Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO | ||
Descritores: | ATRIBUIÇÃO DE HORÁRIO FLEXÍVEL | ||
Data do Acordão: | 07/03/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Sumário : |
I - O horário flexível pedido pelo Autor se reconduz ao regime legal típico previsto no artigo 56.º do Código do Trabalho de 2009, ou seja, é constituído por dois períodos temporais diários, que se dividem em 6 horas matinais seguidas [7 a 13 horas, com uma primeira plataforma fixa das 10,00 às 12,00 horas] e em 2 horas diárias, depois de decorrida a hora para a refeição, entre as 14,00 e as 16,00 horas [segunda plataforma fixa], ao longo de 8 horas diárias vezes os cinco dias úteis da semana. II – As questões relativas ao pedido de horário flexível têm de ser equacionadas por referência ao horário de trabalho que era praticado pelo Réu na data da sua dedução e não em função da alteração posterior que foi introduzido pela Autora, sendo certo que essa modificação temporal, assim como a subsequente transferência de local de trabalho, que não se mostram justificadas nos autos, suscitam dúvidas quanto à sua motivação, boa-fé e legalidade. III - Tendo em atenção que o motivo de recusa do pedido de horário flexível só pode, segundo o legislador laboral, ter «fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.», as dificuldades de serviço da recorrida que ressaltam dos factos provados não podem ser configuradas juridicamente como impeditivas, de uma forma estrutural, grave, incontornável e socialmente inexigível, da normal e regular atividade da empresa, de forma a que seja legítimo à Autora qualificá-las como necessidades imperiosas da mesma e, nessa medida, obstar à modificação do horário requerido pelo Réu. | ||
Decisão Texto Integral: | Revista n.º 2133/21.0T8VCT.G1.S1 (4.ª Secção) Recorrente: AA Recorrida: ÁGUAS DO NORTE, S.A. (Processo n.º 2133/21.0T8VCT.G1 – Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo - Juízo do Trabalho de ... - Juiz ...) ACORDAM OS JUÍZES NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. – RELATÓRIO 1. ÁGUAS DO NORTE, S.A., com os sinais indicados nos autos, veio intentar, no dia 14/7/2021, a presente ação declarativa de processo comum laboral contra AA, com os sinais indicados nos autos, pedindo que seja declarada a existência de motivo justificativo para a recusa do horário de trabalho em regime de horário flexível requerido pelo Réu. * 2. Alega a Autora, para tanto e em resumo, o seguinte: - Celebrou com o Réu um contrato individual de trabalho, sendo que este lhe solicitou a atribuição de um regime de horário flexível, de 2.ª feira a 6.ª feira para prestar assistência aos filhos menores de 12 anos, das 7h às 13h e das 14h às 16h, constituído por uma componente fixa de quatro horas, correspondente ao período das 10h às 12h e das 14h às 16h, com período de descanso diário das 13h às 14h; - Este horário coloca em causa o normal funcionamento do subsistema a que o Réu está adstrito, que tem necessidade de operar de forma contínua e ininterrupta, sete dias por semana, 24 horas por dia, para assegurar o normal abastecimento de água à população, a que a Autora se obrigou nos termos do contrato de concessão celebrado com o Estado Português; razão pela qual o réu presta a sua atividade sem descanso semanal fixo; - Após ter sido emitido parecer desfavorável à recusa da Autora pelo CITE, a partir de 8/2/2021, o Réu passou a ter horário flexível e, em consequência, foram alterados também os horários dos restantes colaboradores da equipa ETA ..., que, por já incluir um trabalhador com horário flexível devido a ter um filho menor com deficiência profunda, leva à redução da mesma a três elementos em vez de cinco, o que causa enorme prejuízo e transtorno à Autora que desse modo não consegue dar resposta ao cumprimento dos contratos de concessão no abastecimento de água e saneamento de águas residuais aos municípios, designadamente, o de ...; - a Autora não tem dotação orçamental para proceder à contratação de um novo elemento para integrar a equipa, pois carece de autonomia financeira, sendo uma entidade exclusivamente financiada pelo Estado; - O Réu não fundamentou o seu pedido, nomeadamente com impossibilidade ou incompatibilidade do horário da mãe dos seus filhos, tendo-se limitado a referir que pretendia horário flexível até a sua filha menor de idade perfazer 12 anos. * 3. Realizou-se a Audiência de Partes, sem que tenha havido conciliação entre Autora e Réu. * 4. Regularmente notificado, o Réu, apresentou contestação, na qual, defendendo-se por exceção, invocou a caducidade do direito da ação de reconhecimento da existência de motivo justificativo de recusa do pedido de horário flexível. Mais alegou, em resumo, o seguinte: - que a Autora age em abuso de direito pois falta à verdade ao não ter indicado o verdadeiro horário do Réu, que na verdade era fixo, das 9h às 18h, com intervalo para almoço das 13h às 14h, 5 dias por semana, e trabalho ao fim de semana uma vez por mês com folga fixa à sexta-feira e à segunda-feira, e só após o Réu ter pedido o horário flexível é que alterou os horários como lhe alterou o local de trabalho a mais de 30 Km da sua residência; - À data da interposição da ação, o Réu já não era trabalhador na ETA ... por ter sido substituído por um colega, sendo que o horário flexível pedido é compatível com o dos colegas, como efetivamente foi entre fevereiro de 2021 até junho 2021, altura em que a Autora alterou o local de trabalho do Réu. * 5. A Autora apresentou articulado de resposta no qual pugnou pela improcedência das exceções de caducidade, de abuso de direito e de ilegalidade do pedido invocadas pelo Réu. No mais, impugnou a factualidade alegada pelo Réu e reiterou a versão vertida na P.I.. * 6. Finda a fase dos articulados, foi dispensada a realização de Audiência Prévia e prolatou-se o despacho saneador, que fixou à ação o valor de Euros 77.778,21 e decidiu pela improcedência da exceção de caducidade, tendo dispensado a fixação do objeto do litigio e dos temas de prova. * 7. Teve lugar a Audiência Final com observância do formalismo legal, tendo sido proferida, com data de 7 de junho de 2023, sentença judicial que decidiu, a final, o seguinte: «Face a tudo o exposto, decide-se julgar a presente ação totalmente improcedente e, consequentemente, considerar não existir motivo justificativo para a Autora recusar a atribuição de horário flexível solicitada pelo Réu, pelo que se absolve o mesmo do pedido. Custas pela Autora. Registe e notifique.» ** 8. Inconformado com a sentença, a Autora recorreu de Apelação, tendo apresentado as competentes alegações e o Réu as respetivas contra-alegações, vindo os autos a subir ao Tribunal da Relação de Guimarães, onde seguiram a sua norma tramitação. * 9. - O Tribunal da Relação de Guimarães acordou, por decisão coletiva de 1 de fevereiro de 2024, no seguinte: «Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, revogando a decisão recorrida, declara-se a existência de motivo justificativo para a recusa pela Autora/recorrente do horário de trabalho requerido pelo Réu/recorrido. Custas da apelação a cargo do recorrido. Notifique.” * 10. - O Réu interpôs recurso de revista, concluindo, em síntese: «1. O presente recurso de revista vem interposto do acórdão de 1.2.2024 proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães que julgou procedente a Apelação e revogou a decisão da primeira instância declarando a existência de motivo justificativo para a recusa pela Autora/Recorrente do horário de trabalho requerido pelo Réu/recorrido, entenda-se na apelação. 2. Decisão com a qual não nos conformamos por considerar que efetuou uma errada interpretação e consequente aplicação de normas legais constantes do Código do Trabalho e da Constituição da República Portuguesa. 3. A argumentação e consequente decisão do acórdão em apreço foi no sentido único de considerar que o teor da comunicação efetuada pelo trabalhador Réu à Autora foi de imposição de um horário fixo, sem dar margem ao empregador para a fixação de horário flexível. 4. Discordamos, não só porque nada na comunicação do trabalhador redunda na conclusão que o acórdão proferido da mesma retirou, como também porque a tese do acórdão recorrido é contrariada pelo teor da resposta da Autora de 28.12.20 – teor esse dado como reproduzido no ponto 9 dos factos provados. 5. O que resulta dos autos foi que a Autora não elaborou qualquer horário como lhe competia, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 56.º do CT. 6. O Réu limitou-se a fazer a escolha de horário no pedido que enviou à Autora, conforme aliás está claramente previsto no n.º 2 do art.º 56.º, do CT. A letra da norma é muito clara, da qual só pode resultar a interpretação de que permite ao trabalhador escolher o horário, obviamente dentro de certos limites. Limites esses constantes do n.º 4 do art.º 56.º do CT. 7. O art.º 56.º do CT, deve ser interpretado no sentido que da letra do mesmo resulta com a devida clareza, ou seja, que ao trabalhador é permitido efetuar uma escolha de horário na comunicação que dirige ao empregador, e ao empregador é que compete a fixação do horário flexível. 8. Razão pela qual, se entende que houve errada interpretação e aplicação da norma do art.º 56.º, do CT, e por isso a decisão proferida deve ser revogada. 9. Nos presentes autos não foi demonstrado pela Autora qualquer um dos fundamentos previstos no art.º 57.º, n.º 2, para que pudesse proceder à recusa de horário flexível ao Réu. 10. Razão pela qual, se entende que a decisão constante do acórdão da Relação de Guimarães em apreço, viola a norma do n.º 2 do art.º 57.º, do CT, e por isso a decisão proferida deve ser revogada. 