Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | GRAÇA AMARAL | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA OBRAS BEM IMÓVEL PRIVAÇÃO DO USO LUCRO CESSANTE DETERIORAÇÃO DEVER DE VIGILÂNCIA COMUNICAÇÃO AO SENHORIO INDEMNIZAÇÃO CONTRATO DE ARRENDAMENTO | ||
Data do Acordão: | 03/02/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
Sumário : | I - Com a celebração do contrato de arrendamento o senhorio fica obrigado a assegurar o gozo do locado, impendendo sobre ele o dever de efectuar, na vigência do contrato, as obras necessárias ao fim do arrendamento. Concomitantemente, impende sobre o locatário o dever de informar o locador da situação do locado, dever que não pode ser dissociado da obrigação de vigilância (cfr. art. 492.º do CC). II - A responsabilidade do senhorio pelos prejuízos causados ao locatário por não poder habitar o imóvel face à deterioração deste impõe a demonstração pelo locatário de que avisou, atempadamente, o locador por forma a evitar que o imóvel ficasse numa situação de degradação (que é necessariamente progressiva). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1. AA instaurou acção declarativa de condenação contra BB, CC e DD, deduzindo os seguintes pedidos: “a) Serem os RR. condenados a pagar, a título dos trabalhos realizados a expensas da A. no imóvel sub iudice, que se estima ser não inferior a 60.000,00€, relegando-se para ulterior fase processual, designadamente após perícia, a sua precisa quantificação; b) Serem os RR. condenados a pagar uma indemnização a título de lucros cessantes pelos prejuízos da A. desde 01-09-2009 até à presente data, que se estima em valor não inferior a 216.000,00€, a título de privação do rendimento do estabelecimento, a que acrescerão os prejuízos vincendos a esse título, que se peticionam na mesma proporção; c) Serem os RR. condenados a pagar uma indemnização, a título de privação de um uso condigno pela A. do 1º andar para habitação, pela falta de condições do imóvel, dano que, em termos de proporcionalidade entre a ocupação que a A. logrou fazer, as parcas condições em que o fez e mesmo a inexistência de condições durante hiatos temporais consideráveis, se quantifica a título de privação de um desde 01-09-2009 até à presente data, em €21.600,00, a que acrescerão os prejuízos vincendos a esse título, que se peticionam na mesma proporção; d) Serem os RR. condenados à prestação de facto (cfr. art. 104.º n.º 3 al. b) do CPC) de realizar as obras necessárias no locado, face às deficiências apontadas pela Câmara Municipal …; e) Assumindo tal obrigação carácter infungível, vem igualmente a A., nos termos do disposto no art. 829.º- A do Código Civil, requerer a condenação dos RR. em sanção pecuniária compulsória, no valor de €100 (cem euros) por cada dia de incumprimento das referidas obras, após o trânsito em julgado da presente ação.”. Alegou para o efeito e fundamentalmente: - ter celebrado com a anterior proprietária do prédio urbano sito na Rua …., um contrato de arrendamento, com início em Agosto de 2009 e pelo prazo de três anos, destinando-se o rés-do-chão, a comércio e o primeiro andar a habitação, mediante o pagamento de uma renda única de €500,00, onde foi estipulada uma opção de compra a favor da arrendatária, no final do contrato; - na sequência da caducidade desse contrato, ter celebrado novo contrato de arrendamento, em Setembro de 2012, pelo prazo de um ano, passando a renda a ser de €700,00; - serem os Réus os actuais proprietários do imóvel após o falecimento da anterior senhoria; - não se encontrar o arrendado apto a nele serem exercidos os fins a que se destinava tendo a anterior senhoria estabelecido que as obras estruturais que a Autora fizesse para o efeito seriam ulteriormente compensadas (o preço final de aquisição do imóvel ou no pagamento de rendas); - ter realizado no arrendado obras estruturais necessárias, no valor de € 60.000,00, de que nunca foi paga; - ter a execução das obras implicado quer a impossibilidade de facturação da loja (ervanária) durante um ano, quer a diminuição da facturação após tal período (facturando apenas a ¼ das vendas do que poderia facturar) por ter ficado sem capital para investir no inventário. - ter passado a ser exercida na loja, após a celebração do segundo contrato, a actividade de pomar; - ter aparecido, em Dezembro de 2013, uma fissura no tecto do rés-do-chão, que ameaçava ruir (o que aconteceu efectivamente no ano de 2015) impondo, por razões de segurança, o fecho da loja; - ter deixado de pagar as rendas face à recusa por parte dos actuais senhorios em procederem à execução das obras necessárias para utilização do arrendado; Alegando ter sofrido prejuízos a título de lucros cessantes (desde 01-09-2009 e até à propositura da ação no valor de € 216.000,00) e, pela privação do uso da habitação (no valor de €21.600,00), concluiu pela procedência da acção. 2. Contestaram os Réus invocando a celebração de uma transação com a Autora (no âmbito da acção de despejo que instauraram por falta de pagamento das rendas), após ter sido instaurada a presente acção, em que as partes acordaram a entrega do arrendado no dia 31-03-2016, com reconhecimento do não pagamento de rendas no valor de €18.600,00, montante prescindido pelos senhorios, excepto se no âmbito da presente acção surgisse alguma condenação, caso em que seria operada a compensação de créditos. Defendendo-se ainda por impugnação, concluíram pela improcedência da acção, pedindo a condenação da Autora como litigante de má-fé por ter alterado a verdade dos factos e omitido factualidade relevante. 