Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RAMALHO PINTO | ||
Descritores: | LEI APLICÁVEL NORMA IMPERATIVA SUBSÍDIO DE FÉRIAS SUBSÍDIO DE NATAL | ||
Data do Acordão: | 07/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Sumário : |
I- É obrigatório o pagamento a trabalhadores, cujo contrato de trabalho está a ser executado em Portugal, de subsídio de férias e de Natal; II- Se a base de afectação do trabalhador se situa em território português, se o acordo das partes quanto à lei aplicável ao contrato de trabalho afastou a lei portuguesa, que de outro modo seria aplicável, à luz do artigo 8.º n.º 1 do Regulamento Roma I (Regulamento CE n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável ás obrigações contratuais) tal não pode lograr o resultado de afastar as normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo 158/20.2T8MTS.P1.S1 Revista 97/23 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: AA instaurou contra Ryanair DAC (Designated Activity Company) a presente ação, com processo comum, pedindo a final o seguinte: a) a condenação da Ré no pagamento do valor global de € 81.470,96 relativos aos subsídios de férias (€ 17.487,98) e de Natal (€ 17.487,98) não pagos durante a vigência do contrato, acrescidos dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, bem como da formação não ministrada (€ 1.339,45), das retribuições não pagas durante o período de inatividade (€ 43.667,58) e de 11 dias de férias não gozados (€ 1.487,97); b) no tocante ao período de inatividade, caso não se considere o valor total, deverá a Ré ser condenada em 20% desse valor, ou seja, a 20% de € 43.667,58 no total de € 8.733,51, reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho intermitente. c) a condenação da Ré no pagamento, ainda, do valor de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais acrescidos dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento. Frustrou-se a conciliação das partes. A Ré contestou. Foi produzida prova para decisão sobre a competência internacional do Tribunal, tendo o Tribunal concluído pela respectiva competência para dirimir o litígio (cfr. decisão de 09.02.2022). Foi realizada audiência final. Foi proferida sentença em 04.09.2022, na qual se decidiu o seguinte: “Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos, pelo que: a) condeno a ré a pagar à autora a retribuição dos dias de férias não gozadas nos anos de 2010 a 2018 por referência ao período de 22 dias de férias anual, ponderando o período anual de trabalho concreto prestado pela autora a partir do ano de 2012 e a retribuição concretamente auferida pela autora em cada um daqueles anos (de 2010 a 2018), a liquidar posteriormente; b) condeno a ré a pagar à autora a compensação retributiva correspondente a 20% da retribuição base pelos períodos de inatividade nos anos de 2012 e até à cessação do contrato de trabalho, a ser calculada por referência à retribuição base auferida pela autora em cada um desses anos e aos concretos períodos de inatividade em cada, a liquidar posteriormente; c) condeno a ré no pagamento da quantia correspondente a 55 horas de retribuição (por formação profissional não ministrada), a calcular por referência à retribuição que a autora auferia aquando da cessação do contrato de trabalho, a liquidar posteriormente; d) absolvo a ré do demais peticionado.” A Autora interpôs recurso de apelação. A Ré requereu reenvio prejudicial. Por acórdão de 23.01.2023, o Tribunal da Relação decidiu não admitir o reenvio prejudicial e concluiu o seguinte: “Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso e, em consequência, decide-se: I) revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré do pagamento à Autora dos subsídios de férias e de Natal, e, em substituição, é condenada a Ré a pagar à Autora os subsídios de férias e de Natal durante o período de vigência do contrato, sendo os montantes a apurar em liquidação posterior nos termos dos art.ºs 609º, nº 2 e 358º, nº 2 do Código de Processo Civil. II) manter, no mais, a sentença recorrida.”. A Ré interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: i. O Tribunal da Relação do Porto apoia-se, para a sua análise, apenas nos contratos celebrados entre a Recorrente e a Recorrida em 2010 e 2012, desconsiderando o contrato original celebrado em 2009 e desconsiderando factos essenciais para a análise do dissídio, pelo que cumpre relembrar que v) A Recorrida foi recrutada em processo conduzido a partir de Dublin, e iniciou a sua prestação para a Recorrente alocada à base de ..., em Itália, cfr. Factos provados 13 a 15 e 17; vi) O contrato de trabalho proposto expressamente pressupunha que a mobilidade do trabalhador era essencial para a posição em causa, cfr. Facto provado 16; vii) As partes acordaram um salário base anual bruto de Eur 10.200,00, cfr. Facto provado 32 e vide doc. 1 junto com a pi e doc. 1 junto com a contestação. viii) A Recorrida foi depois transferida de ... para Faro a seu pedido, sendo que durante a relação laboral se manteve constante a escolha de aplicação da lei irlandesa à relação laboral, cfr. Factos provados 18 e 25. ii. Segundo o Tribunal a quo, neste dissídio estaria apenas em causa entender se a remuneração estabelecida nos contratos de trabalho afastara as normas inderrogáveis da lei portuguesa, relativas aos subsídios de férias e de Natal, ignorando por completo a escolha de lei efetuada pelas Partes e nunca confrontando os regimes jurídicos em causa na matéria pertinente, o que viola frontalmente o Regulamento CE n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (“Regulamento Roma I”). iii. Com efeito, a jurisprudência europeia clarificou já que o artigo 8.