Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
30412/15.9T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
OBRAS
BEM IMÓVEL
PRIVAÇÃO DO USO
LUCRO CESSANTE
DETERIORAÇÃO
DEVER DE VIGILÂNCIA
COMUNICAÇÃO AO SENHORIO
INDEMNIZAÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Data do Acordão: 03/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Com a celebração do contrato de arrendamento o senhorio fica obrigado a assegurar o gozo do locado, impendendo sobre ele o dever de efectuar, na vigência do contrato, as obras necessárias ao fim do arrendamento. Concomitantemente, impende sobre o locatário o dever de informar o locador da situação do locado, dever que não pode ser dissociado da obrigação de vigilância (cfr. art. 492.º do CC).
II - A responsabilidade do senhorio pelos prejuízos causados ao locatário por não poder habitar o imóvel face à deterioração deste impõe a demonstração pelo locatário de que avisou, atempadamente, o locador por forma a evitar que o imóvel ficasse numa situação de degradação (que é necessariamente progressiva).
Decisão Texto Integral:



Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,


I - Relatório
1. AA instaurou acção declarativa de condenação contra BB, CC e DD, deduzindo os seguintes pedidos:
a) Serem os RR. condenados a pagar, a título dos trabalhos realizados a expensas da A. no imóvel sub iudice, que se estima ser não inferior a 60.000,00€, relegando-se para ulterior fase processual, designadamente após perícia, a sua precisa quantificação;
b) Serem os RR. condenados a pagar uma indemnização a título de lucros cessantes pelos prejuízos da A. desde 01-09-2009 até à presente data, que se estima em valor não inferior a 216.000,00€, a título de privação do rendimento do estabelecimento, a que acrescerão os prejuízos vincendos a esse título, que se peticionam na mesma proporção;
c) Serem os RR. condenados a pagar uma indemnização, a título de privação de um uso condigno pela A. do 1º andar para habitação, pela falta de condições do imóvel, dano que, em termos de proporcionalidade entre a ocupação que a A. logrou fazer, as parcas condições em que o fez e mesmo a inexistência de condições durante hiatos temporais consideráveis, se quantifica a título de privação de um desde 01-09-2009 até à presente data, em €21.600,00, a que acrescerão os prejuízos vincendos a esse título, que se peticionam na mesma proporção;
d) Serem os RR. condenados à prestação de facto (cfr. art. 104.º n.º 3 al. b) do CPC) de realizar as obras necessárias no locado, face às deficiências apontadas pela Câmara Municipal …;
e) Assumindo tal obrigação carácter infungível, vem igualmente a A., nos termos do disposto no art. 829.º- A do Código Civil, requerer a condenação dos RR. em sanção pecuniária compulsória, no valor de €100 (cem euros) por cada dia de incumprimento das referidas obras, após o trânsito em julgado da presente ação.”.
Alegou para o efeito e fundamentalmente:
- ter celebrado com a anterior proprietária do prédio urbano sito na Rua …., um contrato de arrendamento, com início em Agosto de 2009 e pelo prazo de três anos, destinando-se o rés-do-chão, a comércio e o primeiro andar a habitação, mediante o pagamento de uma renda única de €500,00, onde foi estipulada uma opção de compra a favor da arrendatária, no final do contrato;
- na sequência da caducidade desse contrato, ter celebrado novo contrato de arrendamento, em Setembro de 2012, pelo prazo de um ano, passando a renda a ser de €700,00;
- serem os Réus os actuais proprietários do imóvel após o falecimento da anterior senhoria;
- não se encontrar o arrendado apto a nele serem exercidos os fins a que se destinava tendo a anterior senhoria estabelecido que as obras estruturais que a Autora fizesse para o efeito seriam ulteriormente compensadas (o preço final de aquisição do imóvel ou no pagamento de rendas);
- ter realizado no arrendado obras estruturais necessárias, no valor de € 60.000,00, de que nunca foi paga;
- ter a execução das obras implicado quer a impossibilidade de facturação da loja (ervanária) durante um ano, quer a diminuição da facturação após tal período (facturando apenas a ¼ das vendas do que poderia facturar) por ter ficado sem capital para investir no inventário.
- ter passado a ser exercida na loja, após a celebração do segundo contrato, a actividade de pomar;
- ter aparecido, em Dezembro de 2013, uma fissura no tecto do rés-do-chão, que ameaçava ruir (o que aconteceu efectivamente no ano de 2015) impondo, por razões de segurança, o fecho da loja;
- ter deixado de pagar as rendas face à recusa por parte dos actuais senhorios em procederem à execução das obras necessárias para utilização do arrendado;
Alegando ter sofrido prejuízos a título de lucros cessantes (desde 01-09-2009 e até à propositura da ação no valor de € 216.000,00) e, pela privação do uso da habitação (no valor de €21.600,00), concluiu pela procedência da acção.

2. Contestaram os Réus invocando a celebração de uma transação com a Autora (no âmbito da acção de despejo que instauraram por falta de pagamento das rendas), após ter sido instaurada a presente acção, em que as partes acordaram a entrega do arrendado no dia 31-03-2016, com reconhecimento do não pagamento de rendas no valor de €18.600,00, montante prescindido pelos senhorios, excepto se no âmbito da presente acção surgisse alguma condenação, caso em que seria operada a compensação de créditos.
Defendendo-se ainda por impugnação, concluíram pela improcedência da acção, pedindo a condenação da Autora como litigante de má-fé por ter alterado a verdade dos factos e omitido factualidade relevante.

3. Realizada audiência prévia, proferido saneador, identificado o objeto do litígio e fixados os temas da prova foi realizado julgamento tendo sido proferida sentença (de 25-07-2019) que julgou a acção totalmente improcedente e os Réus absolvidos de todos os pedidos, com condenação da Autora como litigante de má-fé, no pagamento de 2 UC’s de multa e uma indemnização aos Réus a fixar em momento posterior, nos termos do disposto no artigo 543.º, nº 3, do Código de Processo Civil (CPC).

4. Interposta apelação onde a Autora impugnou a factualidade decidida pela 1ª instância, o tribunal da Relação …. proferiu acórdão (28-04-2020) dando procedência parcial ao recurso sobre a matéria de facto, decidindo nos seguintes termos: “Em consequência, revoga-se parcialmente a sentença, condenando-se os RR a pagarem à A. uma indemnização no valor de 5.249,00 euros (cinco mil, duzentos e quarenta e nove euros), acrescida dos juros moratórios peticionados, mantendo-se o demais decidido, com exceção da condenação da A como litigante de má-fé.”.

