Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CELSO MANATA | ||
Descritores: | RECURSO PENAL DESPACHO DISTRIBUIÇÃO APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO RETROATIVIDADE DA LEI COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL JUIZ ADJUNTO IMPROCEDÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 11/28/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I –O momento em que se realiza o ato processual de distribuição constitui o elemento relevante para identificar a lei aplicável à determinação da constituição do Tribunal Coletivo. II - A Lei 55/2021, de 13 de agosto, apenas entrou em vigor no dia 11 de maio de 2023, data em que também entrou em vigor a Portaria 86/2023, de 27 de março, que a regulamentou; III – Face ao disposto no artigo 5º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a nova lei é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos atos realizados anteriormente IV - Na Lei 55/2021 não está prevista a sua aplicação retroativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada a processo que foi distribuído em momento anterior à sua entrada em vigor (20 de janeiro de 2023); IV - Antes da entrada em vigor do aludido diploma legal, o Tribunal Coletivo (em julgamento em 1.ª instância no Supremo Tribunal de Justiça) era composto por um Relator/Juiz Presidente do julgamento – escolhido por sorteio eletrónico – e por dois Juízes-Adjuntos, que o integravam por estarem colocados imediatamente a seguir àquele na ordem de antiguidade do tribunal respetivo | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça: A - Relatório A.1. Através de despacho proferido a 06 de fevereiro de 2024 foi decidido que o Tribunal Coletivo, que irá proceder ao julgamento a realizar nos presentes autos em 1ª instância, será integrado pelo subscritor desse despacho – como Relator/Juiz Presidente– e “por dois juízes desta 5ª secção que se lhe sigam na ordem de precedência aquando da designação da data para audiência de julgamento (artigo 314º, nº 1) (s)endo atualmente os Senhores Juízes Conselheiros Jorge Gonçalves e João Rato (…)”. A.2. Dois dos arguidos não se conformaram com essa decisão, pelo que dela recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (transcrição integral): A.2.1. Recurso de AA “CONCLUSÕES: (A) O despacho prolatado sob a referência ...75 (ponto3.2), que determinou a composição do Tribunal ofende, por desaplicação, o disposto no artigo 5.º, n.º 1, do CPP, que determina a aplicação imediata da lei nova; (B) E, bem assim, desaplica, incorrectamente, o artigo 213.º, n.º 3, alínea a), do CPC, na redacção que emerge da Lei 55/2021 de 13/08 e que obriga ao sorteio dos Juízes-Adjuntos; (C) Aplicando incorrectamente ao caso, a alínea b) do n.º 2, do artigo 5.º do CPP e, pressupostamente, a regra da precedência, vertida no artigo 56.º da LOSJ; (D) Desde logo, a aplicação da lei velha em detrimento da lei nova apenas pode ocorrer quando aquela não seja mais desfavorável ao arguido, princípio que constitui uma refracção do tratamento mais favorável garantido constitucionalmente ao arguido em processo criminal (artigo 29.º, n.º 4, da CRP); (E) Acresce que a norma constante da na alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º do CPP, apenas tutela a continuidade de um acto processual - assim estabelecendo a ultractividade da lei antiga - quer sob reserva de essa continuidade não implicar um tratamento mais desfavorável, quer quando da mesma resulte a quebra de coerência de acto processual(v.g. audiência de julgamento), que estivesse a decorrer no momento da entrada em vigor da lei nova; (F) No caso, o intuito do legislador ao aprovar a nova redacção do artigo 213.º, nº 3, alínea a) do CPC, foi declaradamente o de aplicar o princípio do juiz natural (artigo 32.º, n.º 7) e o da independência dos tribunais, na vertente da independência objectiva dos juízes (artigo 203.º da CRP); (G) O que limita ainda mais o âmbito de aplicação da alínea b) do n.º 2, do artigo 5.º do CPP, que a esse fundamento constitucional tem de se subordinar; (H) Sendo que, no caso, não estava em curso qualquer acto processual cuja harmonia fosse quebrada e justificasse a desaplicação do n.º 1 do artigo 5.º do CPP, sem prejuízo de a lei nova ser, até, mais favorável, por garantir de forma mais ampla os princípios constitucionais citados; (I) De facto, os autos foram distribuídos no dia 20-01-2023 ao Magistrado que, no âmbito do Tribunal Colectivo, desempenha as funções de Presidente; (J) E ainda não foi proferido o despacho a que se refere o artigo 314.º, nº 1, do CPP, sendo na sequência da prolacção desse despacho que, pela primeira vez, intervirão os Juízes-Adjuntos; (K) Se algum dos Senhores Magistrados designados por precedência tivesse já tido intervenção no processo, nessa qualidade e em fase processual própria, ainda se poderia compreender o argumento de que a harmonia estaria posta em causa; (L) Mas nenhum dos Senhores Magistrados em causa interveio, nem teve processualmente de intervir, porque nos termos da lei, ainda não se chegou à fase em que os Juízes-Adjuntos têm de o fazer; (M) O que apenas ocorrerá na sequência da prolacção do despacho referido no artigo 314.º, n.º 1, do CPP, o qual ainda não foi proferido; (N) Em suma, a interpretação que o despacho impugnado faz do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do CPP, não se compagina nem com a letra, nem com o espírito da lei e, menos ainda, com o sistema, designadamente constitucional em que se insere, e especificamente com os artigos 32.º, n.º 7 e 203.º da CRP, pelo que não pode proceder; Termos em que, deve o presente recurso ser recebido, sendo revogado o despacho impugnado e substituído por outro que ordene o sorteio dos Juízes-Adjuntos.” A.2.2. Recurso de BB “3. Conclusões: 1) Foi o Recorrente notificado do despacho, datado de 06-02-2024, nos termos e para os efeitos dos artigos 311º-A e 78º do C.P.P. 2) Por intermédio de tal despacho, decidiu o Tribunal a quo que o Tribunal Colectivo competente para o julgamento dos presentes autos é composto por um juiz relator e por dois juízes-adjuntos, sem outro juiz adicional que assuma a função de juiz presidente do colectivo (considerando não ser de aplicar o artigo 435º nº 1 do CPP), e ainda que tal Colectivo será concretamente composto pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. António Latas, pelo 1.º Adjunto Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Jorge Gonçalves e pelo 2.º Adjunto Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. João Rato. 3) Neste último ponto, o Tribunal a quo considerou que a concreta determinação dos juízes-adjuntos obedecia às regras processuais vigentes antes da entrada em vigor da Portaria n.º 86/2023, de 27/03, que regulamenta a Lei n.º 55/2021, de 13/08, a qual veio instituir um novo regime de distribuição de juízes-adjuntos. 4) Neste contexto, o Recorrente consultou a tramitação processual na plataforma Citius e deparou-se com uma Capa (ref.ª ...96), datada de 23-01-2023, na qual consta, de entre o mais, o seguinte: “Autuação: 20-01-2023; Exmo. Juiz Conselheiro Relator: Dr(a). António Latas; Exma. Juiz Conselheira Adjunta: Dr(a). Helena Isabel Moniz; Exmo. Juiz Conselheiro Adjunto: Dr(a). António Gama”. 5) Confrontado com o que aparenta ser uma verdadeira determinação da concreta composição do Colectivo naquela data, o Recorrente deparou-se, de seguida, sob a ref.ª ...69 e data de 24-01-2023, com um pedido de escusa de intervenção no julgamento dos presentes autos da Exma. Sra. Juiz Conselheira Dra. Helena Moniz. 6) Segue-se um despacho do Tribunal recorrido, datado de 25-01-2023 e com ref.ª ...32, que determina: “Autue por apenso o requerimento que antecede e remeta para distribuição.”, não existindo, contudo, disponibilizada qualquer tramitação subsequente a este respeito. 7) Nessa sequência, o Recorrente entrou em contacto com a secretaria do Tribunal recorrido, na pessoa do seu mandatário, tendo-lhe sido transmitido, por um lado, que o Colectivo registado naquela Capa tinha sido determinado por sorteio, e, por outro lado, informado que o pedido de escusa havia sido tramitado sob apenso “N”. 8) Dado não ter acesso, na plataforma Citius àquele apenso “N”, o Recorrente consultou a decisão final proferida que se encontra disponibilizada em www.dgsi.pt, datada de 02-02-2023, tendo constatado que o Tribunal que conheceu do pedido de escusa julgou-o indeferido, considerando que a Exma. Sra. Juiz Conselheira Dra. Helena Moniz reunia condições para intervir no julgamento dos presentes autos. 