3. Realizada audiência prévia, proferido saneador, identificado o objeto do litígio e fixados os temas da prova foi realizado julgamento tendo sido proferida sentença (de 25-07-2019) que julgou a acção totalmente improcedente e os Réus absolvidos de todos os pedidos, com condenação da Autora como litigante de má-fé, no pagamento de 2 UC’s de multa e uma indemnização aos Réus a fixar em momento posterior, nos termos do disposto no artigo 543.º, nº 3, do Código de Processo Civil (CPC). 4. Interposta apelação onde a Autora impugnou a factualidade decidida pela 1ª instância, o tribunal da Relação …. proferiu acórdão (28-04-2020) dando procedência parcial ao recurso sobre a matéria de facto, decidindo nos seguintes termos: “Em consequência, revoga-se parcialmente a sentença, condenando-se os RR a pagarem à A. uma indemnização no valor de 5.249,00 euros (cinco mil, duzentos e quarenta e nove euros), acrescida dos juros moratórios peticionados, mantendo-se o demais decidido, com exceção da condenação da A como litigante de má-fé.”. 5. Novamente inconformada com tal decisão, a Autora interpôs recurso de revista normal do acórdão por entender que o mesmo padece de erro de julgamento “quanto a indemnizações à A. a título dos trabalhos realizados a suas expensas no imóvel sub iudice, a título de lucros cessantes por privação do rendimento do estabelecimento e a título de privação de um uso condigno do 1º andar para habitação”, concluindo (transcrição): “I) - Há processos que fazem jus ao verso «O caminho faz-se caminhando», «se hace camino al andar», do poeta castelhano Antonio Machado. É o caso, já que desde a Audiência Prévia que a 1ª Instância projectara indeferir liminarmente a acção e foi necessário reclamar em acta para que o Tribunal revisse essa sua projectada decisão e ordenasse o prosseguimento dos autos. II) - Chegado a julgamento, a A. viu-se a braços com uma injusta decisão em 1ª Instância com base em erros de julgamento de facto e de Direito que o Venerando Tribunal da Relação reparou em parte, ficando a faltar, todavia, uma parte do caminho que a A. entende ter que caminhar destarte junto de Vªs Exas., buscando neste Venerando STJ a Justiça que, com o devido respeito, lhe foi negada desde o início. III) - Honra se faz, não obstante, à reanálise feita pela Relação …. quanto à decisão proferida sobre os pontos da matéria de facto que foram impugnados pela A. Recorrente, subsistindo, todavia, erro de julgamento que se almeja seja reparado agora nesta sede: Erro de Julgamento quanto a indemnizações à A. a título dos trabalhos realizados a suas expensas no imóvel sub iudice, a título de lucros cessantes por privação do rendimento do estabelecimento e a título de privação de um uso condigno do 1º andar para habitação. IV) - Principiando pela RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS TRABALHOS REALIZADOS A EXPENSAS DA A., não podemos concordar com o decidido na Alegação 8) porquanto a matéria de facto provada segrega claramente o que foram, por um lado, as obras previstas como necessárias ao fim comercial e habitacional a que se destinava o locado aquando da celebração do contrato, e, por outro lado, o que foram as obras inesperadas – Factos Provados 10 a 12. V) - Segundo a conclusão a que chega o Acórdão a quo, era expectável à A. a realização de todas aquelas obras que acabou por realizar, conclusão que, com o devido respeito, não tem qualquer conexão com as regras da experiência comum e muito menos com aquela que será a vontade das partes possível de retirar do contrato de arrendamento; o Acórdão não curou sequer de interpretar autonomamente essa cláusula quanto à parte comercial e à parte habitacional. VI) - Então quando celebrou o arrendamento era expectável à A. que parte do tecto do rés-do-chão caísse quando começou a fazer obras de adaptação ao fim comercial a que se destinava o rés-do-chão do imóvel? VII) - E com a água e luz cortadas, que as regras da experiência dizem que só tendo um contrato de arrendamento é que são passíveis de serem reactivadas através de mudança do contador para o novo titular, era possível à A. esperar – pior, não ser obrigação da senhoria sanar – canalizações e ligação da electricidade danificadas e impossíveis de utilização sem correr riscos (cfr. Factos Provados 10 a 12 )? VIII) - O que o Acórdão recorrido exige da A. é exigível a um inquilino? Não nos parece, de todo! IX) - Não obstante a má fé dos RR. em negarem a realização de obras no locado e sua necessidade, os factos provados n.ºs 10 a 14 e 20 a 23 e 26 (facto alterado) do Acórdão demonstram toda a má fé e falta de razão dos RR., na medida em que, quer a sua necessidade, quer a sua efectiva realização, foram dadas como provadas, após prova pericial unânime, pese embora em valor parco– €19.005,00 – mas que foi a prova possível, face ao decorrer do tempo, ao facto de grande parte dos trabalhos não ter sido facturado pelo empreiteiro EE (testemunha arrolada pelos RR., veja-se!) à A. e a outra parte dos trabalhos ter sido efectuado pelo próprio Pai da A.. X) - Diz-se “prova possível” pois, conforme aliás atestou a testemunha Sr. Arquitecto FF, e consta da Sentença, o valor das obras foi de cerca de 60.000€: “A testemunha FF (arquitecto que fez o projecto da obra) referiu que realizacao de obras necessarias e projectadas para o locado orçaria em cerca de € 60.000,00. (cfr. fls. 12 da Sentença da 1ª Instância) XI) - Bem observa, todavia, o Tribunal de 1ª Instância quando se refere à luz e à àgua desactivadas, neste sentido: a A. diz que, quando se foi activar a água e a luz, surgiram os problemas, designadamente, o curto-circuito e o risco de inundação. XII) - Como é óbvio, tratamos aqui de problemas que antes do contrato de arredamento estar em vigor, e a A. tomar posse do imóvel, não se poderiam conhecer, pois sem a eletricidade ser activada, não há como desvelar os curto-circuitos, e sem se activar o sistema