Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8605/13.3TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO DA SILVA GONÇALVES
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
ADOPÇÃO
ADOÇÃO
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ABANDONO DE MENOR
FILIAÇÃO BIOLÓGICA
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
PODERES DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSOS ESPECIAIS / PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA / RECURSOS.
DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA / ADOPÇÃO ( ADOÇÃO ).
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Processos Especiais, II volume, 400.
- Antunes Varela, Manual, 71.
- Maria Clara Sottomayor, Regulação do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 32.
- Mónica Jardim, Breve análise da nova lei da adopção (Lei n.º 31/2003 de 22 de Agosto).
- Parecer da Procuradoria-Geral da República, de 16.01.1992, no B.M.J., 418, 285.
- Sara Caçador, Abordagem teórico-prática da intervenção do tribunal na aplicação da medida de confiança judicial com vista a futura adopção, 40.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1978.º, N.º1, AL. C).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC):- ARTIGOS 1409.º, N.º1, 1410.º, 1411.º, N.º2,
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC):- ARTIGOS 988.º, N.º2.
LEI DE PROMOÇÃO DE CRIANÇAS DE JOVENS EM PERIGO (LPCJP): - ARTIGOS 35.º, N.º 1, AL. F), 38.º-A, 49.º, 50.º, 100.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA: - ARTIGO 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

-DE 20/01/2010, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 21/10/2010, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Através da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção procura-se encaminhar a criança para uma desejável adoção - a futura adoção é o essencial fim desta medida - sem que os passos a dar neste sentido possam ser estorvados pela inoportuna e inconsistente rejeição da anuência dos pais.

II - Se é certo que a “futura adoção” preconizada para a criança tem de assentar no preclaro abandono dos progenitores, ou seja, no rompimento dos laços de filiação biológica por parte dos pais – como se induz da al. c) do n.º 1 do art. 1878.º do CC – também é verdade que só quando tivermos a certeza de que esta relação parental se esvaziou de forma absoluta é que se poderá encetar o caminho destinado à procura de saber se a adoção é a melhor medida para a criança, assim desmerecida pelos seus pais.

III - A opção, preferente e concretamente tomada pela Relação, no sentido de que estão verificados os pressupostos de aplicação aos menores da medida de acolhimento prolongado em instituição, porque se integra numa realidade de conveniência, tomada segundo critérios de oportunidade, está de fora da apreciação deste Supremo Tribunal, nos termos do disposto no art. 1411.º, n.º 2, do CPC.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,



Instaurados processos de promoção e protecção a favor dos menores AA e BB, nascidos, respectivamente, nos dias 22.3.03 e 10.9.08 - nos quais houve lugar a instrução e que foram, entretanto, apensados - realizou-se debate judicial e foi proferido acórdão que aplicou àqueles a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.


Inconformada, desta resolução recorreu a mãe dos menores para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 1 de Março de 2016 (cfr. fls. 636 a 691), julgou a apelação parcialmente procedente e, em consequência:

A) Alterou a decisão sobre a matéria de facto nos termos referidos em I-F;

B) Revogou o acórdão recorrido, que aplicou aos menores a medida de acolhimento em instituição com vista a futura adopção;

C) Aplicou aos menores AA e BB a medida de acolhimento institucional prolongado;

D) Fixou a duração da medida em 1 ano, prorrogável até à maioridade de cada um dos menores e a rever semestralmente se noutros momentos se não justificar.


 Desagradado com o decidido, recorre agora para este Supremo Tribunal o Ministério Público, que alegou e concluiu pelo modo seguinte:

1 - Em causa está a aplicação de normas jurídicas, mais concretamente, o art.º 1978.º do Código Civil, na sua redacção actual, (Lei n.º 143/2015 de 8/9, em vigor desde 1/10/2015) e os art.ºs 4.°, 34°, 35° n.º 1 al. g) - 38-A, todos da Lei de Promoção de Crianças de Jovens em Perigo, na sua redacção actual (Lei n.º 142/2015 de 8/9, em vigor desde 1/10/2015 );

2 - A questão que se coloca à apreciação desse Alto Tribunal é a de saber se uma vez preenchidas alguma das alíneas do n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil, "maxime" as alíneas d) ou e), e uma vez comprovado que, por força da verificação de alguma das situações nelas previstas, não existem ou se encontram seriamente comprometidos os laços afectivos próprios da filiação, pode o tribunal apelar a outros elementos para indeferir a aplicação da medida da al. g) do art.º 35.º da LPCJP;

3 - Assim, independentemente de estarmos perante um processo de jurisdição voluntária, a questão que suscita a presente Revista é uma questão de direito, que impõe a apreciação desse Ilustre Tribunal para que haja uma melhor aplicação do direito, sendo admissível o respectivo recurso à luz do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 672.º do Código do Processo Civil;

4 - E porque se trata de matéria relativa ao estado das pessoas - definição da sua situação de adoptabilidade, - deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, atento o disposto no art.º 676.° n.º 1 do Código do Processo Civil;

5 - Numa matéria tão relevante para a vida das crianças, como é a da definição da sua situação de adoptabilidade, o legislador entendeu definir-lhe um quadro normativo dentro do qual o julgador haverá forçosamente de mover-se para poder proferir as suas decisões;

6 - Assim, quando é proposta a aplicação da medida de confiança com vista à adopção cumpre, num primeiro momento, verificar se os factos provados se integram em alguma das alíneas do n° 1 do art.º 1978.º do Código Civil e, num segundo momento, se desses factos se pode concluir que não existem ou se encontram seriamente comprometidos os «vínculos afectivos próprios da filiação», a que alude o n.º 1 artigo 1978.º do Código Civil;

7 - Os «vínculos afectivos próprios da filiação», a que alude o n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil, são o resultado de um processo que se prolonga no tempo, sujeito, inclusive, a retrocessos e que, por isso, exige, para se formarem e manterem, que os pais se dediquem aos filhos de forma permanente, verificando e satisfazendo as suas necessidades físicas e emocionais, corrigindo-lhes as suas acções desadequadas e mostrando-lhes, por palavras e acções, o afecto que sentem por eles e fazendo-lhes sentir que eles têm valor para os pais e que aquela relação tem existido assim, existe e existirá para sempre;

8 - Ora, o Acórdão recorrido aceita:

- que as crianças, AA e BB, se encontravam em situação de grave perigo, à luz do disposto nas alíneas a), c) e f) do n.º 2 do art.º 3.º da LPCJP;

- que os factos provados integram as alíneas c), d) e e), do n. ° 1 do art.º 1978.º do Código Civil;

9 - E, da matéria de facto provada, o Acórdão recorrido extrai a seguinte conclusão:

- "AA foi vítima de abusos sexuais por parte do pai de BB, possibilitados, em parte, pelo desejo da criança em agradar ou se se sentir "amada" e, noutra parte pela completa omissão da mãe em a proteger";

- "Julgamos impensável o regresso das crianças ao seio da família" (sublinhado é nosso).

- "...não cremos que se tenha demonstrado a predisposição e empenho da mãe e do pai do BB para alterar radicalmente - era isso que se mostraria necessário - os seus comportamentos" ;

 - "Em primeiro lugar, mesmo ao nível de acções concretas...verifica-se que aquelas que foram adoptadas se deveram, principalmente, ao receio de que o BB fosse institucionalizado";

 - "Em segundo lugar, a mãe e o pai do BB não reconhecem qualquer falha no seu papel de pais ou qualquer problema com as crianças, o que, naturalmente, impede a consciencialização e interiorização da necessidade de mudanças...";

 - "Em terceiro lugar, a maior parte das tentativas dos técnicos, de diversas entidades e ao longo de mais de 4 anos, em intervir junto deste agregado estiveram votadas ao quase total insucesso, por oposição ou falta de adesão da mãe e do pai do BB".

10 - Os factos provados, e assim destacados pelo tribunal recorrido, mostram-nos uma situação real que não permite fazer um prognóstico positivo no sentido de entre estes pais e estes filhos se virem a estabelecer, no futuro, os vínculos afectivos próprios da filiação;

11 - Todavia, apesar de ter efectuado a demonstração de que estão quebrados os "laços afectivos próprios da filiação" o tribunal recorrido apelou a outros elementos a que chama de "afectos" para determinar que a sua existência impede o encaminhamento destas crianças para adopção e determinar aplicar-lhes o que chama de medida de "acolhimento institucional prolongado" (hoje, medida de acolhimento residencial) prevista pelo art." 35.º n.º 1 al. f) e 49.º e segs. da LPCJP;

12 - Estamos perante uma efectiva contradição entre os fundamentos do Acórdão recorrido e a própria decisão, que gera a nulidade desta - art.º 615.º. n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil;

13 - Mas, ao socorrer-se de outros elementos para além dos que resultam do quadro normativo traçado no art. ° 1978.º do Código Civil, o Tribunal recorrido comete uma violação da lei;

14 - O que se pretende, ao aplicar uma medida de promoção e protecção, é retirar as crianças da situação de perigo em que se encontravam, atento o disposto no art.º 34.º da LPCJP;

15 - Todavia, nesta situação concreta, forçar as crianças a permanecer na instituição, como o tribunal recorrido pretende, colocará em perigo a sua saúde psíquica e o seu desenvolvimento, quando colocadas, uma vez mais, perante a falta de afectividade dos pais;

16 - Aplicar, neste caso, uma medida de acolhimento residencial a estas crianças, significa, sem margem para dúvidas, fazer prevalecer os interesses dos pais biológicos, designadamente da mãe das crianças, em claro detrimento dos interesses das próprias crianças, relegando os princípios consagrados no art.º 4.º e os respectivos direitos que lhes estão ínsitos e violando o disposto nos art. ° 34.º, 35.º n.º 1 al. g) e 38.º-A, todos da LPCJP e art.º 1978.º do Código Civil;

17 - No caso em apreço só a medida de confiança a instituição com vista à adopção, prevista na al. g) do art.º 35.º e no art.º 38.º-A, da LPCJP, se mostra adequada a suprir a ausência de uma relação familiar e proporcionar, em tempo útil, a relação de que as crianças necessitam para o seu desenvolvimento harmonioso e equilibrado.

Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido e seja julgada a acção procedente, fazendo prevalecer a sentença da primeira instância que decretou a favor destas crianças, a medida de confiança a instituição com vista à adopção prevista na al. g) do art.º 35.º da LPCJP.


Contra-alegou a recorrida a recorrida CC (mãe dos menores) pedindo a manutenção do julgado.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

    

As instâncias consideraram provados os factos seguintes:

1. AA nasceu em 22-03-2003 e é filha de DD e de CC - assento de nascimento de fls. 3 dos autos de regulação do poder paternal que fazem apenso A.

2. BB nasceu em 10-09-2008 e é filho de EE e de CC.

3. CC, mãe dos menores AA e BB, perdeu a sua mãe quando tinha 7 meses de idade, tendo a morte da mãe ocorrido na sequência de um pontapé que lhe foi desferido pelo pai de Maria Celeste, que era alcoólico.

4. CC foi então viver com os avós maternos, com quem se manteve durante cerca de 1 ano e meio.

5. Após este período, passou a viver com os avós paternos com quem esteve até cerca dos 9 anos de idade.

6. O pai de CC voltou a casar e CC foi entregue aos seus cuidados.

7. Porque a sua madrasta não tinha um bom relacionamento consigo, CC veio a ser entregue na Casa do Gaiato onde ficou acolhida.

8. Com cerca de 12 anos, uma senhora, de nome FF, veio buscá-la à Casa do Gaiato e levou-a consigo para que tomasse conta do seu filho mais novo.

9. A referida senhora era casada com GG, Comandante da ..., e residiam na Rua …, n.º …, 1.º andar, em Linda-a-Velha.

10. Com cerca de 10 anos de idade, CC completou a 4.ª classe e, já quando se encontrava aos cuidados do referido casal, veio a concluir o 7° ano, para o que contou com o incentivo e o apoio de FF, que era Professora Universitária.

