Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE GONÇALVES | ||
Descritores: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU EXTRADIÇÃO NULIDADE FALTA DE NOTIFICAÇÃO TRADUÇÃO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO TRATAMENTOS CRUÉIS DESUMANOS E DEGRADANTES ESTABELECIMENTO PRISIONAL CUMPRIMENTO DE PENA REENVIO DO PROCESSO PRESTAÇÃO DE GARANTIAS PELO ESTADO REQUERENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 09/19/2024 | ||
Nº Único do Processo: | |||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | EXTRADIÇÃO/M.D.E./RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Sumário : | I - O MDE é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo, no qual assenta a cooperação judiciária em matéria penal na UE (artigo 82.º, n.º 1, do TFUE). II - O reconhecimento mútuo tem como pressuposto a confiança mútua nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros, com base no reconhecimento de que cada um desses Estados se rege por princípios a todos comuns. III - Se, em princípio, seria de pressupor que no espaço europeu, em geral, a execução das penas privativas da liberdade decorre, de modo mais ou menos homogéneo, num quadro geral de respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos a elas sujeitos, é sabido que tal nem sempre se verifica, havendo conhecimento de graves problemas nos sistemas prisionais de numerosos Estados-Membros — nomeadamente, mas não só, de sobrelotação e de condições de detenção passíveis de serem consideradas desumanas ou degradantes, que vêm sendo reveladas e declaradas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). IV - Segundo jurisprudência do TJUE, perante elementos objetivos, fiáveis, precisos e atualizados que confirmem a existência de deficiências, sistémicas ou generalizadas, nas condições de detenção no Estado-Membro de emissão, a autoridade judiciária de execução deve pedir informações complementares para verificar, de maneira concreta e precisa, se existem motivos sérios e comprovados para considerar que a pessoa objeto do mandado correrá um risco real de tratamento desumano ou degradante em caso de entrega (casos apensos Aranyosi e Cãldãraru - processos C-404/15 e C-659/15 PPU). V - No acórdão Dorobantu, de 15 de outubro de 2019, processo C‑128/18, o TJUE afirmou que o caráter absoluto da proibição de tratamentos desumanos ou degradantes obsta a que possam sobrepor-se-lhe considerações relativas à eficácia da cooperação judiciária em matéria penal, pelo que a necessidade de garantir que a pessoa em causa não será sujeita a tais tratamentos justifica, excecionalmente, uma limitação dos princípios da confiança e do reconhecimento mútuos. VI - Estando em causa a execução de um MDE emitido há mais de 14 anos, em 21.05.2010, e tomando-se conhecimento da revisão e confirmação, na Albânia, em 2015, da sentença condenatória proferida em Itália que está na base do MDE, o que terá acontecido, segundo consta da documentação junta, a pedido das autoridades judiciárias italianas, havia que indagar junto das autoridades judiciárias do Estado-Membro de emissão sobre a manutenção do interesse na execução e, em caso afirmativo, das razões e fundamentos porque, apesar daquela revisão e confirmação, tal interesse se mantém. Sabido que a Itália assinou, mas não ratificou, a Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais, de Haia, de 28 de maio de 1970 - pelo que não está vinculada ao respetivo 11.º que estabelece que, transmitido o pedido de delegação de execução, o Estado requerente fica impedido de executar a pena -, certo é que ignoramos o que dispõe a lei interna a esse respeito. VII - Resultando dos autos que a pessoa procurada não esteve presente no julgamento ocorrido no Estado de emissão, deveria o tribunal recorrido ter-se pronunciado sobre a verificação ou não da causa de recusa prevista no artigo 12.º-A, da LMDE, com obtenção, se necessário, de informações complementares. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06.08.2024, proferido nos autos para execução de mandado de detenção europeu [MDE], emitido pelo Gabinete do Procurador-Geral em Florença, para efeitos de cumprimento da pena aplicada no Processo n.º ... - 8/09 R. SENT, foi decidido determinar a execução do mandado emitido contra o requerido AA, com os demais sinais nos autos, com a consequente entrega do mesmo às autoridades judiciárias do Estado de emissão. 2. Inconformado com a decisão, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça o referido AA, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. No dia 06.08.2024, foi remetida carta para notificação, com a cópia do Acórdão recorrido, para o Estabelecimento Prisional instalado no Edifício da Polícia Judiciária de Lisboa, para efeitos de notificação do Requerido. 2. Sucede que, tanto a carta de notificação, como o Acórdão, foram remetidos em língua portuguesa e desacompanhados de qualquer tradução. 3. O Requerido não é português e não compreende a língua portuguesa. 4. A transmissão do conteúdo do Acórdão, prevista no artigo 111.º, n.º 1, alínea c), do CPP, aplicável ex vi do artigo 34.º, da LMDE, apenas se poderá considerar executada quando o Acórdão for notificado ao Requerido, devidamente traduzido em língua que este conheça e compreenda, no caso, a língua materna, o albanês, ou o castelhano, idioma que o Recorrente admitiu conhecer aquando da sua audição - o que, na presente data, ainda não sucedeu. 5. A falta de notificação da tradução do Acórdão recorrido, viola o disposto no artigo 17.º, n.º 3, da LMDE, em conjugação com os artigos 92.º, n.º 2, 111.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, e com o artigo 6.º, n.º 3, alínea e), da CEDH, e no artigo 24.º, da LMDE, o que consubstancia uma nulidade, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CPP - nulidade que aqui se argui para os devidos efeitos legais – e que constitui igualmente uma inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP. 6. O Acórdão recorrido desconsiderou os factos alegados pelo Recorrente, na sua oposição, demonstrativos de que no sistema prisional italiano são constantemente violados os direitos fundamentais dos reclusos, previstos nos artigos 2.º e 3.º da CEDH, e os princípios jurídicos gerais consagrados no artigo 6.º do Tratado da União Europeia (TUE), bem como os factos alegados quanto às suas condições de ressocialização, factualidade esta comprovada documentalmente. 7. O Tribunal a quo ao desconsiderar toda a factualidade alegada quanto a estas matérias, não cuidou de realizar a enumeração dos factos que resultaram provados ou não provados, fazendo ao invés, uma remissão para a oposição do Recorrente, aglomerando parte dessa factualidade, que deu como não provada, numa redação contraditória com a decisão proferida. 8. Com efeito, o Tribunal a quo limitou-se a dar como não provado que o ora Recorrente, caso seja entregue ao Estado Italiano, “não terá quaisquer condições de ressocialização e enfrentará um risco real de ser sujeito a um tratamento contrário a um tratamento desumano ou degradante”. 9. A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 368.º do CPP, traduz-se na tomada de posição, por parte do Tribunal, sobre todos os factos submetidos à sua apreciação e sobre os quais a decisão tem de incidir – in casu, em especial, sobre os factos constantes do MDE e da Oposição apresentada. 10. Só através da enumeração dos factos se poderia determinar quais os factos que foram efetivamente considerados e valorados pelo Tribunal a quo, positiva ou negativamente, e a razão dessa valoração. 11. Nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), em conjugação com o artigo 374.º, n.º 2, ambos do CPP, a falta de enumeração dos factos provados e dos factos não provados gera a nulidade da decisão. 12. Forçosa se torna, assim, a conclusão de que o Acórdão recorrido padece do vício previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e n.º 2 do artigo 374.º, ambos do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 34.º da LMDE, o que conduz à sua nulidade, por falta de fundamentação - nulidade esta que deve ser declarada, determinando-se que o Tribunal a quo profira nova decisão, expurgada do vício assinalado e demais consequências legalmente previstas. 13. O Acórdão recorrido indeferiu a produção de prova adicional quanto às informações solicitadas às autoridades albanesas, bem como quanto às alegadas dificuldades de ressocialização do Recorrente e das condições do sistema prisional italiano. 14. Entendeu o Tribunal recorrido, quanto à produção de prova sobre as condições prisionais em Itália, que estas matérias não constituem objeto de prova à luz dos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto e que, quanto às informações relativas ao pedido de extradição do Estado Albanês, considerou que todas as informações relevantes já se encontravam nos autos. 15. Sucede que, contrariamente ao entendimento expresso na decisão a quo, impunha-se sobre o Tribunal o poder-dever de indagar sobre o pedido de detenção emitido pelo Estado da Albânia, bem como de proceder a uma avaliação adequada do risco alegado pelo Recorrente através da adoção de todas as diligências necessárias para o efeito. 16. Ao se demitir de solicitar as informações às autoridades albanesas competentes, o Tribunal a quo omitiu a devida análise dos elementos de que depende a apreciação do concurso de pedidos, à luz do disposto no artigo 23.º da LMDE. 17. Para além das circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 23.º da LMDE, o Tribunal não pode deixar de analisar todas as demais circunstâncias do caso concreto, bem como todas aquelas que, porventura, venham mencionadas na convenção aplicável. 18. Nomeadamente e ainda que o MDE tenha sido emitido em data anterior ao pedido de extradição junto aos autos, o Tribunal recorrido não deveria deixar de atender à nacionalidade do requerido ou de deixar de averiguar qual a data do pedido de detenção emitido pelas autoridades judiciárias albanesas quanto à decisão n.º .92AKTI, proferida em 14.05.2015, pelo Tribunal de Tirana e/ou quanto à Decisão n.