º n.º 1 do Regulamento Roma I exige que se “compare o nível de proteção de que beneficia o trabalhador por força dessas regras com o previsto pela lei escolhida pelas partes. Se o nível previsto pelas referidas regras assegurar uma melhor proteção, há que aplicar essas mesmas regras (…)”. iv. Ou seja, resulta claro da jurisprudência do TJUE que se exige uma comparação entre os ordenamentos em confronto (o da escolha das Partes e o subsidiariamente aplicável), cumprindo analisar o cumprimento daquele que legar o maior nível de proteção na matéria em discussão, e não, como fez o Tribunal a quo, interpretar o Regulamento Roma I no sentido de que se aplicam as normas mais favoráveis ao trabalhador de cada um dos ordenamentos. v. Aliás, o exercício propugnado pelo Tribunal a quo culmina no absurdo resultado de garantir o direito à Recorrida ao melhor salário mínimo [o irlandês] pago no máximo número de prestações [14, tal como sucede em Portugal]. vi. Além de tal exercício estar desacreditado pela Doutrina e jurisprudência assentes, do mesmo não resulta um reequilíbrio da relação jurídica laboral, mas antes uma maximização da proteção do trabalhador para além do que qualquer dos regimes potencialmente aplicáveis dispôs. vii. Como é inegável, e superiormente defendido pelos Pareceres dos ilustres jurisconsultos João Leal Amado, Milene Rouxinol e Maria do Rosário Palma Ramalho juntos pela Recorrida, a tese cumulativa defendida pelo Acórdão recorrido é desprovida de sentido: “na análise das normas imperativas da lei da conexão objectiva do contrato, o que a norma da parte final do art. 8º nº 1 do Reg. Roma I exige que se compare é o nível de protecção decorrente daquelas normas imperativas com o nível global de protecção assegurado pela lei escolhida das partes no conjunto normativo (i.e., o tal grupo incindível de normas a que se refere a teoria da conglobação limitada na comparação de diferentes fontes) a que se reporta a norma imperativa da lei da conexão objectiva que esteja concretamente em questão. E, assente este ponto, apenas quando da aplicação do conjunto normativo da lei escolhida pelas partes naquela matéria, apreciado na sua globalidade, resultar uma privação do nível de tutela assegurado pela norma imperativa da lei da conexão objectiva que se reporta ao mesmo grupo de matérias, é que deverá prevalecer a lei da conexão objectiva do contrato.” (sublinhado nosso). viii. Em resultado, o que o Regulamento Roma I exige é uma comparação efetiva e substantiva da proteção conferida na matéria em causa por cada um dos ordenamentos em confronto. ix. Estando em causa a proteção de um determinado nível remuneratório neste caso, e o acesso a um determinado montante como sinalagma da prestação do trabalho, será substancialmente mais protetor do trabalhador o regime que protege globalmente um valor superior de remuneração, sendo inegável que lei irlandesa escolhida pelas Partes confere um nível de proteção superior nesta matéria. x. Aliás, já emergiu do próprio legislador Europeu um indício decisivo sobre o exercício a executar nestes casos dado que, no âmbito da diretiva relativa ao destacamento de trabalhadores, e com a mesma preocupação de salvaguarda dos direitos mínimos previstos em diferentes legislações laborais, se dispõe: “Ao comparar a remuneração paga a um trabalhador destacado e a remuneração devida em conformidade com o direito e/ ou as práticas nacionais do Estado-Membro de acolhimento, deverá ter-se em conta o montante bruto da remuneração. Deverão ser comparados os montantes brutos totais da remuneração, em vez dos elementos constitutivos individuais da remuneração tornados obrigatórios conforme previsto na presente diretiva.“16 xi. Não obstante, a Recorrida sustentou as suas alegações de apelação na ideia de que lhe são devidos os subsídios de Natal e de Férias previstos na lei portuguesa porque são prestações que visam assegurar maior disponibilidade pecuniária em épocas tendencialmente de maior gasto para o trabalhador, com uma natureza diversa da demais remuneração recebida mensalmente. xii. No entanto, uma apurada investigação demonstra que não é assim dado que, antes de mais, a génese destes meses de salário adicionais encontra-se simplesmente na falta de cabimentação orçamental para aumentar os funcionários públicos no ido ano de 1972, tendo mais tarde vindo a sedimentar-se, alargar-se e estender-se ao setor privado. xiii. Acresce que vários autores reconhecem aquilo que é óbvio. Os subsídios de férias e de Natal são componentes remunerativas do trabalho sendo que “nelas concorrem todos os outros elementos do conceito técnico-jurídico de retribuição (ou seja, constituem um direito do trabalhador, têm a sua base na lei, têm carácter patrimonial e são atribuídas de modo regular e periódico, sendo neste caso a periodicidade anual), nos termos da presunção de retribuição constante do art. 258º nº 3 do CT, elas devem ser qualificadas como