Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6864/18.4T8ALM.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL
TÉCNICO OFICIAL DE CONTAS
IVA
JUROS COMPENSATÓRIOS
OBRIGAÇÃO FISCAL
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
DANO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
PRESSUPOSTOS
PARTE VENCIDA
JUROS DE MORA
CUSTAS
Data do Acordão: 07/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Quando por erro do contabilista que que elabora as declarações de IVA de uma empresa é liquidado imposto a menos que o devido, o valor do imposto devido continua a ser da responsabilidade da empresa, mas os juros compensatórios integram o dano que o contabilista deve indemnizar com fundamento nesse erro profissional.
Decisão Texto Integral:
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I – Relatório

I.1 – Questões a decidir

Na acção presente acção declarativa com processo comum instaurada por J.F.I. CAR, L.dª contra AA, Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., Mapfre Seguros Gerais, S.A. e AIG Europe S.A. foram formulados os seguintes pedidos principais de condenação:

1. das Seguradoras no pagamento à autora de uma indemnização pelos danos patrimoniais causados pela conduta ilícita do Réu, no âmbito do contrato de prestação de serviços em análise, no montante global de € 146.749,58, a título de IVA, juros compensatórios e custas, referentes aos exercícios de 2015 e 2016, de acordo com a respectiva cobertura de seguro e período de vigência.

2. das Seguradoras no pagamento à Autora de juros de mora vincendos sobre a indemnização que a cada uma competir nos termos da alínea a), contabilizados à taxa legal, desde a data da citação para a presente acção até integral e efectivo pagamento;

3. do Réu ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, em montante nunca inferior a € 10.000,00, acrescido de juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a data da citação para a presente acção até integral e efectivo pagamento.

Foi formulado, a título subsidiário, o pedido de condenação do Réu a indemnizar a Autora pelas quantias que excederem a responsabilidade assumida pelas Rés nos sobreditos contratos de seguro, ou, não estando os sinistros cobertos, pela totalidade de tais quantias, e, em qualquer hipótese, acrescidas dos juros de mora devidos nos termos da alínea anterior.

Em fundamento da sua pretensão indicou ter celebrado com o réu, na qualidade de contabilista certificado contrato mediante o qual este a informaria das suas obrigações tributárias face à importação de veículos, actividade a que se dedicava, e actuaria como seu representante nas relações com a AT, para coordenar os contactos com esta e assegurar o cumprimento das obrigações legais mediante uma contrapartida mensal, vindo este a prestar indicações erradas em sede de tributação de IVA das referidas importações de veículos que a obrigou a pagar à Autoridade Tributária e Aduaneira, em sede de execução fiscal, por IVA em falta relativo aos anos de 2015 e 2016 o montante de 137.732,54, acrescido de juros compensatórios e custas no valor de 9.017,04€.

A sentença proferida pelo Juiz ... do Juízo Central Cível ... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 16.03.2022 julgou a acção improcedente.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em 16 de Dezembro de 2022, procedeu a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, declarou nulo por preterição de forma legal o contrato de prestação de serviço celebrado em Abril de 2015 entre a Autora e o Réu, não determinando a repetição do prestado por ausência de elementos nos autos, e julgou parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

a) Condenou a Ré Allianz, SA, a pagar à Autora indemnização no montante de € 3.515,56 (três mil, quinhentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), e a Ré Mapfre, SA, a pagar à Autora o montante de € 4.338,66 (quatro mil, trezentos e trinta e oito euros e sessenta e seis cêntimos), em ambos os casos acrescidos de juros moratórios à taxa legal fixada para os juros civis desde 19 de Outubro de 2022 até integral pagamento;

b) Absolveu os Réus AA, Allianz, SA, e Mapfre, SA, do demais pedido.

A A. interpôs recurso de revista do referido acórdão na parte em que absolveu os R.R. do pedido.

Apresentou as seguintes conclusões de recurso:

I – Da Responsabilidade do Recorrido pelo Montante a pagar a título de IVA

1. Entende a Veneranda Relação de Lisboa que não resultam dos autos factos que permitam fundar a pretensão indemnizatória da Recorrente no que concerne aos montantes a pagar a título de IVA;

2. No entanto, salvo melhor opinião tal não corresponde à verdade, como se verá adiante;

i) Da Existência de um Facto

3. Resultam dos factos julgados provados n.ºs 9., 12., 15., 16., 17., 20. e 21. Que a Recorrente utilizou indevidamente o regime especial de tributação pela margem de lucro fruto da prestação de serviços de contabilidade por parte do 1.º Réu;

 4. Alias, tal acaba por ser reconhecido pelo Tribunal a quo ao entender, quanto aos juros compensatórios, que estes ficaram a “(…) dever-se à atividade do Réu ao liquidar indevidamente o montante a pagar.”;

5. Ou seja, desta factualidade deve-se concluir que não só foi alegada um concreto conjunto de atos praticados pelo Recorrido que levaram impreterivelmente aos danos causados, isto é, à liquidação incorreta do IVA e a consequente correção em momento em que a Recorrente não tinha capacidade financeira para o liquidar, como esta resulta dos factos dados como provados;

ii) Da Ilicitude

6. A atuação do Recorrido, mormente a prestação de serviços de contabilidade em violação das regras deontológicas e fiscais aplicáveis, deve ser qualificada como ilícita, nos termos do artigo 483.º, n.º 1, 2.º Parte do C.C., como de certo modo entendeu o Tribunal a quo;

7. Com efeito, resulta do artigo 5.º, n.º 1 do Código Deontológico dos Contabilista Certificados, que estes são responsáveis por todos os atos que pratiquem no exercício da sua profissão. Sendo que, por outro lado, do artigo 7.º, n.º 1 desse mesmo diploma resulta que estes devem aplicar os princípios e as normas contabilísticas de modo a obter a verdade da situação financeira e patrimonial das entidades a quem prestam serviços;

8. É claro dos factos dados como provados nos autos que a atuação do aqui Recorrido não se pautou pelos deveres legais e deontológicos que sobre ele impendiam, desde logo, note-se que resulta do facto provado n.º 16 que este sempre “(…) calculou em todas as aquisições a margem de lucro e aplicou a essa margem a taxa de IVA, indicando o resultado como sendo o IVA a pagar pela Autora por cada aquisição.”;

9. Tais normas imperativas preteridas pelo aqui Recorrido visam não só tutelar um eventual interesse geral de tutela da legalidade fiscal, mas também tutelar diretamente os interesses particulares das pessoas que entram em contacto com os contabilistas certificados, recorrendo aos seus serviços;

10. Mais, é natural que a incorreta aplicação de um regime de tributação, mormente a falta de liquidação de determinados montantes, encontra-se dentro do escopo de proteção dos deveres legais e deontológicas em causa;

11. Assim, nestes termos deve-se, igualmente, concluir que, como bem concluiu a Veneranda Relação de Lisboa, que a atuação do Recorrido é ilícita;

iii) Da Culpa

12. Da aplicação do nosso regime geral de responsabilidade civil extracontratual ao caso particular da responsabilidade dos contabilistas certificados resulta que o juízo de censura ou reprovação exigido pelo direito se basta com mera a negligência – nesse sentido, vide cit. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de abril de 2022;

13. Ora, em face ao critério geral do artigo 487.º do C.C. deve-se perguntar o quê que um contabilista medianamente informado, diligente e sagaz teria feito quando colocado na real situação do aqui Recorrido;

14. É manifesto que um contabilista certificado de diligência média teria diligenciado pela aplicação do correto regime fiscal;

15. Aplicação esta que não foi pelo Recorrente diligenciada, resultando dos autos que “[o] Réu desenvolveu a actividade de tratamento da facturação da Autora sem ter feito essa verificação e, por isso, indicou à Autora montantes errados quanto ao IVA que estava obrigada a pagar.”;

16. Mais, em face ao entendimento do nosso Supremo Tribunal de Justiça, cabia ao Recorrido fazer prova que agiu de forma integra, idónea e responsável, resultando dos claramente o oposto, conformando-se com a incorreta aplicação do regime de tributação a margem de lucro;

17. Assim, nestes termos, mormente se pode concluir que a atuação do Recorrido deve, no mínimo, ser qualificada como culposa.

iv) Da Existência de Dano

18. Ora, como se sabe, por dano, em termos jurídicos, entende-se “(…) a supressão ou diminuição de uma situação favorável, reconhecida ou protegida pelo Direito.” ou, se se preferir, “(…) a frustração de uma utilidade que era objecto de tutela jurídica.” – In, respetivamente, MENEZES CORDEIRO, op. Cit., 2017, p. 511 e MENEZES LEITÃO, op. Cit., pp. 333 e 334;

19. Cabe, assim, questionar do ponto de vista naturalístico se a atuação do Recorrido suprimiu ou diminuiu alguma vantagem da Recorrente e depois se esta é juridicamente tutelada: a resposta terá de ser cabalmente positiva;

20. Isto é, o esforço económico que a Recorrente teria de ter realizado com a liquidação correta do IVA é inferior ao esforço que esta tem que ter para pagar a totalidade do montante em falta fruto da incorreta liquidação pelo Recorrido, o qual não pode deixar de ser considerado – como de certa forma, acabou por reconhecer o cit. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de maio de 2022;

21. Enfim, mormente se pode concluir que também se tem por verificado o pressuposto da existência de um dano.

II – Da Existência de Causalidade Adequada entre a atuação do 1.º Réu e os montantes a pagar a título de IVA, juros de mora e custas de execução

22. Entende o Tribunal a quo que não é possível estabelecer algum nexo de causalidade adequada entre a atuação do 1.º Réu e os montantes a pagar a título de IVA, juros de mora e custas de execução;

23. Porém, salvo melhor e douta opinião, não assiste razão ao Tribunal a quo quando entende que o não existe qualquer nexo de causalidade adequada entre o comportamento do 1.º Réu e os danos sofridos pelo Recorrente, mormente as custas de execução e os juros de mora;

24. Como é reconhecido pelo Tribunal a quo, o direito positivo português no artigo 563.º do Código Civil efetivamente consagra de certo modo a chamada teoria da causalidade abstrata, isto é, a teoria segundo a qual não basta que um evento seja naturalisticamente causal é também necessário que o evento seja, em abstrato, adequado a produzir o dano;