º .68, proferida em 17.10.2008, pelo Tribunal do Distrito Judicial de .... 19. A formalização de um pedido de extradição depende da prévia detenção do requerido e, como tal, as datas que concorrem para a apreciação do disposto no artigo 23.º, n.º 3, da LMDE, não se podem limitar à comparação simplista entre a data do MDE e a data do pedido de extradição formulado pelo Estado Albanês. 20. No caso vertente, é aplicável a Convenção Europeia de Extradição, a qual prevê expressamente o pedido de detenção provisória, com intenção de enviar um pedido de extradição (cfr. artigo 16.º da Convenção) – o que se desconhece se foi ou não realizado. 21. O artigo 17.º da mesma Convenção, estabelece que “se a extradição for pedida simultaneamente por vários Estados, pelo mesmo ou por diferentes factos, a Parte requerida decidirá tendo em consideração todas as circunstâncias e especialmente a gravidade relativa das infrações e o lugar da sua prática, as datas respetivas dos pedidos, a nacionalidade da pessoa reclamada e a possibilidade de extradição ulterior para outro Estado”. 22. O artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, prevê que “se a cooperação for solicitada por vários Estados, relativamente ao mesmo ou a diferentes factos, esta é concedida em favor do Estado que, tendo em conta as circunstâncias do caso, assegure melhor os interesses da realização da Justiça e da reinserção social do suspeito, do arguido ou do condenado”. 23. Por seu turno, o artigo 18.º, n.º 2, da referida Lei n.º 144/99, prevê expressamente que, “pode ainda ser negada a cooperação quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal”. 24. Assim, o Tribunal a quo não deveria deixar de atender a todas as circunstâncias do caso vertente, para além daquelas que se encontram elencadas no artigo 23.º, n.º 1, da LMDE, nomeadamente não deveria deixar de atender ao(s) pedido(s) de detenção emitido(s) pelas autoridades albanesas, à nacionalidade do Recorrente, às suas condições e possibilidade de ressocialização e à falta de condições do sistema prisional italiano. 25. Contrariamente ao entendimento do Tribunal recorrido, a obtenção de informação junto das autoridades albanesas e das demais entidades mencionadas não só é relevante, como se afigura crucial para o completo esclarecimento dos factos e, desse modo, para o cumprimento integral do disposto no artigo 23.º da LMDE. 26. A existência de um conflito entre um mandado de detenção europeu e um pedido de extradição por um país terceiro exige sempre uma análise criteriosa sobre que procedimento deve prevalecer e sobre quais são os direitos do Recorrente em ambas as jurisdições. 27. Ao indeferir a solicitação de informação às autoridades judiciárias albanesas competentes, à Embaixada da Albânia em Paris, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e à Procuradoria-Geral da República, o Tribunal a quo desconsiderou a complexidade inerente ao conflito, sustentando-se apenas nos elementos já presentes nos autos, fundamentando a sua decisão em informação incompleta e imprecisa, em violação dos direitos fundamentais do Recorrente e do disposto no artigo 23.º da LMDE. 28. O Tribunal a quo limitou-se a invocar o princípio da confiança mútua para indeferir, por um lado, o pedido de diligências efetuado pelo Recorrente e, por outro, para desconsiderar, em absoluto, a existência do conflito. 29. Conforme o próprio Tribunal a quo reconhece, poderia ter solicitado um parecer ao EUROJUST, o que também não logrou fazer. 30. Esta omissão por parte do Tribunal recorrido resulta numa clara violação dos direitos de defesa que assistem ao Recorrente, constitucionalmente consagrados no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, o que consubstancia uma inconstitucionalidade - inconstitucionalidade esta que aqui se invoca para os devidos efeitos legais. 31. Concretamente sobre o sistema prisional italiano, o Tribunal a quo, de forma superficial e sem proceder a uma análise concreta e minuciosa, por um lado, limitou-se a presumir, de maneira genérica e acrítica, concluindo que “não resultou demonstrado que, no caso concreto, com a entrega do requerido ao Estado Italiano para aí cumprir a pena de prisão em que foi condenado, aquele corre o risco de ser submetido a um tratamento desumano ou degradante”. 32. Por outro lado, concluiu, de modo simplista, que sendo Itália um Estado-membro da União Europeia seria, por si só, fundamento suficiente para suportar tal presunção, não observando os padrões exigidos pela jurisprudência internacional e pelos direitos fundamentais internacionalmente reconhecidos. 33. Em detrimento de todos os relatos e evidências públicas apresentados pelo Recorrente, o Tribunal a quo não só não oficiou qualquer entidade, nem efetuou qualquer diligência a este respeito, como não procedeu a uma avaliação adequada por forma a comprovar ou refutar as alegações apresentadas. 34. Ao não conduzir uma avaliação adequada, o Tribunal a quo comprometeu a proteção fundamental contra o tratamento desumano ou degradante, violando os padrões exigidos pelo direito da União Europeia e o artigo 3.º da CEDH. 35. A aplicação dos princípios da confiança mútua entre os Estados-Membros da União Europeia e do princípio do reconhecimento automático das decisões judiciais, ainda que assumam um papel central na cooperação judiciária, enfrentam limites que, quando ultrapassados, requerem uma avaliação minuciosa e ponderada por parte das autoridades judiciais. 36. O TJUE determinou que, deve ser efetuada uma primeira fase da avaliação, que consiste na análise das condições gerais no Estado-Membro de emissão, onde se deve considerar a existência de falhas sistémicas ou generalizadas que possam comprometer os direitos fundamentais - avaliação que deve atender ao padrão de tutela e às exigências ou requisitos de processo equitativo resultantes do artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE. 37. E, numa segunda fase, a análise foca-se no caso concreto, avaliando se as falhas identificadas têm repercussões diretas e reais sobre a pessoa reclamada. 38. O Tribunal recorrido foi omisso na análise do caso concreto, não tendo avaliado, de forma adequada se as falhas identificadas teriam repercussões diretas e reais sobre o Recorrente, tendo-se limitado a concluir que, sendo Itália um Estado Membro da União Europeia, tal facto dispensa a necessária avaliação detalhada das informações complementares previstas no artigo 15.º, n.º 2, da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI do Conselho, desconsiderando, portanto, as preocupações específicas e sérias apresentadas pelo Recorrente. 39. Antes de emitir qualquer decisão, o Tribunal a quo deveria ter solicitado informações, por parte das autoridades judiciárias italianas (Estado de emissão) - que deverão fornecê-las -, em relação às condições higiénicas e sanitárias e aos problemas de sobrelotação nas prisões italianas, através das investigações complementares, não o tendo feito violou o disposto os artigos 22.º, n.º 2, da LMDE e 15.º, n.º 2, da Decisão 2002/584/JAI. 40. Assim, conclui-se que o Tribunal a quo, ao recusar a produção de prova adicional quanto ao pedido de extradição das autoridades albanesas e quanto ao sistema prisional italiano, e ao não efetuar qualquer avaliação que compreenda todas as circunstância do caso, nomeadamente no que concerne à nacionalidade do ora Recorrente, as suas condições de ressocialização e as condições do sistema prisional italiano, deixou de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar - questão que é essencial à decisão final sobre a extradição -, o que constitui a nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º do CPP. 41. Em face do exposto, deverá ser declarada a nulidade da decisão proferida, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, aplicável ex vi do artigo 34.º da LMDE, determinando-se que o Tribunal a quo profira nova decisão, expurgada dos vícios supra assinalados e as demais consequências legalmente previstas. 42. O Tribunal a quo, ao não ter solicitado as referidas informações, com a justificação de que “estas não constam dos pressupostos da recusa da execução do MDE (cfr. Arts. 11º e 12º da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto)”, e que “as mesmas não constituem objeto de prova a produzir pelo requerido”, preteriu os direitos de defesa do Recorrente, consagrados no artigo 32.º da CRP, o que consubstancia uma inconstitucionalidade - inconstitucionalidade que aqui se invoca para os devidos efeitos legais. 43. Ademais, o Tribunal a quo, na fundamentação do Acórdão recorrido conclui “pela inexistência, neste caso concreto, do risco real e efetivo de que o cumprimento da pena de prisão não decorrerá em condições não respeitadoras da dignidade humana (colocando em risco a saúde, a segurança, a integridade física ou psicológica ou a vida do requerido)”. 44. Sucede que, no Acórdão recorrido, o Tribunal a quo acaba por contradizer essa fundamentação, ao dar como não provado que “caso o requerido seja entregue ao Estado Italiano não terá quaisquer condições de ressocialização e enfrentará um risco real de ser sujeito a um tratamento contrário a um tratamento desumano ou degradante, sendo-lhe negado o acesso a quaisquer condições sanitárias mínimas” (sublinhado nosso). 45. Assim, deve ser reconhecida a existência do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do CPP, aplicável ex vi do artigo 34.º da LMDE, nos termos supra expostos e, em consequência, deve ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido e ordenada a sua remessa ao Tribunal a quo, para efeitos de reparação do referido vício. 46. Caso assim não se entenda e se considere estarmos perante um mero erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade, sempre deverá ser ordenada a reparação desta deficiência, em conformidade com o disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do CPP. 47. Sem prejuízo, das nulidades supra arguidas, certo é, porém, que relativamente às condições do sistema prisional, o Recorrente na oposição deduzida demonstrou que o Estado Italiano foi reiteradamente condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem devido às graves deficiência do sistema prisional. 