11. Por volta do ano de 2001, CC iniciou um relacionamento com DD, que então trabalhava como empregado da construção civil.

12. No decurso desse relacionamento, CC, à data com cerca de 38 anos, engravidou, vindo a dar à luz, em 22-03-2003, a menor AA.

13. Tratou-se de uma gravidez considerada de risco, motivada não só pela idade da mãe mas também por crises de hipertensão que a afectavam.

14. DD e CC viveram durante cerca de 2 anos numa casa abarracada e, após o nascimento da menor AA, mais concretamente em Outubro de 2003, foram realojados em habitação da Câmara Municipal de Oeiras, sita na Rua Quinta … n° …, 1° Esq., Outurela - 2795, Carnaxide.

15. Em Janeiro de 2006, DD e CC dirigiram-se ao gabinete de atendimento da Câmara Municipal de Oeiras e comunicaram o mau ambiente em que se encontravam a viver, tendo referido que se deparavam com graves conflitos conjugais.

16. CC referiu que DD era extremamente agressivo, tanto física como verbalmente, situação que era agravada pelo facto de frequentemente consumir álcool em excesso.

17. De facto, perante entidades como o gabinete de atendimento da Câmara Municipal Oeiras (CMO), o serviço local do Instituto da Segurança Social (ISS) e, mais tarde, o Instituto Condessa de Cuba, ocasiões houve em que DD ali compareceu alcoolizado, sendo também assim referenciado por vizinhos.

18. Em relatório do ISS datado de 25-05-2009, elaborado no âmbito da Regulação do Poder Paternal que faz apenso A do complexo processual n.º 8605/13.3TBCSC, consta o seguinte:

"Da informação recolhida junto do Técnico que o acompanhou na área do Rendimento Social de Inserção resulta que DD é portador de alcoolismo, não faz qualquer tratamento clínico, encontra-se desempregado e sem grande motivação para o trabalho, vive na "dependência" de uma moradora do Bairro por não ter água, luz e gás, encontra-se socialmente isolado e em situação de vulnerabilidade"- fls. 119 e ss do apenso A.

19. Já tinha corrido termos a favor da menor AA, no extinto 1 ° Juízo do Tribunal de Família e Menores de Cascais, Processo de Promoção e Protecção, que actualmente faz o apenso B do complexo processual n° 8605/13.3TBCSC, no âmbito do qual se denunciou a situação da menor, quer por ter sido vítima de tentativa de abuso sexual por parte do progenitor, quer por se encontrar exposta a situação de conflito entre progenitores devido ao alcoolismo do progenitor.

20. Na sequência dos conflitos conjugais referidos e da queixa efectuada junto da Polícia Municipal da CMO, a equipa de gestão recebeu em atendimento os progenitores, em separado, e procedeu a uma visita domiciliária com a presença de ambos, estando essa visita descrita no relatório de fls. 80 a 82 do apenso B, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

21. Dos atendimentos efectuados, constataram que, segundo declarações de CC, o seu companheiro era extremamente agressivo, tanto física como verbalmente, situação que era agravada porque na maioria das vezes se encontrava alcoolizado.

22. CC referiu ainda que o progenitor tentou manipular os órgãos genitais da filha, AA, na sequência de CC se ter negado a ter relações sexuais com ele: teria efectuado uma tentativa de violação na sua pessoa e como ela lhe terá conseguido resistir, "virou-se para a menina" (nas palavras da própria).

23. CC foi então encaminhada para a APAV de S. Pedro do Estoril, para a CPCJ de Oeiras e para a Segurança Social.

24. O progenitor, DD, também foi atendido e os técnicos puderam confirmar que o mesmo se encontrava alcoolizado.

25. DD referiu aos técnicos que durante a sua ausência em Espanha, CC tinha iniciado um relacionamento com um outro companheiro com o qual passou a viver na residência dele.

26. Disse também que só agrediu a companheira para se defender, dado que vinha sendo agredido tanto por ela como pelo seu novo companheiro e que já tinha expulsado, por 2 vezes, o novo companheiro de CC, sendo que, numa dessas ocasiões, tinha sido agredido pelos dois, o que levou à intervenção da Polícia, chegando a ser levado para o Hospital S. Francisco Xavier devido às agressões.

27. O progenitor acrescentou ainda que mãe e filha passavam grande parte do dia e da noite fora de casa, chegando por vezes de madrugada, sem saber por onde andavam, e que AA passava os dias num carrinho de bebé.

28. Na visita domiciliária efectuada, observou-se que os 2 quartos existentes estavam ambos a ser ocupados pelos dois elementos do casal, dados os conflitos relacionais existentes.

29. A progenitora fazia a sua vida praticamente no quarto: desenvolvia as suas actividades domésticas apenas no mesmo espaço onde dormia, não utilizando as restantes divisões da casa.

30. O quarto encontrava-se completamente atolado de coisas, inclusive de comida, enquanto que as restantes partes da casa se encontravam relativamente organizadas e limpas.

31. De facto, o quarto ocupado por CC e pela menor AA, em relação ao resto da casa, encontrava-se muito mais sujo e desarrumado, dele emanando mau cheiro.

32. Concluiu-se que a relação conflitual entre o casal estaria, não só a privar a filha de usufruir do seu quarto de dormir, como também colidia com todas as questões funcionais, directamente relacionadas com uma boa gestão da casa.

33. Em relação à situação sócio-profissional e económica do agregado, apurou-se que o progenitor tinha estado, recentemente, a trabalhar em Espanha, mas que àquela data se encontrava desempregado, conforme relatório de fls. 84 a 88 do apenso B, que aqui se dá por reproduzido.

34. Segundo CC - embora tenha mencionado que desde há muito tempo que se encontrava desempregada exercia, pontualmente, a actividade de empregada doméstica, facto que lhe ia conferindo alguma autonomia na gestão doméstica diária, mas que se tornava insuficiente face às necessidades apresentadas pela família.

35. Relativamente à menor AA (então com cerca de 2 anos e 9 meses), apurou-se que esta não se encontrava integrada em equipamento próprio tendo muito pouco contacto com crianças da sua faixa etária.

36. A actividade lúdica da menor era desenvolvida de forma isolada, sem comportamentos relevantes, manifestando preferência por bolas e carros.

37. Apurou-se, ainda, que a menor andava com a mãe para todo o lado, a todas as horas: acompanhava a figura materna nas lides do seu quotidiano, nomeadamente em horas que colidiam com as rotinas desejáveis para uma criança daquela faixa etária, facto que era confirmado através de relatos de vizinhos que invariavelmente vinham observando mãe e criança juntas, circulando de noite pelas ruas do bairro e circundantes ao mesmo.

38. Em observação com a criança, apurou-se ainda que esta apresentava um grande atraso ao nível da linguagem, sendo pouco perceptível o seu discurso. Era uma criança com um fácies triste, tendo-se sentado ao colo das Técnicas, abraçando-as e querendo ir embora com elas, conforme relatório de fls. 66 a 70, do apenso B, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

39. Ao nível da parentalidade, registou-se perturbação da função de vinculação e socialização, facto que teve reflexos nas tendências regressivas apresentadas pela criança tais como a utilização de chucha e uso de fralda.

40. Segundo os ex-patrões de CC, AA era uma criança com um desenvolvimento normal para a sua idade. No entanto, há cerca de dois meses que vinham observando que AA vinha regredindo no seu comportamento - nomeadamente ao nível da fala e controle dos esfíncteres.

41. O pai da menor apresentava um problema de alcoolismo, que invadia as várias dimensões de vida diária, rituais familiares e capacidade de resolução de problemas.

42. Esta situação promovia também comportamentos agressivos e de forte 'violência dirigidos à companheira, constituindo igualmente fonte de forte perturbação emocional e afectiva para a criança.

43. A par dos bloqueios comunicacionais entre o casal, as relações desta dinâmica familiar eram ainda agravadas pela nova situação conjugal apresentada por Maria Celeste, que tinha um novo companheiro.

44. Por sua vez, na análise da qualidade da interacção mãe-criança, registou-se:

 - uma actividade lúdica caracterizada por alguma rigidez e falta de espontaneidade, com alguma tensão na entoação e verbalização;

 - a expressão facial da figura materna era neutra, sem mudança ou adaptação face ao brincar da criança, observando-se evitamento do contacto ocular por parte da criança;

 - o posicionamento físico de ambas facilitou o envolvimento com os brinquedos e a interacção, mas não se registaram ocorrências de contingências recíprocas positivas e emoções afectivas;

 - observou-se ausência de envolvimento activo por parte da figura materna no jogo, com falta de estimulação, registando-se jogo paralelo entre mãe e filha (cada uma brinca sozinha);

 - paralelamente verificou-se uma actividade lúdica controlada pelo adulto, que escolhe o jogo e a duração da actividade, apesar dos sinais da criança relativamente às suas preferências serem outros, não revelando um claro prazer e não convidando o adulto a continuar.

45. Estes factos indiciavam alguma dificuldade na interacção mãe-criança, que a par com as vivências conjugais de conflito e as disfuncionalidades decorrentes do alcoolismo apresentadas pela figura paterna, comprometiam o desenvolvimento sócio-afectivo de Luísa

46. Assim, os técnicos concluíram que a menor se encontrava extremamente vulnerável neste ambiente familiar: Os pais encontravam-se eles próprios no meio de um conflito grave e, aparentemente, nenhum tinha competência para tomar conta da menor, enquanto a menor assistia a todos os episódios de violência sem qualquer protecção.

47. Como principais necessidades referidas pela própria progenitora identificaram:

 - a integração da menor na rede escolar;

 - a integração da progenitora no mercado de trabalho;

 - a atribuição de um fogo municipal, para si e para a filha.

48. Porém, relativamente a este último ponto, os técnicos entenderam que teria de ser apreciado de forma integrada, considerando, por um lado, as disfuncionalidades nos relacionamentos interpessoais que a progenitora estabelecia com elementos do sexo oposto e, por outro lado, a ausência de uma actividade profissional que lhe pudesse conferir um rendimento mínimo de subsistência, tendo concluído que lhes parecia que a atribuição de um fogo, por si só, poderia não colmatar as disfuncionalidades deste contexto familiar.

49. Como "áreas fortes" da família, mais especificamente da progenitora, os técnicos salientaram a motivação para o exercício de uma actividade profissional estável e a aceitação da integração da filha numa creche.

50. Como projecto de vida para a sua filha, o progenitor admitiu não ter condições para a assumir, tendo sugerido que esta poderia ficar aos cuidados da sua irmã, HH, que as técnicas tentaram contactar, mas que apuraram que não residia na morada indicada pelo irmão.

51. Por sua vez, a progenitora pediu às Técnicas para que internassem a AA, pois afirmou não ter condições para a educar: não concordava com a alternativa sugerida pelo ex-companheiro, pois receava ficar sem a filha.

52. Porém, apurou-se que o encaminhamento da menor para instituição teria sido evitado caso a progenitora tivesse aceite a proposta de acolhimento para si e para a menor, que lhe foi efectuada pelos seus ex-patrões.

53. Com efeito, estes referiram que tinham oferecido guarida à CC e filha, mas que a mesma havia recusado pois pretendia que o namorado fosse também acolhido, pretensão que aqueles recusaram.

54. Acresce que na Câmara Municipal de Oeiras foi também sugerido à progenitora que entrasse em contacto com a APAV, com intuito de ser acolhida com a criança, não tendo esta efectuado qualquer diligência nesse sentido.

55. Face à situação de perigo da menor assim detectada, os técnicos elaboraram relatórios e comunicaram a situação à CPCJ, conforme relatórios de fls. 66 a 70, 80 a 82 e 84 a 88 do apenso B, que aqui se dão por reproduzidos.

56. Acresce que, no âmbito da articulação com outras entidades, os técnicos efectuaram contacto telefónico com a Dra. II, do Instituto de Solidariedade e Segurança Social de Oeiras, que informou que em Dezembro de 2005 tinha sido feita uma denúncia de maus-tratos, sendo a situação sinalizada objecto de acompanhamento por parte daquela entidade.