25. Porém, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, consagra uma formulação negativa da teoria da causalidade adequada, nos termos da qual a causalidade naturalística só pode ser afastada se não for idónea para provar o dano ou apenas tenha provado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis;

26. Não existem dúvidas que da factualidade dada como provada existe uma causalidade naturalística entre a prestação de serviços de contabilidade por parte do 1.º Réu e a os danos sofridos pela Recorrente;

27. A saber, se através de um juízo lógico-hipotético subtraímos da equação os serviços de contabilidade prestados pelo 1.º Réu, mormente se pode concluir que não teria sido aplicado o regime de tributação pela margem de lucro às referidas transações;

28. Isto é, os serviços de contabilidade prestados pelo 1.º Réu são conditio sine quo non, mesmo que indireta, aos danos sofridos pela Recorrente, mormente os montantes a pagar a título de IVA, juros de mora e custas de execução, como acaba por ser reconhecido pelo Tribunal a quo quanto aos juros compensatórios;

29. Resta, portanto, saber se era provável que o evento lesivo causasse os danos sofridos pela Recorrente, sendo aqui que, salvo melhor opinião, falhou o raciocínio da Veneranda Relação de Lisboa;

30. Num primeiro momento, da leitura da douta decisão parece resultar que o nexo de causalidade abstrata obsta à chamada causalidade indireta, porém tal, salvo melhor opinião, não corresponde à realidade, porquanto o Tribunal a quo considera que não resultam dos autos elementos suficientes que permitam “(…) imputar ao Réu esse incumprimento (…);

31. Porém, na realidade, o facto que o legislador português optou por uma formulação negativa da teoria da causalidade abstrata implica que para haver responsabilidade civil não é necessário que o dano seja uma consequência direta do evento danoso;

32. Ora, em face da factualidade dada como provada, é manifesto que os serviços de contabilidade prestados pelo 1.º Réu mesmo não tendo sido causa direta do dano, desencadearam todo um processo causal que culminou no montante a pagar a título de IVA, juros de mora e custas de execução;

33. Por outro lado, entende a Veneranda Relação que a atividade do 1.º Réu não era causa adequada aos danos sofridos pela Recorrente, porém também aí não lhe assiste qualquer razão;

34. Com efeito, deve-se perguntar se uma pessoa colocada na real posição do 1.º Réu poderia ter previsto que a Recorrente que a utilização indevida do regime de tributação à margem de lucros daria lugar a uma ação inspetiva externa e à consequente execução em virtude da incapacidade financeira da Recorrente de liquidar o valor do IVA;

35. Para efeito deste juízo de prognose, importa ter em conta, igualmente, os conhecimentos especiais do 1.º Réu, mormente o facto que este tinha acesso à contabilidade da Recorrente e, portanto, conhecia que a mesma não conseguiria liquidar, e que este era e é contabilista certificado;

36. Ou seja, mormente se pode concluir que era previsível para qualquer pessoa colocada na posição do 1.º Réu que a sua atuação era suscetível de gerar os danos sofridos pela Recorrente;

37. Porquanto, foi em virtude da atuação do 1.º Réu que a Recorrente se viu a ser objeto de uma ação inspetiva, de onde resultou a correta da liquidação do IVA à luz do regime comum, sendo tal situação danosa previsível à luz do conhecimento de qualquer contabilista certificado;

38. Ou seja, apenas se pode concluir que existe um nexo de causalidade adequada entre a atividade do 1.º Réu e a liquidação posterior do montante de IVA em falta;

39. Igual causalidade existe em relação às custas de execução e aos juros de mora que venceram sobre o montante de IVA em falta, porquanto tinha o 1.º Réu conhecimento direto das contas da Recorrente, sabendo que esta não estaria em condições de pagar € 137.732,54, em virtude das suas insuficiências financeiras (conforme resulta, alias, do facto provado n.º 31);

40. Ou seja, sendo certo que o incumprimento da Recorrente é a causa direta das custas de execução e dos juros de mora, é igualmente certo que este incumprimento nunca teria sucedido se subtraímos o evento danoso (a prestação de serviços de contabilidade por parte do 1.º Réu) e que este incumprimento era previsível para o 1.º Réu, atendendo aos seus conhecimentos pessoais;

41. Nesses termos, mormente se pode concluir que o douto Acórdão sob censura padece de manifesto erro na aplicação do direito na parte em que considera inexistir qualquer nexo de causalidade adequada entre a atuação do 1.º Réu e os danos sofridos pela Recorrente, mormente os montantes a pagar a título de IVA, juros de mora e custas de execução, devendo ser substituído por douta decisão que condene a 2.ª e 3.ª Ré ao pagamento daqueles montantes;

III – Da Existência de Danos não Patrimoniais

42. Entende o Tribunal a quo que dos autos não resultam elementos suscetíveis de fundamentarem o pedido de indemnização por danos não patrimoniais da Recorrente;

43. No entanto, salvo melhor e douta opinião, tal não parece ser o caso, porquanto a Recorrente foi objeto de procedimento especial de revitalização e de processo de execução fiscal, ambos sujeitos a um regime de publicidade;

44. Ora, a situação económica da Recorrente gerada pelos serviços de contabilidade do 1.º Réu e a consequente sinalização para o mercado da possível inadimplência da Recorrente colocaram em causa a credibilidade e o prestígio da Recorrente, causando, assim, constrangimentos que devem ser valorados em sede de danos não patrimoniais;

45. Mais, como bem entende a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a reputação das pessoas coletivas “(…) não releva apenas como dano patrimonial indireto, refletido na diminuição da potencialidade de lucro, podendo relevar ainda enquanto dano não patrimonial.” – In, cit. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de abril de 2017;

46. Mas mais, na fixação do montante indemnizatório devido a título de danos não patrimoniais a uma pessoa coletiva deve, igualmente, ser tido em conta os danos sofridos pelas pessoas singulares que a compõe;

47. Com efeito, resulta da factualidade provada que a ATA iniciou contra a Recorrente e os seus gerentes um processo-crime por fraude fiscal (conforme facto provado n.º 31);

48. Para além desse processo-crime ferir a credibilidade no mercado da aqui Recorrente, gerou na esfera jurídica dos gerentes da Recorrente vexames e constrangimentos que devem, igualmente, ser valorados;

49. Assim, mormente se pode concluir que o douto Acórdão sob censura padece de manifesto erro na aplicação do direito, devendo ser substituída por douta decisão que condene o 1.º Réu a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais, nos termos peticionados.

A sentença sob censura violou, entre outros, os seguintes preceitos legais: artigos 483.º, 487.º, 496.º e 563.º do C.C..

Requereu a revogação do acórdão recorrido e a procedência da acção.


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A recorrida, Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. apresentou contra-alegações que culminam com as seguintes conclusões:

1.  O Acórdão da Relação ora em recurso confirmou, sem voto de vencido e sem fundamento essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª Instância quanto ao IVA reclamado, às custas devidas nos processos de execução fiscal e aos danos extrapatrimoniais peticionados;

2. Formou-se, pois, dupla conforme mitigada, ponderada ou racional quanto ao IVA reclamado, às custas devidas nos processos de execução fiscal e aos danos extra-patrimoniais peticionados, sendo por isso inadmissível, não só de acordo com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2022, de 18 de Outubro, publicado no Diário da República n.º 201/2022, Série I de 2022-10-18, páginas 8 – 41;

3. Mas também face à sucumbência (art.º 629º, n.º 1 do C.P.C.), considerando que o Acórdão da Relação limitou-se a julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condenou a Allianz a pagar à Autora apenas os juros compensatórios relativos aos 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2016, no montante de € 3.515,56, e a Mapfre igualmente em juros compensatórios relativos ao exercício fiscal de 2015 e ao primeiro trimestre de 2016, no valor de € 4.338,66. Assim não se entendendo, o que o dever de patrocínio obriga a cogitar, mas não significa que se concebe ou concede,

4. Como o apuramento do IVA a liquidar e a fazer constar das respectivas declarações, é suportado pelos documentos e informações fornecidos pelo órgão de gestão ou pelo empresário, e não constituía (nem constitui legal e estatutariamente) tarefa do réu contabilista a elaboração da facturação, ou seja, o referido cálculo tem por base o conteúdo das facturas de aquisição de veículos em segunda mão no mercado comunitário e das revendas desses mesmos bens no mercado nacional, das quais deverá constar o regime especial de IVA aplicado (e dizemos nós, cobrado ao consumidor final);

5. Para que a Autora pudesse obter ganho de causa impunha-se-lhe demonstrar que tinha sido o Réu contabilista a informá-lo acerca do regime especial de cobrança de IVA nas transmissões de bens em segunda mão, o que manifestamente não provou.

6. Em suma: a efectivação da responsabilidade dependia da alegação e prova de que seria imputável a este o facto ilícito e nexo de causalidade entre este e os danos ocasionados, exigindo-se a comprovação da ocorrência de condutas violadoras dos deveres funcionais do contabilista certificado susceptíveis de lhe serem imputadas a título de negligência ou dolo.

7. Impondo-se, igualmente, a verificação de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento ilícito do contabilista certificado e o incumprimento fiscal do contribuinte junto da AT. Concluindo: caberia à Autora carrear para os autos os elementos factuais que configurassem a violação dos deveres a que o réu contabilista se encontra vinculado por força do enquadramento estatutário da actividade que exerce.

8. No caso, impunha-se a prova de que o apuramento de IVA efectuado pelo Réu comercial beneficiária de regime especial de IVA, o que a Autora manifestamente não logrou demonstrar.

9. Pelo exposto, e também não se vislumbrando o incumprimento por parte do Réu Contabilista de qualquer dever extra-contratual, não será passível de ser responsabilizado pelo pagamento de qualquer quantia. – cfr. art.º 342º, n.º 1 do Código Civil, quanto à ora respondente, dependendo a sua alegada e putativa responsabilização da demonstração dos pressupostos previstos no art.º 483º do Código Civil, que no caso não se verificam, conforme resulta do que acima se deixou explicitado, também relativamente a esta improcede a pretensão da Autora ora recorrente.