das águas, não se sabe que não funciona ou que o saneamento era deficiente ou inexistente. XIII) - Portanto, destarte, se o senhorio revelou em julgamento que a luz e a água estavam desligadas, fica adquirido um pressuposto de toda a alegação da A., que se coaduna perfeitamente com os depoimentos das testemunhas da A., quando tais depoentes nada disseram senão a verdade, verdade que tão-pouco entra em colisão com o que diz o senhorio: foi quando se ligaram/reactivaram os sistemas de electricidade e água que se descobriram os problemas já vastamente alegados. XIV) - Portanto, se não é irrelevante a informação de que estavam desligados água e luz, é apenas para confirmar que a A. não poderia imaginar os problemas que decorriam daquele imóvel no momento em que decidiu arrendá-lo, tal como vem alegado na P.I.. XV) - Neste quid, as Instâncias a quo julgaram improcedente o direito de indemnização da A. pelas obras realizadas, o que fez completamente ao arrepio da Lei e da Jurisprudência. XVI) - É patente que, neste arrendamento misto de habitacional e de comercial, as obras em causa e devidamente peritadas judicialmente, quer quanto à sua efectiva realização, quer quanto ao seu valor, que aqui não se questionarão, não constituem obras a cargo da A., nem quanto ao andar de cima do locado, arrendado para habitação, nem sequer na parte de baixo, arrendado para comércio. XVII) - E se para o arrendamento habitacional este silogismo é indubitável, igualmente o será para o arrendamento comercial deste contrato de arrendamento misto em causa nestes autos, porquanto não constituem obras de conservação exigidas pela actividade desenvolvida por um inquilino no imóvel arrendado, mas sim obras estruturais que não eram expectáveis aquando da celebração do contrato e que foram imprescindíveis para reconstruir o imóvel na parte em que colapsou bem como prevenir a sua deterioração e a perda da sua utilidade para o fim a que se destinava. XVIII) - Aliás, tanto as obras efectuadas não eram expectáveis que o próprio R. BB, em depoimento de parte, a instâncias da Mma Juiz da 1ª Instância, afirma que: Mma Juiz: 17:24 - E quanto à loja? (…) - Aquilo já tinha sido um comércio. J: E precisava obras de adaptação? - as obras de adaptação era as paredes que, se calhar, estava-lhe a cair um bocadinho de cal, portanto, rebocar as paredes e pronto, era isso. XIX) - Como pode a Veneranda Relação … ter interpretado tal cláusula contratual de forma tão exigente ao inquilino, a parte mais fraca num contrato de arrendamento, face a problemas estruturais do edifício que não eram sequer aparentes? Ilustrativo desta questão é o recente Acórdão da Relação do Porto de 11-09-2018 (processo n.º 8977/16.8T8PRT.P1, in www.dgsi.pt), cujo sumário nos ensina que “IV – Não constituem obras de conservação exigidas pela actividade desenvolvida por um inquilino no imóvel arrendado, como previsto no contrato, aquelas que correspondem à reposição de chapas de cobertura no telhado, caleiras e tubos de queda, para evitar a infiltração de água no local, bem como a reparação das paredes afectadas por infiltrações anteriores. Tais obras constituem benfeitorias necessárias e a responsabilidade pela sua realização, num arrendamento para fins não habitacionais, cabe ao senhorio, se nada for, quanto a elas, disposto em sentido diferente.”, aresto que, na sua fundamentação, melhor esclarece os contornos daquele processo, que em tudo se assemelha ao nosso, conforme transcrito na Alegação 35) que se dá por reproduzida. XX) - Veja-se nesse aresto que a tal conclusão da Veneranda Relação do Porto e da 1ª Instância que lhe antecedeu, não se opôs a redacção do contrato de arrendamento que, nessa parte, dispunha o que se transcreveu na Alegação 36) e que se dá por reproduzido, mormente “QUARTO: a primeira outorgante, autoriza a representada do segundo outorgante a realizar as obras necessárias OITAVO: Todas as obras de conservação que o locado necessite, quer interiores, quer exteriores, serão da responsabilidade do locatário” XXI) - E não obstante tal redacção do contrato de arrendamento que a obras concernia, concluiu magistralmente o mesmo aresto da seguinte forma: “Tais cláusulas não são, pois, úteis para a definição da responsabilidade pelo pagamento dos custos das obras em questão, que se destinaram a evitar a destruição do locado e a sua inutilização para o fim do próprio contrato. (...) dada a natureza das obras em questão, as mesmas não são subsumíveis àquelas que, nos termos desta cláusula 8ª haveriam de ser suportadas pelo inquilino. (...) Consequentemente, tal como decidido na sentença recorrida, não derivando do contrato – à luz de qualquer das cláusulas analisadas - a obrigação da inquilina responder pelo pagamento do custo dessas mesmas obras, cabe à senhoria, isto é, à ora apelante, o respectivo pagamento, nos termos dos arts. 1074º, nºs 1 e 5 e 1111º do Código Civil. “ XXII) - Foi justamente isto que a A. pediu na sua acção, i.e., que não deriva do contrato a obrigação da inquilina responder pelo pagamento do custo das obras realizadas, que cabe aos senhorios RR., que delas beneficiaram em termos de aumento de valor da coisa. XXIII) - Mas afinal quem é a parte mais forte num contrato de arrendamento? E afinal quem teria que exigir que ficasse escrita uma renúncia ao direito da A.? O senhorio! Tal como o signatário alegou oralmente em sede de Alegações Finais, se no segundo contrato de arrendamento constasse uma cláusula contendo uma renúncia abdicativa do direito da A., a Sentença da 1ª Instância teria razão! Mas tal manifestamente não consta! XXIV) - Em primeiro lugar, o silêncio do segundo contrato de arrendamento não tem o valor declarativo que as Instâncias lhe parecem atribuir, em violação de tudo