Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1491/22.4T8TVD.L1-A.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
REVISTA EXCECIONAL
INADMISSIBILIDADE
DECISÃO SINGULAR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
REQUISITOS
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
DEFERIMENTO
Data do Acordão: 10/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: DEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I. Para invocar a contradição jurispudencial como fundamento do recurso revisto na al. d) do nº 2 do art. 629º do CPC, não se mostra decisiva a indicação expressa deste preceito legal, desde que o recorrente alegue que o acórdão recorrido está em contradição com os que indicou e procure demonstrar essa contradição;

II. O recorrente deve indicar um único acórdão fundamento por cada questão jurídica em que se verificará a alegada contradição.

Decisão Texto Integral:
Reclamação 1491/22.4T8TVD.L1-A.S1

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*

AA intentou contra VESAUTO - AUTOMÓVEIS E REPARAÇÕES, S.A. açcão em que pediu que a Ré fosse condenada a pagar-lhe, a título de indemnização, o montante de € 48.000,00, acrescido de juros desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de prestação de serviços pelo qual se obrigou a realizar serviços de vigilância, com termo em 31 de Dezembro de 2022, no total de 22 meses. Não obstante, em 15 de Julho de 2021, a Ré informou-o de que apenas pretendia os seus serviços até 31 de Agosto de 2021, sofrendo, assim, o A., com a resolução do contrato, um prejuízo no montante de líquido de € 48.000,00, correspondente ao remanescente do preço estipulado no contrato.

A Ré contestou.

Após julgamento, foi proferida a sentença recorrida que concluiu assim:

"Nos termos e fundamentos expostos, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a R. VESAUTO - AUTOMÓVEIS E REPARAÇÕES, SA do pedido formulado pelo A. AA.

Custas a cargo do A..

Notifique e registe."

Não se conformou o Autor que da sentença interpôs recurso de apelação, o qual foi também julgado improcedente.

O acórdão da Relação conheceu de duas questões suscitadas pelo apelante: a da impugnação da decisão de facto; e a da saber de se ao Autor assistia o direito a ser indemnizado pela Ré devido à "revogação antecipada" e sem justa causa do contrato que celebraram e, na afirmativa, qual o valor da indemnização devida, sustentado o apelante que tinha direito a lucros cessantes correspondentes ao valor que tinha deixado de receber por força do contrato se este não tivesse sido revogado.

A impugnação de facto foi julgada apenas parcialmente procedente.

Assim, ao facto dado como provado de que “O acordo referido em 2. regulava-se pelas cláusulas constantes do "Caderno de Encargos Serviço de Vigilância - Rondas Grupo JAP 2021/2022", cujo teor não se apurou” a Relação eliminou a parte final, isto é, a parte onde se escreve "cujo teor não se apurou".

Em relação à segunda questão, verifica-se que a Relação confirmou a sentença.

Assim, entendendo que a quantificação da indemnização por lucros cessantes devia equivaler à diferença entre a situação patrimonial que existia se o contrato tivesse sido integralmente executado e aquela que resultou da diferença e que, por isso, a indemnização não se resumia às retribuições que o A. tinha deixado de auferir, a Relação ponderou que: “Ante os (escassos) factos alegados e provados, não podemos considerar que, por causa da cessação antecipada do contrato, se verificou uma situação danosa para o Autor, sofrendo um efetivo prejuízo, por não ter podido (ou muito provavelmente não vir a poder) auferir um nível rendimentos que atingisse o patamar expetável, isto é, o nível da remuneração que, em termos globais - descontando também as suas despesas - iria obter se o contrato tivesse vigorado pelo prazo previsto.”

Também a sentença tinha entendido que o lucro cessante não correspondia às retribuições que o A. tinha deixado de auferir mas antes aos rendimentos que tinha deixado de auferir calculados de acordo com a teoria da diferença (com dedução de despesas e de receitas obtidas a partir da revogação). E, por isso, concluiu também: ”não tendo sido alegados nem demonstrados prejuízos concretos deve a ré ser absolvida do pedido formulado pelo A. “

Não se conformou, de novo, o autor com o acórdão da Relação tendo dele interposto recurso de revista, sem menção de quaisquer disposições legais no que se refere ao fundamento do recurso.

Rematou o recurso com as seguintes conclusões:

“I. O Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa contraria o disposto nos artigos 406.º, 564.º e 798.º do Código Civil, bem como a posição da Doutrina e da Jurisprudência nele citadas, fazendo uma interpretação e aplicação contrária ao sentido dos acórdãos nele citados;

II. Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de que aqui se recorre, em suma, que a responsabilidade civil, seja contratual, seja extracontratual, não dispensa nunca o pressuposto da existência de dano, sem a qual não há obrigação de indemnizar, e que, no caso em apreço, não se pode considerar que, por causa da cessação antecipada do contrato, se verificou uma situação danosaparao aqui Recorrente, porque, segundo o entendimento desse Tribunal, o mesmo Recorrente não provou que o contrato que celebrou com a Recorrida fosse em regime de exclusividade, fundamentando a sua decisão, quanto à matéria de direito, nos seguintes acórdãos:

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-02-2015,proferido no âmbito do processo n.º 4747/07.2TVLSB.L1.S1;

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-11-2020, proferido no âmbito do processo n.º 10608/19.5T8PRT.P1;

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-07-2021, no âmbito do processo n.º 181113/10.6YIPRT.E1; e

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2010, proferido no âmbito do processo n.º 872/06.5TVPRT.P1;

III. A Jurisprudência citada não vai no mesmo sentido da conclusão tecida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Douto Acórdão de que qui se recorre, impondo-se decisão diferente;

IV. In casu, estamos perante um contrato de prestação de serviços, cuja definição se encontra no artigo 1154.º do Código Civil;

V. Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito do processo n.º 926/10.3TVPRT.C1, em 18-11-2014,disponível para consulta em www.dgsi.pt, o contrato por via do qual alguém se obrigaa prestar a outrem determinados serviços (no caso concreto deste acórdão, serviços de arquitectura), mediante retribuição, e do qual não resulta para o prestador dos serviços qualquer outro interesse que não seja o de receber a retribuição, é um contrato de prestação de serviços que, por força do disposto no artigos 1156.º e 1170.º do código Civil é livremente revogável por qualquer das partes, independentemente da existência de justa causa;

VI. Entenderam os Venerandos Desembargadores naquele acórdão, todavia, que, não obstante a sua livre revogabilidade, estando em causa um contrato oneroso que tem como objecto a prestação de determinados serviços, a sua revogação unilateral por parte do contraente a quem se destinam os serviços implica, em princípio, a obrigação de indemnizar a outra parte pelos prejuízos decorrentes da cessação antecipada do contrato;

VII. Segundo o referido acórdão, não haverá, porém, lugar a qualquer indemnização quando exista justa causa para a revogação do contrato e desde que essa justa causa se reconduza a qualquer facto ou circunstância que seja imputável à contraparte;

VIII. A justa causa, enquanto pressuposto da faculdade de revogar o contrato (como acontece na situação previstas artigo 1170.º,n.º2, do Código Civil), há-de corresponder a qualquer facto, situação ou circunstância que torne inexigível, de acordo com as regras da boa-fé, a manutenção da relação contratual e que poderá ser ou não imputável à contraparte;

IX. Todavia, enquanto factor de exclusão da obrigação de indemnizar a cargo da parte que revoga o contrato, apenas releva a justa causa que se reconduza a um comportamento ou actuação da contraparte, de forma a que possa afirmar-se que a revogação do contrato decorreu de uma determinada actuação da contraparte que, segundo as regras da boa-fé, tornava inexigível para a parte revogante a manutenção da relação contratual;

X. No caso em apreço nos presentes autos, o contrato foi revogado pela Ré sem justa causa;

XI. Daquiresultaque,incasu,apesar dalivrerevogabilidade do contrato pela Recorrida, a mesma teria sempre que indemnizar o Recorrente, uma vez que a revogação não assenta em motivo que constitua justa causa;

XII. Aqui chegados, conclui-se que o Recorrente tem direito a ser indemnizado pela Recorrida, pela revogação antecipada do contrato;

Vejamos então em que moldes:

XIII. Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 19-02-2019, no âmbito do processo n.º 13908/17.5T8LSB.L1-7, disponível para consulta em www.dgsi.pt,assiste ao prestador de serviços direito a uma indemnização pelos lucros cessantes, respeitantes ao período em que o contrato vigoraria não fosse a revogação unilateral (imprópria), consubstanciados na diferença entre o que o prestador teria recebido no período ainda previsto para a duração do contrato, deduzido do que tenha ganho por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado, designadamente das despesas que faria na execução do contrato até ao seu termo”;

XIV. Sucumbindo factualidade suficiente para calcular os lucros cessantes em tais termos, há que fixar a indemnização segundo a equidade (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil);

XV. De tal Acórdão não resulta que a obrigação de indemnizar pelos lucros cessantes esteja dependente da verificação de qualquer dano que não seja o próprio lucro cessante, que será o valor que o prestador teria recebido no período ainda previsto para a duração do contrato, que, no caso em apreço, são os €48.000,00 (quarenta e oito mil euros) reclamados, que resultam da diferença entre o que o Recorrente recebeu pela prestação dos serviços e aquilo que teria recebido no período ainda previsto para a duração completa do contrato;

XVI. Esse valor, que consubstancia o lucro cessante, resulta do próprio contrato e das condições negociadas e aceites pelas partes, e que não foram postas em crise nos presentes autos;

XVII. Estádevidamentealegada, fundamentada e demonstrada, nos autos, pelo Recorrente, a dimensão do dano, neste caso, do lucro cessante, baseada, precisamente, na teoria da diferença;

XVIII. O Recorrente deu cumprimento ao artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, mormente nos artigos 15.º, 44.º, 49.º e 55.º da Petição Inicial, alegando, demonstrando, justificando e comprovando a existência do seu direito a ser indemnizado, do prejuízo por si sofrido e da concreta dimensão do mesmo, indicando o valor do lucro cessante – o lucro que deixou de auferir, no valor de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros);