10. Dito de outro modo, não tendo a Autora logrado provar o que afirmava, e o ónus da prova competia nos termos do disposto nos artigos 342.º, n.º 1 e 346º, ambos do Código Civil, assim como de acordo com o que preceitua o art.º 414º do Código de Processo Civil, a sua pretensão tem, naturalmente, de soçobrar.

 Termos em que, Venerandos Conselheiros, o recurso de revista deve ser liminarmente rejeitado ou julgado totalmente improcedente, com o que fará este Supremo Tribunal de Justiça a mais translúcida Justiça!


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As recorridas, MAPFRE – Seguros Gerais, S. A. e AIG Europe S.A. vieram requerer a ampliação do objecto do presente recurso, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 636.º do Código de Processo Civil e apresentar a sua Resposta, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 638.º do Código de Processo Civil, que culminam com as seguintes conclusões:

1. Não tendo sido a atuação do contabilista que provocou o dano fiscal, mas sim a atuação da A., não lhe poderá ser assacada a responsabilidade no pagamento dos juros compensatórios, sob pena de violação do disposto nos artigos 563.º do Código Civil, 35.º da LGT e 7.º, n.º 1, al. a), 8.º e 36.º do CIVA.

2.O contabilista da A. refletiu nas declarações fiscais a informação que a A. lhe transmitiu.

3. Para além da informação fornecida pelo cliente, no caso a A., que domina todo o circuito do negócio que desenvolve no espaço europeu, o seu contabilista não possui qualquer outro elemento ou informação adicional que lhe permita escrutinar a referida atividade, refletida nas faturas que emitia.

4. Face ao conteúdo das faturas de revenda entregues pela A. ao seu contabilista, nas quais aquela apresentava as revendas sob o Iva da margem de lucro, este não tinha outra alternativa a não ser a de tratar contabilisticamente a referida informação de acordo com a informação que a A. lhe prestava.

5. Não estava ao alcance do contabilista da A. confirmar se as revendas em território nacional, nos termos comunicados pela A. nas faturas de revenda que emitia, estavam, ou não, abrangidas pelo regime da margem, quando aquela faz constar no seu documento de venda que o veiculo foi vendido no âmbito do regime de Iva de tributação de bens em segunda mão, facto que naturalmente melhor que ninguém saberá, pois é a A. que detém a informação necessária (é quem domina o negócio do comercio de veículos automóveis usados) e faz constar a informação relevante para efeitos de aplicação de Iva nas faturas de revenda dos veículos em território nacional.

6. No caso concreto, as faturas de revenda evidenciavam a aplicação do Iva da margem de lucro, o que levou a elaboração das declarações de iva em conformidade.

7. Não é exigível a um contabilista conhecimento idêntico ao cliente quanto aos meandros do negócio deste e, por outro lado, não pode o cliente eximir-se de espelhar a realidade que conhece (realidade material) na contabilidade, através da faturação por si emitida.

8. A A., ora Recorrente, estava vinculada ao dever de informar o seu contabilista que as revendas efetuadas em território nacional não estavam abrangidas pelo regime de Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, o que não ocorreu, porquanto sempre fez expressa menção de aplicação de tal regime nas faturas de revenda que entregava ao seu contabilista, viciando assim o tratamento contabilístico no sentido de não traduzir a realidade material.

9. O contabilista da A., ora Recorrente, como qualquer outro, não é inspetor da AT, nem lhe poderá ser atribuída semelhante função de controle/ fiscalização da atividade do cliente.

10.  A Recorrente fez constar das faturas das suas revendas o regime da margem, situação que levou o seu contabilista a preencher as declarações de Iva em conformidade com a informação vertida na documentação oferecida pela A..

11. A aplicação de juros compensatórios radica num juízo de censura, a título de culpa por conduta negligente ou dolosa, imputável ao sujeito passivo e que justifica a sua responsabilização cível no sentido de indemnizar o Estado pelos prejuízos decorrentes do não recebimento atempado do imposto devido.

12. Dizer-se que o contabilista certificado é “culpado” pelo atraso na liquidação de IVA, quando sempre entregou as declarações do IVA atempadamente no exercício das suas funções, sustentada na documentação contabilística que a A. lhe facultava, por afinal, aquela documentação, não refletir a realidade material – conhecimento que a A. detinha por ser ela a única que dela tratava no âmbito da sua atividade - é, colocar o contabilista num patamar de responsabilidade idêntico ao cliente, o que não se concebe.

13. O contabilista certificado não tem à sua disposição os mesmos meios que a AT para aferir do mérito da informação prestada pelos clientes, (acesso à informação do sistema VIES), à semelhança do que se passa quanto ao sistema e-fatura, que constitui um importante instrumento de trabalho na conferencia da informação trazida pelo cliente e à qual o contabilista certificado tem acesso, fornecida pelos adquirentes e fornecedores de bens e serviços no âmbito do espaço nacional.~

14. Pretender-se “condenar” o contabilista certificado, atendendo às circunstâncias do presente caso, significaria que a A. passaria a beneficiar do produto/lucro da sua atividade comercial e ficaria isento da correspondente responsabilidade fiscal, a qual transferiria para o contabilista, que passaria, assim, a ser responsável fiscal pela atividade do cliente.

15. A A. quis beneficiar do regime de Iva mais benéfico, ocultando para o efeito, nas faturas que emitia, que as suas revendas eram realizadas sob o regime de IVA à taxa normal, provocando intencionalmente um dano fiscal porque dele beneficiou.

16. Regra geral, o imposto é devido e torna-se exigível, quanto às entregas de bens e às aquisições intracomunitárias, no momento em que estes são postos à disposição do adquirente, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do CIVA.

17. No caso dos Autos, o imposto torna-se exigível no momento em que a fatura de revenda de veiculo automóvel adquirido sob o regime da margem no EU em território nacional é emitida, na eventualidade de ser respeitado o prazo da sua emissão, que é de 5 dias úteis após a verificação do facto gerador, ou, no caso de este prazo ser ultrapassado, no momento em que o mesmo termina, ou ainda, se o pagamento, ainda que parcial, ocorrer antes de a fatura ser emitida, no momento do seu recebimento, pela importância recebida (conf. n.º 1 do artigo 8.º e artigo 36.º do CIVA).

18. Do disposto no artigo 7º e no n.º 1 do artigo 8.º do CIVA resulta que a exigibilidade do imposto, momento a partir do qual o Estado pode fazer valer o seu direito ao imposto, é diferido para o momento da emissão da fatura sempre que esta seja obrigatória ou para o termo legal da sua emissão. I.e., a exigibilidadede entrega do IVA, dá-se no momento que o sujeito passivo a quem incumbe a referida obrigação, emite a respetiva fatura.

19. O facto ilícito que originou a cobrança de imposto adicional, não foi a entrega das declarações fiscais, mas sim, a revenda de veículos automóveis em território português sob o regime da margem espelhadas nas faturas emitidas e entregues pela A. ao seu contabilista.

20. Foi a conduta da A., ora Recorrente, que despoletou o erro evidenciado nas declarações de IVA e que a realidade contabilística não conseguiria colmatar visto que o encargo de imposto foi gerado no momento da revenda e a sua exigibilidade na data da emissão da respetiva fatura, integral e exclusivamente imputados à conduta da A..

21. Os juros compensatórios encerram em si o propósito de ressarcimento à Administração Publica por atraso na liquidação que ao sujeito passivo seja imputável e a sua aplicabilidade implica um necessário juízo de culpa do contribuinte, independentemente do requisito do retardamento da liquidação ou da falta de cumprimento pontual da prestação tributária, pois a imputabilidade exigida para a responsabilização quanto ao pagamento de juros compensatórios dependem igualmente da verificação/existência de culpa por parte do contribuinte.

22. Independentemente do retardamento da liquidação, ou falta de cumprimento pontual da prestação tributária, tem lugar a obrigação ao pagamento de juros compensatórios se apenas se verificar um juízo de culpa por parte do contribuinte.

23. Os juros compensatórios não se confundem com o valor do imposto a pagar. São realidades distintas e cindíveis, uma vez que a aplicação de juros compensatórios faz pressupor o necessário critério subjetivo que a não se verificar, não se poderá impor o seu cumprimento, mesmo verificando-se obrigatoriedade de cumprimento pontual da prestação tributária acrescido de juros e coimas.

24. No caso dos Autos, a falta de entrega de imposto devido tem na sua génese a conduta da Recorrente, que revendeu os veículos aplicando à sua revenda o regime de IVA da margem, fazendo-o constar das faturas que emitia e dele foi beneficiando por a aplicação do referido regime exponenciar a margem de lucro na sua atividade comercial.

25. O pagamento de juros compensatórios foi consequência da conduta ilícita da A., que revendeu os seus veículos no regime da margem e não das referidas declarações de Iva (preenchidas e entregues pelo contabilista), pois o imposto tornou-se exigível no momento em que o A. emitiu as referidas faturas de revenda sob aquele regime de IVA.

Por outro lado,

26. O contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Contabilistas Certificados e as Recorridas é um contrato de seguro cuja cobertura temporal é delimitada pela data da Reclamação e não da data da “ocorrência”, constituindo sinistro a “reclamação” e não a ocorrência do facto ilícito.

27. No caso dos Autos, a “Reclamação” ocorreu mais de 24 meses após a cessação do contrato de seguro, celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de abril de 2015 e termo às 0:00 horas do dia 1 de abril de 2016, i é, após o dia 01.04.2018 (24 meses subsequentes ao seu termo), como resulta da Fundamentação de Facto da Decisão recorrida.

28. Da aplicação do direito aos factos resulta inquestionável a inaplicabilidade temporal do contrato de seguro celebrado com as Apelantes.

29. A falta de cobertura temporal é oponível aos terceiros lesados, como resulta do disposto no artigo 147.º do RJCS e não se reconduz a qualquer falta de participação ou incumprimento do dever de participação do segurado, prevista no art.º 101.º do RJCS, antes se reconduzindo à cessação do contrato de seguro em si mesmo, por caducidade.

30. O Tribunal recorrido, ao não ter absolvido as Recorridas do pedido, face à referida inaplicabilidade temporal, violou o disposto nos artigos 405.º do Código Civil, 44.º, 139.º e 147.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pela Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, artigo 1, º, al. e) e h), e 4.º, pontos 2 e 4, das Condições Gerais do contrato de seguro celebrado entre as Apelantes e a Ordem profissional em causa, bem assim como o artigo 576.º do Código de Processo Civil.