quanto dispõe o art. 218º CC. XXV) - Em segundo lugar, a renúncia abdicativa um direito não só tem que ser expressa como também tem que ser objeto de acordo entre credor e devedor, nos termos do art° 863° do CC. XXVI) - Onde, na cláusula do segundo contrato de arrendamento citada pela Sentença, se consegue ler um acto voluntário pelo qual a A. perdeu o direito de que é titular, enquanto acto abdicativo unilateral? Em parte alguma! XXVII) - Mas mais: em terceiro lugar, só o próprio ou alguém devidamente apoderado poderá fazer uma renúncia abdicativa de um direito, não sendo neste quid irrelevante salientar que o segundo contrato de arrendamento não foi sequer outorgado por mão própria da A, mas sim pela sua mãe enquanto procuradora da filha, conforme resulta da própria P.I.. XXVIII) - Como dissemos, na Relação ….. o argumento já foi ligeiramente diferente, todavia, com o mesmo juízo a A. não se conforma pelos apontados motivos: não poderia a Veneranda Relação … ter interpretado tal cláusula contratual de forma tão exigente ao inquilino, a parte mais fraca num contrato de arrendamento, face a problemas estruturais do edifício que não eram sequer aparentes! XXIX) Sobre a INDEMNIZAÇÃO À AUTORA PELO INDEVIDO GOZO DO LOCADO QUANTO À PARTE HABITACIONAL E PELO LUCRO CESSANTE QUANTO À PARTE COMERCIAL DO LOCADO, o Acórdão a quo inovou a Sentença da 1ª Instância neste quid, embora ainda de forma parcial, por um lado, e parca, por outro. XXX) - Correctamente inovou o Acórdão a quo o que se transcreveu na Alegação 59) que se dá por reproduzida, contudo, não se olvide que, até ao momento de cessação do contrato de arrendamento, anos passaram desde que o tecto do primeiro andar do locado (zona de habitação) abriu uma fenda, tendo o senhorio a obrigação de promover as obras de conservação necessárias à não provação ou risco de segurança ou saúde, tal como as Instâncias bem o disseram. XXXI) - O vício que aqui se aponta ao Acórdão da Relação …., que mesmo assim atenuou uma pequena parte da injustiça decorrente da Sentença da 1ª Instância, é ao erro no enquadramento da situação casuística, por isso aquilo a que se assiste é a um premiar o senhorio pela falta de condições em que manteve o locado por todos estes anos, sendo que a al. h) do art 1038.º não pode aqui excluir a sua responsabilidade. XXXII) - S.m.o., não é exigido ao locatário nenhuma forma na comunicação para dar conhecimento ao locador do vício que conheceu. E todos os FACTOS PROVADOS N.º s 10 a 14 quanto aos defeitos e obras bem como todo o processo camarário junto sob Doc. n.º 4 da P.I. e provado sob os FACTOS PROVADOS N.ºs 20 a 23 provam que o senhorio soube das reclamações da A., que nada fez, que exerceu o contraditório através da sra. Arquitecta que o representou na visória camarária, que a CM…… ordenou as obras e que os RR. as não fizeram. XXXIII) - Por isso, conforme se alegou na P.I., os RR. colocaram em perigo a integridade física e a vida da aqui A., os RR., apesar de terem sido notificados pela Câmara Municipal do … para a realização de obras, não deram ainda início às mesmas, indiferentes aos seus deveres como senhorios, indiferentes ao direito à habitação e à iniciativa económica da A. e seu irmão e, ainda, indiferentes, como seres humanos, à integridade física da A. e demais pessoas (clientes, fornecedores, etc) que pelo locado passam. XXXIV) - Do ponto de vista legislativo, a b) do art. 1031º do Código Civil prevê que são obrigações do locador perante o locatário “Assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina.”, o que no caso em apreço não se verificou. XXXV) - A plena fruição do imóvel esteve ab initio impossibilitada, só tendo sido reposta após as obras feitas pela A. e seu irmão, mas, desde, pelo menos, Janeiro de 2014, voltou a ficar coarctada à A., motivo pelo qual entendeu e comunicou proceder ao não pagamento do valor das rendas. Mas muitas tinha ela já pago! XXXVI) - O imóvel não possuía quaisquer condições, correndo-se, em grande medida, risco de vida, pois, tal como já ruira grande parte do tecto do primeiro andar, poderia o mesmo suceder a qualquer momento quanto à totalidade do tecto do locado. XXXVII) - Acresce que o ambiente do arrendado era tudo menos saudável, sendo suposto que a A. habitasse o 1º andar e pudesse explorar um negócio no rés-do-chão em perfeitas condições. XXXVIII) - A tudo isto há a crescer os prejuízos da A. em termos de danos emergentes e lucros cessantes decorrentes de a A. e seu irmão terem investido num locado com vista a explorar um estabelecimento comercial que, decorrência dos defeitos de que padecia, não lhes permitiu abrir ao público quando estava projectado, XXXIX) - estabelecimento esse que, após as obras e reposição da aptidão do locado a tal finalidade (habitacional e económica), permitiu à A. e seu irmão obter parcialmente o lucro pretendido pese embora já com um grave atraso temporal face ao projectado, XL) - rentabilidade que, após os problemas estruturais do imóvel se terem manifestado de novo, destarte já no âmbito do 2º contrato de arrendamento, implicaram o encerramento do estabelecimento e, por isso, os danos emergentes e lucros cessantes que se peticionaram. XLI) QUANTO AO LUCRO CESSANTE, salutarmente o Acórdão recorrido atenuou alguma da injustiça da decisão a 1ª Instância e reconheceu o direito à indemnização pelos lucros cessante, conforme transcrito na Alegação 77) que se dá por reproduzida. XLII) - No entanto, a A. não se conforma com o hiato temporal durante o qual o Acórdão entende existir o direito à indemnização no valor mensal de 456,51€, já que “11 meses e meio” é manifestamente insuficiente. XLIII) - Note-se que a Relação …. inclusivamente alterou a matéria de facto e decidiu que o contrato se manteve até a data