arguido que quando consumia o seu libido aumentava e que por força disso o seu escape era praticar os atos dados como provados sobre esta menor. Diga-se que esta adolescente até poderia ser experiente em termos sexuais que isso deveria ser absolutamente irrelevante para o arguido e é irrelevante para o caso concreto. O arguido sabia que esta menor era filha da sua companheira que tinha apenas 14 anos, que estava numa fase de descoberta das suas preferências sexuais e o que o arguido fez foi macular toda essa descoberta e experiência. A seu favor apenas temos o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, bem como desde a denúncia destes factos não mais ter sequer se aproximado da menor. Deste modo, e refletidos e ponderados estes fatores, quanto ao arguido a culpa tem-se próximo do limite médio. Atendendo às necessidades de prevenção geral, diremos que as mesmas são próximas dum grau elevado, dado que existe uma elevada frequência com que estas condutas têm sido levadas a cabo na nossa sociedade; tendo em conta o alarme social que esta conduta produz na sociedade, e sendo necessário repor a confiança na norma jurídica violada de tal forma que se evitem situações de insegurança. Por último, e no que diz respeito à prevenção especial, a qual temos por mediana, teremos que atender aos fatores supra referidos, bem como ao facto do arguido não ter antecedentes criminais, mas também não pode o tribunal olvidar que o arguido não demonstrou qualquer arrependimento, mantém a dependência à cocaína, não estando a consumir porque se encontra em reclusão, sendo que antes da prática destes factos já o arguido havia beneficiado de tratamento à sua dependência que fracassou, pois o mesmo voltou a delinquir. Na verdade, o arguido havia beneficiado de tratamento no HFAR de Lisboa, áreas de psiquiatria e psicologia, registando comportamentos psicóticos, com internamentos hospitalares para desintoxicação, sendo que o último ocorreu em .... Apesar de contar com o apoio dos pais tal apoio já existia antes da prática dos factos e tal não o levou a abster-se de delinquir.» O que se diz na fundamentação contém os elementos essenciais dos critérios atendíveis na definição da pena única, relevando o período em que decorreram os factos, a sua reiteração e consequências lesivas das condutas do arguido, sobretudo na vida da jovem BB. Existindo alguma homogeneidade nas condutas praticadas, certo é não estarmos perante um conjunto de eventos criminosos que se possam considerar meramente episódicos ou ocasionais, mas antes face a condutas que documentam uma personalidade desviante, deficientemente formada, pouco sensível aos valores tutelados pelas normas violadas e orientada para a satisfação dos interesses imediatos do próprio. A culpa do arguido é elevada e são manifestas e acentuadas as necessidades de prevenção geral, dada a frequência com que continuam a ser praticados crimes sexuais contra menores, incluindo os cometidos num contexto de vida familiar. Também não são de descurar, não obstante a inexistência de antecedentes criminais e a confissão relativamente a alguns factos, as exigências de prevenção especial, dada a natureza dos crimes praticados, o circunstancialismo da sua prática e a não assunção plena, pelo arguido, do desvalor das suas condutas, com o inerente risco da sua repetição. Atente-se que o arguido não demonstrou qualquer arrependimento, mantém a dependência da cocaína, não estando a consumir porque se encontra em reclusão, além de que, apesar de contar com o apoio dos pais, tal apoio já existia antes da prática dos factos e tal não o levou a abster-se de delinquir. Para a determinação da pena única a lei não estabelece quaisquer critérios aritméticos. Não se ignora, porém, a existência de jurisprudência do STJ que, perante a amplitude da moldura penal do concurso, advoga que se adicione à parcelar mais elevada uma fração variável das restantes penas parcelares (sendo frequente ver somada, à pena mais grave, frações das demais penas que variam desde ½ até 1/5), tendo como referência diversos critérios jurisprudenciais e convocando um denominado «fator de compressão» que deve atuar entre o mínimo e o máximo da moldura penal prevista no artigo 77.º, n.º2, do Código Penal. Fala-se, a este propósito, da existência, por um lado, de um efeito “expansivo” das outras penas sobre a parcelar mais grave, e, por outro, de um efeito “repulsivo” a partir do limite da soma aritmética de todas as penas, que resulta de uma preocupação de proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas. A determinação da pena única, a nosso ver, quer pela sua sujeição aos critérios gerais da prevenção e da culpa, quer pela necessidade de proceder à avaliação global dos factos na sua ligação com a personalidade, não é compatível com a utilização de critérios matemáticos de fixação da sua medida. A convocação desses critérios apenas poderá ser entendida, porventura, como coadjuvante, e não mais do que isso, quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, tendo em vista as exigências dos princípios da proporcionalidade e proibição do excesso, mas sempre procurando a solução justa de cada caso concreto, apreciado na sua particular singularidade. Neste quadro, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto todos os factos em presença, a sua relacionação com a personalidade do recorrente neles documentada e os fins das penas, não deixando de ter presente o referente jurisprudencial deste STJ para casos com alguma similitude, dentro da moldura abstrata aplicável à pena do cúmulo, não se surpreendem elementos que permitam justificar um juízo de discordância relativamente à pena única de nove anos de prisão aplicada, razão por que se entende não ser de efetuar qualquer intervenção corretiva na sua medida, que não peca por excessiva nem por desproporcionada. Conclui-se que o recurso não merece provimento. * III - DECISÃO Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA e, em consequência, manter o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (cf. artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa). Supremo Tribunal de Justiça, 17 de outubro de 2024 (certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP) Jorge Gonçalves (Relator) Agostinho Torres (1.º Adjunto) Luís Teixeira (2.º adjunto) |