Subsidiariamente,

31. Nos presentes Autos estamos perante ação judicial de responsabilidade civil extracontratual, declarada que foi a nulidade do contrato de prestação de serviços de contabilidade celebrado com a A..

32. «Em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta.», Conf. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2022, de 18 de Outubro .

33. Os pedidos formulados pela A. são autónomos, decompondo-se nos seguintes pedidos e montantes correspondentes: (i) Iva; (ii) Custas dos processos de execução fiscal; (iii) juros compensatórios e (iv) danos morais, conf. artigos 76.º a 81.º e 117.º da p.i., pedido e ponto 3.9 da fundamentação de direito da Decisão recorrida (pág. 54).

34. Assim, também, ocorre com a Decisão do Tribunal “a quo”, resultado das respetivas e diversas fundamentações de direito e de facto.

35. O Acórdão recorrido manteve a Decisão do Tribunal da Primeira Instância quanto aos seguintes pedidos: (i) Iva; (ii) Custas dos processos de execução fiscal; e (iv) danos morais.

36. À A. apenas seria admissível o recurso na parte relativa ao pedido de indemnização correspondente a juros compensatórios, caso a sua pretensão não tivesse logrado provimento e se verificasse a necessária sucumbência, o que não é o caso.

37. Motivo pelo qual o presente Recurso não é legalmente admissível, sob pena de violação do disposto nos artigos 629.º, n.º 1 e 671.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, atenta a dupla conforme existente.

Caso assim não se entenda,

38. Não resultou provado da instrução da causa que a A. tenha delineado o seu modelo de negócio ou emitido as faturas com base em qualquer orientação ou informação do seu contabilista.

39. O valor do Iva está intrinsecamente ligado ao modelo de negócio que a A. delineou e prosseguiu, tendo por base as faturas que a própria emitia, sem que ocorresse qualquer intervenção do seu contabilista, daí também não ter colocado em causa o valor do iva que teria a pagar, resultado que era das faturas que a própria emitia.

40. As custas decorrentes de execuções fiscais e juros de moram foram consequência de um ato da própria A. (não pagamento voluntário do valor do IVA apurado) e não do seu contabilista.

41. Em consequência, deve o Recurso interposto pela A. ser julgado improcedente.

Requereu:

A. A ampliação do objecto do recurso ser julgada procedente, por provada, e, em conformidade, a Apelada absolvida do pedido por inexistência da prática de qualquer facto ilícito por parte do seu segurado.

B. A ampliação do objecto do recurso ser julgada procedente, por provada, e, em conformidade, a Apelada absolvida do pedido por inaplicabilidade temporal do contrato de seguro celebrado com as recorridas.

C. Deve o presente recurso ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, atenta a dupla conforme existente.

D. Subsidiariamente,

E. Deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se na íntegra a douta Decisão proferida pelo Tribunal “a quo”.


*

O recorrente apresentou resposta ao pedido de ampliação do recurso que considera legalmente inadmissível que encerrou com as seguintes conclusões:

1. Através do requerimento que ora se responde pretendem as Recorridas ampliar o objeto do presente recurso de revista em ordem a abranger igualmente o trecho do douto Acórdão sob censura que julgou procedente o pedido do Recorrente quanto aos juros compensatórios;

2. A faculdade de ampliação do objeto de recurso pressupõe um decaimento apenas em relação aos fundamentos de ação ou de defesa, apenas sendo admitido quando a parte não goza, em relação a estes, de legitimidade recursório (i. e. quando a parte é parte vencedora);

3. Em relação ao trecho a estas desfavorável, as Recorridas são, na verdade, partes vencidas, não podendo lançar mão à ampliação do objeto de recurso para ver a questão da responsabilidade civil do 1.º R. e com isso alcançar a substituição da decisão sob censura;

4. Nesses termos e nos de mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V/Exa., deverá o requerimento de ampliação do objeto do recurso, na parte em que se reporta aos juros compensatórios, ser liminarmente indeferido por inadmissibilidade legal;

SEM PREJUÍZO,

II – DA RESPOSTA À MATÉRIA DA AMPLIAÇÃO A – Dos Juros Compensatórios

5. Na eventualidade de se entender que o requerimento de ampliação do objeto do recurso na parte em que se reporta aos juros compensatórios é admissível, o que não se concede e apenas se coloca como mero dever de patrocínio judiciário, sempre se dirá que deveram improceder in totum as considerações tecidas pelas Recorridas;

6. As Recorridas tentam eximir-se de qualquer responsabilidade pelo pagamento dos juros compensatórios invocado, em síntese, que o dano se verificou não em consequência da negligência do contabilista certificado, 1.º R., mas antes da atuação da Recorrente, entendendo que só esta é que tinha capacidade para aferir do regime tributável aplicável;

7. No entanto, salvo melhor e douta opinião, mesmo que tal fosse o caso, o que não se concede, nem resulta provado dos autos, sempre se deverá notar, como fez a Veneranda Relação de Lisboa, que deveria o 1.º R. ter diligenciado pela correção do erro e pela descoberta do regime aplicável;

8. Exercendo o 1.º R. a função de contabilista certificado, cabia-lhe verificar o preenchimento dos pressupostos daquele regime especial, bem como, desconfiando que o mesmo não seria aplicável, deveria diligenciar junto da Recorrente para aferir da aplicabilidade daquele regime;

9. Tendo o 1.º R. diligenciado cabalmente pelo cumprimento dos seus deveres deontológicos, não teria a Recorrente sofrido o dano que acabou por sofrer com o retardamento no pagamento do imposto correto;

10. Mormente se pode concluir, portanto, que a decisão sob censura, na parte em que julga por verificada a existência de nexo causal entre a liquidação dos juros compensatórios e a atitude omissiva do 1.º R., contabilista certificado, está isenta de qualquer vício;

11.  Por fim, alegam as Recorridas que, como a liquidação dos juros compensatórios padece sempre da verificação de um juízo de culpa da atuação do sujeito passivo, estes não teriam sido liquidados caso a Recorrente não tivesse agido com culpa, alegando ser suficiente para afastar a responsabilidade a mera dúvida na interpretação da lei fiscal;

12. Não descurando que, em certas situações, o desconhecimento da lei poderá aproveitar o contribuinte, a verdade é que, em especial numa situação como à dos autos, deverá prevalecer como regra o princípio da ignorantia iuris non excusat, previsto categoricamente no artigo 6.º do C.C., não assistindo, por isso, sombra de razão às Recorridas;

13.  Pelo que nestes termos, entendendo-se que a ampliação do objeto do recurso é admissível nesta parte, o que não se concede, sempre deverá ser julgado improcedente os fundamentos ora invocados pelas Recorridas, devendo-se manter a decisão sob censura no trecho que as condena ao pagamento dos juros compensatórios;

B – Da Inaplicabilidade Temporal do Contrato de Seguro celebrado com a Mapfre e a AIG

14. Invocam, ainda, as Recorridas que o contrato de seguro celebrado com a Mapfre e a AIG não tem aplicabilidade ao caso concreto, porquanto, tratando-se de um contrato de seguro de reclamação/claims made, o momento da ocorrência do sinistro coincide com o momento da apresentação da reclamação;

15. Extrapolando que tendo a reclamação sido apresentada após a cessação do contrato de seguro, deve-se entender que o mesmo já não se encontrava em vigor, não lhes podendo ser assacada qualquer tipo de responsabilidade;

16.  Ora, dúvidas não subsistem que o contrato de seguro celebrado com as Recorridas consubstancia um seguro profissional obrigatório, nos termos dos artigos 70.º, n.º 4 e 121.º do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados;

17.  Também dúvidas não subsistem que a Recorrente é terceira ao contrato de seguro celebrado entre os Recorridos, porquanto a mesma não é parte no mesmo, sendo antes mera lesada;

18. Por outro lado, resulta clara e inequivocamente que as limitações temporais do seguro, bem como as cláusulas contratuais deste, não podem ser opostas ao terceiro lesado, cf. artigos 101.º, n.º 4 e 146.º, n.º 2 do R.J.C.S.;

19. Assim, não podem as Recorridas eximir-se da responsabilidade perante terceiros lesados com base no clausulado do contrato de seguro celebrado com o 1.º R., devendo, por isso, ser julgado totalmente improcedente o alegado pelas Recorridas;

III – DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO

20. Entendem as Recorridas ser inadmissível o recurso interposto pela Recorrente com fundamento na existência de dupla conforme quanto aos pedidos de condenação no pagamento do IVA, custas do processo de execução fiscal e danos morais;

21. Ora, sendo certo que a dupla conforme, em consonância com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2022, de 18 de outubro, deve ser, no presente caso, apreciada atendendo a cada pretensão autónoma do Recorrente, a verdade é que, ainda assim, não se verifica dupla conforme;

22.  Efetivamente, não haverá dupla conforme sempre que o título jurídico material que fundamenta a condenação ou absolvição seja destinto, mesmo que, formalmente, se possa dizer que existe uma aparência de conformidade decisória;

23.  Ora, o processo hermenêutico realizado pelo Tribunal a quo para atingir a parte dispositiva da sua decisão é manifestamente distinto, assentando, inclusive, em fontes obrigacionais distintas;

24. Com efeito, enquanto o Tribunal de 1.º Instância se limitou a apreciar a questão ao nível da responsabilidade contratual, o Tribunal a quo declarou o contrato celebrado nulo por falta de forma e analisou a questão à luz do instituto da responsabilidade aquilina;

25. A decisão sob censura proferida pelo Tribunal a quo não confirma o enquadramento jurídico feito pelo Tribunal de 1.ª Instância, nem muito menos decide em idêntico sentido;

26.  Com efeito, o Tribunal de 1.ª Instância entendeu não existir sequer um comportamento ilícito por parte do 1.º R., encontrando-se os de mais pressupostos da responsabilidade civil prejudicas;

27.  Já o Venerando Tribunal a quo considerou existir um facto ilícito, concluindo, apenas e a nosso ver mal, que não existia nexo causal entre o dano verificado e este facto;

28. Não se pode dizer que existe dupla conforme quando o Tribunal de 1.ª Instância não se pronunciou efetivamente sobre a existência, ou não, de nexo de causalidade, limitando-se a afirmar        que não foi       provado qualquer comportamento ilícito pelo 1.º R.;

29. Em face do exposto, uma vez que a fundamentação de direito trilhada pela Tribunal a quo é essencialmente diferente da fundamentação invocada pelo Tribunal de 1.ª Instância, não se pode ter por verificada a existência de dupla conforme, devendo, assim, ser admitido o presente recurso.