48. Assim, deveria o Tribunal a quo ter julgado como provados os factos alegados e demonstrados pelo Recorrente quanto às condições atuais do sistema prisional italiano, e que, por si só, impunham uma decisão inversa daquela que foi proferida, a saber: 49. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou o Estado italiano, pela violação do artigo 3.º da CEDH, por tratamento desumano e degradante, ao manter um grupo de presos em celas de dimensões reduzidas, e sujeitos a situações de falta de água quente por longos períodos e a inadequação de iluminação e ventilação nas prisões italianas (cfr. Documento n.º 8 junto com a oposição). 50. As condições absolutamente desumanas dos sistemas prisionais italianos configuram uma questão atual, tendo sido emitidas deliberações sobre as condições desumanas e degradantes dos sistemas prisionais italianos, datadas de 25.01.2024, 02.03.2024, 20.05.2024 e 18.06.2024 (cfr. Documento n.º 9 junto com a oposição). 51. O Conselho da União das Câmaras Penais Italianas já emitiu deliberações sobre as condições desumanas e degradantes dos sistemas prisionais italianos, datadas de 25.01.2024, 02.03.2024, 20.05.2024 e 18.06.2024 (cfr. Documento n.º 9 junto com a oposição). 52. Tendo-se verificado, recentemente, graves e reiteradas violações aos direitos humanos dos reclusos, em várias prisões italianas (cfr. Documento n.º 10 junto com a oposição). 53. Circunstância que se reflete no crescimento exponencial do número de suicídios dos reclusos que cumprem pena nas prisões italianas, por serem sujeitos a tratamentos degradantes, aos quais é negado o acesso a quaisquer condições sanitárias mínimas. 54. Até à data de hoje, já se registaram mais de 50 suicídios de reclusos nos estabelecimentos prisionais italianos (cfr. Documento n.º 11 junto com a oposição). 55. Recentemente, um recluso de apenas 20 anos de idade cometeu suicídio na prisão "...", em ..., após a apresentação de múltiplas queixas à administração penitenciária e ao poder judiciário de supervisão relativamente às graves condições sanitárias da prisão, relatando as condições de vida desumanas que teve que enfrentar (infiltrações de mofo e água, ausência de sistema de aquecimento, presença de ratos e infestação de percevejos nos colchões, rachaduras nas paredes e no mobiliário e, finalmente, a sobrelotação) - condições que não foram atendidas, o que originou, lamentavelmente, este triste desfecho (cfr. Documento n.º 12 junto com a oposição). 56. Pelas razões expostas, ficou demonstrado que existe o risco sério do Requerido ser submetido a tratamentos desumanos e situações degradantes, caso seja entregue às autoridades italianas. 57. Deveria igualmente o Tribunal a quo ter julgado como provados os factos alegados e demonstrados pelo Recorrente quanto às condições de ressocialização, e que, por si só, impunham uma decisão inversa daquela que foi proferida, a saber: 58. Resulta do Documento n.º 6 junto com a oposição que o Requerido nasceu e cresceu na ..., juntamente com os seus pais, BB e CC, e com os seus quatro irmãos, DD, EE, FF e GG. 59. Os progenitores, os irmãos e o sobrinho do Requerido, HH, residem atualmente em ..., na Albânia, bem como a sua companheira, com quem pretende estabelecer-se e criar uma família. 60. A Albânia é, portanto, o país onde o Requerido tem as suas raízes, e onde tem acesso a todas as condições adequadas e necessárias para efeitos de ressocialização. 61. Ressocialização essa que é imprescindível, principalmente no caso do Requerido, que irá cumprir uma longa pena de prisão. 62. Caso o Requerido seja extraditado para a Albânia, vai poder beneficiar do apoio dos seus familiares e da sua companheira, que o poderão visitar com regularidade. 63. Note-se que a progenitora do Requerido tem atualmente 84 anos de idade, apresentando problemas graves de saúde que a impedem de efetuar longas distâncias, o que inviabilizaria a sua deslocação a Itália, para visitar o filho (cfr. Documento n.º 13 junto com a oposição). 64. Contrariamente, caso o Requerido seja entregue às autoridades italianas, em execução do presente MDE, não poderá beneficiar de quaisquer visitas, atenta a distância entre Itália e a Albânia, onde residem os seus familiares. 65. O Requerido não conhece uma única pessoa em Itália, nunca lá residiu, nem tem qualquer ligação àquele país. 66. Situação que iria levar ao afastamento e ao corte dos laços afetivos com os seus familiares, e, em consequência, não iria permitir a ressocialização do Requerido e a sua consequente integração social e familiar. 67. Deste modo, errou o Tribunal a quo na apreciação que fez da matéria de facto, pelo que se impõe, nesta sede, a revogação da decisão proferida, devendo ser substituída por outra que julgue provados os factos acima expostos e que, em consequência, conclua pela não execução do presente MDE, sob pena de violação do princípio da dignidade da pessoa humana, assim como do direito à família, constitucionalmente consagrados na CRP. 68. Noutra vertente, estabelece o artigo 12.º, n.º 1, alínea f), da LMDE, que a execução do MDE pode ser recusada quando “a pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado terceiro desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido integralmente cumprida, esteja a ser executada ou já não possa ser cumprida segundo a lei do Estado da condenação”. 69. Não existem dúvidas de que o Recorrente foi definitivamente julgado no Tribunal do Distrito Judicial de ..., na ..., pelos mesmos factos pelos quais foi julgado no âmbito do processo n.º ... - 8/09 R. SENT, que correu termos no Tribunal de Florença, e que deu origem ao presente MDE, emitido pelas Autoridades Judiciárias da República de Itália. 70. A decisão de condenação foi proferida pelo Tribunal do Distrito Judicial de ..., na Albânia, no dia 17.10.2008, ou seja, previamente à decisão do Tribunal de Florença, que apenas foi proferida a 14.05.2009. 71. Deste modo, encontra-se preenchido o requisito de existência de uma decisão condenatória, transitada em julgado, num Estado terceiro, no caso concreto, da Albânia. 72. Adicionalmente, a recusa prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea f), do LMDE, depende da verificação de uma de três condições: i) a pena tenha sido integralmente cumprida; ii) esteja a ser executada; ou iii) já não possa ser cumprida. 73. Exclui-se, a priori, a primeira opção, porquanto ficou devidamente demonstrado que o Recorrente não cumpriu qualquer pena privativa de liberdade. 74. Não se verifica, também, a última opção, atendendo a que não existem quaisquer factos ou circunstâncias que obstem ao cumprimento das penas em que foi condenado. 75. Estamos, portanto, perante a segunda opção – a pena encontra-se em fase de execução. 76. De tal forma que, em sede de sentença condenatória proferida pelo Tribunal Albanês, foi ordenada a execução da pena de prisão. 77. Assim, o processo pelo qual o Recorrente foi condenado na Albânia, já se encontra, desde o momento do trânsito em julgado, em fase de execução de pena de prisão. 78. Contrariamente à interpretação feita pelo Tribunal recorrido, esta circunstância não depende do cumprimento efetivo da pena, mas sim que esta seja passível de ser cumprida – que o é. 79. Qualquer interpretação diversa esvaziaria quase por completo a finalidade da norma, reservando-se a mesma às raras situações em que um recluso se encontra em fuga após ter iniciado o cumprimento da pena ou quando, estando em situações de licença de saída jurisdicional ou de liberdade condicional se ponha em fuga, sendo capturado num Estado terceiro. 80. Deve, deste modo, ser a expressão “esteja a ser executada” interpretada extensivamente, por referência à fase de execução da pena, ou seja, após o trânsito em julgado de uma decisão condenatória. 81. A norma prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea f), da LMDE, mais não é do que a consagração do princípio do ne bis in idem, que visa assegurar que nenhum cidadão pode ser julgado mais do que uma vez pela prática dos mesmos factos. 82. Este princípio tem acolhimento na nossa lei fundamental, no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, encontrando também fundamento legal em diversa legislação comunitária, como é o caso do artigo 14.º, n.º 7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, artigo 4.º do Protocolo n.° 7, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datado de 22 de novembro de 1984, e artigo 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 83. Ora, uma vez que ambas as condenações recaem sobre os mesmos factos, é evidente que o Estado Italiano incorreu numa violação do princípio do ne bis in idem. 84. De facto, já tendo o Recorrente sido condenado na Albânia, não poderia ter sido, novamente, julgado pelos mesmos factos em Itália, motivo pelo qual, não poderá ser executado o MDE emitido pelo Estado Italiano, porquanto tal representaria uma violação do princípio do ne bis in idem, que se traduz num direito fundamental do Recorrente. 85. Ademais, tanto Itália como a Albânia são signatárias da Convenção Europeia de Extradição de Paris de 1957, cujo artigo 9.º estabelece o seguinte: “A extradição não será concedida quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada pelas autoridades competentes da Parte requerida pelo facto ou factos que fundamentam o pedido de extradição.” 86. Assim, o presente MDE deve ser apreciado de forma global, considerando todas as circunstâncias supramencionadas, à luz da lei penal portuguesa, não sendo permitida a entrega de um cidadão a um país (neste caso, Itália) que pretende que este cumpra uma pena decorrente de uma decisão proferida em clara violação do princípio do ne bis in idem. 87. Face ao exposto, conclui-se que estão verificados os requisitos previstos no artigo 12.º, n.º 1, alínea f), da LMDE, motivo pelo qual a decisão proferida deve ser declarada ilegal, por violação do referido preceito legal. Em consequência, o acórdão proferido deverá ser revogado e substituído por outro que recuse a execução do MDE emitido por Itália e a subsequente entrega do ora Recorrente a esse Estado. 