de 31 de Marco de 2016, consequentemente, não se compreende como poderia a Relação …., por outro lado, decidir que “Se se provou que a fissura começou em 2013 (facto supra 18), o certo e que os RR só tiveram conhecimento da situação em Marco de 2015, aquando da realização da vistoria camararia, onde se fizeram representar por uma senhora arquiteta. Posto isto, apenas poderão ser contabilizados os danos ocorridos entre tais datas.”, para poder concluir que o direito de indemnização da A. por lucros cessantes é referente a um hiato temporal de “11 meses e meio”, até porque, se em 2015 os RR. nada fizeram para eliminar esses defeitos do imóvel mesmo com uma vistoria da Câmara do …. contra eles, obviamente que não o fizeram nem nunca fariam em 2014 e 2013! XLIV) - Decidir assim é concluir que o imóvel esteve sempre em condições até ser vistoriado pela Câmara Municipal .… Mas e então e os Factos Provados n.ºs 10 a 15? Ainda que as obras não tivessem que ser custeadas pelo senhorio (o que não se concede), sempre a necessidade das mesmas advém da inidoneidade do imóvel, ao que acrescem ainda os Factos Provados n.ºs 17, 17-A e 18. XLV) - Termos em que, o Acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outra Decisão que condene os RR. a pagar uma indemnização a título de lucros cessantes pelos prejuízos da A. desde 01-09-2009 até à cessação do arrendamento em 31/03/2016 (data acordada pelas partes na ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO de 15/12/2015 no âmbito da acção especial de despejo n.º 1458/15….. da Secção Cível, J….., da Instância Local ….., a fls. 272 dos presentes autos), no valor €36.064,29 (79 meses x €456,51), a título de privação do rendimento do estabelecimento. XLVI) - Passando à PRIVAÇÃO DO USO DA PARTE HABITACIONAL, neste quid o Acórdão da Relação … manteve a injustiça da absolvição dos RR. que vinha da 1ª Instância mas com outro argumento, transcrito na Alegação 88). XLVII) - A A. tem todavia direito à reparação do dano decorrente da privação de um uso condigno do 1º andar para habitação, na medida em que a falta de condições do imóvel igualmente afectou a utilização projectada para essa parte habitacional do locado. XLVIII) - Os RR. e sua falecida mãe tinham a obrigação de ter resolvido por mote próprio os problemas do imóvel, que naturalmente geraram problemas atormentadores da saúde física e psíquica da A. – porém, por sua iniciativa, nunca o fizeram. XLIX) - Mesmo durante a execução dos trabalhos custeados pela A., o ambiente de vivência naquele1º andar era indubitavelmente um ambiente insalubre e prejudicial à sua saúde física e psíquica. L) - Dano que, em termos de proporcionalidade entre a ocupação que a A. logrou fazer, as parcas condições em que o fez e mesmo a inexistência de de “11 meses e meio”, até porque, se em 2015 os RR. nada fizeram para eliminar esses defeitos do imóvel mesmo com uma vistoria da Câmara do … contra eles, obviamente que não o fizeram nem nunca fariam em 2014 e 2013! LI) Com efeito, conforme salienta LUÍS MENEZES LEITÃO, o “principal direito do arrendatário é o direito de gozo do imóvel arrendado”10, “Constituindo, conforme se referiu, esse direito pessoal de gozo, estrutura-se com base numa obrigação do senhorio”11. LII) - Assim, e na esteira de PEDRO ROMANO MARTINEZ, “como o locador tem de proporcionar ao locatário o gozo da coisa, na medida em que o contrato se prolonga no tempo, sob aquele impende a obrigação de fazer as obras e reparações, bem como suportar as despesas que se considerem necessárias para assegurar o gozo da coisa”. LIII) - As obras necessárias à conservação e fruição do arrendado são da competência da Senhoria, aqui habilitada pelos seus sucessores RR., conforme o referido pelo Supremo Tribunal de Justiça no aresto citado na Alegação 104). LIV) - O Acórdão recorrido cita o acórdão do STJ de 16.3.2011, quando este diz que “Porém, podem configurar-se situações da vida real em que o titular da coisa não tenha interesse algum em usá-la”; perguntamos: é essa a conclusão que se pode retirar destes autos? Com o grau de investimento em obras feitas no locado pela A.? Obviamente que não! LV) - Com o devido respeito, melhores e mais recentes ensinamentos colhemos no Acórdão do STJ de 24/10/2019 (Proc. 246/15.7T8PVZ.P1.S1), em cuja fundamentação lemos o que se transcreveu na Alegação 120) que se dá por reproduzida, mormente: (...)72. Em conformidade com qualquer uma das duas teses, o lesado terá direito a indemnização desde que alegue e que prove que “a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real — concreto e efectivo — de proceder à sua utilização” [26]. O dano, “traduzido na privação do uso de um bem, estará demonstrado desde que o lesado concretize e fundamente, em termos factuais, qual a concreta utilidade que pretendia extrair do bem, especificando o concreto dano sofrido com a impossibilidade [de utilização]” [27].” LVI) - Convincente também é o Ac. TRGuimarães de 06-11-2012 (Processo 326/08.5TBPVL.G1, in www.dgsi.pt), transcrito na Alegação 121) que se dá por reproduzida. LVII) É absolutamente falacioso o Acórdão recorrido confirmar o direito do senhorio às rendas mas negar o correspondente contra-crédito decorrente da privação do uso condigno, invocando que “Daí que entendamos que não basta a simples privação, em si mesma sendo necessário ainda que se alegue e prove a frustração de um propósito de proceder a utilização da coisa, demonstrando o lesado que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela actuação ilícita de outrem, o lesante”; quão falacioso é dizer-se, como o disse o Acórdão recorrido, que “Repare-se que no caso em apreco, como dissemos, a A não alegou sequer se habitava o imóvel e se teve de sair daquela habitação.” LVIII) - É