Nestes termos e nos mais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V/Exa., deverá:

a) o requerimento de ampliação de recurso ser indeferido por inadmissibilidade legal na parte a que se refere à condenação do 1.º R. no pagamento do montante devido a título de juros compensatórios;

Sem prescindir,

b) a totalidade da matéria de ampliação deverá ser julgada improcedente;

c) o Recurso de Revista ser tido por admissível e, em consonância, ser o mesmo julgado procedente, substituindo-se o douto Acórdão recorrido por outro que julgue totalmente procedente o peticionado pela Recorrente.

I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

Ambas as rés seguradoras invocam a inadmissibilidade do presente recurso de revista por entenderem verificar-se dupla conforme uma vez que o Tribunal da Relação confirmou, sem voto de vencido, a decisão proferida em 1.ª instância.

Para além de diversas outras diferenças entre ambas as decisões que não é necessário analisar para definir a admissibilidade do presente recurso de revista basta atentar que a decisão proferida em 1.ª instância julgou a acção improcedente, tendo por base a validade do contrato de prestação de serviços, aqui em discussão celebrado entre a A. e o réu AA e com base em responsabilidade contratual, enquanto o Tribunal da Relação declarou a nulidade, por vício de forma deste contrato e decidiu alicerçado em responsabilidade civil extracontratual. Não há qualquer possível dupla conforme entre ambas as decisões.

Também é manifesto que a sucumbência do autor se afere pela diferença entre o valor de indemnização peticionada - 156 749,58 € - e o valor da indemnização fixada no Tribunal de 2.ª instância - € 3.515,56 a cargo da ré Allianz, SA, e € 4.338,66 a cargo da ré Mapfre, SA, acrescidos de juros moratórios à taxa legal fixada para os juros civis desde 19 de Outubro de 2022 até integral pagamento -.

O pedido é de indemnização pelos danos sofridos – patrimoniais e não patrimoniais – com a actuação do réu, sem qualquer autonomia jurídica entre as parcelas que a integram de molde a constituírem segmentos decisórios independentes.

O recurso de revista interposto é manifestamente admissível nos termos do disposto no art.º 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.


*

Ampliações do pedido formulada pelas recorridas, MAPFRE – Seguros Gerais, S. A. e AIG Europe S.A. nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 636.º do Código de Processo Civil e apresentar a sua Resposta, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 638.º do Código de Processo Civil:

1. por inexistência da prática de qualquer facto ilícito por parte do seu segurado.

2. por inaplicabilidade temporal do contrato de seguro celebrado com as recorridas.

Em ambas as situações as recorridas são parte vencida o que lhes faculta, em abstracto a possibilidade de dedução de recurso ao abrigo do disposto no art.º 633.º do Código de Processo Civil. Todavia, essa possibilidade mostra-se vedada pelo valor da sua sucumbência nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

A ampliação do objecto do recurso, prevista para permitir que sejam reanalisados fundamentos da acção ou da defesa em que a parte vencedora decaiu e mantenham interesse em que sejam analisados pelo tribunal de recurso, que se regulada no art.º 636.º do Código de Processo Civil, não é um meio idóneo para permitir o recurso de uma decisão irrecorrível, como aqui acontece.

Pelo exposto não se admitem as ampliações do objecto do recurso.


*

I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões:

1. Responsabilidade dos recorridos por danos patrimoniais.

2. Responsabilidade dos recorridos por danos não patrimoniais.

                                                *

I.4 - Os factos

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1. A autora é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 13 de Abril de 2015, com o capital social de € 5.000,00 e tem como objecto a importação, exportação, comércio e manutenção de veículos automóveis e motociclos e mediação de crédito.

2. À data da sua constituição, a autora tinha dois sócios, BB e CC, cada um titular de uma quota social no valor nominal de € 2.500,00.

3. A Gerência da A. foi exercida, desde a data da sua constituição até Julho de 2018, pelos seus dois sócios.

4. O 1.º R. é Contabilista Certificado, inscrito na Ordem dos Contabilistas Certificados (doravante, OCC) sob o n.º 71700.

5. Em 13 de Abril de 2015, a A. declarou o início de actividade junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, ATA), com início em 14 de Abril de 2015, na área de “Comércio de Veículos Automóveis Ligeiros”, com o CAE 45110.

6. Sendo, desde essa data, sujeito passivo de IVA, enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral.

7. Bem como sujeito passivo de IRC, enquadrado no regime geral de tributação.

8. No exercício da sua actividade, a autora tinha responsabilidades junto do Banco 1... e do Banco 2.... (ponto 30.)

9. Em Abril de 2015, a pedido da autora o 1.º réu, obrigou-se a tratar da contabilidade inerente à actividade comercial daquela na qualidade de contabilista certificado, sendo responsável pela contabilidade da autora desde 14.04.2015. (pontos 1. e 3.)

10. Obrigando-se a autora, como contrapartida, ao pagamento de uma retribuição mensal ao 1.º réu, no valor de €120,00. (ponto 2.)

11. Pelo que o 1º réu apresentou a declaração de início de actividade com as seguintes informações:

- Efectua importações? (só de países fora da EU) – Não;

- Efectua aquisições intracomunitárias? – Não;

- Efectua exportações? (só para países da EU – Não;

Efectua transmissões intracomunitárias? Não. (ponto 34.)

12. No dia 13 de Maio de 2015, o 1º réu procedeu à correcção da informação constante da declaração de início de actividade e informando a ATA que efectuaria aquisições intercomunitárias. (ponto 36.)

13.  A autora dedica-se, designadamente à aquisição de veículos usados no mercado nacional e em Estados-Membros da União Europeia, designadamente na Alemanha, Bélgica, França e Itália, e na posterior revenda dos mesmos em território nacional. (ponto 4)

14. Na prossecução da sua actividade comercial, a autora explora um estabelecimento comercial de stand de automóveis, sito na morada da sua sede social. (ponto 5)

15. A autora importou viaturas do estrangeiro e comercializou-as em Portugal enviando ao Réu a documentação referente a cada veículo, constituída pelas facturas de aquisição, pelas facturas de venda do veículo em Portugal, nas quais fazia constar ser o regime de tributação de IVA o regime especial de tributação da margem de lucro, que a transacção se reportava a bens em segunda mão e indicando o preço final da venda sem menção a IVA, e a documentação relativa a despesas.

16. Com os documentos enviados pela Autora o Réu calculou em todas as aquisições a margem de lucro e aplicou a essa margem a taxa de IVA, indicando o resultado como sendo o IVA a pagar pela Autora por cada aquisição.

17. O Réu nunca opôs à Autora objecção à aplicação do regime especial de IVA de tributação de margem de lucro nas aquisições no espaço comunitário por entender que era esse o regime aplicável a todas as aquisições que não fossem feitas a particulares.

18. Em 31 de Julho de 2017, a ATA iniciou um procedimento externo de inspecção tributária, para verificação da situação tributária da autora em sede de IVA, relativamente aos exercícios de 2015 e 2016. (ponto 11.)

19. Em Dezembro de 2017, a autora foi notificada, por via postal, do Relatório de Inspecção Tributária realizado na sequência de acção inspectiva externa, de âmbito parcial em sede de IVA, quanto aos exercícios de 2015 e 2016. (ponto 13)

20. A ATA concluiu que tinha havido uma utilização indevida do regime da margem de lucro e que muitas das aquisições de viaturas efectuadas pela autora no mercado europeu estavam sujeitas a IVA à taxa normal e não o regime de IVA da margem de lucro. (ponto 14.)

21. O IVA em falta, pela aplicação do regime da margem, no que respeita aos anos de 2015 e 2016, totaliza a quantia de €137.732,54, não recebida pela autora dos clientes aos quais vendeu as viaturas importadas:

IVA em falta referente ao ano de 2015…………………€45.777,90

IVA em falta referente ao ano de 2016…………… €91.954,64. (ponto 17.)

22. Tendo a autora sido notificada para efectuar o pagamento desses valores. (ponto 18.)

23. Não tendo a autora possibilidades de proceder ao pagamento imediato de tais valores, a ATA instaurou contra autora, em Fevereiro de 2018, catorze processos de execução fiscal (dois por cada trimestre do IVA em falta), para satisfação coerciva do IVA em falta e dos juros

compensatórios contabilizados sobre esse imposto, aos quais acrescem custas, totalizando os juros e as custas o montante de €9.017,04. (ponto 19.)

24. A autora foi notificada, na sequência da aprovação do plano de recuperação, pela Autoridade Tributária para pagar em 142 prestações, mensais e sucessivas, no valor de €1.025,26 cada, a quantia de €145.586,76, a título de IVA e de juros compensatórios referentes aos exercícios de 2015 e 2016. (ponto 20.)

25. A cada uma das prestações acrescerá o valor devido a título de juros de mora. (ponto 21.)

26. A autora, a título de IVA devido pelas transacções realizadas no âmbito da sua actividade comercial, nos exercícios de 2015 e 2016, ascende à quantia total de € 137.732,54 sendo do:

Exercício de 2015

2.º trimestre…………………………………………… €413,56

3.º trimestre…………………………………………….€20.750,01

4.º trimestre……………………………………………€24.614,33

Total de 2015…….….. €45.777,90

Exercício de 2016

1.º trimestre…………………………………………….€10.935,91

2.º trimestre…………………………………………….€19.565,19

3.º trimestre……………………………… ………….€32.372,56

4.º trimestre…………………………………………….€29.080,98

Total de 2016…… ..….€91.954,64 (ponto 23.)

27. Sendo devida a quantia, a título de juros compensatórios, pela falta de pagamento pontual do IVA a importância total de €7.854,22, conforme abaixo se discrimina:

Exercício de 2015

2.º trimestre…………………………………………………….€39,11

3.º trimestre………………………... ...…………………….€1.755,50

4.º trimestre……………………………….. …………….....€1.836,97

Total de 2015…….…...........................................................€3.631,58

Exercício de 2016

1.º trimestre……………………………………………....….€707,08

2.º trimestre……………………………………………….€1.067,77

3.º trimestre………………………………………….........€1.443,90

4.º trimestre……………………………………………….€1.003,89

Total de 2016…….......................................….€4.222,64 (ponto 24.)