5. Novamente inconformada com tal decisão, a Autora interpôs recurso de revista normal do acórdão por entender que o mesmo padece de erro de julgamento “quanto a indemnizações à A. a título dos trabalhos realizados a suas expensas no imóvel sub iudice, a título de lucros cessantes por privação do rendimento do estabelecimento e a título de privação de um uso condigno do 1º andar para habitação”, concluindo (transcrição):
I) - Há processos que fazem jus ao verso «O caminho faz-se caminhando», «se hace camino al andar», do poeta castelhano Antonio Machado. É o caso, já que desde a Audiência Prévia que a 1ª Instância projectara indeferir liminarmente a acção e foi necessário reclamar em acta para que o Tribunal revisse essa sua projectada decisão e ordenasse o prosseguimento dos autos.
II) - Chegado a julgamento, a A. viu-se a braços com uma injusta decisão em 1ª Instância com base em erros de julgamento de facto e de Direito que o Venerando Tribunal da Relação reparou em parte, ficando a faltar, todavia, uma parte do caminho que a A. entende ter que caminhar destarte junto de Vªs Exas., buscando neste Venerando STJ a Justiça que, com o devido respeito, lhe foi negada desde o início.
III) - Honra se faz, não obstante, à reanálise feita pela Relação …. quanto à decisão proferida sobre os pontos da matéria de facto que foram impugnados pela A. Recorrente, subsistindo, todavia, erro de julgamento que se almeja seja reparado agora nesta sede: Erro de Julgamento quanto a indemnizações à A. a título dos trabalhos realizados a suas expensas no imóvel sub iudice, a título de lucros cessantes por privação do rendimento do estabelecimento e a título de privação de um uso condigno do 1º andar para habitação.
IV) - Principiando pela RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS TRABALHOS REALIZADOS A EXPENSAS DA A., não podemos concordar com o decidido na Alegação 8) porquanto a matéria de facto provada segrega claramente o que foram, por um lado, as obras previstas como necessárias ao fim comercial e habitacional a que se destinava o locado aquando da celebração do contrato, e, por outro lado, o que foram as obras inesperadas – Factos Provados 10 a 12.
V) - Segundo a conclusão a que chega o Acórdão a quo, era expectável à A. a realização de todas aquelas obras que acabou por realizar, conclusão que, com o devido respeito, não tem qualquer conexão com as regras da experiência comum e muito menos com aquela que será a vontade das partes possível de retirar do contrato de arrendamento; o Acórdão não curou sequer de interpretar autonomamente essa cláusula quanto à parte comercial e à parte habitacional.
VI) - Então quando celebrou o arrendamento era expectável à A. que parte do tecto do rés-do-chão caísse quando começou a fazer obras de adaptação ao fim comercial a que se destinava o rés-do-chão do imóvel?
VII) - E com a água e luz cortadas, que as regras da experiência dizem que só tendo um contrato de arrendamento é que são passíveis de serem reactivadas através de mudança do contador para o novo titular, era possível à A. esperar – pior, não ser obrigação da senhoria sanar – canalizações e ligação da electricidade danificadas e impossíveis de utilização sem correr riscos (cfr. Factos Provados 10 a 12 )?
VIII) - O que o Acórdão recorrido exige da A. é exigível a um inquilino? Não nos parece, de todo!
IX) - Não obstante a má fé dos RR. em negarem a realização de obras no locado e sua necessidade, os factos provados n.ºs 10 a 14 e 20 a 23 e 26 (facto alterado) do Acórdão demonstram toda a má fé e falta de razão dos RR., na medida em que, quer a sua necessidade, quer a sua efectiva realização, foram dadas como provadas, após prova pericial unânime, pese embora em valor parco– €19.005,00 – mas que foi a prova possível, face ao decorrer do tempo, ao facto de grande parte dos trabalhos não ter sido facturado pelo empreiteiro EE (testemunha arrolada pelos RR., veja-se!) à A. e a outra parte dos trabalhos ter sido efectuado pelo próprio Pai da A..
X) - Diz-se “prova possível” pois, conforme aliás atestou a testemunha Sr. Arquitecto FF, e consta da Sentença, o valor das obras foi de cerca de 60.000€: “A testemunha FF (arquitecto que fez o projecto da obra) referiu que realizacao de obras necessarias e projectadas para o locado orçaria em cerca de € 60.000,00. (cfr. fls. 12 da Sentença da 1ª Instância)
XI) - Bem observa, todavia, o Tribunal de 1ª Instância quando se refere à luz e à àgua desactivadas, neste sentido: a A. diz que, quando se foi activar a água e a luz, surgiram os problemas, designadamente, o curto-circuito e o risco de inundação.
XII) - Como é óbvio, tratamos aqui de problemas que antes do contrato de arredamento estar em vigor, e a A. tomar posse do imóvel, não se poderiam conhecer, pois sem a eletricidade ser activada, não há como desvelar os curto-circuitos, e sem se activar o sistema das águas, não se sabe que não funciona ou que o saneamento era deficiente ou inexistente.
XIII) - Portanto, destarte, se o senhorio revelou em julgamento que a luz e a água estavam desligadas, fica adquirido um pressuposto de toda a alegação da A., que se coaduna perfeitamente com os depoimentos das testemunhas da A., quando tais depoentes nada disseram senão a verdade, verdade que tão-pouco entra em colisão com o que diz o senhorio: foi quando se ligaram/reactivaram os sistemas de electricidade e água que se descobriram os problemas já vastamente alegados.
XIV) - Portanto, se não é irrelevante a informação de que estavam desligados água e luz, é apenas para confirmar que a A. não poderia imaginar os problemas que decorriam daquele imóvel no momento em que decidiu arrendá-lo, tal como vem alegado na P.I..
XV) - Neste quid, as Instâncias a quo julgaram improcedente o direito de indemnização da A. pelas obras realizadas, o que fez completamente ao arrepio da Lei e da Jurisprudência.
XVI) - É patente que, neste arrendamento misto de habitacional e de comercial, as obras em causa e devidamente peritadas judicialmente, quer quanto à sua efectiva realização, quer quanto ao seu valor, que aqui não se questionarão, não constituem obras a cargo da A., nem quanto ao andar de cima do locado, arrendado para habitação, nem sequer na parte de baixo, arrendado para comércio.
XVII) - E se para o arrendamento habitacional este silogismo é indubitável, igualmente o será para o arrendamento comercial deste contrato de arrendamento misto em causa nestes autos, porquanto não constituem obras de conservação exigidas pela actividade desenvolvida por um inquilino no imóvel arrendado, mas sim obras estruturais que não eram expectáveis aquando da celebração do contrato e que foram imprescindíveis para reconstruir o imóvel na parte em que colapsou bem como prevenir a sua deterioração e a perda da sua utilidade para o fim a que se destinava.
XVIII) - Aliás, tanto as obras efectuadas não eram expectáveis que o próprio R. BB, em depoimento de parte, a instâncias da Mma Juiz da 1ª Instância, afirma que:
Mma Juiz: 17:24 - E quanto à loja? (…) - Aquilo já tinha sido um comércio.
J: E precisava obras de adaptação?
- as obras de adaptação era as paredes que, se calhar, estava-lhe a cair um bocadinho de cal, portanto, rebocar as paredes e pronto, era isso.
XIX) - Como pode a Veneranda Relação … ter interpretado tal cláusula contratual de forma tão exigente ao inquilino, a parte mais fraca num contrato de arrendamento, face a problemas estruturais do edifício que não eram sequer aparentes? Ilustrativo desta questão é o recente Acórdão da Relação do Porto de 11-09-2018 (processo n.º 8977/16.8T8PRT.P1, in www.dgsi.pt), cujo sumário nos ensina que “IV – Não constituem obras de conservação exigidas pela actividade desenvolvida por um inquilino no imóvel arrendado, como previsto no contrato, aquelas que correspondem à reposição de chapas de cobertura no telhado, caleiras e tubos de queda, para evitar a infiltração de água no local, bem como a reparação das paredes afectadas por infiltrações anteriores. Tais obras constituem benfeitorias necessárias e a responsabilidade pela sua realização, num arrendamento para fins não habitacionais, cabe ao senhorio, se nada for, quanto a elas, disposto em sentido diferente.”, aresto que, na sua fundamentação, melhor esclarece os contornos daquele processo, que em tudo se assemelha ao nosso, conforme transcrito na Alegação 35) que se dá por reproduzida.
XX) - Veja-se nesse aresto que a tal conclusão da Veneranda Relação do Porto e da 1ª Instância que lhe antecedeu, não se opôs a redacção do contrato de arrendamento que, nessa parte, dispunha o que se transcreveu na Alegação 36) e que se dá por reproduzido, mormente
“QUARTO: a primeira outorgante, autoriza a representada do segundo outorgante a realizar as obras necessárias
OITAVO: Todas as obras de conservação que o locado necessite, quer interiores, quer exteriores, serão da responsabilidade do locatário”
XXI) - E não obstante tal redacção do contrato de arrendamento que a obras concernia, concluiu magistralmente o mesmo aresto da seguinte forma:
“Tais cláusulas não são, pois, úteis para a definição da responsabilidade pelo pagamento dos custos das obras em questão, que se destinaram a evitar a destruição do locado e a sua inutilização para o fim do próprio contrato. (...) dada a natureza das obras em questão, as mesmas não são subsumíveis àquelas que, nos termos desta cláusula 8ª haveriam de ser suportadas pelo inquilino. (...) Consequentemente, tal como decidido na sentença recorrida, não derivando do contrato – à luz de qualquer das cláusulas analisadas - a obrigação da inquilina responder pelo pagamento do custo dessas mesmas obras, cabe à senhoria, isto é, à ora apelante, o respectivo pagamento, nos termos dos arts. 1074º, nºs 1 e 5 e 1111º do Código Civil. “
XXII) - Foi justamente isto que a A. pediu na sua acção, i.e., que não deriva do contrato a obrigação da inquilina responder pelo pagamento do custo das obras realizadas, que cabe aos senhorios RR., que delas beneficiaram em termos de aumento de valor da coisa.
XXIII) - Mas afinal quem é a parte mais forte num contrato de arrendamento? E afinal quem teria que exigir que ficasse escrita uma renúncia ao direito da A.? O senhorio! Tal como o signatário alegou oralmente em sede de Alegações Finais, se no segundo contrato de arrendamento constasse uma cláusula contendo uma renúncia abdicativa do direito da A., a Sentença da 1ª Instância teria razão! Mas tal manifestamente não consta!
XXIV) - Em primeiro lugar, o silêncio do segundo contrato de arrendamento não tem o valor declarativo que as Instâncias lhe parecem atribuir, em violação de tudo quanto dispõe o art. 218º CC.
XXV) - Em segundo lugar, a renúncia abdicativa um direito não só tem que ser expressa como também tem que ser objeto de acordo entre credor e devedor, nos termos do art° 863° do CC.
XXVI) - Onde, na cláusula do segundo contrato de arrendamento citada pela Sentença, se consegue ler um acto voluntário pelo qual a A. perdeu o direito de que é titular, enquanto acto abdicativo unilateral? Em parte alguma!
XXVII) - Mas mais: em terceiro lugar, só o próprio ou alguém devidamente apoderado poderá fazer uma renúncia abdicativa de um direito, não sendo neste quid irrelevante salientar que o segundo contrato de arrendamento não foi sequer outorgado por mão própria da A, mas sim pela sua mãe enquanto procuradora da filha, conforme resulta da própria P.I..
XXVIII) - Como dissemos, na Relação ….. o argumento já foi ligeiramente diferente, todavia, com o mesmo juízo a A. não se conforma pelos apontados motivos: não poderia a Veneranda Relação … ter interpretado tal cláusula contratual de forma tão exigente ao inquilino, a parte mais fraca num contrato de arrendamento, face a problemas estruturais do edifício que não eram sequer aparentes!
XXIX) Sobre a INDEMNIZAÇÃO À AUTORA PELO INDEVIDO GOZO DO LOCADO QUANTO À PARTE HABITACIONAL E PELO LUCRO CESSANTE QUANTO À PARTE COMERCIAL DO LOCADO, o Acórdão a quo inovou a Sentença da 1ª Instância neste quid, embora ainda de forma parcial, por um lado, e parca, por outro.
XXX) - Correctamente inovou o Acórdão a quo o que se transcreveu na Alegação 59) que se dá por reproduzida, contudo, não se olvide que, até ao momento de cessação do contrato de arrendamento, anos passaram desde que o tecto do primeiro andar do locado (zona de habitação) abriu uma fenda, tendo o senhorio a obrigação de promover as obras de conservação necessárias à não provação ou risco de segurança ou saúde, tal como as Instâncias bem o disseram.
XXXI) - O vício que aqui se aponta ao Acórdão da Relação …., que mesmo assim atenuou uma pequena parte da injustiça decorrente da Sentença da 1ª Instância, é ao erro no enquadramento da situação casuística, por isso aquilo a que se assiste é a um premiar o senhorio pela falta de condições em que manteve o locado por todos estes anos, sendo que a al. h) do art 1038.º não pode aqui excluir a sua responsabilidade.
XXXII) - S.m.o., não é exigido ao locatário nenhuma forma na comunicação para dar conhecimento ao locador do vício que conheceu. E todos os FACTOS PROVADOS N.º s 10 a 14 quanto aos defeitos e obras bem como todo o processo camarário junto sob Doc. n.º 4 da P.I. e provado sob os FACTOS PROVADOS N.ºs 20 a 23 provam que o senhorio soube das reclamações da A., que nada fez, que exerceu o contraditório através da sra. Arquitecta que o representou na visória camarária, que a CM…… ordenou as obras e que os RR. as não fizeram.