complementos remuneratórios de índole retributiva, ou seja, como parte integrante da retribuição do trabalhador.” xiv. Em face do exposto, o exercício comparativo exigível não se poderia nunca resumir a verificar se existem subsídios correspetivos aos de Natal e de férias na lei irlandesa, o que seria uma comparação imaterial e sem substância, que ignora balanço sistemático das normas relacionáveis com a matéria em discussão, dentro de cada um dos sistemas jurídicos em confronto. xv. É por isso necessário, no caso sub judice, alargar o escopo às normas incindíveis entre si e verificar o escopo de proteção conferido ao quantum remuneratório correspetivo da prestação normal de trabalho em cada uma das jurisdições, como proposto pela da teoria da conglobação limitada, utilizada para comparação de IRCT’s: “Qualquer cotejo a realizar em Direito - e, para mais, com relevo em soluções materiais - há-de ser uma comparação de resultados. Contrapor normas releva de um positivismo ingénuo, que toma a proposição pela decisão aplicativa, os conceitos pela causa e a formulação pela substância: no fundo, emerge aqui, de novo, um nível linguístico de solução juslaboral, que se desliga das soluções efectivas e das realidades que, ao Direito, compete enquadrar e resolver. Em Direito, um «resultado» implica, com frequência, uma série de normas, teleologicamente interligadas, às quais se deve ainda, muitas vezes, juntar princípios. Comparar fontes no seu conjunto não é consequente, uma vez que elas podem somar problemáticas muito diversas, ao sabor de acasos que nada tenham de dogmático. Mas separar normas incindíveis é puro irrealismo: equivale a abdicar de, na comparação, apurar resultados materiais. (...) Optou-se, por isso pela tese da conexão interna – ou, se se quiser, pela teoria da conglobação limitada.” xvi. Retornando ao caso concreto, o ponto assente é que, para a mesma prestação a tempo completo e no mesmo período normal de trabalho, o sistema irlandês protege uma remuneração muito superior. xvii. É, portanto, difícil de compreender como pode o Tribunal a quo propugnar a tese de que se deveriam assegurar “pagamento de pelo menos 14 vezes esse salário mínimo irlandês”. Ainda para mais, quando a mesma Relação do Porto, no Processo n.º 4800/16.1T8MTS.P1, comparou o escopo de proteção oferecido pela lei alemã em comparação com a lei portuguesa em matéria remuneratória, para nesse caso entender se o trabalhador tinha direito à remuneração mínima superior prevista na lei alemã, sendo de aplicar esta última, mesmo que naturalmente esta apenas se pagasse 12 vezes ao ano: “Ou seja, no que ao caso importa, a remuneração do trabalhador sinistrado não pode ser inferior aos aludidos € 11,25/ hora, estabelecidos legalmente na Baviera/ Alemanha, sendo que, ainda por aplicação do critério da aplicação da lei mais favorável, acolhido pelo nosso ordenamento jurídico, incluindo legislação laboral, é aquela lei, como se viu enquanto norma especial, chamada no caso à aplicação, pois que da consideração da remuneração mínima garantida, mesmo com referência apenas a um salário mensal de 1950,00 x 12 (com exclusão pois de subsídios de Natal e de férias que apenas se podem ter por obrigatórios em Portugal, acrescido o valor pago de subsídio de alimentação de 124,30 x 11), resulta o montante anual de € 24.767,30, indicado pelo Ministério Público nas suas alegações, superior pois ao salário mínimo em Portugal que ainda ao que era pago ao sinistrado…” xviii. Em resultado, é inegável que da lei irlandesa escolhida pelas partes não resulta uma privação da proteção concedida pela lei portuguesa em matéria retributiva visto que, por exemplo em 2018 (último ano de aplicação da lei irlandesa por escolha das partes), a lei irlandesa protegia um salário mínimo para um tempo equivalente, por exemplo de 40 horas semanais, de Eur 1.568,00 pago 12 vezes e a lei portuguesa estipulava um valor de Eur 580,00 pago 14 vezes (cfr. artigos 118.º e 119.º da contestação e elementos aí aduzidos e juntos com a peça processual.) DA VONTADE DAS PARTES xix. O Tribunal a quo, tendo ignorado o exercício de comparação entre as leis em confronto, avançou para a interpretação do negócio celebrado, ignorando o contrato de trabalho original celebrado em 2009, e concluído que um declaratário normal não concluiria estarem os subsídios incluídos na remuneração acordada. xx. Mas esta conclusão não se compagina com os factos provados e é aliás um contrassenso, porque: a. A Recorrida celebrou um contrato de trabalho com a Recorrida em 2009 para prestar trabalho em ..., Itália, no qual acordou uma remuneração de Eur 10.200,00 por ano; b. Em fevereiro de 2010, celebrou contrato em que alterava a sua base de alocação para Faro no qual se mantinha o mesmo salário anual de Eur 10.200,00; c. Por fim, celebrou mais tarde um contrato sazonal, no caso um contrato intermitente, em que se obriga a receber mais do que aquele mesmo valor anual pois já o seu salário subira, dividido por 12 meses, no caso Eur 908,00, por cada mês de operação; d. Ao que acresce que todos os contratos escolhiam expressamente a lei irlandesa. xxi. Assim, qualquer destinatário médio colocado na mesma posição da Recorrida, ou seja, conhecendo a prática da Empresa, o texto dos contratos e tendo já experiência na mesma Empresa, concluiria, naturalmente, que o valor da retribuição anual incluiria todas as prestações devidas. xxii. Caso dúvidas subsistissem sobre a interpretação correta, sempre se aplicaria o disposto no artigo 237.