28. A autora está obrigada ao pagamento das custas dos processos executivos instaurados pela ATA, no montante total de €1.162,82, conforme abaixo se discrimina:

Exercício de 2015

2.º trimestre……………….…………….………………......€41,82

3.º trimestre……………….……………………………….€190,71

4.º trimestre……………….…………….………………....€204,02

Total de 2015…….........................................................….€436,55

Exercício de 2016

1.º trimestre……………….……………………………….€127,53

2.º trimestre……………….…………………………....….€174,08

3.º trimestre……………….……………………………….€217,32

4.º trimestre……………….……………….………...…….€207,34

Total de 2016……..........................................….€726,27 (ponto 25.)

29. Além da quantia referida no ponto 25. foi cobrado pela ATA à autora a título de custas dos processos executivos a quantia de 1.416,42€.

30. A ATA liquidou nos processos executivos instaurados à autora, a título de juros de mora, a quantia de 16.888,20€.

31. A autora intentou processo especial de revitalização que correu termos, sob o nº1105/18...., no Juiz ... do Juízo de Comércio ... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa no âmbito do qual foi homologado por sentença proferida em 03.08.2018, o plano de recuperação.

32. A ATA iniciou contra a autora e os seus gerentes um processo-crime por crime de fraude fiscal, que corre os seus termos junto da Equipa de Investigação Criminal da Direcção de Finanças de ..., sob o NUIPC 345/17.....

33. A OCC, na qualidade de tomadora do seguro, contratou com a COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A., aqui 2.ª ré, através do mediador L..., S.A., um Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil dos Contabilistas Certificados para o período compreendido entre 01 de Abril de 2016 e 31 de Março de 2017, através da Apólice n.º ...33, com uma franquia a cargo do contabilista certificado segurado correspondente a 10% do valor da indemnização no mínimo de € 500,00 por sinistro, não aplicável nas relações com terceiros, estando garantidas as reclamações apresentadas pela primeira vez, ao Segurado ou directamente ao Segurador, durante o período de vigência deste contrato ou, relativamente a erros, actos ou omissões geradores de responsabilidade, desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, nos 24 (vinte e quatro) meses subsequentes ao seu termo, ficando, contudo, sempre excluídas as reclamações abrangidas pelo seguro anterior, nomeadamente as reclamações participadas nos 24 meses subsequentes ao termo da apólice do seguro anterior desde que o acto gerador da responsabilidade tenha ocorrido durante o período de vigência da referida apólice.

34. A OCC, na qualidade de tomadora do seguro, contratou com a COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A., aqui 2.ª R., através do mediador L..., S.A., um Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil dos Contabilistas Certificados para o período compreendido entre 01 de Abril de 2017 e 31 de Março de 2018, através da Apólice n.º ...64, nomeadamente nos termos seguintes:

a) Constando das condições particulares, no artigo 1.º alínea d), que é segurado, a pessoa singular, titular do interesse seguro na qualidade de Contabilista Certificado, que exerça efectivamente a profissão, considerando-se que exerce efectivamente a profissão, o contabilista

certificado que, à data do erro, acto ou omissão gerador(a) de responsabilidade, se encontre identificado como responsável pela contabilidade da(s) entidade(s) a que o sinistro respeita, nos termos do disposto no artigo 10° do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados.

b) Constando da alínea g) do mesmo artigo que constitui sinistro, a reclamação formal ou série de reclamações formais resultantes de um mesmo evento susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato.

b) Estabelecendo uma franquia a cargo do contabilista certificado segurado correspondente a 10% do valor da indemnização no mínimo de € 500,00 por sinistro, não aplicável nas relações com terceiros;

c) Estando garantidas as reclamações apresentadas pela primeira vez, ao Segurado ou directamente ao Segurador, durante o período de vigência deste contrato ou, relativamente a erros, actos ou omissões geradores de responsabilidade, desconhecidos das partes e ocorridos durante o  período de vigência do contrato, nos 24 (vinte e quatro) meses subsequentes ao seu termo, ficando, contudo, sempre excluídas as reclamações abrangidas pelo seguro anterior, nomeadamente as reclamações participadas nos 24 meses subsequentes ao termo da apólice do seguro anterior desde que o acto gerador da responsabilidade tenha ocorrido durante o período de vigência da referida apólice.

35. A OCC, na qualidade de tomadora do seguro, contratou com a COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A., aqui 2.ª R., através do mediador L..., S.A., um Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil dos Contabilistas Certificados para o período compreendido entre 01 de Abril de 2018 e 31 de Março de 2019, através da Apólice n.º ...86, nomeadamente nos termos seguintes:

a) Constando das condições particulares, no artigo 1.º alínea d), que é segurado, a pessoa singular, titular do interesse seguro na qualidade de Contabilista Certificado, que exerça efectivamente a profissão, considerando-se que exerce efectivamente a profissão, o contabilista certificado que, à data do erro, acto ou omissão gerador(a) de responsabilidade, se encontre identificado como responsável pela contabilidade da(s) entidade(s) a que o sinistro respeita, nos termos do disposto no artigo 10° do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados.

b) Constando da alínea g) do mesmo artigo que constitui sinistro, a reclamação formal ou série de reclamações formais resultantes de um mesmo evento susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato.

c) Estabelecendo uma franquia a cargo do contabilista certificado segurado correspondente a 10% do valor da indemnização no mínimo de € 500,00 por sinistro, não aplicável nas relações com terceiros;

d) Estando garantidas as reclamações apresentadas pela primeira vez, ao Segurado ou directamente ao Segurador, durante o período de vigência deste contrato ou, relativamente a erros, actos ou omissões geradores de responsabilidade, desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, nos 24 (vinte e quatro) meses subsequentes ao seu termo, ficando, contudo, sempre excluídas as reclamações abrangidas pelo seguro anterior, nomeadamente as reclamações participadas nos 24 meses subsequentes ao termo da apólice do seguro anterior desde que o acto gerador da responsabilidade tenha ocorrido durante o período de vigência da referida apólice.

36. Está coberta nos referidos Contratos de Seguro a responsabilidade civil profissional decorrente do exercício da actividade de Contabilista Certificado, com um limite de €50.000,00 por sinistro (capítulo 2 das Condições Particulares das Apólices).

37. Anteriormente aos contratos de seguro celebrados com a 2.ª R., a OCC havia contratado com a Seguradora MAPFRE SEGUROS GERAIS, S.A., aqui a 3.ª R. AIG Europe, um Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil dos Técnicos Oficiais de Contas (anterior denominação dos Contabilistas Certificados) para o período compreendido entre 01 de Abril de 2015 e 01 de Abril de 2016, através da Apólice n.º ...62, nomeadamente nos termos seguintes:

a) com uma franquia a cargo do contabilista certificado segurado correspondente a 10% do valor da indemnização no mínimo de € 150,00 por sinistro, não aplicável nas relações com terceiros.

b) estando garantidas as reclamações apresentadas pela primeira vez, ao segurado ou directamente à MAPFRE, durante o período de vigência deste contrato ou, relativamente a erros, actos ou omissões geradores de responsabilidade, desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, nos 24 (vinte e quatro) meses subsequentes ao seu termo.

c) Constando das condições particulares a cláusula CX102 que define como segurados os Técnicos Oficiais de Contas, pessoas singulares, inscritos na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, que exerçam efectivamente a profissão, considerando-se que exerce efectivamente a profissão, o técnico oficial de contas que, à data do erro, acto ou omissão gerador(a) de responsabilidade, se encontre Identificado como responsável pela contabilidade da(s) entidade(s) 8 que o sinistro respeita, nos termos do disposto no artigo 10.° do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.

d) Em regime de co-seguro, como segue:

1. Fica estabelecido que este contrato vigora em regime de co-seguro, entendendo-se como tal a assunção conjunta do risco por vários seguradores, denominados co-seguradores, de entre os quais um é o líder, sem solidariedade entre eles, através de um contrato de seguro único, com as mesmas garantias e idêntico período de duração e com um prémio global.

2. O presente contrato é titulado por uma apólice única, emitida pelo líder e assinada por todos os co-seguradores, na qual figurará a quota-parte do risco ou a parte percentual do capital assumido por cada um.

3. O líder fará a gestão do contrato, em seu próprio nome e em nome dos restantes co-seguradores, competindo-lhe exercer as seguintes funções em relação à globalidade do contrato:

a) Receber do tomador do seguro a declaração do risco a segurar, bem como as declarações posteriores de agravamento ou diminuição desse mesmo risco;

b) Fazer a análise do risco e estabelecer as condições do seguro e respectiva tarifação;

c) Emitir a apólice, sem prejuízo de esta dever ser assinada por todos os co-seguradores;

d) Proceder à cobrança dos prémios, emitindo os respectivos recibos;

e) Desenvolver, se for caso disso, as acções previstas nas disposições legais aplicáveis em caso de falta de pagamento de um prémio ou de uma fracção de prémio;

f) Receber as participações de sinistros e proceder à sua regularização;

g) Aceitar e propor a cessação do contrato.

4. Os sinistros decorrentes deste contrato podem ser liquidados através de qualquer das seguintes modalidades, a constar expressamente da respectiva apólice:

a) O líder procede, em seu próprio nome e em nome dos restantes co-seguradores, á liquidação global do sinistro;

b) Cada um dos co-seguradores procede â liquidação da parte do sinistro proporcional à quota-parte do risco que garantiu ou à parte percentual do capital que assumiu.

5. 0 líder é civilmente responsável perante os restantes co-seguradores pelos danos decorrentes do não cumprimento das funções que lhe sejam atribuídas, não podendo destes factos resultar prejuízo para o segurado.

d) No acordo entre a OCC e a Mapfre foi estabelecido que a taxa de gestão do co-seguro era de 10% e que o sistema de liquidação era feito de acordo com o ponto 4. alínea a) da cláusula de co-seguro.

