Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | LUIS CORREIA DE MENDONÇA | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO PRESSUPOSTOS FUNDAMENTOS OBJETO DO RECURSO | ||
Data do Acordão: | 09/17/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
Sumário : | A reclamação ex artigo 643.º CPC serve para impugnar o despacho de não admissão do recurso e não para discutir, desde logo, o mérito deste. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo 3840/17.8T8VCT-K.G1-A.S1
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça *** AA reclama para a conferência da decisão singular do relator datada de 25.5.2024, que lhe indeferiu a reclamação ex artigo 643.º CPC contra a decisão do Tribunal da Relação que não admitiu recurso para este terceiro grau. Termina a sua minuta com estas conclusões: A - A douta decisão singular decidiu não admitir o recurso de revista, B - Esta posição defendida na decisão singular não é seguida unanimemente pela jurisprudência, nem pela lei. C – Segundo o artigo 629º nº 2 do C.P.C. independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso, nomeadamente na alínea c) das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça; D – O douto despacho singular pronunciou-se sobre a (in)admissibilidade processual de tal invocação em sede liquidação. E – Por não ser esse o meio próprio para o exercício da pretensão deduzida, F - Foi requerido no processo a suspensão das diligências de liquidação do imóvel, por existir um direito real de garantia sobre o imóvel, G – Tendo sido dado conhecimento do mesmo aos autos de liquidação, H – Esse direito decorre directamente da lei, surgindo sem prévia declaração judicial, com eficácia erga ommes, permitindo ao retentor realizar o seu crédito com prioridade sobre os credores restantes, mesmo aos credores que gozem de hipoteca, mesmo com registo anterior, I – Uma excepção à hierarquia dos credores, e ao princípio da prioridade de registo, J - O direito de retenção, como um direito real de garantia que decorre directamente da lei, não tem que ser declarado ou reconhecido, previamente pelo tribunal, L – Sendo reconhecido pela invocação da garantia decorrente do direito de retenção, M – A recorrente alegou e invocou que detém materialmente o imóvel e goza do direito de retenção sobre o mesmo, N - A ora recorrente não pretendia uma pronuncia sobre a questão da admissão ou inadmissão processual de tal invocação em sede de liquidação, O - Pretendia, que o tribunal cumprisse a lei e protegesse os direitos existentes, não permitindo a continuação de diligências de venda do imóvel, P – Por existência de direito real, Q– E sendo uma questão fundamental de direito. R – Que faz parte da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, S – Logo, e nos termos da lei acima invocada, admissível de recurso, Nestes termos, e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser proferido acórdão que julgue o Recurso procedente e, em consequência, serem suspensas todas as diligências de venda do imóvel, revogando-se o despacho recorrido do Tribunal Judicial de ...-Juízo de Comércio de.... Assim se fazendo serena, sã e objectiva Justiça». Como a reclamação labora num equívoco e nada de útil acrescenta à anterior queixa da reclamante, vamos dar por reproduzida a decisão proferida, que não merce alteração, e que é do seguinte teor: «Em 16 de maio de 2023, foi proferido no primeiro grau o seguinte despacho: «Requerimento de 01.04.2023 [...12]: Arguindo os Requerentes a existência de um crédito alegadamente fundado em contrato-promessa de compra e venda celebrado com o devedor e relativo a imóvel entretanto apreendido para a massa insolvente, crédito aquele relativamente ao qual reclamam ainda existir um direito de retenção, o meio próprio para o exercício da respetiva pretensão, por via judicial, é a proposição de ação de verificação ulterior de créditos, nos termos previstos no art.º 146.º do CIRE, por apenso aos autos da insolvência, e dentro dos prazos ali previstos. Pelo exposto, concluindo-se não ser este o meio próprio para o exercício da pretensão deduzida, vai a mesma liminarmente indeferida. Custas pelos Requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. Notifique». A requerente recorreu deste despacho, tendo sido proferido acórdão que deliberou julgar improcedente o recurso interposto e confirmar o despacho recorrido. A apelante veio interpor recurso de revisão (…) nos termos do artº 852º do CPC e 671º e segs. do CPC, que subirá imediatamente, nos próprios autos, nos termos do artº 675º, nº 1, do CPC e com efeito suspensivo. – sic. Sobre o requerimento de interposição recaiu o seguinte despacho. «Dispõe o artº 671º, do CPC: (art.