11. A decisão proferida pelo acórdão em apreço coloca em causa o direito do Réu a poder conciliar a sua vida profissional com a vida familiar, em particular a assistência que pretende prestar aos seus filhos menores de 12 anos. 12. A decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi no sentido contrário ao de assegurar a obrigação do Estado em proteger as famílias e no caso do Réu a de o proteger como Pai na sua realização insubstituível em relação aos filhos. 13. Razão pela qual, se entende que a decisão proferida viola de foram inaceitável as normas constitucionais previstas nos art.ºs 59.º, 67.º e 68.º da C.R.P. e por isso deve ser revogada. Nestes termos e nos mais de direito que Vexas doutamente suprirão, pelos fundamentos expostos nas alegações e conclusões apresentadas, deve ser concedido total provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o acórdão recorrido, substituindo por outro que reponha a decisão da primeira instância, com o que farão, inteira e sã JUSTIÇA.» * 11. - A Autora respondeu a tais alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: «I. No entender da Recorrida, o Acórdão recorrido, que declarou a existência de motivo justificativo para a recusa pela Autora, ora recorrida, do horário de trabalho requerido pelo Réu, é profusamente fundamentada e não merece qualquer censura, antes constituiu um exemplo de administração correta e profícua da justiça. II. A Recorrida louva e revê-se no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, não tendo qualquer fundamento o lamento do Recorrente ínsito nas suas alegações, pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, tendo sido feita correta decisão da matéria de facto e correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto. III. A Recorrida, face ao pedido de regime de horário de trabalho flexível pelo Recorrente, comunicou-lhe, fundamentadamente, a impossibilidade de aceder ao solicitado, informando que a atividade exercida pelo trabalhador no regime de turnos era indispensável para assegurar o normal abastecimento a que a Recorrida está obrigada face aos contratos de concessão estabelecidos com o Estado Português, através do Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de maio; bem como que tal alteração de horário prejudicaria (como prejudicou)o funcionamento do subsistema a que está adstrito, onde existe a necessidade de operar de forma contínua, 7 dias por semana, pelo que, por via dos contratos de concessão aludidos, a Recorrida exerce um trabalho contínuo e ininterrupto. IV. Prescreve o art.º 56.º, n.º 2 do CT que «Entende-se por horário flexível aquele emque o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.». V. Porém, a Recorrida, por razões de força maior conexas com o seu próprio interesse enquanto entidade empregadora, e devidamente fundamentadas na lei, indeferiu o pedido do Recorrente, de um alegado horário flexível que de flexível nada tinha. VI. Ainda assim, face à elaboração da proposta de horário pelo Recorrente (o que não lhe competia), a Recorrida procedeu à formulação de decisão de indeferimento de forma completa e justificada. VII. Não percebeu o Recorrente que não lhe competia a elaboração do horário flexível. VIII. Diga-se, ainda assim, que o horário solicitado pelo Recorrente não tinha nada de flexível, configurando-se, ao invés, como um horário em regime fixo. Vejamos: IX. O Recorrente solicitou que os termos do seu horário se fixassem com início às 7:00 horas e termo às 16:00 horas, o qual integrava a pausa para almoço das 13:00 às 14:00 horas, sendo que a plataforma fixa compreendia os períodos das 10:00h às 12:00h e das 14:00h às 16:00h. X. Assim, tendo em conta que o Recorrente teria sempre de cumprir com o trabalho normal diário de 8 horas, perfazendo o total de 40 horas semanais, o horário solicitado não permitia à Recorrida enquadrar o trabalhador noutro horário que não o requerido, o que, na prática, se traduz num verdadeiro horário fixo. XI. À luz do art.º 56.º do CT, não pode o trabalhador, de forma unilateral e vinculativa, fixar o seu próprio horário de trabalho, como fez, pelo que, por tudo o sobredito, o Acórdão recorrido respeita todas as disposições legais e jurisprudenciais, não assistindo, portanto, razão ao Recorrente. XII. Alega o Recorrente que a Recorrido não demonstrou os fundamentos para a recusa do horário flexível, o que é, manifestamente, falso. XIII. Em cabal cumprimento do n.º 2 do art.º 57.º do CT, que determina que o empregador apenas pode recusar o pedido de horário flexível que lhe seja formulado por um trabalhador se estiver perante exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável, a Recorrida, via E-mail de 28/12/2020, informou o Recorrente da sua decisão de indeferimento, justificada pela laboração em regime de turnos e que tal alteração de horário colocaria em causa o regular funcionamento do subsistema em causa, onde tem necessidade de operar de forma contínua e ininterrupta. XIV. Acresce que, tal horário, que chegou a ser praticado pelo Recorrente, conjugado com o facto de outro elemento da equipa beneficiar de horário flexível (este sim, com motivos imperiosos e atendíveis), causou enorme prejuízo e transtorno à Recorrida, que não consegue dar resposta ao cumprimento dos contratos de concessão no abastecimento de águas residuais aos municípios. XV. Tal horário culminou até com prejuízos para os restantes trabalhadores, que viram o seu descanso e tempo familiar prejudicado. XVI. Enquanto a Recorrida, por seu lado, tem de lhes pagar horas suplementares e, por via do cansaço extra dos seus trabalhadores, está sujeita à ocorrência de erros laborais, com consequente prejuízo para os consumidores finais. XVII. Assim, dúvidas não restam acerca do cumprimento, pela Recorrida, do preceituado no n.º 2 do art.º 57.º do CT. XVIII. Não pode ter acolhimento a interpretação do Recorrente quando afirma que o Tribunal a quo, com a decisão em crise, colocou em causa os seus direitos constitucionalmente protegidos ínsitos nos artigos 59.º, 67.º e 68.º, todos da CRP. XIX. O Recorrente descurou que também a entidade empregadora goza de direitos constitucionalmente tutelados, designadamente os direitos à iniciativa privada, cooperativa e autogestionária (art.º 61.º da CRP), à liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista (art.º 80.º, al. c) da CRP) e direitos constitucionais concernentes às empresas privadas (artigos 82.º, n.º 3 e 86.º, n.º 1 da CRP). XX. No entanto, no âmbito da relação jurídica entre trabalhador e empregador, este conjunto de direitos constitucionais não goza de natureza absoluta, sendo muitas vezes restringidos em prol da compatibilização dos interesses de ambas as partes. XXI. Esta harmonização está patenteada nos artigos 56.º e 57.º do CT, que preveem que o horário flexível será fixado pelo empregador, que estabelece os limites temporais dento dos quais o horário flexível pode ser exercido, sendo que depois, dentro desse balizamento, o trabalhador poderá gerir o seu tempo por forma a poder cuidar dos seus filhos menores. XXII. Esta conciliação de interesses terá de ser realizada atentando às necessidades e exigências de ambas as partes, no caso concreto. XXIII. Como sabemos e resulta provado, a Recorrida encontra-se adstrita a imposições contratuais que a obrigam a adotar uma laboração em regime de turnos, de maneira a assegurar-se o normal abastecimento dos recursos hídricos, pelo que o regime flexível prejudica severamente o seu funcionamento. XXIV. Por outro lado, nunca foram pelo Recorrente concretizadas as necessidades que alega enfrentar relativamente à prestação de assistência aos seus filhos menores. XXV. O Recorrente não revela a situação profissional da progenitora, os motivos pelos quais o horário pretendido seria mais benéfico para o exercício da sua parentalidade, ou sequer a idade dos menores, elementos fácticos estes que seriam absolutamente essenciais para aferir das necessidades do Recorrente. XXVI. Assim, por tudo o supra exposto, e dadas as imperiosas exigências da Recorrida e à falta de justificação do Recorrente, podemos concluir que está justificada a recusa do regime de horário flexível. XXVII. E, assim, por todas as razões apontadas, o recurso interposto pelo Recorrente deverá improceder na sua totalidade. Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso de revista ser julgado não provado e totalmente improcedente, e, em consequência, manter-se o Acórdão recorrida, assim se fazendo a costumada e boa…JUSTIÇA.» * 12. - O Ministério Público, em 6/5/2024, emitiu Parecer no sentido da procedência da revista, tendo concluído o mesmo nos seguintes termos: «Somos, assim, de parecer que o recurso interposto pelo recorrente deverá ser considerado procedente, revogando-se o douto acórdão recorrido.» * 13. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir. II. - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 14. - Os Tribunais da 1.ª e da 2.ª Instância consideraram PROVADOS e NÃO PROVADOS os seguintes factos: “Os factos que o Tribunal recorrido considerou provados são os seguintes: 1. Por carta registada enviada a 8 de Janeiro de 2021, a Autora remeteu à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), cópia do pedido de autorização de trabalho em regime de horário flexível, apresentado pelo Réu, para efeitos da emissão de parecer. 2. Neste seguimento, a 05/02/2021, a Autora recebeu parecer desfavorável à intenção de recusa relativamente ao pedido de trabalho em regime de horário flexível apresentado pelo Réu. 3. Deste parecer a Autora interpôs Reclamação Graciosa, que decidiu mantê-lo integralmente. 4. O Réu mediante contrato individual de trabalho, obrigou-se a prestar, sob autoridade e direção da aqui Autora, tarefas e atividades na dependência da Gestão de Operação, correspondente à categoria profissional de Técnico Operativo A. 5. Enquanto Técnico Operativo de Exploração, à data do pedido referido em 1., o Réu exercia as suas funções de operador do Núcleo Operacional ..., mais concretamente na ETA .... 