XIX.O Autor, aqui Recorrente, deu cumprimento ao ónus de alegar os pressupostos do seu direito à indemnização, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegando os factos que integram o prejuízo;

XX. Nesse sentido vide também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 14-07-2021, no âmbito do processo n.º 181113/10.6YIPRT.E1, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de19-11-2020, proferido no âmbito do processo n.º 10608/19.5T8PRT.P1, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt;

XXI. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2010, proferido no âmbito do processo n.º872/06.5TVPRT.P1, citado pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Douto Acórdão recorrendo, vai no mesmo sentido, e, com todo o devido respeito, não foi devidamente interpretado pelo Tribunal da Relação de Lisboa;

XXII. Naquele caso concreto, e contrariamente ao que sucedeu no caso dos presentes autos, a Autora não deu cumprimento ao ónus de alegar os pressupostos do seu direitoàindemnização, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, não alegando os factos que integram o prejuízo, limitando-se a pedir o pagamento de determinada quantia a título de indemnização por danos patrimoniais;

XXIII. O Tribunal da Relação de Lisboa, no caso em discussão nos presentes autos, partiu da interpretação (incorrecta, a nosso ver) daquele acórdão, para concluir que só existiria lucro cessante se o Recorrente tivesse provado que o contrato celebrado com a Recorrida era em regime de exclusividade e que ficou impedido de celebrar outros contratos com outras entidades;

XXIV. Daquele acórdão, e dos demais acórdãos citados pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão recorrido, não resulta tal interpretação, de dependência (ou não dependência) da verificação de lucro cessante de um regime de exclusividade na prestação contratual;

XXV. No mesmo sentido vai também a posição do Supremo Tribunal de Justiça, materializada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 05-02-2015, no âmbito do processo n.º 4747/07.2TVLSB.L1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que estabelece que a revogação unilateral de um contrato de prestação de serviços oneroso pela parte solicitante constitui-a na obrigação de indemnizar o prestador dos serviços pelos danos provocados, abarcando tanto os danos emergentes como os lucros cessantes(artigo1172.º,alíneac),exviartigo1156.ºdoCódigoCivil);

XXVI. Segundo o mesmo, a quantificação dos lucros cessantes em função das receitas projectadas para o período contratual em falta satisfaz os requisitos da probabilidade e da previsibilidade do dano a que se reportam os artigos 563.º e 564.º, n.º 2, do Código Civil;

XXVII. Também desse Acórdão não resulta que a obrigação de indemnizar pelos lucros cessantes esteja dependente da verificação de qualquer dano que não seja o próprio lucro cessante;

XXVIII. Contrariamente à posição assumida pelo Acórdão de que aqui se recorre, esse Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não afasta a obrigação de indemnizar os lucros cessantes nas situações em que o lesado ficou disponível para realizar outras actividades, por conta própria ou de outrem;

XXIX. Nenhum acórdão faz depender a obrigação de indemnizar pelos lucros cessantes da existência ou não existência de um regime de exclusividade na prestação da parte lesada, nem da existência de qualquer outro dano que não o próprio lucro cessante, contrariamente ao que entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa no Douto Acórdão de que aqui se recorre;

XXX. A obrigação de indemnizar compreende tanto o dano emergente(damnum emergens) como o lucro cessante (lucrum cessans);

XXXI. Constitui lucro cessante, para efeitos de indemnização fundada em responsabilidade contratual, a diminuição da facturação de uma empresa ou de um prestador de serviços, enquanto consequência adequada da cessação antecipada do contrato de prestação de serviços sem justa causa;

XXXII. Neste caso, a quantificação do acréscimo patrimonial frustrado corresponderá ao valor do que não foi facturado, como poderia ter sido não fosse a cessação antecipada do contrato de prestação de serviços, pela outra parte, sem justa causa, que, no caso concreto, ascende ao valor líquido de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros);

XXXIII. A indemnização pelos danos materiais na modalidade lucros cessantes corresponde à frustração da expectativa de um lucro, ou seja, a perda de um ganho esperado, que encontra tutela jurídica no artigo 564.º do Código Civil;

XXXIV. Essa é a posição da doutrina dominante – vide, entre outros, os comentários de Pires de Lima e Antunes Varela ao artigo 564.º do Código Civil, in Código Civil Anotado, Volume I, págs. 579 e 580;

XXXV. Se não fosse a resolução injustificada do contrato de prestação de serviços pela Ré aqui Recorrida, o Autor, aqui recorrente, teria, até ao final do contrato, um ganho de, pelo menos, mais €48.000,00 (quarenta e oito mil euros), ganho esse que se frustrou por causa alheia ao Autor e imputável, única e exclusivamente, à Ré;

XXXVI. O Recorrente, ao celebrar o contrato de prestação de serviços para o período de 22 (vinte e dois) meses, pela quantia mensal de €3.000,00 (três mil euros), tinha uma expectativa, que lhe foi criada pela Recorrida, de auferir um lucro total de €66.000,00 (sessenta e seis mil euros);