9) Assim, atentas as vicissitudes ora verificadas e, bem assim, o entendimento do Tribunal recorrido plasmado no despacho de 06-02-2024, é o mesmo objecto do presente recurso. 10) Em primeiro lugar, e com o devido respeito, fazendo fé na informação colhida na secretaria deste Tribunal de que o processo foi anteriormente distribuído a três juízes, entende o Recorrente que o despacho recorrido devia ter esclarecido toda a tramitação anterior verificada ao invés de apenas consignar que, aquando da remessa dos autos para julgamento, o processo foi apenas distribuído ao juiz relator, signatário do despacho recorrido, importando então apurar, ex novo, os juízes-adjuntos. 11) Isto porque constata-se que, afinal, tendo chegado o processo à fase de julgamento, o mesmo terá sido distribuído a um colectivo de três juízes (um juiz relator e dois juízes-adjuntos, respectivamente, Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. António Latas, Exma. Sra. Juiz Conselheira Dra. Helena Isabel Moniz, Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. António Gama), tendo, inclusivamente, a 1.ª juíza-adjunta apresentado um pedido de escusa de intervenção no julgamento. 12) Sobre tal pedido de escusa recaiu o Acórdão datado de 02-02-2023, que o julgou indeferido, entendendo o Tribunal, que conheceu do pedido, que a Exma. Sra. Juíza Conselheira Dra. Isabel Moniz não se achava escusada de intervir nos presentes autos; porém, o Recorrente desconhece em absoluto a tramitação subsequente a tal decisão que veio, agora, a culminar no despacho recorrido que procede a um novo apuramento dos juízes-adjuntos. 13) Não pode, assim, o Recorrente conformar-se com o despacho recorrido que ignora, por um lado, a distribuição que aparentemente terá ocorrido no dia 20-01-2023 (sendo certo que alguma distribuição teve de haver para surgir a identificação de três juízes na capa), e, por outro lado, o pedido de escusa da 1.ª juiz-adjunta ali determinada, que, tendo sido indeferido, foi aquela considerada competente para intervir no julgamento. 14) Com efeito, a identificação de três juízes na Capa teve que ser antecedida de uma qualquer distribuição, desconhecendo o Recorrente se o foi por sorteio (segundo a informação transmitida telefonicamente pela secretaria) ou se o foi por ordem de precedência, sendo certo que se o foi por qualquer uma das formas, não compreende o Recorrente a aludida necessidade de, no despacho recorrido, se proceder a uma nova determinação dos juízes-adjuntos, como se aquela primeira não tivesse existido. 15) Também o pedido de escusa formulado pela Exma. Sra. Juiz Conselheira Dra. Helena Moniz teve, certamente, de ser precedido de alguma distribuição concreta (seja por sorteio ou ordem de precedência) que lhe atribuísse competência para, posteriormente, formular aquele pedido – como veio a fazer – não fazendo, com o devido respeito, qualquer sentido a formulação de pedidos de escusa meramente cautelares, prévios à concreta determinação do juiz-adjunto, sem que o processo lhe tenha sido efectivamente atribuído. 16) Está em causa, desde logo, o respeito pelo princípio do juiz natural (art.º 32º n.º 9 da CRP), cuja concreta enformação no caso dos autos o Recorrente não tem como conhecer, por não vir clarificada no despacho recorrido. 17) Compulsado o teor do despacho recorrido, que procede à determinação dos juízes-adjuntos ex novo, como se nunca antes tal tivesse ocorrido, com a informação disponibilizada na plataforma Citius e a tramitação processual aí registada, bem como com a informação que colheu junto da secretaria do Tribunal, o Recorrente não pode senão concluir que, aparentemente, foram violadas as regras de determinação da composição do tribunal, nulidade que para todos os efeitos se invoca, nos termos do artigo 119º al. a) 2ª parte e 122º do CPP. 18) A decisão inovadora agora proferida contraria a definição do Colectivo anteriormente estabelecida, o que é agravado pelo facto de tal decisão padecer de manifesta falta de fundamentação, afectando irremediavelmente as garantias constitucionais do Arguido em processo criminal. 19) Ainda que se entenda que o despacho recorrido não merece qualquer reparo nos termos supra defendidos, ainda assim não pode o Recorrente deixar de impugnar a distribuição nele operada a dois Ilustres Juízes Conselheiros Adjuntos, ressalvando, desde já e preliminarmente, que o seguinte segmento recursivo não pretende, por parte do Recorrente e/ou do Advogado signatário, significar qualquer menor consideração pessoal e/ou técnica relativamente a esses Exmos. Senhores Juízes Conselheiros, limitando-se a presente sindicância a reagir contra aquilo que, salvo melhor opinião, se apresenta como uma clara violação das regras que regem a determinação do Tribunal Colectivo. 20) Coloca-se, no despacho recorrido, um problema de aplicação da lei no tempo face à Lei n.º 55/2021, de 13/08, e à Portaria n.º 86/2023, de 27/03, sendo que o Tribunal recorrido resolve esta questão decidindo, por um lado, que a determinação dos juízes-adjuntos se fará em obediência à lei antiga (ou seja, de acordo com a ordem de precedência), e, por outro lado, que os juízes- adjuntos a ocuparem o respectivo lugar no julgamento serão aqueles que se seguem, na presente data, na ordem de precedência. 21) A Lei n.º 55/2021, de 13/08, determinou a alteração do artigo 213º n.º 3 al. a) do C.P.C. que passou a dispor que a distribuição é feita para apurar aleatoriamente todos os juízes que irão compor o Colectivo de julgamento, sendo que antes desta alteração vigorava a regra segundo a qual a distribuição visava o apuramento do juiz relator, sendo os juízes-adjuntos determinados de acordo com a respectiva ordem de precedência (antiguidade) dos juízes da secção competente. 22) Considerou o Tribunal a quo que a actual redacção do artigo 213º n.º 3 al. a) do C.P.C., que impõe a distribuição electrónica aleatória dos juízes-adjuntos, dada pela Lei n.º 55/2021, de 13/08, só entrou em vigor com a Portaria n.º 86/2023, de 27/03, ou seja, em 12-05-2023. 23) Não obstante não desconhecer a posição deste STJ, entende o Recorrente, porém, que a Lei n.º 55/2021, de 13/08, (leia-se, as alterações ao Código de Processo Civil ali plasmadas) entrou em vigor 60 dias após a sua publicação, (em 13-10-2021), como decorre do seu art.º 4º, ou seja, muito antes da chegada dos autos para julgamento. 24) Os autos foram recebidos para julgamento, em 20-01-2023, tendo nessa data o processo sido distribuído ao juiz-relator (colocando, por ora, de parte a distribuição aos adjuntos que aparenta ter ocorrido na mesma data, conforme supra descrito), pelo que entende o Recorrente que nessa data estava já em vigor a nova redacção do art.º 213º n.º 3 al. a) do CPC, logo, naturalmente, a distribuição terá que lhe obedecer. 25) O art.º 3º da Lei n.º 55/2021, de 13/08, dispõe que as alterações nela contidas deveriam ter sido regulamentadas no prazo de 30 dias a contar da sua publicação e que a correspondente Portaria deveria entrar em vigor ao mesmo tempo que a Lei (ou seja, tendo a Lei sido publicada a 13 de Agosto e entrado em vigor passados 60 dias (em 13-10-2021), também nesta data deveria ter entrado em vigor a Portaria), daqui não se podendo extrair que a vacatio legis determinada na Lei estava condicionada ao cumprimento do prazo para regulamentação da Lei dado ao Governo. 26) Se a referida regulamentação não foi executada, em nada isso pode afectar a vigência da Lei e o facto de esta ter, efectivamente, entrado em vigor., pois em lado algum previu o legislador que a Lei e, assim, os princípios e regras de distribuição de processos junto dos Tribunais superiores apenas entraria em vigor se o Governo (aliás, formado por um partido que votou contra a sua aprovação) regulamentasse a Lei. 27) Assim, salvo melhor entendimento, o Recorrente entende que à data da remessa dos autos para julgamento e da distribuição do processo ao relator, vigorava já a versão actual do artigo 213º n.º 3 al. c) do CPC que impõe a distribuição electrónica e aleatória dos juízes-adjuntos. 28) Por esse motivo, desde logo se entende que o apuramento dos juízes-adjuntos sempre teria de obedecer ao disposto no artigo 213º n.º 3 al. a) do C.P.C. na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 55/2021, de 13/08, ou seja, por intermédio de distribuição electrónica aleatória, porquanto na data em que o processo foi distribuído ao relator (20-01-2023) já vigorava a aludida lei nova. 29) Não obstante, ainda que não se conceda nesse argumento – até porque, como se disse supra, é conhecida a posição deste STJ nesta matéria –, sempre se dirá que o apuramento dos juízes-adjuntos, no momento presente em que se pretende realizar, ainda assim terá que ser feito ao abrigo da lei nova (isto é, por meio de distribuição electrónica aleatória) pois só dessa forma se dá efectivo cumprimento ao art.