º do CC, segundo o qual, no caso de contratos onerosos, deverá prevalecer a interpretação que conduz ao maior equilíbrio das prestações. xxiii. Ora, em face dos factos, e considerando que a Recorrida auferia em 2009, no início do contrato em Itália, exatamente o mesmo valor que auferiu quando se transferiu para Portugal, dúvidas não subsistem de que a interpretação que conduz ao equilíbrio de prestações é a defendida pela aqui Recorrente. xxiv. Aliás, outra conclusão não seria possível à luz deste contrato de trabalho internacional, senão a prestação do mesmo trabalho em Portugal seria automaticamente mais dispendiosa do que a prestada noutro país onde não existam os subsídios aqui em causa o que desincentivaria a transferência para Portugal. A Autora contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado. O Exmº PGA emitiu parecer no sentido de ser negada a revista. x Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como única questão a decidir, a de saber se a Autora tem direito a receber subsídios de férias e de Natal em acréscimo à remuneração acordada com a Ré. Uma vez que a questão do reenvio prejudicial não foi levada pela Recorrente às conclusões, mas tão só ao corpo da alegação, da mesma não se tomará conhecimento. x Está assente a seguinte factualidade: 1. A Autora foi admitida ao serviço da Ré, por um contrato de trabalho que teve início em 12/02/2010 e no âmbito do qual exerceu funções de Tripulante de Cabine para a Ré, ininterruptamente, até 28/01/2019, data em que a Autora comunicou à Ré a decisão de sair da empresa. 2. A Autora desempenhava as funções de Tripulante de Cabine na base aérea do Aeroporto de Faro, sob ordens e instruções da Ré e de acordo com o horário de trabalho por esta designado. 3. Para desempenhar as suas funções, a Autora apresentava-se, todos os dias em que prestasse trabalho, junto da competente Sala dos Tripulantes (usualmente denominada “Crew Room”), no referido Aeroporto, em Portugal, a qual era disponibilizada e titulada pela Ré. 4. Os aviões da Ré encontravam-se estacionados no referido Aeroporto de Faro, Portugal. 5. Sendo obrigatório e imperativo tal registo, sob pena de marcação de falta. 6. Nos dias em que o serviço da Autora consistisse em voos programados, a mesma deveria apresentar-se e registar a sua entrada 45 minutos antes de cada voo. 7. Reunindo com a restante tripulação nos 45 minutos que antecediam o voo, com vista a programar e configurar o dia de trabalho. 8. Nos dias em que se encontrasse de prevenção presencial deveria permanecer no aeroporto durante oito horas. 9. Nos dias em que se encontrasse de prevenção não presencial, a Autora não era remunerada se não fosse chamado a prestar trabalho, mas também não era obrigada a comparecer no Aeroporto. 10. Tendo, antes, de permanecer, em determinado período de tempo (normalmente onze horas), alerta e atenta ao telemóvel, pronta para receber chamada de urgência e disponível para se apresentar na mencionada Sala em 60 (sessenta) minutos. 11. Os superiores hierárquicos – Supervisores da Base e Chefes de Cabine – transmitiam à Autora instruções de trabalho. 12. As marcações de férias da Autora eram feitas por computador. 13. A Autora foi recrutada no âmbito de um programa europeu de recrutamento, conduzido por uma empresa de trabalho temporário. 14. Esse programa de recrutamento, onde são levadas a cabo entrevistas por toda a Europa, é conduzido a partir da sede da Ré, em Dublin. 15. A Autora entrevistada em Portugal porque aí escolheu comparecer, sendo que nesse recrutamento candidatou-se a qualquer das bases da Ré na Europa. 16. Foi-lhe então proposto um contrato de trabalho que definia que a mobilidade era essencial, tendo esta assinado o mesmo e enviado para a sede da Ré, em Dublin. 17. Nesse momento, e a partir de 01/09/2009, a Autora a executava trabalho com partidas e regresso, essencialmente, a Pisa, na Itália. 18. Mais tarde, em 25 de março de 2010, foi a Autora alocada ao aeroporto de Faro, no âmbito da referida mobilidade internacional que vigorava no seu contrato de trabalho. 19. No âmbito da execução do seu trabalho diário, a Autora prestava a maioria do seu trabalho num avião registado na Irlanda. 20. Em grande parte do seu tempo de trabalho, encontra-se nesse território a sobrevoar o espaço aéreo de diferentes países e espaço aéreo internacional. 21. Iniciado o seu trabalho, a Autora realizava aterragens e partidas nos mais variados países. 22. A Autora fez formação profissional fora de Portugal, nomeadamente em Stanstead, em Inglaterra. 23. A Autora recebia todas as suas instruções, planeamento, horários, intervenções hierárquicas a partir de Dublin, na Irlanda. 24. A Autora abriu e recebia o seu vencimento numa conta bancária irlandesa. 25. O ponto 35.1 do contrato de trabalho celebrado entre as partes, e datado de 12/02/2010, tem o seguinte teor: “A relação de trabalho entre a Ryanair e você será sempre regida pelas leis em vigor e conforme alteradas ao longo do tempo na República da Irlanda”. 26. Esta cláusula não foi objeto de negociação entre as partes e constava já do modelo de contrato de trabalho apresentado à Autora para assinar. 