6. O referido contrato teve o seu início a 4 de Junho de 2010, tendo sido acordado entre o Réu e a Autora que para efeitos do cômputo de antiguidade (e período experimental, se aplicável) deverá ser considerada a data de 27 de Dezembro de 2007, data em que o Réu iniciou a sua atividade na águas do M..., S.A., entretanto extinta por fusão – cfr. cláusula nona do contrato junto com a P.I., cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 7. Ficou ainda acordado que o trabalho seria prestado, de segunda a sexta-feira, num período normal de oito horas diárias e quarenta horas semanais, com uma hora para almoço, sendo que, foi dado conhecimento expresso ao Réu para qualquer alteração que viesse a ser necessária na organização do horário de trabalho, em virtude do funcionamento dos serviços da empresa – cfr. cláusula quinta do contrato de trabalho junto com a P.I.. 8. Por comunicação eletrónica (email), datada de 11 de Dezembro de 2020, dirigida ao coordenador dos Recursos Humanos da Autora, o Réu solicitou que lhe seja atribuído um regime de horário flexível no seguintes termos: “Eu, AA, técnico operativo de exploração AA a exercer função de operador na ETA ..., nos termos do disposto no art.ºs 56.º e 57.º do código do trabalho, e demais normas legais e regulamentares aplicáveis, venho por este meio solicitar que me seja atribuído um regime de horário flexível de segunda a sexta-feira para prestar assistência aos filhos menores de 12 anos, em vigor a partir do dia 12 de Janeiro de 2021 até a minha filha menor atingir 12 anos de idade. Horário das 07:00 horas as 13:00 horas da parte da manhã, das 14:00 horas às 16:00 horas da parte da tarde, constituído por uma componente fixa de 4 horas (plataformas fixas) das 10:00 horas às 12:00 horas da manhã e das 14:00 as 16:00 da tarde, período de intervalo de descanso diário das 13:00 as 14:00 horas.(…)” – cfr. documento junto com a P.I., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 9. A 28 de Dezembro de 2020, a Autora, na pessoa do Coordenador de Recursos Humanos – Processamento Salarial e Administrativo, via Email, comunicou ao Réu a decisão de recusa do pedido de autorização de trabalho em regime de horário flexível, nos termos que constam do documento junto com a P.I., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 10. Na mesma data, via Email, o Réu respondeu nos termos que constam do documento junto com a P.I. cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 11. Em Janeiro de 2021, a Autora procedeu à alteração de horários de trabalho, que seriam alargados para duas escalas, e parcialmente noturno, compreendido das 09:00 às 17:00 horas e das 14:00 às 22:00 horas. 12. O Núcleo Operacional ..., que o Réu integrava à data do pedido supra referido em 1., labora em contínuo 7 dias por semana, 24 horas por dia. 13. Fazem parte deste Núcleo os seguintes colaboradores: o Réu, BB, CC, DD e EE. 14. Antes de o Réu ter requerido à Autora o horário flexível estavam a ser praticados, pelo próprio Réu e pelos colaboradores BB, DD e EE, o horário das 9:00 horas às 18:00 horas. 15. Depois de o Réu ter requerido o horário flexível, que apesar de lhe ter sido recusado pela Autora, uma vez que o parecer do CITE foi desfavorável ao sentido de recusa da Autora, a partir de 8 de Fevereiro de 2021, o Réu passou a horário flexível, compreendendo o seguinte horário, de segunda a sexta: das 7:00 horas às 13:00 horas e das 14:00 horas às 16:00 horas, constituído por uma componente fixa de quatro horas (plataformas fixas), correspondentes ao período das 10:00 horas às 12:00 horas e das 14:00 horas às 16:00 horas. 16. A partir de 15 de Fevereiro de 2021, os horários dos colaboradores da ETA ... passaram a ser os seguintes: das 9:00 horas às 17:00 horas e das 14:00 horas às 22:00 horas. 17. Com o horário referido em 15. e por existir na equipa outro colaborador, o Sr. BB, a quem foi concedido horário flexível, pelo prazo de um ano, com início em 1 de Dezembro de 2020 e termo em 30 de Novembro de 2021, por ter um filho menor com deficiência profunda que precisa do seu apoio, a equipa ficou apenas com três elementos a fazer trabalho em regime de turnos e a trabalhar aos fins de semana, sendo um dos períodos parcialmente noturno (até às 22:00). 18. Em 28/05/2021, com confirmação escrita, via Email a 09/06/2021, o Réu recebeu ordem de alteração do seu local de trabalho que passou a ser a ETAR ... em ... – cfr. Doc. junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.” FACTOS NÃO PROVADOS E considerou não provados os seguintes factos: “a) A alteração de horário do Réu coloca em causa o normal funcionamento do subsistema a que está adstrito. b) O alegado em 12., acontece também nos restantes Núcleos de Exploração. [c) O horário referido em 14., era sem descanso semanal fixo.] (alterado pelo Tribunal da Relação de Guimarães para provado) d) A situação referida em 16., ocorreu por causa do horário flexível do Réu. e) A situação mencionada em 17., causa um enorme prejuízo e transtorno à Autora que não consegue dar resposta no cumprimento dos contratos de concessão no abastecimento de água e saneamento de águas residuais aos municípios, designadamente o de .... f) Tendo a equipa cinco elementos, sendo esse o número de pessoas necessário à satisfação das necessidades da Autora para que esta consiga um cabal e normal funcionamento da ETA e para que seja possível o abastecimento de água à população, e não tendo a Autora dotação orçamental para contratar mais pessoas, incluindo para a substituição do réu, é impossível à Autora conseguir satisfazer os seus compromissos no âmbito dos contratos de concessão, com o horário que o Réu pretende fazer. g) Essa impossibilidade traduz-se no enorme esforço que está a ser feito pelos restantes elementos da equipa (CC, DD e EE) que neste momento, de forma temporária, estão a assegurar o horário que anteriormente era feito pelo Réu, com prejuízo para o seu descanso, com prejuízo para as suas famílias, com prejuízo para a Autora que tem de lhes pagar horas de trabalho suplementar, com prejuízo para a Autora que devido aos cansaço destes colaboradores está mais exposta à ocorrência de erros e falhas nos procedimentos de trabalho, com o consequente prejuízo para os consumidores finais. h) O horário solicitado pelo Réu é incompatível com os horários existentes na Autora e absolutamente necessários à sua laboração e resposta aos contratos de concessão que assumiu. i) O Réu tem uma atividade profissional paralela com aquela que desempenha na Autora sendo esse o verdadeiro motivo para requerer o horário flexível.”» III. - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º, n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC). ** A – REGIME ADJETIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEL Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em dia 14/7/2021, ou seja, significativamente depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019. Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada também muito após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013. Será, portanto, e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação. Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data. Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem todos ocorrido, essencialmente, na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime derivado desse diploma legal que aqui irá ser chamado essencialmente à colação, em função da factualidade considerada [não ignoramos que a relação laboral dos autos, conforme foi reconhecido pelas partes, para efeitos de contagem da antiguidade e de período experimental, teve início no dia 27 de Dezembro de 2007, ou seja, no quadro de vigência do Código de Trabalho de 2003, mas afigura-se-nos que este regime legal não tem quaisquer reflexos no litígio dos autos]. B – OBJETO DA REVISTA Neste recurso de revista está - muito em síntese - em causa, decidir se a Autora/empregadora tem motivo justificativo para a recusa do horário de trabalho em regime de horário flexível solicitado pelo Réu/trabalhador. Recorde-se aqui que, com data de 7 de junho de 2023, foi proferida uma sentença judicial que decidiu, a final, o seguinte: «Face a tudo o exposto, decide-se julgar a presente ação totalmente improcedente e, consequentemente, considerar não existir motivo justificativo para a Autora recusar a atribuição de horário flexível solicitada pelo Réu, pelo que se absolve o mesmo do pedido. Custas pela Autora. Registe e notifique.» O Tribunal da Relação de Guimarães, por seu turno, acordou, por decisão coletiva de 1 de fevereiro de 2024, no seguinte: «Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, revogando a decisão recorrida, declara-se a existência de motivo justificativo para a recusa pela Autora/recorrente do horário de trabalho requerido pelo Réu/recorrido. Custas da apelação a cargo do recorrido. Notifique.” A argumentação desenvolvida nesse Aresto pelo tribunal da 2.ª instância foi a seguinte: «[…] Já a Constituição da República Portuguesa (CRP), nossa lei fundamental, com inteira pertinência para o caso estatui: “ Artigo 59.º Direitos dos trabalhadores 1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: (…) b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar;” (…)”. “ Artigo 67.º Família 1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. 2. Incumbe, designadamente, ao Estado para proteção da família: (…) h) Promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da atividade profissional com a vida familiar.”. “ Artigo 68.º Paternidade e maternidade 1. Os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país. 2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes. (…).” Assim, com acerto se diz na fundamentação da decisão recorrida que “o artigo 56.º do Código do Trabalho materializa, assim, os princípios constitucionais de proteção dos direitos dos trabalhadores, da família, da paternidade e da maternidade, consagrados nos artigos 59.º, n.º 1, alínea b), 67.º, n.º 1 e 68.º, n.