º 5.º do C.P.P. e aos artigos 18º n.º 2 e n.º 3 e 32º n.º 1 e n.º 9 da Constituição da República Portuguesa. 30) Em termos de aplicação da lei no tempo, determina o artigo 5.º do CPP que a regra-geral é a da aplicação imediata da lei processual nova, o que, a verificar-se, não inquina os actos realizados anteriormente, na vigência da lei antiga. 31) Assim, desde logo, assumindo que a distribuição do processo ao juiz-relator, em 20-01-2023, foi validamente efectuada (e assumindo que o processo foi apenas distribuído ao relator, pese embora a informação disponibilizada na plataforma Citius indique o contrário), a entrada em vigor da lei nova, que impõe novas regras para apuramento dos juízes-adjuntos, não invalida aquela distribuição ao relator, que permanece válida. De resto, também assim reconhece o despacho recorrido. 32) Quanto à excepção a esta regra prevista na al. a) do n.º 2 daquele artigo, não nos oferece dúvidas que a distribuição electrónica aleatória (decorrente da lei nova) é o método de apuramento dos juízes-adjuntos que irão integrar o Colectivo que melhor se coaduna com as garantias de defesa do Arguido e o seu direito a um processo justo e equitativo, cujo julgador resulta de um apuramento isento, imparcial, aleatório e desinteressado, motivo pelo qual esta alínea não derroga aquela regra-geral. 33) O Tribunal recorrido entende que se verifica a excepção contida na al. b) do n.º 2 do art.º 5º do CPP, porém, com o devido respeito por tal entendimento, considera o Recorrente que tal alínea não se aplica no presente caso, porquanto a aplicação de uma nova lei, entretanto entrada em vigor, que impõe novas normas de apuramento dos juízes-adjuntos, no presente processo onde tal apuramento nunca antes teve lugar, não quebra a unidade de qualquer acto do processo justamente porque não contende com nenhum acto que estivesse em curso ou que já tivesse sido praticado. 34) Se a nova lei vem impor um novo método de distribuição e se, conforme consigna o despacho recorrido, se impõe agora, neste momento pela primeira vez, efectivar tal distribuição então não há qualquer acto cuja harmonia a nova lei possa quebrar. 35) Com o devido respeito e salvo melhor opinião, o entendimento do Tribunal recorrido parece escapar à ratio normativa desta alínea b), porquanto não é porque, no passado, se aplicou determinada redacção da lei no decurso do processo que, agora, se tem de forçosamente aplicar a mesmíssima redacção a uma nova necessidade que surgiu supervenientemente (a de apuramento, ex novo, dos juízes-adjuntos). 36) Efectivamente, o despacho recorrido procede, no momento presente, ao apuramento dos juízes-adjuntos, em acto que, por um lado, não prejudica aquele primeiro acto de distribuição ao relator, e que, por outro lado, não provoca qualquer disrupção na harmonia ou unidade dos vários actos do processo. 37) Da aplicação da lei nova (actual redacção do artigo 213º n.º 3 al. a) do CPC, aplicável ex vi art.º 4º do CPP) não resultariam quaisquer efeitos retroactivos porquanto a sua aplicação não afectaria, de modo algum, actos que já tenham sido praticados anteriormente ou que ainda estejam em curso. 38) A latere, e pese embora o Recorrente entenda que a aplicação da actual redacção do artigo 213º n.º 3 al. a) do CPC é a que é conforme ao art.º 5º do CPP, e por isso deve ser aplicada, sempre se dirá que a tal acrescem razões de outra ordem, nomeadamente, concernentes à repercussão pública e mediática que a definição da lei aplicável para o apuramento do Colectivo de Juízes, se a antiga, se a actual, alcança no caso concreto. 39) Isto porque é a lei actualmente em vigor, ao consagrar uma distribuição electrónica e aleatória dos juízes-adjuntos, que assegura – aos olhos do povo em nome de quem e para quem a Justiça é administrada – o regime mais desinteressado, isento, imparcial e transparente de apuramento do Julgador, ou, concretamente, do Colectivo de juízes, numa alteração legislativa motivada, precisamente, para empregar mais clareza e transparência a um regime que, na redacção antiga, se revela menos garantístico, tendo sido precisamente revogado por obsoleto à luz dos princípios constitucionais e processuais penais. 40) Decorre, assim, que o apuramento dos juízes-adjuntos a integrar o Colectivo se terá de fazer ao abrigo da lei nova, consoante o disposto no art.º 5º n.º 1 do CPP, dado que a lei processual penal é de aplicação imediata, não inquinando os actos anteriormente praticados na vigência da lei antiga (distribuição do processo ao juiz-relator), não se correndo qualquer risco de agravar a situação processual do Arguido (pelo contrário) nem se verificando qualquer quebra da harmonia dos vários actos do processo (porquanto aquela primeira distribuição ao relator permanece válida e o apuramento dos juízes-adjuntos se está a fazer ex novo no momento presente, no qual estão em vigor novas regras para o efeito), devendo o despacho recorrido ser revogado e proferido em conformidade. 41) Por fim, concebendo, por mera cautela de patrocínio e sem conceder, que é de aplicar a lei antiga, obedecendo a determinação dos juízes-adjuntos à ordem de precedência, sempre se dirá que tal ordem teria de ser a que se verificava ao tempo da distribuição do processo ao juiz-relator, pois que, salvo melhor entendimento, não se pode decidir pela aplicação da lei antiga, por reporte ao momento em que o processo foi distribuído ao relator (20-01-2023), e, depois, não atender aos efeitos de tal aplicação (isto é, ver quem, concretamente, ocupa a posição competente na ordem de precedência) por reporte a esse momento. 42) Se no entendimento do Tribunal recorrido, a harmonia e unidade do processo só se garantem com a aplicação da lei antiga, por reporte ao momento da chegada dos autos para julgamento, então terá que se obedecer concretamente à situação que se verificaria nesse momento passado, se aí tivessem sido apurados os juízes-adjuntos. 43) Termos em que, se se entender que o despacho recorrido não merece reparo, mantendo-se a aplicação da lei antiga para determinar os juízes-adjuntos, sempre terão estes de ser os que se encontravam na ordem de precedência à data da distribuição ao relator. Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente Recurso, com as necessárias consequências.” A.3. A propósito dos recursos acima aludidos foi apresentada resposta do Ministério Público, na qual se concluiu da seguinte forma: III - CONCLUSÕES: Assim, e em conclusão: 1.ª – Os presentes autos foram distribuídos para julgamento neste Tribunal a 20.01.2023, distribuição essa efetuada por sorteio eletrónico unicamente do relator e afetação por inerência de dois adjuntos, em aplicação do regime anterior à vigência da Lei n.º 55/2021, de 13 de Agosto; 2.ª – Nesse regime anterior, dentro de cada secção, o juiz a quem era distribuído o processo (a primeira vertente da distribuição e única com consagração legal) ficava a ser o relator (art.º 652º n.º 1 do CPC), sendo os adjuntos os juízes seguintes ao relator, pela ordem de antiguidade no tribunal (art.º 652º n.º 2 do CPC); 3.ª – A indicação inicial como adjuntos dos senhores juízes Helena Moniz e António Gama resultou das predefinições inseridas no sistema CITIUS e teve em conta a ordem de precedência imposta por tais normas legais (sendo então o Senhor Juiz Conselheiro António Latas o mais novo a integrar a composição da 5.ª secção, foram chamados a intervir no colectivo como juízes-adjuntos a Senhora Conselheira Helena Moniz, por ser a mais antiga na secção em causa, e o Senhor Conselheiro António Gama, por ser o que se seguia a esta última na ordem de antiguidade); 4.ª – Ora, tendo entretanto a Senhora Conselheira Helena Moniz assumido a presidência da 5.ª secção, o que implica deixar de intervir como adjunta nos colectivos de julgamento ou de recurso, e tendo ocorrido a jubilação do Senhor Conselheiro António Gama, tudo sem que o julgamento nestes autos se tenha iniciado, a manutenção da regra legal de intervenção dos juízes-adjuntos no julgamento segundo a ordem de precedência em vigor à data da distribuição do processo ao relator (defendida no despacho recorrido) impunha que os novos Juízes-Adjuntos a integrar o colectivo de julgamento fossem os agora indicados no despacho recorrido, Senhores Conselheiros João Rato e Jorge Gonçalves; 5.