27. A Ré nunca pagou à Autora qualquer valor que identificasse como subsídio de férias ou subsídio de Natal. 28. No acordo datado de 27/01/2012, sob a epígrafe “Sazonalidade do Contrato” a cláusula 3ª tem a seguinte redação: «3.1 A empresa tem menos necessidade de tripulantes de cabine durante o horário de voos de Inverno entre novembro e março inclusive. Você é obrigado a trabalhar por aproximadamente nove meses durante o nosso ano de voo entre abril e março anualmente. Estes nove meses serão normalmente na forma de trabalho normal entre abril e outubro, com licença sem vencimento de três meses (ou seja, geralmente entre novembro e março inclusive). Qualquer período de licença sem vencimento será escalado a critério da empresa e não necessariamente em meses consecutivos. Não há garantia de que não lhe será solicitado que opere tarefas de voo ou terrestres durante a temporada de Inverno, e o período de tempo em que não será necessário que opere tarefas de voo ou terrestres poderá ocorrer em outras épocas durante o ano, sujeito aos requisitos operacionais. 3.2 Você receberá uma notificação por escrito da licença sazonal não remunerada que lhe foi atribuída antes do início da licença. Durante quaisquer períodos de licença sem vencimento; - a sua continuidade no emprego não será afetada; - você não receberá nenhum pagamento (incluindo pagamento base, pagamento de voo, bónus de vendas, subsídios mensais, pagamento por doença, etc.); - a empresa não fará contribuições PRSI em seu nome; e - você não acumulará férias anuais. 3.3 Uma vez que este é um contrato sazonal, os períodos de licença não remunerada de Inverno planeada não constituem um período de lay off ao abrigo da Lei de Pagamentos de Despedimento de 1967-2007.» 29. A Ré facultava aos trabalhadores a possibilidade de escolherem, dentro de determinados meses, os meses que queriam estar de licença sem vencimento. 30. Nos anos de 2012 a 2018, a Autora teve, em cada um deles, dias de inatividade por força de tal licença sem vencimento. 31. O contrato de trabalho celebrado entre as partes previa o gozo anual de 20 dias de férias. 32. No contrato de trabalho celebrado entre as partes (datado de 12/02/2010), e tal como já estava previsto no contrato de 17/08/2009 (cláusula 7ª), sob a epígrafe “salário”, a cláusula 8ª estipulava o seguinte: «8.1 Você receberá um salário base anual bruto de € 10.200,00 (dez mil e duzentos euros). O salário será acumulado dia a dia e deverá ser pago após o vencimento em prestações mensais de igual valor no dia 28 de cada mês para a sua conta bancária. 8.2 A sua remuneração total foi calculada para incluir um prémio por todas as horas associadas ao serviço de voo; incluindo, mas não se limitando a, relatórios pré e pós-voo, atrasos e todas as tarefas a bordo, incluindo o uso do sistema portátil EPOS. O seu salário também inclui um prémio pelo trabalho aos domingos e feriados. 8.3 O seu salário estará sujeito a uma revisão anual no mês de abril de cada ano, apenas após a conclusão bem-sucedida do seu Período de Estágio, a critério absoluto da Empresa. As revisões salariais basear-se-ão no seu desempenho e no da Empresa. Não se aplicam ao seu contrato de trabalho quaisquer incrementos automáticos ou aumentos de salário.» 33. No acordo datado de 27/01/2012, sob a epígrafe “salário”, a cláusula 6ª estipulava o seguinte: «6.1 Você receberá um salário base mensal bruto de € 908,00 (novecentos e oito euros) por cada mês em que opere. O salário será acumulado dia a dia e deverá ser pago após o vencimento no dia 28 de cada mês para a sua conta bancária. 6.2 A sua remuneração total foi calculada para incluir um prémio por todas as horas associadas ao serviço de voo; incluindo, mas não se limitando a, relatórios pré e pós-voo, atrasos e todas as tarefas a bordo, incluindo o uso do sistema portátil EPOS. O seu salário também inclui um prémio pelo trabalho aos domingos e feriados. 6.3 O seu salário estará sujeito a uma revisão anual no mês de abril de cada ano, a critério absoluto da Empresa. As revisões salariais basear-se-ão no seu desempenho e no da Empresa. Não se aplicam ao seu contrato de trabalho quaisquer incrementos automáticos ou aumentos de salário.» 34. A Autora frequentou a formação de line check em 15/05/2016, em 24/06/2017 e 28/03/2018, cada uma com uma duração de cerca de 2 horas. 35. A Autora completou a formação de CRMS em 16/09/2016, em 03/08/2017 e 08/08/2018, sendo que cada uma destas formações anuais tem a duração de 2 dias, com 8 horas em cada dia. 36. A Autora completou formação em situação de incêndio, crew triennial recurrent training and checking - 3RT, em 10/09/2016, com uma duração de cerca de 1 hora. 37. Com data de 28/11/2019 a Ré, através da sociedade “Workforce International Contrators, Lda.”, acordou com o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) que “na data limite de 31 de janeiro de 2019, os contratos de trabalho dos Tripulantes de Cabine diretamente contratados pela Workforce referidos no artigo 1º serão regidos pela legislação laboral portuguesa”, tendo ainda acordado que tal não produz “impacto nas diferenças de entendimento da Workforce e do Sindicato relativamente à jurisdição e lei aplicável em relação a litígios pendentes perante tribunais portugueses”. 