ºs 1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).” E bem assim quando aí se expende que “Já os direitos ao livre exercício da iniciativa económica privada e à liberdade de organização empresarial, encontram-se consagrados nos artigos 61.º [Artigo 61.º/1 - 1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.] e 82.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP). [3. O sector privado é constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou coletivas privadas, sem prejuízo do disposto no número seguinte.]”, podendo ainda referir-se do mesmo diploma fundamental e com interesse neste campo o artigo 80.º c) - A organização económico-social assenta nos seguintes princípios: c) Liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista - e o artigo 86.º/1/2 - 1. O Estado incentiva a atividade empresarial, em particular das pequenas e médias empresas, e fiscaliza o cumprimento das respetivas obrigações legais, em especial por parte das empresas que prossigam atividades de interesse económico geral. 2. O Estado só pode intervir na gestão de empresas privadas a título transitório, nos casos expressamente previstos na lei e, em regra, mediante prévia decisão judicial. Diz-se também na decisão recorrida que “A estes direitos sobrepõem-se os direitos à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, o direito à proteção da família como elemento fundamental da sociedade e o direito à maternidade e paternidade em condições de satisfazer os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar, cedendo estes últimos perante os primeiros, tão só quando em presença de interesses imperiosos.” Mostra-se acertada esta conclusão de que a sobreposição dos supra referenciados direitos dos trabalhadores, de ordem e interesse público, não têm natureza absoluta, como claramente decorre do citado n.º 2 do artigo 57.º do CT, e competindo naturalmente à lei ordinária regular aqueles direitos programaticamente enunciados na lei fundamental, compatibilizando-os quando conflituantes, no que pode limitar o exercício de algum/alguns deles. Como se afirma no acórdão da RL de 23-10-2019 [1], “Como é sabido, até mesmo os direitos constitucionalmente protegidos admitem restrições legais. Donde, não é por a Constituição salvaguardar a conciliação entre a atividade profissional e a vida familiar, que o direito estabelecido para tal fim se tem como absoluto. Antes terão que ser salvaguardados os direitos dos trabalhadores num processo de equilíbrio com os interesses dos empregadores. Afinal, também estes veem constitucionalmente protegidos o livre exercício da iniciativa económica e a liberdade de organização empresarial (art.ºs 61.º e 80.º/1-c) da CRP) do que é expressão o poder de estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem e o de determinar o horário do trabalhador dentro dos limites da lei (art.º 97.º e 212.º do CT).” Ora, do conceito e regime de atribuição de horário flexível consagrado nos artigos 56.º e 57.º do CT resulta que este horário é, dentro dos limites legalmente estabelecidos, fixado pelo empregador - cabe ao empregador estabelecer os limites temporais dentro dos quais o horário flexível pode ser exercido, depois, dentro desses limites, é que o trabalhador poderá gerir o seu tempo por forma a poder cuidar do(s) seu(s) filho(s) menor(es). E compreende-se que assim seja e que o legislador tenha consagrado um mecanismo para, na medida do possível, compatibilizar os interesses do trabalhador (a ter um horário de trabalho que lhe possibilite cuidar dos filhos) e da empregadora (a fixar aos seus trabalhadores horários de trabalho adequados à organização/eficiência da empresa). Sucede que o horário indicado pelo réu não constitui, a nosso ver, um pedido de atribuição de horário flexível, uma vez que pretende ser ele próprio, unilateralmente, e sem qualquer maleabilidade (com efeito, sabendo-se que o réu/recorrido tem um período de trabalho normal diário de 8 horas e semanal de 40 horas, pretende um horário flexível que não dá ao empregador rigorosamente nenhuma margem para poder fixar o horário tendo também em conta o interesse da empresa – cf. pontos 7 e 8 dos factos provados), a estabelecer os limites dentro dos quais pretende exercer o seu direito, donde não ser o horário pretendido subsumível à previsão legal do art.º 56.º do CT. Com efeito, o trabalhador/réu pediu que lhe seja atribuído um regime de “horário flexível” “de segunda a sexta-feira (…) Horário das 07:00 horas as 13:00 horas da parte da manhã das 14:00 horas as 16:00 horas da parte da tarde, constituído por uma componente fixa de 4 horas (plataformas fixas) das 10:00 horas as 12:00 horas da manhã das 14:00 as 16:00 da tarde período de intervalo de descanso diário das 13:00 as 14:00 horas.” Ou seja, o horário é fixo, rígido em todos os seus parâmetros, não respeitando a expressão “horário flexível” a sua semântica pois que o termo “flexível” não tem no horário proposto pelo réu qualquer aderência à realidade, o que sucede também quanto à alusão às “plataformas fixas” (não diferem em nada, quanto à obrigação de permanência ou não no exercício de funções/possibilidade de ausência ao trabalho, do restante período horário diário, supostamente “plataformas variáveis”). Como se sumariou em Ac. do STJ de 28.10.2020 [2], “I. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 56.º, 57.º e 212.º, n.º 2 do Código do Trabalho, compete ao empregador – naturalmente com respeito pelos limites da lei e com base na escolha horária que lhe tenha sido apresentada pelo trabalhador – determinar o horário flexível de trabalho do trabalhador que, com responsabilidades familiares, lhe tenha solicitado a prestação laboral nesse regime de horário, definindo, dentro da amplitude de horário escolhido por este, quais os períodos de início e termo do trabalho diário;” Também no Ac. RP de 18-5-2020 [3], se defende que “Os limites dentro dos quais o trabalhador poderá escolher o horário serão os que decorrem do n.º 3. E, deste, resulta que é o empregador quem deve elaborar o horário em conformidade com o que nele se estipula, aí se prevendo: a) deverão ser estipulados um ou dois períodos de presença obrigatória (com duração igual a metade do período normal de trabalho diário); b) deverão ser indicados os períodos de início e termo do trabalho diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário (podendo a duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento). O que resulta do citado preceito é que o trabalhador poderá iniciar o trabalho no período ou faixa de tempo fixado para o início do trabalho diário, assim como poderá terminar o trabalho no período ou faixa de tempo fixado para o termo do trabalho diário (assim, poderá escolher iniciar o trabalho quando entender, mas entre as x e y horas fixadas pelo empregador, o mesmo valendo quanto ao termo do trabalho diário), considerando-se ainda o previsto no n.º 4 do artigo 56.º do Código do Trabalho.” A este propósito, diz-nos Maria do Rosário Palma Ramalho [4] que “Se o trabalhador pretender exercer esse direito, é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho (art.º 56.º n.º 3 corpo), mas deve fazê-lo dentro dos parâmetros fixados pela lei (art.º 56.º n.º 3, alíneas a), b) e c) e n.º 4)”. Neste sentido também se pronuncia Liberal Fernandes [5]: “Esta faculdade não põe em causa o disposto no art.º 212.º, n.º 1, não conferindo aquele qualquer prerrogativa quanto à escolha de um horário em concreto, sem prejuízo de poder manifestar a sua preferência - o que, eventualmente, facilitará ao empregador a fixação do horário e permitir a conciliação dos interesses de ambas as partes, além de que poderá revelar-se um elemento útil para o parecer da CITE. No entanto, aquele direito não deixa de limitar os poderes do empregador em matéria de fixação do horário de trabalho: não só porque está vinculado a elaborar esse tipo de horário, como ainda o deve fazer dentro dos limites legais (n.ºs 3 e 4 do art.º 56.º).».” Alice Cristina Costa Matos defende também que “O horário flexível é definido pelo empregador e inclui um ou dois “períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário” (al. a) do n.º 3 do art.º 56.º) - “plataformas fixas” [62]. São estipulados os “períodos para início e termo do trabalho diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento” (al. b) do n.º 3 do art.º 56.º) - “faixas de variação” [63], e estabelece-se um intervalo de descanso não superior a duas horas [n.º 3, al. c)] [64], no âmbito dos quais o trabalhador vai gerindo a sua prestação diária, devendo, para o efeito apreciar os critérios do n.º 4 do mesmo preceito legal. A finalidade desta disposição é, precisamente, a garantia de flexibilidade na definição dos períodos de trabalho, para que o trabalhador disponha de alguma maleabilidade na definição e adaptação das suas rotinas, proporcionando-lhe um exercício mais eficaz das suas responsabilidades parentais [65].”[6] (sublinhamos) É certo que esta orientação não é unânime, havendo posições dissonantes quer na jurisprudência quer na doutrina, defendendo a aplicação deste regime legal a situações em que claramente não se pretende um horário flexível, mas sim um horário fixo, conquanto visando a conciliação entre a vida profissional e familiar, v.g. o apoio do trabalhador aos filhos, argumentando-se, designadamente, que se numa situação como a do horário flexível, o trabalhador pode definir, sem pré-aviso, a distribuição do seu horário nas “faixas de variação”, não faz sentido que um horário fixo, à partida menos prejudicial para o empregador em virtude da sua previsibilidade, esteja excluído do espírito da norma. [7] Não nos parece, contudo, que este seja o melhor entendimento. Em primeiro lugar, afigura-se-nos que uma tal interpretação do art.º 56.º do CT não respeita os princípios que, nos termos do art.º 9.º do CC, devem presidir à interpretação da lei. Com efeito, se é certo que de acordo com o n.