ª - Daí que, ao contrário do aventado pelo recorrente BB, se mostre claro que a decisão recorrida não veio, de forma alguma, contrariar “a definição do Colectivo anteriormente estabelecida”, antes lhe tendo vindo dar sequência – o que significa, também, que não foram violadas quaisquer regras de determinação da composição do tribunal, nem, por essa via, cometida a arguida nulidade “do artigo 119º al. a) 2ª parte” do CPP; 6.ª - Assim sendo, a questão relevante a apreciar é a da aplicabilidade ao caso da Lei nº 55/2021, de 13 de Agosto (com as formalidades hoje exigidas nos artigos 204.º a 206 e 213.º do Código de Processo Civil, ex-vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal); 7.ª – Ora, ao tempo - da distribuição para julgamento (20.01.2023) - este diploma não era aplicável, por falta de regulamentação legal, regulamentação essa que surgiu apenas com a entrada em vigor da Portaria n.º 86/2023, de 27 de março, que acionou então a concomitante vigência da citada Lei 55/2021 e subsequente aplicação das novas formalidades aos atos posteriores da distribuição; 8.ª – Assim, se a Lei 55/2021 só entrou em vigor com a publicação da Portaria n.º 86/2023, de 27 de Março, é evidente que as regras nela consagradas só às distribuições ocorridas após a sua entrada em vigor passou a ser aplicável; 9.ª–Do que resulta também que, tendo a distribuição para julgamento nestes autos ocorrido a 20.01.2023, a mesma só poderia ter observado, como observou, o regime anterior à entrada em vigor dessa Lei; 10.ª – E se esse regime previa apenas a distribuição do processo a um juiz, que ficava a ser o relator, sendo os adjuntos os juízes da mesma secção seguintes ao relator, pela ordem de antiguidade no tribunal, é óbvio que a impossibilidade de continuação da intervenção de qualquer desses adjuntos, fosse por falecimento, por jubilação ou outra (designadamente passagem a presidente da secção), impunha que na sua substituição se continuasse a observar a ordem da precedência; 11.ª - E se o acto formal de distribuição já tinha ocorrido e as regras da distribuição eram as anteriores à vigência da Lei 55/2021, não faria sentido que, ocorrendo a necessidade de substituição deumou mais adjuntos após a entrada em vigor dessa Lei, se passasse a aplicar a lei nova e, assim, o novo regime de designação dos Juízes-Adjuntos (por sorteio e não por ordem de precedência); 12.ª – De facto, e como desde logo se refere no despacho recorrido, em lado algum a Lei 55/2021 veio impor a realização de nova distribuição após a sua entrada em vigor; 13.ª – A que acresce que, tendo a distribuição para julgamento ocorrido na vigência e segundo as regras da lei anterior, o facto de a lei processual penal ser de aplicação imediata não prejudica “a validade dos actos realizados na vigência da lei anterior” (art.º 5.º, n.º 1, do CPP), o que significa que a anterior distribuição do processo ao juiz de julgamento e a regra da determinação dos juízes-adjuntos segundo a ordem da precedência se fixou no momento dessa distribuição, independentemente das vicissitudes de substituição de Juízes-Adjuntos que possam sobrevir, pelo que a exigência de nova distribuição, mesmo que só dos juízes-adjuntos, não se traduziria na aplicação imediata mas na aplicação retroactiva da lei nova, o que, no caso, sempre estaria vedado pelo art.º 5.º do CPP; 14.ª - Em face do exposto, entendemos que os recursos dos arguidos, que pugnam pela revogação do despacho impugnado e sua substituição por outro que ordene o sorteio dos Juízes-Adjuntos nestes autos, em aplicação da Lei n.º 55/2021, de 13 de Agosto, não merecem provimento e devem ser julgados improcedentes, em consequência se devendo manter integralmente a douta decisão recorrida.” A.4. O Parecer do Ministério Público. Neste Supremo Tribunal de Justiça o Diníssimo Senhor Procurador-Geral-Adjunto limitou-se a apor o seu visto, esclarecendo que assim procedia por ser o autor da resposta atrás referenciada. Por isso, face ao disposto no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal e dado que tal resposta foi, oportunamente, dada a conhecer aos arguidos, não há que os notificar da referida aposição de mero “visto” do Ministério Público. * * * Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. B - Fundamentação B.1. âmbito do recurso O âmbito do recurso delimita-se, como é sabido, pelas conclusões do(s) recorrente(s) (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal) sem prejuízo, se necessário à sua boa decisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça para, oficiosamente, conhecer dos eventuais vícios e nulidades não sanadas da decisão recorrida (1) Assim e em suma, a questão que se coloca no presente recurso é a de saber qual o critério a utilizar para determinar quem são os Juízes-Adjuntos que devem compor o Tribunal Coletivo que irá proceder ao julgamento do presente processo. B.2. Enquadramento, transcrição e sustentação do despacho recorrido B.2.1. Enquadramento Antes de responder a essa questão importa fazer um brevíssimo enquadramento do presente processo e, sobretudo, da decisão recorrida. Assim e de uma forma telegráfica, os presentes autos tiveram início em 02 de setembro de 2016, reportam-se a 16 arguidos (entre os quais figuram vários Juízes Desembargadores), a acusação – datada de 8 de setembro de 2020 – desenvolve-se por 961 páginas e a decisão instrutória – datada de 16 de dezembro de 2022 – estende-se por 1063 páginas, tendo o processo sido declarado de excecional complexidade a 30 de novembro de 2020. Perante esta realidade, entendeu-se necessário definir a composição do Tribunal Coletivo para facilitar o conhecimento do processo pelos Juízes adjuntos. B.2.2. Transcrição do despacho recorrido No que ora interessa é o seguinte, o teor do despacho de 06 de fevereiro de 2024 (transcrição Integral): 3. A composição do Tribunal Coletivo no caso presente suscita duas questões que se impõe encarar autonomamente, começando pela questão relativa ao número e qualidade dos juízes que integram o Tribunal Coletivo que realizará a audiência de discussão e julgamento. 3.1. A este respeito, estabelece o art. 31.º, n.º 2 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) aprovada pela Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto, que o Supremo Tribunal de Justiça funciona como tribunal de (1.ª) instância nos casos que a lei determinar, o que sucede nos casos de julgamento, em matéria penal, de processos por crimes cometidos por juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das relações e magistrados do Ministério Público que exerçam funções junto destes tribunais, ou equiparados, o que vale por dizer que o Supremo Tribunal de Justiça é o tribunal materialmente competente para a realização destes julgamentos, por disposição expressa do art. 11.º, n.º 4, do CPP e do artigo 55º nº1 b) da LOSJ, estabelecendo os nºs 5 do art. 11º e o n.º1 do art. 56.º da LOSJ que as secções criminais (materialmente competentes) funcionam, fora dos casos previstos na lei de processo, com três juízes. 3.1.1. Estando em causa nos autos o apuramento da responsabilidade criminal de arguido que tem a qualidade de juiz desembargador, compete às secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, funcionando com três juízes, o julgamento de todos os processos e arguidos acusados e pronunciados em conexão, nos termos do artigo 27.º CPP, conforme decidido, em via de recurso, pelo acórdão do STJ de 19-12-2023, proferido nestes autos. Sendo o Tribunal Coletivo constituído por três juízes, cabe ao juiz a quem o processo foi distribuído as funções de relator e aos outros dois juízes as funções de adjuntos, de acordo com as disposições conjugadas do art. 11.º, n.os 4, al. a) e 5, do CPP, e dos artigos 55 b) e 56.º, n.º 1, da LOSJ, competindo ao juiz a quem foi distribuído o processo a presidência do Tribunal Coletivo, ou seja, a direção das audiências de discussão e julgamento, a elaboração do acórdão nos julgamentos penais e as demais funções que lhe são atribuídas pelo art. 135.º da LOSJ e, detalhadamente, as regras do art. 311.º a 380.º, do CPP, para a fase de julgamento em 1.ª instância. 3.1.2. Assim, embora não se desconheça diferente posição assumida anteriormente pelo pleno das Secções Criminais do STJ em acórdãos de 26-10-2016, processo n.º 1/13.9YGLSB.S2, e de 13-02-2020, processo n.º 9/15.0YGLSB.S2, proferidos no âmbito de recursos ordinários então interpostos, no sentido de o tribunal colegial ser constituído nos termos do art. 435.º do CPP, integrando o juiz presidente da secção que assumiria as funções de juiz presidente do Tribunal Coletivo, afigura-se-nos que a aplicação daquela norma não tem respaldo legal no próprio normativo ou em qualquer outro que legitime essa intervenção, pelo que não é aplicável a estas hipóteses de julgamento em 1.