XXXVII. Ao fazer cessar o contrato de prestação de serviços antecipadamente, sem justa causa, a Recorrida deu origem a uma frustração dessa expectativa de lucro, sendo, por isso, responsável pelo pagamento, ao Recorrente, do valor que o mesmo perdeu com a antecipação do fim do contrato;

XXXVIII. Os contratos são para cumprir – pacta sunt servanda;

XXXIX. As partes têm, como regra, o direito de fixar livremente o conteúdo

dos contratos;

XL. A liberdade contratual é a faculdade de criar um pacto que, uma vez concluído, nega a cada uma das partes a possibilidade de se afastar unilateralmente dele - pacta sunt servanda;

XLI. Os contratos devem ser pontualmente cumpridos e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei – artigo 406.º do Código Civil;

XLII. O contrato de prestação de serviços em questão, ainda que pudesse ser revogado pela Recorrida, não o poderia ser sem que esta fosse responsabilizada peloslucroscessantes,queoRecorrentedeixoude auferir com a cessação antecipada e sem justa causa do contrato;

XLIII. O Douto Acórdão de que se recorre está em contradição, por fazer uma incorrecta apreciação e aplicação do seu sentido como Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-02-2015, proferido no âmbito do processo n.º 4747/07.2TVLSB.L1.S1, com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-11-2020, proferido no âmbito do processo n.º 10608/19.5T8PRT.P1, com o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-07-2021, no âmbito do processo n.º 181113/10.6YIPRT.E1, e com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2010, proferido no âmbito do processo n.º 872/06.5TVPRT.P1;

XLIV. Contraria também o disposto nos artigos 406.º, 564.º e 798.º do Código Civil, que impõe, no caso concreto,aobrigação de a Recorrida indemnizar o Recorrente pelos lucros cessantes;

XLV.A apreciação do presente recurso de revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e para que seja feita justiça;

XLVI. Deverão ser revogados a Douta Sentença e o Douto Acórdão recorrido e ser proferido Acórdão que condene a Recorrida no pagamento, ao Recorrente, de indemnização no montante líquido de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros), acrescida dos juros que se vencerem sobre essa quantia, entre a data da citação e o integral pagamento de todas as quantias em dívida, a calcular em sede de execução de sentença.

Nestes termos e nos melhores de Direito que VV. Exas. Mui Doutamente suprirão, deverá o presente RECURSO ser admitido e julgado totalmente procedente, devendo, em consequência, ser proferido ACÓRDÃO que revogue o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação e, por consequência, a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, e, assim, condene a Recorrida no pagamento, ao Recorrente, de indemnização no montante líquido de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros), a título de lucros cessantes, acrescida dos juros que se vencerem sobre essa quantia, entre a data da citação e o integral pagamento de todas as quantias em dívida, a calcular em sede de execução de sentença, pois só assim, Colendos Conselheiros, farão V. Exas. a COSTUMADA JUSTIÇA”.

Porém, com o fundamento de que o acórdão confirmou a sentença, sem fundamentação essencialmente diferente, de que não foi acionado pelo Autor-recorrente a via do recurso da revista excepcional nos termos previstos no art. 672º do CPC e de que não se está perante um caso em que o recurso seria sempre admissível, a Exma. Relatora da Relação rejeitou o recurso.

Desse despacho veio o Autor recorrente reclamar, com os seguintes fundamentos:

- não se verifica uma conformidade irrestrita e exacta do acórdão da Relação com a decisão da 1ª instância, não sendo as fundamentações totalmente coincidentes: a de facto, porque a Relação alterou o ponto 3 e a de direito porque as citações jurisprudenciais não são inteiramente coincidentes com as da sentença;

- o recorrente invocou nas suas conclusões I, II, XLIII, XLIV e XLV, como fundamento específico do recurso e da recorribilidade, a existência de um conflito jurisprudencial a resolver;

- no caso, o recurso é admissível nos termos do art. 629º, nº 2, al. d) do CPC, uma vez que o acórdão está em contradição com um acórdão do Supremo e três das Relações, que identifica e porque o acórdão da Relação só não admite recurso por motivo estranho à alçada do tribunal, como é o caso da dupla conformidade.

Porém, o relator proferiu decisão singular em que indeferiu a reclamação e confirmou o despacho reclamado que não admitiu o recurso de revista, com a seguinte fundamentação:

“ (…) Em primeiro lugar, o art. 671º, nº 3 do CPC não exige para que se verifique a dupla conformidade, que exista uma total coincidência entre o acórdão da Relação e a decisão da 1ª instância. A circunstância do teor da sentença da 1ª instância e do acórdão recorrido não coincidirem ponto por ponto na sua linha de argumentação não significa que haja qualquer fundamentação diferente, e muito menos fundamentação essencialmente diferente (cfr. Ac. STJ de 1.10.2019, proc. 620/14.6T8LSB.B.L1-A.S1. Basta que a Relação confirme a sentença sem fundamentação essencialmente diferente. E a fundamentação só e essencialmente diferente “quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância” (Ac. STJ de 9.7.2015, proc. 542/13.8T2AVR.C1.S1). Por outro lado, “a modificação, pelo Tribunal da Relação, da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, não serve de elemento aferidor da diversidade da fundamentação das duas decisões, sendo, totalmente, irrelevante para esse efeito” (Ac. STJ de 17.5.2018, proc. 3811/13.3TBPRD.P1.S1). Sendo a fundamentação das decisões das instâncias coincidente entre si, está, por isso, afastada a admissibilidade do recurso de revista por força da dupla conformidade de decisões, não relevando, para esse efeito, que a Relação tenha rectificado um ponto da factualidade provada quando tal rectificação nenhum reflexo teve na decisão de direito (art. 671º, n.º 3, do CPC) ( Ac. STJ de 8.3. 2018. proc. 484/14.0T8LRS.L1.S1).

Ora, revertendo ao caso sub judice, verifica-se que, como atrás se anotou, tanto a sentença como o acórdão rejeitaram a ideia de que os lucros cessantes equivalessem simplesmente às retribuições deixadas de auferir, convergindo no entendimento de que esses lucros resultavam da diferença entre o que o A. tinha deixado de auferir e o que tinha auferido na realidade, o que não tinha sido alegado.

Há, assim, inequivocamente, dupla conformidade.

Argumenta, ainda, o recorrente que invocou nas suas conclusões I, II, XLIII, XLIV e XLV das suas alegações, como fundamento específico do recurso e da recorribilidade, a existência de um conflito jurisprudencial a resolver.

Porém, e mau grado a referência à contradição do acórdão com outros acórdãos (conclusão XLIII), a verdade é que o recorrente não indicou como fundamento da recorribilidade a previsão da al. d) do nº 2 do art. 629º do CPC. E tanto assim foi que nem sequer juntou qualquer cópia do(s) pretenso(s) acórdão(s) fundamento. E é esse o entendimento da doutrina e da jurisprudência: “Nos casos que constituem excepções à recorribilidade das decisões (v.g. art. 629º, nº 2) (…) devem ser indicados os motivos especiais de admissibilidade. Quando esta dependa da alegação de contradição jurisprudencial, o recorrente deve demonstrar essa contradição mediante cópia ou certidão do acórdão (…)”. (Abrantes Geraldes e outros, CPC anotado, vol. I, 2018, pág. 764).

Aliás, ainda que se entenda que deve ser proferido despacho de aperfeiçoamento no sentido de convidar o recorrente a indicar o fundamento da recorribilidade (Abrantes Geraldes, Recursos…, 5ª edição, pág. 132) sempre subsistirá a falta de junção do acórdão fundamento que determina a imediata rejeição do recurso (art. 637º, nº 1 ,segunda parte, do CPC).

Fica, assim, prejudicada a apreciação da agora invocada contradição jurisprudencial para efeitos do art. 629º, nº 2, al. d) do CPC. (…) “

Notificado da decisão singular, o autor/recorrente veio reclamar para a conferência, com os fundamentos seguintes:

“1. Entende o Tribunal a quo, no Douto Despacho ora reclamado, proferido em 13 de Dezembro de 2023, que a revista interposta pelo aqui Recorrente não pode ser admitida, por se verificar a existência de “dupla conforme” e por, no seu entender, o Recorrente não ter invocado que o recurso é sempre recorrível, nos termos conjugados dos artigos 629.º, n.º 2, e 637.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

2. Ora, com todo o devido respeito, entende o Recorrente que não assiste razão ao Tribunal a quo.

3. Para se verificar uma situação de dupla conforme, terão de estar presentes três requisitos de aplicação: ausência de voto de vencido, uma conformidade essencial de fundamentação, e finalmente, uma conformidade decisória.

4. Ainda que, in casu, tenha havido ausência de voto de vencido, não há, no entender do Recorrente, uma conformidade essencial de fundamentação entre a Douta Sentença proferida na primeira instância e o Douto Acórdão recorrido, nem uma conformidade decisória.

5. Não se verifica uma conformidade irrestrita e exacta do Acórdão da Relação com a decisão de 1.ª instância.

6. A fundamentação de facto e de direito do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não é totalmente coincidente com fundamentação de facto e de direito vertida na Douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

7. Desde logo, quanto à matéria de facto, o Tribunal da Relação procedeu, no Douto Acórdão recorrido, à modificação da mesma, alterando o Ponto 3 da matéria dada como provada, por ter feito uma interpretação diferente da que foi feita pelo Tribunal de 1.ª Instância.

8. Também a fundamentação de direito não é inteiramente coincidente, designadamente no que se refere à Jurisprudência citada.

9. Assim, entende o Recorrente que não se verifica, no caso em apreço, uma situação de dupla conforme.

No entanto, e caso assim não se entenda, sempre se dirá o seguinte:

10. Tendo em conta que cada regra tem a sua excepção, também a regra da dupla conforme, contida no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, apresenta as suas excepções.

11. A dupla conforme apresenta hoje três excepções: a revista extraordinária (artigo 629.º, n.º 2, do CPC), a revista excepcional (artigo 672.º do CPC) e o direito transitório (artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).