38. A Ré tem a sua sede em Dublin, República da Irlanda. x - o direito: As instâncias decidiram da seguinte forma a questão que nos ocupa: A 1ª instância: “Tendo sempre presente o princípio da liberdade contratual, a apreciação do nível de proteção da Autora tem de ser ponderada por referência à formação da vontade contratual das partes. A retribuição anual acordada pelas partes correspondia a um valor mensal de € 850,00 (€ 10.200,00/12). Em Portugal, no ano de 2010 a remuneração mínima mensal garantida ascendia a € 475,00 (DL n.º 5/2010, de 05 de janeiro), à qual, acrescendo os subsídios de férias e Natal, correspondia a um valor mensal de € 554,17. Para o setor de aviação, verifica-se que aquele montante de € 850,00, se insere dentro da média (ou acima dela) de retribuição mensal (mesmo ponderando a atribuição dos dois subsídios anuais) prevista para os tripulantes de cabine nos anos iniciais de carreira das empresas de aviação civil a operarem em território nacional que, na data, haviam celebrado acordos de empresa com o SNPVAC: TAP, S.A. (BTE n.º 8 de 08/04/2019), SATA Internacional, S.A. (BTE nº 46 de 15/12/2008) e Portugália, S.A. (BTE, n.º 20, de 29/05/2010). Por outro lado, é ainda de ponderar que do disposto no art.º 263º, n.º 1, e 264º, n.º 3, do Código do Trabalho, nada obsta que as partes acordem no pagamento de tais subsídios de forma diversa da prestação única comumente praticada. Deste modo, ponderando que na legislação portuguesa nada obsta a que o salário seja negociado e previsto num valor anual global e que a retribuição acordada entre as partes não fica aquém do valor do salário mínimo nacional nem das retribuições anuais previstas para o setor na contratação coletiva existente à data, é de considerar que a mera ausência de previsão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal não importa uma derrogação material à lei substantiva imperativa portuguesa e à proteção que nela se pretende alcançar. Como tal, inexiste fundamento para afastar a aplicação da lei irlandesa, pelo que improcede nesta parte o peticionado”. A Relação, no acórdão recorrido: “Desde já se adianta que não se concorda com o raciocínio subjacente à sentença recorrida, pois, admitindo aplicar-se a lei irlandesa, abstrai do valor do “salário mínimo” estabelecido pela lei irlandesa, e vem a considerar o sistema retributivo acordado pelas partes mais vantajoso porque excede o valor do “salário mínimo” anual (pago em “14 meses”) previsto em Portugal [se bem entendemos é o raciocínio que está exposto no trecho transcrito]. É que, se é aplicável a lei irlandesa (que prevê um determinado “salário mínimo”), e por via da lei portuguesa tem direito ao pagamento de pelo menos 14 vezes esse “salário mínimo irlandês”, não se pode, parece, dizer que aquilo que releva é que a retribuição acordada entre as partes não fica aquém do valor do salário mínimo nacional (português) nem das retribuições anuais previstas para o setor na contratação coletiva existente à data (em Portugal, de acordo com os “acordos de empresa” citados). O trabalhador celebra contrato de trabalho internacional e afinal interessa é que sejam observadas as regras como se de contrato nacional se tratasse? Não se nos afigura. Como é sabido, no sector dos motoristas internacionais, vem-se assistindo a que bastas vezes, independentemente da legalidade dessa prática, é acordado um valor global mensal a pagar aos motoristas (calculado em função dos quilómetros percorridos), e vem-se admitindo que o empregador demonstre que foi acordado o pagamento desse valor global, que abarca as rubricas que constituem as garantias mínimas para os trabalhadores dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias previstas no CCT do sector, desde que se revele mais vantajoso ao motorista. Todavia, aí está em causa a comparação do regime remuneratório convencionado individualmente com o regime remuneratório convencionado coletivamente, enquanto que no caso que agora nos ocupa, está em causa saber se ao ser estabelecida/paga a remuneração foram afastadas, ou não tidas em consideração, normas inderrogáveis da lei portuguesa (as que preveem o pagamento dos referidos subsídios). De todo o modo, concorda-se com a afirmação feita na sentença recorrida de que nada obsta a que o salário seja negociado e previsto num valor anual global; ponto é que nesse acordo, efetivamente esteja salvaguardada a observância das normas inderrogáveis da lei portuguesa. E no caso em apreço está salvaguardada essa observância? Analisados os factos provados, temos que inicialmente (em 2010) foi acordado um salário base anual, a pagar em prestações mensais (ponto 32 dos factos provados), e depois (em 2012) foi acordado o pagamento de um salário base mensal (ponto 33 dos factos provados). Ora, desde logo se pode dizer o seguinte: se o acordo de pagamento de uma quantia anual facilita a consideração do acordo a incluir o pagamento dos referidos subsídios, já o acordo de uma quantia mensal dificulta essa consideração (pois, terá que resultar que num mês está incluída parte do 13º e 14º). Mas vejamos. Quer em 2010, quer em 2012, foi inserta cláusula contratual referindo que essa retribuição base (primeiro anual, depois mensal) foi calculada para incluir um prémio por todas as horas associadas ao serviço de