ª instância no STJ. Resumidamente, pelas seguintes razões: - O art. 435.º insere-se nas normas relativas aos recursos e não há regra que estenda a sua aplicação aos julgamentos em 1ª instância no STJ, sendo certo que o legislador não atribui expressamente a referida competência funcional ao presidente de secção, como fez, v.g., nas providências de habeas corpus (art. 435º ex vi do 223º nº2, CPP) ou nos julgamentos por crimes estritamente militares realizados em primeira instância no Supremo Tribunal de Justiça (art. 116º do C.J.Militar); - Porque na sua atual redação o artigo 435.º prevê que na audiência de recurso o tribunal é constituída por quatro juízes, pelo que a sua eventual aplicação ao julgamento em 1ª instância no STJ, derrogaria a regra segundo a qual o julgamento nas secções do STJ é feito por três juízes, fora dos casos previstos na lei de processo, expressa no art 56.º n.º1 LOSJ e no art. 11º nº 5 CPP; - Não se veem razões materiais que justificassem a aplicação das regras mais simples e expeditas da audiência de recurso à complexidade, extensão e diversidade do julgamento em 1ª instância. 3.1.3. Assim sendo, em face do exposto e dos normativos citados concluímos que o Tribunal Coletivo desta secção criminal, a quem compete realizar o presente julgamento, é constituído pelo signatário do presente despacho, na qualidade de juiz do processo ou juiz relator, e por dois juízes-adjuntos. 3.2. Em segundo lugar, coloca-se um problema de aplicação da lei no tempo relativamente à determinação dos Juízes-Adjuntos que integram o Tribunal Coletivo no caso presente, uma vez que após a distribuição do processo para a fase de julgamento (20-01-2023), entraram em vigor novas regras relativas à distribuição de processos com a Portaria n.º 86/2023 de 27 de março. Vejamos. 3.2.1 Estando em causa o julgamento de Juiz Desembargador pelo STJ, por atribuição de competência dos artigos 11.º, n.º 4, al. a) do CPP e 55.º, al. b), da LOSJ, o processo foi distribuído em 20-01-23 na espécie “Causas de que o tribunal [STJ] conhece em única instância” prevista no item 5.º do artigo 215.º Código de Processo Civil (CPC) de acordo com a redação então em vigor, que se mantém. À data vigorava a versão anterior do artigo 216.º n.º 1 do CPC que, determinando já nessa altura que a distribuição é integralmente efetuada por meios eletrónicos, remetia apenas para os termos do artigo 204.º, enquanto a redação daquele nº1 introduzida pela Lei n.º 55/2021 de 13 de agosto, remete também para os termos previstos no artigo 213º, preceito que alterou significativamente a forma de proceder à distribuição, que passa a fazer-se pelo modo descrito na atual redação dos seus n.ºs 2 e 3, introduzida pela citada Lei n.º 55/2021, que, porém, apenas entrou em vigor com a Portaria n.º 86/2023 de 27 de março, já depois de distribuídos os presentes autos. 3.2.2. Na sua nova redação, em vigor desde a citada Portaria 86/2023 de 27 de março, o artigo 213.º, n.º 3, al. a) do CPC dispõe que «A distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro», pelo que nos processos distribuídos a partir de então os juízes-adjuntos passaram a ser igualmente determinados por meio de distribuição, a realizar no mesmo ato em que se procede à distribuição do processo ao relator, distribuição esta que determina qual a secção competente para o processo quando exista mais que uma secção como sucede atualmente no STJ, em que são duas as secções criminais (3ª e 5ª secção). 3.2.3. A questão de direito transitório que ora se coloca é a de saber se nos presentes autos os Juízes-Adjuntos devem ser agora determinados de acordo com as regras vigentes à data da entrada do processo no STJ para distribuição (20.01.2023) ou, diferentemente, por meio de distribuição eletrónica, de acordo com a nova redação do artigo 213.º n.º 3 a) do C.P. Civil, entrada em vigor em 12.05.23, data do início de vigência da Portaria n.º 86/2023 (art. 8.º, n.º 1), sendo certo que, desde logo, o artigo 12.º do C. Civil estabelece em matéria de sucessão de leis no tempo o princípio geral da não retroatividade das leis, no sentido de que elas só se aplicam para o futuro, reconhecendo-se validade de princípio a esta regra nos diversos ramos do direito. 3.2.3.1. Por outro lado, as disposições do Código de Processo Civil relativas à distribuição nos tribunais superiores (subsecção III) acolhem simultaneamente normas relativas ao processo civil e ao processo penal, prevendo o artigo 215.º, do C.P. Civil, no que aqui importa, a espécie, “Recursos em processo penal” (2ª) e “Causas que o tribunal conhece em única instância” (5ª), sendo certo que aquele código não dispõe de regra sobre aplicação da lei no tempo em processo civil. Diferentemente, o art. 5.º do CPP, dedicado à aplicação da lei processual no tempo, prevê no n.º 1 a aplicação imediata da lei processual penal, mesmo aos processos anteriormente iniciados (sem prejuízo da validade dos atos realizados na vigência da lei anterior), regra que, no entanto, é temperada pelas exceções previstas no nº 2, que na sua al. b) - no que aqui releva, - exclui a aplicação imediata da lei nova (LN) aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando desta possa resultar (b) quebra da harmonia e unidade dos vários atos do processo, o que se verificaria no caso presente. Com efeito, prevendo o artigo 213.º do C.P. Civil na (nova) redação entrada em vigor com a citada Portaria n.º 86/2023, que a distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os Juízes-Adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, tal seria já insuscetível de ser unitariamente satisfeito nos presentes autos, porquanto em janeiro de 2023 procedeu-se à distribuição do processo apenas ao relator em ato que permanece válido, sem que se tivesse procedido então à distribuição do processo aos juízes conselheiros adjuntos, pois a lei não o previa. Por outro lado, a LN não prevê a distribuição do processo aos Juízes-Adjuntos logo após a sua entrada em vigor ou em momento posterior, sendo certo que, em todo o caso, não se procedeu à distribuição dos processos pendentes logo após a entrada em vigor da LN. Assim, em síntese, não foi atribuída eficácia retroativa à Lei 55/2021 de 13.08, que alterou a redação do artigo 213º nº3 do C.P.Civil, continuando a valer a regra “tempus regit actum”, e, por outro lado, a tutela da continuidade do ato processual acolhida na al. b) do n.º 2 do artigo 5.º do CPP implica que se aplique integral e unitariamente o regime que no início da fase de julgamento regulava a distribuição do processo ao relator e, por essa via, a determinação da secção de processos competente para o julgamento, bem como a definição dos dois juízes adjuntos que integram a formação de três juízes que terão a seu cargo a realização da presente audiência de julgamento, evitando-se a quebra de harmonia e unidade dos atos relativos à distribuição. Foi este, aliás, o entendimento seguido nas secções criminais aquando da entrada em vigor da Portaria n.º 86/2023 que levou a que não fosse feita então distribuição para apuramento dos juízes-adjuntos entre todos os juízes da secção competente (LN) nos processos pendentes, continuando a aplicar-se a regra da precedência prevista no artigo 56.º, n.º 2, da LOSJ, – v.g. o despacho de 20.06.23 proferido no proc. 257/13.7TCLSB.L1.S1, da 3ª secção e de 20.12.23, no proc. 297/22.5YUSTR.L1-A.S1, da 5ª secção - de acordo com a qual os Juízes-Adjuntos são os juízes que na ordem de precedência se sigam ao relator na secção competente ao tempo da prolação do despacho que designa dia para a audiência, nos termos do artigo 314.º, n.º 1, do CPP, pois o código de processo penal não prevê qualquer intervenção dos Juízes-Adjuntos no processo até esse momento. 3.2.3.2. Deste modo, o Tribunal Coletivo será constituído nos presentes autos pelo ora relator e pelos dois juízes desta 5ª secção que se lhe sigam na ordem de precedência aquando da designação de data para a audiência de julgamento (artigo 314.º, n.º 1). Sendo atualmente os senhores Juízes Conselheiros Jorge Gonçalves e João Rato os que se seguem ao relator na ordem de precedência, remeta-se-lhes cópia do despacho de pronúncia desde já, pelas razões antes referidas, no pressuposto de que os senhores juízes conselheiros se manterão na 5.