57. Por força da situação de perigo sinalizada, em 8 de Fevereiro de 2006 a CPCJ de Oeiras abriu o processo de promoção n° 61/06 a favor da menor AA. - fls. 53 e ss do apenso B.

58. E, em 22-02-2006, a CPCJ proferiu a sua 1.ª Deliberação, constante de fls. 43 e ss do apenso B e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, dando por assentes, entre outros, os seguintes factos:

 - os factos relatados na sinalização correspondem à verdade;

 - são os próprios progenitores que colocam a criança em perigo e não procuraram durante o acompanhamento realizado, a alteração da situação;

 - a progenitora da criança frequenta, conjuntamente com a filha e namorado, lugares não próprios, ou seja, bares nocturnos, entre outros;

 - a criança não é alimentada, os cuidados de saúde e de higiene não estão a ser assegurados e a AA passa grande parte do tempo na rua;

Profissionalmente os progenitores não se encontram a trabalhar, por opção própria.

59. Assim, identificada a situação de perigo, porque a progenitora recusou o acolhimento com a menor, quer em casa dos seus ex-patrões, quer através da APAV, e preferiu manter a convivência com o seu companheiro (que viria a ser pai do Alexandre), a CPCJ deliberou como Medida de Promoção e Protecção a favor da menor AA, a aplicação da alínea f) do Artigo 35° da Lei 147/97, de 1 de Setembro, ou seja, a medida de acolhimento institucional.

60. Pelo que, em 22-02-2006, a menor AA, ao tempo com 2 anos e 11 meses, foi acolhida no Instituto Condessa de Cuba.

61. Nesta instituição permaneceu até 24 de Abril de 2008, já com 5 anos de idade, data em que, na sequência da intervenção do tribunal, veio a ser confiada à guarda e cuidados de sua mãe, tendo sido aplicada a medida de protecção de apoio da menor junto da mãe - fls. 197 e ss do apenso B.

62. Na sequência desta medida de protecção e uma vez estabilizada a situação da menor, por decisão proferida em Março de 2010, agora já no âmbito da Regulação do Poder Paternal, que faz apenso A, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais, tendo a guarda da menor sido atribuída à mãe e proibidas as visitas ao pai - fls. 126 a 134 do apenso A.

63. Sucede que o Processo de promoção e protecção n.º 61/06, da CPCJ de Oeiras, veio a ser reaberto, em Maio de 2011, perante uma nova denúncia de um alegado abuso sexual, agora imputado ao padrasto da menor, na sequência de comunicação que foi enviada à CPCJ pelo NACJR Oeiras Oriental.

64. Com efeito, AA encontrava-se a residir com um irmão, BB, nascido em 09-09-2008, com a progenitora, CC, e com o padrasto, EE.

65. Nos termos de uma denúncia efectuada pelo NACJR, tinham ocorrido factos concretos que poderiam fundamentar a suspeita de que a menor vinha sendo vítima de abuso sexual, agora por parte do padrasto.

66. Reaberto, então, o Processo de Promoção e Protecção, no dia 27 de Maio de 2011 a progenitora compareceu ao primeiro atendimento na CPCJ no qual informou:

 - que vivia em união de facto com EE há sensivelmente cinco anos, e que este tem dois filhos do seu primeiro casamento;

 - que o seu companheiro não fazia mal à AA e que cuidava muito bem da menor;

 - que se soubesse que EE tinha feito algum mal à menor, ela própria o denunciaria;

 - que era EE quem levava AA à escola, de manhã, todos os dias;

 - que AA era vítima de agressão por parte dos seus pares, na escola, e por esse motivo era acompanhada por uma psicóloga na escola - Ora. JJ;

 - que, devido a estes problemas, AA isolava-se no recreio da escola e, por indicação da Professora, retirou-a das actividades extracurriculares;

 - que o acompanhamento da AA pela Ora. JJ cessou aquando da denúncia do alegado abuso sexual;

 - que pretendia transferir a AA de escola devido às agressões que vinha sofrendo.

67. Em simultâneo, a CPCJ entrevistou a menor AA, sendo perceptível algum nervosismo por parte desta, estando constantemente a verificar se a progenitora aparecia. A referiu:

 - que não tinha ido à escola nesse dia de manhã devido ao menor atendimento na CPCJ da parte da tarde;

 - assim, quando questionada sobre a falta à escola, a menor referiu "a minha mãe disse que era para eu ficar em casa porque tinha que conversar comigo" (cit.);

 - ao perguntar sobre o que é que a mãe conversou com ela, AA referiu "é segredo não te posso contar" (cit.), sendo certo que a partir desse momento a menor tornou-se ainda mais reservada, não sendo mais possível ter uma conversa coerente com a AA;

 - ao conversar sobre a família, referiu que o "pai" brincava muito com ela e apenas com ela, sendo que era a progenitora quem brincava mais com o irmão mais novo.

68. Foi obtida informação escolar do Agrupamento de Escolas tendo-se apurado:

 - quando AA integrou a escola, no 1 ° ano escolar, "no inicio era uma criança que só brincava sozinha, não se juntava aos colegas e tinha alguns comportamentos preocupantes, como arrancar cabelos, auto castigar-se e brincava com terra";

 - face a estes comportamentos que tinha é que iniciou, em Janeiro de 2010, o acompanhamento por parte da Dra. JJ;

 - com o decorrer do acompanhamento psicológico, a AA melhorou o seu comportamento encontrando-se perfeitamente integrada tanto na turma como na escola.

69. A mesma informação escolar mencionava ainda:

 - que a menor, no 1° ano, vinha sempre acompanhada pela progenitora, mostrando-se cabisbaixa e sem comunicar;

 - que desde o início do 2 ° ano escolar, a AA passou a vir sempre com o padrasto referindo a informação que "vêm sempre agarrados, a AA vem abraçada à volta da cintura do padrasto e ele também a abraça, conversando e quando entra na escola este despede-se da enteada com beijos demasiado afectuosos e intencionais não sendo próprio para uma relação entre padrasto e enteada" ;

 - acrescenta, ainda, que «esta relação parece ser muito próxima e cúmplice, pois durante o dia a aluna recebe frequentemente toques no telemóvel que a própria refere serem enviados pelo "pai"»; no que respeita aos cuidados de higiene, a informação foca sinais de negligência, nomeadamente a AA usar o mesmo vestuário dias consecutivos, ter um odor desagradável, questão que a progenitora remeteu para repetidas infecções urinárias.

70. A CPCJ contactou a Dra. JJ que informou já não estar a acompanhar a AA uma vez que a clínica, para a qual presta serviço, já não tinha contrato com o Agrupamento de Escolas, assim como por a progenitora ter determinado a interrupção da terapia por achar que tinha sido a Psicóloga quem tinha feito a denúncia à CPCJ.

71. A CPCJ recebeu cópia do relatório elaborado pela Dr.ª JJ solicitada.

72. Em contacto telefónico, no dia 15 de Julho de 2011, com a que esta anteriormente remetera à PJ quando Direcção do Agrupamento de Escolas, a CPCJ apurou que a mãe da menor tinha enviado uma carta à DREL a reportar que a AA era vítima de agressões por parte dos seus pares, tendo inclusivamente sido atirada pelas escadas da escola, assim como para um tanque, durante uma visita estudo, sendo certo que a Direcção da escola refutou todas as acusações efectuadas pela progenitora.

73. Em Outubro de 2011, a CPCJ apurou que a menor, que entretanto estava a ser acompanhada pelo Serviço Infantil de do Pedopsiquiatria e Consulta de Desenvolvimento Hospital São Francisco Xavier, tinha faltado à consulta de dia 14 de Outubro, consulta esta em que o padrasto também deveria comparecer.

74. Ao confrontar a progenitora com esta falta, a mesma referiu que a menor tinha ido à Higienista, mas quando confrontada com a indicação de que a consulta com a Higienista teria sido no dia 12 de Outubro, a progenitora justificou que nesse dia a menor estava com gripe.

75. A progenitora mencionou ainda que já se tinha deslocado até ao Hospital São Francisco Xavier para remarcar a consulta e que se encontrava a aguardar a indicação de nova data, tendo ainda referido que a AA não queria ir à consulta de Pedopsiquiatria porque não tinha gostado que lhe dissessem que o "pai" lhe teria feito mal.

76. Na sequência desta posição da menor, a progenitora insistiu na questão de que o seu companheiro não tinha feito mal à menor, tendo mesmo exigido que a CPCJ falasse com a Pedopsiquiatria para a informar que o padrasto nada tinha feito à menor, tendo a CPCJ esclarecido a progenitora que todos os factos tinham de ser investigados.

77. Certo é que a progenitora não mais permitiu que a menor fosse à referida consulta apesar dos esforços da CPCJ nesse sentido.

78. Em finais de Outubro de 2011, a CPCJ efectuou visita domiciliária tendo deparado com a agressividade e revolta da progenitora para com os Técnicos, referindo que "o que estão a fazer é urna injustiça porque ninguém fez mal à AA".

79. Urna vez que o agregado era beneficiário de Rendimento Social de Inserção (RSI), a CPCJ passou a articular com a respectiva Equipa de Acompanhamento - Equipa de RSI do Alto dos Barronhos, Carnaxide que revelou à CPCJ que a progenitora denotava negligência nos cuidados à menor, nomeadamente ao nível da higiene pessoal e oral e adiantou que no contacto com a criança, sempre que lhe era colocada alguma questão directa, a progenitora dificultava o diálogo, respondendo sempre pela menor, pelo que se tornou notório que a menor se tornou menos espontânea e mais reservada na interacção com as técnicas da Equipa de RSI.

80. A mesma Equipa revelou ainda que a menor tinha sido integrada em

Paroquial São Romão de Carnaxide e pela própria Equipa de RSI, mas que a menor apenas tinha participado no primeiro dia de colónia, uma vez que o padrasto deu indicação de que a menor não devia continuar a frequentar a colónia de férias.

81. Em Fevereiro de 2012, a CPCJ apurou que a menor tinha efectuado exames periciais no Instituto de Medicina Legal de Lisboa (IML), no qual tinham sido detectados papilomas na zona genital, situação que o IML pretendia esclarecer.

82. Em Março, a Polícia Judiciária informou a CPCJ que tinham sido confirmados os papilomas, tendo o IML sugerido que se efectuassem exames periciais ao alegado suspeito, visto tratar-se de um vírus transmissível por via sexual, por força do que o companheiro da progenitora foi constituído arguido e o processo foi remetido para o Ministério Publico de Oeiras, tendo dado origem ao Inquérito n.º 362/11.4PEOER. - fls. 17 a 30 dos autos principais.

83. Em Outubro, o M.º P.º enviou à CPCJ cópias de exame efectuado à menor no IML e do auto de interrogatório de arguido e, face ao teor de tais elementos, solicitou à CPCJ uma informação actualizada do processo - fls. 33 a 40 dos autos principais.

84. Com efeito, do auto de interrogatório de arguido resultava já que os abusos sexuais tinham sido, em parte, reconhecidos pelo próprio.

85. Em declarações prestadas no decurso do 1 ° interrogatório judicial, EE disse a dado momento:

“…costuma dar uns beijinhos à menor mas apenas no canto da boca, apelidando-os de "miminhos" mas nega que tenha introduzido" a língua na boca da menor ou que tenha pedido a esta para fazer o mesmo".

86. E acrescentou ainda:

"...por uma ou duas vezes que brincou com a menor como se fossem namorados, estando a menor nua e o arguido em cuecas roçando as respectivas partes genitais, mais tendo reconhecido que a menor chegou a estar nua de pernas abertas ao seu colo, virada para si".

87. Por força destas declarações e por ter sido considerada indiciada a prática de um crime de abuso sexual de criança, p.p. pelo art.º 171 n.º 1 do Cód. Penal, devido ao contacto próximo que tinha com a menor, no final desse interrogatório foi imposta, além de outra, a EE, a medida de afastamento da residência.