º 721.º CPC 1961) Decisões que comportam revista 1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos. 2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista: a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível; b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. 3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte. 4 - Se não houver ou não for admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1, os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação podem ser impugnados, caso tenham interesse para o recorrente independentemente daquela decisão, num recurso único, a interpor após o trânsito daquela decisão, no prazo de 15 dias após o referido trânsito. Atenta a existência de dupla conforme, e nos termos do nº 3 do citado preceito, o recurso apenas seria admissível se se enquadrasse num dos casos excecionais em que o artº 629º, nº2, do CPC, o admite, ou seja, se estiverem em causa normas atinentes às regras de competência absoluta, com o regime de caso julgado, com a certeza do direito que é assegurada pela uniformização jurisprudencial ou com os valores da segurança jurídica beliscados pela contradição jurisprudencial – cfr. Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, páginas 439-440. Importa salientar que o despacho recorrido, a montante do acórdão ora objeto de recurso, não se debruçou sobre a alegada existência do direito de retenção, limitando-se a pronunciar-se sobre a questão da (in)admissibilidade processual de tal invocação em sede do apenso de liquidação. Daí que a questão decidenda no acórdão ora sob recurso se haja atido, somente, a tal matéria. Não estava aqui em causa, como defendeu a recorrente, qualquer questão atinente à (in)existência de um direito de retenção, muito menos qualquer questão atinente à casa de morada de família. E, mesmo relativamente a esta, o artº 629º, nº 3, do CPC, só refere que é sempre admissível recurso para a Relação. Assim, por legalmente inadmissível, nos termos do artº 671º, nº 3, do CPC, não admito o recurso interposto do acórdão prolatado nesta Relação». A recorrente reclamou para a conferência da decisão de não admissão do recurso, tendo concluído nos seguintes termos: A - A douta decisão singular decidiu não admitir o recurso de revista, B - Esta posição defendida na decisão singular não é seguida unanimemente pela jurisprudência, nem pela lei. C – Segundo o artigo 629º nº 2 do C.P.C. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso, nomeadamente na alínea c) das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça; D – O douto despacho singular pronunciou-se sobre (in)admissibilidade processual de tal invocação em sede liquidação. E – Por não ser esse o meio próprio para o exercício da pretensão deduzida, F - Foi requerido no processo a suspensão das diligencias de liquidação do imóvel, por existir um direito real de garantia sobre o imóvel, G – Tendo sido dado conhecimento do mesmo aos autos de liquidação, H – Esse direito decorre directamente da lei, surgindo sem prévia declaração judicial, com eficácia erga ommes, permitindo ao retentor realizar o seu crédito com prioridade sobre os credores restantes, mesmo aos credores que gozem de hipoteca, esmo com registo anterior, I – Uma excepção à hierarquia dos credores, e ao principio da prioridade de registo, J - O direito de retenção, como um direito real de garantia que decorre directamente da lei, não tem que ser declarado ou reconhecido, previamente pelo tribunal, L – Sendo reconhecido pela invocação da garantia decorrente do direito de retenção, M – A recorrente alegou e invocou que detém materialmente o imóvel e goza do direito de retenção sobre o mesmo, N - A ora recorrente não pretendia uma pronuncia sobre a questão da admissão ou inadmissão processual de tal invocação em sede de liquidação, O - Pretendia, que o tribunal cumprisse a lei e protege-se os direitos existentes, não permitindo a continuação de diligencias de venda do imóvel, P – Por existência de direito real, Q– E sendo uma questão fundamental de direito, R – Que faz parte da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, S – Logo, e nos termos da lei acima invocada, admissível de recurso, Nestes termos, e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser proferido acórdão que julgue o Recurso procedente e, em consequência, ser suspensa todas as diligencias de venda do imóvel, revogando-se o despacho recorrido». Foi então proferida o seguinte despacho: «Como resulta do disposto no artigo 643.