ª secção de processos aquando do início da audiência de julgamento. Notifique todos os sujeitos processuais e remeta cópia do presente despacho aos senhores Juízes conselheiros-adjuntos do Tribunal Coletivo para conhecimento.” B.2.3. Sustentação do despacho recorrido Finalmente, importa relatar o que foi consignado, ao abrigo do disposto no artigo 414º nº 4 do Código de Processo Penal, sustentando-se o despacho recorrido: “2. Passa-se a sustentar sumariamente o despacho recorrido, com as considerações que se seguem, nos termos do artigo 414.º, n.º 4 do CPP. 2.1. Uma vez que o julgamento dos presentes autos deve ser realizado por três juízes conselheiros das secções criminais por força do estabelecido no artigo 11.º, n.º 4, alínea a), e n.º 5, do CPP, em 23-01-23 foram os autos remetidos à distribuição enquanto ato formal da secretaria, para determinação, por sorteio, do juiz conselheiro das secções criminais que seria o titular do processo - designado pelo Código de Processo Penal por juiz presidente em função do papel que lhe cabe no julgamento do processo em 1.ª instância -, a quem é atribuída competência para a prática dos atos preliminares da fase de julgamento previstos nos artigos 311.º a 320.º, ambos do CPP e a presidência da audiência que nos casos de julgamento com intervenção do tribunal coletivo coincidem com a presidência do tribunal coletivo a quem cabe realizar o julgamento, dirigindo a respetiva audiência. Assim, contrariamente ao que parece ter entendido o arguido BB na sua motivação de recurso, em 23-01-2023 apenas se procedeu à distribuição dos presentes autos ao juiz titular do processo por sorteio, sendo em consequência da posição deste juiz na lista de antiguidade dos juízes da 5.º secção (criminal) de que fazia parte, que à época se determinava, ope legis, quem seriam os outros dois juízes conselheiros a intervir no julgamento como 1.º e 2.º adjuntos. Isto é, contrariamente ao que sucede após a entrada em vigor da Portaria n.º 86/2023, de 27 de março, ocorrida já depois de distribuídos os presentes autos, em que se procede à distribuição do processo para cada uma das três posições variáveis no tribunal colegial que julgará o recurso penal ou que procederá ao julgamento nos processos de Única Instância (como o presente), anteriormente apenas se procedia à distribuição do processo ao juiz relator (recurso penal) ou ao juiz presidente do tribunal coletivo em processo de “Única instância”, como se verifica in casu. Nestas hipóteses, o sistema Citius assumia as posições de 1.º e 2.º adjunto, de acordo com a regra da precedência, ficando a constar da capa do processo os respetivos nomes (como se verificou in casu - vd informação da secretaria de 28.06.2024), sem prejuízo de poderem vir a figurar mais tarde, nessas posições, aquando do início da audiência de julgamento, os juízes conselheiros que se seguissem na lista de antiguidade ao juiz presidente do coletivo, caso os anteriores nomes ficassem impossibilitados de participar na audiência, v.g. por terem assumido entretanto as funções de presidente de secção ou por jubilação, como sucedeu no caso presente, respetivamente para quem figurava na capa do processo como 1.º e 2.º, adjuntos. 2.2. Deste modo, não tem o recorrente BB razão ao afirmar que a identificação de três juízes na Capa teve que ser antecedida de uma qualquer distribuição, sendo certo que, conforme se alude na informação da secretaria, é do conhecimento comum que só com a recente alteração legislativa passou a distribuir-se o processo por cada um dos três juízes variáveis que, no STJ, virão a julgar os recursos penais e os processos de única instância. Não faz sentido, assim, a referência da motivação de recurso à nulidade de violação das regras de composição do tribunal, a que se reporta o art. 119.º, alínea a) do CPP, com fundamento em ter-se procedido à indicação de composição do tribunal coletivo diferente da que constava da capa do processo, via Citius. 2.3. Tal como procurámos deixar claro, a questão verdadeiramente controvertida de que o despacho recorrido se ocupou respeita ao problema de aplicação da lei processual no tempo enunciado e não a qualquer substituição indevida de putativa distribuição do processo por três juízes conselheiros em 23-01-2023, que nunca teve lugar. 2.4. Quanto à questão controvertida, permitimo-nos realçar que aos processos pendentes nas secções (criminais) a julgar por tribunal colegial (quase todos), não foi feita aplicação imediata da LN com distribuição por sorteio a novos juízes adjuntos em consequência da entrada em vigor da Portaria, antes se manteve nos diversos processos a composição do tribunal colegial estabelecida de acordo com a regra da precedência, entendendo-se assim, ainda que implicitamente, que se manteve válida a composição de tribunal colegial resultante da LA, com a consequente ressalva da validade dos atos realizados na vigência da lei anterior, estabelecida na 2ª parte do n.º 1 do artigo 5.º, de acordo com a qual a determinação dos juízes adjuntos decorria, ope legis, da distribuição do processo ao relator como referido. Sendo assim, a regra da determinação dos adjuntos segundo a precedência (LA) permanece válida nos presentes autos e é a aplicável não obstante a entrada em vigor da LN, pelo que é de acordo com ela que, no momento a que se reporta o artigo 314.º do CPP, devem determinar-se os juízes adjuntos que intervirão na audiência de julgamento em substituição dos que anteriormente estiveram nessa posição, conforme era prática unanimemente seguida no STJ e se decidiu no despacho recorrido face ao preceituado no artigo 5.º, n.º 1, parte final, e, em todo o caso, no seu n.º 2, alínea b), do CPP, que não se confunde com o agravamento da situação processual do arguido a que se reporta a al. a), contrariamente ao que, a dado passo, parecem entender os recorrentes.” B.3. O Direito B.3.1. Introdução O presente processo é, como já atrás se demonstrou (e foi expressamente declarado nos autos), muito extenso e de grande complexidade. Por outro lado, não está em causa2 a circunstância de os presentes autos terem de ser julgados por um Tribunal Coletivo, composto por Juízes Conselheiros deste Supremo Tribunal de Justiça. Assim, face à aproximação da data de prolação do despacho de designação do dia da audiência de julgamento, o despacho recorrido teve por motivação – como expressamente resulta do mesmo – facilitar o conhecimento do processo pelos Juízes-Adjuntos para que, oportunamente e sendo caso disso, possam exercer adequadamente as suas funções. Para isso, era necessário, como é evidente, identificar esses magistrados e, para o fazer, era indispensável indicar o critério legal que justifica a sua indicação. Portanto, a “antecipação” da comunicação a que alude o artigo 314º do Código de Processo Penal teve esta única motivação e derivou da circunstância inicialmente referenciada: face à dimensão e complexidade do processo entendeu-se (e bem) que era aconselhável que aqueles que o terão de julgar - como Juízes-Adjuntos - fossem tomando conhecimento das várias peças processuais que o integram e às quais alude a norma legal acima referenciada. Contudo, e como já ficou evidenciado ao longo da tramitação dos presentes autos, tal não significa, necessariamente, que sejam os magistrados indicados no despacho recorrido que irão efetivamente exercer as funções de Juízes-Adjuntos no Tribunal Coletivo que irá julgar os presentes autos. Com efeito, até à notificação da prolação do despacho a que alude o artigo 313º do Código Processo Penal, diversas vicissitudes se poderão registar – v.g. a morte, jubilação ou nomeação para outras funções - que poderão determinar que sejam outros magistrados a exercer tais funções. De qualquer forma, o que ficou clara e definitivamente definido foi o critério legal que foi usado para a determinação da composição do Tribunal Coletivo que irá julgar os presentes autos. E como o despacho recorrido está, como não poderia deixar de ser, datado, foram nele indicados os Senhores Juízes Conselheiros Jorge Gonçalves e João Rato, porque, nesse momento e de acordo com o aludido critério legal, serão eles que deverão exercer tais funções e, por isso, são eles que necessitam de tomar conhecimento deste extenso e muito complexo processo. B.3.2. O critério legal de escolha dos Juízes-Adjuntos Antes de mais, importa consignar que não está em causa a distribuição do processo, realizada a 20 de janeiro de 2023 e feita por sorteio eletrónico, ao Senhor Juiz Conselheiro António Latas, como Relator/Presidente do julgamento a realizar em Tribunal Coletivo, nem se coloca em dúvida que este deve ser integrado (para além daquele) por dois Juízes-Adjuntos. Com efeito, a única questão que se coloca tem a ver com o critério legal que foi utilizado para determinação