voo; incluindo, mas não se limitando a, relatórios pré e pós-voo, atrasos e todas as tarefas a bordo, incluindo o uso do sistema portátil EPOS. O seu salário também inclui um prémio pelo trabalho aos domingos e feriados. E daqui podemos extrair que as partes ao acordarem o pagamento, primeiro de uma retribuição base anual paga em 12 prestações mensais, depois de uma retribuição base mensal paga em cada um dos 12 meses do ano, incluiu o pagamento de subsídios de férias e de Natal como impõe a lei portuguesa? Ora, nada está expresso e nada nos leva a apontar que tenha sido querido pelas partes, pelo que não se nos afigura que se possa concluir tal. Como é sabido, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, sendo que em negócios formais não pode a declaração valer com um sentido não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento (artºs 236º e 238º do Código Civil). E no caso não se nos afigura que esse declaratário normal deduzisse da referida cláusula estar no valor da retribuição (sobretudo a mensal) incluídos os subsídios de férias e de Natal, nem estando tal ali expresso, ainda que de forma imperfeita. Sendo assim, tem a Autora a haver da Ré os referidos subsídios durante a pendência do contrato, por aplicação dos preceitos inderrogáveis da lei portuguesa, procedendo, pois, o recurso”. Vejamos: A redacção do art.º 8º do Regulamento Roma I (Regulamento CE n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de ... de ... de 2008), com a epígrafe «contratos individuais de trabalho», é a seguinte: “1. O contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes nos termos do artigo 3º. Esta escolha da lei não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos nºs 2, 3 e 4 do presente artigo. 2. Se a lei aplicável ao contrato individual de trabalho não tiver sido escolhida pelas partes, o contrato é regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato ou, na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato. Não se considera que o país onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver temporariamente empregado noutro país. 3. Se não for possível determinar a lei aplicável nos termos do nº 2, o contrato é regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador. 4. Se resultar do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do indicado nos nºs 2 ou 3, é aplicável a lei desse outro país. Está provado, com relevância para a questão, que: 1. A Autora foi admitida ao serviço da Ré, por um contrato de trabalho que teve início em 12/02/2010 e no âmbito do qual exerceu funções de Tripulante de Cabine para a Ré, ininterruptamente, até 28/01/2019, data em que a Autora comunicou à Ré a decisão de sair da empresa. 2. A Autora desempenhava as funções de Tripulante de Cabine na base aérea do Aeroporto de Faro, sob ordens e instruções da Ré e de acordo com o horário de trabalho por esta designado. 17. Nesse momento, e a partir de 01/09/2009, a Autora executava trabalho com partidas e regresso, essencialmente, a ..., na Itália. 18. Mais tarde, em 25 de março de 2010, foi a Autora alocada ao aeroporto de Faro, no âmbito da referida mobilidade internacional que vigorava no seu contrato de trabalho. 25. O ponto 35.1 do contrato de trabalho celebrado entre as partes, e datado de 12/02/2010, tem o seguinte teor: “A relação de trabalho entre a Ryanair e você será sempre regida pelas leis em vigor e conforme alteradas ao longo do tempo na República da Irlanda”. 26. Esta cláusula não foi objeto de negociação entre as partes e constava já do modelo de contrato de trabalho apresentado à Autora para assinar. 27. A Ré nunca pagou à Autora qualquer valor que identificasse como subsídio de férias ou subsídio de Natal. 32. No contrato de trabalho celebrado entre as partes (datado de 12/02/2010), e tal como já estava previsto no contrato de 17/08/2009 (cláusula 7ª), sob a epígrafe “salário”, a cláusula 8ª estipulava o seguinte: «8.1 Você receberá um salário base anual bruto de € 10.200,00 (dez mil e duzentos euros). O salário será acumulado dia a dia e deverá ser pago após o vencimento em prestações mensais de igual valor no dia 28 de cada mês para a sua conta bancária. 8.2 A sua remuneração total foi calculada para incluir um prémio por todas as horas associadas ao serviço de voo; incluindo, mas não se limitando a, relatórios pré e pós-voo, atrasos e todas as tarefas a bordo, incluindo o uso do sistema portátil EPOS. O seu salário também inclui um prémio pelo trabalho aos domingos e feriados. 8.3 O seu salário estará sujeito a uma revisão anual no mês de abril de cada ano, apenas após a conclusão bem-sucedida do seu Período de Estágio, a critério absoluto da Empresa. As revisões salariais basear-se-ão no seu desempenho e no da Empresa. Não se aplicam ao seu contrato de trabalho quaisquer incrementos automáticos ou aumentos de salário.» 33. No acordo datado de 27/01/2012, sob a epígrafe “salário”, a cláusula 6ª estipulava o seguinte: «6.1 Você receberá um salário base mensal bruto de € 908,00 (novecentos e oito euros) por cada mês em que opere. O salário será acumulado dia a dia e deverá ser pago após o vencimento no dia 28 de cada mês para a sua conta bancária. 