88. Além disso, ao considerar que a expressão “a pena (…) esteja a ser executada”, prevista no 12.º, n.º 1, alínea f) da LMDE, abrange apenas os casos em que a execução da pena já foi efetivamente iniciada e exclui os casos em que a pena se encontre em fase de execução, ainda que a execução concreta não se tenha iniciado, o Tribunal a quo interpretou a norma que se retira do artigo 12.º, n.º 1, alínea f) da LMDE, no sentido de que a execução do mandado europeu não tem de ser recusada quando a pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado terceiro e a pena esteja já em fase de execução. 89. Ora, a referida interpretação viola o disposto nos artigos 29.º, n.º 5, da CRP e no artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH, sendo, por conseguinte, uma interpretação materialmente inconstitucional, devendo a aplicação dessa norma, assim interpretada, ser recusada pelo Tribunal, tendo em conta o disposto no artigo 204.º da CRP, o que se suscita de modo processualmente adequado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP. 90. A norma constante do artigo 12.º, n.º 1, alínea f), da LMDE, deve assim ser interpretada num sentido conforme à Constituição, qual seja o de que a execução do mandado europeu deve ser recusada quando a pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado terceiro e a pena aplicada esteja já em fase de execução. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas., Senhores Conselheiros, certamente melhor suprirão, deverá ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente: a) Ser declarada a nulidade da Notificação do Acórdão, por violação do artigo 17.º, n.º 3, da LMDE, em conjugação com os artigos 92.º, n.º 2, 111.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, e com o artigo 6.º, n.º 3, alínea e), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e do artigo 24.º, da LMDE, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CPP; Sem prejuízo, sempre deverá: b) Ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, aplicável ex vi do artigo 34.º da LMDE, determinando-se ao Tribunal recorrido a prolação de nova decisão expurgada dos vícios assinalados e as demais consequências legalmente previstas; c) Ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, aplicável ex vi do artigo 34.º da LMDE, determinando-se que o Tribunal a quo profira nova decisão, expurgada dos vícios supra assinalados e as demais consequências legalmente previstas, bem como reconhecer a inconstitucionalidade por violação dos direitos defesa do Recorrente, consagrados no artigo 32.º da CRP; d) Ser reconhecido o vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do CPP, aplicável ex vi do artigo 34.º da LMDE, determinando-se que o Tribunal a quo profira nova decisão, expurgada do vício assinalado e as demais consequências legalmente previstas, ou caso assim não se entenda e se considere estarmos perante um mero erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade, sempre deverá ser ordenada a reparação desta deficiência, em conformidade com o disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do CPP; Sem prejuízo, sempre deverá: e) Ser revogada a decisão proferida, que deverá ser substituída por outra que julgue provados os factos acima exposto e, em consequência, deverá ser proferida nova decisão de decisão de recusa de execução do presente MDE; f) Ser ainda declarada ilegal a decisão proferida, por violação do artigo 12.º, n.º 1, alínea f), da LMDE e, em consequência, ser revogado o acórdão proferido e substituído por outro que recuse a execução do presente MDE; g) Ser recusada a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo do artigo 12.º, n.º 1, alínea f) da LMDE, por materialmente inconstitucional, em violação do disposto nos artigos 29.º, n.º 5, da CRP e no artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH, tendo em conta o disposto no artigo 204.º da CRP, o que se suscita de modo processualmente adequado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP, devendo a norma constante do artigo 12.º, n.º 1, alínea f) da LMDE, ser interpretada num sentido conforme à Constituição, qual seja o de que a execução do mandado europeu deve ser recusada quando a pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado terceiro e a pena aplicada esteja já em fase de execução. 3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): 1. Não se verifica a invocada nulidade da notificação do Acórdão recorrido, nem qualquer outra omissão, geradora de irregularidade processual. 2. O Acórdão recorrido mostra-se devidamente fundamentado, não sofrendo, pois, da invocada nulidade de falta de fundamentação prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea a), em conjugação com o artigo 374.º, n.º 2, ambos do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 34.º da LMDE. 3. O Acórdão recorrido pronunciou-se sobre todas questões que deveria ter apreciado, por serem essenciais à decisão final sobre o MDE, daí que não incorreu na nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º do CPP. 4. O Acórdão recorrido não sofre do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do CPP, nem de erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade que imponha eventual reparação ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do CPP. 5. Os factos visados na impugnação da matéria de facto não constituem objeto de prova à luz dos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, daí que não deve haver lugar à alteração da matéria de facto. 6. Não se verifica qualquer causa de recusa da execução do MDE, designadamente as circunstâncias previstas nos arts. 11.º e 12.º, da Lei n. º 65/2003, de 23 de agosto 7. O Acórdão recorrido não enferma de qualquer interpretação que se afigure como inconstitucional. 8. A ser assim, o douto Acórdão recorrido não merece nenhum reparo ou censura. Nestes termos, ao negarem provimento ao recurso e manterem o douto Acórdão sob recurso. 4. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e, no exame preliminar, o Relator ordenou que os autos fossem aos vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão. Cumpre, assim, apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, constituindo entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso. Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso são, em suma: a) da nulidade da notificação do acórdão, por violação do artigo 17.º, n.º 3, do regime jurídico do mandado de detenção europeu, aprovado pela Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto (LMDE), em conjugação com os artigos 92.º, n.º 2, 111.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, e com o artigo 6.º, n.º 3, alínea e), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante CEDH), e do artigo 24.º, da LMDE, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alíneas c) e d), por falta de tradução; b) da nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, aplicável ex vi do artigo 34.º da LMDE, e bem assim da nulidade do mesmo por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, aplicável ex vi do artigo 34.º da LMDE – desconsideração dos factos alegados relativamente ao sistema prisional italiano e às condições de ressocialização e indeferimento de prova e obtenção de informações adicionais; c) do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do CPP, aplicável ex vi do artigo 34.º da LMDE; d) da ilegalidade da decisão proferida, por violação do artigo 12.º, n.º 1, alínea f), da LMDE, por interpretação materialmente inconstitucional do artigo 12.º, n.º1, alínea f), da LMDE, em violação do disposto nos artigos 29.º, n.º 5, da CRP e no artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH, tendo em conta o disposto no artigo 204.º da CRP. 2. Dos factos 2.1. Extrai-se do acórdão recorrido a seguinte matéria de facto que foi dada como provada: 1. AA é natural de ... - Albânia, nasceu a .../.../1972, é filho de BB e de CC, é solteiro e reside na Avenida ..., ..., ... - ..., em Lisboa. 2. Foi emitido, a 21.05.2010, o Mandado de Detenção Europeu (MDE), em cumprimento do Mandato de Execução n.º ...8/2010 SIEP, pelo Gabinete do Procurador-Geral em Florença. 3. O MDE foi emitido para efeitos de cumprimento da pena, aplicada no Processo n.º ... - 8/09 R. SENT (decisão judicial do Tribunal de Apelação de Firenze, Acórdão de 14.05.2009, irrevogável em 21.01.2010), de 18 anos e 8 meses de prisão, pela prática dos factos descritos no campo 44 do formulário A da inserção Shengen e no campo e) do formulário do MDE, que para as autoridades italianas constituem crime de homicídio voluntário premeditado agravado, posse e detenção ilegal de armas, a que são aplicáveis os artigos 110, 81, 575, 577; artigos 2, 4, 7 da Lei 895/67 do Código Penal italiano e que em Portugal são, sob a designação de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º n.º 2, al. j) do Código Penal, correspondendo-lhe a moldura penal abstrata de pena de prisão de 12 a 25 anos de prisão e crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º, nº1, al. c) da Lei nº 5/2006 de 23 de fevereiro, a que corresponde pena de prisão de 1 a 5 anos ou multa até 600 dias. 4. De acordo com a descrição dos factos constantes do Campo 042 do Formulário da inserção Schengen, os mesmos ocorreram no dia 25.09.2002, em Florença, e tiveram a ver com o seguinte circunstancialismo fáctico: “agindo com premeditação e em cumplicidade com outros, a pessoa procurada matou intencionalmente II, disparando contra a vítima vários tiros de pistola”. 5. O MDE foi inserido no Sistema de Informação S....... (SIS) com o n.º 0008.01RMACPNC...............01, no âmbito do artigo 26.º da Decisão 2007/.33/JAI do Conselho de 12.06.2007, com a retificação JO L .11 de 18.08.2011. 