º 1. desse artigo “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”, o número 2. do mesmo artigo ressalva que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” Salvo melhor opinião, não tem um mínimo de correspondência na letra da lei uma interpretação do art.º 56.º do CT no sentido de que aí se autoriza que o trabalhador, de forma unilateral e vinculativa para o empregador, possa fixar ele próprio o horário de trabalho (in totum), e menos ainda que possa fixar um horário fixo. Como refere Sara Leitão [8], o número 3 do art.º 56.º do CT “prevê regras aplicáveis à elaboração do horário flexível que, como esclarece de forma expressa, em concretização do disposto no art.º 212.º do Código do Trabalho, é tarefa do empregador.” Mais, e conforme número 3 do identificado artigo do Código Civil, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” Como decorre do que se disse supra, a «solução mais acertada» importa no caso uma compatibilização de direitos e interesses, do trabalhador e da empregadora, e se assim é, como nos parece, efetivamente o legislador disse o que queria dizer, i. é, soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Como se escreveu em Ac. da RL de 23-10-2019 [9], “(…) o horário de um trabalhador não pode ficar apenas subordinado a interesses particulares deste, por muito relevantes e respeitosos que sejam, havendo ainda que ponderar e conciliar os interesses do coletivo dos trabalhadores e os da própria organização económica onde o trabalhador está inserido.” Mesmo que, como se defende no Ac. da RL de 29-01-2020 [10], sejam de considerar as nuances do caso concreto que podem determinar, sob pena de esvaziamento do desiderato do horário flexível (afinal de contas, possibilitar que o trabalhador cuide dos filhos) uma maior influência da vontade do trabalhador na definição do horário flexível e até uma maior rigidez deste - “Do cotejo das normas, nomeadamente contidas nos art.º 56, 57 e 212 do CT e da inserção sistemática dos primeiros, resulta que se pretende proteger a parentalidade, conforme lapidarmente referido no citado ac. da RP de 02/03/2017; que estão em causa prementes razões sociais, que por isso prevalecem sobre outros interesses legítimos, mormente de gestão, propriedade e iniciativa privada do empregador; e que tal opera através de um horário flexível ou da prestação de trabalho em tempo parcial. A própria razão de ser do direito (...) resultante do art.º 56 do CT acarreta, cremos, flexibilidade na interpretação das normas, admitindo alguma assimetria de acordo com as situações. É assim que é razoável uma assimetria de fundamentos consoante as situações em causa: exigir a um progenitor, em família monoparental, que carece necessariamente de sair a determinada hora, que o faça mais tarde, mais não leva do que à inutilização do direito em causa e à impossibilitação da conjugação da vida familiar com a prestação da atividade; já o mesmo não se pode dizer de outros casos, em que se impõe que o empregador possa, de alguma maneira, determinar o horário, nos termos genéricos do art.º 212/1, do CT, não estando a sua margem de manobra tão comprimida pelas circunstâncias. Ou seja: numa certa vulgaridade, ou se se preferir, mediania de situações, há lugar a uma efetiva determinação do horário, a qual carece de uma margem mínima de manobra da empregadora, sob pena de esvaziamento dos seus poderes de direção. Isso impõe que, ao indicar as horas de início e termo, mencionadas no art.º 56/2, o trabalhador o faça deixando alguma margem ao empregador, o qual só assim pode efetivamente concretizar o horário; menos do que isso – que redunda numa mera gestão do intervalo de descanso – só é razoável quando prementes limitações do trabalhador assim o impõem” (sublinhamos) - tal terá sempre de resultar das exigências do caso concreto e, quanto a nós, terá melhor fundamento legal no dever de boa fé que deve nortear a conduta de empregadores e trabalhadores (cf. art.º 126.º, n.º 1, do CT) e ainda, mais especificamente, no art.º 212.º/2 b) do CT que, regendo quanto à elaboração de horário de trabalho pelo empregador diz que este deve: Facilitar ao trabalhador a conciliação da atividade profissional com a vida familiar. Todavia, o réu/recorrido nada alegou, sequer, que possa justificar que, ao arrepio do regime previsto no art.º 56.º do CT, seja ele e não o empregador a fixar o horário e, mais do que isso, a pretender impor ao trabalhador um horário fixo.» C – REGIME LEGAL APLICÁVEL Abordemos, então, a matéria central desta Revista e que se prende com a interpretação e aplicação do regime da parentalidade, na sua faceta de exercício pelos progenitores de menores de 12 anos ou de filhos com deficiência ou doença crónica que com eles vivam em comunhão de mesa e habitação do direito, das suas funções profissionais em regime de horário flexível. Permitam-nos a repetição das duas disposições legais que definem o que é horário flexível e que preveem os requisitos e regulam o procedimento de petição e concessão ou indeferimento de tal pretensão: Artigo 56.º Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares 1 - O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos. 2 - Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário. 3 - O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve: a) Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário; b) Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento; c) Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas. 4 - O trabalhador que trabalhe em regime de horário flexível pode efectuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas. 5 - O trabalhador que opte pelo trabalho em regime de horário flexível, nos termos do presente artigo, não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira. 6 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 1. Artigo 57.º Autorização de trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível 1 - O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos: a) Indicação do prazo previsto, dentro do limite aplicável; b) Declaração da qual conste: i) Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação; ii) No regime de trabalho a tempo parcial, que não está esgotado o período máximo de duração; iii) No regime de trabalho a tempo parcial, que o outro progenitor tem atividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de trabalho a tempo parcial ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal; c) A modalidade pretendida de organização do trabalho a tempo parcial. 2 - O empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável. 3 - No prazo de 20 dias contados a partir da receção do pedido, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito, a sua decisão. 4 - No caso de pretender recusar o pedido, na comunicação o empregador indica o fundamento da intenção de recusa, podendo o trabalhador apresentar, por escrito, uma apreciação no prazo de cinco dias a partir da receção. 5 - Nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo para apreciação pelo trabalhador, o empregador envia o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação do trabalhador. 6 - A entidade referida no número anterior, no prazo de 30 dias, notifica o empregador e o trabalhador do seu parecer, o qual se considera favorável à intenção do empregador se não for emitido naquele prazo. 7 - Se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo. 8 - Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos: a) Se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a receção do pedido; b) Se, tendo comunicado a intenção de recusar o pedido, não informar o trabalhador da decisão sobre o mesmo nos cinco dias subsequentes à notificação referida no n.º 6 ou, consoante o caso, ao fim do prazo estabelecido nesse número; c) Se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no n.º 5. 9 - Ao pedido de prorrogação é aplicável o disposto para o pedido inicial. 10 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 2, 3, 5 ou 7. Pensamos que cingir a problemática da concessão do horário flexível aos pais trabalhadores que se encontrem nas condições legalmente exigidas para esse efeito a estes dois artigos – havendo ainda que referir o artigo 35.º, número 1, alínea q) do mesmo diploma legal, quando estatui que «1 - A proteção da parentalidade concretiza-se através da atribuição dos seguintes direitos: q) Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares;» - é perder de vista o seu real e verdadeiro enquadramento constitucional e legal, tal como é, aliás, feito, por exemplo, na fundamentação do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28/10/2020, Processo n.º 3582/19.0T8LSB.L1.S1, relator: José António Santos Feteira, publicado em www.dgsi.pt e com o seguinte Sumário: «1. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 56.º, 57.º e 212.º, n.º 2 do Código do Trabalho, compete ao empregador – naturalmente com respeito pelos limites da lei e com base na escolha horária que lhe tenha sido apresentada pelo trabalhador – determinar o horário flexível de trabalho do trabalhador que, com responsabilidades familiares, lhe tenha solicitado a prestação laboral nesse regime de horário, definindo, dentro da amplitude de horário escolhido por este, quais os períodos de início e termo do trabalho diário; 2. O empregador apenas em determinadas circunstâncias, relacionadas com exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou com a impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável, poderá recusar a atribuição do solicitado horário flexível e ainda assim, mediante parecer positivo da entidade competente na área de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.» Pode ler-se em tal fundamentação, o seguinte: «Como refere a Sr.ª Prof.ª MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO em “Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, 3.ª Edição, pág.