88. Sucede que a CPCJ, em articulação com a Equipa de Rendimento Social de Inserção de Carnaxide, veio a apurar que EE sempre permaneceu na mesma residência que a menor, pelo que não cumpria com a medida de coacção que lhe tinha sido aplicada.

89. De facto, a mãe da menor nunca quis acreditar que EE tinha abusado da filha e, por isso, também sempre permitiu que EE permanecesse na mesma residência da menor, apesar de ter sido proibido de o fazer pelo tribunal.

90. Apenas em Dezembro de 2012 a CPCJ comunicou ao M.º P.º que em Agosto, ou seja, cerca de 1 ano após a denúncia, não obstante todos os elementos até então recolhidos, tinha deliberado aplicar à menor a medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe.

91. Em resposta, suscitou perante a CPCJ a sua preocupação perante a situação da menor em face do que a CPCJ veio então substituir a medida, aplicando a medida de acolhimento institucional para a qual veio a obter o consentimento da progenitora que preferiu que, uma vez mais, a menor fosse institucionalizada, em vez de ver afastado o padrasto que a tinha abusado.

92. Assim, no dia 20-12-2012, com 9 anos de idade, a menor veio a ser novamente acolhida, agora no CAT Francisca Lindoso, sito na Parede - fls. 33 a 40 dos autos principais.

93. Obtido relatório da DGRS acerca da forma como decorria a execução da medida de coacção, o M.º P.º sinalizou a situação à CPCJ para que tomasse providências também em relação ao menor BB, irmão da menor que permanecia no agregado - fls. 41 a 45 dos autos principais.

94. Assim, em 24-09-2013, veio também a dar entrada neste Tribunal de Família e Menores pedido de intervenção relativamente ao menor BB, que deu origem ao Processo de Promoção e Protecção n° 7129/13.3TBCSC, que correu termos no agora extinto 2° Juízo de Família e Menores de Cascais, tendo vindo a ser apensado aos presentes autos, sendo actualmente constituído pelo apenso D.

95. Em Setembro de 2013, face ao período de institucionalização da menor AA que já decorrera - cerca de 9 meses - e porque nenhuma outra informação provinha da CPCJ, o M.º P.º solicitou ao CAT que desse parecer acerca do projecto de vida da menor - fls. 46 dos autos principais.

96. O CAT veio informar que considerava que não era viável o regresso de AA à família biológica, a curto ou a médio prazo, e que o acolhimento prolongado em instituição seria o projecto de vida mais adequado - fls. 163 a 169 do apenso da CPCJ.

97. Confrontada a progenitora com este projecto de vida, esta esclareceu que apenas concordava que a filha se mantivesse em instituição até ao julgamento do seu companheiro.

98. A CPCJ considerou, por isso, que a progenitora tinha retirado o consentimento para que mantivesse a intervenção e remeteu os autos ao M.º P.º - relatório final do apenso da CPCJ.

99. Relativamente ao progenitor da menor AA, DD, não mais este teve qualquer contacto com a filha.

100. O M.º P.º acompanhou o parecer do CAT quanto à inviabilidade de a menor regressar a casa, renovando as preocupações que oportunamente já tinha expressado à CPCJ acerca da incapacidade da progenitora para exercer as funções parentais.

101. Requereu a intervenção judicial, chamando a atenção para a necessidade de se avaliar um projecto de vida alternativo à instituição e à família biológica, tendo dado origem aos presentes autos, aos quais vieram a ser apensados todos os restantes, quer sejam referentes à menor AA, quer sejam referentes ao menor BB.

102. O CAT Francisca Lindoso (CATFL) constatou e concluiu:

"A história de vida da progenitora está preenchida por acontecimentos dramáticos durante a sua infância e juventude, segundo informações referidas pela própria em contexto de entrevista com a Equipa Técnica da CATFL (a morte da sua mãe na sequência de agressões por parte do seu pai; os vários abandonos familiares, a sua institucionalização, as supostas tentativas de abuso sexual por parte de um primo). Durante a sua vida adulta tem vindo a estabelecer relações afectivas disfuncionais (o progenitor da AA, que foi acusado de ter abusado sexualmente da filha e o seu actual companheiro, que foi alvo de um Processo Crime por suposto abuso sexual da AA...), contribuindo e permitindo que essa disfuncionalidade se repita também na vida da AA.

A progenitora não coloca em causa a conduta do companheiro, nem demonstra motivação para efectuar mudanças na sua vida por causa da AA. Esta sua posição parece contraditória ao que a mãe verbaliza «a AA é tudo para mim, construí uma família por causa dela» (sic), a relação mãe/filha é pautada por uma perspectiva autocentrada desta senhora.

Esta mãe afirma ter estudos, ser inteligente e trabalhadora: estas competências não foram observadas na CATFL, nestes 2 anos de acolhimento institucional da AA.

No período em que a AA se encontrava aos cuidados da sua mãe, esta senhora atribuía-lhe responsabilidades que seriam da sua competência, sendo exemplo: o cuidar do irmão mais novo, portador de necessidades educativas especiais e relativamente à sua relação com a menor, a progenitora afirma que a AA era «a sua companheira para desabafar» (sic).

A disfuncionalidade desta família foi também constatada pelas diversas Equipas intervenientes junto do agregado, a saber:

 - no âmbito do processo que decorreu na CPCJ de Oeiras - na  pessoa da Dra. KK- a favor da AA, posteriormente através da sinalização do seu irmão BB pela mesma Equipa; - a intervenção do Movimento de Defesa da Vida (MDV), tendo a Dra. LL concluído que esta mãe não apresenta voluntariedade para efectuar mudanças na sua vida, quer ao nível familiar, de empregabilidade, da organização e priorização dos interesses dos seus filhos na sua vida. A senhora atribui a culpa da sua condição ao "sistema", não colocando em questão as suas opções;

 - a intervenção da ECJ de Cascais, na pessoa da Dra. MM em articulação com a CATFL, que concluiu também não existir permeabilidade desta mãe para a intervenção Técnica;

 - mãe desempregada de longa duração e padrasto que diz fazer biscates nas obras, sem apresentar qualquer comprovativo dessa situação;

 - a dificuldade em procurar e aceitar os recursos da Comunidade, verbalizando não ter dinheiro para se deslocar aos serviços e que «não quero ninguém metido na minha vida» (sic).

No que concerne à existência de alternativas ao actual acolhimento da AA, deverão ser considerados:

 - os supostos comportamentos desadequados do padrasto em relação à AA,

 - uma mãe que acredita na total inocência do seu companheiro, mesmo quando confrontada com o facto de as Técnicas da CATFL, a Técnica da ECJ de Cascais e a sua própria advogada terem ouvido e transmitido à senhora que, nas primeiras declarações do Sr. EE, gravadas em sede de interrogatório judicial no Tribunal de Oeiras, onde decorreu o processo-crime por alegado abuso sexual à AA, o padrasto acabou por confessar que existiram alguns episódios, culpando a AA de o seduzir: «sabe como são estas crianças de hoje, já nascem com isso no corpo» (sic),

- a inexistência de suporte na família alargada e/ou social, tendo este agregado familiar regulado sempre a sua dinâmica pelo isolamento social.

O CATFL ao desenvolver a sua função de protecção, de promoção e de realização do superior interesse da criança, conclui que a AA necessita de viver num Lar que lhe proporcione estabilidade, continuidade, relações afectivas positivas e consistentes.

Aquando do seu acolhimento a AA apresentou-se como uma menina triste, sem a auto-imagem construída, com uma auto-estima negativa, frágil, cheia de medos e receios.

Presentemente a AA é uma pré-adolescente com gosto em se mimar, interveniente de forma construtiva, com vontade de absorver a vida.

Pensamos que este caminho deverá ser continuado e confiado a pessoas que, sendo Técnicos, terão a sensibilidade e os meios para dar continuidade aos projectos e objectivos que a Luísa for delineando durante o seu percurso de vida".

103. Por sua vez, a ECJ salientou:

"No âmbito do acompanhamento do presente processo de promoção e protecção e atendendo à situação apurada e avaliada, continua a ser nosso entendimento que a família biológica continua sem alterações significativas ao nível das condições emocionais, pessoais, sociais e familiares, para que possa dar uma resposta efectiva às necessidades da AA, particularmente face aos factores de risco enunciados em sede de avaliação psicológica, e que têm vindo a ser alvo de intervenção psicoterapêutica, confirmando-se a necessidade premente para acautelar a segurança e o bem estar emocional da criança, que esta possa continuar a beneficiar de um ambiente seguro, protector e contentor, desenvolvendo-se de forma saudável e adquirindo progressivamente maiores competências pessoais, sociais e escolares.

Tendo em consideração que continuam a subsistir enormes fragilidades, que à semelhança do que foi anteriormente reportado pelas entidades que já intervieram junto deste agregado, não parecem ser susceptíveis de mudança e alteração consistente, acrescendo o facto de, considerando a conclusão da P.M.L. da D. CC, onde é referido que esta «revela uma carência emocional que só se satisfaz com a dependência», importa mais uma vez salientar que os filhos não podem, nem devem, servir para colmatar o "buraco afectivo" da progenitora, sob pena de não lhes ser permitido estruturarem-se de forma saudável, independente e autónoma, que lhes permita e facilite a sua individualização, à semelhança do que acontece com o seu irmão uterino, BB.

Importa ainda reflectir sobre as declarações prestadas pelo padrasto em sede de 1° interrogatório judicial e por outro lado, no que diz respeito à criança, a forte desejabilidade social, associada a baixa auto-estima, bem como o desejo de agradar e a grande dificuldade em assumir as suas vontades, que podem promover a idealização daqueles que a rodeiam com o objectivo de ser aceite, poderem criar na AA situações de maior desprotecção. Ou seja, como é referido na Avaliação Psicológica, esta situação diminui o juízo crítico da AA em relação à forma como sente as intenções dos outros, podendo torná-la mais vulnerável e desprotegida, não nos parecendo que reintegrá-la no seio do seu meio familiar salvaguarde o superior interesse da mesma.

Face ao exposto, e salvo melhor entendimento desse douto Tribunal, afigura-se-nos que a medida que melhor salvaguarda e acautela os interesses da AA é o Acolhimento Institucional de carácter prolongado, sob pena de se comprometer de forma determinante o futuro desta criança, que, pese embora possam existir laços afectivos com a sua progenitora, padrasto e irmão, não se perspectiva que consiga encontrar no seu meio familiar as competências necessárias para se poder desenvolver e estruturar de forma saudável, bem como um meio suficientemente protector e contentor dos seus medos e anseios".

104. Em 30-03-2015, à revelia deste Tribunal, a AA foi transferida para um Lar de Infância e Juventude (LIJ), encontrando-se acolhida na "Obra do Padre Gregório" sito na Rua do Alto da Bonita n° 3, Chão de Meninos, 2710-186, Sintra.

105. Não obstante CC, já em Setembro de 2006, ter referido às Técnicas que então acompanhavam a situação de AA, que não estava nos seus planos e nos de EE terem filhos, em 09-09-2008 - tinha CC cerca de 43 anos de idade  - veio a dar à luz o menor BB  - fls. 25 v.º do apenso B.

106. EE é o mais velho de uma fratria de 7 irmãos - relatório de exame de fls. 131 e ss dos autos principais.    

107. Viveu sempre com a sua mãe e o padrasto de cujo relacionamento nasceram os seus irmãos uterinos.

108. Não conhece o seu pai biológico.

109. Com cerca de 13 anos completou a 3.ª classe do ensino primário, após o que saiu da escola para começar a trabalhar e a ajudar a mãe e o padrasto.

110. Antes de completar 18 anos, acompanhou a mãe, a quem ajudava no exercício da sua profissão, a lavar escadas.

111. Ingressou na área da construção civil, tendo aprendido o ofício de pintor e de pedreiro.

112. De um relacionamento anterior, que durou cerca de 6 anos, teve 2 filhos, actualmente com 19 e 16 anos de idade, os quais são estudantes no curso de Direito e no ensino secundário, respectivamente.