6. O requerido foi detido pela PJ - Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes, em Lisboa, às 23h30m do dia 02.07.2024; 7. O requerido identificou-se como JJ, nascido a ........1977, de nacionalidade italiana e apresentou um documento de identificação emitido pela República de Itália, em nome de JJ, nascido a ........1977, bem como uma carta de condução emitida pela República de Itália, com o mesmo nome. 8. Tais documentos bem como um cartão de saúde da república Italiana foram submetidos a exame pericial que concluiu que o Bilhete de Identidade e a Carta de Condução são falsos (cfr. relatório de exame pericial datado de 3 de julho de 2024). 9. No dia 04.07.2024, pelas 14h14m, procedeu-se à sua audição neste tribunal, tendo o requerido declarado que se opunha à execução do MDE. 10. Nessa mesma diligência foi determinado que o requerido aguardasse os ulteriores termos do MDE sujeito a prisão preventiva. 11. O pedido de extradição da Albânia referente a AA deu entrada na Procuradoria-Geral da República, via email, no dia 19.07.2024. 12. Por decisão judicial n.º .68 proferida em 17.10.2008 pelo Tribunal do Distrito Judicial de ..., na Albânia, transitada em julgado, em 14.11.2008, o requerido foi condenado na pena de 14 anos de prisão, pela prática, em coautoria, do crime de homicídio premeditado e posse ilegal de armas, previstos nos arts. 78º, nº 1 e 278º, nº 2 do Código Penal (cfr. Decisão correspondente ao Doc. 1 junto com a oposição). 13. A pena a que o requerido foi condenado na Albânia ainda não foi cumprida. 14. Em 14.05.2015, o Tribunal do Distrito Judicial de ..., na Albânia, reconheceu a sentença penal contra o requerido referida em 3 e converteu “a referida sentença, atribuindo ao cidadão albanês AA (AA) uma pena de 20 (vinte) anos de prisão” (cfr. Decisão correspondente ao Doc. 5 junto com a oposição). 2.2. Foi dado como não provado: Caso o requerido seja entregue ao Estado Italiano não terá quaisquer condições de ressocialização e enfrentará um risco real de ser sujeito a um tratamento contrário a um tratamento desumano ou degradante, sendo-lhe negado o acesso a quaisquer condições sanitárias mínimas. * 2.3. Diz-se como motivação da decisão de facto: O tribunal formou a convicção, quanto à factualidade considerada provada acima enunciada, com base nos documentos juntos aos autos, concretamente no formulário de MDE emitido pelas autoridades judiciárias italianas e respetiva tradução, no auto de audição do requerido e declarações por este prestadas, e nos documentos juntos com a oposição. O facto não provado decorreu da ausência de prova consistente a tal respeito na medida em que, apesar de resultar da documentação junta pelo requerido que o sistema prisional italiano apresenta carências e falhas (como em muitos outros países da União Europeia), a necessitarem de intervenção estadual, tal documentação não atesta, nas circunstâncias do caso concreto, a existência de motivos objetivos, sérios, fiáveis e comprovados para considerar que, no seguimento da sua entrega ao Estado Italiano, o requerido correrá um risco real de ser sujeito, nesse Estado‑Membro, a um tratamento desumano ou degradante (na aceção do art. 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), inerente às condições das prisões, à luz do padrão de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União Europeia . Por conseguinte, constituindo o princípio da confiança mútua o princípio central da cooperação judiciária internacional e sendo a Itália a pátria universal do direito, um Estado de Direito Democrático, um país membro da União Europeia, é de concluir pela inexistência, neste caso concreto, do risco real e efetivo de que o cumprimento da pena de prisão não decorrerá em condições não respeitadoras da dignidade humana (colocando em risco a saúde, a segurança, a integridade física ou psicológica ou a vida do requerido). * 3. Apreciando 3.1. Da alegada nulidade da notificação do acórdão recorrido por falta de tradução. O recorrente sustenta que o acórdão recorrido não foi traduzido em língua conhecida e compreendida pelo mesmo, ou seja, na língua materna, o albanês, ou espanhol, idioma que admitiu conhecer aquando da sua audição, razão por que a falta de notificação da tradução, no seu entender, viola o disposto no artigo 17.º, n.º 3, da L..., em conjugação com os artigos 92.º, n.º 2, 111.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, e com o artigo 6.º, n.º 3, alínea e), da CEDH, e no artigo 24.º, da L..., o que consubstancia uma nulidade. O ora recorrente havia suscitado a questão perante o tribunal da Relação, onde foi proferido despacho com o seguinte teor: “Por requerimento (REFª: ......95) que deu entrada nos autos a 20.8.2024, o arguido veio alegar que por não ter sido “notificado da tradução do Acórdão recorrido, nos termos supra expostos, foi violado o disposto no artigo 17.º, n.º 3, da LMDE, em conjugação com os artigos 92.º, n.º 2, 111.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, e com o artigo 6.º, n.º 3, alínea e), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e no artigo 24.º, da LMDE, o que consubstancia uma nulidade, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CPP - nulidade que aqui tempestiva e expressamente se argui para os devidos efeitos legais. 16. Ademais, in casu, a omissão da notificação da tradução do Acórdão recorrido ao Requerido, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1 da CRP1 - inconstitucionalidade esta que aqui tempestiva e expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.” Como resulta clara e indubitavelmente dos autos tal suposta nulidade e inconstitucionalidade não se verificam. Na cota com a referência: ......73 (4.7.2024) foi indicado que o arguido se expressa em Castelhano. Na sequência dessa informação foi nomeado interprete/tradutor ao arguido nessa língua. O referido interprete tradutor (KK) esteve presente na audição do requerido a 7.4.2024 e procedeu à respectiva tradução. A 6.8.2024 foi proferido acórdão determinando a execução do MDE emitido pelas autoridades judiciárias italianas. A 19.8.2024 o referido acórdão foi notificado ao requerido devidamente traduzido para língua castelhana, conforme consta do ofício junto aos autos com a referência n.º ......16. Assim, não se compreende o alegado pelo requerido, ao qual não assiste razão, pelo que se indefere in totum o pedido apresentado pelo requerimento ora em análise. Notifique.” Da consulta dos autos verifica-se que, efetivamente, o acórdão recorrido foi devidamente traduzido para espanhol e que o recorrente, aquando da notificação do acórdão em língua portuguesa, operada a 06.08.2024, foi informado de que, oportunamente, se remeteria o acórdão traduzido para espanhol, o que ocorreu a 19.08.2024, conforme oficio remetido para o estabelecimento prisional onde o recorrente se encontra detido. Não se extrai que de tal facto tenha resultado qualquer prejuízo para o recorrente, designadamente, qualquer limitação ao exercício, em plenitude, dos seus direitos de defesa, como o direito de recurso que não deixou de efetivamente exercer. Nestes termos, não se verifica a invocada nulidade da notificação do acórdão recorrido. 3.2. Das nulidades por falta de fundamentação e omissão de pronúncia. O ora recorrente, na oposição deduzida, enunciou factos visando demonstrar que no sistema prisional italiano são constantemente violados os direitos fundamentais dos reclusos, previstos nos artigos 2.º e 3.º da CEDH, e os princípios jurídicos gerais consagrados no artigo 6.º do Tratado da União Europeia (TUE), no que diz respeito às condições de detenção, bem como relativos às suas condições de ressocialização. Para suportar a sua alegação juntou diversos documentos, requerendo, além do mais, que se oficiasse às autoridades judiciárias italianas, “para remeterem aos autos informações relativas às condições higiénicas e sanitárias e aos problemas de sobrelotação nas prisões italianas, através das investigações complementares, ao abrigo do disposto nos artigos 22.º, n.º 2 da LMDE e 15.º, n.º 2 da Decisão 2002/584/JAI”. No acórdão recorrido, a Relação pronunciou-se nos seguintes termos: “Quanto à produção de prova sobre as condições prisionais em Itália, considerando que estas não constam dos pressupostos da recusa da execução do MDE (cfr. arts. 11º e 12º da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto), as mesmas não constituem objeto de prova a produzir pelo requerido. No entanto, sempre se dirá, a este propósito, que os elementos documentais juntos pelo requerido não justificam a solicitação das informações pretendidas ao Estado Italiano. Efetivamente, não obstante resultar da documentação junta pelo requerido que o sistema prisional italiano apresenta carências e falhas, a necessitarem de intervenção estadual, que só são do conhecimento público por se tratar de um país membro da União Europeia e, como tal, de um Estado de Direito Democrático, não existe sustentação para que se considere, no caso concreto, que o requerido corre o risco de ser submetido a um tratamento desumano ou degradante. O requerido inclusive demonstra a sua preferência pelo cumprimento da pena de prisão na Albânia (do que se retira a ilação de que considera que o Estado Italiano dá menos garantias de tratamento humano do que a Albânia), quando se trata de uma país apenas candidato a membro da União Europeia, cuja aceitação como membro integrante (como o é, há muito, a Itália) exige o cumprimento de um conjunto apertado de requisitos visando a proteção dos valores democráticos consubstanciado, nomeadamente, na existência de instituições políticas estáveis, na defesa do Estado de Direito e no respeito pelos direitos humanos. Face ao exposto, indeferimos a requerida produção de prova sobre as condições prisionais em Itália bem como a inquirição do seu irmão por a mesma, face ao disposto no art. 21º, nº 2 da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto, não se destinar a comprovar a existência de motivo de recusa previsto nos arts. 11º e 12º do mencionado diploma legal.” Sobre a matéria das condições prisionais, o acórdão recorrido limitou-se a dar como não provado: “Caso o requerido seja entregue ao Estado Italiano não terá quaisquer condições de ressocialização e enfrentará um risco real de ser sujeito a um tratamento contrário a um tratamento desumano ou degradante, sendo-lhe negado o acesso a quaisquer condições sanitárias mínimas.” Em sede de motivação, diz-se no acórdão recorrido, como já se transcreveu: “O facto não provado decorreu da ausência de prova consistente a tal respeito na medida em que, apesar de resultar da documentação junta pelo requerido que o sistema prisional italiano apresenta carências e falhas (como em muitos outros países da União Europeia), a necessitarem de intervenção estadual, tal documentação não atesta, nas circunstâncias do caso concreto, a existência de motivos objetivos, sérios, fiáveis e comprovados para considerar que, no seguimento da sua entrega ao Estado Italiano, o requerido correrá um risco real de ser sujeito, nesse Estado‑Membro, a um tratamento desumano ou degradante (na aceção do art. 