38. Estando coberta no referido Contrato de Seguro a responsabilidade civil profissional decorrente do exercício da actividade de Contabilista Certificado, com um limite de €50.000,00 por segurado, por sinistro e anuidade (CX102 das Cláusulas Anexas das Condições Particulares).

39. Por carta datada de 07 de Setembro de 2018 e recebida em 10 de Setembro de 2018, a A. notificou o 1.º R. do teor do Relatório de Inspecção Tributária junto como doc. n.º 17 e solicitou-lhe que participasse o sinistro à OCC e accionasse o Seguro de Responsabilidade Profissional de que o 1.º R. beneficia enquanto Contabilista Certificado inscrito na OCC, de modo a agilizar o ressarcimento dos danos que causou à autora. (ponto 26.)

40. Por carta datada de 07 de Setembro de 2018 e recebida em 10 de Setembro de 2018, a autora participou à OCC os factos acima descritos e a conduta perpetrada pelo 1.º R., solicitando o accionamento do Seguro de Responsabilidade Profissional celebrado pela OCC. (ponto 27.)

41. Embora a Ordem dos Contabilistas Certificados e o 1º réu tivessem recepcionado as cartas da autora, mencionadas em 26. e 27. até à presente, esta não obteve qualquer resposta por parte daqueles. (ponto 28.)

42. As 1ª e 3ª rés tomaram conhecimento dos factos constantes dos pontos 1. A 25. na data da citação para a presente acção. (ponto 37.)

43. A autora contratou os serviços de consultadoria a prestar pelo economista DD.

As instâncias consideraram não provados os seguintes factos:

1. A autora, através dos seus sócios e gerentes, no que concerne às viaturas importadas de Estados Membros da Comunidade Europeia, solicitou, antes de iniciar as importações, que o 1.º réu os informasse qual era o regime de IVA aplicável. (ponto 6.)

2. Tendo o 1º réu informado a autora que o regime de IVA aplicável a essas importações era o da margem de lucro aplicável. (ponto 7.)

3. E foi de acordo com essa informação que os sócios e gerentes da autora arquitectaram o seu negócio, nomeadamente quanto ao valor pelo qual poderiam vender cada veículo importado no mercado nacional, e, bem assim, o valor pelo qual era competitivo adquirir veículos no mercado europeu, face aos custos com a importação e impostos a pagar. (ponto 8.)

4. Tendo todas as facturas emitidas pela A., respeitantes aos veículos importados de Estados Membros da Comunidade Europeia, sido enviadas ao 1.º réu., nas quais aquela não liquidara o IVA à taxa de 23%, e que, após analisá-las, sempre disse estarem correctas. (ponto 9.)

5. Incumbindo ao 1.º réu informar a autora sobre o regime de IVA aplicável à sua actividade comercial e, bem assim, os montantes devidos. (ponto 10.)

6. Tendo o 1.º réu sido informado pelas técnicas da ATA de que, na acção inspectiva, tinha sido detectado erro na aplicação do regime de IVA, que este admitiu aos sócios e gerentes da autora. (ponto 12.)

7. Se a autora tivesse conhecimento que o regime aplicável era o normal (23%), só teria adquirido viaturas no mercado europeu em que fosse aplicado o regime de IVA da margem de lucro. (ponto 15.)

8. Deixaria de ser rentável a compra e venda das mesmas, porquanto, face ao valor de venda no mercado português de viaturas usadas, as margens de comercialização seriam, adicionando os impostos a pagar (IA e IVA à taxa normal) ao valor de custo, nulas ou negativas, facto evidenciado no Relatório da ATA. (ponto 16.)

9. A autora viu o seu bom nome afectado pela instauração do inquérito crime. (ponto 22.)  

10. A imagem e a reputação comercial da A. ficaram fortemente abaladas no mercado pelo recurso ao PER. (ponto 29.)

11. Tendo as entidades bancárias votado contra a aprovação do plano homologado no âmbito do PER, nos próximos onze anos e dez meses não irão continuar a financiar a A. para o efeito referido em 30., o que originará constrangimentos e problemas de tesouraria. (ponto 31.)

12. Ao ser a autora e os seus gerentes visados em processo crime por fraude fiscal, aquela vê a sua imagem comercial no mercado afectada. (ponto 32.)


*

II - Fundamentação

1. Responsabilidade dos recorridos por danos patrimoniais

Na presente acção pretende a autora ser ressarcida pelo réu AA, ou pelas seguradoras, dos danos que diz ter sofrido em virtude de conduta incorrecta do réu no exercício da sua função de contabilista certificado que organizava a contabilidade da autora, nomeadamente elaborando as declarações de IVA e IRC.

O tribunal recorrido declarou nulo, por vício de forma o contrato de prestação de serviços celebrado entre a A. e este réu, estando este tribunal impedido de sindicar o acerto de tal decisão por a mesma não ser objecto de recurso.

Com fundamento em responsabilidade civil extracontratual e considerando que existiu por parte do réu conduta ilícita e culposa que foi causa adequada dos danos sofridos pela A. com o pagamento de juros compensatórios, veio o Tribunal recorrido a julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença de 1.ª instância que julgara a acção improcedente, e condenando a Ré Allianz, SA, a pagar à Autora indemnização no montante de € 3.515,56 (três mil, quinhentos e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), e a Ré Mapfre, SA, a pagar à Autora o montante de € 4.338,66 (quatro mil, trezentos e trinta e oito euros e sessenta e seis cêntimos), em ambos os casos acrescidos de juros moratórios à taxa legal fixada para os juros civis desde 19 de Outubro de 2022 até integral pagamento, absolvendo os réus AA, Allianz, SA, e Mapfre, SA, do demais pedido.

Entende a A. que o acórdão enferma de erro de julgamento na medida em que a matéria provada evidencia que a conduta ilícita e culposa do réu AA foi causa adequada dos danos que sofreu com o pagamento do IVA em falta, as custas da execução e os juros de mora.

Ainda que o acórdão recorrido possa não ser suficientemente claro quanto aos fundamentos da sua decisão, cremos que não enferma de qualquer erro de julgamento quando considerou que, em sede de responsabilidade civil extracontratual, única que está em causa neste recurso, por opção da autora, como já esclarecemos, estava provado nos autos apenas que a conduta ilícita e culposa do réu AA era causa adequada do dano sofrido pela A. com o pagamento de juros compensatórios devidos pelo atraso na arrecadação do IVA devido por esta referente aos anos de 2015 e 2016, nos termos apurados pela inspecção tributária em acção de fiscalização externa que conduziu à liquidação do IVA em falta nos montantes especificados no ponto 21 do probatório.

Como sabemos a Autoridade Tributária e Aduaneira apurou que a A. nos anos de 2015 e 2016 liquidara e pagara IVA a menos no valor total de 137 732,54€. O incorrecto apuramento do IVA a entregar nos cofres do estado resultou de erro do contabilista na elaboração das declarações periódicas de IVA.

O erro praticado pelo contabilista na elaboração das declarações de IVA é clamoroso. Seria completamente ilógico poder admitir que a empresa paga os serviços de um contabilista certificado para elaborar a sua contabilidade, para elaborar as suas declarações trimestrais de IVA, e, de IRC e este contabilista não saiba que o IVA não podia ser liquidado, nos casos apontados pela inspecção tributária, seguindo o Regime Especial de Tributação dos bens em segunda mão pelo sistema de tributação pela margem. As justificações apresentadas pela defesa de desconhecimento do contabilista das facturas, do modelo de negócios da empresa e do regime do IVA aplicado só não enfermarão de má fé pelo comum desconhecimento de grande parte do mundo jurídico do direito tributário, das regras de contabilidade e, particularmente do funcionamento do regime de IVA e as suas múltiplas variantes.

Não é possível proceder ao cálculo do IVA pelo sistema de tributação da margem sem se conhecer a factura de aquisição e a factura de venda de cada veículo. Trata-se de um regime especial de tributação em sede de IVA em que a taxa de IVA é aplicada à margem de lucro determinada esta pela diferença entre o valor de revenda do veículo e o seu valor de aquisição e que só é aplicável às transmissões de viaturas usadas, efectuadas por sujeitos passivos revendedores, quando estes tenham adquirido as viaturas no interior da Comunidade (em Portugal ou noutro Estado membro), numa das seguintes condições:

a) A uma pessoa que não seja sujeito passivo;

b) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha sido isenta ao abrigo do n.º 32 do artigo 9.º do CIVA ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efectuada a transmissão;

c) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha tido por objecto um bem de investimento e tenha sido isenta ao abrigo do artigo 53.º do CIVA ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efectuada a transmissão;

d) A outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão por este efectuada esteja abrangida por um regime de tributação da margem, nos termos do disposto no art.º 3.º do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 199/96  e criado pela Directiva n.º 94/5/CE (7ª Directiva) e integrado nos artigos 311.º a 343.º da Directiva 2006/112/CE.

Desde a entrada em vigor deste regime a Ordem dos Contabilistas Certificados tem vindo a divulgar, com acesso público na internet, diversos pareceres e estudos sobre este regime e as condições da sua aplicação.

Existe a informação vinculativa da Autoridade Tributária e Aduaneira nesta matéria, emitida ao abrigo do artigo 68.º da Lei Geral Tributária - Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão / RETBSM - Determinação do valor tributável nos termos do referido regime e o Imposto Sobre Veículos a ser ou não incluído no valor da compra -no caso de aquisição de bens efectuada em território comunitário -, proferida no processo 14 457, acessível no portal das Finanças in

 https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/despesa/civa/Documents/INFORMACAO_14457.pdf

 que explica pormenorizadamente o seu funcionamento espelhando o entendimento vinculativo da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que um contabilista certificado não pode desconhecer o regime e muito menos alegar que elaborava as declarações de IVA com desconhecimento do negócio efectuado pela A..

As declarações de IVA têm de ter sempre suporte documental e o contabilista tem de ler esse suporte para efectuar os cálculos do IVA a declarar – valor tributável, taxa de IVA, apuramento do imposto devido -. As facturas indicam quem vende, o respectivo domicílio fiscal, o valor da venda, o IVA liquidado. É impossível elaborar uma declaração de IVA, com respeito pela lei, sem conhecer as facturas e o respectivo conteúdo.