ª 508, «[o] regime legal do tempo de trabalho é, tradicionalmente, um regime de acentuada rigidez, no sentido em que corresponde a um modelo fixo de distribuição do período normal de trabalho diário e semanal: em regra, o trabalhador fica adstrito a um número invariável de horas de trabalho, por dia e por semana, e o seu horário de trabalho é sempre o mesmo». Todavia, dispõe o art.º 59.º n.º 1 al. b) da CRP que «[t]odos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:… b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar» (realce nosso), sendo que no art.º 67.º, n.º 2, al. h), também da CRP, se estabelece que «[i]ncumbe, designadamente, ao Estado para proteção da família:… h) Promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da atividade profissional com a vida familiar» – o que está em linha com o previsto no n.º 1 do art.º 33.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) ao consagrar que «[é] assegurada a proteção da família nos planos jurídico, económico e social» –, enquanto no art.º 68.º, n.ºs 1 e 2 da CRP se prevê, respetivamente, que «[o]s pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país» e que «[a] maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes». Concretizando o estabelecido nos mencionados preceitos da nossa Lei Fundamental, verifica-se que o legislador, depois de estipular no art.º 33.º n.ºs 1 e 2 do CT, respetivamente, que, «[a] maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes» e que «[o]s trabalhadores têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação ao exercício da parentalidade», estabeleceu no art.º 212.º, n.º 1 do mesmo diploma que, «[c]ompete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador, dentro dos limites da lei, designadamente do regime de período de funcionamento aplicável», sendo que no n.º 2 do mesmo preceito e no que aqui releva, dispôs que «[n]a elaboração do horário de trabalho, o empregador deve:… b) Facilitar ao trabalhador a conciliação da atividade profissional com a vida familiar» (realce nosso).» H – INTERPRETAÇÃO DO REGIME LEGAL Tendo tal quadro constitucional, comunitário e legal como pano de fundo, impõe-se então atacar uma complexa problemática jurídica que coloca em confronto os direitos do empregador à livre iniciativa privada e à organização da sua atividade económica - designadamente por referência aos tempos de trabalho e de descanso dos seus assalariados, dentro dos limites legal, convencional e contratualmente definidos – e aqueles outros que, estando na titularidade dos trabalhadores, se traduzem no estabelecimento pelo Estado, a sociedade civil e a entidade patronal de uma real e concreta conciliação entre a sua vida profissional e a sua vida familiar e pessoal e, nessa medida, na criação das condições de vida e de trabalho que lhes permitam exercer efetivamente os seus direitos e deveres parentais. O direito a requerer a prestação das suas funções em regime de horário flexível encontra-se consagrado nos transcritos artigos 35.º, n.º 1, al. q) e 56.º e 57.º do CT/2009 e está dependente, em moldes gerais, de um procedimento interno e administrativo que se traduz na apresentação formal e fundamentada do pedido pelo trabalhador, com uma antecedência de 30 dias, subsequente pronúncia motivada e escrita do empregador sobre o mesmo e sua comunicação ao interessado em 20 dias, sendo que, em caso de recusa por parte do segundo, haverá lugar, no prazo de 5 dias, a um pedido oficioso e obrigatório de parecer à CITE, que deverá ser emitido e notificado às partes em 30 dias, implicando o seu teor discordante com a mencionada recusa patronal a necessidade de propositura de uma ação judicial com o objetivo de ver o tribunal do trabalho confirmar as razões invocadas para o indeferimento do pretendido horário flexível. O horário flexível que é consentido no âmbito do exercício dos direitos de parentalidade pelos trabalhadores que sejam pais de filhos até 12 anos ou com doença crónica ou deficiência - «Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário» - mostra-se incompreensivelmente vocacionado apenas para os horários em que o trabalho é desenvolvido durante os dias úteis [e somente no vulgarmente designado horário de trabalho diurno] e o descanso coincide com o fim-de-semana, deixando na sombra e sem solução a já considerável percentagem de assalariados que desenvolvem as suas funções em regimes horários diferentes. Tal será o caso, por exemplo, dos horários essencialmente noturnos e os dos turnos rotativos e que têm o seu descanso obrigatório e complementar em dias desencontrados da semana, que, as mais das vezes não coincidem com o sábado e o domingo, importando referir ainda que as creches e os jardins-de-infância onde tais progenitores podem deixar os seus filhos durante as suas jornadas de trabalho não funcionam, por sistema e tanto quanto é do conhecimento geral, aos sábados, domingos e feriados [e, nos dias úteis da semana, com horas de abertura e encerramento que excluem todos os trabalhadores com desenvolvimento das suas funções, parcial ou totalmente, em regime noturno]. FRANCISCO LIBERAL FERNANDES [11], muito embora não abordando, especificamente, os aspetos por nós antes aflorados, refere o seguinte quanto à figura do horário flexível: «2. Não obstante o art.º 56º, n.º 2, definir horário flexível como sendo “aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário”, e de o número seguinte regular a respetiva organização, aquela modalidade está associada a um regime em que o trabalhador goza da faculdade de gerir, dentro de certos limites, o seu tempo de trabalho. De qualquer forma, a noção compreende outros arranjos - cuja previsão não só procura tutelar os trabalhadores com responsabilidades familiares e situações equiparadas (art.º 64.º), como responder também às necessidades de produção -, designadamente: i) O horário flutuante, em que o trabalhador fica com a possibilidade de, dentro de uma margem previamente estabelecida, definir a hora de início e de termo da prestação laboral, devendo, no entanto, permanecer na empresa durante todo o período normal. ii) O horário misto, em que o tempo de trabalho é distribuído por um período fixo, que compreende as horas em que é obrigatória a presença no local de trabalho, e por um período variável durante o qual o trabalhador pode ausentar-se da empresa ou permanecer ao serviço, conforme tenha ou não cumprido o período normal de trabalho. iii) O horário diferenciado ou desfasado, em que as horas de entrada e de saída não são idênticas para os diversos grupos ou categorias de pessoal, mantendo-se inalterado o período normal de trabalho. iv) A jornada contínua, em que a prestação de trabalho é ininterrupta, podendo o trabalhador usufruir, nas condições previstas no art.º 213.º, de um descanso de duração inferior a uma hora - o qual será considerado tempo de trabalho se preencher os pressupostos do art.º 197.º, n.º 2, alínea d). v) O horário livre, em que o trabalhador tem a possibilidade de gerir o seu tempo de trabalho. vi) O horário por turnos, em que a atividade de trabalho tem lugar em, pelo menos, dois períodos diários e sucessivos, assegurados por equipas diferentes.». Nada impedia, portanto, que o legislador laboral pudesse ter regulado devidamente esta matéria do horário flexível de maneira a abranger dentro de uma noção mais ampla e do estabelecimento de outras modalidades para além das atualmente estabelecidas, outros cenários comuns ou significativos de trabalho que não se ativessem ao traduzido na laboração em dias úteis e no descanso nos fins-de-semana. Importa finalmente dizer que o pedido de horário flexível a que os progenitores trabalhadores têm direito nos termos dos artigos 56.º e 57.º do CT/2009 constitui, em rigor e juridicamente, uma alteração unilateral do horário de trabalho praticado até aí pela entidade empregadora e que tal modificação – com a ressalva das exceções legalmente existentes - está prevista e consentida não apenas por tais disposições normativas, como ainda pelo quadro mais abrangente de natureza legal, comunitária e constitucional que o acórdão do STJ que acima deixámos citado nos apresenta. Os legisladores desses diversos níveis de normatividade, por contraponto aos direitos dos empregadores ao livre exercício da iniciativa privada e da organização do seu funcionamento e atividade, privilegiam, desde que se justifique, objetiva, familiar, social e juridicamente, o seu exercício, os direitos emergentes da parentalidade responsável [sendo que, no toca ao horário flexível de trabalho, por referência aquelas três categorias legalmente definidas de filhos]. Naturalmente que não ignoramos que as empresas/entidades empregadoras não são como, se usa dizer na gíria popular, nenhumas instituições de solidariedade social, não tendo, nesse medida, de se substituir ao Estado, às entidades com responsabilidades sociais [Segurança Social] ou à sociedade em geral, enquanto coletividade de cidadãos solidários que está obrigada a dar uma resposta mínima a todas as situações de desproteção e abandono de um dos seus membros. Mas, ainda que as empresas, nesta nossa economia de mercado, desenvolvam primordialmente a sua atividade com vista à obtenção de lucro, definindo, compreensivelmente e nessa medida, a sua estratégia, estrutura e organização fundamentalmente em função desse desiderato, também é verdade que recaem sobre elas responsabilidades de cariz social, como ressalta desde logo da determinação legal constante do artigo 127.º, número 3 do Código do Trabalho de 2009: «O empregador deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal.» [12] Compreende-se, assim, que os tribunais administrativos, assim como os nossos tribunais da 1.ª instância, da relação e o próprio Supremo Tribunal de Justiça, tenham começado a entender ou a estender a tais cenários, que não encontram acolhimento expresso na letra da lei, o regime jurídico dela decorrente: - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 20/5/2016, Processo n.