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), inerente às condições das prisões, à luz do padrão de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União Europeia . Por conseguinte, constituindo o princípio da confiança mútua o princípio central da cooperação judiciária internacional e sendo a Itália a pátria universal do direito, um Estado de Direito Democrático, um país membro da União Europeia, é de concluir pela inexistência, neste caso concreto, do risco real e efetivo de que o cumprimento da pena de prisão não decorrerá em condições não respeitadoras da dignidade humana (colocando em risco a saúde, a segurança, a integridade física ou psicológica ou a vida do requerido).” Noutro passo, afirma-se no acórdão recorrido: “O requerido invoca a violação de direitos fundamentais a que estaria sujeito no sistema prisional italiano, em que são negados aos presos os direitos à integridade física, alimentação, higiene, saúde, estudo e trabalho. Não tendo resultado provado que “caso o requerido seja entregue ao Estado Italiano não terá quaisquer condições de ressocialização e enfrentará um risco real de ser sujeito a um tratamento contrário a um tratamento desumano ou degradante, sendo-lhe negado o acesso a quaisquer condições sanitárias mínimas”, é forçoso concluir que não resultou demonstrado que, no caso concreto, com a entrega do requerido ao Estado Italiano para aí cumprir a pena de prisão em que foi condenado, aquele corre o risco de ser submetido a um tratamento desumano ou degradante, improcedendo também este fundamento de recusa de execução do MDE.” Vejamos. O MDE constitui a primeira concretização no domínio penal do princípio do reconhecimento mútuo, no âmbito do espaço de segurança e justiça (cf. Anabela Miranda Rodrigues, “O mandado de detenção europeu – Na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 1, Janeiro-Março, 2003, pp. 27 segs; Ricardo Jorge Bragança de Matos, “O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 14, n.º 3, Julho-Setembro, 2004, pp. 325 seg.). A evolução das formas de cooperação penal, no âmbito europeu, deu origem a diversos instrumentos que, além do mais, visaram modernizar os procedimentos em matéria extradicional. Porém, foi sobretudo com o Tratado de Amesterdão que a cooperação judiciária em matéria penal ganhou uma nova perspetiva, como forma de realização de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça. O aprofundamento desta dimensão, inspirada na noção de “espaço europeu” e orientada no sentido da construção de um espaço judiciário comum, foi impulsionado pelo Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, que afirmou, nas suas conclusões, o princípio do reconhecimento mútuo como “pedra angular” da cooperação judiciária em matéria penal, preconizando a abolição, em certas situações, do processo formal de extradição (ponto 35 das conclusões). A Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002 (2002/584/JAI), relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, constitui, precisamente, uma concretização – a primeira - no domínio penal do referido princípio do reconhecimento mútuo, que visa superar a conceção tradicional do auxílio judiciário entre Estados. O “considerando” 5 da Decisão-Quadro esclarece, nos seguintes termos, a finalidade que o novo instrumento pretende realizar: “O objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias, sendo que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos atuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados-Membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.” Por seu turno, diz-se no “considerando” 10: “O mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no n.º 1 do artigo 6.º do Tratado da União Europeia, verificada pelo Conselho nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do mesmo Tratado e com as consequências previstas no n.º 2 do mesmo artigo.” Foi para concretizar a referida Decisão-Quadro, na legislação interna, que a Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, publicada no Diário da República, I Série - A, n.º 194, de 23 de agosto de 2003, aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu, alterado pela Lei n.º 35/2015, de 4 de maio, pela Lei n.º 115/2019, de 12 de setembro, e bem assim pela Lei n.º 52/2023, de 28 de agosto. Assim, o MDE é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade – artigo 1.º, n.º1, da Lei n.º 65/2003 (diploma designado de LMDE e a que pertencem todas as disposições que não venham acompanhadas de outra indicação). O MDE é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo (artigo 1.º, n.º 2), em que, após o Tratado de Lisboa, passou a assentar a cooperação judiciária em matéria penal na UE (artigo 82.º, n.º 1, do TFUE), cujo sentido, conteúdo e extensão, na falta de definição legal, devem ser obtidos por recurso ao direito da UE e à jurisprudência do TJUE relativa à interpretação das respetivas disposições. Nos termos da Lei e da Decisão-Quadro, o mandado de detenção europeu direciona-se quer ao cumprimento da decisão final do processo criminal – “cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade” -, quer ao cumprimento de um procedimento processual no decurso do processo – “efeitos de procedimento criminal”. O artigo 3.º da LMDE estabelece os requisitos de conteúdo e forma do MDE. Quanto a causas de recusa, obrigatórias e facultativas, regem os artigos 11.º e 12.º - 12.º-A. Na LMDE não se prevê qualquer causa de recusa atinente às condições prisionais no Estado-Membro de emissão, sendo certo que a União Europeia não tem competências atribuídas em matéria penitenciária. Porém, tem sido questionada a possibilidade de não execução do MDE quando houver probabilidade/possibilidade de que a pessoa visada, uma vez entregue, seja submetida a trato cruel e degradante no âmbito prisional do Estado-Membro de emissão. O reconhecimento mútuo tem como pressuposto a confiança mútua nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros, com base no reconhecimento de que cada um dos outros Estados-Membros se rege por princípios a todos comuns. Se, em princípio, seria de pressupor que no espaço europeu, em geral, a execução das penas privativas da liberdade decorre, de modo mais ou menos homogéneo, num quadro geral de respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos a elas sujeitos, é sabido que tal nem sempre se verifica, havendo conhecimento “de graves problemas nos sistemas prisionais de numerosos Estados-Membros — nomeadamente, mas não só, de sobrelotação e de condições de detenção passíveis de serem consideradas desumanas ou degradantes, que vêm sendo reveladas e declaradas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH)” (cf. “O impacto das condições de privação da liberdade no funcionamento dos mecanismos de reconhecimento mútuo no âmbito do espaço europeu de liberdade, segurança e justiça”, Inês Horta Pinto, Lusíada, Direito, 31, 1.º semestre de 2024, pp. 415-423, https://revistas.lis.ulusiada.pt/index.php/ldl/issue/view/232). Como refere Inês Horta Pinto (ob. cit., 416): “O receio de que as deficiências no respeito pelos direitos fundamentais das pessoas privadas da liberdade constituam um entrave ao funcionamento da União como "espaço de liberdade, segurança e justiça" é de há muito evidenciado em documentos das instituições europeias. O Conselho Europeu, no "Programa de Estocolmo", revela preocupação com as condições de detenção e com as alternativas à privação da liberdade, considerando relevante promover-se a aplicação das Regras Penitenciárias Europeias do Conselho da Europa e o intercâmbio de boas práticas de gestão penitenciária como via de reforço da confiança mútua e do funcionamento do reconhecimento mútuo. A Comissão Europeia dedicou um Livro Verde ao problema, visando examinar até que ponto as questões ligadas à privação da liberdade têm impacto na confiança mútua e, por conseguinte, no reconhecimento mútuo e na cooperação judiciária. Reconhecendo que as condições de detenção e a gestão das prisões são matéria da responsabilidade dos Estados-Membros, a Comissão justifica o interesse nessa questão com a "importância crucial do princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais para o espaço de liberdade, segurança e justiça", admitindo que "uma série de instrumentos de reconhecimento mútuo são potencialmente afetados pela questão das condições de detenção". Na perspetiva da Comissão, "as questões ligadas à detenção enquadram-se nas competências da União Europeia, dado que, por um lado, representam um aspeto relevante dos direitos que devem ser assegurados para promover a confiança mútua e garantir o bom funcionamento dos instrumentos de reconhecimento mútuo e, por outro, a União Europeia tem determinados valores a respeitar". A questão tem sido objeto da atenção do Parlamento Europeu e são conhecidas situações de reserva das autoridades judiciárias de Estados-Membros em reconhecerem e executarem decisões de outros Estados-Membros por falta de confiança no respeito pelos direitos fundamentais das pessoas procuradas, o que conduziu a relevantes desenvolvimentos jurisprudenciais por parte do Tribunal de Justiça da União. No que toca às condições materiais de detenção nos estabelecimentos prisionais – que não esgotam a questão do respeito