XXXIII)  - Por isso, conforme se alegou na P.I., os RR. colocaram em perigo a integridade física e a vida da aqui A., os RR., apesar de terem sido notificados pela Câmara Municipal do … para a realização de obras, não deram ainda início às mesmas, indiferentes aos seus deveres como senhorios, indiferentes ao direito à habitação e à iniciativa económica da A. e seu irmão e, ainda, indiferentes, como seres humanos, à integridade física da A. e demais pessoas (clientes, fornecedores, etc) que pelo locado passam.
XXXIV) - Do ponto de vista legislativo, a b) do art. 1031º do Código Civil prevê que são obrigações do locador perante o locatário “Assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina.”, o que no caso em apreço não se verificou.
XXXV) - A plena fruição do imóvel esteve ab initio impossibilitada, só tendo sido reposta após as obras feitas pela A. e seu irmão, mas, desde, pelo menos, Janeiro de 2014, voltou a ficar coarctada à A., motivo pelo qual entendeu e comunicou proceder ao não pagamento do valor das rendas. Mas muitas tinha ela já pago!
XXXVI) - O imóvel não possuía quaisquer condições, correndo-se, em grande medida, risco de vida, pois, tal como já ruira grande parte do tecto do primeiro andar, poderia o mesmo suceder a qualquer momento quanto à totalidade do tecto do locado.
XXXVII) - Acresce que o ambiente do arrendado era tudo menos saudável, sendo suposto que a A. habitasse o 1º andar e pudesse explorar um negócio no rés-do-chão em perfeitas condições.
XXXVIII) - A tudo isto há a crescer os prejuízos da A. em termos de danos emergentes e lucros cessantes decorrentes de a A. e seu irmão terem investido num locado com vista a explorar um estabelecimento comercial que, decorrência dos defeitos de que padecia, não lhes permitiu abrir ao público quando estava projectado,
XXXIX) - estabelecimento esse que, após as obras e reposição da aptidão do locado a tal finalidade (habitacional e económica), permitiu à A. e seu irmão obter parcialmente o lucro pretendido pese embora já com um grave atraso temporal face ao projectado,
XL) - rentabilidade que, após os problemas estruturais do imóvel se terem manifestado de novo, destarte já no âmbito do 2º contrato de arrendamento, implicaram o encerramento do estabelecimento e, por isso, os danos emergentes e lucros cessantes que se peticionaram.
XLI)        QUANTO AO LUCRO CESSANTE, salutarmente o Acórdão recorrido atenuou alguma da injustiça da decisão a 1ª Instância e reconheceu o direito à indemnização pelos lucros cessante, conforme transcrito na Alegação 77) que se dá por reproduzida.
XLII) - No entanto, a A. não se conforma com o hiato temporal durante o qual o Acórdão entende existir o direito à indemnização no valor mensal de 456,51€, já que “11 meses e meio” é manifestamente insuficiente.
XLIII) - Note-se que a Relação …. inclusivamente alterou a matéria de facto e decidiu que o contrato se manteve até a data de 31 de Marco de 2016, consequentemente, não se compreende como poderia a Relação …., por outro lado, decidir que “Se se provou que a fissura começou em 2013 (facto supra 18), o certo e que os RR só tiveram conhecimento da situação em Marco de 2015, aquando da realização da vistoria camararia, onde se fizeram representar por uma senhora arquiteta. Posto isto, apenas poderão ser contabilizados os danos ocorridos entre tais datas.”, para poder concluir que o direito de indemnização da A. por lucros cessantes é referente a um hiato temporal de “11 meses e meio”, até porque, se em 2015 os RR. nada fizeram para eliminar esses defeitos do imóvel mesmo com uma vistoria da Câmara do …. contra eles, obviamente que não o fizeram nem nunca fariam em 2014 e 2013!
XLIV) - Decidir assim é concluir que o imóvel esteve sempre em condições até ser vistoriado pela Câmara Municipal .… Mas e então e os Factos Provados n.ºs 10 a 15? Ainda que as obras não tivessem que ser custeadas pelo senhorio (o que não se concede), sempre a necessidade das mesmas advém da inidoneidade do imóvel, ao que acrescem ainda os Factos Provados n.ºs 17, 17-A e 18.
XLV) - Termos em que, o Acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outra Decisão que condene os RR. a pagar uma indemnização a título de lucros cessantes pelos prejuízos da A. desde 01-09-2009 até à cessação do arrendamento em 31/03/2016 (data acordada pelas partes na ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO de 15/12/2015 no âmbito da acção especial de despejo n.º 1458/15….. da Secção Cível, J….., da Instância Local ….., a fls. 272 dos presentes autos), no valor €36.064,29 (79 meses x €456,51), a título de privação do rendimento do estabelecimento.
XLVI) - Passando à PRIVAÇÃO DO USO DA PARTE HABITACIONAL, neste quid o Acórdão da Relação … manteve a injustiça da absolvição dos RR. que vinha da 1ª Instância mas com outro argumento, transcrito na Alegação 88).
XLVII) - A A. tem todavia direito à reparação do dano decorrente da privação de um uso condigno do 1º andar para habitação, na medida em que a falta de condições do imóvel igualmente afectou a utilização projectada para essa parte habitacional do locado.
XLVIII)   - Os RR. e sua falecida mãe tinham a obrigação de ter resolvido por mote próprio os problemas do imóvel, que naturalmente geraram problemas atormentadores da saúde física e psíquica da A. – porém, por sua iniciativa, nunca o fizeram.
XLIX) - Mesmo durante a execução dos trabalhos custeados pela A., o ambiente de vivência naquele1º andar era indubitavelmente um ambiente insalubre e prejudicial à sua saúde física e psíquica.
L) - Dano que, em termos de proporcionalidade entre a ocupação que a A. logrou fazer, as parcas condições em que o fez e mesmo a inexistência de de “11 meses e meio”, até porque, se em 2015 os RR. nada fizeram para eliminar esses defeitos do imóvel mesmo com uma vistoria da Câmara do … contra eles, obviamente que não o fizeram nem nunca fariam em 2014 e 2013!
LI) Com efeito, conforme salienta LUÍS MENEZES LEITÃO, o “principal direito do arrendatário é o direito de gozo do imóvel arrendado”10, “Constituindo, conforme se referiu, esse direito pessoal de gozo, estrutura-se com base numa obrigação do senhorio”11.
LII) - Assim, e na esteira de PEDRO ROMANO MARTINEZ, “como o locador tem de proporcionar ao locatário o gozo da coisa, na medida em que o contrato se prolonga no tempo, sob aquele impende a obrigação de fazer as obras e reparações, bem como suportar as despesas que se considerem necessárias para assegurar o gozo da coisa”.
LIII) - As obras necessárias à conservação e fruição do arrendado são da competência da Senhoria, aqui habilitada pelos seus sucessores RR., conforme o referido pelo Supremo Tribunal de Justiça no aresto citado na Alegação 104).
LIV) - O Acórdão recorrido cita o acórdão do STJ de 16.3.2011, quando este diz que “Porém, podem configurar-se situações da vida real em que o titular da coisa não tenha interesse algum em usá-la”; perguntamos: é essa a conclusão que se pode retirar destes autos? Com o grau de investimento em obras feitas no locado pela A.? Obviamente que não!
LV) - Com o devido respeito, melhores e mais recentes ensinamentos colhemos no Acórdão do STJ de 24/10/2019 (Proc. 246/15.7T8PVZ.P1.S1), em cuja fundamentação lemos o que se transcreveu na Alegação 120) que se dá por reproduzida, mormente:
(...)72. Em conformidade com qualquer uma das duas teses, o lesado terá direito a indemnização desde que alegue e que prove que “a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real — concreto e efectivo — de proceder à sua utilização” [26]. O dano, “traduzido na privação do uso de um bem, estará demonstrado desde que o lesado concretize e fundamente, em termos factuais, qual a concreta utilidade que pretendia extrair do bem, especificando o concreto dano sofrido com a impossibilidade [de utilização]” [27].”
LVI) - Convincente também é o Ac. TRGuimarães de 06-11-2012 (Processo 326/08.5TBPVL.G1, in www.dgsi.pt), transcrito na Alegação 121) que se dá por reproduzida.
LVII) É absolutamente falacioso o Acórdão recorrido confirmar o direito do senhorio às rendas mas negar o correspondente contra-crédito decorrente da privação do uso condigno, invocando que “Daí que entendamos que não basta a simples privação, em si mesma sendo necessário ainda que se alegue e prove a frustração de um propósito de proceder a utilização da coisa, demonstrando o lesado que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela actuação ilícita de outrem, o lesante”; quão falacioso é dizer-se, como o disse o Acórdão recorrido, que “Repare-se que no caso em apreco, como dissemos, a A não alegou sequer se habitava o imóvel e se teve de sair daquela habitação.”
LVIII) - É que tal entendimento fará sentido no caso de a indemnização se fundar na frustração de uma expectativa de afectação do imóvel a outra finalidade que não aquela que decorra directamente do negócio; seria o caso de um imóvel próprio destinado a arrendamento que seria de colocar no mercado do arrendamento, ou de um outro bem próprio relativamente ao qual até poder-se-ia não ter a intenção e dar qualquer uso no período da privação do uso por terceiro. Portanto, bens decorrentes de negócio jurídico de compra em que a declaração e vontade se materializa uma só vez, no momento da compra.
LIX) - Agora, aplicar tal exigência de prova relativamente a uma afectação que decorre directamente do contrato que titulou a posse, como é o caso do direito a habitar por parte do arrendatário habitacional, direito de ocupar pelo qual o inquilino está a pagar e que renova essa intenção de utilização cada vez que paga mais uma renda?
LX) - Se não era para residir no 1º andar (e para exercer o seu labor no rés-do-chão), por que razão a A. celebrou sequer aqueles contratos de arrendamento e pagava mensalmente renda por eles?!
LXI) - E se - conjecturemos – o inquilino nunca lá residiu porque o imóvel não teve condições para ser ocupado com o fim a que se destinava - e, por isso, o inquilino nunca teve de lá sair porque nunca o chegou a ocupar, então não há dano do inquilino, inquilino que pagou as rendas?
LXII) - Tem que o ocupar e depois sair para ter dano? Ao contrário de um bem próprio que poderia nem ter intenção de usar no período da privação, um inquilino tem que provar que tinha intenções de lá residir quando esse é o principal efeito do contrato de arrendamento? Renova essa intenção de utilização cada vez que paga mais uma renda? Obviamente que não!
LXIII)  -Termos em que, o Acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outra decisão que condene os RR. a pagar uma indemnização a título de privação de um uso condigno pela A. do 1º andar para habitação, pela falta de condições do imóvel, dano que, em termos de proporcionalidade entre a ocupação que a A. logrou fazer, as parcas condições em que o fez e mesmo a inexistência de condições durante hiatos temporais consideráveis, se quantifica, desde 01-09-2009 até à cessação do arrendamento em 31/03/2016 (data acordada pelas partes na ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO de 15/12/2015 no âmbito da acção especial de despejo n.º 1458/15….. da Secção Cível, J…., da Instância Local do …., a fls. 272 dos presentes autos), no valor €39.500 (79 meses x €500).
LXIV) Em Suma, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, revogando o Acórdão recorrido e substituindo-o por outra decisão que condene os RR. a pagar os trabalhos realizados a expensas da A. no imóvel sub iudice (€19.005,00) e as indemnizações peticionadas a título de lucros cessantes por privação do rendimento do estabelecimento (€36.064,29) e por privação de um uso condigno do 1º andar para habitação (€39.500,00),
LXV) sendo manifestamente insuficiente e de efeito nulo a indemnização atribuída pelo Acórdão recorrido de €5.249,00 euros, não se traduzindo em qualquer valor a receber pela A. uma vez que, representada por outro Patrono no processo especial de despejo e cobrança de rendas que correu termos contra ela movido pelos aqui RR. com o n.º 1458/15…… da Secção Cível, J…, da Instância Local do ….,
LXVI) com receio de prejudicar-se e à sua mãe a A. (enquanto fiadora), na ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO de 15/12/2015 foi celebrada a TRANSACÇÃO transcrita na Alegação 135) que se dá por reproduzida.
LXVII)    Portanto, a A. acabou por aceitar terminar o arrendamento no final de Março de 2016 e entregar o locado já na pendência dos presentes autos com o perdão de €18.600,00 das rendas supostamente em atraso mas sem prejuízo desse valor de rendas ser repristinado caso os aqui RR. fossem condenados nos presentes autos, tudo aliás, conforme ACTA de julgamento junta aos autos pelos RR. a fls. 272 dos presentes autos, pelo que a A. ter direito ao valor de €19.005,00 das obras e ainda a uma indemnização por danos é o mínimo a eliminar alguma da injustiça que este caso encerra e a punir a conduta ilícita dos RR, que sairá absolutamente impune a manter-se o decidido.”.