A circunstância da declaração de início de actividade inicialmente não prever a aquisição intracomunitária de veículos para revenda em Portugal, em caso algum podia permitir ao contabilista não analisar as facturas de aquisição e venda de cada veículo porque o IVA não é declarado” por grosso”, mas factura a factura. A declaração da actividade foi, posteriormente corrigida, mas ainda que não tivesse sido nunca era ela razão para elaborar erradamente uma declaração de IVA com a justificação de que o contabilista desconhecia onde comprava a A. os veículos.

Ficou provado - facto 15 –

A autora importou viaturas do estrangeiro e comercializou-as em Portugal enviando ao Réu a documentação referente a cada veículo, constituída pelas facturas de aquisição, pelas facturas de venda do veículo em Portugal, nas quais fazia constar ser o regime de tributação de IVA o regime especial de tributação da margem de lucro, que a transacção se reportava a bens em segunda mão e indicando o preço final da venda sem menção a IVA, e a documentação relativa a despesas.”. Como a factura de revenda não tinha menção do IVA era preciso calculá-lo para elaborar as declarações de imposto, a cargo do contabilista.

O réu só tinha que ler as facturas que a A. lhe entregava para perceber o respectivo conteúdo e delas retirar todos os elementos que um médio e normal contabilista precisa para aferir se pode ou não liquidar o IVA seguindo este regime especial, acima indicados e constantes da lei, e, depois o fazer constar da declaração trimestral. Mais, seria até exigível que verificasse se o regime especial de tributação da margem era de facto aquele que era mais vantajoso para a A., dado que este regime, por exemplo, não permite a dedução do IVA e, nessa medida, em concreto pode ser ou não vantajoso para uma concreta empresa, ou para essa empresa num concreto trimestre. Sendo verosímil que, tratando-se de liquidação de IVA à taxa normal, o contabilista se limite a ler o valor do IVA constante da factura de venda e o copie para a declaração, sem analisar em pormenor se foi bem contabilizado, o mesmo nunca pode ocorrer com o regime especial de tributação da margem em que é necessário calcular o valor tributário correspondente à margem que nunca está expressa em qualquer factura mas resulta da conjugação de duas facturas.

Há um mínimo de competência técnica exigível a um contabilista e este procedimento insere-se nesse mínimo de conhecimento de um contabilista.

Por outro lado, o contabilista agindo dentro de um contrato de prestação de serviços tendo deveres de diligência, zelo e competência para com o seu cliente e tem um dever de ter uma actuação lícita. Compete ao contabilista apenas aceitar a prestação de serviços para os quais tenham capacidade profissional bastante, de modo a poderem executá-lo de acordo com as normas legais e técnicas vigentes. Artigo 70.º da Lei n.º 139/2015, de 7 de Setembro.

Quando elaboram declarações fiscais os contabilistas certificados têm o dever de assegurar que as declarações fiscais que assinam estão de acordo com a lei e as normas técnicas em vigor - Artigo 73.º da Lei n.º 139/2015, de 7 de Setembro – mostrando-se grosseiramente violado este dever por um contabilista que desconhece as regras  legais a que em concreto estavam sujeitas, em sede de IVA, as aquisições intracomunitárias de veículos automóveis em 2.ª mão, para revenda, fazendo constar das declarações de IVA que elaborou imposto a menos a entregar ao estado, dispondo ele de todos os elementos para as elaborar correctamente.

Assim, não oferece qualquer dúvida perante a matéria provada nos autos a responsabilidade do contabilista ao elaborar e fazer entrega na Autoridade Tributária e Aduaneira das declarações de IVA usando um regime de tributação errado, quando lhe eram entregues pela empresa todos os elementos, facturas de aquisição dos veículos noutros Estados Membros, reconhecíveis até pela língua empregue na sua redacção, e, facturas da revenda dos mesmos em Portugal, necessários à respectiva elaboração, em conformidade com a lei.

  Nem a A. alega, nem consta dos autos qualquer elemento que permita concluir que a A. reclamou graciosamente ou impugnou judicialmente os actos de liquidação do IVA em falta, pelo que é razoavelmente de admitir, em consonância, aliás, com o texto de todos os articulados da A., que esta aceita que está mesmo em causa IVA liquidado a menos com base nas suas declarações de IVA trimestralmente elaboradas pelo réu contabilista, estando em causa um tributo sujeito a autoliquidação.

Não há qualquer referência, por exemplo a que esteja em causa qualquer dedução indevida de IVA ou qualquer perda da possibilidade de deduzir IVA com fundamento nos erros de liquidação constantes das declarações de IVA trimestralmente elaboradas pelo R. AA na qualidade de contabilista certificado da A..

Assim, trata-se de um imposto que a A. deveria ter pago em 2015 e 2016 e não pagou. O imposto devido não aumentou de montante porque as declarações de IVA estavam erradamente elaboradas pelo contabilista. O pagamento dos impostos devidos pela empresa não é da responsabilidade do contabilista. O pagamento do imposto é da responsabilidade da empresa, por maior que seja o erro que o contabilista haja cometido ao elaborar as declarações trimestrais de IVA. Devia ter sido apurado e pago trimestralmente e foi liquidado apenas após conclusão da acção inspectiva, esta ocorrida em Dezembro de 2017, desconhecendo-se nos autos a exacta data dos actos de liquidação que têm a sua origem nas conclusões da acção inspectiva, mas que lhe são necessariamente posteriores, dando causa à liquidação de juros compensatórios.

Se as declarações de IVA elaboradas pelo réu tivessem sido elaboradas correctamente do ponto de vista técnico e legal não haveria lugar à liquidação de juros compensatórios. Assim, este dano, que se encontra provado, é exclusivamente imputável à conduta incorrecta do réu contabilista.

Argumenta a A. que o seu prejuízo inclui também as custas da execução e os juros de mora que foram também liquidados.

Todavia, a este propósito nada se encontra provado.

Com efeito a A. alegou que, porque o montante foi exigido num só momento viu-se impossibilitada de proceder ao seu pagamento no prazo de pagamento voluntário pelo que foram instauradas execuções fiscais para a sua cobrança coerciva, geradoras de custos com custas judiciais e juros de mora.

Não há qualquer prova de que a A. não haja procedido ao pagamento do imposto liquidado dentro do prazo de pagamento voluntário apenas porque o montante total que deveria ter sido repartido durante os anos de 2015 e 2016 foi exigido num só momento. Uma empresa bem gerida, com viabilidade económica e robustez financeira se suportou em 2015 e 2016 custos inferiores aos que legalmente lhe eram exigíveis deveria registar nos seus proveitos um valor correspondente que lhe permitiria em 2017 pagar o imposto devido no prazo de pagamento voluntário. Mesmo admitindo que, por opção de gestão, investiu todos os seus proveitos, o certo é que nada alegou nem provou no sentido de que haja sido a elaboração errada das declarações de IVA que a impeliu para essa aventura.

Ainda que por opção de gestão, ou falta dela, tivesse gasto tal montante, face à notificação para pagar o imposto em falta dispunha ainda a A. da possibilidade de pedir o pagamento em prestações do montante liquidado, art.º 42.º da Lei Geral Tributária, com fundamento em não poder cumprir integralmente e de uma só vez a dívida tributária, o que poderia ter evitado a instauração da execução fiscal. Só veio a formular o pedido de pagamento em prestações do montante tributário ao que consta dos autos em 16 de Agosto de 2018, já na pendência do processo recuperação com vista à sua revitalização.

Realça-se ainda que o montante tributário foi dividido em 14 processos de execução fiscal, dois por cada trimestre do IVA em falta, instaurados em Fevereiro de 2018, para satisfação coerciva do IVA em falta e dos juros. Ora a A. não tendo possibilidade de pagar todo o montante liquidado provavelmente haveria de ter capacidade económica para pagar alguns desses 14 processos, diminuindo assim, ao cumprir o seu dever de pagar impostos o avolumar de custas dos processos de execução fiscal e de juros de mora. Nenhuma destas opções que poderiam ter, pelo menos, diminuído o valor da dívida fiscal têm qualquer ligação com a actuação errada do contabilista.

Pelas razões expostas impõe-se confirmar o acórdão recorrido no sentido de que apenas os juros compensatórios podem ser exigidos a título de indemnização pelos danos causados à empresa pelo seu contabilista ao elaborar erradamente as declarações de iva.

2. Responsabilidade dos recorridos por danos não patrimoniais

Na matéria provada não se insere qualquer facto que permita concluir que a instauração de processo-crime por fraude fiscal, na sequência da inspecção tributária, ou a instauração de processos de execução fiscal hajam provocado um dano na imagem e reputação pública da empresa A.. Bem pelo contrário, alguns factos que poderiam apontar nesse sentido foram considerados não provados pelas instâncias:

6. Se a autora tivesse conhecimento que o regime aplicável era o normal (23%), só teria adquirido viaturas no mercado europeu em que fosse aplicado o regime de IVA da margem de lucro. (ponto 15.)

7. Deixaria de ser rentável a compra e venda das mesmas, porquanto, face ao valor de venda no mercado português de viaturas usadas, as margens de comercialização seriam, adicionando os impostos a pagar (IA e IVA à taxa normal) ao valor de custo, nulas ou negativas, facto evidenciado no Relatório da ATA. (ponto 16.)

8. A autora viu o seu bom nome afectado pela instauração do inquérito crime. (ponto 22.)  

9. A imagem e a reputação comercial da A. ficaram fortemente abaladas no mercado pelo recurso ao PER. (ponto 29.)

10. Tendo as entidades bancárias votado contra a aprovação do plano homologado no âmbito do PER, nos próximos onze anos e dez meses não irão continuar a financiar a A. para o efeito referido em 30., o que originará constrangimentos e problemas de tesouraria. (ponto 31.)

11. Ao ser a autora e os seus gerentes visados em processo-crime por fraude fiscal, aquela vê a sua imagem comercial no mercado afectada. (ponto 32.)

Competia à A. fazer prova de que sofreu os apontados danos e que eles decorreram da actividade ilícita do contabilista, não o tendo conseguido fazer.


* * * * * *

III – Deliberação

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se acórdão recorrido.

Custas pelas partes na proporção do respectivo decaimento.


*

Lisboa, 6 de Julho de 2023

Ana Paula Lobo (relatora)

Afonso Henrique Cabral Ferreira

Isabel Manso Salgado