pelos direitos fundamentais -, importa recordar os casos apensos Aranyosi e Cãldãraru - processos C-404/15 e C-659/15 PPU. A autoridade de execução questionou a (i)licitude das entregas, pois além das autoridades de emissão não informarem quais seriam os estabelecimentos prisionais em que os sujeitos seriam detidos, era notório que ambos os países (no caso, Hungria e Roménia) apresentavam gravíssimos problemas estruturais no sistema carcerário, como elevados índices de sobrelotação, conforme já fora destacado em prévios julgamentos do TEDH que envolveram as duas nações. Além de não cumprirem com as condições carcerárias mínimas, as autoridades judiciárias de emissão não prestaram garantias de que iriam direcionar esforços para garantir a não submissão dos visados a pena ou tratamento cruel ou degradante. O TJUE, por acórdão proferido em 5 de abril de 2016, reconheceu que a execução de um mandado de detenção europeu não pode conduzir a um tratamento desumano ou degradante da pessoa a entregar, Entendeu, porém, que a verificação de um risco de tratamento desumano ou degradante em razão das condições gerais de detenção não pode, só por si, levar à recusa da execução de um mandado, sendo necessário, num segundo momento, apurar se, em concreto, existem motivos sérios e comprovados para considerar que a pessoa em causa correrá esse risco, em razão das condições de detenção que se prevê lhe sejam aplicadas no Estado-Membro de emissão. Determinou, assim, o TJUE, que perante elementos objetivos, fiáveis, precisos e atualizados que confirmem a existência de deficiências, sistémicas ou generalizadas, nas condições de detenção no Estado-Membro de emissão, a autoridade judiciária de execução deve pedir informações complementares à autoridade judiciária de emissão para verificar, de maneira concreta e precisa, se existem motivos sérios e comprovados para considerar que a pessoa objeto do mandado correrá um risco real de tratamento desumano ou degradante em caso de entrega. Assim, decidiu o TJUE: “Os artigos 1.°, n.º 3, 5.° e 6.°, n.º 1, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, devem ser interpretados no sentido de que, perante elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados que confirmem a existência de deficiências, quer sejam sistémicas ou generalizadas, quer afetem determinados grupos de pessoas ou ainda determinados centros de detenção, no que respeita às condições de detenção no Estado‑Membro de emissão, a autoridade judiciária de execução deve verificar, de maneira concreta e precisa, se existem motivos sérios e comprovados para considerar que a pessoa objeto de um mandado de detenção europeu, emitido para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena privativa de liberdade, correrá, em razão das condições da sua detenção nesse Estado‑Membro, um risco real de trato desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em caso de entrega ao referido Estado‑Membro. Para o efeito, deve pedir o fornecimento de informações complementares à autoridade judiciária de emissão, que, depois de ter requerido, se necessário, a assistência da autoridade central ou de uma das autoridades centrais do Estado‑Membro de emissão, na aceção do artigo 7.o da referida decisão‑quadro, deve comunicar essas informações no prazo fixado nesse pedido. A autoridade judiciária de execução deve adiar a sua decisão quanto à entrega da pessoa em causa até obter as informações complementares que lhe permitam afastar a existência de tal risco. Se a existência desse risco não puder ser afastada num prazo razoável, esta autoridade deve decidir se há que pôr termo ao processo de entrega.” No posterior acórdão Dorobantu, de 15 de outubro de 2019, processo C‑128/18, o TJUE afirmou que o caráter absoluto da proibição de tratamentos desumanos ou degradantes obsta a que possam sobrepor-se-lhe considerações relativas à eficácia da cooperação judiciária em matéria penal, pelo que a necessidade de garantir que a pessoa em causa não será sujeita a tais tratamentos justifica, excecionalmente, uma limitação dos princípios da confiança e do reconhecimento mútuos. A este propósito, importa sublinhar que a já referida Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002 (2002/584/JAI), no seu artigo 1.º, n.º3, estabelece, expressamente, “não ter por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagra dos pelo artigo 6.º do Tratado da União Europeia”, sendo que o artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra a proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes. De assinalar, igualmente, o crescente número de decisões do TEDH considerando violado o artigo 3.º da CEDH, mercê do caráter sistémico ou estrutural das deficiências dos sistemas prisionais. No caso em apreço, o ora recorrente, na oposição apresentada, alegou extensamente existirem razões sérias e comprovadas para se concluir que, uma vez entregue ao Estado-Membro de emissão (Itália), enfrentará um risco real de ser sujeito a um tratamento contrário aos direitos fundamentais estabelecidos nos artigos 2.º e 3.º da CEDH, invocando o TEDH, no caso “Torreggiani”, que condenou o Estado italiano pela violação do artigo 3.º da CEDH, tendo em vista as condições prisionais. Mais alegou que as condições penitenciárias em Itália configuram uma questão atual, tendo em consideração as deliberações do Conselho da União das Câmaras Penais Italianas, datadas de 25.01.2024, 02.03.2024, 20.05.2024 e 18.06.2024, artigos recentes de jornais denunciando a situação nos estabelecimentos prisionais e o crescimento exponencial do número de suicídios dos reclusos nas prisões italianas – 53 já em 2024, até à data da apresentação da oposição (69 no ano de 2023). Aliás, são conhecidos os sucessivos relatórios Antigone sobre as condições prisionais em Itália, o último apresentado em Roma, no passado dia 22 de abril, dando conta da sobrelotação dos estabelecimentos e da situação de emergência que se vive em função do número crescente de suicídios de reclusos, e bem assim a recente aprovação pelo parlamento italiano de uma nova lei – conhecida como decreto prisional –, tendo em vista o aumento do pessoal prisional e um processo simplificado de libertação antecipada, entre outras medidas para fazer face ao problema. Independentemente da circunstância de a Albânia, país da nacionalidade do recorrente e para o qual pretende ir, já ter sido um dos países visados pela jurisprudência do TEDH, em função das condições prisionais que oferece (é o caso do acórdão GRORI v. ALBANIA), certo é que o recorrente alegou matéria relevante relativa às condições prisionais no Estado de emissão, que procurou comprovar mediante a junção de elementos documentais que indiciam a existência de um problema sistémico, o que não podia ser ultrapassado pelo tribunal recorrido por mero apelo ao princípio da confiança mútua e à circunstância de se tratar da “pátria universal do direito, um Estado de Direito Democrático, um país membro da União Europeia”». A nosso ver, à Relação competia, face ao alegado e documentado pelo ora recorrente, atuar e ajuizar de acordo com o procedimento indicado pelo TJUE, no referido acórdão de 5 de abril de 2016, nos casos Aranyosi e Căldăraru. Assim, com base nos elementos apresentados pelo ora recorrente (e eventualmente noutros, como acórdãos do TEDH, decisões judiciais do Estado‑Membro de emissão e decisões, relatórios e outros documentos), tinha a Relação de ajuizar sobre as condições gerais de detenção nos estabelecimentos prisionais do Estado‑Membro de emissão e a existência de deficiências, quer sejam sistémicas ou generalizadas, quer afetem determinados grupos de pessoas ou ainda determinados centros de detenção. A partir da constatação, com base em elementos objetivos, fiáveis e atualizados, de um risco real de tratamento desumano ou degradante em razão das deficiências das condições gerais de detenção no Estado‑Membro de emissão, havia que passar a uma segunda fase: para garantir o respeito do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais, cabia à Relação verificar, de maneira concreta e precisa, se, nas circunstâncias do caso, existem motivos sérios e comprovados para considerar que, no seguimento da entrega do ora recorrente ao Estado‑Membro de emissão, o mesmo correrá um risco real de ser sujeito a um tratamento desumano ou degradante, na aceção deste artigo, em razão das condições de detenção, concretas e precisas, que se prevê lhe sejam aplicadas no Estado‑Membro de emissão. Para esse efeito, tendo em vista que o juízo sobre as deficiências sistémicas ou generalizadas das condições gerais parece incontornável face aos elementos apresentados, impunha-se que fossem solicitadas as informações pertinentes às autoridades judiciárias do Estado-Membro de emissão, o que não foi feito. Não se ignora a urgência do processo e a existência de prazos de duração máxima da detenção, mas tal não pode obstar a que se cumpram os passos exigíveis para a boa decisão. O acórdão recorrido trilhou outro caminho: reconhecendo que o sistema prisional italiano apresenta carências e falhas, a necessitarem de intervenção estadual, o que parece referir-se às condições gerais de detenção, considerou que a documentação junta pelo ora recorrente “não atesta, nas circunstâncias do caso concreto, a existência de motivos objetivos, sérios, fiáveis e comprovados para considerar que, no seguimento da sua entrega ao Estado Italiano, o requerido correrá um risco real de ser sujeito, nesse Estado‑Membro, a um tratamento desumano ou degradante (na aceção do art. 