6. Em contra-alegações os Réus pugnaram pela inadmissibilidade da revista por existência de dupla conformidade decisória e, a assim não se entender, pela improcedência do recurso.

7. Por ter sido considerado que no caso se poderia configura uma situação de dupla conformidade decisória impeditiva da admissibilidade do recurso de revista normal interposto pela Recorrente, foram as partes notificadas nos termos do artigo 655.º, n.º 2, do CPC, para se pronunciarem.

8. A Autora veio reiterar a admissibilidade da revista defendendo não ocorrer dupla conforme, argumentando que no caso não se considera preenchido o requisito da confirmação da sentença pelo acórdão do tribunal da Relação porque esta segunda decisão “não está em conformidade com a primeira, nem em termos de julgamento da matéria de facto, nem em termos de julgamento de Direito e por o seu teor lhe ser parcialmente oposto. Defende para o efeito e fundamentalmente que:
- existe um segmento ou parcela inovatória com a alteração de uma absolvição do pedido para uma condenação;
- foi alterada a matéria de facto provada relevante para a decisão e, nessa medida, em função da mudança de fundamentos, ocorre uma nova decisão;
Considera que em função do desvio da fundamentação foram levantadas outras questões das quais a Recorrente só agora pode recorrer pela primeira vez por ainda não terem sido apreciadas porquanto emergiram apenas do acórdão da Relação proferido no âmbito do recurso de apelação. Concluiu, assim, que se mostrará inconstitucional a interpretação do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, no sentido de não admissão do recurso de revista do acórdão proferido pela Relação que decida de modo diverso da 1ª instância, assentando essa decisão numa modificação da matéria de facto e consequente diversa motivação jurídica, ainda que mais favorável ao recorrente.

II – Apreciando

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - CPC), impõe-se conhecer as seguintes questões:
Ø  Da admissibilidade da revista (questão prévia)
Ø Da responsabilidade dos Réus pelo pagamento das quantias peticionadas

1. Os factos

1.1 provados

1. Em 28 de Julho de 2009, a Autora celebrou com GG um contrato de arrendamento do prédio urbano sito na Rua …., da União das freguesias …, …. e ……, concelho …., inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artigo …….

2.Tal prédio era, à data de celebração desse arrendamento, propriedade da senhoria GG.

3. Decorrência do óbito da senhoria, o prédio é hoje propriedade da herança aberta de GG, de que são únicos herdeiros os aqui Réus, desempenhando o 1º Réu as funções de cabeça de casal.

4.O prédio é composto por rés-do-chão e 1.º andar, destinando-se o rés-do chão a comércio e o andar à habitação permanente da Autora.

5. O antedito contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 3 anos, com início em 01 de Agosto de 2009.

6. A renda prevista foi no valor anual de 6.000,00 € (seis mil euros), a ser paga em duodécimos mensais de 500,00 € (quinhentos euros).

7. Ficou como fiadora desse contrato a mãe da Autora, HH.

8. Em 27 de Setembro de 2012, foi acordado que o arrendamento passaria a ser pelo prazo de um ano, com renda anual de €8.400,00, a liquidar em duodécimos de €700,00

9. A actividade comercial a explorar seria a de ervanária e frescos, em sociedade irregular/de facto com o seu irmão II, a sediar no rés-do-chão do prédio sub iudice.

10. A Autora iniciou, no ano de 2009, obras de adaptação do rés-do-chão, que passariam apenas pela realização de uma pintura, deparando-se então com a necessidade de estucar as paredes todas, já que aquando da realização da pintura as mesmas começaram a descascar.

11 No seguimento da realização dessas obras parte do tecto do rés-do-chão caiu.

12. As canalizações e ligação da electricidade no locado encontravam-se danificadas e era impossível a sua utilização sem correr riscos.

13. A Autora contratou então um arquitecto que procedesse à vistoria e planificação das obras necessárias.
14. Foram as seguintes as obras realizadas pela Autora no prédio sub iudice:
a) Trabalhos de Pichelaria no valor de € 1.000,00;
b) Trabalho de Arquitectura no valor de € 1.000,00;
c) Mão-de-obra no valor de € 2.100,00;
d) Foi necessário efectuar-se 3 portas madeira (casa de banho/gabinete), no valor de € 200,00;
e) Foi necessário colocar um Tecto de madeira no valor de € 1.000,00;
f) Trabalhos de Electricista no valor de € 1.700,00;
g) A Canalização para ligar contador de água foi no valor de € 140,00;
h) Foi necessário efectuar 2 portas e 2 janelas (madeira/vidros), no valor de € 400,00 (c/mão de obra);
i) Foi necessário efectuar uma Pintura de 3 camadas ao imóvel, no valor de € 6.000,00;
j) No 1º Piso, foi necessário reparar o telhado, bem assim proceder ao arranjo de vigas, colocação de telhas sanduiche, colocação de vigas, colocação de rufos, pintar portas, janelas e paredes interiores, canalização de cozinha, arranjar tecto cozinha, emassar tecto cozinha, trocar a torneira da banheira e bidé, colocar um tecto pladur no quarto pequeno (na sequência da derrocada), colocar um chão em 2 quartos de trabalho, no valor de € 1.200,00;
l) No Corredor, foi necessário refazer a Casa de banho (tendo sido feita completamente em azulejo), colocar 3 tectos pladur, deitar abaixo o resto da parede que caiu, fazer 2 paredes, retirar o entulho da obra, fazer piso em cimento e proceder ao seu alinhamento, picar paredes de pedra, colocar ventilador na casa de banho no valor de € 2.400,00;
m) Ao nível do Anexo e Exterior do prédio, foi necessário fazer obras na casa de banho (tendo ficado completamente em azulejo), fazer um Tecto falso em pladur, tratar do Saneamento, proceder à colocação de telhas no anexo, colocação de vigas no tecto do anexo, fazer chão em cimento no pátio exterior, tapar fissuras das paredes da casa, colocar Capoto em 3 camadas, no valor de € 600,00;
n) Ao nível do Jardim, a Autora realizou trabalhos de tirar caminhos de cimento e pedras, tirar estendais de pedra e arame, limpar e retirar entulho, de colocação de relvado, e colocação de flores e árvores fruto, no valor de € 760,00;

o) Foi colocada uma cozinha em madeira, um cilindro bem como uma torneira nova de cozinha e banca, de valores não concretamente apurados (facto aditado pela Relação).

15. Os trabalhos de trolha foram começados pela sociedade “EE – Reabilitações e Pinturas, Unipessoal, Lda.”, NIPC …., empresa com sede na Rua ….., empresa que era do conhecimento da Senhoria.

15-A – A Autora adquiriu os materiais de construção para a obra, com os seguintes valores parcelares: Data-Valor: 02/08/2009 € 27,25; 05/08/2009 € 104,45;06/08/2009 € 36,00; 09/08/2009 € 109,35; 13/08/2009 € 54,95; 15/08/2009 € 43,60; 17/08/2009 € 94,80; 17/08/2009 € 45,00; 17/08/2009 € 69,95; 18/08/2009 € 55,00; 18/08/2009 € 25,50; 19/08/2009 € 6,10; 12/09/2009 € 57,10; 23/09/2009 € 38,44; 05/12/2009 € 206,99; 05/12/2009 € 38,65; 07/12/2009 € 32,75; 07/12/2009 € 22,95; 21/12/2009 € 15,65; 31/01/2010 € 28,38; 01/02/2010 € 46,85; 07/02/2010 € 54,65; 09/02/2010 € 17,90; 10/02/2010 € 41,05; 04/03/2010 € 66,75; 04/03/2010 € 15,95; 07/03/2010 € 10,05; 02/04/2010 € 66,80; 07/04/2010 € 39,30 Total € 1 472,16; (facto aditado pela Relação).

16. O Pai da Autora era colaborador dessa empresa.

17. Durante as supramencionadas obras, que decorreram desde meados de 2009 e 2010, a facturação da loja foi inexistente.

17-A. Com os trabalhos em curso, a funcionalidade da loja ao público ficou prejudicada.