6.2 A sua remuneração total foi calculada para incluir um prémio por todas as horas associadas ao serviço de voo; incluindo, mas não se limitando a, relatórios pré e pós-voo, atrasos e todas as tarefas a bordo, incluindo o uso do sistema portátil EPOS. O seu salário também inclui um prémio pelo trabalho aos domingos e feriados. 6.3 O seu salário estará sujeito a uma revisão anual no mês de abril de cada ano, a critério absoluto da Empresa. As revisões salariais basear-se-ão no seu desempenho e no da Empresa. Não se aplicam ao seu contrato de trabalho quaisquer incrementos automáticos ou aumentos de salário.» 38. A Ré tem a sua sede em Dublin, República da Irlanda. As partes escolheram a lei irlandesa para regular a relação contratual entre ambas estabelecida. Ao que parece resultar dos autos, neste aspecto existindo acordo entre as partes, a lei irlandesa não prevê o pagamento de subsídios de férias e de Natal. Mas como acertadamente se refere no Ac. da Rel. de Lisboa de 15/09/2021, proc. 2191/19.8T8PDL.L1, ao que sabemos não publicado, apesar do art. 8º, nº1, 1ª parte, do referido Regulamento (norma esta acima transcrita) prever, como regra geral, a possibilidade de escolha pelas partes da lei aplicável (in casu, da lei irlandesa), dispõe também que “Esta escolha da lei não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos nºs 2, 3 e 4 do presente artigo”. Concluindo tal aresto, mais à frente, que “a Lei Irlandesa (...) priva o aqui trabalhador da protecção que lhe é conferida pela Lei Portuguesa por disposições não derrogáveis, no que concerne aos subsídios de férias e de Natal”. As disposições do Código do Trabalho que preveem os subsídios de férias e de Natal são imperativas e não podem ser derrogadas por acordo das partes, constituindo os mesmos prestações obrigatórias - cfr. o artigo 3.°, n.° 4 do Código do Trabalho. Este STJ tem entendido, de forma pacífica, que é obrigatório o pagamento a trabalhadores cujo contrato de trabalho está a ser executado em Portugal de subsídio de férias e de Natal. Se a base de afectação do trabalhador se situa em território português, se o acordo das partes quanto à lei aplicável ao contrato de trabalho afastou a lei portuguesa, que de outro modo seria aplicável, à luz do artigo 8.º n.º 1 do Regulamento Roma I (Regulamento CE n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável ás obrigações contratuais), tal não pode lograr o resultado de afastar as normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal- cfr. acórdãos 27-10-2021, proc. n. º 19733/19.1T8LSB.L1.S2, de 22-02-2022, proc. n. º 2191/19.8T8PDL.L1.S2, de 7/9/2022, proc. 1644/19.2T8TVD.L1.S2, e de 29-11-2022, proc. n. º 2440/19.2T8BRR.L1.S2. Daí a conclusão retirada, a nível do respectivo sumário, de que são normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente para efeitos de aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal. Dada tal obrigatoriedade, estas prestações são sempre devidas, independentemente do valor anual fixado da retribuição do trabalhador, não sendo legítimo fazer qualquer exercício de comparação como pretende a Recorrente. Não está em causa a natureza jurídica dos subsídios de férias e de Natal, mas outrossim a da sua obrigatoriedade ou inderrogabilidade, que inquestionavelmente existe. Como se afirma no acórdão recorrido, estabelecendo a lei (leia-se Código do Trabalho) o direito a subsídio de férias (art.º 264º do Código do Trabalho) e o direito a um subsídio de Natal (art.º 263º do Código do Trabalho), não podem por via contratual ser eliminados ou reduzidos esses direitos reconhecidos ao trabalhador pelo legislador. E utilizando as palavras da recorrida, a tónica deve ser colocada na obrigatoriedade de pagamento de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal, constante da lei nacional. Não se pode comparar o incomparável, sendo que, mesmo que assim não acontecesse, a comparação pretendida pela Recorrente sempre esbarraria com um obstáculo de peso, já que carecem os autos de elementos que permitam concluir que o regime aplicado protege globalmente um valor superior de remuneração, “sendo inegável que lei irlandesa escolhida pelas Partes confere um nível de proteção superior nesta matéria”, segundo as palavras da Recorrente. É que, como acertadamente refere a Recorrida, o vencimento pago a esta pode parecer muito elevado, face ao salário mínimo português, mas não nos podemos esquecer que o mesmo foi calculado para incluir um prémio por todas as horas associadas ao serviço de voo; incluindo, mas não se limitando a, relatórios pré e pós-voo, atrasos e todas as tarefas a bordo, incluindo o uso do sistema portátil EPOS e trabalho prestado ao domingo e aos feriados. Finalmente, de referir que o aspecto factual invocado pela Recorrente, de que o contrato original foi celebrado em 2009 e que a Recorrida foi recrutada em processo conduzido a partir de Dublin, e iniciou a sua prestação para a Recorrente alocada à base de ..., em Itália, carece de qualquer relevância para a decisão do presente recurso, dado que a mesma Recorrente, no seu recurso, dele não retira qualquer consequência a nível da contabilização das quantias devidas à Autora. x Decisão: Nos termos expostos, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pela Recorrente. Lisboa, 07/07/2023 Ramalho Pinto (Relator) Domingos Morais Azevedo Mendes
Sumário (da responsabilidade do Relator).
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