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), inerente às condições das prisões, à luz do padrão de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União Europeia.” Não está em causa, a nosso ver, o alegado vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP, mas realidade diversa. Partiu-se, aparentemente, do pressuposto equivocado de que a demonstração da existência de um risco real e concreto constitui um ónus imposto ao requerido, quando, diversamente, perante o juízo que se faz sobre as condições gerais, é ao tribunal que compete desencadear a obtenção dos elementos para ajuizar sobre esse risco, seguindo o procedimento traçado pela citada jurisprudência do TJUE. Realmente, a prova das más condições das prisões num Estado-Membro de emissão e da verificação de um risco real e concreto para a pessoa procurada não constitui um ónus que sobre a mesma recaia, situando-se a um nível diverso a questão da relevância, no âmbito do MDE, dessas más condições, que sejam atentatórias da dignidade humana, por sobrelotação e graves deficiências de organização e funcionamento. Admitindo-se que os meios de prova indicados com a oposição devem ter em vista a comprovação da existência de causas de recusa do mandado de detenção europeu e que, para esse efeito, tendo em vista as causas, obrigatórias e facultativas, legalmente previstas, a inquirição requerida não tenha sido considerada pelo tribunal recorrido como necessária, já no que concerne ao pedido de informações complementares ao Estado-Membro de emissão, no sentido supra exposto, trata-se de diligência que não carecia, sequer, de ser requerida, pois, com base no alegado e documentado nos autos, impunha-se que o tribunal tomasse a iniciativa para, posteriormente, emitir um juízo minimamente fundado, o que foi omitido. Assim, o acórdão recorrido está ferido de nulidade, por desconsideração de matéria de facto alegada relevante para a decisão – incluindo a que possa relevar em sede de causas de recusa e concorrência de pedidos - e omissão de pronúncia [artigo 379.º, n.º1, als. a) e c), do CPP], devendo ser substituído por outro que, supra tais vícios, mediante o pedido prévio de informações complementares ao Estado-Membro de emissão. 2.2. Constata-se que o MDE em questão foi emitido em 21.05.2010. Refere-se nos autos a existência das fichas de pessoa procurada da Interpol com os n.ºs 2008/...95 (Itália) e 2013/...63 (Albânia) e da ficha de pessoa procurada Schengen com o n.º 0008.01RMACPNC...............01 (Itália). A fls. 58, a PJ informa que as autoridades albanesas informaram que a notícia vermelha com o n.º 2013/...63 diz respeito ao reconhecimento da sentença italiana que, por sua vez, deu origem à notícia vermelha Interpol e MDE Schengen das autoridades italianas. A fls. 32 – ficha de pessoa procurada – informação Interpol – refere-se um mandado de captura emitido em 14.05.2015, pelo tribunal de ..., relativo a uma pena de 20 anos de prisão. O tribunal recorrido deu como provado: “3. O MDE foi emitido para efeitos de cumprimento da pena, aplicada no Processo n.º ... - 8/09 R. SENT (decisão judicial do Tribunal de Apelação de Firenze, Acórdão de 14.05.2009, irrevogável em 21.01.2010), de 18 anos e 8 meses de prisão, pela prática dos factos descritos no campo 44 do formulário A da inserção Shengen e no campo e) do formulário do MDE, que para as autoridades italianas constituem crime de homicídio voluntário premeditado agravado, posse e detenção ilegal de armas, a que são aplicáveis os artigos 110, 81, 575, 577; artigos 2, 4, 7 da Lei 895/67 do Código Penal italiano e que em Portugal são, sob a designação de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º n.º 2, al. j) do Código Penal, correspondendo-lhe a moldura penal abstrata de pena de prisão de 12 a 25 anos de prisão e crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º, nº1, al. c) da Lei nº 5/2006 de 23 de fevereiro, a que corresponde pena de prisão de 1 a 5 anos ou multa até 600 dias. 4. De acordo com a descrição dos factos constantes do Campo 042 do Formulário da inserção Schengen, os mesmos ocorreram no dia 25.09.2002, em Florença, e tiveram a ver com o seguinte circunstancialismo fáctico: “agindo com premeditação e em cumplicidade com outros, a pessoa procurada matou intencionalmente II, disparando contra a vítima vários tiros de pistola”. 5. O MDE foi inserido no Sistema de Informação Schengen (SIS) com o n.º 0008.01RMACPNC...............01, no âmbito do artigo 26.º da Decisão 2007/.33/JAI do Conselho de 12.06.2007, com a retificação JO L .11 de 18.08.2011. (…) 11. O pedido de extradição da Albânia referente a AA deu entrada na Procuradoria-Geral da República, via email, no dia 19.07.2024. 12. Por decisão judicial n.º .68 proferida em 17.10.2008 pelo Tribunal do Distrito Judicial de ..., na Albânia, transitada em julgado, em 14.11.2008, o requerido foi condenado na pena de 14 anos de prisão, pela prática, em coautoria, do crime de homicídio premeditado e posse ilegal de armas, previstos nos arts. 78º, nº 1 e 278º, nº 2 do Código Penal (cfr. Decisão correspondente ao Doc. 1 junto com a oposição). (…) 14. Em 14.05.2015, o Tribunal do Distrito Judicial de ..., na Albânia, reconheceu a sentença penal contra o requerido referida em 3 e converteu “a referida sentença, atribuindo ao cidadão albanês AA (AA) uma pena de 20 (vinte) anos de prisão” (cfr. Decisão correspondente ao Doc. 5 junto com a oposição).” De acordo com o doc. 5 referido no ponto 14 dos factos provados, a revisão e reconhecimento na Albânia da sentença penal referida em 3. ocorreu a pedido das autoridades italianas. Finalmente, no ponto de facto provado 11 diz-se que o pedido de extradição da Albânia referente a Arben Kacorri deu entrada na Procuradoria-Geral da República, via email, no dia 19.07.2024. Pedido que, segundo se extrai de fls. 204 e seguintes, se refere à condenação referida no ponto 12 da matéria provada e não à sentença revista e confirmada referida no ponto 14 - sentença revista e confirmada a que se reportará, porém, segundo fls. 32 (ficha de pessoa procurada/informação Interpol), o mandado de captura emitido em 14.05.2015, pelo tribunal de Tirana, relativo a uma pena de 20 anos de prisão. Temos como manifesto que se impunha ao tribunal recorrido a obtenção de informações complementares como diligência necessária à boa decisão. Desde logo, estando em causa a execução de um MDE emitido há mais de 14 anos, em 21.05.2010, e tomando-se conhecimento da revisão e confirmação, na Albânia, em 2015, da sentença condenatória proferida em Itália que está na base do MDE, o que terá acontecido, segundo consta da documentação junta, a pedido das autoridades judiciárias italianas, havia que indagar junto das autoridades judiciárias do Estado-Membro de emissão sobre a manutenção do interesse na execução e, em caso afirmativo, das razões e fundamentos porque, apesar daquela revisão e confirmação, tal interesse se mantém. Sabido que a Itália assinou, mas não ratificou, a Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais, de Haia, de 28 de maio de 1970 - pelo que não está vinculada ao respetivo 11.º que estabelece que, transmitido o pedido de delegação de execução, o Estado requerente fica impedido de executar a pena -, certo é que ignoramos o que dispõe a lei interna a esse respeito. Por outro lado, a única interação com as autoridades italianas que se vislumbra nos presentes autos reporta-se à transmissão da tradução do MDE em língua portuguesa, pelo departamento competente do Ministério da Justiça de Itália, onde se assinala que eventuais informações complementares deveriam ser dirigidas diretamente à autoridade judiciária de emissão (cf. fls. 79) – informações que não foram pedidas. Além disso, confrontamo-nos com a situação da existência de um pedido de extradição proveniente da Albânia para o cumprimento de pena determinada pela Sentença n.º .68, proferida, em 17.10.2008, pelo Tribunal do Distrito Judicial de ..., existindo, porém, outra sentença, n.º .92AKTI, proferida em 14.05.2015, pelo Tribunal da Comarca de Tirana, que procedeu à revisão e confirmação da sentença de Itália, para cujo cumprimento terá sido emitido mandado de captura internacional, sendo que todas as referidas sentenças se reportam aos factos por que o recorrente foi condenado em Itália. A boa decisão da causa exige, a nosso ver, a prévia obtenção de informações complementares – configurando a sua ausência a omissão de diligências essenciais - , com a necessária urgência, das autoridades judiciárias italianas e albanesas, que esclareçam devidamente a situação, aquelas a obter diretamente e/ou com os bons ofícios do EUROJUST, e estas mediante os bons ofícios da PGR, onde está pendente o pedido de extradição, interessando também esclarecer quais os mandados que se encontram pendentes contra o ora recorrente (e as suas datas), o que pode ser obtido através da PJ/Interpol. Tendo em vista o prazo máximo de detenção à ordem do MDE, haverá que ponderar, sendo caso disso, do interesse da detenção do requerido à ordem de outros mandados que contra o mesmo estejam pendentes. 2.3. Assinale-se, ainda, resultar dos autos que o recorrente não esteve presente no julgamento ocorrido em Itália, pois diz-se que o mesmo permaneceu indetetável desde o início das investigações e esteve ausente durante a celebração dos diversos graus de julgamento. Por conseguinte, deveria o tribunal recorrido ter-se pronunciado, face ao teor do MDE, sobre a verificação ou não da causa de recusa prevista no artigo 12.º-A, da LMDE, com obtenção de informações complementares caso se entenda que o MDE não contém as informações bastantes. O acórdão recorrido nada diz a esse respeito, omitindo, também nesta parte, a devida pronúncia, o que constitui a nulidade prevista na al. c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP, que não pode ser suprida por este tribunal em sede de recurso. A verificação desta nulidade, como das demais referidas supra, obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas no recurso. * III - DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em declarar a nulidade do acórdão recorrido, com os fundamentos supra explanados, devendo o mesmo ser substituído por outro acórdão que, com o prévio pedido de informações, supra as nulidades verificadas. Sem custas. Remeta, de imediato, cópia do presente acórdão à Relação de Lisboa. A título informativo remeta igualmente cópia à PGR. Supremo Tribunal de Justiça, 19 de setembro de 2024 (certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP) Jorge Gonçalves (Relator) Heitor Vasques Osório (1.º Adjunto) Celso Manata (2.º Adjunto) |