113. A sua separação foi definida por acordo e sem necessidade de recorrer aos tribunais, sendo certo que, segundo referiu, mantém um normal relacionamento com os filhos.

114. Conheceu a CC quando a menor AA tinha cerca de 1 ano e meio.

115. Viu-a num café, numa ocasião em que CC passeava a menor, e ofereceu-lhe um pacote de bolachas o que constituiu o motivo para que começassem a falar.

116. Quando o pai da menor AA, DD, expulsou a menor e a mãe de sua casa, EE acolheu-as em sua casa, ali permanecendo ainda hoje a CC.

117. Também CC conta que, ao conhecer EE, "ele convidou-me a ir com ele, a Segurança Social fez uma avaliação e a AA veio para mim outra vez" - relatório de exame de fls. 99 e ss dos autos principais.

118. Disse ainda que ele "...não queria mais filhos mas aceitou o BB para fazer companhia à mana".

119. Acerca da gravidez de que veio a nascer o menor BB, EE refere: "Foi mau. Foi de risco. A AA dizia que gostava de ter um mano. Lá pegou. Também já não pode ter mais nenhum, está laqueada".

120. Em 08-01-2013, a CPCJ de Oeiras abriu o Processo de Promoção e Protecção n° 6/2013 a favor do menor BB.

121. Fê-lo na sequência de indicação do M.º P.º que, no decurso do acompanhamento da situação de AA, irmã do menor, apurou que o menor BB estaria também em situação de perigo.

122. Tal perigo advinha:

 - da incapacidade que a progenitora revelava na prestação de cuidados à menor AA;

 - do facto de se ter vindo a apurar que a menor AA vinha sendo vítima de abusos sexuais por parte de EE, padrasto da menor AA e progenitor do menor BB.

123. Na sequência da abertura do Processo de Promoção e Protecção ao menor BB, a CPCJ passou a avaliar a situação do menor articulando com:

 - o Núcleo de Apoio a Crianças e Jovens em Risco de Oeiras Oriental (NACJRC);

 - o Movimento de Defesa da Vida (MDV);

 - o Agrupamento de Escolas Carnaxide-Portela;

 - e através da realização de visitas domiciliárias.

124. Com efeito, o NACJR (equipa de acção social) já em 06-10- 2011, tinha o BB então completado 3 anos de idade, tinha procedido à abertura de um processo, a nível interno, após sinalização da médica de Saúde Infantil, Dra. NN, pelo facto de durante a consulta de rotina dos 3 anos do menor BB ter observado:

 - falta de higiene e mau cheiro: roupa com muito mau cheiro; unhas sujas; cabelo sujo e com lêndeas, muito comprido preso por um rabo-de-cavalo;

 - criança pouco estimulada, diz poucas palavras;

 - não apresenta qualquer défice motor, mas desloca-se num carrinho de bebé que a Mãe justifica como comodidade;

 - ainda usa biberão, mesmo durante a noite;

 - ainda não apresentava continência dos esfíncteres, razão pela qual não tinha sido aceite no Jardim de Infância;

 - tinha uma aparência feminina (cabelo comprido com franja) porque o Pai não permitia que a criança cortasse o cabelo;

 - ainda não frequentava a creche devido ao uso da fralda, o que foi justificado pela mãe, que se devia à vontade do próprio menor, que não queria "andar com a pilinha à mostra";

 - evidencia um comportamento pouco adequado, quer na sala de espera, quer no gabinete, correndo, saltando, subindo para a marquesa e mexendo em todo o material que se encontra sobre a secretária;

 - é uma criança alegre, bem disposta, que no início do exame físico ofereceu alguma resistência, acabando por colaborar no decurso da consulta;

 - não conhece as cores, não colabora nos grafismos, não diz o nome completo, mas a articulação verbal é inteligível apesar de algumas "infantilidades";

 - AC sopro sistólico. É acompanhado em consulta de cardiologia pediátrica do Hospital de Santa Cruz;

 - dentes com algumas cáries. É seguido em consulta de Saúde Oral- Medicina Dentária de Paço d'Arcos.

125. Os elementos assim recolhidos no decurso da avaliação foram registados a fls. 51 a 58 do apenso D, que aqui se reproduzem na íntegra e enviados à CPCJ em 14-02-2013.

126. De acordo com a informação social do NACJRC, constatou-se que era necessária vigilância de saúde infantil mais regular devido a negligência por parte dos progenitores.

127. O NACJRC articulou, juntamente com a Equipa de RSI, com várias IPSS para integrar o BB em equipamento de infância, tendo o menor integrado, em Setembro de 2012, o Jardim de Infância Amélia Vieira Luís, do Agrupamento de Escolas Sophia de Mello Breyner.

128. Quando o BB iniciou a sua frequência no jardim-de-infância, apresentou muita dificuldade relativamente à sua autonomia, não sabendo ir à casa de banho sozinho e não controlando os esfíncteres. À mesa tinha muita dificuldade em comer sozinho, não sabia utilizar os talheres e rejeitava qualquer comida que não fosse líquida ou passada.

129. A progenitora, em entrevista com a técnica do MDV, referiu que o BB não comia carne nem peixe, porque não gostava. A sua alimentação baseava-se em massa sendo que frequentemente recorriam ao uso do biberon adiantando a progenitora que, assim, BB ficava mais calmo.

130. No início do ano lectivo, a progenitora não autorizou que o BB saísse para visitas de estudo.

131. Explicou-se à progenitora que algumas visitas de estudo não tinham encargos económicos e que eram feitas a pé, no bairro, como, por exemplo, comprar fruta na mercearia, actividade enquadrada no tema "uma alimentação saudável", assim como também se explicou que a ausência às visitas de estudo afastava o BB de um fio condutor que unia as várias etapas de uma actividade, não permitindo, assim, que se envolvesse da mesma forma que os seus colegas e dificultando a compreensão de determinados momentos, ao que a mãe alegou que o pai não autorizava, mostrando-se irredutível.

132. No primeiro período lectivo, o menor registou elevado absentismo, por situações que a progenitora alegou serem de doença, tendo apresentado para o efeito diversos atestados médicos - fls. 19 a 22, 38 e 78 a 85 do apenso D.

133. Em Março de 2013, o Agrupamento de Escolas Carnaxide-Portela solicitou a colaboração da CPCJ para que fosse agendada consulta de desenvolvimento para o BB por este evidenciar "um forte atraso de desenvolvimento que se reflecte em todos os campos da sua actividade e participação na educação pré-escolar, apresentando fortes limitações em termos de actividade e participação" - fls. 63 e 64 do apenso D.

134. Desta forma, a CPCJ solicitou ao Diretor do Serviço de Pediatria do Hospital S. Francisco Xavier a marcação de consulta, da qual a progenitora informou que seriam marcadas mais consultas para avaliar o desenvolvimento do menor.

135. Foi celebrado Acordo de Promoção e Protecção na sequência da 1.ª medida de protecção que a CPCJ veio a aplicar em 12-03-2013 - medida de apoio junto dos pais tendo-se acordado o acompanhamento do agregado por parte do Movimento de Defesa da Vida, (MDV) com vista ao apoio ainda mais próximo nas questões da organização e gestão doméstica - fls. 62 e 89 a 92 do apenso D.

136. O acompanhamento do MDV teve início a 20 de Maio de 2013 e desse acompanhamento foi possível apurar que o pai do menor esteve presente em casa apenas um dia, mais concretamente apenas aquele dia que previamente tinha sido com ele acordado para que estivesse presente - fls. 70 a 73 e 76 do apenso D.

137. De acordo com a informação do MDV, a mãe do menor não encarava a frequência do BB, na escola, como algo positivo para o seu desenvolvimento, assim "sempre que precisa de tratar de algo (...) o BB falta ou sai mais cedo da escola" - fls. 97 a 101 do apenso D.

138. O relatório do MDV refere ainda que a progenitora "nunca identificou nenhum problema nem traçou nenhum objectivo de mudança. Entende que está tudo bem e culpabiliza a escola pela queixa à CPCJ".

139. Relativamente às dinâmicas familiares, o MDV concluiu que "a família tem rotinas cristalizadas e hábitos diários os quais não sente necessidade de alterar. É disso exemplo irem lanchar ao Pingo Doce de Linda-a-Velha".

140. No que respeita a alimentação, o BB não tinha uma alimentação cuidada, tendo por base o uso do biberão.

141. O BB teve grande facilidade em interagir com a Técnica do MDV tendo, por várias vezes, solicitado que a Técnica ficasse a dormir lá em casa, mostrando resistência quando a Técnica se ausentava.

142. O MDV refere, ainda, que, nas dinâmicas e jogos, o menor "evidencia dificuldades de concentração mas gosta que interajam com ele e lhe dêem atenção. No contexto de refeição, demonstra não saber comer sozinho, nem manejar os talheres".

142-A. No âmbito do processo de promoção e protecção que correu termos na CPCJ, os progenitores asseguraram, no dia 17.7.13, a comparência do menor em consulta de desenvolvimento previamente designada no serviço de pediatria do Hospital S. Francisco Xavier, nos termos indicados pelos técnicos (acrescentado pela Relação);

143. Apesar da intervenção desencadeada e do discurso dos progenitores, não se evidenciaram alterações ou melhorias nas dinâmicas familiares para além do referido em 142-A (assim alterado pela Relação);

144. Assim, tendo sido esgotados todos os recursos de intervenção na família, em 07-08-2013, cerca de 5 meses após a aplicação da 1.ª medida de promoção e protecção propôs a CPCJ aos progenitores a aplicação de uma medida de acolhimento institucional nos termos do artigo 35° alínea f) da LPCJP - fls. 103 a 105 do apenso D.

145. Os progenitores recusaram a aplicação desta medida e retiraram o consentimento para a CPCJ continuar a intervir.

146. Requerida a intervenção judicial, foi ordenada a aplicação, a título provisório, da medida de acolhimento institucional fls. 140 a 142 do apenso D.

146-A. Entre 13.8.13 e 16.10.13, os progenitores cortaram o cabelo do BB, que era comprido, deixaram de utilizar a cadeira de bebé como meio de transporte do menor, deixaram de recorrer ao biberão como meio principal de o alimentar, asseguraram a frequência assídua da escola pela criança e, pelo menos uma vez, autorizaram o BB a participar num passeio da escola, comportamentos estes que os técnicos haviam recomendado no decurso do processo de promoção e protecção na CPCJ (acrescentado pela Relação);

147. Certo é que após a audição da Técnica da ECJ, que deu por reproduzidas as informações que já tinha feito chegar aos autos, e a audição dos progenitores, que teve lugar em 16-10-2013, o tribunal que então tramitava o processo do BB, antes do mesmo ser apensado ao presente complexo processual, entendeu que, pelo facto dos progenitores revelarem que vinham cumprindo as instruções dos técnicos, se mostrava inadequada a aplicação da medida de acolhimento institucional, tendo antes optado por aplicar a medida de apoio junto dos pais na expectativa de poder ganhar consistência a alteração no comportamento que os progenitores davam a conhecer - fls. 170 a 176 do apenso D.

148. Em 07-11-2013, a ECJ fez juntar aos autos novo relatório actualizado no qual manteve a sua proposta no sentido de que deveria ser aplicada ao menor a medida de acolhimento institucional - fls. 197 a 211 do apenso D.