desses Juízes-Adjuntos. E, como se refere no despacho recorrido, a esse propósito coloca-se uma questão de aplicação da lei no tempo, que importa e iremos, de seguida, abordar. B.3.2.1. A Lei 55/2021 de 13 de agosto Aquando da distribuição dos autos acima referida já tinha sido publicada a lei mencionada em epígrafe, a qual introduziu uma nova redação no artigo 213º do Código de Processo Civil, passando a estabelecer-se, na al. a) do seu nº 3, que também os Juízes-Adjuntos sejam apurados “aleatoriamente” e “sem a aplicação do critério da antiguidade ou de qualquer outro”. Ora, o arguido BB defende que esta lei já se encontrava em vigor no dia da distribuição dos presentes autos e que também os Juízes-Adjuntos deviam ter sido escolhidos por sorteio eletrónico. Com efeito, o artigo 4º da Lei 55/2021, de 13 de agosto, estabelece que a mesma entra em vigor “60 dias após a sua publicação”. Contudo, o artigo 3º desse mesmo diploma, dispõe que tal só acontecerá quando entrar em vigor a sua regulamentação. Com efeito, foi consignado na aludida norma que “(o) Governo procede à regulamentação da presente lei no prazo de 30 dias a contar da data da sua publicação, devendo aquela entrar em vigor ao mesmo tempo que esta.”, ou seja, devendo aquela regulamentação entrar e vigor ao mesmo tempo que esta lei n.º 55/2021. E isto mesmo era o que se pretendia desde o projeto de lei que esteve na base deste diploma, no qual expressamente se referiu que “Haverá necessidade de, caso estas alterações venham a ser aprovadas, ser revista a Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, que regula a tramitação eletrónica dos processos judiciais, razão pela qual se estabelece a obrigação de o Governo regulamentar esta lei antes mesmo de entrar em vigor, de modo a que esta lei e a respetiva regulamentação entrem em vigor em simultâneo.” (projeto de lei n.º 553/XIV/2.ª, sublinhado nosso). Essa regulamentação foi operada através da Portaria 86/2023, de 27 de março, a qual, nos termos do seu artigo 8º, entrou em vigor “45 dias após a sua publicação”, ou seja, a 11 de maio de 2023. Aliás, neste sentido se têm pronunciado, pacificamente – como reconhece o próprio recorrente… -, a doutrina3 e a jurisprudência4. Portanto, não assiste razão ao arguido BB quando afirma que a Lei 55/2021, de 13 de agosto, já se encontrava em vigor no dia da distribuição dos presentes autos (20 de janeiro de 2023). Por outro lado, e ao contrário do que pretendem os arguidos, não é possível aplicar essa lei ao ato da distribuição, porquanto isso redundaria numa aplicação retroativa da lei. Com efeito ao ato processual d e distribuição, no seu todo, devem ser aplicadas as regras em vigor no momento em que ocorreu. Assim, é a lei que estava em vigor no momento da distribuição do processo que deve determinar a composição do Tribunal Coletivo. O que significa que, in casu, tendo-se realizado distribuição do processo a 20 de janeiro de 2023 e, dessa forma, definido quem era o Juiz Relator/Presidente do Tribunal Coletivo, é a lei que estava em vigor nesse momento que deve determinar quem são os magistrados judiciais que, como Juízes-Adjuntos, devem completar o Tribunal Coletivo. Não se trata, pois, de não aplicar a lei nova ao caso, ao abrigo do art. 5.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal, pois o ato processual de distribuição é que marca o momento que permite determinar qual é a lei competente para o reger. Ou seja, é o momento em que o ato processual é realizado que nos dá o elemento relevante para determinar qual a lei aplicável, que será a lei em vigor nesse momento. A lei que nos permite determinar qual é a composição do Tribunal Coletivo é a lei do momento em que se realizou o ato processual de distribuição, a 20de outubro de 2023. Nesse momento (20/10/2023) a lei nova ainda não estava em vigor (por assim expressamente o ter determinado o legislador – cf. art. 3.º, da Lei n.º 55/2021 e transcrito supra), pelo que não se impunha a sua aplicação imediata. A lei nova aplica-se, por força do art. 5.º, da CPP, imediatamente aos processos iniciados antes da sua entrada em vigor, mas somente se aplica aos atos processuais que neles ocorram em momento posterior à entrada em vigor da lei. No caso, o ato processual de distribuição ocorreu antes da sua entrada em vigor. Assim sendo, a determinação dos Juízes-Adjuntos que devem compor o Tribunal Coletivo deverá ser feita de acordo com o momento em que foi realizado o ato processual de distribuição que, segundo a lei antiga, impunha apenas a distribuição eletrónica para encontrar o Juiz Relator/Presidente do julgamento, sendo Juízes-Adjuntos, os magistrados que se lhe seguiam na lista de antiguidade. Com efeito, a lei antiga não determinava que, chegado o momento de os Juízes-Adjuntos intervirem, se procedesse a novo ato processual de distribuição (se assim fosse, então, quando fosse realizado este novo ato, haveria que o realizar de acordo com a lei vigente nesse momento). E não impunha novo ato de distribuição pois com aquela primeira distribuição - que sorteava, de forma objetiva e abstrata, o Juiz Relator/Presidente do Tribunal Coletivo que iria realizar o julgamento - a lei estabelecia o critério geral e abstrato de determinação dos Juízes-Adjuntos (os que se seguiriam ao relator em antiguidade no tribunal). Por outro lado, note-se que, enquanto vigorou a lei antiga, nunca se questionou que esta forma geral e abstrata de determinar os aludidos Juízes-Adjuntos porque assim se cumpria a imposição constitucional de estabelecer um coletivo de magistrados segundo regras gerais e abstratas, sem qualquer ligação a um qualquer caso concreto. Com efeito, a aleatoriedade subjacente à constituição do Tribunal Coletivo era assegurada pela aleatoriedade decorrente da distribuição eletrónica ao Juiz Relator/Presidente do Tribunal Coletivo. O paradigma construído com a lei nova é outro, determinando que, logo aquando da distribuição para sortear o juiz relator, se sorteie também os juízes-adjuntos e, consequentemente, impondo-se uma nova distribuição caso ocorra um motivo superveniente que impossibilite a participação dos juízes adjuntos anteriormente sorteados. Aliás, na base da nova lei está o projeto de lei n.º 553/XIV/2.ª, sendo que a distribuição eletrónica dos juízes-adjuntos não teve subjacente qualquer ideia de que os critérios anteriores não eram gerais e abstratos, mas sim uma eventual cumplicidade entre os juízes quando sistematicamente integram os mesmos coletivos. Com efeito, consignou-se, naquela proposta, o seguinte: “As alterações ora introduzidas ao Código do Processo Civil aplicam-se à distribuição de processos não só nos tribunais de 1.ª instância, mas também nos tribunais superiores, concretamente nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, sendo que nestes últimos se introduzem as seguintes especificidades: (i) a distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro; (ii) deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo de juízes. Estas especificidades justificam-se para eliminar as eventuais cumplicidades existentes entre os juízes que compõem o coletivo decisor do recurso e para favorecer a existência de uma efetiva equipa que aprecia e decide o objeto do recurso. Como é sabido, no atual sistema, o relator a quem é distribuído o processo nos tribunais superiores é, por regra, acompanhado sempre dos mesmos juízes- adjuntos, o que gera climas de confiança excessivos e propícios a análises menos ponderadas por parte destes últimos, sendo exatamente isto que este projeto também pretende evitar. É precisamente para evitar que situações dessas sucedam que se propõe que as distribuições nos tribunais superiores sejam feitas por relator e por juízes-adjuntos, procurando-se garantir que não sejam sempre os mesmos juízes a constituir a dupla decisora (no crime) ou o trio decisor (no cível).” (sublinhados nossos). Portanto e em conclusão, a argumentação dos recorrentes não pode proceder. B.3.2.3. O critério a aplicar Face ao anteriormente exposto e concordando com o despacho recorrido, o Tribunal Coletivo que irá realizar o julgamento deverá ser composto nos termos da lei que estava em vigor no dia 20 de janeiro de 2023. Ou seja, tal composição deverá ser encontrada da seguinte forma: Juiz Relator/ Presidente - o magistrado sorteado no dia 20 de janeiro de 2023, Senhor Juiz Conselheiro António Latas, em obediência ao disposto no artigo 213º, nº 1 do Código de Processo Civil, na redação introduzida pela Lei 41/2013, de 26 de junho; Juízes-Adjuntos – os magistrados que figurarem na lista da antiguidade a seguir ao Juiz