que tal entendimento fará sentido no caso de a indemnização se fundar na frustração de uma expectativa de afectação do imóvel a outra finalidade que não aquela que decorra directamente do negócio; seria o caso de um imóvel próprio destinado a arrendamento que seria de colocar no mercado do arrendamento, ou de um outro bem próprio relativamente ao qual até poder-se-ia não ter a intenção e dar qualquer uso no período da privação do uso por terceiro. Portanto, bens decorrentes de negócio jurídico de compra em que a declaração e vontade se materializa uma só vez, no momento da compra. LIX) - Agora, aplicar tal exigência de prova relativamente a uma afectação que decorre directamente do contrato que titulou a posse, como é o caso do direito a habitar por parte do arrendatário habitacional, direito de ocupar pelo qual o inquilino está a pagar e que renova essa intenção de utilização cada vez que paga mais uma renda? LX) - Se não era para residir no 1º andar (e para exercer o seu labor no rés-do-chão), por que razão a A. celebrou sequer aqueles contratos de arrendamento e pagava mensalmente renda por eles?! LXI) - E se - conjecturemos – o inquilino nunca lá residiu porque o imóvel não teve condições para ser ocupado com o fim a que se destinava - e, por isso, o inquilino nunca teve de lá sair porque nunca o chegou a ocupar, então não há dano do inquilino, inquilino que pagou as rendas? LXII) - Tem que o ocupar e depois sair para ter dano? Ao contrário de um bem próprio que poderia nem ter intenção de usar no período da privação, um inquilino tem que provar que tinha intenções de lá residir quando esse é o principal efeito do contrato de arrendamento? Renova essa intenção de utilização cada vez que paga mais uma renda? Obviamente que não! LXIII) -Termos em que, o Acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outra decisão que condene os RR. a pagar uma indemnização a título de privação de um uso condigno pela A. do 1º andar para habitação, pela falta de condições do imóvel, dano que, em termos de proporcionalidade entre a ocupação que a A. logrou fazer, as parcas condições em que o fez e mesmo a inexistência de condições durante hiatos temporais consideráveis, se quantifica, desde 01-09-2009 até à cessação do arrendamento em 31/03/2016 (data acordada pelas partes na ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO de 15/12/2015 no âmbito da acção especial de despejo n.º 1458/15….. da Secção Cível, J…., da Instância Local do …., a fls. 272 dos presentes autos), no valor €39.500 (79 meses x €500). LXIV) Em Suma, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, revogando o Acórdão recorrido e substituindo-o por outra decisão que condene os RR. a pagar os trabalhos realizados a expensas da A. no imóvel sub iudice (€19.005,00) e as indemnizações peticionadas a título de lucros cessantes por privação do rendimento do estabelecimento (€36.064,29) e por privação de um uso condigno do 1º andar para habitação (€39.500,00), LXV) sendo manifestamente insuficiente e de efeito nulo a indemnização atribuída pelo Acórdão recorrido de €5.249,00 euros, não se traduzindo em qualquer valor a receber pela A. uma vez que, representada por outro Patrono no processo especial de despejo e cobrança de rendas que correu termos contra ela movido pelos aqui RR. com o n.º 1458/15…… da Secção Cível, J…, da Instância Local do …., LXVI) com receio de prejudicar-se e à sua mãe a A. (enquanto fiadora), na ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO de 15/12/2015 foi celebrada a TRANSACÇÃO transcrita na Alegação 135) que se dá por reproduzida. LXVII) Portanto, a A. acabou por aceitar terminar o arrendamento no final de Março de 2016 e entregar o locado já na pendência dos presentes autos com o perdão de €18.600,00 das rendas supostamente em atraso mas sem prejuízo desse valor de rendas ser repristinado caso os aqui RR. fossem condenados nos presentes autos, tudo aliás, conforme ACTA de julgamento junta aos autos pelos RR. a fls. 272 dos presentes autos, pelo que a A. ter direito ao valor de €19.005,00 das obras e ainda a uma indemnização por danos é o mínimo a eliminar alguma da injustiça que este caso encerra e a punir a conduta ilícita dos RR, que sairá absolutamente impune a manter-se o decidido.”. 6. Em contra-alegações os Réus pugnaram pela inadmissibilidade da revista por existência de dupla conformidade decisória e, a assim não se entender, pela improcedência do recurso. 7. Por ter sido considerado que no caso se poderia configura uma situação de dupla conformidade decisória impeditiva da admissibilidade do recurso de revista normal interposto pela Recorrente, foram as partes notificadas nos termos do artigo 655.º, n.º 2, do CPC, para se pronunciarem. 8. A Autora veio reiterar a admissibilidade da revista defendendo não ocorrer dupla conforme, argumentando que no caso não se considera preenchido o requisito da confirmação da sentença pelo acórdão do tribunal da Relação porque esta segunda decisão “não está em conformidade com a primeira, nem em termos de julgamento da matéria de facto, nem em termos de julgamento de Direito” e por o seu teor lhe ser parcialmente oposto. Defende para o efeito e fundamentalmente que: - existe um segmento ou parcela inovatória com a alteração de uma absolvição do pedido para uma condenação; - foi alterada a matéria de facto provada relevante para a decisão e, nessa medida, em função da mudança de fundamentos, ocorre uma nova decisão; Considera que em função do desvio da fundamentação foram levantadas outras questões das quais a Recorrente só agora pode recorrer pela primeira vez por ainda não terem sido apreciadas porquanto emergiram apenas do acórdão da Relação proferido no âmbito do recurso de apelação. Concluiu, assim, que se mostrará inconstitucional a interpretação do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, no sentido de não admissão do recurso de revista do acórdão proferido pela Relação que decida de modo diverso da 1ª instância, assentando essa decisão numa modificação da matéria de facto e consequente diversa motivação jurídica, ainda que mais favorável ao recorrente. II – Apreciando De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - CPC), impõe-se conhecer as seguintes questões:
1. Os factos 1.1 provados 1. Em 28 de Julho de 2009, a Autora celebrou com GG um contrato de arrendamento do prédio urbano sito na Rua …., da União das freguesias …, …. e ……, concelho …., inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artigo ……. 2.Tal prédio era, à data de celebração desse arrendamento, propriedade da senhoria GG. 3. Decorrência do óbito da senhoria, o prédio é hoje propriedade da herança aberta de GG, de que são únicos herdeiros os aqui Réus, desempenhando o 1º Réu as funções de cabeça de casal. 4.O prédio é composto por rés-do-chão e 1.º andar, destinando-se o rés-do chão a comércio e o andar à habitação permanente da Autora. 5. O antedito contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 3 anos, com início em 01 de Agosto de 2009. 6. A renda prevista foi no valor anual de 6.000,00 € (seis mil euros), a ser paga em duodécimos mensais de 500,00 € (quinhentos euros). 7. Ficou como fiadora desse contrato a mãe da Autora, HH. 8. Em 27 de Setembro de 2012, foi acordado que o arrendamento passaria a ser pelo prazo de um ano, com renda anual de €8.400,00, a liquidar em duodécimos de €700,00 9. A actividade comercial a explorar seria a de ervanária e frescos, em sociedade irregular/de facto com o seu irmão II, a sediar no rés-do-chão do prédio sub iudice. 10. A Autora iniciou, no ano de 2009, obras de adaptação do rés-do-chão, que passariam apenas pela realização de uma pintura, deparando-se então com a necessidade de estucar as paredes todas, já que aquando da realização da pintura as mesmas começaram a descascar. 11 No seguimento da realização dessas obras parte do tecto do rés-do-chão caiu. 12. As canalizações e ligação da electricidade no locado encontravam-se danificadas e era impossível a sua utilização sem correr riscos. 13. A Autora contratou então um arquitecto que procedesse à vistoria e planificação das obras necessárias. o) Foi colocada uma cozinha em madeira, um cilindro bem como uma torneira nova de cozinha e banca, de valores não concretamente apurados (facto aditado pela Relação). 15. Os trabalhos de trolha foram começados pela sociedade “EE – Reabilitações e Pinturas, Unipessoal, Lda.”, NIPC …., empresa com sede na Rua ….., empresa que era do conhecimento da Senhoria. 15-A – A Autora adquiriu os materiais de construção para a obra, com os seguintes valores parcelares: Data-Valor: 02/08/2009 € 27,25; 05/08/2009 € 104,45;06/08/2009 € 36,00; 09/08/2009 € 109,35; 13/08/2009 € 54,95; 15/08/2009 € 43,60; 17/08/2009 € 94,80; 17/08/2009 € 45,00; 17/08/2009 € 69,95; 18/08/2009 € 55,00; 18/08/2009 € 25,50; 19/08/2009 € 6,10; 12/09/2009 € 57,10; 23/09/2009 € 38,44; 05/12/2009 € 206,99; 05/12/2009 € 38,65; 07/12/2009 € 32,75; 07/12/2009 € 22,95; 21/12/2009 € 15,65; 31/01/2010 € 28,38; 01/02/2010 € 46,85; 07/02/2010 € 54,65; 09/02/2010 € 17,90; 10/02/2010 € 41,05; 04/03/2010 € 66,75; 04/03/2010 € 15,95; 07/03/2010 € 10,05; 02/04/2010 € 66,80; 07/04/2010 € 39,30 Total € 1 472,16; (facto aditado pela Relação). 16. O Pai da Autora era colaborador dessa empresa. 17. Durante as supramencionadas obras, que decorreram desde meados de 2009 e 2010, a facturação da loja foi inexistente. 17-A. Com os trabalhos em curso, a funcionalidade da loja ao público ficou prejudicada. 18. Em 2013, começou a abrir-se uma fissura no tecto da sala do primeiro andar do local arrendado. 19. A fissura foi aumentando de tamanho, ameaçando ruir o tecto. 20. A. Autora solicitou à Câmara Municipal …. vistoria ao prédio, tendo a mesma sido realizada em 10 de Março de 2015. 21.No decurso da referida vistoria foi elaborado Auto onde consta que o prédio “…oferece risco para a segurança de pessoas, pelo seguinte: Na sala, o revestimento do teto encontra-se fissurado e em risco de queda. Oferece risco para a saúde de pessoas pelo seguinte: Existência de focos de insalubridades em paredes e tetos da habitação originados por infiltrações de águas pluviais”, 22. Em Janeiro de 2014 a Autora deixou de proceder ao pagamento das rendas. 23. Os Réus, apesar de terem sido notificados pela Câmara Municipal … para a realização de obras, não deram ainda início às mesmas. 24. A Autora recepcionou a notificação a judicial avulsa de 18-03-2015 em que lhe foi comunicada a resolução do contrato de arrendamento. 25. A Autora formalizou a sua posição de compensação do valor devido a título de rendas com igual montante que despendeu na realização das obras urgentes no locado através das cartas registadas com aviso de receção datadas de 30-03-2015. 26. Em data não concretamente apurada, mas posterior à vistoria camarária realizada em Março de 2015, o tecto da sala, que ameaçava ruir, acabou efetivamente por ruir - (facto aditado pela Relação). 27-A loja, no ano de 2010, permitiu à Autora e seu irmão obter uma rentabilidade mensal no valor de € 456,51 euros, depois de deduzidos às vendas os custos operacionais (incluindo renda) - (facto aditado pela Relação). 