149. De entre outros elementos, no referido relatório, refere a ECJ o seguinte:

 - o agregado familiar parece revelar-se disfuncional, com comportamento negligente a vários níveis e sem coerência e persistência no estabelecimento e cumprimento de regras e orientações que são dadas, não se focalizando nem percebendo as necessidades físicas da criança, não conseguindo corresponder às mesmas nem perspectivando a necessidade de mudança e alteração dos seus comportamentos para ir ao encontro duma prestação adequada dos cuidados necessários ao desenvolvimento saudável da criança;

 - segundo os progenitores, o BB é uma criança perfeitamente normal, não lhe reconhecendo nenhum tipo de atraso ou de diferença relativamente às outras crianças, referindo que usavam o biberão e o carrinho apenas porque o BB gostava mais e o transportavam com mais facilidade, não conseguindo perceber que essa situação se constitua como um factor de impedimento do seu crescimento;

 - consideram-se bons pais e se não fazem melhor é porque as técnicas e a educadora nunca lhes deram orientações relativamente às situações que tinham de mudar;

 - segundo a mãe do BB "eu não faço mal aos meus filhos, a escola é que inventou esta história toda, eu sempre tratei bem dos meus filhos, se andava na cadeirinha era porque não tinha dinheiro para o transporte e assim ia mais rápido, mas o menino sabe andar e falar, e se mo tiram eu depois não tenho dinheiro para ir ver os dois às instituições";

 - da articulação com a CPCJ Oeiras/Equipa de RSI foi possível apurar que do acompanhamento efectuado ao BB, consideram que o menor tinha o seu desenvolvimento e bem-estar comprometido devido à grave negligência por parte dos progenitores;

 - da articulação com a Técnica do MDV foi possível apurar que a progenitora nunca viu a frequência do equipamento educativo como uma mais valia, não conseguindo dimensionar as dificuldades do filho e perceber a mais valia em termos de estimulação que a frequência do ensino poderia representar, limitando-se a culpabilizar a escola pela intervenção da comissão.

A progenitora nunca demonstrou disponibilidade para a mudança de hábitos e comportamentos, não reconhecendo essa necessidade, inviabilizando a intervenção;

 - da articulação com a DGRS (Equipa I Caxias) constatou-se que da visita domiciliária que fizeram no âmbito do processo da sua irmã, AA, puderam observar o BB, que permanecia dentro de um parque de grades, desadequado para a sua faixa etária, sem quaisquer condições para a criança estar, agarrado a um biberão e não interagindo com ninguém, para além das condições segundo a técnica "miseráveis" em que as crianças permaneciam, parecendo esta mãe não ter qualquer proximidade afectiva às mesmas, limitando-se a cumprir algumas funções parentais;

 - da articulação com o Departamento de Ensino Especial do Agrupamento Carnaxide-Portela, foi possível apurar que "apesar do grave quadro comportamental e de atraso do desenvolvimento do aluno BB, facilmente observável em contexto escolar e referenciado à sua entrada neste jardim de infância pela educadora da sala, o BB ainda não é aluno abrangido pela educação especial, por não ter sido possível integrá-lo no regime educativo especial, previsto no Dec. Lei 03/2008, por a sua encarregada de educação ter negado sempre junto da educadora a possibilidade do seu filho sofrer de alguma perturbação ou atraso grave de desenvolvimento;

 - é parecer desta entidade que "o BB é uma criança que se encontra em situação de perigo muito grave que coloca em causa o seu desenvolvimento actual e a sua integridade física e psicológica estando comprometida a sua entrada na frequência da escolaridade obrigatória na idade prevista, ou seja, no próximo  ano lectivo. Perante as graves limitações à actividade e participação em contexto escolar que manifesta deverá ser necessária a apresentação de proposta de adiamento da frequência por mais um ano;

 - da articulação com a Educadora do JI EB1 Amélia Vieira Luís constatou-se:

regularmente, o aluno cheirava intensamente a urina e as suas roupas cheiravam a mofo. Num dos dias das primeiras semanas de aulas a camisola do BB cheirava tão mal que teve de se chamar a mãe ao JI para lhe trazer uma camisola lavada, tendo a mesma sido alertada de novo para a situação;

 - estava sempre a levar e a esfregar as mãos na zona dos órgãos genitais e/ou andava sempre com a mão enfiada por baixo das calças, no ânus: este comportamento mantinha -se desde o início da entrada no JI até à sua saída e quando se tentava que não repetisse o comportamento, de modo quase automático, voltava a fazê-lo; manifestava um conjunto de graves estereotipias, pouco habituais na sua faixa etária, designadamente ao nível de uma auto estimulação a nível motor e sensorial que se expressavam em frequentes movimentos de rodopio intenso sobre ele próprio, tanto na posição de pé, como na de sentado, procura de cantos escuros e espaços atrás das portas para se esconder, e comportamentos obsessivos e quase que automáticos de corrida pelo espaço fora, ora em movimentos circulares ora em linha recta, sem alguma noção dos obstáculos e limites físicos; reagia aos pares e adultos mordendo e tentava morder os colegas que mais se aproximavam do seu espaço próximo.

Muitos destes comportamentos ainda permanecem no presente ano lectivo (2013/2014); a mãe assumiu que não gostava da escola e dizia que "ele também se desenvolve em casa" e ele só vem para aqui porque acham que aqui está melhor do que em casa...", negando qualquer problema em termos do desenvolvimento do BB e desvalorizando sempre a importância dos indicadores observáveis em contexto escolar que lhe eram apresentados pela educadora no sentido de promover uma intervenção mais adequada às suas reais necessidades;

 - por o desenvolvimento do BB se encontrar em perigo e por todas as tentativas de chamar a atenção da mãe para este problema não terem produzido resultado positivo, sentiu-se necessidade de pedir a colaboração da CPCJ no sentido de se conseguir a melhor forma de agilizar a marcação de uma Consulta de Desenvolvimento no Hospital São Francisco Xavier; desde o início da entrada na escola do BB até à presente data o pai tem tido um papel passivo e, nos poucos contactos mais directos com a educadora, parece revelar grandes limitações na compreensão das necessidades educativas e de saúde do seu filho; no início do ano lectivo 2013/2014, o BB veio acompanhado pela mãe, com uma condição física muito frágil e magreza, manifestando um forte retrocesso relativamente às aquisições que fizera no ano lectivo anterior;

 - voltou a apresentar um retrocesso mui to grande ao nível dos hábitos alimentares (comia com as mãos, mostrava grande sofreguidão e voltou de novo a rejeitar alguns alimentos sólidos) e em termos comportamentais (maiores dificuldades na comunicação e linguagem

 - praticamente incapaz de falar, aspecto muito triste e fechado sobre si próprio, voltou a manifestar uma maior frequência ao nível das estereotipias);

 - todo o espaço habitacional parece ser de difícil remodelação por estar tão cheio de objectos e apresentar elevados níveis de humidade, que poderão criar nas roupas um cheiro seguramente desagradável (mofo/bafio) , ainda que possam as mesmas ser lavadas com regularidade, não possuindo a habitação o arejamento necessário;

 - BB não dispõe de um espaço próprio para descansar e brincar, referindo os progenitores que ele dorme sozinho na cama do corredor, não existindo um espaço destinado aos seus brinquedos e jogos, brinquedos esses que não foram observados em parte alguma da casa. Questionada sobre o local onde o BB brinca, a progenitora referiu que a criança brinca no chão da sala ou da cozinha;

 - da articulação estabelecida entre as várias entidades que há mais de um ano avaliam sistematicamente esta situação, determinante para uma melhor análise e compreensão deste processo, e que cada uma na sua especificidade teve oportunidade de intervir na vida do BB, parecem não restar dúvidas de que se trata duma criança à qual não foram prestados os cuidados necessários ao seu desenvolvimento saudável, com manifestos reflexos no seu desenvolvimento pessoal, emocional, social e educativo, parecendo ser transversal a ideia de desprotecção e negligência grave dos progenitores relativamente a esta criança, bem como a necessidade de a mesma poder ter um projecto de vida alternativo que lhe permita crescer de forma saudável, organizada e feliz, sob pena de se perpetuarem as vivências negativas pelas quais tem vindo a passar.

150. Face ao teor deste relatório, não obstante não tenha havido alteração da medida de protecção em execução, designou-se nova data para audição complementar dos progenitores e da Técnica da ECJ e foram pedidas perícias ao IML e determinado o acompanhamento do menor em consultas, quer de Pedopsiquiatria, quer do Desenvolvimento.

151. Da consulta de Desenvolvimento efectuada em Julho de 2013 resulta, entre outros, que as áreas mais fortes de BB (apesar de se encontrarem abaixo do esperado para o grupo etário) foram as de Autonomia e Realização. Todas as restantes áreas estão muito abaixo da faixa etária - fls. 236 do apenso D. 152. Informações intercalares da ECJ, de 30-11-2013 e 11-12-2013, deram a conhecer, por um lado, que a escola continuava muito preocupada com a situação do menor, e, por outro lado, que a escola considerava que o menor estava em situação de perigo grave - fls. 249, 250, 261 e 262 do apenso D.

153. Tal informação foi complementada por um relatório escolar, datado de 30-11-2013, no qual se assinalam, de forma muito concreta, os sinais de regressão que o menor vinha revelando - fls. 263 a 266 do apenso D.

154. Dos relatórios periciais psicológicos, juntos a fls. 278 a 291, 294 a 301 e 304 a 314 do apenso D, cujos teores aqui se dão por reproduzidos, no que se refere aos progenitores, salienta-se:

 - a disfuncionalidade do casal parental, no que se refere aos cuidados ao menor BB, traduzindo-se em negligências na higiene, autonomia, vigilância médica, absentismo escolar, falta de persistência no estabelecimento de regras, com consequências no desenvolvimento psicomotor, cognitivo e social da criança resulta:

a) - quanto à progenitora: de um estilo parental protector que reforça uma relação de dependência do menor e de um traço de personalidade da examinada no que concerne a um conflito de dependência-independência, isto é, uma necessidade de afirmar a sua independência que choca com uma carência emocional que só se satisfaz com a dependência;

b) - quanto ao progenitor: de um estilo parental protector que reforça uma relação de dependência do menor e de traços de personalidade como a insegurança e a desconformidade com as normas e os valores vigentes da cultura dominante, que podem ter contribuído para isolar o casal e a família nuclear das influências externas até à inevitável colisão com as instituições (a começar pela escola frequentada pelo menor).

155. Da avaliação psicológica, junta a fls. 352 e 353 do apenso D, cujo teor aqui se reproduz, efectuada em data em que o menor BB tinha 63 meses de idade, resulta, em suma: a análise global dos resultados obtidos pela criança apontam para uma idade mental global de 50 meses, revelando um atraso de desenvolvimento global o qual se distribui de forma heterogénea pelas diversas áreas analisadas.

156. Não obstante o resultado desta avaliação, os progenitores mantiveram a sua decisão firme de pretender que o menor passasse a frequentar o 1.º ano de escolaridade, no ano lectivo de 2014/2015, ignorando ainda as opiniões dos demais técnicos envolvidos no acompanhamento da situação do menor e efectuaram a sua matrícula em conformidade - fls. 369 a 375 do apenso D.

157. Acresce que, também contra o parecer dos técnicos, os progenitores manifestaram j unto do tribunal a sua pretensão no sentido do menor mudar de escola (que ficava a cerca de 150 metros da sua residência), pretensão esta que o tribunal recusou - fls. 389, 390, 420 a 423 e 431 a 434 do apenso D.

158. O relatório da ECJ junto em 08-07-2014, a fls. 359 a 367 do apenso D, que aqui se reproduz, salienta:

 - que os progenitores não aceitaram as orientações dos técnicos no que se referia à questão escolar e que, com isso, provavelmente o menor iria ser prejudicado;

 - que as mudanças verificadas no agregado eram muito inconsistentes, parecendo serem fruto da intervenção directa do tribunal e não sentidas como necessárias pela família;

 - que, não obstante, se deveria, ainda assim, manter-se em execução a mesma medida, de apoio junto dos progenitores.

158-A. No âmbito do processo judicial de promoção e protecção, os progenitores asseguraram a comparência do BB no Instituto de Medicina Legal nas datas designadas para a realização de perícia psicológica e continuaram a assegurar a presença da criança nas consultas de desenvolvimento no Hospital S. Francisco Xavier (acrescentado pela Relação);

159. Em 23-02-2015, a ECJ vem relatar ao tribunal, através de relatório de fls. 463 a 474 do apenso D, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, factos dos quais conclui que a situação de perigo do menor afinal se veio a agravar, pelo que sugeriu que fosse aplicada, com urgência, a medida de acolhimento institucional.