18. Em 2013, começou a abrir-se uma fissura no tecto da sala do primeiro andar do local arrendado.

19. A fissura foi aumentando de tamanho, ameaçando ruir o tecto.

20. A. Autora solicitou à Câmara Municipal …. vistoria ao prédio, tendo a mesma sido realizada em 10 de Março de 2015.

21.No decurso da referida vistoria foi elaborado Auto onde consta que o prédio “…oferece risco para a segurança de pessoas, pelo seguinte: Na sala, o revestimento do teto encontra-se fissurado e em risco de queda. Oferece risco para a saúde de pessoas pelo seguinte: Existência de focos de insalubridades em paredes e tetos da habitação originados por infiltrações de águas pluviais”,

22. Em Janeiro de 2014 a Autora deixou de proceder ao pagamento das rendas.

23. Os Réus, apesar de terem sido notificados pela Câmara Municipal … para a realização de obras, não deram ainda início às mesmas.

24. A Autora recepcionou a notificação a judicial avulsa de 18-03-2015 em que lhe foi comunicada a resolução do contrato de arrendamento.

25. A Autora formalizou a sua posição de compensação do valor devido a título de rendas com igual montante que despendeu na realização das obras urgentes no locado através das cartas registadas com aviso de receção datadas de 30-03-2015.

26. Em data não concretamente apurada, mas posterior à vistoria camarária realizada em Março de 2015, o tecto da sala, que ameaçava ruir, acabou efetivamente por ruir - (facto aditado pela Relação).

27-A loja, no ano de 2010, permitiu à Autora e seu irmão obter uma rentabilidade mensal no valor de € 456,51 euros, depois de deduzidos às vendas os custos operacionais (incluindo renda) - (facto aditado pela Relação).

28. Na acção de Despejo com o nº 1458/15….., que correu termos na Instância Local Cível  … – J…., em que são Autores os aqui Réus e Ré a aqui Autora, foi proferida sentença que homologou a transação reproduzida na acta de 15-12-2015, mediante a qual as partes acordaram entre outras coisas em “fixar a data de entrega do imóvel, livre de pessoas e bens no dia 31 de Março de 2016” e os AA declararam ainda “prescindir do valor das rendas, vencidas e vincendas até à referida data que se fixam já pelo valor de €18.600,00” - (facto aditado pela Relação).
1.2 Não provados
1. A mãe dos Réus, senhoria à data da outorga do primeiro contrato e vigência do mesmo, amiga pessoal da mãe da aqui Autora, sempre informou a Autora que as obras que esta realizasse no arrendado para o dotar de condições para os fins a que se destinava, obras estruturais que, por isso, não fossem de mera adaptação, seriam sempre oportunamente compensadas, nomeadamente tidas em conta aquando da realização da aquisição do bem imóvel pela Autora, ou, caso não se efectivasse a compra pela Autora, seria o referido valor compensado no pagamento das rendas e pagamento do remanescente a final, através de avaliação que conjuntamente fariam.
2. A Autora deu conhecimento de tais factos à senhoria e bem assim da necessidade de efectuar uma vistoria ao imóvel para a realização das obras que se afigurassem necessárias à salvaguarda da estrutura do mesmo e a que cumprisse o fim a que se destinava, i.e., o de comércio no rés-do-chão e de habitação da A. no 1º andar.
3. A Autora aquando de tais alertas, inclusivamente já havia efectuado encomendas de material para o negócio.
4. A Autora apresentou a planificação das obras necessárias, as quais apresentou à senhoria.
5. Esta reconheceu as más condições do arrendado, tendo acordado com a Autora que o valor das obras seria tido em conta aquando da realização da aquisição do bem imóvel pela Autora, ou, caso não se efectivasse a compra pela Autora, seria o referido valor compensado no pagamento das rendas e pagamento do remanescente a final, através de avaliação que conjuntamente fariam, atendendo a que os trabalhos em causa não se tratavam de mera adaptação mas sim de obras estruturais a cargo dela (senhoria), mas informou não dispor de dinheiro para as executar com a urgência com que as mesmas se impunham.
6. (eliminado pela Relação)
7. No Rés-do-chão (Loja), foi necessário emassar paredes, lixar paredes, tapar fissuras, colocar uma porta de entrada em madeira e vidro, retirar o entulho da obra, colocar chão em madeira, proceder à instalação eléctrica completa, pintar paredes, instalar a canalização completa, efectuar 3 portas de madeira de correr feitas em madeira.
8 Por divergências com tal empresa, os trabalhos de trolha e outros não especializados acabaram por ser realizados em parte e concluídos pelo pai da Autora, o qual acompanhava aquela obra desde início e foi desde sempre fazendo trabalhos no prédio mesmo durante, por isso, a execução da “EE – Reabilitações e Pinturas, Unipessoal, Lda.”, primeiro como colaborador desta e posteriormente por si só.
9. (eliminado pela Relação)
10. Apesar de novo contrato de arrendamento haver sido outorgado pela Exma. Senhora D. GG, na qualidade de Senhoria, o certo é que foi o Réu BB quem impôs as condições constantes do mesmo.
11. Face ao elevado investimento que a Autora e seu irmão haviam já efetuado no arrendado para o habilitar aos fins a que se destinava, à Autora não restou alternativa que não fosse a outorga do segundo contrato de arrendamento junto aos autos, atendendo à caducidade do primeiro.
12. A Autora comunicou a existência de uma fissura no tecto da sala do primeiro andar do local arrendado ao réu BB.
13. Tendo este respondido que iria resolver a questão.
14. (eliminado pela Relação).
15. (eliminado pela Relação).
16. Por tal motivo, e porque a Autora temia pela integridade física e pela vida, não só as suas mas também dos seus clientes, viu-se obrigada a encerrar o estabelecimento comercial que entretanto abriu em sociedade irregular com o seu irmão e que explorava no rés-do-chão do arrendado, vendo assim cessar o seu único rendimento mensal.
17. Que a queda do tecto tenha colocado em grave risco a ruína do tecto das restantes divisões da habitação e, consequentemente, de todo o prédio (facto alterado pela Relação).
18. A projecção realística da loja era, em termos económicos, de obter uma rentabilidade mensal de, pelo menos €3.000,00, valor esse líquido a receber pela Autora e seu irmão, depois de deduzidos às vendas os custos operacionais (incluindo renda) – (alterada a redacção pela Relação).
19. O estado do imóvel era já do conhecimento da autora e da sua mãe.
20. A mãe da Autora já tinha solicitado em 2007 acesso ao mesmo para aí guardar produtos do salão de cabeleireiro que explorava;
21. Em função da necessidade de realizar algumas obras de adaptação e adequação a senhoria aceitou descer a renda inicialmente proposta, no valor de 1.000 euros mensais para 500 euros mensais durante os três primeiros anos do contrato.

2. O direito

1 - Questão prévia: admissibilidade da revista
Suscitaram os Recorridos em sede de contra-alegações a questão da inadmissibilidade da revista por ocorrer dupla conformidade decisória.
No seguimento desse entendimento foram as partes notificadas para se pronunciarem quanto à questão nos termos do artigo 655.º do CPC.
Conforme assinalado no relatório supra, a Autora considera que não ocorre dupla conformidade de decisões fazendo realçar que a decisão do tribunal da Relação tem subjacente a alteração da matéria de facto, determinando com isso a colocação de questões que não foram, por isso, suscitadas e apreciadas, impondo o seu conhecimento pelo STJ.
Nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pela 1ª instância.
Enquanto causa impeditiva da revista normal a dupla conforme é aferida, em princípio, em função da decisão final. Todavia, em processos cujo objecto é integrado por pluralidade de pedidos, ocorrendo várias pretensões não incindíveis, o requisito da dupla conformidade carece de ser apreciado em relação a cada uma das pretensões dotadas de autonomia; nessa medida, a admissibilidade da revista pode encontrar-se vedada relativamente às pretensões que foram objecto de decisões estritamente coincidentes nas instâncias, sem prejuízo da admissibilidade quanto à matéria do(s) pedido(s) que não mereceram decisão consentânea em termos de caracterização de dupla conformidade.
Por conseguinte, nesses casos, a dupla conformidade decisória terá de ser analisada, separadamente, em relação a cada um dos segmentos decisórios[1] .
No que toca à caracterização do conceito de dupla conforme, embora não se mostre entendimento pacífico, partilhamos do posicionamento maioritário da jurisprudência deste tribunal que considera que é de assimilar à dupla conforme obstativa da revista normal a situação em que a Relação, sem voto de vencido e com fundamentação de direito essencialmente convergente, é mais favorável à recorrente que a sentença apelada, embora fique aquém da satisfação total da pretensão formulada[2].
Relativamente ao conceito de fundamentação essencialmente diversa enquanto elemento descaracterizador da dupla conforme, na sequência do que tem vindo a ser o entendimento deste tribunal, a diversidade essencial na fundamentação tem de ser encontrada “na estruturação lógica argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias” e não se basta com qualquer alteração ou desvio adicional ou lateral da fundamentação jurídica acolhida no acórdão recorrido, impondo que “se trate de uma alteração ou modificação qualificada da base jurídica da decisão, resultante do apelo a um diferente enquadramento normativo do pleito: não cabem, pois, seguramente no referido conceito de fundamentação essencialmente diferente os casos em que – movendo-se inquestionavelmente a Relação, no que respeita à efectiva ratio decidendi do acórdão proferido, no campo dos mesmos institutos ou figuras jurídicas – se limita a aditar um mero reforço argumentativo no que toca à solução jurídica do pleito que alcançou . Assim, Não relevam, para este efeito, dissensões secundárias, a não aceitação de um dos caminhos percorridos, ou o mero aditamento de fundamentos que não representem efectivamente um percurso jurídico diverso.[3]
Por outro lado, constitui também posicionamento consolidado neste tribunal aquele que considera que a alteração factual operada pelo tribunal da Relação sem reflexo na matéria de direito não releva para efeitos de aferição da conformidade ou da desconformidade decisória.
Assim sendo, importa apreciar da ocorrência de dupla conformidade decisória no caso sob apreciação.