28. Na acção de Despejo com o nº 1458/15….., que correu termos na Instância Local Cível … – J…., em que são Autores os aqui Réus e Ré a aqui Autora, foi proferida sentença que homologou a transação reproduzida na acta de 15-12-2015, mediante a qual as partes acordaram entre outras coisas em “fixar a data de entrega do imóvel, livre de pessoas e bens no dia 31 de Março de 2016” e os AA declararam ainda “prescindir do valor das rendas, vencidas e vincendas até à referida data que se fixam já pelo valor de €18.600,00” - (facto aditado pela Relação). Por outro lado, na sua pretensão, a Autora descura, de todo, a especificidade do regime do arrendamento. Com a celebração do contrato de arrendamento o senhorio fica adstrito ao dever de assegurar ao arrendatário o gozo do arrendado[16] (artigos 1022.º e 1031.º, alínea b), ambos do Código Civil) para o fim a que se destina, incumprindo o contrato se, por sua culpa, o locado apresentar vício que impeça ou dificulte a realização cabal do fim para que o contrato foi destinado (artigo 1032.º, alínea b), do Código Civil). Nessa medida, impende sobre o senhorio a obrigação de realizar as obras/reparações necessárias no locado e sobre o arrendatário a obrigação de as tolerar e de informar prontamente aquele dos vícios que comprometam o gozo da coisa e a sua desvalorização (artigos 1038.º, alíneas e) e h) e 1074.º, n.º 1, do Código Civil). Por outro lado, o incumprimento do dever de assegurar ao arrendatário o gozo do arrendado, designadamente por falta de realização de obras de reparação[17], não só permite ao arrendatário o direito de resolver o contrato (artigos 1050.º , alínea b) e 1083.º, n.º 5, do Código Civil[18]), como, em certas situações, o pode legitimar (em casos de força maior) a invocar a excepção do não cumprimento do contrato[19] que o exonere de habitar com permanência o locado (cfr. artigos 428.º, e 1072.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil), dando-lhe ainda a possibilidade de obter uma redução da renda (artigo 1040.º, n.º 1, do Código Civil), ou mesmo ficar desobrigado do pagamento da mesma (enquanto contrapartida do gozo do locado). Importa ter presente que, no caso, a Autora deixou de proceder ao pagamento da totalidade da renda a partir de Janeiro de 2014, sem ter demonstrado quer a impossibilidade de poder gozar o locado, quer o cumprimento do dever de informar os senhorios da necessidade de obras no imóvel. Perante este contexto fáctico, considerando a falta de demonstração de danos por deficiente gozo do locado e não tendo a Autora querido enveredar pelos meios legais de que dispunha para colocar o locado apto ao fim contratualmente estabelecido (ou mesmo colocado fim à relação de arrendamento), nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos Réus (com fundamento na falta de obras no arrendado, designadamente de conservação) pelos prejuízos decorrentes da falta de condições de habitualidade do imóvel, designadamente as que, em Março de 2015, foram detectadas[20] quando da realização da vistoria. Por conseguinte, também quanto a este aspecto, não podem deixar de improceder as conclusões da revista.
III – Decisão Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido. Custas pela Autora. Lisboa, 2 de Março de 2021 Graça Amaral (Relatora) Henrique Araújo Maria Olinda Garcia
Tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Adjuntos (artigo 15ºA, aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).
_______________________________________________________
[4] A alteração à matéria de facto relevante para o conhecimento deste pedido (aditamento da alínea o) do facto n.º 14) levada a cabo pela Relação em nada interferiu na apreciação da decisão de direito. [10] Relativamente aos danos decorrentes da privação do uso da parte habitacional do locado alegou a Autora: “95. Acresce o dano da A. decorrente da privação de um uso condigno do 1º andar para habitação, na medida em que a falta de condições do imóvel igualmente afectou a utilização projectada para essa parte habitacional do locado. 97. O direito ao descanso e à consequente integridade física e psíquica dos cidadãos constituem valores essenciais constitucionalmente protegidos. 98. Os direitos à saúde e ao repouso são direitos absolutos que visam tutelar a integridade física e moral do indivíduo e que impõe a todos o dever de se absterem de praticar actos que os ofendam. 99. Os RR. e sua falecida mãe tinham a obrigação de ter resolvido por mote próprio os problemas do imóvel, que naturalmente geraram problemas atormentadores da saúde física e psíquica da A. – porém, por sua iniciativa, nunca o fizeram. 100. Consequentemente, a A. sofreu danos não patrimoniais, os quais, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496.º do CC). 101. Mesmo durante a execução dos trabalhos custeados pela A., o ambiente de vivência naquele 1º andar era indubitavelmente um ambiente insalubre e prejudicial à sua saúde física e psíquica. 102. Com os referidos comportamentos omissivos, os RR. e sua mãe violaram os direitos da A. constitucionalmente consagrados nos art.s 9.º, 13.º n.º 1, 27.º 65.º. 66.º e 81.º a) da Constituição da República Portuguesa e o art. 70.º n.º 1 do CC. 103. Não há qualquer dúvida que a Lei Constitucional (arts. 1.º, 2.º, 69.º n.º 1, 70.º n.º 2, 72.º n.º 2 da CRP), bem como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 6.º e art. 29.º, e ainda o respectivo preâmbulo), garantem e protegem os direitos de personalidade do ser humano, enquanto manifestação da salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa humana. 104. O mesmo sucede com a nossa lei civil, no art. 70.º do CC. (…) 106. Dano que, em termos de proporcionalidade entre a ocupação que a A. logrou fazer, as parcas condições em que o fez e mesmo a inexistência de condições durante hiatos temporais consideráveis, se quantifica, desde 01-09- 2009 até à presente data, em €21.600,00.”. [18] Evidenciando que o regime da locação não se encontra configurado para permitir e ressarcir a indiferença do locatário nas situações de defeitos supervenientes no locado. |