160. Tal relatório foi complementado pelo relatório escolar de 11 de Dezembro de 2014, junto a fls. 475 a 477, que aqui se reproduz, que, por sua vez, foi também complementado pelo relatório psicológico junto a fls. 478 a 480, que aqui também se dá por reproduzido.

161. Em Março de 2015, a ECJ veio, uma vez mais, informar do agravamento da situação do menor, juntando relatório psicológico que revela não existir relacionamento afectivo entre o menor BB e sua irmã, AA, conforme fls. 501 a 505 do apenso D, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

162. Assim, por decisão de 19-03-2015, foi determinado o acolhimento do menor BB no CAT - Casa da Criança sito em Tires, onde actualmente se encontra.

163. Quando o menor BB deu entrada no CAT, o mesmo apresentava "sinais evidentes de pouco asseio e higiene (corpo e cabelo com muita sujidade, unhas compridas e com sujidade interna, dentes cariados e sujos, forte odor corporal, parasitas no cabelo: piolhos e lêndeas) e roupas sujas e inapropriadas para a estação do ano" - relatório do CAT Casa da Criança de fls. 457 e ss.

164. No âmbito do acompanhamento psicológico efectuado no CAT Casa da Criança "a temática da morte e dos conteúdos de cariz sexual surgem em várias sessões através do diálogo, desenhos e canções elaboradas pela criança. Numa das sessões, mais significativas, de forma espontânea e através duma cantiga o BB entoou: «shin chan mostra o rabo, põe uma ferramenta no rabo, mostra o rabo, põe o lápis no rabo, a ferramenta no rabinho, no rabinho (...) shin chan mostra o rabo, a menina e o menino a namorar estão a fazer ahahah» (sendo que) durante a canção o BB exemplificou com gestos e sons" - relatório da ECJ de fls. 439 e ss em especial fls. 452.

165. Estes comportamentos sexualizados já haviam sido detectados no estabelecimento de ensino frequentado pelo menor BB, antes do seu acolhimento institucional em Março de 2015, "nomeadamente canções com conteúdos sexuais p. ex. «cambada do sexo, isto é tudo sexo e a seguir vai um chapéu», referências a «lá em casa toda a gente faz xixi de pé», verbalizando ainda que a mãe leva em determinado sítio" - relatório da ECJ de fls. 439 e ss em especial fls. 453.

166. Mesmo em contexto de acolhimento institucional, a progenitora, embora cumprindo com os respectivos planos de visitas no que ao BB tange, não aceita a ajuda dos técnicos, não vê a necessidade de alterar comportamentos e continua a não compreender a razão pela qual os filhos se encontram acolhidos em meio institucional.

167. Há sinais de afectividade entre a progenitora e os filhos nos períodos de visita mas "no que diz respeito à interacção com a mãe, trata-se de uma relação que promove a dependência do BB relativamente à figura materna, que o deita no colo, embala e fomenta um comportamento «abebezado», regredindo a criança nas recentes aquisições. A cumplicidade supracitada está presente na linguagem utilizada e brincadeiras despropositadas ao nível do toque corporal, com poucos limites definidos. Numa das visitas, a Sr.ª CC foi surpreendida a verbalizar inúmeros palavrões junto do BB que, consequentemente, dava gargalhadas e pedia que a mãe dissesse mais" - relatório da ECJ de fls. 439 e ss em especial fls. 452.

168. Os menores mostram vontade em ver a mãe e gostam das respectivas visitas, sendo que a menor AA verbaliza querer sair da instituição para ir para a sua família que identifica como sendo a sua mãe e o "pai" EE.

169. No entanto, nas visitas entre a AA e a mãe no LIJ "Obra Padre Gregório", a AA, com 12 anos de idade, "procura constantemente estar ao colo da mãe" - relatório de fls. 436 e ss.

169-A. A AA tem uma forte ligação afectiva a sua mãe e não quer ser adoptada (acrescentado pela Relação).

170. Enquanto a menor AA esteve acolhida no CAT Francisca Lindoso, entre 20 de Dezembro de 2012 e 30 de Março de 2015, a progenitora efectuou o seguinte número de visitas à filha:

 - em 2012: efectuou 3 visitas estando previstas 5;

 - em 2013: efectuou 30 visitas estando previstas 58;

 - em 2014: efectuou 105 visitas estando previstas 156;

 - em 2015: efectuou 27 visitas estando previstas 50 - relatório de fls. 484 e ss.

171. Numa visita domiciliária que os técnicos do LIJ "Obra Padre Gregório" efectuaram à casa da mãe e padrasto da Aa, em 15- 07-2015, estes constataram o seguinte:

    "A habitação faz parte integrante de uma vivenda que se localiza na Rua …., n° … na freguesia de Carnaxide. Esta é constituída por uma cozinha, uma sala, um quarto e um WC. A cama da AA e a cama do BB localizam-se em dois espaços diferentes ao longo do corredor da habitação, encontrando-se ambas as camas repletas de bonecos e roupa, sendo pouco perceptível se os menores dormiram realmente neste local. Deparamo-nos com uma acumulação excessiva de roupa e objectos nas diferentes divisões da residência, transparecendo uma situação de acumulação compulsiva por parte do casal" - relatório de fls. 436 e ss.

172. Em sede de 1.º interrogatório judicial referente ao alegado abuso sexual da AA por parte do seu padrasto, EE, este disse: "eu estou muito arrependido se fiz alguma coisa de mal, mas não fiz nada de mal (...) foi num domingo, eu já vinha com uma cervejinha que eu não bebo, mas tinha bebido uma cervejinha e foi nesse dia. Eu não fiz nada de especial, eu estava em cuecas e ela estava em cuecas e brincámos assim (...) ". Questionado sobre se brincaram aos namorados respondeu "sim e depois fui tomar banho (...) nunca tirei as cuecas, só sentados de pernas abertas, isso é normal, a gente não vai fazer isto porque isso não é para a nossa idade, parecem que já vêm ensinados (...) estivemos só um bocadinho, eu não fiz nada de mal, senão a menina estava toda coisa, toda furada. Eu não violei a menina, não fiz nada de especial. Foi a menina que quis brincar aos namorados, mas eu não fiz nada de mal, estou muito arrependido, mas eu não fiz nada de mal (...) Se foi alguma coisa de raspão, foi de raspão, eu não meti nada, estou muito arrependido. Não fiz assim constantemente, foi só uma vez ou duas, eu levo a menina com respeito. Na língua não, a menina agarrava-me a cabeça e pumba, não há faltas de respeito e na rua tem que haver respeito (...) Pego nela ao colo, é um mimo, brincar e depois ponho-a no chão (...) Pensavam que eu fazia aquilo constantemente e eu não fazia aquilo constantemente."

173. Apesar de ter ouvido a gravação do 1.º interrogatório judicial do companheiro EE, a progenitora não aceita que o companheiro tenha feito mal algum e vai ao ponto de dizer que o mesmo não sabe o que diz.

174. A progenitora dos menores voltou a trabalhar para a sua antiga patroa e madrinha, FF, a qual acabou por a dispensar por a mesma revelar comportamentos violentos para consigo que causaram medo e inquietação na referida senhora.


No seu recurso o Ministério Público reclama contra o acórdão recorrido a sua nulidade prescrita na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Cód. Proc. Civil, isto é, que em "contradição manifesta", o acórdão não aplicou aos menores a medida de confiança com vista a futura adopção.


Pronunciando-se sobre esta denunciada nulidade, a Relação entende não ocorrer o vício atribuído ao acórdão (cfr. fls. 777/778):

 - O acórdão recorrido nem sequer se deteve a integrar na previsão das diversas alíneas do n.º 1 do artigo 1978.º do Cód. Civil a factualidade assente nos autos. E isto porque, como afirmámos, o que releva para efeitos da medida em causa "é a inexistência originária ou superveniente ou o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação". E tal não se verificava relativamente aos menores e sua mãe, o que era suficiente para obstar à aplicação da medida.

Não compreendemos, pois, a arguição da nulidade em questão, a não ser que o recorrente tenha confundido "o acórdão recorrido" referido a fls. 689 e que, se referia, naturalmente, ao acórdão do tribunal misto que funcionou em 1.ª instância - com o acórdão deste tribunal colectivo.



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Nos presentes processos de promoção e protecção a favor dos menores AA e BB (ambos apensados), após a realização do debate judicial foi proferido acórdão que aplicou aos menores a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.


Todavia a Relação, alterando parcialmente a matéria de facto comprovada em julgamento e discorrendo sobre o que deve entender-se por “verificação de uma situação de perigo” - pressuposto indispensável da aplicação a uma criança ou jovem de uma medida de promoção e protecção (art.º 3.º da LPCJP) - ajuizou que não devia ser aplicada aos menores - AA e BB - a medida de confiança a instituição, com vista a futura adopção e, em sua substituição, aplicou aos menores - AA e BB - a medida de acolhimento institucional prolongado, fixando a duração da medida em 1 ano, prorrogável até à maioridade de cada um dos menores e a rever semestralmente se noutros momentos se não justificar.

 

É contra esta resolução que o Ministério Público reage na revista.

A medida de promoção e protecção, a aplicar aos menores, concretiza-se em retirar as crianças da situação de perigo em que se encontravam (art.º 34.º da LPCJP);

Para este Digno Magistrado, a demonstração de que estão quebrados os "laços afectivos próprios da filiação" determina que a medida a aplicar aos menores terá de ser o encaminhamento destas crianças para adopção: - forçar as crianças a permanecer na instituição, como o tribunal recorrido pretende, colocará em perigo a sua saúde psíquica e o seu desenvolvimento, quando colocadas, uma vez mais, perante a falta de afectividade dos pais.


A controvérsia que recorrente especificadamente coloca é a de saber se, preenchidas algumas das alíneas do n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil, designadamente as alíneas d) ou e), uma vez comprovado que, por força da verificação de alguma das situações nelas previstas, não existem ou se encontram seriamente comprometidos os laços afectivos próprios da filiação, pode o tribunal socorrer-se de outros elementos para indeferir a aplicação da medida da al. g) do art.º 35.º da LPCJP.


Vejamos o que temos a dizer sobre toda esta problemática.



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I. O processo judicial de promoção e protecção da criança e do jovem em perigo é considerado de jurisdição voluntária (art. 100.º da LPCJP) e, por isso, nas providências neles a tomar o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art.º 1410.º do C.P.C.), podendo investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes (art.º 1409.º, n.º 1, do C.P.C.).

Neste particular tipo de processo o juiz tem liberdade de manobra para escolher o meio que reputa como sendo o melhor para alcançar o fim que se propõe concretizar e que é a justa decisão do caso que é trazido a juízo em vez da obediência a regras normativas rígidas (como nos processos de jurisdição contenciosa: art. 659, n.º 2, in fine), vigora a liberdade de opção casuística pelas soluções de conveniência e de oportunidade mais adequadas a cada situação concreta (Prof. Antunes Varela; Manual; pág. 71).

Quer isto dizer que o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente; tem a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa. O juiz funciona como um árbitro, ao qual fosse conferido o poder de julgar ”ex aequo et bono” (Prof. A. Reis; Processos Especiais; II volume; pág. 400).

II. Tomando na devida conta o que está proposto no n.º 2 do art.º 988.º do C.P.Civil (anterior n.º 2 do art.º 1411.º) - das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - logo somos alertados para a ideia de que a resolução tomada pela Relação não poderá ser apreciada por este Supremo Tribunal.

Todavia, este normativo legal tem de interpretar-se com a precisão que dos seus termos procede; e, esforçando-nos nós por estarmos mais próximos da “ratio” que presidiu à sua redação - subtrair ao Supremo Tribunal o juízo sobre matéria desprovida de dignidade jurídica - rapidamente nos apercebemos de que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não se retrata neste preceito quando a questão posta pelo recorrente assenta em critérios de estrita legalidade.