1.1 Através da presente acção a Autora formulou, além do mais e para o que aqui assume cabimento, os seguintes pedidos:
a) Serem os RR. condenados a pagar, a título dos trabalhos realizados a expensas da A. no imóvel sub iudice, que se estima ser não inferior a 60.000,00€, relegando-se para ulterior fase processual, designadamente após perícia, a sua precisa quantificação;
b) Serem os RR. condenados a pagar uma indemnização a título de lucros cessantes pelos prejuízos da A. desde 01-09-2009 até à presente data, que se estima em valor não inferior a 216.000,00€, a título de privação do rendimento do estabelecimento, a que acrescerão os prejuízos vincendos a esse título, que se peticionam na mesma proporção;
c) Serem os RR. condenados a pagar uma indemnização, a título de privação de um uso condigno pela A. do 1º andar para habitação, pela falta de condições do imóvel, dano que, em termos de proporcionalidade entre a ocupação que a A. logrou fazer, as parcas condições em que o fez e mesmo a inexistência de condições durante hiatos temporais consideráveis, se quantifica a título de privação de um desde 01-09-2009 até à presente data, em €21.600,00, a que acrescerão os prejuízos vincendos a esse título, que se peticionam na mesma proporção;”.
O acórdão da Relação manteve a improcedência dos referidos pedidos decidida na sentença alterando esta quanto a um deles (danos decorrentes da privação do uso do imóvel), cabendo, por isso, apreciar se em relação a cada um deles se impõe (ou não) concluir no sentido da existência de fundamentação não essencialmente diversa.

1.1.2 Da responsabilidade dos Réus pelo pagamento das obras realizadas no arrendado (conclusões IV a XXVIII da revista).
Quanto a este pedido mostra-se ponderado na sentença:
No caso em apreço, a Autora sustenta que a obrigação de suportar as obras realizadas no locado, na sequência do primeiro contrato de arrendamento, tem origem num acordo verbal entre a Autora e a primitiva senhoria GG, alcançado posteriormente à celebração do contrato outorgado em 27 de Setembro, e ainda ao início das obras de previstas e autorizadas na cláusula 6ª com a finalidade de adequar o locado aos fins a que se destinava. A este respeito, a Autora não logrou demonstrar que esta modificação superveniente do negócio tenha ocorrido e que a senhoria tenha acedido a compensar parcialmente as obras realizadas pela Autora, de acordo uma avaliação conjunta que as partes realizariam com a finalidade de apurar o valor das despesas a suportar pela senhoria. Ainda que seja plausível que o imóvel tivesse carecido da realização de mais obras do que inicialmente a Autora projectou, por se tratar de um imóvel antigo e desabitado há algum tempo, não deixa de ser relevante o facto de as partes terem incluído no contrato de arrendamento celebrado em 27 de Setembro de 2012, uma cláusula (a 4ª) com uma redacção idêntica à já referida clausula 6º, sem fazerem qualquer referencia ou ressalva a obras efectuadas ou a créditos a compensar. Assim, a primeira pretensão da Autora não pode ser acolhida.”.
O tribunal de 1ª instância julgou improcedente a pretensão da Autora alicerçado em dois fundamentos:
- por não ter sido demonstrado o acordo verbal (posterior à celebração do 1.º contrato de arrendamento) em que a Autora fez sustentar o pedido;
- por o estipulado nos contratos celebrados quanto à realização de obras no arrendado (ser a cláusula 4ª do 2.º contrato idêntica à cláusula 6ª do primeiro) prever que o custo das mesmas seriam por conta da arrendatária.
O tribunal a quo, ao confirmar a decisão manteve a mesma linha de raciocínio da sentença[4], desenvolvendo apenas algumas considerações sobre a interpretação da vontade das partes, como se evidencia do seguinte excerto:
Vejamos então o que as partes acordaram nesta matéria e o que é que uma pessoa “razoavelmente instruída, diligente e sagaz” poderá entender em face dos termos das declarações negociais contidas no contrato dos autos.
No caso em apreço, o arrendamento teve por objeto um prédio centenário, tal como referiram as testemunhas, nomeadamente as que conheciam o prédio antes do contrato dos autos.
Naturalmente, tratando-se dum prédio antigo, eram expectáveis obras para que o mesmo pudesse vir a ser adaptado aos fins a que a autora o destinou, de habitação no primeiro andar e comércio no rés-do-chão, o que as partes não podiam desde logo desconhecer.
E impunha-se desde logo à Autora, enquanto interessada no arrendamento, tendo em consideração o princípio da auto-responsabilidade das partes, que antes de decidir contratar e bem assim de se responsabilizar pelo custo das obras necessárias, que tivesse tido o cuidado de vistoriar o imóvel de forma a poder tomar a decisão de forma esclarecida, o que não terá feito, tendo sido surpreendida pela realização de obras que não estava a contar.
E porque estamos situados nas obras necessárias para o gozo que a arrendatária pretendia dar, não vemos como as mesmas não sejam aquelas que as parte previram na cláusula sexta.
Ora, as partes expressamente previram que a senhoria dava sua autorização para serem feitas todas as obras necessárias e que as mesmas seriam exclusivamente por conta da arrendatária, mais prevendo que as benfeitorias ficariam a pertencer ao arrendado.
É isto que resulta da expressão: “A arrendatária (a expensas exclusivamente por sua conta) fica desde já autorizada pela senhoria, a fazer no local arrendado, as obras necessárias aos fins a que o mesmo se destina e, todas as benfeitorias que fizer ficarão a pertencer ao local arrendado, sem direito a qualquer indemnização ou retenção”.
Faz ainda sentido o que a seguir ficou consignado na mesma cláusula, que não haveria aumento de rendas durante a duração do contrato e ainda que as partes acordavam numa opção de compra do imóvel a final, mediante um preço pré-acordado.
Como dissemos já, em situações de dúvida e sem embargo das especiais exigências no que concerne aos negócios formais, as declarações negociais devem valer com o sentido que, nos negócios onerosos, importe um maior equilíbrio contratual (arts. 237º e 238º do CC), desiderato que não parece prejudicado por uma interpretação, no sentido defendido pela R., de se considerar isenta de qualquer responsabilidade a respeito das obras que se mostraram necessárias realizar num imóvel centenário, que ademais se encontrava desabitado, como tal carecido desde o início do arrendado, de obras para nele ser exercida qualquer atividade, habitacional ou de comércio. No contexto da cláusula, visa-se dalguma forma beneficiar o arrendatário o dispêndio com as obras, dando-lhe opção de compra do imóvel, visto nele ter investido em obras e não lhe aumentando as rendas.
Esta cláusula assim interpretada, no seu todo implica um maior equilíbrio das prestações, pois permite á inquilina a recuperação do valor despendido nas obras, através da compra do imóvel, mediante um valor previamente acordado entre as partes.
Daí que se tenha de concluir que, por força do acordo entre as partes, que ficou a constar no contrato de arrendamento não haja lugar ao reembolso peticionado.”      .
Não ocorre, pois, “fundamentação essencialmente diferente” que arredaria a dupla conformidade decisória das instâncias.
Assim sendo, e relativamente ao pedido da Autora identificado na alínea a), ocorrendo dupla conforme quanto à decisão de mérito, por força do disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, mostra-se vedado a este Supremo Tribunal o conhecimento do recurso de revista interposto, pelo que não se conhece do respectivo objecto.
 
1.1.3 Do pedido de indemnização pela privação do uso do imóvel
Esta pretensão, reportada aos danos decorrentes da não utilização do locado na parte comercial (traduzidos nos lucros cessantes) e na habitacional, apenas mereceu alteração no sentido da decisão de improcedência concluída na sentença no que respeita aos primeiros, ou seja, aos prejuízos decorrentes da não utilização do locado na parte afecta ao exercício da actividade comercial.
Tratando-se de pretensões que não alcançam autonomia e tendo presente que, ao invés da 1ª instância, o tribunal a quo entendeu demonstrados os danos (lucros cessantes) em decorrência da alteração à matéria de facto operada, condenando nessa medida os Réus, há que afastar a dupla conformidade deste segmento decisório cabendo conhecer do objecto da revista cingida à apreciação dos danos peticionados (pedidos b) e c)) a título de privação do uso do imóvel.     

2. Do direito de indemnização por privação do uso do locado    
Trata-se de matéria que a Recorrente invoca a partir de XLI das conclusões de recurso.
Conforme já referido, tal pedido encontra-se delineado em função da finalidade (mista) do locado: parte afecta ao comércio e a destinada à habitação.
             