Relator/Presidente, em obediência ao disposto no artigo 56º nº 2 da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26 de agosto)5. Assim, neste momento, os Juízes-Adjuntos que integram o aludido Tribunal Coletivo são, como referido no despacho recorrido, os Senhores Juízes Conselheiros Jorge Gonçalves e João Rato. Termos em que se considera que o despacho recorrido se encontra bem fundamentado e não merece qualquer censura. B.3.3. Notas complementares B.3.3.1 Alegadas inconstitucionalidades Argumentam os arguidos que o despacho recorrido violou vários princípios e normas constitucionais, plasmados nos artigos 29º nº 4, 32º, nº 1 e 7 e 203º da Constituição da República (doravante “CRP”). A esse propósito começamos por recordar que o decidido no despacho recorrido o foi, também e durante muitos anos, em muitos processos antes da publicação da Lei 55/2021, de 13 de agosto, não se conhecendo qualquer decisão do Tribunal Constitucional que tenha declarado as normas referidas nesses despachos e que sustentavam a aludida composição do Tribunal Coletivo como inconstitucionais. Por isso, sem nos determos demasiado neste tema, sempre se consignará que o artigo 29º nº 4 da CRP dispõe sobre a aplicação da lei penal e não processual penal. Por outro lado, não se vislumbra em que medida pode o artigo 203º da CRP ser chamado à colação pois, ao sustentar a composição do Tribunal Coletivo no disposto na lei (as normas atrás referidas) o despacho recorrido fê-lo, justamente, no exclusivo cumprimento do disposto na última parte desse preceito constitucional. Quanto a violações das garantias de defesa e do princípio do juiz natural também não se reconhece a sua existência. E não se reconhece ocorreram tais violações, desde logo porque o juiz presidente foi sorteado por meio eletrónico. Com efeito e citando acórdão do Tribunal Constitucional6: “O princípio do juiz natural ou do juiz legal traduz-se, essencialmente, na predeterminação, assente em critérios objectivos e abstractos, do tribunal competente, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou de excepção ou a atribuição da competência a tribunal diverso do que era legalmente competente à data do crime: "designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juiz(es) chamado(s) a dizer o Direito." Também a doutrina se pronuncia no mesmo sentido, ao defender que, através do princípio do juiz natural, se procura assegurar, de forma expressa, o "direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior, e não ad hoc criado ou tido como competente"7 ou, ainda, "evitar a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para resolver um caso determinado. As normas, tanto orgânicas como processuais, têm de conter regras que permitam determinar o tribunal que há-de intervir em cada caso em atenção a critérios objectivos; não é, pois, admissível que a norma autorize a determinação discricionária do tribunal ou tribunais que hão-de intervir no processo"8 Ora, in casu e como atrás se deixou consignado, o despacho recorrido determinou a composição do tribunal de acordo com normas gerais e abstratas que se encontravam em vigor, pelo que não existe violação de garantias de defesa nem violação do princípio do juiz natural. B.3.3.2. Alegada nulidade Por outro lado, o arguido, BB também refere que o despacho recorrido é nulo, devido a violação de regras legais relativas ao modo de determinar a composição do tribunal (artigo 119º, al. a) parte final do Código de Processo Penal). A esse propósito, desde logo se esclarece que Tribunal Coletivo apenas estará constituído quando for notificado o despacho que designa dia para julgamento (artigos 313º e 314º do Código de Processo Penal). Com efeito, e como já atrás consignado, o intuito do despacho recorrido foi apenas o de, face à extensão e complexidade do processo, ir dando conhecimento do mesmo aos Juízes Conselheiros que, no momento em que foi proferido, seriam os que integrariam o Tribunal Coletivo. De qualquer forma, esse despacho adotou o critério legal que, também na nossa perspetiva, é o que resulta da lei para identificar os Juízes-Adjuntos que devem integrar o Tribunal Coletivo, pelo que não está ferido da aludida nulidade. B.3.3.3. Notas finais Finalmente, o arguido BB alude à inserção dos nomes dos Senhores Juízes Conselheiros Helena Isabel Moniz e António Gama na capa dos autos, mencionando que o processo teria sido a estes distribuído, como Juízes-Adjuntos, acrescentando que o despacho recorrido teria ignorado essa distribuição. Estranha-se esta argumentação… Com efeito, da informação prestada a 28 de junho de 2024 (refª. ...01) – que foi notificada a todos os arguidos –, bem como na resposta apresentada pelo magistrado do Ministério Público – e que também foi notificada a todos os arguidos — decorre, por um lado, da “observância da lista de Juízes Conselheiros que compunham o Pleno das Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em vigor na data da distribuição, e ao cumprimento da regra de precedência plasmada no artigo 56.º, n.º 2, da LOSJ em consonância com os artigos 130.º e 131.º do Código de Processo Civil” e, por outro lado, do facto de esta informação estar “inserida no Citius que, por regra, preenchia de forma automática os modelos de capa (...) aquando da autuação do processo após a distribuição". Ou seja, não se tratou de uma distribuição (o recorrente não indica, nem se localiza no processo, ato algum que sustente essa alegação do referido arguido) mas de uma mera anotação automática na capa do processo, produzida pelo sistema informático, anotação essa feita de acordo com a lei em vigor, aquando do ato processual de distribuição, no que concerne à composição do Tribunal Coletivo. Com efeito e repetindo o atrás consignado, a composição do Tribunal Coletivo só ficará definida quando se tiverem de notificar os Juízes-Adjuntos do despacho de designação de dia para julgamento. Concluindo, as várias alterações inseridas na capa do processo da identificação dos “Juízes-Adjuntos” decorrem de diversas circunstâncias, entretanto verificadas, e que determinaram que, continuando a seguir o mesmo critério legal, fossem outros os Senhores Juízes Conselheiros que se seguem ao Senhor Juiz Conselheiro António Latas – Presidente do Coletivo escolhido por sorteio - na ordem de precedência deste Supremo Tribunal de justiça. Assim: • A Senhora Juíza Conselheira Helena Isabel Moniz deixou de integrar o Tribunal Coletivo por ter sido eleita Presidente da 5ª secção, no dia 04 de maio de 2023, tendo sido reeleita para o mesmo cargo a 11 de janeiro de 20249; • O Senhor Juiz Conselheiro António Gama deixou de integrar o Tribunal Coletivo porque, por despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de 19 de abril de 2023, no uso de competência delegada, foi desligado do serviço para efeitos de aposentação/jubilação10; Finalmente, neste momento, a seguir ao Senhor Juiz Conselheiro António Latas surgem, na lista de precedência deste Supremo Tribunal de Justiça, os Senhores Juízes Conselheiros Jorge Gonçalves e João Rato, pelo que foi a esses que o despacho recorrido mandou começar a distribuir, faseadamente, as peças do processo, uma vez que, previsivelmente, estará para breve a marcação do dia de julgamento. D – Decisão Por todo o exposto: 1 - Julgam-se improcedentes os recursos apresentados pelos arguidos; 2 – Condenam-se os recorrentes no pagamento das custas com taxa de justiça fixada em 5 (cinco) Unidades de Conta, para cada um. Supremo Tribunal de Justiça, 28-11-2024 (Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal) Os Juízes Conselheiros, Celso Manata (Relator) Agostinho Torres (1º Adjunto) Luís Teixeira (2º Adjunto) ________
1. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995. 2. O despacho recorrido contém, a esse propósito, a respetiva fundamentação que, assim, nos dispensamos de repetir. 3. Cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, 2022, p. 289. 4. Cfr., neste sentido e por todos, Ac. do STJ de 31 de outubro de 2024 – Proc. 3707/09.3TDLSB.L1.S1 desta 5ª secção. 5. Sendo também esse o regime que resultava do disposto, agora em sede de recurso, do disposto no artigo 652º nº 2 do Código de processo Civil, na versão também introduzida pela Lei 41/2013, de 26 de junho. 6. Acórdão 614/2003. 7. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, p. 322 e ss.. 8. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 4.ª ed., Lisboa, Verbo, 2000, p. 54. 9. Cfr. Atas juntas aos autos na sequência do despacho de 13 de novembro de 2014 10. Cfr. Diário da República n.º 82/2023, Série II de 2023-04-27, páginas 85 – 85. |