Se é certo que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva (cfr. n.º 2 do artigo 722° do Código de Processo Civil, na redacção aplicável) ou adjectiva (cfr. artigo 755° do mesmo diploma), não pode, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade (Ac. STJ de 21/10/2010; www.dgsi.pt), também é verdade que, tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça e, portanto, deste recurso, a apreciação da respectiva verificação; é, pois, admissível o recurso mas com o âmbito assim delineado” (Ac. STJ de 20-01-2010; www.dgsi.pt).


Quer isto dizer que, não obstante estarmos perante um processo de jurisdição voluntária, mesmo assim cabe recurso para o STJ das determinações nele tomadas quando, exorbitando juízos de mera conveniência ou oportunidade, elas advenham de entendimentos fundados em estrita legalidade.

 

Este poder atribuído ao Juiz não é ilimitado e tem de soçobrar quando o legislador impõe a observância de certo e determinado procedimento para cada caso que, concretamente e de modo claro, sempre especificará.


III. Circunscrevendo-se a razões de estrita legalidade, invoca o Ministério Público (recorrente) que o acórdão recorrido viola o preceituado no artigo 1978.º do Código Civil e artigos 4.°, 34.°, 35.° n.º 1 al. g)  e 38-A, todos da Lei de Promoção de Crianças de Jovens em Perigo.

Para o recorrente, a constatação da prova de factos que se subsumem ao estatuído nas várias alíneas do n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil faz obstar a que o Juiz se possa socorrer de outros elementos para além dos que resultam do quadro traçado neste normativo legal.

A comprovada falta de afectividade dos pais dos menores, tal e qual está arregimentada no n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil, determina o encaminhamento daquelas crianças para adopção; e é ilegal o apelo a outros elementos (“afetos” lhe chama a Relação) para as retirar do caminho da adopção e lhes aplicar­ a medida de "acolhimento institucional prolongado" (hoje, medida de acolhimento residencial) prevista pelo art.º 35.º n.º 1 al. f) e 49.º e seguintes da LPCJP, conclui o Ministério Público.


Não nos parece que assim tenha que ser.

IV. Quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de uma criança ou jovem se encontre em perigo, pode o tribunal, atendendo prioritariamente aos direitos e interesses do menor, decretar as providências para tanto julgadas adequadas.

Quer isto dizer que só excepcionalmente é que o menor deve ser retirado dos cuidados dos seus progenitores e no caso de esse afastamento se justificar, isto é, quando na companhia de seus pais o menor está potencialmente em perigo de ser afectado negativamente na sua formação educativa e ambiente sanitário, por não lhe estarem a ser ministrados os cuidados considerados e tidos como razoavelmente necessários - o poder paternal é um poder-dever funcional que deve ser exercido altruisticamente no interesse do filho, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e salvaguarda dos seus interesses. O superior interesse do filho é a verdadeira razão de ser, o critério e o limite do poder paternal (Parecer da Procuradoria-Geral da República, de 16.01.1992; BMJ; 418.º; pág. 285).


As medidas de confiança a instituição com vista a futura adopção (art.º 38.º - A da LPCJP) e de acolhimento residencial - alínea f) do n.º 1 do art.º 35.º da LPCJP (outrora designado por acolhimento institucional prolongado), abrangem propostas judiciais que têm sentido e diversificado alcance na sua objetividade de proteger a criança, “temporária ou definitivamente privada do seu ambiente familiar ou que, no seu interesse superior, não possa ser deixada em tal ambiente tem direito à protecção e assistência (artigo 20.º da Convenção dos Direitos da Criança).


A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista para os casos em que os pais tenham abandonado o menor - alínea c) do n.º 1 do art.º 1978.º do C.Civil - há-de ser ponderadamente discernido de acordo com os valores ínsitos na LPCJP, diploma legal que no seu art.º 38.º-A, anotando-se no seu regime a preponderância do interesse da criança, expressamente define as circunstâncias jurídico-factuais que determinam a sua concretização e que, como deste normativo consta, consiste em obter para a criança uma via técnica saudável com vista a futura adoção.


Através dela se procura encaminhar a criança para uma desejável adoção - a futura adoção é o essencial fim desta medida - sem que os passos a dar neste sentido possam ser estorvados pela inoportuna e inconsistente rejeição da anuência dos pais.


Se é certo que a “futura adoção” preconizada para a criança tem de assentar no preclaro abandono dos progenitores, ou seja, no rompimento dos laços de filiação biológica por parte dos pais - como se induz da alínea c) do n.º 1 do art.º 1878.º do C.Civil - também é verdade que só quando tivermos a certeza de que esta relação parental se esvaziou de forma absoluta é que se poderá encetar o caminho destinado à procura de saber se a adoção é a melhor medida para a criança assim desmerecida pelos seus pais.

Só no caso de termos a firme convicção de que está quebrada, de forma absoluta, essa relação filial, isto é, quando já não é possível garantir o estado saudável da criança no ambiente da sua família natural, é que haveremos de pensar na “adoção” como o exclusivo trilho a percorrer para acautelar o interesse da criança, e, desta feita, assegurar de forma definitiva o seu futuro junto de outra família que lhe possa proporcionar todas as condições materiais e afectivas necessárias para o seu crescimento harmonioso, num ambiente de bem-estar e de amor, tendo subjacente à sua regulamentação o facto de estar cientificamente comprovado que, quanto mais cedo forem encontrados substitutivos parentais mais possibilidade tem a criança de atingir aquele objectivo” (Mónica Jardim; Breve análise da nova lei da adopção (Lei n.º 31/2003 de 22 de Agosto). 

    

Não obstante todas as transmutações que vêm debilitando os seus ancestrais valores, a família perspectiva-se como a mais importante instituição social de solidário abrigo da criança.

A necessidade de solucionar a adversidade, que frequentemente nos advém, da circunstância de os pais se alienarem deste demarcado factor de segurança familiar, acarreta que o legislador tenha de enfrentar e remediar este imperativo social; e essas renovadas funções haverão de ser afirmadas por instituições de acolhimento e centros de hospitalidade, onde se procurará materializar o adequado equilíbrio entre a família e o menor, desta forma se prosseguindo o desejável desenvolvimento psico-somático do menor.


Perante esta vivência não poderia o nosso sistema judicial ficar indiferente a este dado da vida da sociedade e, apreendendo-o, logo o regulou pela forma e com o esmero que o estatuído nos artigos 38.º -A da LPCJP (confiança a instituição com vista a futura adopção) e art.º 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP (acolhimento residencial/ acolhimento institucional prolongado) lhe mereceram.

Estando esta particularizada medida - confiança com vista a futura adopção - prevista no art.º 1978.º do C. Civil (regra do instituto da adopção), persistiu-se em que fosse minuciosamente considerada no regime da LPCJP, para aí ser diferenciada, após confronto com medida de acolhimento institucional prolongado, atualmente designada por acolhimento residencial.

    

A medida de acolhimento residencial (anteriormente referenciado como acolhimento institucional prolongado) destina-se a protagonizar esta almejada harmonia, isto é, a dar à criança a indispensável orientação destinada à prevenção das situações de perigo grave, nos casos em que ainda se não encontram postergados, de forma irreversível, os laços que à família o prendem.


Estas duas pormenorizadas medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo, têm campos de aplicação distintos e, natural e racionalmente, na sua seleção há-de dar-se primazia ao princípio do superior interesse da criança.

 - Verificado que esteja o desinteresse dos pais para com as crianças, cabe, num segundo momento, ao Tribunal avaliar se esse desinteresse comprometeu seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos. Através dos mesmos factores utilizados como pressupostos para a falta de interesse dos pais para com os filhos é possível verificar que dessas situações existe grande probabilidade de rotura dos vínculos afectivos próprios da filiação - Sara Caçador; ABORDAGEM TEÓRICO-PRÁTICA DA INTERVENÇÃO DO TRIBUNAL NA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE CONFIANÇA JUDICIAL COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO; pág. 40.



A aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção, embora pré-anunciada nas situações elencadas no artigo 1978.º do Código Civil, há-de ter de se sustentar, necessariamente, no art.º 38.º-A da LPCJP, isto é, só deverá ocorrer quando já não exista qualquer ligação afectiva, entre os pais e a criança, própria da filiação.

Convenhamos que, com vista à melhor solução de saber e ajuizar em que circunstâncias é que o menor fica melhor protegido no sentido do seu desenvolvimento físico-psíquico, não é possível generalizar princípios e observar conceitos rígidos na condução da sua educação, porquanto neste campo sempre estaríamos face a casos nunca iguais e onde não poderíamos concluir por um certo padrão-tipo - “o interesse do menor, dado o seu estreito contacto com a realidade, não é susceptível de uma definição em abstracto que valha para todos os casos. Este critério só adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças” (Maria Clara Sottomayor; Regulação do Poder Paternal nos Casos de Divórcio; pág. 32).

  

Neste entendimento, porque “resulta da matéria de facto (pontos 103. § 4.º, 167., 168. e 169-A.) e é uma constante nos relatórios que há anos vêm sendo juntos ao processo, que a Luísa e o Alexandre estão fortemente ligados à mãe, mostram vontade de a ver e apreciam as suas visitas, ajuizou a Relação que é tanto basta para, no cumprimento da lei, impedir que aos menores seja aplicada a medida de confiança com vista à adopção” e, em consequência, aos menores aplicou a medida de acolhimento prolongado em instituição, prevista, à data do acórdão recorrido, nos artigos 35.º, n.º 1, al. f), 49.º e 50.º da LPCJP.


Esta opção, preferente e concretamente tomada pela Relação, porque se integra numa realidade de conveniência, tomada segundo critérios de oportunidade, está de fora da apreciação deste Supremo Tribunal, nos termos do disposto no art.º 1411.º, n.º 2 do C.P.Civil.    


V. Com estas considerações pensamos que ficam dissipadas as dúvidas levantadas pelo Ministério Público, que considera haver uma efectiva contradição decisória quando, apesar de ter efectuado a demonstração de que estão quebrados os "laços afectivos próprios da filiação" o tribunal recorrido apelou a outros elementos a que chama de "afectos" para determinar que a sua existência impede o encaminhamento destas crianças para adopção e determinar aplicar-lhes o que chama de medida de "acolhimento institucional prolongado.

Na verdade, como procurámos demonstrar, a disciplina jurídica prescrita no art.º 1978.º do C.Civil (“o tribunal pode confiar o menor a casal…” diz a lei) e o regime jurídico que nos é oferecido pelos artigos 38.º -A da LPCJP (confiança a instituição com vista a futura adopção) e art.º 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP (acolhimento residencial/acolhimento institucional prolongado), têm horizontes factuais de incidência diferenciada e a opção tomada pela Relação, justificadamente elaborada no sentido que consagra o acolhimento institucional prolongado, não apresenta a equivocidade que contra esta resolução se aponta.


Concluindo:

1. Através da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção procura-se encaminhar a criança para uma desejável adoção - a futura adoção é o essencial fim desta medida - sem que os passos a dar neste sentido possam ser estorvados pela inoportuna e inconsistente rejeição da anuência dos pais.

2. Se é certo que a “futura adoção” preconizada para a criança tem de assentar no preclaro abandono dos progenitores, ou seja, no rompimento dos laços de filiação biológica por parte dos pais - como se induz da alínea c) do n.º 1 do art. º 1878.º do C.Civil) - também é verdade que só quando tivermos a certeza de que esta relação parental se esvaziou de forma absoluta é que se poderá encetar o caminho destinado à procura de saber se a adoção é a melhor medida para a criança, assim desmerecida pelos seus pais.

3. A opção, preferente e concretamente tomada pela Relação, no sentido de que estão verificados os pressuposto de aplicação aos menores da medida de acolhimento prolongado em instituição, porque se integra numa realidade de conveniência, tomada segundo critérios de oportunidade, está de fora da apreciação deste Supremo Tribunal, nos termos do disposto no art.º 1411.º, n.º 2 do C.P.Civil.    


Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.


Sem custas (art. 4.º, n.º 1, al. a), do RCJ).


Supremo Tribunal de Justiça, 14 de julho de 2016.


António da Silva Gonçalves (Relator)

António Joaquim Piçarra

Fernanda Isabel Pereira