º 02716/15.0BEPRT [Procedimento Cautelar para Adoção duma Conduta], relatora: Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão, publicado em ECLI:PT:TCAN:2016:02716.15.0BEPRT.67, com o seguinte Sumário: «I - Está em causa o exercício do direito à prestação de trabalho em regime de flexibilidade de horário como condição de a Requerente poder acompanhar o filho, que atualmente tem 5 anos de idade, nas suas atividades quotidianas; I.1 - Esse direito é apenas reconhecido aos trabalhadores com filhos menores de 12 anos; I.2 - Assim sendo, se não fosse concedida a tutela antecipatória requerida, a demora inerente à decisão definitiva no processo principal impediria a Requerente de gozar ou tirar proveito, durante um determinado lapso temporal da infância do filho, das vantagens subjacentes à concessão da flexibilidade de horário; I.3 - Trata-se, portanto, de prejuízos cuja reintegração ou reparação no plano dos factos não se revela integralmente viável, pois que não será mais possível “recuperar” ou “reconstituir” o período já decorrido e durante o qual a Requerente poderia ter beneficiado do direito em questão, se este lhe vier a ser reconhecido a final.» - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2/3/2017, Processo n.º 2608/16.3T8MTS.P1, relatora: Paula Leal de Carvalho, publicado em ECLI:PT:TRP:2017:2608.16.3T8MTS.P1.43, com o seguinte Sumário: «O CT/2009 deu concretização à tutela constitucional da parentalidade nos termos dos arts. 33.º e segs, 127.º, n.º 3, e 212.º, n.º 2, sendo a própria Lei, no art.º 56.º daquele, que confere o direito, nos termos nele previstos, à atribuição de horário de trabalho flexível, o que, assim, não consubstancia violação dos direitos constitucionais do empregador à livre iniciativa económica e à liberdade de organização empresarial, nem limitação ilícita aos seus poderes diretivos consagrados no art.º 97.º do CT.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/3/2019, Processo n.º 12279/16.1T8LRS.L1-4, relatora: Filomena Manso, publicado em ECLI:PT:TRL:2019:12279.16.1T8LRS.L1.4.52, com o seguinte Sumário: «1 – Tendo a autora, comunicado à ré que é mãe solteira, tendo a seu cargo um filho com 12 anos de idade, não tendo qualquer relação com o outro progenitor e não beneficiando de qualquer apoio por parte de outros familiares, indicando as horas de início e termo do período normal de trabalho diário (entre as 9h e as 17h ou máximo às 18h), com folgas aos fins-de-semana e feriados que pretende, deve considerar-se que observou o disposto no art.º 57.º n.º 1, do Código do Trabalho. 2 – Dentro dos limites indicados, de modo a possibilitar a conciliação da vida profissional com as responsabilidades da vida familiar da autora, cabia à ré a determinação do concreto horário de trabalho a cumprir em cada momento, nos termos do art.º 212, nº1 do mesmo diploma legal. 3 – Ainda que a ré entendesse que a pretensão da Autora era de recusar por não se compaginar a horário flexível, deveria a mesma comunicar à Autora por escrito, a sua intenção, estando também obrigada a submeter o processo à apreciação do CITE. 4 – Em caso de parecer desfavorável da CITE tem a entidade patronal a possibilidade legal de intentar ação judicial com vista ao reconhecimento dos motivos justificativos para a recusa.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/7/2019, Processo n.º 3824/18.9T8STB.E1, relatora: Paula do Paço, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário: «I - O regime especial de horário flexível visa adequar o tempo de trabalho às exigências familiares do trabalhador, nomeadamente, quando este tem filho menor de 12 anos. II - Tendo sido requerido pela trabalhadora demandada, um horário flexível, entre as 09h00 e as 18h00 com 1 hora de almoço, de 2.ª a 6.ª feira, e o sábado e domingo como dias de folga, motivado pela circunstância de a trabalhadora não ter ninguém que possa ficar com o seu filho menor de 5 anos, quando o infantário que o mesmo frequenta está encerrado, o horário requerido enquadra-se na definição de horário flexível, prevista no artigo 56.º do Código do Trabalho. III - Sobre o empregador recai o dever de proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal - artigo 127.º, n.º 3 do Código do Trabalho. IV - As exigências imperiosas do funcionamento da empresa que justificam a recusa do pedido do horário flexível, previstas no n.º 2 do artigo 57.º do Código do Trabalho, correspondem a situações excecionais, extraordinárias, inexigíveis ao empregador para conseguir manter o regular funcionamento da empresa ou estabelecimento. V - O ónus da prova da existência de motivo legalmente protegido para a recusa do pedido de horário flexível recai sobre o empregador». - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/10/2020, Processo n.º 3582/19.0T8LSB.L1.S1, relator: José António Santos Feteira, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:3582.19.0T8LSB.L1.S1.9F/ e com o seguinte Sumário: «1. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 56.º, 57.º e 212.º, n.º 2 do Código do Trabalho, compete ao empregador – naturalmente com respeito pelos limites da lei e com base na escolha horária que lhe tenha sido apresentada pelo trabalhador – determinar o horário flexível de trabalho do trabalhador que, com responsabilidades familiares, lhe tenha solicitado a prestação laboral nesse regime de horário, definindo, dentro da amplitude de horário escolhido por este, quais os períodos de início e termo do trabalho diário; 2. O empregador apenas em determinadas circunstâncias, relacionadas com exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou com a impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável, poderá recusar a atribuição do solicitado horário flexível e ainda assim, mediante parecer positivo da entidade competente na área de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/3/2022, Processo n.º 17071/19.9T8SNT.L1.S1, relator: Júlio Manuel Vieira Gomes, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2022:17071.19.9T8SNT.L1.S1.BE/ e com o seguinte Sumário: 1. O horário flexível é, antes de mais, um horário de trabalho pelo que bem pode a trabalhadora, no seu pedido, precisar quais os seus dias de descanso. 2. Tendo rejeitado parcialmente o pedido de horário flexível, o empregador deve pedir o parecer da CITE e não o tendo feito, e por força da lei, o pedido deve considerar-se como tendo sido aceite "nos seus precisos termos" e, portanto, também na parte atinente aos dias de descanso semanal. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/6/2022, Processo n.º 423/20.9T8BRR.L1.S1, relator: Domingos José de Morais, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2022:3425.19.4T8VLG.P1.S2.12/e com o seguinte Sumário: 1. Os artigos 56.º, 57.º e 212.º, n.º 2, do Código do Trabalho, atribuem ao trabalhador com responsabilidades familiares o direito a solicitar ao empregador a atribuição de um horário flexível; 2.Sendo o horário flexível, antes de mais, um horário de trabalho, esse trabalhador pode, no seu pedido, precisar quais os seus dias de descanso, incluindo o sábado e o domingo. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2022, Processo n.º 3425/19.4T8VLG.P1.S2, relator: Ramalho Pinto, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2022:423.20.9T8BRR.L1.S1.AB/ e com o seguinte Sumário: O texto dos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho não exclui a inclusão do descanso semanal, incluindo o sábado e o domingo, no regime de flexibilidade do horário de trabalho, a pedido do trabalhador com responsabilidades familiares. I – LITÍGIO DOS AUTOS A ação judicial de onde deriva o presente recurso de revista foi proposta pela empregadora na sequência do pedido de horário flexível formulado pelo trabalhador que, por ter sido recusado pela Autora, determinou a audição obrigatória da CITE quanto à referida pretensão e à sua rejeição pela recorrida, que, nessa sequência, proferiu Parecer discordante com a posição da entidade patronal, impondo a esta última o estabelecimento do referido horário flexível, nos moldes perseguidos pelo trabalhador. Tendo ocorrido uma divergência entre as duas instâncias quanto ao reconhecimento judicial da pertinência e relevância do motivo alegado pela Autora, constata-se, desde logo, que o horário flexível procurado pelo recorrente se reconduz ao regime legal típico previsto no artigo 56.º do Código do Trabalho de 2009, ou seja, constituído por dois períodos temporais diários, que se dividem em 6 horas matinais seguidas [7 a 13 horas, com uma primeira plataforma fixa das 10,00 às 12,00 horas] e em 2 horas diárias, depois de decorrida a hora para a refeição/descanso, entre as 14,00 e as 16,00 horas [segunda plataforma fixa], ao longo de 8 horas diárias vezes os cinco dias úteis da semana [13]. Importa ainda realçar que, quando da apresentação do pedido de horário flexível, no dia 11/12/2020, o Réu tinha o seguinte horário de trabalho: «14. Antes de o Réu ter requerido à Autora o horário flexível estavam a ser praticados, pelo próprio Réu e pelos colaboradores BB, DD e EE, o horário das 9:00 horas às 18:00 horas.», horário esse que a Autora, depois de ter rejeitado aquela pretensão no dia 28/12/2020 e antes da notificação do Parecer desfavorável do CITE e do indeferimento da reclamação graciosa do mesmo, veio a alterar em data indeterminada de janeiro de 2021, nos seguintes moldes: «11. Em Janeiro de 2021, a Autora procedeu à alteração de horários de trabalho, que seriam alargados para duas escalas, e parcialmente noturno, compreendido das 09:00 às 17:00 horas e das 14:00 às 22:00 horas.», ainda que, no local de trabalho do Réu só tenha começado a vigorar na segunda metade do mês seguinte [«16. A partir de 15 de Fevereiro de 2021, os horários dos colaboradores da ETA ... passaram a ser os seguintes: das 9:00 horas às 17:00 horas e das 14:00 horas às 22:00 horas.»]