2.1 Na parte afecta à actividade comercial o acórdão recorrido, alterando a sentença, concedeu à Autora indemnização pela não utilização do locado ressarcindo-a a título de lucros cessantes, no valor de €5.249,00[5], reportados ao período que mediou o conhecimento pelos senhorios da necessidade de obras no arrendado (que considerou ter sido na data de realização da vistoria – 10 de Março de 2015) até à cessação do contrato de arrendamento (fixada  em 31-03-2016 na sequência de transacção estabelecida no âmbito da acção de despejo instaurada contra a Autora por falta de pagamento de rendas).
A decisão mostra-se sustentada em raciocínio que se consigna sob as seguintes premissas:
- a indemnização por falta de realização de obras no arrendado por parte do senhorio só pode ser equacionada após a vigência do 2.º contrato de arrendamento, por resultar provado que no 1.º contrato de arrendamento[6] a Autora (e sua família) procedeu à realização de obras nos termos estipulados contratualmente, não podendo ser imputada à senhoria qualquer responsabilidade por eventuais danos (que também não foram demonstrados) na demora da execução das obras;
- durante a vigência do 2.º contrato de arrendamento (iniciado em 27-09-2012), na decorrência do aparecimento (em 2013) de uma fissura e pela ameaça do tecto ruir[7], foi realizada (em 10 de Março de 2015 e a solicitação da Autora) uma vistoria ao prédio pela Câmara Municipal ….. onde ficou a constar o risco de queda do tecto e a existência de focos de insalubridades em paredes e tectos da habitação originados por infiltração de águas pluviais, com risco para a saúde e segurança das pessoas, comprometendo, por isso, o gozo do imóvel;
- a partir de 10 de Março de 2015 os Réus foram conhecedores da situação do arrendado não procederam  à realização de quaisquer obras, violando as obrigações de assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que se destinava (alínea b) do artigo 1031.º do Código Civil) e de realizar obras de conservação do imóvel (n.º 1 do artigo 89.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação[8] (DL n.º 555/99 de 16-12, na redação conferida pela Lei n.º 60/07, de 04-09, e n.º 1 do artigo 1074.º do Código Civil) incumprindo, por isso e nessa medida, o contrato de arrendamento;
- incumprimento que os faz incorrer em responsabilidade contratual (artigos 798º e 801º, nº 1, do Código Civil) com obrigação de indemnizar nos termos desenhados nos n.ºs 2 e 3 do artigo 566.º do Código Civil.
Insurge-se a Autora contra esta decisão refutando apenas o hiato temporal por que foi indemnizada, pretendendo que o ressarcimento reporte a 01-09-2009.
Sustenta-se, porém, em razões que não podem proceder.
Nas conclusões da revista (XLIII e XLIV) a Recorrente defende que tendo sido feita a prova de que a fissura no tecto começou em 2013 não podia o tribunal da Relação ter concluído no sentido de que, só em Março de 2015, os Réus tiveram conhecimento da situação do imóvel e estabelecido essa data como o marco inicial do ressarcimento dos prejuízos sofridos. Alega, igualmente, que tal decisão ignora a factualidade provada sob os n.ºs 10 a 15, 17, 17A e 18 e redunda em considerar que “o imóvel esteve sempre em condições até ser vistoriado pela Câmara Municipal …..!”.
O equívoco do posicionamento da Recorrente decorre em ignorar quer a realidade fáctica apurada, quer a circunstância de não se poder excluir da relação arrendatícia o dever de informação imposto ao arrendatário na alínea h) do artigo 1038.º do Código Civil.
Com efeito, a Autora não conseguiu demonstrar (como se lhe impunha em termos de ónus de prova – artigo 342.º, n.º1, do Código Civil) o acordo verbal que alegou ter sido firmado com a senhoria de que esta suportaria as obras a realizar pela arrendatária (factos não provados n.ºs 1 e 5). Antes, resulta da cláusula 6.ª do 1.º contrato de arrendamento celebrado (em 01-08-2009) que as obras a efectuar no arrendado, autorizadas pela senhoria, ficariam a expensas exclusivas da arrendatária (A arrendatária (a expensas exclusivamente por sua conta) fica desde autorizada pela senhoria, a fazer no local arrendado, as obras necessárias aos fins a que o mesmo se destina e, todas as benfeitorias que fizer ficarão a pertencer ao local arrendado, sem direito a qualquer indemnização ou retenção, salvo as que puder levantar sem qualquer prejuízo para o locado. Por acordo das partes a renda não sofrerá qualquer aumento até final do contrato, ficando dessa altura a arrendatária com a opção de compra do imóvel pelo preço de 250.000,00 euros; se a arrendatária não pretender exercer o direito de preferência na compra do imóvel, será feito novo contrato de arrendamento com a renda mensal de €1000,00 euros”).
Por outro lado, não consta da matéria de facto apurada (cfr. designadamente factos n.ºs 2, 3, 4 e 12 da matéria de facto não provada) que antes da realização da vistoria pela Câmara, onde os Réus se fizeram representar, tenha havido interpelação do senhorio para realizar obras; daí que, no entender do tribunal a quo, e bem, só a partir dessa altura ficou demonstrado nos autos o conhecimento pelo senhorio das condições do imóvel e, nessa medida, a sua eventual responsabilidade pelos danos produzidos.
Não tendo pois ficado provado nos autos que, em data anterior à vistoria, os Réus (ou a anterior senhoria) tiveram conhecimento da progressiva degradação do locado, nem que a Autora os tivesse avisado em conformidade, designadamente para a efectivação de obras de conservação, não é possível concluir que a necessidade de realização de obras antes daquela data (ainda que decorrentes da deterioração do imóvel pelo decurso do tempo) seja directa e exclusivamente imputável a uma omissão (ilícita) do senhorio, pois que tal comportamento omissivo só se tornaria ilícito se, como vimos, a Autora tivesse cumprido[9] o dever de informação a que se achava adstrita (dando conta efectiva da situação do imóvel e/ou exigido a realização de obras).
Não se demonstrou, por isso, a mora dos Réus em data anterior à vistoria, não fazendo sentido apelar para um dever geral de realização de obras e para dados de experiência comum, designadamente de que qualquer edificação carece regularmente de trabalhos conservatórios, até porque se encontra demonstrado nos autos que a própria Autora, em data relativamente recente (2009) havia realizado obras no locado.
           
2.2 Relativamente aos danos decorrentes da privação do uso da parte habitacional, o tribunal a quo confirmou a improcedência da acção com fundamento na falta de demonstração dos danos (não patrimoniais) peticionados.
Refere o acórdão “(…) constata-se que Autora limitou-se a peticionar uma indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreu em consequência da privação do uso da parte habitacional, sem contudo alegar em que consistiram tais danos. Com efeito lida a petição inicial limitou-se a afirmar no artigo 95, o seguinte: “Acresce o dano da A decorrente da privação do uso condigno do 1º andar para habitação, na medida em que a falta de condições do imóvel igualmente afetou a utilização projetada para essa parte habitacional do locado”.
Note-se que a Autora não alegou sequer se aquando da ocorrência se encontrava a habitar o arrendado e/ou se o teve de deixar de habitar, sendo certo que várias as testemunhas referiram que a Autora esteve emigrada no estrangeiro, apesar de não terem concretizado o período em que tal ocorreu.
(…) O tribunal apenas pode conhecer o que lhe é trazido em termos de factos e de pedido, não podendo ultrapassar estes limites.
A privação do gozo de uma coisa pelo titular do respetivo direito constitui um ilícito que o sistema jurídico prevê como fonte da obrigação de indemnizar, pois que, por norma ou regra, essa privação impede o respetivo proprietário/titular de dela dispor e fruir as utilidades próprias da sua natureza.
(…) Por isso mesmo, “a privação dessas concretas vantagens, e não logo a perturbação da faculdade de utilização que integra o direito de propriedade, é que importará já um dano, autonomizável da ilicitude por afetação da abstrata possibilidade de uso - um dano, portanto, bem mais próximo da ideia de vantagens que teriam podido ser fruídas depois do evento lesivo, e, assim, de vantagens ou de um “lucro” (em sentido amplo) cessante, do que de uma perda ou dano emergente em posições atualizadas do lesado”- Paulo Mota Pinto, Dano da Privação do Uso, in Responsabilidade Civil Cinquenta Anos em Portugal, Quinze Anos no Brasil, Vol. II, págs. 226 a 230.
Daí que entendamos que não basta a simples privação, em si mesma sendo necessário ainda que se alegue e prove a frustração de um propósito de proceder à utilização da coisa, demonstrando o lesado que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela atuação ilícita de outrem, o lesante.
(…) Daí que, uma vez competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não chega alegar e provar a privação da coisa, pura e simplesmente, mostrando-se ainda necessário que o autor alegue e demonstre que pretendia usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante. – Vide, por todos, neste sentido, AC STJ de 16.03.2011, de 9.07.2015 e de 14 de Julho de 2016, disponíveis in loc. citado.
Ora, o que está em causa em relação à privação de uso do prédio dos RR. é, justamente, a falta de prova das concretas vantagens sofridas pela Autora.
Repare-se que no caso em apreço, como dissemos, a A não alegou sequer se habitava o imóvel e se teve de sair daquela habitação.
Na verdade, nada se provou a esse respeito. Apenas ficou demonstrado, tendo em consideração o teor do auto de vistoria realizado pela Camara Municipal …. que inspecionou o arrendado, que a Autora por causa da falta de segurança do locado deixou de o poder utilizar. Se o fez ou não desconhece-se, porque a Autora nada alegou a este respeito…
É necessário que aquele que se arroga deste direito indemnizatório alegue e demonstre um prejuízo efetivo, o que, no caso em apreço, não sucedeu.
Por conseguinte, a indemnização pedida a este título, é de julgar improcedente.”   
Não se conforma a Autora com esta decisão defendendo ter direito à reparação do dano decorrente da privação de um uso condigno do 1.º andar afecto para habitação, considerando fundamentalmente que tal direito advém de se encontrar demonstrada a falta de condições de habitabilidade do imóvel e da existência de um arrendamento para habitação.
Considera, pois, a Recorrente que não se lhe impunha alegar e demonstrar os danos efectivamente sofridos para ser ressarcida, uma vez que os mesmos resultam do facto de o locado não se encontrar em condições para o poder habitar nos termos em que havia sido projectado quando e pela celebração do contrato de arrendamento[10].       
Embora a Autora não o refira expressamente, somos em crer, que relativamente à questão da privação do uso de um bem, a mesma se situa no posicionamento dos que defendem que o direito ao respectivo ressarcimento se basta com a alegação e prova da simples privação do uso[11].
Não obstante defendermos entendimento diverso (para além da prova da privação do uso impõe-se ao lesado alegar e provar uma concreta utilização relevante do bem[12]), consideramos que, independentemente do posicionamento a tomar quanto à questão, a pretensão da Recorrente nunca poderia proceder.       
Vejamos.