12. A primeira e segunda excepções constituem dois subtipos do recurso de revista comum, a par da revista “normal”.

13. A revista “normal” ocorre quando não exista dupla conforme e a revista extraordinária e a revista excepcional ocorrem apesar de existir dupla conforme.

14. São estas as excepções mais relevantes, que aliás constam expressamente da norma do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, que se refere à dupla conforme, na primeira e última parte.

15. Esses subtipos do recurso de revista, designadamente a revista extraordinária, não implicam qualquer formalidade distinta das formalidades prescritas quanto ao recurso de revista em geral, nomeadamente no artigo 639.º do CPC.

16. A Revista apresentada pelo Autor-Apelante preenche os requisitos da revista extraordinária, sendo admissível, independentemente de se verificar, ou não, “dupla conforme”.

Vejamos:

17. A primeira excepção à dupla conforme é a revista extraordinária, conforme consta, aliás, da primeira parte do n.º 3 do artigo 671.º, relativo à regra da dupla conforme.

18. Nos termos deste n.º 3, “sem prejuízo dos casos em que a revista é sempre admissível, não é admitido recurso de revista de acórdão da Relação que confirme (…) a decisão proferida na 1.ª instância”.

19. Da conjugação destes dois segmentos da norma contida no n.º 3, retiramos que não é admitido recurso do acórdão da Relação que padeça de dupla conformidade, excepto se se tratar de caso em que a revista é sempre admissível.

20. Os casos em que a revista é sempre admissível são os que constam, efectivamente, das alíneas a), b), c) e d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC.

21. Nomeadamente, diz-nos este n.º 2 que, “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;

b) das decisões respeitantes ao valor da causa e dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre; c) das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça; [ou]

d) do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

22. Acrescente-se que a excepção da revista extraordinária não vinha prevista na versão anterior da norma da dupla conforme, o que suscitava alguma contradição na Doutrina, no sentido de perceber se a revista extraordinária contida nos n.os 2 e 3 do artigo 629.º do CPC, se sobrepunha ao pressuposto da dupla conforme.

23. Contudo, com a introdução da primeira parte do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, resolveu-se, assim, a questão, não existindo agora margem para dúvidas de que a revista extraordinária consiste numa das exceções legais à regra da dupla conforme

24. Ora, in casu, o Recorrente recorre de Acórdão da Relação que está em contradição com outros acórdãos, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, sem que tenha sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC.

25. O Recorrente, logo no início das suas alegações, refere que “o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa contraria o disposto nos artigos 406.º,564.º e 798.º do Código Civil, bem como a posição da Doutrina e da Jurisprudência nele citadas, fazendo uma interpretação e aplicação contrária ao sentido dos acórdãos nele citados”.

26. Alega, expressamente, que o Douto Acórdão recorrido, quanto à matéria de direito, está em contradição com os seguintes acórdãos:

-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-02-2015, proferido no âmbito do processo n.º 4747/07.2TVLSB.L1.S1;

-Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-11-2020, proferido no âmbito do processo n.º 10608/19.5T8PRT.P1;

-Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-07-2021, no âmbito do processo n.º 181113/10.6YIPRT.E1; e

-Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2010, proferido no âmbito do processo n.º 872/06.5TVPRT.P1.

27. Esses acórdãos foramproferidosno domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito,

28. Tanto, que o próprio Tribunal da Relação os cita no seu Acórdão, ainda que fazendo uma interpretação contrária ao teor dos mesmos.

29. O Acórdão recorrido está também em contradição com o disposto nos artigos 406.º,564.º e 798.º do Código Civil, conforme alegado no recurso.

30. Está, assim, preenchido o requisito da contradição entre o Acórdão recorrido e outros Acórdãos de Tribunais da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contradição essa que se encontra alegada no Recurso de Revista.

31. O Recorrente invocou e alegou, nas suas conclusões (pontos I, II, III, XLIII, XLIV e XLV, entre outros), como fundamento específico do seu recurso e da recorribilidade do acórdão, a existência de um conflito jurisprudencial a resolver, indicando os acórdãos com os quais o acórdão recorrido está em contradição, dando, assim, cumprimento ao disposto no artigo 637.º do CPC.

32. De resto, o presente recurso não se encontra excluído pela regra da alçada da Relação, tendo um valor superior à mesma, valor esse que é de conhecimento oficioso.

33. A presente causa tem um valor de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros).

34. Assim, o valor da causa é superior à alçada da Relação (€30.000,00) e a decisão impugnada é desfavorável ao Recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, na medida em que é desfavorável ao Recorrente na exacta medida do valor do prejuízo por si sofrido, que é o valor da causa.