º, n.º 3, do CPC, do despacho do relator que, na Relação, não admite o recurso de revista para o STJ não há reclamação para a respectiva conferência, sendo a forma de impugnação a dedução de reclamação para o STJ. Assim, nos termos do art.º 193.º, n.º 3, do CPC, corrige-se o meio processual utilizado, passando-se a seguir os termos processuais adequados. A reclamante beneficia de apoio judiciário, Autue-se como reclamação, instruindo-se com o requerimento apresentado em 12 de março p.p. pela reclamante e com os demais elementos referidos no art.º 643.º, n.º3, do CPC e, após, remeta-se o apenso de reclamação ao supremo tribunal de Justiça, facultando-se o acesso directo electrónico ao processo e apensos». Subiram os autos, devendo agora ser proferida decisão que admita o recurso ou mantenha o despacho reclamado ex artigo 643.º, 4 CPC. Observe-se, de início, desfazendo alguma ambiguidade que a tal respeito possa existir, que, pese embora o despacho do primeiro grau aludir a indeferimento liminar, este não tem por objecto a petição de uma acção, nem o requerimento inicial de procedimento cautelar, não lhe sendo, por conseguinte, aplicável o regime do artigo 529.º, 3, mas sim o indeferimento liminar da pretensão deduzida. Trata-se, por conseguinte, de um despacho interlocutório proferido no decurso do apenso de liquidação de um processo de insolvência, sujeito ao regime do artigo 671.º, 2. Prevê, esta regra, dois casos em que é admissível o recurso de revista doa acórdãos da Relação: i) nos casos em que o recurso é sempre admissível (ver artigos 629.º, 2 e 542.º, 3); ii) nos casos em que os acórdãos esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão uniformizador de jurisprudência. No caso sujeito não está em ponderação esta segunda hipótese. A reclamante afirma que a posição defendida pela Relação «não é seguida unanimemente pela jurisprudência, nem pela lei»; «segundo o artigo 629º nº 2 do C.P.C. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso, nomeadamente na alínea c) das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça». Não se pode acompanhar esta argumentação. O n.º 2 do artigo 629.º trata de revista extraordinária e para que seja aplicável esta regra especial, necessário se torna, entre outros requisitos, que o recorrente identifique o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência com o qual confronta a decisão impugnada, juntando cópia do aresto (artigo 637.º). Ora o reclamante não faz nem uma coisa nem outra. Ou melhor dito: indica o acórdão do STJ de 16.5.2019, Proc. 61/11.7TBAVV-B-G1.S1, cuja doutrina em nada é contrariada pela decisão impugnada. A hipótese em causa não está prevista nas factispécies abstractas dos artigos 671e 629.º, 2. Bem andou pois a Relação ao não ter admitido o recurso. *** Pelo exposto mantenho o despacho recorrido». *** Nada de novo traz a reclamante agora aos autos que justifique alteração da decisão anterior. A reclamante, como se disse, labora num equivoco, qual seja o de admitir que a reclamação ex artigo 643.º, pode ter um âmbito mais amplo do que a sindicância da verificação dos pressupostos do recurso, podendo o tribunal, por via da reclamação apreciar desde logo o recurso. Como as coisas não se passam processualmente assim, não tem fundamento pedir-se que em consequência do deferimento da reclamação sejam suspensas todas as diligências de venda do imóvel, quando a consequência imediata desse deferimento é a requisição do processo principal ao Tribunal da Relação para só então se conhecer do objecto do recurso (artigo 643.º, 6). Por sua vez, a referência a uma putativa desconformidade da decisão recorrida com a jurisprudência do STJ queda em si mesma, para efeitos da reclamação, irrelevante, pelos motivos expressos na decisão reclamada. *** Pelo exposto, acordamos em indeferir a reclamação e, consequentemente, em confirmar a decisão do relator. A taxa de justiça pela reclamação seria devida, caso a reclamante não beneficiasse de apoio judiciário (cfr. artigos 10.º, 1, 13.º, 1 e 16.º, 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho). *** 17.9.2024 Luís Correia de Mendonça (Relator) Graça Amaral Maria do Rosário Gonçalves |