. Tal modificação não foi a única operada pela Autora, pois ficou ainda demonstrado que «18. Em 28/05/2021, com confirmação escrita, via Email a 09/06/2021, o Réu recebeu ordem de alteração do seu local de trabalho que passou a ser a ETAR ... em ... – cfr. Doc. junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.». [14] As questões relativas ao pedido de horário flexível têm de ser equacionadas por referência ao horário de trabalho que era praticado pelo Réu na data da sua dedução e não em função da alteração posterior que foi introduzido pela Autora, sendo certo que essa modificação temporal, assim como a subsequente transferência de local de trabalho, que não se mostram justificadas nos autos, suscitam dúvidas a este Supremo Tribunal de Justiça quanto à sua motivação, boa-fé e legalidade. De qualquer maneira, mesmo que se considere, no quadro deste recurso de revista esses outros horários de trabalho, pensamos que a consagração dos mesmos não constituem óbice, pelos argumentos jurídicos já sustentados noutra parte deste Aresto e por força da transcrita jurisprudência dos nossos tribunais superiores, ao eventual reconhecimento e manutenção do horário flexível do Réu. Quanto a esse horário flexível, ressalta da factualidade dada como assente que «15. Depois de o Réu ter requerido o horário flexível, que apesar de lhe ter sido recusado pela Autora, uma vez que o parecer do CITE foi desfavorável ao sentido de recusa da Autora, a partir de 8 de Fevereiro de 2021, o Réu passou a horário flexível, compreendendo o seguinte horário, de segunda a sexta: das 7:00 horas às 13:00 horas e das 14:00 horas às 16:00 horas, constituído por uma componente fixa de quatro horas (plataformas fixas), correspondentes ao período das 10:00 horas às 12:00 horas e das 14:00 horas às 16:00 horas.» Olhando agora para os inconvenientes causados à organização e atividade da Autora, resultou apenas demonstrado o seguinte [neste contexto, importa compulsar igualmente muitos dos factos dados como não assentes]: «12. O Núcleo Operacional ..., que o Réu integrava à data do pedido supra referido em 1., labora em contínuo 7 dias por semana, 24 horas por dia. 13. Fazem parte deste Núcleo os seguintes colaboradores: o Réu, BB, CC, DD e EE. 17. Com o horário referido em 15. e por existir na equipa outro colaborador, o Sr. BB, a quem foi concedido horário flexível, pelo prazo de um ano, com início em 1 de Dezembro de 2020 e termo em 30 de Novembro de 2021, por ter um filho menor com deficiência profunda que precisa do seu apoio, a equipa ficou apenas com três elementos a fazer trabalho em regime de turnos e a trabalhar aos fins de semana, sendo um dos períodos parcialmente noturno (até às 22:00).» Chegados aqui e tendo em atenção que o motivo de recusa do pedido de horário flexível só pode, segundo o legislador laboral, ter «fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.», afigura-se-nos que as dificuldades de serviço da recorrida que ressaltam dos factos antes transcritos não podem ser configuradas juridicamente como impeditivas, de uma forma estrutural, grave, incontornável e socialmente inexigível, da normal e regular atividade da empresa, de forma a que seja legítimo à Autora qualificá-las como necessidades imperiosas da mesma e, nessa medida, obstar à modificação do horário requerido pelo Réu. Dir-se-á, finalmente, que não cabem no objeto desta ação algumas das questões levantadas pela recorrida e que se prendem com as necessidades do Réu no que toca ao seu pedido de horário flexível e com as circunstâncias e condições pessoais e familiares em que o mesmo foi formulado, dado tal problemática já se encontrar, nesta fase do litígio, definitivamente ultrapassada. Logo, pelos fundamentos deixados expostos, julgamos procedente o presente recurso de revista, com a inerente revogação do recorrido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e a repristinação da sentença da 1.ª instância. IV. - DECISÃO Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social julgar procedente o recurso de revista interposto pelo Réu AA, com a inerente revogação do recorrido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e a repristinação da sentença da 1.ª instância. Custas a cargo da Autora, quer no que toca à ação, como no que respeita ao recurso, nos termos do número 1 do artigo 527.º do CPC/2013. Notifique e registe. Lisboa, 3 de julho de 2024
José Eduardo Sapateiro [Juiz-Conselheiro relator] Domingos José de Morais [Juiz-Conselheiro adjunto] Mário Belo Morgado [Juiz-Conselheiro adjunto]
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1. «Proc. 13543/19.3T8LSB, Manuela Fialho» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 3.↩︎ 2. «Proc. 3582/19.0T8LSB.L1.S1, José Feteira, www.dgsi.pt» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 4.↩︎ 3. «Proc. 9430/18.0T8VNG.P1, Teresa Sá Lopes, https://jurisprudencia.pt/acordao/194962/» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 5.↩︎ 4. «“Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais”, 3.ª Edição» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 6.↩︎ 5. «“O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código de Trabalho”, Biblioteca RED, 2018, pág. 37» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 7.↩︎ 6. «“Regimes de Trabalho Flexíveis e Conciliação entre a Vida Profissional e Familiar”, Tese de Mestrado em Direito na UCP sob orientação da Professora Doutora Catarina de Oliveira Carvalho, págs. 27/28, https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/36557/1/202836444.pdf« - - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 8.↩︎ 7. «Cf., por ex., Ac. RE de11-07-2019, Proc. 3824/18.9T8STB.E1, Paula do Paço, www.dgsi.pt, e Catarina de Oliveira Carvalho, “Novos Desafios da Parentalidade”, in “Covid-19 e Trabalho: o dia seguinte”, Maria do Rosário Palma Ramalho/Teresa Coelho Moreira (coords.), AAFDL, Lisboa, págs. 232/233.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 9.↩︎ 8. «“Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares”, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Pedro Romano Martinez/Luís Gonçalves da Silva (Coord.), Vol. VIII, Almedina, Coimbra, pág. 123.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 10.↩︎ 9. «Proc. 12472/18.2T8SNT.L1-4, Filomena Manso, www.dgsi.pt» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 11.↩︎ 10. «Proc. 3582/19.0T8LRS.L1-4, Sérgio Almeida, https://jurisprudencia.pt/acordao/193251/» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO, COM O NÚMERO 12.↩︎ 11. Em texto intitulado «O trabalho e o tempo: comentário ao Código do Trabalho», 2018, Edição da Universidade do Porto. Reitoria, a páginas 214 e 215, em comentário ao artigo 212.º do Código do Trabalho, em file:///C:/Users/JOSSAP~2/AppData/Local/Temp/O_trabalho_e_o_tempo.pdf.↩︎ 12. Ver MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, «TEMPO DE TRABALHO E CONCILIAÇÃO ENTRE A VIDA PROFISSIONAL E A VIDA FAMILIAR – ALGUMAS NOTAS» publicado na obra coletiva sob a coordenação daquela autora e da Dr.ª TERESA COELHO MOREIRA e que possui o nome de «TEMPO DE TRABALHO E TEMPOS DE NÃO TRABALHO – O REGIME NACIONAL DO TEMPO DE TRABALHO À LUZ DO DIREITO EUROPEU E INTERNACIONAL», Estudos APODIT 4, 2018. O X COLÓQUIO SOBRE O DIREITO DO TRABALHO, que, numa organização conjunta do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA e da APODIT - ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DIREITO DO TRABALHO, teve lugar no Salão Nobre do STJ no dia 17/10/2018, incidiu precisamente sobre a temática do «TEMPOS DE TRABALHO», podendo encontrar-se alguns dos textos que serviram de base às intervenções dos oradores em https://www.stj.pt/?p=8417. O texto da Professora MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO sobre a temática antes referida pode ser encontrado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/10/tempo_trabalho_conciliacao_vida_profissional_vida-amiliar_dir_trabalho_xcoloquio.pdf. Cf. também, a este respeito, a interessante obra de CRISTINA BRANDÃO NUNES no seu livro «A ÉTICA EMPRESARIAL E OS FUNDOS SOCIALMENTE RESPONSÁVEIS», que foi publicado em março de 2004, pela Editora VIDA ECONÓMICA (grupo Editorial Peixoto de Sousa, assim como MARIA JOSÉ CHAMBEL, «A INTERFACE ENTRE O TRABALHO E A FAMÍLIA», texto publicado na obra coletiva «A RELAÇÃO ENTRE O TRABALHO E A FAMÍLIA: DO CONFLITO AO ENRIQUECIMENTO», 1.ª Edição, 2014, publicado pela RH EDITORA e coordenado por MARIA JOSÉ CHAMBEL e MARIA TERESA RODRIGUES RIBEIRO, bem como MARIA TERESA e SUSANA PIMENTA, «Trabalho-família: uma questão de equilíbrio?», texto publicado na obra coletiva «A RELAÇÃO ENTRE O TRABALHO E A FAMÍLIA: DO CONFLITO AO ENRIQUECIMENTO», 1.ª Edição, 2014, publicado pela RH EDITORA e coordenado por MARIA JOSÉ CHAMBEL e MARIA TERESA RODRIGUES RIBEIRO. Ver, finalmente, ANA PATRÍCIA DUARTE, com um texto intitulado «RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS ORGANIZAÇÕES» (Capítulo 17) e constante de páginas 537 e seguintes da obra coletiva intitulada «PSICOSSOCIOLOGIA DO TRAVALHO DAS ORGANIZAÇÕES – PRINCÍPIOS E PRÁTICAS», coordenada por SÓNIA P. GONÇALVES e editada em abril de 2014, pela PACTOR – EDIÇÕES DE CIÊNCIAS SOCIAIS, FORENSES E DA EDUCAÇÃO.↩︎ 13. As partes, quando da celebração do contrato de trabalho dos autos, concertaram o seguinte: «7. Ficou ainda acordado que o trabalho seria prestado, de segunda a sexta-feira, num período normal de oito horas diárias e quarenta horas semanais, com uma hora para almoço, sendo que, foi dado conhecimento expresso ao Réu para qualquer alteração que viesse a ser necessária na organização do horário de trabalho, em virtude do funcionamento dos serviços da empresa – cfr. cláusula quinta do contrato de trabalho junto com a P.I..»↩︎ 14. «5. Enquanto Técnico Operativo de Exploração, à data do pedido referido em 1., o Réu exercia as suas funções de operador do Núcleo Operacional ..., mais concretamente na ETA ....»↩︎ |