35. A admissibilidade do recurso de revista extraordinária baseada na alínea d) do artigo 629.º, n.º 2, do CPC, para acórdão da Relação “do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal”, circunscreve-se (numa lógica de cumulação de requisitos) aos casos em que se pretende recorrer de acórdão proferido no âmbito de acção cujo valor excede a alçada da Relação, sem desrespeitar o valor mínimo de sucumbência (âmbito de recorribilidade delimitada pelo artigo 629.º, n.º 1, do CPC), e relativamente ao qual, de acordo com o objecto recursivo ou a sua natureza temática, esteja excluído, por regra, o recurso de revista por motivo de ordem legal impedimento ou restrição) alheio à conjugação do valor do processo com o valor da alçada da Relação (casos em que se integra a irrecorribilidade ditada pela dupla conformidade decisória, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, que salvaguarda, para sua superação, as situações de revista extraordinária do artigo 629.º, nº 2) - vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-03-2022 e 16-11-2023, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

36. Acresce que o Recorrente deu cumprimento aos formalismos consagrados nos artigos 637.º e 639.º do CPC, pelo que nada obsta à apreciação do recurso de revista.

37. Assim, a revista apresentada pelo Recorrente é tempestiva e admissível, pelo que deverá ser aceite e deferido o requerimento de interposição de recurso apresentado pelo Autor Recorrente em 2 de Novembro de 2023, apreciando-se e julgando-se o recurso de revista nos termos aí alegados e requeridos.

DA DOUTA DECISÃO SINGULAR

38. Conclui o Sr. Relator que “ainda que se entenda que deve ser proferido despacho de aperfeiçoamento no sentido de convidar o recorrente a indicar o fundamento da recorribilidade (Abrantes Geraldes, Recursos…, edição, pág. 132) sempre subsistirá a falta de junção do acórdão fundamento que determina a imediata rejeição do recurso(art. 637º, 1 ,segunda parte, do CPC)”.

39. Ora, o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 641/2020, de 16 de Novembro, julga inconstitucional a norma contida na segunda parte do n.º 2 do artigo 637.º do Código de Processo Civil, quando estabelece, nos recursos em que se invoque um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, que o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento, sem que antes seja convidado a suprir essa omissão, cfr. cópia que se junta.

40. Esse acórdão, consta, inclusivamente, das notas ao artigo 637.º do Código de Processo Civil disponível para consulta no site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.

41. Assim, a interpretação do Sr. Relator, com todo o devido respeito, é inconstitucional, pelo que, entendendo-se ser obrigatória a junção de cópia do acórdão fundamento, terá, nesse caso, que haver convite ao aperfeiçoamento da reclamação apresentada pelo aqui Recorrente, o que não se verificou.

42. Ademais, todos os acórdãos citados se encontram devidamente identificados, com indicação de que estão disponíveis online, no site www.dgsi.pt.

Termos em que deverá a reclamação ser recebida e julgada procedente e, em consequência, ser proferido despacho de admissão de recurso apresentado pelo Recorrente em 2 de Novembro de 2023, seguindo-se os ulteriores termos, até final.

Caso assim não se entenda, sempre deverá haver convite ao aperfeiçoamento da reclamação, no sentido de convidar o recorrente a indicar o fundamento da recorribilidade e a juntar cópia do acórdão fundamento.”

Dupla conformidade:

Com a mesma argumentação da reclamação, designadamente a que a decisão de facto foi alterada e a fundamentação de direito não é coincidente, o recorrente entende que não se verifica uma situação de dupla conforme e que o recurso de revista normal devia ter sido admitido.

Porém, e no que a este aspecto se refere, há que sufragar a decisão singular, pois, como aí se refere, a fundamentação da Relação só é essencialmente diferente da da 1ª instância “quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância” (Ac. STJ de 9.7.2015, proc. 542/13.8T2AVR.C1.S1).

Ora, como se sublinhou na decisão singular, tanto a sentença como o acórdão rejeitaram a ideia de que os lucros cessantes equivalessem simplesmente às retribuições deixadas de auferir, convergindo no entendimento de que esses lucros resultavam da diferença entre o que o A. tinha deixado de auferir e o que tinha auferido na realidade (o que não tinha sido alegado).

A Relação confirmou, assim, a decisão da 1ª instância, sem fundamentação essencialmente diferente e sem que a rectificação operada na decisão de facto tenha tido algum reflexo teve na decisão de direito (cfr. Ac. STJ de 8.3.2018. proc. 484/14.0T8LRS.L1.S1).

Convite ao aperfeiçoamento:

Na decisão referiu-se, a final, o seguinte”: (…) Aliás, ainda que se entenda que deve ser proferido despacho de aperfeiçoamento no sentido de convidar o recorrente a indicar o fundamento da recorribilidade (Abrantes Geraldes, Recursos…, 5ª edição, pág. 132) sempre subsistirá a falta de junção do acórdão fundamento que determina a imediata rejeição do recurso (art. 637º, nº 1, segunda parte, do CPC).”

Argumenta o reclamante que o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 641/2020, de 16 de Novembro, julgou inconstitucional a norma contida na segunda parte do nº 2 do art. 637º do CPC, quando estabelece que nos recursos em que se invoque um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, que o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento, sem que antes seja convidado a suprir essa omissão.