2.2.1 Como já realçado, não oferece dúvida de que estando o senhorio obrigado a assegurar o gozo do locado, impende sobre ele o dever de efectuar, na vigência do contrato, as obras necessárias ao fim do arrendamento (cfr. artigos 1022.º, 1031.º, alínea b), do Código Civil).
No caso, na parte que agora se impõe apreciar respeitante ao arrendamento para habitação (1.º andar do imóvel – cfr. n.º 4 da matéria provada), no que se refere às condições do imóvel, encontra-se apurado que a Autora, na sequência da celebração do primeiro contrato, procedeu à execução de obras no locado (que decorreram entre meados de 2009 a 2010)[13]. Resulta também provado que em 2013 o tecto da sala do 1.º andar começou a abrir uma fissura, que foi aumentando de tamanho ameaçando fazê-lo ruir (n.ºs 18 e 19 dos factos provados). Igualmente ficou demonstrado que a Autora solicitou à Câmara Municipal ….. vistoria ao imóvel, que foi realizada em 10 de Março de 2015, tendo sido elaborado Auto onde ficou a constar que o prédio “…oferece risco para a segurança de pessoas, pelo seguinte: Na sala, o revestimento do teto encontra-se fissurado e em risco de queda. Oferece risco para a saúde de pessoas pelo seguinte: Existência de focos de insalubridades em paredes e tetos da habitação originados por infiltrações de águas pluviais” – n.ºs 20 e 21 dos factos provados.
Perante este factualismo, tendo apenas ficado provado que os Réus foram notificados pela Câmara Municipal …. para a realização de obras e não deram início às mesmas (n.º 23 dos factos provados), admitindo que as deteriorações do locado resultaram apenas do decurso do tempo e desgaste dos materiais empregues na construção, não é possível concluir que a situação de degradação/inabitabilidade do 1.º andar do imóvel verificada em 2015 seja directa e exclusivamente imputável à omissão ilícita dos Réus de realizarem obras de conservação.  
Com efeito, a Autora não demonstrou nos autos (como se lhe impunha em termos de ónus de prova[14]) que havia dado conhecimento aos Réus da progressiva degradação do locado[15] e/ou que tenha exigido a realização de obras antes da situação verificada em 2015 (a fissura no tecto data de 2013, não podendo ser descurado o facto de em 2009 e 2010 terem sido realizadas pela Autora e a expensas suas obras de adaptação do locado, ou seja, necessárias para o gozo que a arrendatária pretendia dar).

Por outro lado, na sua pretensão, a Autora descura, de todo, a especificidade do regime do arrendamento.

Com a celebração do contrato de arrendamento o senhorio fica adstrito ao dever de assegurar ao arrendatário o gozo do arrendado[16] (artigos 1022.º e 1031.º, alínea b), ambos do Código Civil) para o fim a que se destina, incumprindo o contrato se, por sua culpa, o locado apresentar vício que impeça ou dificulte a realização cabal do fim para que o contrato foi destinado (artigo 1032.º, alínea b), do Código Civil).  Nessa medida, impende sobre o senhorio a obrigação de realizar as obras/reparações necessárias no locado e sobre o arrendatário a obrigação de as tolerar e de informar prontamente aquele dos vícios que comprometam o gozo da coisa e a sua desvalorização (artigos 1038.º, alíneas e) e h) e 1074.º, n.º 1, do Código Civil).

Por outro lado, o incumprimento do dever de assegurar ao arrendatário o gozo do arrendado, designadamente por falta de realização de obras de reparação[17], não só permite ao arrendatário o direito de resolver o contrato (artigos 1050.º , alínea b) e 1083.º, n.º 5, do Código Civil[18]), como, em certas situações, o pode legitimar (em casos de força maior) a invocar a excepção do não cumprimento do contrato[19] que o exonere de habitar com permanência o locado (cfr. artigos 428.º, e 1072.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil), dando-lhe ainda a possibilidade de obter uma redução da renda (artigo 1040.º, n.º 1, do Código Civil), ou mesmo ficar desobrigado do pagamento da mesma (enquanto contrapartida do gozo do locado).

Importa ter presente que, no caso, a Autora deixou de proceder ao pagamento da totalidade da renda a partir de Janeiro de 2014, sem ter demonstrado quer a impossibilidade de poder gozar o locado, quer o cumprimento do dever de informar os senhorios da necessidade de obras no imóvel.

Perante este contexto fáctico, considerando a falta de demonstração de danos por deficiente gozo do locado e não tendo a Autora querido enveredar pelos meios legais de que dispunha para colocar o locado apto ao fim contratualmente estabelecido (ou mesmo colocado fim à relação de arrendamento), nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos Réus (com fundamento na falta de obras no arrendado, designadamente de conservação) pelos prejuízos decorrentes da falta de condições de habitualidade do imóvel, designadamente as que, em Março de 2015, foram detectadas[20] quando da realização da vistoria.

Por conseguinte, também quanto a este aspecto, não podem deixar de improceder as conclusões da revista.

III – Decisão

Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pela Autora.

Lisboa, 2 de Março de 2021

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

Tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Adjuntos (artigo 15ºA, aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

_______________________________________________________


[1] Cfr. acórdãos do STJ, de 29-10-2015 e de 16-12-2020, proferidos, respectivamente nos Processos n.ºs 12380/17.4T8LSB.L1.S1 e 258/09.0TBSCR.L1.S1 (acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ).
[2] Neste sentido nos pronunciámos no acórdão de 12-02-2019, no Processo n.º 25459/15.8SNT-A.L1.S1,  acessível através das Bases Documentais do ITIJ.
[3] Cfr. sumário do acórdão de 13-07-2017, Processo n.º 1942/12.6TVLSB.L1.S1, acessível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/duplaconforme.pdf.pdf.

[4] A alteração à matéria de facto relevante para o conhecimento deste pedido (aditamento da alínea o) do facto n.º 14) levada a cabo pela Relação em nada interferiu na apreciação da decisão de direito.
[5] Tendo por referência a rentabilidade mensal no valor de € 456,51.
[6] Com opção de compra do imóvel pela arrendatária no final do contrato e que a mesma não exerceu.
[7] Como veio a acontecer em data não apurada posterior à vistoria.
[8] Nos termos do qual “As edificações devem ser objeto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético.”.
[9] Demonstrando nos autos o cumprimento desse dever.

[10] Relativamente aos danos decorrentes da privação do uso da parte habitacional do locado alegou a Autora: “95. Acresce o dano da A. decorrente da privação de um uso condigno do 1º andar para habitação, na medida em que a falta de condições do imóvel igualmente afectou a utilização projectada para essa parte habitacional do locado.

97. O direito ao descanso e à consequente integridade física e psíquica dos cidadãos constituem valores essenciais constitucionalmente protegidos.

98. Os direitos à saúde e ao repouso são direitos absolutos que visam tutelar a integridade física e moral do indivíduo e que impõe a todos o dever de se absterem de praticar actos que os ofendam.

99. Os RR. e sua falecida mãe tinham a obrigação de ter resolvido por mote próprio os problemas do imóvel, que naturalmente geraram problemas atormentadores da saúde física e psíquica da A. – porém, por sua iniciativa, nunca o fizeram.

100. Consequentemente, a A. sofreu danos não patrimoniais, os quais, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496.º do CC).

101. Mesmo durante a execução dos trabalhos custeados pela A., o ambiente de vivência naquele 1º andar era indubitavelmente um ambiente insalubre e prejudicial à sua saúde física e psíquica.

102. Com os referidos comportamentos omissivos, os RR. e sua mãe violaram os direitos da A. constitucionalmente consagrados nos art.s 9.º, 13.º n.º 1, 27.º 65.º. 66.º e 81.º a) da Constituição da República Portuguesa e o art. 70.º n.º 1 do CC.

103. Não há qualquer dúvida que a Lei Constitucional (arts. 1.º, 2.º, 69.º n.º 1, 70.º n.º 2, 72.º n.º 2 da CRP), bem como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 6.º e art. 29.º, e ainda o respectivo preâmbulo), garantem e protegem os direitos de personalidade do ser humano, enquanto manifestação da salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa humana.

104. O mesmo sucede com a nossa lei civil, no art. 70.º do CC.

(…) 106. Dano que, em termos de proporcionalidade entre a ocupação que a A. logrou fazer, as parcas condições em que o fez e mesmo a inexistência de condições durante hiatos temporais consideráveis, se quantifica, desde 01-09- 2009 até à presente data, em €21.600,00.”. 
[11] Cfr. entre outros Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 11.ª edição, p.301, Abrantes Geraldes, Cadernos de Direito Privado, Responsabilidade Civil, p. 137 e ss.
[12] Posicionamento dominante da jurisprudência deste STJ (cfr. entre outros, acórdãos do STJ de 12-07-2018, Processo n.º 2875/10.6TBPVZ.P1.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ). Na doutrina Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo, volume I, 2009, Coimbra Editora, p.594 e ss, Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil, Temas Especiais, 2015 Universidade Católica, p. 64.
[13] Concretamente no 1.º andar destinado à habitação (ponto n.º 14, alíneas j) l) e o)):
 - No 1º Piso, foi necessário reparar o telhado, bem assim proceder ao arranjo de vigas, colocação de telhas sanduiche, colocação de vigas, colocação de rufos, pintar portas, janelas e paredes interiores, canalização de cozinha, arranjar teto cozinha, emassar teto cozinha, trocar a torneira da banheira e bidé, colocar um teto pladur no quarto pequeno (na sequência da derrocada), colocar um chão em 2 quartos de trabalho, no valor de € 1.200,00;
- No Corredor, foi necessário refazer a Casa de banho (tendo sido feita completamente em azulejo), colocar 3 tetos pladur, deitar abaixo o resto da parede que caiu, fazer 2 paredes, retirar o entulho da obra, fazer piso em cimento e proceder ao seu alinhamento, picar paredes de pedra, colocar ventilador na casa de banho no valor de € 2.400,00;
- Foi colocada uma cozinha em madeira, um cilindro bem como uma torneira nova de cozinha e banca, de valores não concretamente apurados.
[14] O dever de informação adstrito ao locatário (artigo 1038.º, alínea h), do Código Civil) não pode ser dissociado de um dever de vigilância (cfr. artigo 492.º, do Código Civil).             
[15] Cabia-lhe, sem dúvida, a demonstração de ter, atempadamente, avisado o senhorio por forma a que o imóvel não ficasse na situação de degradação (que é necessariamente progressiva) verificada em 2015 e que determinou a sua inabitabilidade.
[16] Cuja contrapartida pela parte do arrendatário consiste na obrigação de pagamento da renda (artigo 1038.º, alínea a), do Código Civil).
[17] Nas situações de urgência na realização das obras, o estatuído no artigo 1036.º, do Código Civil, permite ao arrendatário proceder à execução das mesmas com direito ao respectivo reembolso. 

[18] Evidenciando que o regime da locação não se encontra configurado para permitir e ressarcir a indiferença do locatário nas situações de defeitos supervenientes no locado.
[19] A excepção do não cumprimento do contrato por parte do arrendatário impõe, nestes casos, que ocorra um nexo de causalidade ou de interdependência causal entre o incumprimento do senhorio e a suspensão da obrigação de habitar o arrendado. Para tal efeito, o senhorio deverá ser, efectivamente, o causador da impossibilidade do inquilino habitar o arrendado.
[20] E, nesse acto, conhecidas pelos senhorios.