E na verdade, o Ac. do TC nº 641/2020, decidiu “ Julgar inconstitucional a norma contida na segunda parte do n.º 2 do artigo 637.º do Código de Processo Civil, quando estabelece, nos recursos em que se invoque um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, que o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento, sem que antes seja convidado a suprir essa omissão, por ofensa do artigo 20.º, números 1 e 4, da Constituição” (v. , no mesmo sentido, o Ac. do TC n.º 151/2020; e na jurisprudência deste Tribunal, o Ac. STJ de 7.6.2022, proc, 753/20.0T8VNF-I.G1-A.S1).

Porém, o fundamento principal da decisão singular reside no facto de o recorrente não ter indicado como fundamento da recorribilidade a previsão da al. d) do nº 2 do art. 629º do CPC.

Com efeito, aí se escreveu:

“Argumenta, ainda, o recorrente que invocou nas suas conclusões I, II, XLIII, XLIV e XLV das suas alegações, como fundamento específico do recurso e da recorribilidade, a existência de um conflito jurisprudencial a resolver.

Porém, e mau grado a referência à contradição do acórdão com outros acórdãos (conclusão XLIII), a verdade é que o recorrente não indicou como fundamento da recorribilidade a previsão da al. d) do nº 2 do art. 629º do CPC. E tanto assim foi que nem sequer juntou qualquer cópia do(s) pretenso(s) acórdão(s) fundamento. E é esse o entendimento da doutrina e da jurisprudência: “Nos casos que constituem excepções à recorribilidade das decisões (v.g. art. 629º, nº 2 ) (…) devem ser indicados os motivos especiais de admissibilidade. Quando esta dependa da alegação de contradição jurisprudencial, o recorrente deve demonstrar essa contradição mediante cópia ou certidão do acórdão (…)”. (Abrantes Geraldes e outros, CPC anotado, vol. I, 2018, pág. 764).”

Insiste o reclamante que tal previsão se encontra preenchida, uma vez que invocou e alegou nas suas conclusões do recurso (pontos I, II, III, XLIII, XLIV e XLV, entre outros), como fundamento específico do seu recurso e da recorribilidade do acórdão, a existência de um conflito jurisprudencial a resolver, indicando os acórdãos com os quais o acórdão recorrido está em contradição, dando, assim, cumprimento ao disposto no art. 637º do CPC.

É verdade que o recorrente não indicou expressamente como fundamento da recorribilidade a previsão da al. d) do nº 2 do art. 629º do CPC.

Porém, como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, em Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, volume II, a pág. 44, “a indicação do fundamento específico da recorribilidade não está sujeita a qualquer regras, para além da sua inserção nas conclusões”.

Afigura-se-nos, assim, que, para invocar a contradição jurisprudencial, se não mostra decisiva a indicação do preceito legal do art. 629º, nº 2, al. d) do CPC.

Por outro lado, verifica-se que, na conclusão XLIII do seu recurso de revista, o recorrente alegou, expressamente, que o acórdão recorrido está em “contradição” com os acórdãos que aí indicou, sendo que nas conclusões XIII, XIV, XV, XX, XXI, XXII, XXIII, XXIV, XXV, XXVI XXVII, XXVIII e XXIX se esforçou por demonstrar as divergências entre o acórdão recorrido e os acórdãos referidos (que serviram, curiosamente, de apoio à decisão recorrida).

Cremos, por isso, que não se revela, desde já, como “ostensiva”, a falta do pressuposto especifico de recorribilidade (Notas cit., pág. 45), de modo a justificar a decisão imediata de admitir ou rejeitar o recurso, pelo que só se deverá formular juízo definitivo sobre a alegada contradição, após convite à junção do(s) acórdão que o recorrente eleger como acórdão(s) fundamento, assim se sufragando a posição atrás referida do Ac. do TC nº 641/2020, secundada pelo Ac. STJ de 7.6.2022, com o esclarecimento de que deve ser permitida apenas a enunciação e a apresentação de um único acórdão para demonstrar, em relação a cada questão, a referida divergência, assim se seguindo, neste aspecto, a orientação do Ac. STJ de 30.04.2019, no proc. nº 2822/18.7T8VNF.G1.S1, sumariada deste modo: “Apesar de inexistir uma disposição legal específica regulando a situação em que é apresentado mais do que um acórdão fundamento, é razoável, num primeiro momento, convidar o recorrente a escolher o acórdão em relação ao qual pretende que seja apurada a existência da oposição – uma espécie de “despacho de aperfeiçoamento” – aplicando-se por analogia, designadamente para efeitos de prazo, o disposto no artigo 639.º, n.º 3, do CPC e ainda do artigo 652.º, n.º 1, al. a), ex vi do artigo 679.º do CPC”.

Pelo exposto, acorda-se em deferir a reclamação e substituir a decisão singular pelo convite ao recorrente para apresentar, no prazo de 10 dias, um único acórdão fundamento transitado em julgado (mediante cópia ou certidão) por cada questão jurídica, devendo explicitar onde se situa a contradição essencial entre os dois acórdãos (o recorrido e o fundamento).

Sem custas.


*

Lisboa, 15 de Outubro de 2024

António Magalhães (Relator)

Maria João Vaz Tomé

Manuel Aguiar Pereira